LÍNGUA PORTUGUESA E SUA AQUISIÇÃO PROBLEMÁTICA...

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THAUANY FERREIRA AMARO LÍNGUA PORTUGUESA E SUA AQUISIÇÃO PROBLEMÁTICA SOB O OLHAR DOS HAITIANOS MORADORES DE SINOP-MT SINOP 2017

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THAUANY FERREIRA AMARO

LÍNGUA PORTUGUESA E SUA AQUISIÇÃO PROBLEMÁTICA SOB O

OLHAR DOS HAITIANOS MORADORES DE SINOP-MT

SINOP 2017

THAUANY FERREIRA AMARO

LÍNGUA PORTUGUESA E SUA AQUISIÇÃO PROBLEMÁTICA SOB O

OLHAR DOS HAITIANOS MORADORES DE SINOP-MT

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Banca Examinadora do curso de Letras, da Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT, Campus de Sinop, como requisito parcial para a obtenção do título de Licenciatura Plena em Letras.

Orientador (a): Profa. Dra. Neusa Inês Philippsen.

SINOP 2017

LÍNGUA PORTUGUESA E SUA AQUISIÇÃO PROBLEMÁTICA SOB O

OLHAR DOS HAITIANOS MORADORES DE SINOP-MT

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Banca Examinadora do Departamento de Letras, da Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT, Campus de Sinop, como requisito parcial para a obtenção do título de Licenciatura Plena em Letras.

____________________________

Thauany Ferreira Amaro Discente

_________________________________

Prof. Dra. Neusa Inês Philippsen Departamento de Letras

Orientadora

_________________________________ Profa. Ma. Helenice Joviano de Roque Faria

Departamento de Letras Banca Examinadora

_________________________________ Profa. Ma. Tamiris Marques Eng Wang

Departamento de Letras Banca Examinadora

________________________________ Profa. Ma. Luciane Lucyk

Departamento de Letras Coordenadora de TCC

_______________________________

Prof. Ms. Antonio Tadeu G. de Azevedo Coordenador do Departamento de Letras

SINOP 2017

À minha mãe, Aparecida de Fátima Ferreira, que, mesmo não estando mais

de corpo presente ao meu lado, sempre desejou isso para minha vida e sempre me

incentivou a estudar e seguir meus sonhos. Esteja onde estiver, está zelando por

mim.

AGRADECIMENTOS

Agradeço, inicialmente, à minha orientadora, Neusa Inês, que disponibilizou

do seu tempo, de sua paciência inúmeras vezes com muito carinho e foi essencial

para que este trabalho pudesse ser concluído;

Aos meus amigos mais íntimos, com uma dedicação especial para Geovani

Ferreira e Arlete Ribas, que foram compreensíveis e me apoiaram me incentivando e

auxiliando sempre que lhes era possível para minha estadia na universidade durante

esses quatro anos, e, mais que amigos, foram anjos que me cuidaram;

À minha família, que me apoiou e me auxiliou no período em que estive na

universidade.

Ao meu companheiro e amigo, Maicon Dahmer, que me deu forças para

continuar quando eu hesitei em prosseguir e contribuiu de diversas formas para a

finalização do presente trabalho.

Às minhas duas colegas de turma que se tornaram grandes amigas na vida,

Jéssica Lima, que foi minha parceira de estudos, e Tania Maria, que zelou de mim

como minha mãe teria feito desde o início até o fim do curso e a quem mantenho o

mais profundo carinho e gratidão.

Essa estrangeira, que talvez jamais venha ser inteiramente a língua para mim, no sentido que o é minha língua materna, desestrutura o meu pensar, desorganiza minha sintaxe, rearruma espaços, cria efeitos de sentido novos, insuspeitados no meu dizer o mundo. Falando outra língua, sou em outro lugar, faço sentidos diversos do que faria se só conhecesse a minha. (PIETROLUONGO, 2001).

AMARO, Thauany Ferreira. LÍNGUA PORTUGUESA E SUA AQUISIÇÃO PROBLEMÁTICA SOB O OLHAR DOS HAITIANOS MORADORES DE SINOP-MT. 2017. Trabalho de Conclusão de Curso. – UNEMAT – Universidade do Estado de Mato Grosso. Campus Universitário de Sinop. Resumo: Na região norte de Mato Grosso, mais especificamente em Sinop, não há registros acessíveis sobre como se dá a aquisição da língua portuguesa por parte dos imigrantes do Haiti, e tampouco sobre a forma como os sinopenses que convivem com os haitianos lidam com a língua materna deles; assim como também são praticamente inexistentes ações públicas em prol destes imigrantes recém-chegados. Dessa forma, urge então a necessidade de realização de estudos que possam chamar a atenção para estas problemáticas sociais e linguísticas, as quais podem ser agravadas pela procura de empregos e também pela necessidade de se comunicarem de forma digna, fator essencial para que alcancem a cidadania plena em Sinop e região, assim como em outras partes do país. E essa situação se deve a um conjunto de fatores que tem feito com que os haitianos venham para o Brasil, dentre eles o terremoto que devastou grande parte do seu país na América do Norte e assolou a economia, a presença da força militar brasileira no Haiti e também uma certa projeção internacional que o Brasil vem tendo. No entanto, ainda que a maioria destes imigrantes tenha conseguido contratação imediata no mercado de trabalho brasileiro, muitas empresas que os contratam visam, fundamentalmente, mão de obra com baixo custo. Assim, é preciso estar alerta para muitas ofertas que, aproveitando-se da vulnerabilidade desses imigrantes, da dificuldade com a língua e das necessidades urgentes de emprego, podem violar as diretrizes dos direitos dos trabalhadores e dos direitos humanos, como o trabalho escravo (ALVES, 2014). Pretendeu-se, assim, neste trabalho de pesquisa, que se ampara no aporte teórico da Sociolinguística Variacionista, contribuir para que estudos sobre estas situações sejam registrados, divulgados, e que a partir dos resultados alcançados e demonstrados aqui sejam realizadas efetivas ações públicas.

Palavras-chave: Sociolinguística Variacionista; Contatos linguísticos; Aquisição da língua portuguesa; Imigrantes haitianos.

AMARO, Thauany Ferreira. LÍNGUA PORTUGUESA E SUA AQUISIÇÃO PROBLEMÁTICA SOB O OLHAR DOS HAITIANOS MORADORES DE SINOP-MT. 2017. Trabalho de Conclusão de Curso. – UNEMAT – Universidade do Estado de Mato Grosso. Campus Universitário de Sinop. Abstract: In the north region of Mato Grosso, specially in the Sinop, not exist informations about how the haitians learned the Portuguese language and neither about the form how the sinopenses that living with Haitians deal with their native language. This form, there are the necessity of make studies that draw the attention for this social and linguistics problems whose can be worsened to job search and too for the necessity of dignified form communication, essential factor to that get it full citizenship in Sinop and all the country. This situation it is consequence of several factors that cause the coming the Haitians for the Brazil, between them the earthquake that destroyed the more part of Haiti and your economy, besides this, the presence of the Brazilian military force in the Haiti also influence in the arrived the Haitians here. However, although most of these immigrants have obtained immediate employment in the Brazilian labor market, many companies that hire them primarily aim at low cost labor. Therefore, it is necessary to be alert to many offers that, taking advantage of the vulnerability of these immigrants, the difficulty with the language and the urgent needs of employment, can violate the guidelines of the rights of workers and human rights, such as the slave labor (ALVES, 2014). Therefore, in this research work, it was intended to support the theoretical contribution of Variationist Sociolinguistic, to contribute to the studies of these situations being recorded, disseminated, and that from the results achieved and demonstrated here are carried out effective public actions. Keywords: Variacionist Sociolinguistic; Language contacts; Acquisition of the portuguese language; Haitian immigrants.

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Motivações para vir ao Brasil ....................................................... 48

Gráfico 2 – Situação de emprego dos entrevistados ...................................... 49

Gráfico 3 – Línguas conhecidas pelos haitianos ao chegarem no Brasil ........ 50

Gráfico 4 – Como você aprendeu a falar Português? ..................................... 51

Gráfico 5 – Informações sobre preconceito linguístico e aprendizado da L.P 52

Gráfico 6 – Comunicação com os imigrantes ................................................. 54

Gráfico 7 – Situações de preconceito linguístico ............................................ 55

Gráfico 8 – Aprendizado da língua crioula ...................................................... 57

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Identificação dos entrevistados haitianos ....................................... 44

Tabela 2: Identificação dos entrevistados brasileiros ..................................... 46

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO --------------------------------------------------------------------------------- 13

1. UM PANORAMA GERAL SOBRE A SOCIOLINGUÍSTICA -------------- 15

1.1 O surgimento da Sociolinguística ------------------------------------------------ 15

1.2 Terminologias Sociolinguísticas -------------------------------------------------- 17

1.3 Sociolinguística Variacionista de Labov --------------------------------------- 18

1.4 Diversidade linguística e línguas em contato -------------------------------- 20

1.5 Preconceito linguístico --------------------------------------------------------------- 23

2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E SOCIAL HAITIANA ------------- 26

2.1 Haiti: da colonização ao levante dos escravos ------------------------------ 26

2.2 A língua materna crioulo------------------------------------------------------------- 31

2.3 Catástrofes naturais fizeram o povo haitiano imigrar --------------------- 33

2.3.1 As imigrações para o Brasil ------------------------------------------------------ 35

2.3.2 A situação dos haitianos em Sinop ------------------------------------------- 38

3. METODOLOGIAS E CONSIDERAÇÔES ANALÍTICAS ------------------- 41

3.1 Aproximação e escolha dos sujeitos -------------------------------------------- 42

3.1.1 Grupo 1: haitianos moradores em Sinop ------------------------------------ 42

3.1.2 Grupo 2: brasileiros que convivem ou conviveram com haitianos no

ambiente de trabalho ----------------------------------------------------------------------- 45

3.1.3 Grupo 3: diretor político-pedagógico do campus da UNEMAT/Sinop

----------------------------------------------------------------------------------------------------- 46

3.1.4 Grupo 4 – responsável pela pasta de assistência social do

município de Sinop-MT. ------------------------------------------------------------------- 46

3.2 As entrevistas e os resultados da pesquisa ---------------------------------- 47

3.2.1 Resultado das entrevistas com os haitianos moradores de Sinop-

MT ------------------------------------------------------------------------------------------------- 48

3.2.2 Resultado das entrevistas com os brasileiros que

convivem/conviveram com haitianos no ambiente de trabalho.------------ 53

3.2.3 Resultado da entrevista com o diretor político-pedagógico da

UNEMAT/Sinop. ------------------------------------------------------------------------------ 58

3.2.4 Resultado da entrevista com a coordenadora da proteção social

básica da secretaria de assistência social do município de Sinop-MT. -- 59

CONCLUSÃO ---------------------------------------------------------------------------------- 62

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ---------------------------------------------------- 64

REFERÊNCIAS WEBGRÁFICAS -------------------------------------------------------- 65

APÊNDICE A – Perguntas para os Haitianos -------------------------------------- 67

APÊNDICE B – Perguntas para o diretor político-pedagógico e financeiro

da UNEMAT/Sinop -------------------------------------------------------------------------- 68

APÊNDICE C – Perguntas para o responsável pela pasta de Assistência

Social do município ------------------------------------------------------------------------ 69

APÊNDICE D - Perguntas para os brasileiros que convivem com os

haitianos no ambiente de trabalho ---------------------------------------------------- 70

INTRODUÇÃO

O fluxo de entrada de imigrantes no Brasil aumentou 160% num intervalo de

dez anos, segundo os números registrados pela Polícia Federal expostos em uma

reportagem do site G1 do ano de 20161. Os haitianos estão entre os mais presentes

dentre os imigrantes, uma vez que, sabe-se que, desde o terremoto acontecido no

ano de 2010 na capital haitiana, Porto Príncipe, o número de haitianos que passou a

vir para o Brasil em busca de uma vida melhor cresceu cerca de 30 vezes mais em

2015 se comparado ao ano de 2011. (VELASCO e MANTOVANI, 2016).

Entre todos os problemas enfrentados por eles, a dificuldade com a língua é

um fator agravante e precisa ser dada a devida importância, uma vez que grande

parcela de haitianos que chegam ao Brasil só fala creole (idioma derivado do

francês) e, assim, a língua portuguesa é um “obstáculo” a ser vencido. (BBC

BRASIL, 2014).

A dificuldade com a língua afeta diretamente a vida dos imigrantes que estão

no país, não só na vida pessoal, mas principalmente na vida profissional,

considerando-se que grande parte destes imigrantes tenha conseguido contratação

imediata no mercado de trabalho brasileiro, visto que muitas empresas que os

contratam visam, fundamentalmente, mão de obra com baixo custo. Assim, é preciso

estar alerta para muitas ofertas que, aproveitando-se da vulnerabilidade desses

imigrantes, da dificuldade com a língua e das necessidades urgentes de emprego,

podem violar as diretrizes dos direitos dos trabalhadores e dos direitos humanos.

(ALVES, 2014).

Portanto, a necessidade de apoio social e linguístico para com estas pessoas

é indispensável, pois, conforme o Portal Acontece News MT (2016)2, o Brasil

ofereceu refúgio, abrigo e apoio ao povo haitiano, dessa forma, a União deve

assistência a esse povo.

Nesta pesquisa enfocamos as problemáticas supracitadas, para tanto o

trabalho foi dividido em três Capítulos, mais as Considerações Finais. No primeiro

capítulo abordamos sobre o surgimento da Sociolinguística como disciplina,

1Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1446514-5602,00-

COBERTURA+COMPLETA+TERREMOTO+NO+HAITI.html. Acessado em: Acesso em 30 de janeiro de 2017. 2Disponível em: http://www.acontecenewsmt.com.br/em-sinop-haitianos-relatam-dificuldades-

no-interior-de-mt/. Acessado em: 30 de maio de 2016.

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fazendo-se um apanhado geral sobre suas principais terminologias, objeto de

estudo, explicando-se, também, o recorte Variacionista existente dentro dessa

disciplina, no qual esse trabalho se ampara principalmente.

Finalizamos o primeiro capítulo com o conceito de línguas em contato, que é

outro ponto bastante relevante neste estudo, tal como o preconceito linguístico.

No segundo capítulo, foi feita uma contextualização histórica e social em torno

da República do Haiti, por ser o país de origem dos sujeitos dessa pesquisa,

trazendo-se um apanhado geral em relação à colonização, libertação dos escravos,

os desastres naturais que assolaram o país e, ainda, sobre as línguas faladas na

ilha. Concluímos o capítulo refletindo sobre a situação dos haitianos em Sinop.

