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LINEAGE II COMO CRUZAMENTO DE MÍDIAS Martha Werneck de Vasconcellos Programa de Pós Graduação em Artes Visuais – UFRJ [email protected] Os games online multiplayer produzidos na Ásia, em especial na Coréia do Sul, indicam um diálogo intercultural criativo e um cruzamento de mídias. Lineage II, um MMORPG i em plataforma tridimensional com características naturalistas e temática fantástico-medieval, produzido pela NCSoft, está inserido em um mercado global, possuindo predicados que também abarcam a cultura local. Sua produção depende parcialmente de outros produtos culturais como os Role Playing Games, cinema, quadrinhos e animação, resultando em uma adaptação dessas mídias em termos temáticos e imagéticos. O artigo apresenta uma análise de imagens a partir de interfaces, que traz à tona a relevância do conceito de remediation. Através da sobreposição de janelas, o espaço virtual ganhou profundidade e com isso um novo modo de se pensar sua organização. Os games, por suas características inerentes, sofreram influências e influenciaram o desenvolvimento das interfaces gráficas à medida que o computador pessoal e os vídeo-games tornavam-se cada vez mais ilimitados em termos de possibilidades imagéticas. As mudanças tecnológicas tem se apresentado como parte fundamental para a solução de problemas gráficos que se interpõem entre uma solução ideal e uma solução possível. A linguagem das interfaces não gerou um novo código em si: ela se vale das tradições preexistentes de representação como as artes plásticas, a arquitetura, o cinema e a literatura para constituir uma linguagem multimidiática, que tem por principal característica a interatividade. O modo como esse espaço virtual é organizado revela inevitavelmente a nossa percepção e visão de mundo. Por interface ideal definimos aquela com maior potencialidade de tornar-se invisível para quem a utiliza, ou seja, que possibilite uma sensação de imersão o mais plena possível, que se distancie da sensação da mediação e tenha no mundo físico, percebido e vivenciado, seu ponto de referência mais próximo. Em Vida Digital, Negroponte (NEGROPONTE, 1995) descreve a interface ideal como aquela que está fora da manipulação da máquina e é baseada III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR 2178

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LINEAGE II COMO CRUZAMENTO DE MÍDIAS

Martha Werneck de Vasconcellos

Programa de Pós Graduação em Artes Visuais – UFRJ

[email protected]

Os games online multiplayer produzidos na Ásia, em especial na Coréia do Sul,

indicam um diálogo intercultural criativo e um cruzamento de mídias. Lineage II, um

MMORPGi em plataforma tridimensional com características naturalistas e temática

fantástico-medieval, produzido pela NCSoft, está inserido em um mercado global, possuindo

predicados que também abarcam a cultura local. Sua produção depende parcialmente de

outros produtos culturais como os Role Playing Games, cinema, quadrinhos e animação,

resultando em uma adaptação dessas mídias em termos temáticos e imagéticos. O artigo

apresenta uma análise de imagens a partir de interfaces, que traz à tona a relevância do

conceito de remediation.

Através da sobreposição de janelas, o espaço virtual ganhou profundidade e com isso

um novo modo de se pensar sua organização. Os games, por suas características inerentes,

sofreram influências e influenciaram o desenvolvimento das interfaces gráficas à medida que

o computador pessoal e os vídeo-games tornavam-se cada vez mais ilimitados em termos de

possibilidades imagéticas. As mudanças tecnológicas tem se apresentado como parte

fundamental para a solução de problemas gráficos que se interpõem entre uma solução ideal e

uma solução possível.

A linguagem das interfaces não gerou um novo código em si: ela se vale das tradições

preexistentes de representação como as artes plásticas, a arquitetura, o cinema e a literatura

para constituir uma linguagem multimidiática, que tem por principal característica a

interatividade. O modo como esse espaço virtual é organizado revela inevitavelmente a nossa

percepção e visão de mundo.

Por interface ideal definimos aquela com maior potencialidade de tornar-se invisível

para quem a utiliza, ou seja, que possibilite uma sensação de imersão o mais plena possível,

que se distancie da sensação da mediação e tenha no mundo físico, percebido e vivenciado,

seu ponto de referência mais próximo. Em Vida Digital, Negroponte (NEGROPONTE, 1995)

descreve a interface ideal como aquela que está fora da manipulação da máquina e é baseada

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apenas nas delegações de tarefas. Em um game essa característica seria compatível com uma

vivência completamente imersiva do ambiente virtual e das potencialidades do avatar. Os

vídeo-games amplificaram nossa interação com o computador, já que prescindem de códigos

simbólicos para o desenvolvimento de nossa percepção do espaço virtual. Eles são

fundamentalmente produtos do design, que pode ser entendido, de acordo com Kerkchove,

como “(...) uma espécie de som harmônico, um eco da tecnologia. Sendo a forma exterior

visível, audível ou texturizada dos artefatos culturais, emerge como aquilo que poderíamos

chamar a pele da cultura” (KERCKHOVE, 2009, p. 172). Resultado de uma complexa fusão

entre mídias e essencialmente imagéticos, os games acabam nos remetendo à exploração de

campos diversos. Buscaremos então definir quais linguagens são combinadas para resultar na

interface de Lineage II.