Para finalizar, no terceiro e último capítulo, explicamos como se deu a

questão metodológica desta pesquisa. Em seguida, trazemos os resultados do

presente trabalho, abordando-se sobre as entrevistas feitas, com os sujeitos, e

fechando-se com as considerações analíticas realizadas sobre o corpus.

Nas considerações finais, trazemos não somente as conclusões obtidas ao

longo da pesquisa, mas também as atualizações sobre o que há/houve de políticas

linguísticas para esse público neste munícipio do interior mato-grossense.

1. UM PANORAMA GERAL SOBRE A SOCIOLINGUÍSTICA

1.1 O surgimento da Sociolinguística

Ferdinand de Saussure (1916), um nome muito importante para a Linguística,

que, por sua vez, é a ciência que abriga várias vertentes linguísticas, dentre elas a

Sociolinguística, com seus estudos estruturalistas acerca da língua e suas

dicotomias – língua e fala, social e individual, sintagma e paradigma, sincronia e

diacronia – não considerava em seus estudos fatores externos à língua e acreditava

que a língua deveria ser estudada por si mesma.

Contudo, com os avanços da Linguística, outros estudiosos que, apesar de

partirem inicialmente dos estudos saussurianos, já começavam a considerar o

contexto em que o falante estava inserido e, assim, não apenas estudavam a língua

de forma isolada de seus falantes. É, pois, este segmento que fez surgir a

Sociolinguística.

A Sociolinguística, como supracitado, é uma das vertentes da Linguística que

estuda a relação estabelecida entre a língua falada e os seres humanos que a

utilizam. Esta ciência efetivou-se como tal por volta de meados do século XX, no

entanto, há pesquisadores que defendem a existência deste campo de pesquisa

muito antes de 1960, uma vez que Meillet [1866-1936], Bakhtin [1895-1975] e outros

linguistas do Círculo Linguístico de Praga já consideravam o contexto e as

condições em que a fala era produzida para seus estudos acerca da linguagem,

caracterizando, assim, trabalhos de natureza sociolinguística (CONTEXTO, 2015).

Corroborando com essa ideia, Bortoni-Ricardo (1977, p. 59-66, apud

BORTONI-RICARDO, 2014, p.13-14) acrescenta que houve, ainda no século XX,

duas ideias iniciais que pertenciam à Linguística Estruturalista na época e que se

tornaram fundamentais para a constituição da Sociolinguística como uma disciplina

que caminha por diversas outras disciplinas. As ditas ideias iniciais “[...] são o

relativismo cultural e a heterogeneidade linguística, inerente e sistemática.”.

Por sua vez, Tânia Alkmim (2004, p.28) diz que o termo ‘Sociolinguística’, tal

como o conhecemos – sendo parte de uma esfera de estudos inserida na área da

Linguística – surgiu de fato em 1964 em um congresso em que havia vários

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participantes estudiosos da linguagem e de sua relação com a sociedade, mas que

possuíam diferentes formações acadêmicas de vários campos do saber, os quais

tornaram a Sociolinguística uma ciência interdisciplinar, que consegue caminhar e se

atrelar a muitas outras áreas de conhecimento, dentre estes estudiosos estavam

William Labov, John Gumperz, Einar Haugen etc.

O organizador deste congresso, que ocorreu na Universidade da Califórnia

em Los Angeles (UCLA), dois anos após o evento, publicou os trabalhos que lá

foram apresentados e escreveu um texto de introdução em que caracterizava esse

novo campo de estudos. William Bright, além dos feitos supracitados, estabeleceu

um roteiro de atividades para a pesquisa Sociolinguística, para o qual “[...] identificou

um conjunto de fatores socialmente definidos com os quais supõe que a diversidade

linguística esteja relacionada” (ALKMIM, 2004, p.28). Dentre estes fatores,

destacam-se sexo, idade, escolaridade, classe, contexto social, entre outros que

foram definidos por Bright.

Pensando na Sociolinguística como disciplina científica, Bagno (2007, p.38)

reconhece que seu objetivo central é “[...] precisamente relacionar a

heterogeneidade linguística com a heterogeneidade social.”. Uma vez que “Língua e

sociedade estão indissoluvelmente entrelaçadas, entremeadas, uma influenciando a

outra, uma constituindo a outra”, dessa forma, cabe asseverar que não podemos

estudar, refletir e analisar uma língua se não formos estudar, refletir e analisar

igualmente a sociedade que a utiliza.

Para este teórico, “[...] é impossível estudar a língua sem estudar, ao mesmo

tempo, a sociedade em que essa língua é falada”, além disso, ele assegura que

outros estudiosos de outras áreas de conhecimento já perceberam também que “[...]

não dá para estudar a sociedade sem levar em conta as relações que os indivíduos

e os grupos estabelecem entre si por meio da linguagem”. (Idem).

Assim, independentemente de onde estiver localizado um grupo de falantes

da mesma língua, esta sempre apresentará variações incorporadas a si mesma,

resultantes do conjunto de pessoas distintas que a utilizam e de suas vivências que

acabam imprimindo em suas falas essas diferenças, seja de grau de escolaridade,

econômica ou outras (ALKMIM, 2004).

Alkmim (2004, p.32) retrata ainda que “[...] nenhuma língua se apresenta

como uma entidade homogênea. Isso significa dizer que qualquer língua é

representada por um conjunto de variedades.”. Afirma também que não há língua

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sem variação e nem variação sem língua, ambas são inseparáveis e dependem uma

da outra para continuarem existindo e evoluindo constantemente.

Por sua vez, cabe ressaltar que a Sociolinguística toma as variedades

linguísticas possíveis em uma como objeto de estudo, sem deixar de levar em

consideração o contexto em que elas são produzidas, assim como todos os

aspectos linguísticos imbricados nesse processo. Além disso, Bagno (2007, p.47)

chama a atenção sobre a importância da “variação que ocorre em todos os níveis da

língua”, seja ela fonético-fonológica, morfológica, sintática, semântica, lexical ou

estilístico-pragmática.

1.2 Terminologias Sociolinguísticas

Alkmim (2004, p.32) afirma que quando comunidades linguísticas são

estudadas, independente de quais sejam, o que será constatado imediatamente é

que há, nessas comunidades, variação ou diversidade, ou seja, mesmo dentro do

mesmo grupo de falantes de uma determinada língua, encontraremos pessoas que

falam de formas diferentes umas das outras. Esse fenômeno é tratado na

Sociolinguística por variedades linguísticas e ao conjunto de todas as variedades

em uma mesma sociedade denominando-se de repertório verbal.

A variação linguística, por sua vez, é o pilar principal da Sociolinguística e,

para que fosse facilitado o entendimento acerca dessa ciência, foram formuladas por

sociolinguistas seis definições exemplificadas por Marcos Bagno (2007, p.39-40), as

quais apresentaremos a seguir.

O conceito de variação é o de aceitar que uma língua apresenta variações

em seu íntimo e isso significa que a mesma é heterogênea. Para o autor, a maior

mudança com a chegada da Sociolinguística foi a de que, desde o seu surgimento, a

língua passou a ser considerada como um “substantivo coletivo”.

A variação fonético-fonológica diz respeito ao som que cada palavra tem.

Uma mesma palavra varia de pessoa para pessoa que a pronuncia.

Além dessa diferença de pronúncia, existe a variação morfológica, em que

palavras de mesmo radical e sentido têm afixos diferenciados e, ainda assim,

transmitem a mesma ideia.

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Quando se tem orações organizadas de forma díspar, cujas mesmas

propagam aos seus receptores/leitores o mesmo sentido, ocorre a variação

sintática.

Considera-se variação semântica ocasiões de uso em que a mesma palavra

dispõe de mais de um sentido, dependendo da região geográfica em que ela é

utilizada.

Por variação lexical entendem-se palavras dissemelhantes que contenham a

mesma acepção.

Há, ainda, a variação estilo-pragmática, que diz respeito ao local/situação

em que o falante se encontra.

Como já dito acima, existem diversos fatores que são responsáveis pela

variação na língua, uma vez que ela não ocorre de forma desregrada e aleatória.

Considerando-se esses fatores, criou-se uma classificação para a variação

sociolinguística, que é assim dividida:

Quando a variação é percebida decorrente da localização geográfica,

considera-se que há variação diatópica, que, segundo Bagno (2007, p. 46), “é

aquela que se verifica na comparação entre os modos de falar de lugares

diferentes”.

Se a variação aparecer de acordo com a classe social dos indivíduos, Bagno

(2007, p.46) atribui o nome de variação diastrática.

Conforme o tempo passa, as pessoas mudam e evoluem, assim também

acontece com uma língua, que muda com o tempo, sendo diferente em cada etapa

da história. Para essa mudança, o termo utilizado por Bagno (2007, p. 47) é

variação diacrônica.

Por fim, o autor aborda mais dois termos que fazem parte dessa classificação

da Sociolinguística: a variação diamésica, que é a em que “[...] se verifica na

comparação entre a língua falada e a língua escrita.”, e a variação diafásica, que

diz respeito ao “[...] uso diferenciado que cada indivíduo faz da língua de acordo com

o grau de monitoramento”, ou seja, quando o indivíduo altera seu linguajar de acordo

com o ambiente ou situação – seja formal ou informal – em que se encontra

(BAGNO, 2007, p.46-47).

1.3 Sociolinguística Variacionista de Labov

Há, no campo de pesquisa sociolinguística, três correntes de estudos com

19

focos distintos entre si, como afirmam Costa e Rebouças (2014). Sendo estas a

Sociologia da Linguagem, a Etnografia da Fala ou da Comunicação e a

Sociolinguística Variacionista. Ressaltamos que é nesta última que este trabalho de

pesquisa está amparado principalmente.

Com relação à sua constituição, cabe ressaltar que em 1962, sob orientação

de Uriel Weinreich, William Labov escreve sua dissertação de mestrado intitulada

‘The social history of sound change on the island of Martha’s Vineyard’, que foi um

marco de suma importância às bases da Sociolinguística Variacionista. Contudo, a

Teoria da Variação – também conhecida como Sociolinguística Variacionista –

adveio de um trabalho executado também por William Labov, em 1964, quando ele

pesquisou acerca da “estratificação social do inglês em New York, em que fixa um

modelo de descrição e interpretação do fenômeno linguístico no contexto social de

comunidades urbanas” (ALKMIM, 2004, p.30), trabalho esse que produziu bastante

impacto na Linguística Contemporânea.

Com a continuidade de sua pesquisa acerca do Inglês em Nova Iorque, em

1968, juntamente com Weinreich e Herzog, Labov publicou uma importante obra

intitulada ‘Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança linguística’ em que

eles criticam a posição assumida por Saussure em relação à língua como sendo

homogênea e também à insuficiente caracterização da língua como um fato social.

(BORTONI-RICARDO, 2014, p. 52).

A autora Bortoni-Ricardo declara ainda que

a Sociolinguística laboviana é também conhecida como correlacional, por admitir que o contexto social e a fala são duas identidades distintas que podem ser correlacionadas. [...] a correlação pode-se dar entre essas regras variáveis com: 1. Fatos linguísticos a elas associados, como o contexto em que ocorrem, no âmbito da frase ou do texto; 2. Fatos não linguísticos, quase sempre de natureza demográfica, que caracterizam o falante, tais como estrato socioeconômico, nível de escolaridade, gênero, faixa etária, proveniência regional etc., ou ainda 3. Com dimensões processuais na interação, como grau de atenção, formalidade, deferência etc. (2014, p.53).

Neste contexto, se considerarmos que há variações linguísticas em todas as

esferas – morfológicas, sintáticas etc. – não é errado afirmar que, uma vez que as

variáveis permanecem, provocam mudanças concretas e efetivas na língua, ou seja,

as mudanças linguísticas ocorrem também em diversos níveis linguísticos.

20

Por sua vez, William Labov, em seu livro ‘Padrões Sociolinguísticos’ (2008, p.

326, grifos do autor), nos alerta sobre cinco problemas que podem existir quando se

pensa na mudança linguística inserida em um contexto social.

Podemos identificar pelo menos cinco problemas diferentes relacionados à explicação da mudança linguística (Weinreich, Labov & Herzog, 1968), mas nem todos eles estão relacionados ao quadro social da mudança. Os condicionamentos universais sobre a mudança linguística são, por definição, independentes de qualquer comunidade particular. A questão de identificar a transição entre dois estágios quaisquer da mudança linguística é um problema linguístico interno. O problema do encaixamento tem dois aspectos: a mudança é vista como encaixada numa matriz de outras mudanças (ou constantes) linguísticas, e também como encaixada num complexo social, correlacionada com mudanças sociais. Existe também, um importante componente social no problema da avaliação – mostrar como os membros da comunidade de fala reagem à mudança em andamento e descobrir que informação expressiva as variantes veiculam. Por fim, podemos esperar que haja fatores sociais profundamente implicados no problema da implementação: por que a mudança ocorreu num tempo e lugar particulares e não em outros. (LABOV, 2008, p. 326, grifos do autor).

Nesse sentido, vale salientar que a presença de falantes de outra(s) língua(s)

em nosso país, os quais convivem com falantes nativos que têm o português como

língua materna, pode levar a mudanças linguísticas, visto que os falantes sempre

fazem adaptações vocabulares e empréstimos linguísticos para que haja a

comunicação.

1.4 Diversidade linguística e línguas em contato

Há, ao redor do mundo, uma quantidade extraordinária de línguas sendo

faladas pelas mais de sete bilhões de pessoas (ONU, 2016) que habitam a terra nos

mais de 190 países registrados pela Organização das Nações Unidas – ONU, mas

apesar desses números serem muito altos, a globalização mundial diminuiu nossas

fronteiras já que, segundo Stuart Hall,

[...] uma de suas características principais é a “compreensão de espaço-tempo”, a aceleração dos processos globais de forma que se sente que o mundo é menor e as distâncias mais curtas, que os eventos em um determinado lugar têm um impacto imediato sobre

21

pessoas e lugares situados a uma grande distância. (HALL, 2000, p.69).

O mundo, além de globalizado, segundo o autor Louis-Jean Calvet (2002,

p.35), também

[...] é plurilíngue e o plurilinguismo faz com que as línguas estejam constantemente em contato. O lugar desses contatos pode ser o indivíduo (bilíngue, ou em situação de aquisição) ou a comunidade. E o resultado dos contatos é um dos primeiros objetos de estudo da sociolinguística.

O Brasil é um país que, desde seu início, foi formado por povos de culturas

diversas e, principalmente, de línguas diversas. Antes mesmo da chegada dos

portugueses neste território já havia tal diversidade com os indígenas que aqui

estavam. Bortoni-Ricardo diz, em seu livro denominado ‘Manual de Sociolinguística’

(2014, p.23-24), que ainda há, estimadamente, 180 línguas indígenas no país e que

é possível que, antes da chegada dos portugueses, houvesse o dobro dessas

línguas.

Assim, desde o início índios e portugueses se viram em uma situação de

multilinguismo, que foi implementada, posteriormente, com a vinda de muitos

imigrantes de distintos países, contudo, a autora reitera que não há forma de

sabermos se a língua que falamos em nosso país é deveras uma ‘nova’ língua ou se

é uma variedade composta de outras línguas (BORTONI-RICARDO, 2014, p. 24), tal

como o crioulo. Nesse sentido, David DeCamp (1977), que é citado pela autora, nos

esclarece que:

Uma situação sociolinguística muito peculiar resultante de línguas em contato é a emergência de pidgins e línguas crioulas. O termo pidgins, considerado derivado da palavra business, denota uma língua de emergência desenvolvida para propiciar o contato entre estrangeiros, mais propriamente entre os colonizadores europeus – ingleses, franceses, portugueses, espanhóis e holandeses – e as populações aborígenes nos territórios por eles colonizados. (2014, p.29).

Por sua vez, o multilinguismo e os contatos linguísticos, segundo Alkmim

(2004, p.32), são de grande importância para os estudos sociolinguísticos, uma vez

que a Sociolinguística entende e aceita a diversidade linguística como “[...] uma

22

variedade constitutiva do fenômeno linguístico” e não a enxerga como sendo um

problema.

Neste contexto, mais especificamente com relação à vinda de imigrantes

haitianos ao Brasil, o fato é que no país de origem destes imigrantes a língua

portuguesa não faz parte das línguas faladas por eles, sendo oficiais o creole e o

francês, o que causa dificuldades linguísticas (BBC BRASIL, 2014) que são

enfrentadas por este grupo de estrangeiros quando aportam por aqui.

Para Calvet (2002), essa questão é abordada como uma problemática

advinda do plurilinguismo que ocorre quando um determinado indivíduo se localiza

num lugar cuja língua não é de seu conhecimento e elucida dois casos bastante

típicos: um turista que vai apenas passar por um determinado país e não pretende

ficar e um outro caso em que se encaixam os sujeitos de nossa pesquisa:

[...] uma pessoa que tem a intenção de permanecer naquela comunidade, sendo-lhe, por isso, necessário, para se assimilar, adquirir a língua da comunidade de acolhida. Esta é a situação na qual se encontram os trabalhadores migrantes, que chegam a seu país de acolhida sem conhecer, ou sabendo bem pouco a língua. Eles são forçados a adquirir essa língua no ambiente de trabalho. É interessante analisar esse tipo de aquisição. (CALVET, 2002, p.41).

Este é, portanto, um problema linguístico-social que necessita de atenção da

comunidade acolhedora desses trabalhadores imigrantes, contudo, vale ressaltar

que, quando é necessária a comunicação entre pessoas, os indivíduos estrangeiros,

juntamente com os que se encontram no país de acolhimento, sempre irão

estabelecer uma forma para se comunicarem. Conforme Calvet:

[…] essa situação implica não mais um indivíduo, mas um grupo social, confrontado com outro grupo cuja língua ele não fala e que, por sua vez, também não fala a sua. Se não há uma terceira língua disponível, e se os dois grupos têm necessidade de se comunicar, eles vão inventar para si outra forma de língua aproximativa, geralmente uma língua mista. (CALVET, 2002, p.41).

Assim, considerando a quantidade de imigrantes haitianos que estão no

Brasil, se for observado que cada um deles traz consigo uma vivência e cultura, não

seria incomum que, em lugares onde o fluxo de imigrantes é maior, com o passar

dos anos, esses grupos imprimam em seu cotidiano costumes culturais e

23

linguísticos, naturalmente uma consequência comum quando se tem línguas em

contato.

Sendo assim, os brasileiros sempre reproduziram e reproduzem em sua fala

cotidiana palavras que não são de sua nacionalidade e transmitem, através da

língua, expressões de origem estrangeira. Conforme Faraco, estrangeirismos são

“as palavras e expressões de outras línguas usadas correntemente em algumas

áreas do nosso cotidiano.”. (FARACO, 2002, p.09).

Ressalta-se, por sua vez, que interagir linguisticamente com imigrantes

falantes de outras línguas e/ou de fazer empréstimos linguísticos não é, como

propagado por muitos puristas defensores do português, uma tentativa de afetar a

língua portuguesa por causa do uso de estrangeirismos.

Dessa forma, esperamos que com a pesquisa acerca dessa temática de suma

importância ampliem-se os conhecimentos não só sobre como acontece a aquisição

de uma nova língua, mas também sobre como ocorrem os contatos linguísticos e

identitários.

1.5 Preconceito linguístico

Como já foi abordado neste trabalho, todas as línguas, sejam quais forem e

em que contexto estiverem, contêm variações dentro de sua comunidade de fala.

Com isso, não é incorreto afirmar que não há uma forma “errada” de falar

considerando-se que, não porque a mesma palavra pronunciada por pessoas

distintas soe diferente aos seus ouvidos, signifique que apenas uma estará

pronunciando X palavra de forma “correta” e as demais de forma “incorreta”. Sendo

assim, o preconceito linguístico se apresenta quando determinado indivíduo

menospreza outro em razão de considerar que o outro não sabe falar de forma

adequada a língua portuguesa.

Ilustrando melhor essa questão, Marcos Bagno (2015, p.79, grifo do autor)

traz a seguinte situação:

Diante de uma placa escrita TEATRO é provável que um pernambucano, lendo em voz alta, diga TÉ-atru, que um carioca diga TCHI-atru, que um paulistano diga TÊ-atru. E agora? Quem está certo? Ora, todos estão igualmente certos. O que acontece é que em toda comunidade linguística no mundo existe um fenômeno chamado

24

variação, isto é, nenhuma língua é falada do mesmo jeito em todos os lugares, assim como nem todas as pessoas falam a própria língua de modo idêntico o tempo todo.

Este autor, que tem diversos estudos que perpassam essa temática, lamenta

que haja essa predisposição em enaltecer a norma-padrão – que não se consegue

alcançar e utilizá-la de fato, senão em textos escritos – e que exista um desdenho

em relação à língua falada deveras, com suas variantes.

Bagno (2015, p. 85) afirma ainda que “a importância da língua falada para o

estudo científico está principalmente no fato de ser nessa língua falada que ocorrem

as mudanças e variações que incessantemente vão transformando a língua.”. Não é,

portanto, correto desvalorizar a língua falada considerando-a de menor prestígio. Até

porque as pessoas aprendem primeiro a falar para depois escrever determinada

língua, além disso, há que se considerar que a escrita também apresenta variações.

Nesse sentido, conforme o já referenciado autor, há um número dantesco de

pessoas que viveram muito bem toda a sua vida sem desenvolverem em si a

habilidade da escrita e nem por isso elas se tornaram menos aptas ou competentes

na utilização de sua língua para o seu devido fim, que é o de comunicar-se. Ele

ainda ressalva que “¾ das línguas do mundo são ágrafas, isto é, não têm forma

escrita (só no Brasil, são mais de 180).”. (BAGNO, p.85).

Contudo, de acordo com as informações supracitadas do autor, não se pode

afirmar que ele dispensa o ensino da gramática normativa, pois o mesmo afirma

ainda que

É claro que é preciso ensinar a escrever de acordo com a ortografia oficial, mas não se pode fazer isso tentando criar uma língua falada “artificial” e reprovando como “erradas” as pronúncias que são resultado da história social e cultural das pessoas que falam a língua [...] seria mais justo e democrático explicar ao aluno que ele pode dizer “bulacha” ou “bolacha”, mas que só pode escrever BOLACHA, porque é necessária uma ortografia única para toda a língua, para que todos possam ler e compreender o que está escrito – mas é preciso lembrar que ela funciona como a partitura de uma música: cada instrumentista vai interpretá-la de um modo todo seu, particular. (BAGNO, 2015, p.80).

Apesar de Marcos Bagno, em seu livro ‘Preconceito linguístico: o que é, como

se faz ’ (2015), enaltecer o preconceito praticado no Brasil com relação às pessoas

nativas que têm o português como língua materna, se for analisado que há o

preconceito com referência aos próprios brasileiros, sendo de regiões diferentes ou

25

não, que têm pronúncias e variedades divergentes, tais concepções também valem

para os haitianos, não falantes dessa língua, mesmo que aprendam esta, mas se

não perderem os traços fonéticos e fonológicos do creole estarão expostos a esse

mesmo preconceito que Bagno explica em sua obra, o qual, além de ser linguístico,

é também social. Nesse sentido, vale ressaltar ainda que

[...] os preconceitos linguísticos no discurso de quem vê nos estrangeirismos uma ameaça têm aspectos comuns a todo tipo de posição purista, mas têm também matizes próprios. […] na visão alarmista de que os estrangeirismos representam um ataque à língua, está pressuposta a noção de que existiria uma língua pura, nossa, isenta de contaminação estrangeira. Não há. (GARCEZ e ZILLES, 2002, p.28-29).

Embasado em todo esse aporte teórico e informações supracitadas durante

todo esse capítulo que, mais adiante no capítulo terceiro deste trabalho, será

analisado o corpus coletado e os resultados e conclusões obtidas no decorrer de

todo o processo de pesquisa.

Dando sequência aos estudos, no capítulo seguinte veremos de forma

abreviada a história de colonização do Haiti, tal como o processo de libertação dos

escravos conquistando, pela primeira vez antes de muitos outros, a independência.

Abordaremos também um pouco sobre o processo de construção da língua crioula,

recordando os principais motivos que fizeram os haitianos virem para o Brasil

procurar asilo e os desastres ambientais ocorridos no país que desencadearam a

migração dessas pessoas.

2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E SOCIAL HAITIANA

O presente trabalho tem, como sujeitos de pesquisa, alguns moradores de

Sinop que têm como nacionalidade o país Haiti. A fim de que se conheça melhor

esses sujeitos de pesquisa, se fez necessária a pesquisa acerca da história desse

país, assim como entender como ocorreram os desastres ambientais nos anos de

2010 e 2016, que ceifaram centenas de vidas haitianas e são importantes para que

possamos entender os motivos que fizeram com que essas pessoas deixassem seu

país de origem para virem ao Brasil.

2.1 Haiti: da colonização ao levante dos escravos

Depois da catástrofe que atingiu o Haiti em 2010, o país atraiu muitos olhares

solidários e curiosos. Cabe ressaltar que, a nível de senso comum, muitas pessoas

acham que o mesmo está geograficamente localizado no Continente africano devido

ao grande número de população negra que lá habita.

No entanto, oficialmente denominada República do Haiti, o Haiti está

localizado geograficamente na América Central, compondo uma das ilhas do Caribe,

e está situado a menos de 80 km do sudoeste de Cuba. O país ocupa a posição de

ser a segunda maior ilha que há no Caribe. É composto de terras montanhosas que

ficam entre o Oceano Atlântico no Mar do Norte e o Mar do Caribe no Sul, o Haiti

também é possuidor de diversas ilhas que cercam o território principal, como a ilha

La Gonâve, La Tortue, l'Ile-à-Vache, La Navase etc3.

3 Disponível em: haiti.org/haiti-at-a-glance/. Acesso em: 18 de setembro de 2017. As

informações deste subitem foram retiradas do site oficial da República do Haiti e a tradução para o português é nossa.

27

Figura 1: Localização do Haiti no mapa Mundi

Fonte: Internet4

O site oficial da República do Haiti, em seus dados populacionais, traz que

cerca de mais de 9 milhões de pessoas habitavam o país em 2012 – que é a data da

atualização do senso contida neste site. No entanto, em pesquisa mais recente da

Central Intelligence Agency (C.I.A) dos Estados Unidos da América, atualizada no

mês de julho de 2016, os números apontam que há, na população haitiana,

aproximadamente 10.485.800 pessoas, sendo, deste número populacional, 95% de

negros e apenas 5% de mulatos ou brancos. A história de construção do Haiti

explica facilmente o porquê dessa quantidade dantesca de pessoas negras.

Ainda conforme os dados da C.I.A (2017), o país tem uma história bastante

sangrenta e de imensa força por parte de seu povo. Christopher Columbus –

conhecido pelos brasileiros como Cristóvão Colombo – encontrou a ilha em 1492 e a

batizou de Hispaniola, no entanto, em seu processo de colonização, as pessoas que

lá foram encontradas, os nativos Taino, foram completamente e impiedosamente

dizimados pelos colonizadores espanhóis em pouco mais de 20 anos, tornando

assim o país completamente tomado pela Espanha, até que, tempos mais tarde, na

segunda metade do século XVII, mais precisamente em 1697, os franceses e os

espanhóis conseguiram acordar em ceder à França o terço ocidental da ilha, que

mais adiante se tornaria o Haiti.

Após o massacre dos nativos e o acordo entre as coroas francesa e

espanhola, a parte ocidental da ilha, que ficou sob responsabilidade da França, foi

utilizada para expandir ainda mais a economia da colônia francesa que estava

4 Disponível em: http://www.indexmundi.com/pt/haiti/. Acesso em 18 de novembro de 2017.

28

baseada principalmente em indústrias florestais e relacionadas com o açúcar, o que

só foi possível em consequência da importação pesada de pessoas para servirem

de mão de obra escrava e da grande devastação ambiental do local.

Já sendo considerada uma das colônias mais ricas do Caribe, no decorrer do

século XVIII e início do século XIX, o Haiti tinha em torno de meio milhão de

escravos importados frente a pouco mais de trinta mil brancos para escravizá-los.

Por sua vez, a população livre, que já não era composta apenas por brancos, mas

também por algumas pessoas negras que foram libertadas de sua escravidão e

outras que eram fruto das relações entre brancos e escravos (mulatos), começou a

organizar-se para reclamar a independência do país da colônia francesa e os quase

500 mil escravos se organizavam para que pudessem lutar por sua liberdade.

Os escravos do Haiti trabalhavam sob um severo tratamento. Segundo

Gorender:

O tratamento dado pelos escravistas aos seus servidores era terrivelmente cruel. A par do trabalho, que esgotava rapidamente as energias, pesavam sobre os escravos a alimentação escassa, a moradia sórdida e a inexistência de assistência médica. A labuta diária se processava durante longas jornadas, sob acionamento freqüente do açoite dos feitores. Qualquer expressão recalcitrante era logo duramente castigada. Os mais indisciplinados sofriam o castigo de serem enterrados de pé, apenas com a cabeça de fora. Assim imobilizados, acabavam mortos depois de sofrer a horrível tortura de ter o rosto lentamente devorado pelos insetos e abutres. (GORENDER, 2004, p. 297).

Diante desse cenário de exploração, a rebelião dos escravos haitianos eclodiu

efetivamente em 1791 – dois anos após a Revolução de 1789, que foi responsável

pela emancipação dos escravos nas colônias francesas. Inicialmente a rebelião foi

acontecendo e crescendo conforme a notícia da Convenção de Libertação ia se

espalhando pela ilha. Sem um grupo fixo para liderar e organizar, a revolta era

desgovernada. Os escravos foram abandonando as plantações em que

trabalhavam, destruindo as casas de engenho, agrediam os brancos e matavam os

proprietários que cruzassem seus caminhos. Por sua vez, sem uma liderança

definida, estabeleceu-se o caos na ilha. (GORENDER, 2004).

Esse caos que se estabeleceu após o início da rebelião não foi cessado

imediatamente. Somente após passados três anos, o levante dos escravos obteve

um personagem de suma importância e rebeldia que seria capaz de guiar o povo

29

negro do Haiti nas batalhas que precisariam vencer para alçarem seus objetivos:

Toussaint Bréda.

Toussaint era filho de um chefe tribal africano transferido como escravo para São Domingos. Ali, comprou-o um senhor dotado de alguma benevolência, que percebeu as qualidades intelectuais do novo escravo. Deu-lhe a condição de capataz de uma turma de trabalhadores e uma esposa. (GORENDER, 2004, p. 297).

Este senhor também percebera que o filho primogênito do casal era dotado

de inteligência assim como o pai e Toussaint então fora agraciado com alguns

privilégios, tal como ser alfabetizado, foi-lhe ensinado a ler, escrever e também a

falar o francês culto, apesar de ter permanecido na condição de escravo. Mas,

diferentemente dos outros escravos, que falavam apenas o francês crioulo – que,

por sua vez, era desprezado pelos franceses –, Toussaint Bréda era muito mais

instruído, conhecia geometria, havia lido livros que abordavam a temática da guerra

e de rebeliões de escravos.

Dotado de instrução bem acima dos ex-escravos, Toussaint não encontrou grandes obstáculos para ganhar ascendência entre eles e aglutinar um exército de combatentes sob o seu comando. Com uma tropa disciplinada e organizada, derrotou os exércitos dos franceses, dos ehóis, que pretendiam apossar-se da parte francesa da ilha, e dos ingleses, preocupados com a contaminação que o exemplo da possessão francesa poderia produzir nas suas próprias possessões antilhanas. (GORENDER, 2004, p.298).

Toussaint havia conseguido vencer as batalhas e a confiança do movimento

dos negros ex-escravos que o cercavam, no entanto, para que pudesse manter a

economia funcionando, ele acabou quase que obrigando as pessoas, que agora já

não estavam mais sob a condição de escravos, a voltarem para as fazendas e

trabalharem arduamente para que mantivesse o posto da colônia francesa de maior

produtor de açúcar que estava ocupando. Com algumas atitudes como essa e outras

que beneficiavam os brancos, o, até o momento, aclamado líder, começou a

conquistar a inimizade daqueles que um dia lutaram ao seu lado pela libertação.

Napoleão Bonaparte, que havia feito um acordo com Toussaint, envia para a

ilha tropas armadas com mais de 30 mil homens, dentre eles, o cunhado e tenente

Leclerc no comando do exército com o objetivo de retomar o lugar e, posteriormente,

reinstaurar a escravidão de negros. Contudo, Moïse, sobrinho do líder dos negros,

30

desconfiado que o atual líder estivesse de acordo com os planejamentos de resgatar

a escravidão de Bonaparte, consegue apoio e organiza o ataque às tropas da

França, o que, mais tarde, despertaria a fúria do comandante Leclerc, fazendo com

que ele prendesse e deixasse morrer em cárcere Toussaint sem ao menos dar a

chance de julgamento para tal.

Em decorrência da morte de seu líder, os demais comandantes dos negros

haitianos se organizaram e prosseguiram lutando fortemente contra as tropas de

Leclerc, que já estavam sofrendo com a febre amarela, dessa forma não demoraram

a ceder à pressão dos negros e abandonaram as terras. Assim, os ex-escravos,

após matarem quase todos os brancos proprietários de engenhos que restaram,

nomearam a ilha de Haiti, conquistando sua independência em 1803, conforme nos

afirma o historiador Gorender.

A 29 de novembro de 1803, os revolucionários negros divulgaram uma declaração preliminar de Independência. A 31 de dezembro, foi lida a Declaração de Independência definitiva. O novo Estado recebeu, no batismo, a denominação indígena de Haiti. (GORENDER, 2004, p.300).

A República do Haiti, contudo, sofreu muito com a instabilidade política

apesar de ter sido a primeira república que fora proclamada sob o contexto de

revolta de escravos e isso acabou isolando o país dos demais que estão ao seu

entorno, podando qualquer tentativa de ascensão econômica que possa partir dali.

O Secretário-Geral do Ministério das Relações Exteriores em 2010, Antonio

de Aguiar Patriota, aborda uma possível explicação para este fato:

[...] o receio de que o exemplo haitiano pudesse induzir revoltas em outras colônias fez com que as potências metropolitanas impusessem um bloqueio contra o país caribenho. Assim, o Haiti, que na virada do século XVIII para o XIX representava cerca de 25% do comércio exterior da França, e que chegara a contar com um produto interno bruto (PIB) superior ao das treze colônias norte-americanas somadas, foi imerso numa espiral de empobrecimento e de instabilidade. (PATRIOTA, 2010, p. 70).

Para além desse fato, Gorender ainda ressalta que

Os ex-escravos, por sua vez, viram-se definitivamente livres do trabalho compulsório nas plantações de cana e nos engenhos de açúcar. Sob as presidências de Pétion e Boyer, passaram a se

31

dedicar à tradição herdada da África, ou seja, à agricultura de subsistência. O Haiti saiu do mercado mundial do açúcar e eliminou a possibilidade de progredir em direção a um nível econômico superior. De colônia mais produtiva das Américas passou a país independente pauperizado e fora de um intercâmbio favorável na economia internacional. (GORENDER, 2004, p. 300).

Diante desse quadro, conseguimos observar que, além de ter uma história de

bastante peso histórico devido às suas conquistas de Independência, o Haiti não

ascendeu economicamente devido ao medo das demais colônias se espelharem nas

revoltas e seguirem o mesmo caminho. O isolamento econômico funcionou com

tamanha excelência que atualmente o país é o mais pobre do Hemisfério Ocidental,

de acordo com a Central Intelligence Agency (C.I.A), (2017).

2.2 A língua materna crioulo

A República do Haiti tem como línguas oficiais o francês e o crioulo, no

entanto, como ressaltam Costa e Pereira (2016, p.124):

Apesar da co-oficialização dessas línguas, as funções que elas exercem são distintas. O crioulo é a língua nacional da maioria, aquela utilizada em casa, com familiares e amigos, a primeira língua da maioria da população. O francês faz parte da herança cultural deixada pelos colonizadores, sendo a língua aprendida na escola, encontrada em grande parte dos meios de comunicação e a que possui um status superior frente ao crioulo.

Em outras palavras: “[...] as línguas crioula e francesa, no Haiti, são

distribuídas por meio de marcadores sociais: quanto mais escolarizado e com maior

poder socioeconômico, mais o indivíduo tende a se aproximar do francês.”. (COSTA;

PEREIRA, 2016, p.124).

Para esta pesquisa, vamos nos ater apenas ao crioulo, buscando

compreender um pouco sobre o seu surgimento e definição.

Para essa compreensão, buscamos, inicialmente, o significado da palavra

‘crioulo’ no dicionário on-line ‘Aurélio’ e, de acordo com o mesmo, é a “língua,

originada pelo contato de uma língua europeia com a língua nativa de uma região,

que se tornou língua materna de uma comunidade.”. (AURÉLIO, 2016).

É importante esclarecer que a língua crioula não é exclusiva dos haitianos,

tampouco variedade única do francês. Essa variedade de língua ocorre também em

32

outras línguas, como a alemã, espanhola, portuguesa, dentre outras. Basta que

duas ou mais pessoas falantes de línguas em contato se comuniquem, para que

possam criar uma língua adicional para estabelecerem comunicação. Calvet, assim

exemplifica esse fenômeno:

É, por exemplo, o que se produziu nos deslocamentos de escravos da África para as ilhas: de origens diferentes, misturados nas plantações, os negros não podiam se comunicar em suas línguas primeiras e tiveram de criar para si uma língua aproximativa, um pidgin. (CALVET, 2002, p. 51-52).

Essa nova língua que é criada pelas pessoas para que possam, inicialmente,

se comunicar se fixa então no cotidiano e, conforme o passar do tempo, as crianças

vão adquirindo essa língua como sendo a materna e assim instaura-se o crioulo em

uma comunidade de fala.

Mesmo no meio científico, o surgimento de um crioulo ainda é motivo de

pesquisas, pois há discordâncias entre os pesquisadores. De acordo com Louis-

Jean Calvet (grifo do autor)

com efeito, nem todos os lingüistas estão de acordo sobre a origem dos pidgins e dos crioulos (duas hipóteses se opõem, a hipótese monogenética e a hipótese poligenética) e sobre seus processos de formação. Para alguns, um crioulo é um pidgin que se tornou língua veicular (isto é, a língua primeira de uma comunidade), tendo um léxico muito mais ampliado, uma sintaxe mais elaborada e campos de uso variados. O crioulo se caracterizaria então por um vocabulário emprestado a uma língua dominante, a dos plantadores e uma sintaxe fundada sobre a sintaxe das línguas africanas. Outros enfatizam que nenhuma descrição pôde provar verdadeiramente as relações entre gramática dos crioulos e as das línguas africanas e se inclinam especialmente para a hipótese de uma aproximação de aproximação. (CALVET, 2002, p.52).

As discussões em torno do surgimento e funcionamento de um crioulo

poderiam ser prolongadas muito mais ainda, contudo, não é este o objetivo desta

pesquisa, por sua vez, vale a pena ainda parafrasear a fala de Calvet (2002),

dizendo que não devemos mais prosseguir com nosso costume que já vem sendo

reproduzido a tempos de desvalorizar e considerar os crioulos inferiores, pois, assim

como qualquer outra língua, apenas possui uma forma divergente. No caso

específico do crioulo haitiano, já foi promovido à posição de língua oficial e também

é ensinado nas escolas juntamente com o francês.

33

2.3 Catástrofes naturais fizeram o povo haitiano imigrar

O Haiti está localizado, geograficamente, em um local bastante propenso a

terremotos por sua formação montanhosa, o país está sobre divisões de placas

tectônicas que podem se movimentar facilmente. E foi em decorrência disso que, em

2010, o país foi vítima de um terremoto de enorme magnitude. De acordo com

notícias registradas no website G15 (2010):

O terremoto de magnitude 7 que matou cerca de 200 mil haitianos no início deste ano não foi causado por deslocamento na falha geológica de Enriquillo-Plantain Garden, como os cientistas imaginavam. A verdadeira causa foi o colapso de múltiplas falhas, sendo que uma delas, mais profunda, nem era conhecida pelos geólogos. As conclusões foram publicadas no site da revista especializada “Nature Geoscience”. A falha de Enriquillo é a “fronteira” entre a placa tectônica do Caribe e a placa Norte-Americana.

Muitos haitianos então deixaram seu país e imigraram para distintos

lugares/países no intuito de terem uma vida melhor e conseguirem empregos para

auxiliarem seus familiares que no Haiti ficaram após o terremoto de 2010, que

deixou pelo menos 200 mil mortos no país e devastou a capital Porto Príncipe (G1,

2010).

Frente ao caos econômico e político que já havia no país, antes mesmo dessa

grande catástrofe, a Organização das Nações Unidas (ONU) precisou intervir, então

foi criada a Missão das Nações Unidas de Estabilização do Haiti (MINUSTAH), a fim

de restaurar o país e fazer com que ele voltasse a crescer, fato este que fora de

suma importância para a República do Haiti. Cabe ressaltar que o Brasil fez parte

desta Missão, como aborda Patriota (2010, p.71-72):

O governo e a sociedade brasileiros, de sua parte, vêm dando mostras inequívocas de seu continuado engajamento em favor do Haiti. Após o terremoto, o Brasil destinou ao país caribenho mais de 800 toneladas de donativos – alimentos e medicamentos –, transportados em voos especiais da Força Aérea Brasileira. Atendendo à solicitação do secretário-geral das Nações Unidas, o Brasil aumentou seu efetivo militar no Haiti para enfrentar as urgências geradas pelo desastre e enviou prontamente mais 900 militares e um corpo de médicos civis e militares voluntários. O

5 Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1446514-5602,00-

COBERTURA+COMPLETA+TERREMOTO+NO+HAITI.html. Acesso em 30 de janeiro de 2017.

34

governo brasileiro providenciou um destaque orçamentário imediato de mais de US$ 200 milhões para assistência humanitária de emergência ao Haiti e ofereceu cooperação imediata por meio de iniciativas como impressão gratuita de cédulas de moeda haitiana, contribuição emergencial ao orçamento, oferta de 500 bolsas de conclusão de graduação e de pós-graduação a estudantes haitianos.

Antonio de Aguair Patriota (2010, p 73) menciona também em seu artigo que,

os números da destruição humana e material provocada pelo terremoto são chocantes. Segundo avaliação preliminar, registraram-se 220 mil mortos; 300 mil feridos; e 1,3 milhão de desabrigados. Mais de cem integrantes do esforço das Nações Unidas no Haiti perderam a vida, inclusive Hédi Annabi, representante especial do secretário-geral da ONU, e o representante especial adjunto, o brasileiro Luiz Carlos da Costa. Mais de vinte outros brasileiros também pereceram, entre os quais Zilda Arns, coordenadora internacional da Pastoral da Criança, e 18 militares. O valor total da destruição causada pelo terremoto foi estimado em US$ 7,9 bilhões, cifra equivalente a 120% do PIB haitiano em 2009.

Afora a sua história conturbada e suas instabilidades políticas, depois de ter

passado pelo terremoto em janeiro de 2010 o país caribenho, que não havia ainda

se recuperado desta tragédia, pois, além da grande quantidade de mortos deixou

também uma perda material exacerbada, foi assolado novamente por um outro

desastre ambiental: O furacão Matthew, que deixou quase 900 mortos no país e o

imergiu mais ainda no caos, como abordado na reportagem de Silvia Ayuso, em

outubro de 2016, no site jornalístico internacional El País6:

O balanço, ainda provisório, de mortos na área sul do Haiti após a passagem do furacão continua subindo e passou, na quinta-feira, de 140 para 283, de acordo com relatórios recentes do Governo. Uma estimativa da agência Reuters eleva para 877, citando fontes de ajuda humanitária. Muitas das vítimas, de acordo com estas fontes, morreram quando árvores caíram sobre elas, pelo colapso de casas e nas inundações provocadas por ventos de mais de 230 quilômetros por hora.

O número de mortos não foi concluído com precisão, mas poderia ter sido

evitado ou reduzido se o governo do país tivesse tomado providências de

evacuação, tal como ocorreu em outros países que também foram vitimados.

6 Disponível em:

https://brasil.elpais.com/brasil/2016/10/06/internacional/1475746470_475357.html. Acesso em 09 de julho de 2017.

35

A cidade cubana de Baracoa, onde o furacão foi especialmente destrutivo, ficou em ruínas. Foram contadas pelo menos 749 casas atingidas pelas inundações e mais de 35.000 pessoas evacuadas. [...] No total, as autoridades cubanas retiraram mais de 1,3 milhão de pessoas em toda a metade oriental da ilha antes da passagem do Matthews, realocados em abrigos, edifícios públicos ou casas de família mais seguras, uma medida preventiva que evitou vítimas fatais. (AYUSO, 20167).

Ainda com relação às imigrações, apesar dos haitianos terem tido motivos

bem relevantes, como os supracitados, para deixarem seu país de origem, Baumam

(2001) explana, por sua vez, que é característica da sociedade moderna a “fluidez” e

“liquidez”, utilizando esses termos como metáforas para definir o estágio em que ela

se encontra atualmente.

2.3.1 As imigrações para o Brasil

Com relação aos haitianos presentes no Brasil, conforme Ferronato, cabe

destacar que

Os imigrantes haitianos, em busca de melhores condições de vida, “diluíram-se”, “fragmentaram-se”, “escorreram” pelo mundo, deixando para trás as sociedades tradicionais e as identidades sólidas que os constituíam. Muitos deles viram no Brasil uma possibilidade de recomeço. Não pensaram na barreira que o desconhecimento do idioma lhes poderia causar na convivência com o novo. Diariamente, embora inseguros, agem como líquidos: modelam, contornam e adaptam falas e situações conforme as necessidades, fato este que também está atrelado às suas origens linguísticas. (FERRONATO, 2014, p. 38)

O relatório anual de 2016 do Observatório das Migrações Internacionais

(OBMigra) sobre a inserção de imigrantes no mercado de trabalho brasileiro nos

mostra como a população haitiana presente no Brasil já está bastante incorporada

ao mercado de trabalho:

7Disponível em:

https://brasil.elpais.com/brasil/2016/10/06/internacional/1475746470_475357.html. Acesso em 09 de julho de 2017.

8 Disponível em:

http://www.sbece.com.br/2015/resources/anais/3/1430047706_ARQUIVO_imigracaoelinguagens.pdf. Acesso em: 12 de fevereiro de 2017.

36

A presença dos trabalhadores imigrantes no mercado de trabalho formal no Brasil cresceu de forma exponencial durante os primeiros anos desta década. Segundo os dados analisados neste documento, o mercado de trabalho absorveu trabalhadores imigrantes, tanto nas atividades altamente qualificadas, quanto naquelas que exigem pouca qualificação. Nesse curto, mas intenso período de chegada de imigrantes, o mercado de trabalho absorveu essa população, com destaque para os chamados novos fluxos imigratórios, composto por pessoas com diferentes origens geográficas, sociais, culturais, entre outras. Entre esses novos e diversificados fluxos de imigrantes, destacam-se as pessoas oriundas do sul global. O exemplo mais emblemático é o caso dos haitianos que passaram de algumas poucas dezenas em 2010 a se consolidarem - desde o ano 2013 - como a principal nacionalidade estrangeira no mercado de trabalho brasileiro. (ALMEIDA, 2016, p.7).

Esse crescimento dantesco de imigrantes em menos de uma década de

intervalo, como mostrado no excerto acima, não é unicamente de haitianos, no

entanto, eles se destacam mais do que os de outros países. Ainda utilizando-nos

das definições expostas no mesmo relatório, pelos pesquisadores do OBMigra

Oliveira, Matos, Furtado, Quintino e Dick (2016, p.9), pontuaremos, a seguir, a

diferença entre as tipologias dos que passam/residem pelo Brasil.

A categoria residente “é constituída basicamente por pessoas que se movem

por motivo de turismo, migrantes de retorno, bem como brasileiros deportados,

expulsos, extraditados e inadmitidos no exterior.”.

Consideram-se temporários “estrangeiros que ingressam no país para

desenvolver atividades profissionais, acadêmicas ou religiosas, como professores,

cientistas, jornalistas, artistas, desportistas, viajantes a negócios ou com algum

contrato de trabalho com entidade pública ou privada.”. Esses podendo ficar no país

por mais de 90 dias e menos de um ano.

A tipologia trânsito é uma outra categoria temporária que se diferencia pelo

perfil de pessoas que ficam um tempo curtíssimo no país.

Enquadram-se na categoria de turista “estrangeiros em viagem de turismo de

lazer ou negócios, com prazo de permanência máximo de noventa dias.”.

Aos indivíduos moradores de fronteiras secas e que necessitam adentrar o

país para finalidade de trabalho ou afazeres do cotidiano, a tipologia denomina-se

pendular.

37

Por fim, destacamos a definição trazida no documento à tipologia migrante,

que é

destinada a agrupar os indivíduos cuja especificação da classificação indica permanência mais longa dos estrangeiros em território brasileiro ou a saída daqueles que permaneceram por um período de tempo mais largo. Engloba asilados; estrangeiros deportados, expulsos ou extraditados; refugiados; solicitantes de refúgio; diplomatas e seus familiares; estrangeiros com vistos ou tramitação de permanência; reunificação familiar; portugueses com igualdades de direitos civis e políticos; estrangeiros contemplados pelo Acordo de Residência do Mercosul e Programa Mais Médicos. (OLIVEIRA; MATOS; FURTADO; QUINTINO; DICK, 2016, p.9).

De acordo com o site oficial da Ordem dos Advogados do Brasil 6° subseção

de Sinop-MT, “oficialmente a União reconhece os haitianos como refugiados. Ao

adentrarem o país, eles recebem Carteira de Trabalho e número de CPF, o que lhes

garante direitos trabalhistas.” (MACHADO, 20149).

Condição essa que só é possível de ser concedida a essas pessoas devido a

uma resolução normativa, citada por Costa e Pereira (2016, p.119),

Art. 1° Ao nacional do Haiti poderá ser concedido o visto permanente previsto no art. 16 da Lei n°6.815, de 19 de agosto de 1980, por razões humanitárias, condicionado ao prazo de 5 (cinco) anos, nos termos do art. 18 da mesma Lei, circunstância de que constará da Cédula de Identidade do Estrangeiro. Parágrafo único. Consideram-se razões humanitárias, para efeito desta Resolução Normativa, aquelas resultantes do agravamento das condições de vida da população haitiana em decorrência do terremoto ocorrido naquele país em 12 de janeiro de 2010. (RESOLUÇÃO NORMATIVA 97/2012).

Estas autoras fazem, ainda, uma afirmação relevante para ser mencionada

neste trabalho. Elas abordam que o esforço que o governo fez – redigindo novas leis

– para que os haitianos pudessem ter o visto permanente no país pelo período de

cinco anos, possibilitando-os de ter acesso não somente ao trabalho para melhorar a

condição de vida, mas também à saúde e educação, pode ter sido de grande

influência para que o fluxo migratório aumentasse ainda mais.

9 Disponível em: http://www.oabsinop.com.br/?mega=news_detalhe&cod=874. Acesso em: 15

de novembro de 2017.

38

2.3.2 A situação dos haitianos em Sinop

Conforme os nossos entrevistados afirmaram, uma das portas de entrada dos

haitianos no Brasil era pelo Acre, mais especificamente na cidade de Brasiléia, pois

lá havia uma casa de apoio e os governantes da cidade assumiam o compromisso

de enviar ônibus lotados de imigrantes de diversas partes do mundo para a capital

de São Paulo para que, a partir dali, pudessem tomar rumo a outros cantos do país,

ou até mesmo ficarem na metrópole. Indo onde houvesse trabalho, parentes, amigos

ou conhecidos que pudessem (re)encontrar e lhes ajudar a se estabelecerem.

Na cidade de Sinop-MT, localizada no Norte mato-grossense e distante a

500Km da capital Cuiabá, por sua vez, a maioria dos imigrantes haitianos veio, mais

especificamente, por causa do contato estabelecido com um frigorífico de carnes

denominado Frialto. Esse frigorífico recrutou, a partir de 2012, grande quantidade de

trabalhadores que foram contatados diretamente na casa de apoio supracitada.

Quando os haitianos chegam aqui, o governo do Brasil recebe bem totó mundo... o governo dá tudo que as pessoas tá precisando pra funcionar, dá o CPF, dá o protocolo, dá tudo, dá tudo. Tem pessoa que passa e que não tinha visto, que faz refugiado. Então o governo dá comida, antes uma empresa foi lá buscar a gente pra trabaiá... Eu chegar lá no Acre, Rio Branco. Depois o empresa Frialto foi lá buscar a gente pra trabaiá... passei só 15 dias lá no Acre, depois Frialto já foi lá buscar a gente pra trabaiá... eu vem pra cá direto, daqui eu fica aqui mesmo. (Entrevistado haitiano – H2).

Assim, não era/é incomum que as famílias reunissem/reúnam suas

economias para que pudessem/possam comprar passagem para que um integrante

venha para o Brasil – às vezes tendo que passar por severas dificuldades durante a

viagem – no intuito de conseguir um emprego e mandar o máximo de dinheiro

possível ao restante da família que lá ficou.

Dos haitianos que conseguimos entrevistar, quase nenhum quis falar sobre o

percurso que fizeram até chegar ao Brasil, provavelmente porque tenha relação com

a dificuldade que tiveram até a chegada no país.

Além disso, cabe ressaltar que, mesmo havendo a possibilidade de pegar o

visto de refugiado lá no Haiti antes de viajarem, muitos vieram sem este visto, pois

havia um número limitado de vistos a serem emitidos e as filas se tornaram grandes

após a catástrofe de 2010, dessa forma, no ímpeto do desespero, muitos

39

arriscaram-se na mão dos coiotes da República Dominicana, que era a solução mais

prática na época. (FERNANDES e FARIAS, 2017).

Segundo o site jornalístico Gc Notícias (2016), residem atualmente em Sinop

cerca de 200 imigrantes haitianos. No entanto, não há registro legal da prefeitura

com o comprometimento em cuidar da inserção social destes imigrantes, bem como

sobre disponibilizar o ensino de Língua Portuguesa, tampouco sobre acompanhar

como está sendo esse processo de contato entre as línguas para os brasileiros que

convivem com estes imigrantes.

Em entrevista com, a responsável pela pasta de assistência social do

município, esta disse que a forma que eles auxiliam os haitianos é com passagens

terrestres para a capital do Estado, pois lá eles têm uma organização que os acolhe

e os auxilia com questões de documentação.

Cabe ressaltar ainda que, além da questão linguística, os imigrantes, que vêm

para cá no intuito de inserção no mercado de trabalho, também precisam enfrentar

problemas de caráter discriminatório, pois recebem salários menores que os

brasileiros que exercem a mesma função dentro de uma empresa, como deixa claro

essa matéria publicada por Suzana Machado na página da Ordem dos Advogados

do Brasil (OAB) de Sinop em 2014 em que aborda sobre o relato de um grupo de

haitianos residentes no município que estariam passando por dificuldades.

Entre os principais problemas apontados pelo grupo está a questão salarial. Os haitianos afirmam que recebem valores abaixo dos pagos aos brasileiros. O idioma natural (crioulo ou francês) é apontado como um dos entraves pelos empregadores, segundo um haitiano que prefere não ser identificado. “Os que são assalariados recebem valores menores do que os brasileiros. A maioria trabalha na informalidade, ou seja, fazem diárias. Vários possuem qualificação em diversas áreas, têm ensino superior completo ou cursavam algum curso superior no Haiti. A situação de refugiados, o idioma diferente, a falta do português fluente e outros fatores são usados como desculpa ou argumentos pelos empregadores para nos pagarem valores abaixo dos que realmente são praticados ou pagos a brasileiros que ocupam os mesmos cargos que nós”, declara o haitiano.10

10

Disponível em: http://www.oabsinop.com.br/?mega=news_detalhe&cod=874. Acesso em: 15 de novembro de 2017.

40

No capítulo sequente nos ateremos a explicitar como foram estabelecidos

os processos metodológicos para a coleta dos dados que, por sua vez, serão

analisados e expostos neste mesmo capítulo.

3. METODOLOGIAS E CONSIDERAÇÕES ANALÍTICAS

O presente trabalho teve como foco principal saber como foi, para os

imigrantes haitianos, que residem na cidade de Sinop, no interior de Mato Grosso, o

processo de aquisição da Língua Portuguesa quando eles chegaram ao Brasil,

assim como investigar se e como os brasileiros que estão em contato frequente com

esses imigrantes estão sendo afetados em sua fala.

Para que o objetivo principal pudesse ser alcançado, foi necessária a

realização de entrevistas, contatos e aproximações com algumas pessoas da

comunidade haitiana que residem nesta cidade interiorana, bem como com outras

pessoas que pudessem nos dar algumas respostas acerca das políticas linguísticas

voltadas a essa comunidade.

Foram feitas no total quatorze entrevistas, sendo (06) seis com haitianos que

residem na cidade de Sinop-MT; (06) seis com brasileiros que convivem ou

conviveram com haitianos no ambiente de trabalho; (01) uma com o diretor político-

pedagógico do campus da UNEMAT/Sinop; e (01) uma outra com a coordenadora

da Proteção Social Básica (serviço preventivo da assistência social).

As entrevistas foram feitas de forma individual com um número de perguntas

previamente escritas e que foram gravadas, para depois serem transcritas e

analisadas de forma mais minuciosa, considerando-se que esse seria o método mais

eficaz para extrairmos os dados necessários.

Com relação ao método de entrevista sociolinguística, Tarallo (2007, p.22)

elucida que “para atingir tais propósitos metodológicos podem-se formular módulos

(ou roteiros) de perguntas: um questionário-guia de entrevista.” E que “esses

módulos têm por objetivo homogeneizar os dados de vários informantes para

posterior comparação, controlar os tópicos de conversação [...]”.

Como opção metodológica, dividimos os sujeitos em quatro grupos de

entrevistados (haitianos, brasileiros, diretor político-pedagógico do campus de Sinop

e coordenadora da Proteção Social Básica), cada grupo teve uma quantidade de

perguntas diferentes e com um direcionamento específico: onze para os haitianos;

quatro para o diretor político-pedagógico do campus de Sinop; seis para a

responsável pela assistência social da cidade e seis para os brasileiros que

convivem ou conviveram com os haitianos no ambiente de trabalho.

42

3.1 Aproximação e escolha dos sujeitos

Como já foi dito, ao todo foram feitas 14 entrevistas, divididas em 4 grupos de

entrevistados. Como cada grupo necessitou de uma abordagem diferente uma da

outra, na sequência metodológica, dividimos os apontamentos e as considerações

analíticas em 4 subtítulos, conforme foi feita a abordagem e a escolha dos sujeitos

entrevistados, para que o entendimento seja facilitado.

Trata-se este, assim, de um trabalho baseado no modelo de análise

linguística proposto por Labov, o qual, segundo Tarallo (2007, p.8), “é também

rotulado por alguns de ‘sociolinguística quantitativa’, por operar com números e

tratamento estatístico dos dados coletados.”.

3.1.1 Grupo 1: haitianos moradores em Sinop

O primeiro contato com esses sujeitos de pesquisa foi feito numa ação de

saúde organizada pela Unidade Básica de Saúde do bairro São Cristóvão (UBS)

que, de tempos em tempos, reserva um sábado para atender exclusivamente à

comunidade haitiana de Sinop, realizando exames de rotina, orientando sobre

prevenção de doenças, fazendo o acompanhamento da situação de saúde de cada

paciente e cadastrando-os no Sistema Único de Saúde.

A UBS São Cristóvão se tornou referência nesse sentido no município,

recebendo, inclusive, moções de aplausos da câmara de vereadores da cidade,

como traz a reportagem divulgada no site GC Notícias (2016)11:

Foi aprovada na 3ª sessão ordinária da Câmara Municipal moção de aplausos a toda equipe da Unidade Básica de Saúde (UBS) e colaboradores, do bairro São Cristóvão. A honraria foi apresentada pelo vereador Fernando Brandão (SD) e teve assinatura de todos os parlamentares. A equipe da UBS São Cristóvão realiza, desde o ano passado, um trabalho voltado ao atendimento aos haitianos residentes em Sinop.

11

Disponível em: http://www.gcnoticias.com.br/geral/vereadores-aprovam-mocao-de-aplausos-para-equipe-da-ubs-sao-cristovao/22024696. Acesso em: 10 de novembro de 2017.

43

A aproximação com esse grupo de entrevistados foi feita de forma rápida,

uma vez que, o primeiro haitiano com quem foi feito contato, se identificou com a

pesquisadora, facilitando de forma significativa o contato com os demais.

A forma de aproximação dos sujeitos pautou-se nos pressupostos trazidos por

Fernando Tarallo em sua obra “A pesquisa sociolinguística”, na qual ele relata dicas

de como deve ser feita essa aproximação, dentre elas as que destacamos a seguir:

3- Procure acomodar seu comportamento social e linguístico ao do grupo ou da comunidade entrevistada, isto é, tente minimizar o efeito negativo de sua presença sobre o comportamento sociolinguístico natural da comunidade. 4- Procure entrar na comunidade através de terceiros, ou seja, de pessoas já devidamente aceitas pela comunidade. (TARALLO, 2007, p. 27).

Além disso, para que seja possível manter o sigilo com relação aos nomes de

cada entrevistado, no decorrer deste trabalho vamos nos referir a cada um de forma

abreviada (H1, H2, H3, H4, H5, H6.).

O H1 foi o primeiro com que foi feita a aproximação ainda na UBS São

Cristóvão. Logo de início, os demais haitianos que estavam lá não foram receptivos

com a pesquisadora a partir do momento que souberam que pretendíamos

entrevistá-los posteriormente. Diferente dos demais, o H1 gostou da ideia de poder

fazer parte deste trabalho de pesquisa, principalmente por que ele gostaria muito de

participar de um curso para aprender melhor a Língua Portuguesa, já que ele estava

no Brasil há seis meses e não havia feito nenhum curso específico para aprender a

língua.

Assim, cabe elucidar que o H1 foi de suma relevância para que as entrevistas

pudessem ser feitas com sucesso, pois, além de se disponibilizar para ser

entrevistado, ele nos auxiliou em algumas entrevistas, fazendo a tradução das

perguntas e respostas para que entrevistado e entrevistadora pudessem conseguir

se entender. Ademais, foi através dele que a entrevistadora conseguiu contato com

o presidente da Organização dos Haitianos em Sinop (OHS), e foi possível, dessa

forma, a aproximação com a comunidade haitiana para que escolhêssemos quem

seriam os entrevistados.

O critério de escolha para os sujeitos entrevistados foi o de interesse do

indivíduo em relação à Língua Portuguesa e seu aprendizado, pois, como já foi dito,

44

muitos se esquivavam completamente quando era dito que se estava fazendo uma

pesquisa e que precisariam ser entrevistados.

Todos os entrevistados deste grupo foram homens, pois, de uma forma geral,

são os homens que vêm para o Brasil primeiro para começarem a trabalhar e enviar

dinheiro para a família que, posteriormente, poderá vir também. As poucas haitianas

com quem foi feito contato, não quiseram ser entrevistadas, tampouco falar sobre

como fora a vinda delas para o Brasil e, por este motivo, foram selecionados apenas

homens.

Abaixo, é possível ter um panorama do perfil de cada um dos entrevistados,

com informações relevantes, como a idade, o local que morava no Haiti antes de vir

para o Brasil, as cidades que já morou desde a sua chegada ao país, o tempo que já

faz desde que chegou e o tempo de estadia em Sinop.

Tabela 1: Identificação dos entrevistados haitianos

IDENTIFICAÇÃO IDADE MORAVA

EM:

ESTÁ NO

BRASIL

HÁ:

ESTÁ

EM

SINOP

HÁ:

ESTADIA

ANTES DE

SINOP-

MT:

H1 35 anos Port-au-

Prince

1 ano e 6

meses

1 ano e

6

meses

Rio de

Janeiro-RJ

H2 35 anos Port-au-

prince

2 anos e 6

meses

2 anos

e 6

meses

Rio

Branco-AC

H3 28 anos Gonaïves 1 ano 3

meses

Curitiba-

PR

H4 35 anos Miragoâne 11 meses 10

meses

Cuiabá-MT

H5 30 anos Cap-Haïtien 2 anos 5

meses

Curitiba-

PR

H6 27 anos Anse-a-

Galets

4 anos 4 anos Nenhuma

Fonte: produção da autora

45

3.1.2 Grupo 2: brasileiros que convivem ou conviveram com haitianos no ambiente de trabalho

O grupo dos brasileiros, diferentemente do que se esperava, foi o grupo que

foi mais difícil obter contato para fazer a escolha dos sujeitos. De início, uma

empresa de construção civil que tinha entre seus trabalhadores alguns haitianos foi

contatada para que pudesse ser feita uma conversa com alguns funcionários para

ver se, em um outro horário que não o de trabalho, eles pudessem se reunir com a

pesquisadora para serem feitas as entrevistas.

A citada empresa mostrou-se bastante interessada, porém, pediu para que

passássemos, inicialmente, todas as perguntas que seriam feitas aos funcionários.

Contudo, com o envio das perguntas, a empresa disse que não permitiria que

nenhum de seus funcionários fosse entrevistado, pois considerou que as perguntas

poderiam ‘fazer mal à empresa’.

Dessa forma, mesmo argumentando que a abordagem seria feita fora do

horário de trabalho e com a garantia de sigilo sobre o nome da empresa e o nome

do entrevistado, os brasileiros empregados deste lugar não aceitaram dar

entrevistas. A mesma coisa aconteceu com algumas outras empresas, no entanto,

com persistência, foi conseguido obter a quantidade de pessoas suficiente para que

este trabalho pudesse seguir em frente.

Para que fosse possível obter o número necessário de entrevistados

brasileiros, foi preciso recorrer a certos improvisos por parte da pesquisadora, como,

por exemplo, conversarmos com familiares, amigos e colegas que tinham algum

conhecido ou amigo próximo em contato com algum colega haitiano no trabalho,

além disso, passamos a observar os estabelecimentos comerciais e industriais que

tinham em seu corpo de funcionários haitianos e, assim, de cliente passarmos a ser

pesquisadora, conversando com os funcionários e, em seguida, convidando-os para

participar da pesquisa. Outro procedimento foi a indicação de alguns entrevistados

haitianos, que nos passaram o contato de uma das entrevistadas brasileiras, para

que pudéssemos entrevistá-la.

A forma abreviada que utilizaremos para nos referir aos sujeitos brasileiros é

B1, B2, B3, B4, B5, B6.

46

Tabela 2:Identificação dos entrevistados brasileiros

IDENTIFICAÇÃO IDADE SEXO PROFISSÃO TRABALHA

COM

HAITIANOS

HÁ:

B1 20 anos Masculino Garçom 5 meses

B2 26 anos Masculino Gerente 1 ano

B3 31 anos Feminino Aux. de

cozinheira

9 meses

B4 23 Masculino Servente de

pedreiro

2 anos

B5 21 Feminino Cozinheira 6 meses

B6 25 Feminino Garçonete 6 meses

Fonte: produção da autora

3.1.3 Grupo 3: diretor político-pedagógico do campus da UNEMAT/Sinop

Conforme os nossos objetivos de pesquisa, fez-se necessário buscar

respostas acerca do que a UNEMAT/Sinop estava/está fazendo em relação a dar

assistência linguística aos haitianos e, para que compreendêssemos essa questão,

realizamos uma entrevista com o diretor político-pedagógico do campus da

Universidade do Estado de Mato Grosso em Sinop. Para que essa entrevista

pudesse ser realizada, agendamos um horário com o diretor, sendo que elucidamos,

inicialmente, o motivo do contato e qual a finalidade da presente entrevista.

Cabe ressaltar que o diretor político-pedagógico, Marion Machado Cunha, foi

eleito no ano de 2014, assumiu o cargo em 2015 e permanecerá até 2018,

cumprindo seus quatro anos de gestão. É graduado em Licenciatura em História,

Mestre e Doutor em Educação. Professor concursado em Metodologia Científica há

18 anos na UNEMAT/SINOP.

3.1.4 Grupo 4 – responsável pela pasta de assistência social do município de Sinop-MT.

47

Cabe reiterar que, dentre os objetivos deste trabalho, estava buscar, junto ao

poder público, explicações sobre a falta de ações públicas municipais em prol dos

imigrantes, dessa forma, procuramos a Secretaria de Assistência Social da cidade

de Sinop, local em que nos foi apresentada a coordenadora da Proteção Social

Básica, Maria Emília, responsável pelos serviços preventivos da assistência social.

O primeiro contato com essa entrevistada foi feito, assim, pessoalmente, sendo que,

antes da entrevista, a pesquisadora foi até a Secretaria de Assistência Social duas

vezes para conversar com a coordenadora e explicar do que se tratava o projeto e

como seria feita a entrevista.

3.2 As entrevistas e os resultados da pesquisa

As entrevistas foram realizadas em sua maioria no campus da

UNEMAT/Sinop, mas também houve a necessidade de irmos até a casa de alguns

entrevistados e nos locais de trabalho de determinados sujeitos.

Entre a primeira entrevista feita e a última conta-se um período de mais de um

ano, iniciando-se no dia 16 de maio de 2016, com o diretor político-pedagógico da

UNEMAT/Sinop, e finalizando-se no dia 09 de junho de 2017, com o H6. Isso

ocorreu devido a algumas dificuldades de aceitação dos entrevistados, como já

citamos neste capítulo e também porque, mesmo depois de já ter sido entrevistado,

um dos entrevistados haitianos pediu para que fosse excluído da pesquisa, fazendo

assim com que tivéssemos que escolher outra pessoa para ser o sexto sujeito. No

entanto, todas as outras entrevistas sucederam-se até o dia 28 de junho de 2016,

durando assim, pouco mais de um mês.

Para a apresentação das considerações analíticas apreendidas do corpus,

mais uma vez, como procedimento metodológico, as dividiremos nos mesmos quatro

grupos supracitados.

Seguindo os caminhos da Sociolinguística Variacionista, de William Labov, e

considerando que a presença de pessoas falantes nativos de uma língua que não é

a portuguesa que se fala no Brasil implica numa série de problemáticas linguísticas,

este trabalho buscou observar como ocorreu/ocorre a aquisição da língua

portuguesa por parte dos imigrantes haitianos. Outrossim, também visou investigar

como os brasileiros que estão convivendo com eles estão lidando com este contato

48

de línguas distintas. Se houve/há algum afetamento linguístico por parte dos falantes

nativos do português.

Com o propósito de ilustrar os resultados das entrevistas feitas com os grupos

1 e 2 – que são o principal foco deste trabalho – utilizaremos quadros para

demonstrar as respostas de cada sujeito para as perguntas feitas. Para os outros

dois grupos, será feita uma síntese das principais informações, uma vez que o que

se buscava eram respostas em torno da existência ou não de políticas linguísticas

voltadas para esse público imigrante.

3.2.1 Resultado das entrevistas com os haitianos moradores de Sinop-MT

Como escolha metodológica, neste subitem, abordaremos, por meio de

tabelas informativas e gráficos, as respostas obtidas em cada entrevista12.

Inicialmente, os sujeitos foram questionados sobre sua motivação para vir ao

Brasil e obtivemos os seguintes resultados:

Gráfico 1 – Motivações para vir ao Brasil

Fonte: produção da autora

12

As entrevistas com o H3 e H5 necessitaram de intermediação do H1 para ser possível que o entrevistado e a pesquisadora pudessem se entender.

16%

50%

17%

17%

Motivações para vir ao Brasil

Melhores condições de vida para si

Conseguir emprego e mandar dinheiro para ajudar a família

Não tem um motivo específico

Estudar

49

Como nos mostra o gráfico 1, metade dos entrevistados teve como principal

motivação da vinda a busca por emprego para que pudessem mandar dinheiro para

a família que ficara no país de origem. Já o H3 respondeu a essa questão dizendo

que veio ao Brasil para que pudesse continuar estudando, pois lá em seu país ele

estava cursando Ciência da Educação.

Perguntamos, também, sobre a situação de emprego em que cada um se

encontrava naquele período.

Gráfico 2 – Situação de emprego dos entrevistados

Fonte: produção da autora

Todos os sujeitos, quando entrevistados, trabalhavam no setor de construção

civil, como servente de pedreiro. Os entrevistados que não estavam empregados no

momento da entrevista haviam conseguido emprego em sua maioria nesta área

desde sua chegada ao Brasil apesar de que a vinda do H1, H2 e H6 está vinculada

ao fato de que eles vieram a Sinop para trabalhar no frigorífico já citado neste

trabalho. Cabe ressaltar, ainda, que desde 2015, o frigorífico Frialto paralisou suas

atividades em Sinop por causa de crise financeira e dívidas contraídas.

Na sequência, segue um gráfico quantitativo sobre as línguas que os

haitianos entrevistados já conheciam quando chegaram ao Brasil.

2

5

4

1

E S T Á E M P R E G A D O N O M O M E N T O T E V E D I F I C U L D A D E S P A R A E N C O N T R A R E M P R E G O

SITUAÇÃO DE EMPREGO DOS ENTREVISTADOS

SIM NÃO

50

Gráfico 3 – Línguas conhecidas pelos haitianos ao chegarem no Brasil

Fonte: produção da autora

Como podemos observar, ao menos metade deles é fluente nas duas línguas

oficiais do Haiti, o francês e o creole, entretanto, nenhum dos haitianos entrevistados

já conhecia ou sabia falar a Língua Portuguesa quando chegou ao Brasil, tornando

assim difícil a vida dos recém-chegados ao Brasil.

Para cada entrevistado, foi também perguntado se teve dificuldades quando

chegou ao Brasil por conta do desconhecimento da língua e é interessante destacar

que o H4 relatou que deixou de conseguir um emprego por conta de não saber falar

a língua oficial do país que acabara de chegar.

No mais, os únicos que disseram não ter tido muitos problemas em relação a

esse assunto foram o H1 e o H213, o que se deveu ao fato de que eles conhecem

bem o espanhol que aprenderam na escola enquanto estavam no Haiti e, apesar de

reconhecerem que existe bastante diferença entre as línguas, acham que há

diversas palavras parecidas, facilitando assim o entendimento.

As repostas da questão seguinte abordam sobre como cada um aprendeu a

Língua Portuguesa (L.P).

13

O H4 também disse conhecer a Língua Espanhola, porém que não tinha fluência nesta língua, justificando assim o fato registrado no parágrafo anterior.

3 3

6 6

0 0

1

2

3

4

5

6

7

Inglês Espanhol Francês Creole Português

Quantitade de haitianos

51

Gráfico 4 – Como você aprendeu a falar Português?

Fonte: produção da autora

O gráfico acima ilustra a porcentagem de pessoas que disseram ter aprendido

a L.P em cursos, somando-se as pessoas que aprenderam no curso oferecido pela

Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação (SECITEC) e os que

aprenderam no trabalho, temos 50% dos entrevistados. Questionados sobre o

motivo de não terem feito ainda um curso, os demais responderam que o principal

problema era o tempo, pois, os cursos que eles souberam haver eram ministrados

durante à tarde aos sábados, período em que eles ainda estavam trabalhando.

Por outro lado, na entrevista com o representante da OHS, ele afirmou que há

uma dificuldade muito grande em conseguir-se reunir uma quantidade mínima de

haitianos para estudar a L.P nesses cursos, pois, a necessidade de trabalharem

para se manter e manter a família que ficou no Haiti fala mais alto do que a

necessidade de aprender o idioma oficial do país. E, mesmo quando o horário do

trabalho não é o problema, o cansaço é outro elemento que influencia muito, visto

que, de uma forma geral, o trabalho exercido pelos haitianos é braçal e eles acabam

ficando cansados demais para que tenham ânimo de ir a um curso logo após o

trabalho e preferem, assim, ficar em casa descansando.

Dando sequência às análises das informações obtidas com as entrevistas, a

próxima tabela traz as respostas acerca de se os entrevistados sofreram algum tipo

de preconceito linguístico quando chegaram ao Brasil e se eles já consideram que

[NOME DA CATEGORIA]

[PORCENTAGEM]

[NOME DA CATEGORIA]

[PORCENTAGEM]

[NOME DA CATEGORIA]

[PORCENTAGEM]

[NOME DA CATEGORIA]

[PORCENTAGEM]

COMO APRENDEU A FALAR PORTUGUÊS?

52

sabem bem a Língua Portuguesa ou se consideram que ainda não sabem muito e

sentem dificuldades na hora da comunicação.

Gráfico 5 – Informações sobre preconceito linguístico e o aprendizado da L.P

Fonte: produção da autora

Não por coincidência, observa-se que a quantidade de haitianos que

afirmaram não ter sofrido nenhum tipo de preconceito linguístico é a mesma de

sujeitos entrevistados que disseram não ter tido dificuldades com a L.P devido ao

conhecimento de uma língua parecida, ou seja, da Língua Espanhola.

Faz-se necessário explicar aqui o que foi considerado preconceito linguístico

para a elaboração desse gráfico. As perguntas feitas para a extração desses dados

questionavam se o indivíduo já teria, em algum momento após a sua chegada ao

Brasil, percebido se os brasileiros riam ou faziam chacota da sua maneira de falar,

ou por ter falado algumas palavras de maneira “errada”.

No gráfico 5, é possível notar que apenas um dos entrevistados considera

que não precisa mais de aulas para aprender a L.P, o H2. De fato, o H2 foi o

entrevistado com quem não houve problema algum de comunicação entre ele e a

pesquisadora. Inclusive, é de fácil explicação o porquê de sua fala ser tão apurada

mesmo com menos de três anos de moradia no Brasil e nenhum curso sido feito: a

sua função de representante dos haitianos moradores de Sinop exigiu que ele

estivesse em contato frequente com falantes do português. Tal contato e a

necessidade de se fazer entender para passar as reivindicações e dificuldades dos

imigrantes às autoridades competentes para que então assim pudessem ser

4

2

1

5

0 1 2 3 4 5 6

Sofreram preconceito linguístico

Não sofreram preconceito linguístico

Acham que já falam bem a L.P

Acham que não falam muito bem a L.P

Informações sobre preconceito linguístico e o aprendizado da L.P

Quantidade de Haitianos

53

solucionados os problemas dessas pessoas, obrigou-o a aperfeiçoar a L.P. Como

porta voz, não havia como não aprender bem a falar, ler, escrever e entender o

idioma oficial.

Vale registrar as respostas dadas sobre a décima pergunta feita aos

entrevistados: “Se trabalha, já percebeu se as pessoas com quem convive já

estão usando alguns termos/palavras da(s) sua(s) língua(s)?”. : 50% dos

entrevistados disseram que alguns brasileiros com quem convivem já perguntaram

sobre o significado de algumas palavras da língua dos imigrantes, no entanto,

perceberam que não ficavam falando aquela palavra posteriormente e apresentaram

motivos que acham que justificaria essa questão. A 1° razão, segundo o H2, seria

que os brasileiros não aprendem mesmo o creole porque eles não sentem

necessidade, uma vez que no Brasil só se fala português. O 2° motivo foi apontado

por H1 e H4, eles disseram que, de forma geral, os brasileiros com quem

conviveram/convivem acharam/acham muito complicado/difícil a fala crioula e não

conseguiam, assim, reproduzi-la.

Para finalizarmos este tópico neste trabalho, é relevante dizer que, logo após

a pergunta citada no parágrafo anterior, foi perguntado a eles se, caso houvesse um

curso de português para estrangeiros na UNEMAT/Sinop, eles gostariam de

participar e, todos, com exceção do H2, disseram que teriam interesse.

3.2.2 Resultado das entrevistas com os brasileiros que convivem/conviveram com haitianos no ambiente de trabalho.

A partir do método de amostragem aleatória relatado por Tarallo (2007, p.27),

em que o autor nos explica que “a amostragem aleatória lhe dará a certeza de que

você ao menos tenha dado a chance a todos os membros da comunidade de serem

entrevistados.”, prezamos por tentar realizar as entrevistas com pessoas de perfis os

mais distintos possíveis, mas que pudesse ser entrevistada a mesma quantidade de

pessoas do sexo masculino e feminino.

Para este grupo de entrevistados, como supracitado, foram feitas 6 perguntas,

cujas respostas serão expostas a seguir.

No gráfico, que pode ser visto na sequência, temos as informações sobre

como foi o contato inicial entre o imigrante e o brasileiro no ambiente de trabalho e

como a barreira linguística fora solucionada.

54

Gráfico 6 – Comunicação com os imigrantes

Fonte: produção da autora

Consegue-se observar que, quando questionados sobre se tiveram ou não

dificuldades de comunicação com os colegas haitianos, absolutamente todos

afirmaram ter tido complicações. Para alguns entrevistados – como o B2 e B4 –, não

era a primeira vez que dividiam o ambiente de trabalho com uma pessoa natural do

Haiti, mas ambos confessaram que mesmo sendo a segunda vez com esse tipo de

contato, ainda assim tiveram muitas dificuldades comunicativas.

Já sobre a consideração de cada um sobre como achava que tinha evoluído a

comunicação com o colega, apenas dois dos entrevistados consideraram que ainda

tem quantidade considerável de obstáculos na fala do dia a dia – B1 e B5 – pois,

além de ser a primeira vez que trabalhavam com estrangeiros, não tinham ainda

muito tempo de convívio com eles.

Uma das perguntas feitas a esse grupo de entrevistados abordava um ponto

delicado que os entrevistados trataram com bastante cautela, a qual dizia a respeito

do mercado de trabalho para com as pessoas haitianas. Com esse questionamento,

buscávamos saber se os brasileiros achavam que os haitianos eram tratados da

mesma forma que eles no ambiente de trabalho. De todos os entrevistados, apenas

0 1 2 3 4 5 6 7

Tiveram dificuldades de comunicação

Não tiveram dificuldades de comunicação

Já conseguem se comunicar sem problemas

Ainda tem problemas de comunicação

Quantidade de entrevistados

Quantidade de entrevistados

55

dois responderam a essa pergunta, os demais preferiram não responder ou

disseram não saber responder.

Das repostas obtidas, destaca-se a do B1, que disse que várias vezes já

soube de haitianos que “estavam recebendo bem menos que os brasileiros e eles

nem sabia disso, até porque é muito fácil enganar [os haitianos], já que eles vêm

procurar emprego e ter dinheiro, então qualquer coisa que for oferecida para eles

será aceita”, uma vez que “eles têm aluguel e precisam mandar dinheiro para outras

pessoas no Haiti”. Assim sendo, relata como ele e demais colegas brasileiros já

incentivaram o colega haitiano a reclamar do seu salário e direitos trabalhistas, pois,

segundo ele, “ele estava recebendo uns 300 a menos que todos os garçons, sendo

que ele trabalha muito mais que a gente tudo.”

A B6, por sua vez, acha que o mercado de trabalho “está aberto, sim, para

todos eles”, mas se emocionou ao relatar uma das vezes em que presenciou

situações de racismo para com o colega. Ela relatou que houve já “várias vezes que

cliente pede pra não ser atendido pelo [nome do colega], dizendo que ‘se ele

continuar me servindo, eu não vou comer e não volto mais aqui’”. Contudo, ela

afirmou que “nunca foi passado isso para ele” e que os colegas prezam muito para

que ele nunca saiba desse tipo de situação, pois “é uma pessoa tão querida que não

merece ouvir esse tipo de coisa”.

Na sequência, vamos visualizar um gráfico que ilustra as respostas dadas à

pergunta 5: “E sobre o jeito de falar do(s) haitiano(s), as pessoas riem dele(s)?

Você lembra de alguma situação engraçada?”.

Gráfico 7 – Situações de preconceito linguístico

Fonte: produção da autora

Sim 83%

Não 17%

SITUAÇÕES DE PRECONCEITO LINGUÍSTICO

Sim Não

56

Como mostra o gráfico, apenas 17% dos entrevistados afirmaram que nunca

presenciaram ou não se lembravam de nenhuma vez em que os colegas brasileiros

riram de um colega haitiano por algo que ele teria dito de forma “errada”, ou por não

conseguir falar alguma palavra em português. No entanto, os entrevistados que

disseram “sim” para a pergunta não conseguiram se lembrar de alguma situação

específica em que os risos aconteceram.

Marcos Bagno (2002) nos fala sobre o preconceito linguístico que há no Brasil

para com os falantes que destoam da norma-padrão em sua fala e isso se aplica

bem à situação trazida nos dados do gráfico supracitado.

O preconceito lingüístico se baseia na crença de que só existe, como vimos no Mito n° 1, uma única língua portuguesa digna deste nome e que seria a língua ensinada nas escolas, explicada nas gramáticas e catalogada nos dicionários. Qualquer manifestação lingüística que escape desse triângulo escola-gramática-dicionário é considerada, sob a ótica do preconceito lingüístico, “errada, feia, estropiada, rudimentar, deficiente” e não é raro a gente ouvir que “isso não é português”. (BAGNO. 2002, p.40, grifos do autor).

Os 86% dos entrevistados que disseram já ter presenciado algum momento

em que alguém ria da forma como o haitiano falava, estavam presenciando ou

praticando exatamente o mito que o autor supracitado menciona na obra

“Preconceito linguístico”, que faz acreditar que “as pessoas sem instrução falam tudo

‘errado’”.

Dando seguimento às análises, abaixo temos uma ilustração das respostas

sobre o aprendizado da língua crioula por parte dos brasileiros em contato com

haitianos.

57

Gráfico 8 – Aprendizado da língua crioula

Fonte: produção da autora

Como já mencionado, um dos objetivos que norteia esta pesquisa diz respeito

a verificar se, com o contato entre essas pessoas de línguas distintas – brasileiros e

haitianos – estava-se gerando um afetamento linguístico nos brasileiros e se eles,

por sua vez, estavam utilizando alguns termos da língua crioula no seu cotidiano de

trabalho ou fora dali também.

Consideramos imprescindível que seja lembrado a quem lê este trabalho que

a pergunta não incluía a Língua Francesa, mesmo sendo uma das línguas oficiais do

Haiti, pois, como já fora explicado no segundo capítulo, a língua materna da maioria

dos haitianos não é o francês e sim o creole, que é a língua que eles utilizam no seu

dia a dia com amigos, família e em situações que não sejam de extrema

formalidade.

Assim, conforme visto no gráfico 8, dos seis entrevistados, apenas 2 – B6 e

B4 – disseram que “sim” para a pergunta sobre o aprendizado da língua crioula e

disseram que utilizam entre os colegas de trabalho algumas palavras que o colega

haitiano havia ensinado.

Questionou-se também sobre quais seriam os termos que eles poderiam citar

para que fosse possível registrar, no entanto, os 2 confessaram que as palavras que

eles pediam para o colega de trabalho haitiano ensinar eram palavras de baixo calão

2

4

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

4,5

SIM NÃO

JÁ APRENDEU ALGUMA PALAVRA EM CREOLE?

Quantidade de entrevistados

58

e que eles as utilizavam em momentos de brincadeira, seja com os colegas

brasileiros ou com os colegas do Haiti mesmo, para brincarem uns com os outros.

A B6, após insistência da pesquisadora, deu um exemplo de palavra que

aprendeu: “massissi”, a qual, segundo ela, é uma palavra que tem o mesmo

significado da palavra “gay” para nós e disse que a utiliza em situações de

descontração e brincadeira com os colegas de trabalho.

Finalizamos este subitem analítico ressaltando que, na generalidade, os

brasileiros entrevistados estiveram muito retraídos, no sentido de cuidar muito o que

iriam responder e, principalmente, pelo uso do gravador. Algumas vezes foi preciso

insistir para que eles respondessem às questões, pois a resposta era gerada de

forma muito sucinta, no entanto, após alguns minutos de conversa com a

pesquisadora, as respostas foram reformuladas, ou seja, as questões foram

efetivamente respondidas.

3.2.3 Resultado da entrevista com o diretor político-pedagógico da UNEMAT/Sinop.

Retomando o que já foi esclarecido neste trabalho, a necessidade de

entrevistar o diretor político-pedagógico do campus de Sinop-MT surgiu para que

pudéssemos averiguar se havia alguma política linguística por parte da universidade

para com os imigrantes haitianos que residiam na cidade.

Reproduziremos, a seguir, os principais apontamentos.

Pesquisadora: O senhor sabe que há haitianos residentes em Sinop? Se

sim, em sua opinião, por que esta imigração está ocorrendo?

Marion: Sim, sei sim! Olha, não tenho nenhum estudo direcionado para isso.

Eu sei que há uma migração muito forte dos haitianos. Eu não sei se é em todo

Brasil, mas eu sei que nessa região é bastante considerável. Sei que, do ponto de

vista econômico, eles migram numa perspectiva bastante de precariedade na vida

deles no Haiti e acabam vindo para o Brasil como uma alternativa da manutenção de

suas vidas [...]

Pesquisadora: Existem programas e/ou projetos sociais oferecidos pela

UNEMAT para estrangeiros?

Marion: Bem, geralmente essas ações, elas partem dos cursos ligados aos

grupos de pesquisa e grupos de extensão [...] obviamente que isso também não

59

exime a universidade de ter pequenos projetos dessa ordem, mas, todo projeto, seja

ele um projeto bem pontual ou um grande projeto, ele nasce... está ligado aos

professores que atuam na universidade [...] poderia nascer aí projetos, inclusive

vinculados a outras instituições a partir desse conjunto de docência? Poderiam, mas

nós não temos nenhum projeto que se vincule a essas ações que você perguntou.

Por enquanto ainda a universidade não despertou com perspectivas de atender

essa... esse direcionamento que possa vincular ações com pessoas... nessa

questão, nessa perspectiva dos haitianos.

Pesquisadora: Se não, que sugestões o senhor daria para que ações

concretas possam ser implementadas?

Marion: [...] deveria, para que acontecesse realmente algo do gênero que

pudesse se vincular, algumas questões problematizadoras são fundamentais. Por

exemplo: o que você está fazendo como coleta de dados tentando buscar os

elementos é já um elemento provocador que pode despertar uma leitura de

vinculação que possa vincular um professor, estudantes também ou mais pessoas

de iniciação científica. [...] não vejo assim, a curto prazo, algo desse gênero. [...]

assim pra te dizer qual seria a sugestão, juro que não sei te dizer. Dependeria muito

da forma como as coisas se colocam e se movimentam dentro da universidade [...].

3.2.4 Resultado da entrevista com a coordenadora da proteção social básica da secretaria de assistência social do município de Sinop-MT.

Maria Emília de Deus é coordenadora da Proteção Social Básica e é

encarregada de cuidar dos serviços preventivos da assistência social. O objetivo

desta entrevista foi semelhante à que fizemos com o diretor do campus de Sinop, ou

seja, o de averiguar a existência de políticas linguísticas, neste caso municipais,

para tanto, houve a necessidade de buscar informações sobre esta problemática, as

quais apresentamos abaixo.

Pesquisadora: Existem programas e/ou projetos sociais oferecidos pela

Prefeitura para estrangeiros?

Maria Emília: Olha, das outras secretarias eu não posso te afirmar, mas da

assistência social não existe nenhum programa, nenhum projeto específico para

esse público.

60

Pesquisadora: A senhora sabe que há haitianos residentes em Sinop?

Se sim, em sua opinião, por que esta imigração está ocorrendo?

Maria Emília: Sim! Sim! Tenho conhecimento. Com certeza, a falta de

oportunidade de emprego lá no país deles, né. É... falta de condições mínimas de

sobrevivência. Eles abandonam tudo lá... família, tudo. Muitas vezes sem saber o

que vão encontrar aqui, porém, qualquer coisa que eles encontrarem aqui é melhor

do que as condições que eles vivem lá.

Pesquisadora: A Prefeitura tem disponibilizado alguma forma de auxílio

para os haitianos que chegam a Sinop? Se sim, de que forma?

Maria Emília: Nós acompanhamos um grupo que a Igreja Católica da São

Cristóvão... então assim, quando nós ganhamos algum benefício, algumas doações

de produtos a gente procura sempre enviar para eles esses auxílios e também a

gente consegue as passagens quando... a maioria deles precisa ir para Cuiabá

resolver questão de documentos... então a gente tem concedido, quando

procurados, a gente tem concedido passagens para que eles vão organizar os

documentos lá em Cuiabá.

Pesquisadora: E quanto a apoio linguístico, para que eles possam

aprender ao menos o básico da língua portuguesa, a senhora sabe se há

algum projeto voltado para essa questão?

Maria Emília: [...] com relação a nós ofertarmos esse serviço, nós da

assistência social não ofertamos, até porque não faz parte da nossa política.

Pesquisadora: Que sugestões a senhora daria para que ações concretas

possam ser implementadas?

Maria Emília: Eu acredito que você, enquanto acadêmica que está fazendo

essa pesquisa, pode se utilizar dela para propor essa ação para a Secretaria de

Educação Estadual ou Municipal. Municipal eu acredito que não, mas estadual...

através do seu trabalho, você poderia apresentar uma proposta pra que a educação

possa abraçar essa função, né, que é deles... exercer de fato esse papel, que é

deles e que talvez esse público não tenha sido enxergado, não tenha sido visto por

eles.

Como é possível observarmos, as respostas obtidas tanto pelo diretor político-

pedagógico quanto pela coordenadora da Proteção Social Básica não foram

diferentes do que se esperava e apenas confirmaram a inexistência de políticas de

auxílio real para a comunidade haitiana no município.

61

Neste capítulo, trouxemos todos os caminhos metodológicos que tivemos que

percorrer para que conseguíssemos alcançar os objetivos pretendidos no início das

pesquisas, desde a forma de abordagem dos sujeitos, a escolha, as entrevistas, as

transcrições, e, finalmente, nossas considerações analíticas, amparadas pelo aporte

teórico motriz desta pesquisa, a Sociolinguística Variacionista.

Seguiremos então para a parte conclusiva deste trabalho, na qual foi feita a

síntese de toda a pesquisa e as atualizações sobre os programas de assistência

linguística de Sinop.

CONCLUSÃO

Com a efetiva execução desta pesquisa, pôde-se observar que, em relação

às dificuldades enfrentadas pelos imigrantes haitianos que residem na cidade de

Sinop, o que acaba pesando mais é o fato de estarem em um país diferente, muitas

vezes sem amigos ou familiares por perto e ainda por cima sem conhecerem a

língua, que é necessária para a comunicação e fundamental na busca do principal

objetivo dessas pessoas no Brasil: a busca por emprego. Causando, assim, diversas

vezes, o abuso por parte de empregadores para com os haitianos que residem não

apenas no município de Sinop, mas em todo o país.

Por meio deste trabalho, foi possível chegar ao conhecimento de que, no que

diz respeito à UNEMAT/Sinop, o diretor político-pedagógico disse que “geralmente

esses projetos partem de grupos de extensão ou de grupos de pesquisas”, no

entanto, reconhece que “obviamente isso não exime a Universidade de ter pequenos

projetos dessa ordem, mas que todo projeto”, independentemente de ser um bem

restrito a um pequeno grupo ou que seja de grande capacidade “tem como

nascedouro os professores que atuam na universidade”, contudo, apesar disso, “não

temos nenhum projeto que se vincule a essa questão [de assistência linguística aos

haitianos ou outros estrangeiros]”.

Da mesma forma ocorreu com os resultados demonstrados no terceiro

capítulo deste trabalho quanto ao papel da Secretaria de Assistência Social do

município de Sinop, visto que, em entrevista com a coordenadora da Proteção Social

Básica, esta confirmou que por parte da assistência social não havia também

nenhum programa coordenado por eles que tencionasse a questão de ensino da

língua portuguesa para o público haitiano morador de Sinop, no entanto, a

assistência social o auxiliava com passagens para a capital do Estado (Cuiabá), a

fim de resolver lá questões burocráticas acerca de regularização de documentação.

Além disso, houve ainda os resultados obtidos quanto ao objetivo de

investigar se os brasileiros estavam incorporando ao seu vocabulário cotidiano

palavras em creole. Cabe ressaltar que estes resultados demonstraram-se

diferentes dos esperados inicialmente na pesquisa, pois poucas pessoas disseram

ter aprendido e estar usando palavras desse idioma. Uma possível explicação para

este fato foi fornecida no decorrer do capítulo 3, mais especificamente no subitem

63

3.2.1, quando haitianos relatam motivos que eles consideram que impedem os

brasileiros de aprenderem o creole, dentre eles a questão de que os brasileiros o

consideram uma língua de difícil pronúncia. De fato, as duas línguas, creole e

português, são de fonéticas bastante distintas, e os fonemas discrepantes de cada

uma podem ser o fator chave para a explicação dessa questão, dessa forma, esse é

um assunto relevante para ser aprimorado em uma outra pesquisa.

Descobrimos, ainda, a existência de alguns cursos de Língua Portuguesa que

já foram ministrados para a comunidade haitiana de Sinop, como o curso ministrado

e coordenado pelo Instituto Federal de Mato Grosso – campus de Sinop, com

duração de três meses, e o da Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia

(SECITEC), que iniciou em maio de 2015 e terminou em outubro de 2016, com 27

haitianos sendo certificados. Em matéria publicada no site oficial da SECITEC,

informa-se que o curso visou ensinar não somente a Língua Portuguesa, como

também a informática e foi uma parceria entre a Diocese Sagrado Coração de Jesus

de Sinop e a Escola e pretendia “melhorar a comunicação dos haitianos

trabalhadores e moradores de Sinop/MT para integração e inclusão social, cidadania

e atuação no mundo do trabalho.”14

Para finalizar este trabalho, sobrelevaremos a notícia publicada por Eliana

Bess (2016) no site do governo de Mato Grosso em que nos traz a boa nova de que

“está em processo de construção na Secretaria de Estado de Educação (Seduc),

uma política pedagógica para atender o público de imigrantes que vive em Mato

Grosso.”, e a vantagem dessa política “está na matriz curricular de ensino, que terá

carga horária específica abrangendo o componente curricular que eles têm mais

dificuldade, ou seja, a língua portuguesa.”15. Há ainda informações dizendo que esse

trabalho seria executado pelas Escolas de Jovens e Adultos (EJAs). Esta notícia foi

publicada em janeiro de 2016, no entanto, ainda não conseguimos confirmação se

esta política está em fase de conclusão e nem se já está em execução.

14

Disponível em: www.secitec.mt.gov.br/noticias/projeto-social-portugues-e-informatica-para-haitianos/163114. Acesso em 10 de outubro de 2017.

15 Disponível em: www.mt.gov.br/-/mato-grosso-tera-uma-politica-pedagogica-para-imigrantes.

Acesso em 16 de agosto de 2017.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Loyola, 2002.

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66

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67

APÊNDICE A – Perguntas para os Haitianos

1- Qual é o seu nome e quantos anos tem?

2- Qual o motivo que te fez escolher o Brasil para morar? Gosta daqui?

3- Há quanto tempo você está no Brasil? E como chegou a Sinop?

4- Você enfrentou dificuldades quando chegou aqui?

5- Houve dificuldades para se comunicar?

6- Quantas e quais línguas você fala?

7- Já fala bem a língua portuguesa? Como foi que você aprendeu a falar nosso

idioma?

8- Você já sofreu preconceito pelo seu jeito de falar? Já percebeu as pessoas

rirem de você?

9- Você trabalha? Qual é a sua profissão?

10- Se trabalha, já percebeu se as pessoas com quem convive já estão usando

alguns termos/palavras da(s) sua(s) língua(s)?

11- Se houvesse a possibilidade de você aprender/aperfeiçoar a língua

portuguesa por meio da UNEMAT, você frequentaria essas aulas?

68

APÊNDICE B – Perguntas para o diretor político-pedagógico e financeiro

da UNEMAT/Sinop

1- O senhor sabe que há haitianos residentes em Sinop? Se sim, em sua

opinião, por que esta imigração está ocorrendo?

2- Existem programas e/ou projetos sociais oferecidos pela UNEMAT para

estrangeiros?

3- Especificamente em relação aos haitianos, a UNEMAT /Sinop já pensou,

institucionalmente, em alguma forma de assistência linguística para esses

imigrantes?

4- Se não, que sugestões o senhor daria para que ações concretas possam ser

implementadas?

69

APÊNDICE C – Perguntas para o responsável pela pasta de Assistência

Social do município

1- Qual é o seu nome e a função que ocupa na Prefeitura Municipal?

2- Existem programas e/ou projetos sociais oferecidos pela Prefeitura para

estrangeiros?

3- O/A senhor(a) sabe que há haitianos residentes em Sinop? Se sim, em sua

opinião, por que esta imigração está ocorrendo?

4- A Prefeitura tem disponibilizado alguma forma de auxílio para com os

haitianos que chegam a Sinop? Se sim, de que forma?

5- E quanto a apoio linguístico, para que eles possam aprender ao menos o

básico da língua portuguesa, o/a senhor(a) sabe se há algum projeto voltado

para essa questão?

6- Se não, que sugestões o/a senhor(a) daria para que ações concretas possam

ser implementadas?

70

APÊNDICE D - Perguntas para os brasileiros que convivem com os

haitianos no ambiente de trabalho

1- Qual é o seu nome, a sua idade e a sua profissão?

2- Há quanto tempo você trabalha com haitiano(s)? E como é o convívio com

ele(s) como colega(s) de trabalho?

3- Em sua opinião, por que os haitianos estão vindo ao Brasil, e como eles estão

sendo recebidos pelo mercado de trabalho?

4- Vocês tiveram muita dificuldade para se comunicar no início? Se sim, já

consegue se comunicar/falar com ele(s) agora sem dificuldades?

5- E sobre o jeito de falar do(s) haitiano(s), as pessoas riem dele(s)? Você

lembra de alguma situação engraçada?

6- Você já aprendeu algumas palavras ou expressões da(s) língua(s) que ele(s)

fala(m)? Quais?