Bolter e Grusin (BOLTER e GRUSIN, 2000) descrevem remediation como parte do

processo de configuração estética e funcional de mídias. Assim, segundo eles, tanto as novas

mídias tomam de empréstimo soluções das mídias tradicionais quanto as mídias tradicionais

se reconfiguram a partir das novas mídias. Nesse processo de remediation há, sobretudo,

hibridizaçãoii, funcionando de acordo com duas lógicas: a lógica da immediacy e a lógica da

hypermediacy. A primeira aponta para o desaparecimento da mídia, que se pretende

transparente para o olhar do espectador-usuário. A segunda aponta para a ciência dessa mídia

por parte do observador através da utilização de recursos específicos que esclarecem a

natureza daquele ambiente midiático. No entanto, esses recursos estão ligados à multiplicação

dos signos da mediação e tem como objetivo reproduzir sensações naturais. Uma ilusão de

representação naturalista acaba trazendo novas informações que tratam do fantástico e do

impossível, estes inseridos na lógica do jogo. Sendo assim, mesmo que o jogador tenha

ciência da impossibilidade daquele acontecimento no mundo real, está vinculado a ele como

algo possível dentro da mídia e se percebe parte dela na medida em que interage através de

seus próprios instrumentos e interface.

Para melhor delimitarmos o campo de pesquisa, traçaremos distinções entre dois tipos

de interface que compõe Lineage II: a interface 3D, representada pelo próprio ambiente

tridimensional interativo e a interface de comandos, representada bidimensionalmente pelos

elementos gráficos que se sobrepõem à interface 3D, que tem por base ícones e símbolos.

De acordo com os apontamentos de Alan Richard da Luz (LUZ, 2010), na tentativa de

tornar o jogo imersivo, a immediacy leva a uma hypermediacy. Assim, observamos que em

games como Lineage II a hypermediacy pode existir através da interface de comandos na qual

signos como ícones, pictogramas, números e palavras acabam fragmentando a sensação de

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imersão. A hypermediacy também ocorre através da interface tridimensional que compõe as

ambiências e avatares à medida que traz indícios de ser aquele um universo construído

digitalmente com base na modelização da imagem. De fato, notamos imperfeições e padrões

repetidos que diferem de nosso universo visual de referência. O mundo físico é infinitamente

complexo e irregular, o que dificulta a representação de ambiências virtuais e avatares,

especialmente aquelas que tenham paisagens naturais, caracterizadas pela organicidade. Outro

ponto importante a ser abordado é o modo de visão do avatar, que pode ser obtido de duas

formas: jogando como se a tela correspondesse à visão através dos olhos do avatar ou

observando os movimentos do próprio corpo virtual, podendo também movimentar o jogo de

câmeras à vontade, o que favorece a sensação de hypermediacy e também de controle sobre o

espaço e sobre o movimento. Por último a hypermediacy se dá junto às questões do controle

interativo, correspondente à movimentação do avatar e acionamento de poderes que não

encontram paralelos no mundo natural, já que o jogador não utiliza seu corpo inteiro, mas

apenas as mãos para se movimentar no espaço virtual.

Quanto à remediation, podemos dizer que a interface tridimensional tem como base o

cinema e a animação em 3D. Em relação à interface de comandos, esta ocorre baseada em

formas de jogos, brincadeiras e meios de comunicação: RPGs, card games, jogos de tabuleiro,

brincadeiras de bonecos, fantoches e chats.

Em relação à interface tridimensional, podemos citar os movimentos de câmera

comandados pelo próprio jogador e induzidos pela programação do game, a profusão de

efeitos visuais e sonoros, além de trilha sonora própria, produzida especialmente para o jogo.

Além disso, o jogo adere à linguagem cinematográfica de forma direta: é possível criar

replays de ações, além de filmar a própria vida virtual, gerando pequenos filmes

independentes e individualizados. É bom lembrar que com esses instrumentos de filmagem e

com a possibilidade de capturar telas por meio dos screenshots (captura de tela em formato de

arquivo de imagem, ato que nos remete à fotografia) o jogador utiliza ferramentas de registro

para que possa rememorar sua vida virtual. Podemos citar ainda a relação desta interface com

o cinema de animação 3D, já que cenário e personagens são criados e animados em detalhes,

com possibilidade de variar a expressão corporal, a luz do dia, efeitos climáticos etc. Fazemos

ainda a ressalva de que é possível esconder toda a interface de comandos da tela . Assim, essa

interface tridimensional pode ser visualizada de forma pura.

A imagem da Figura 1 mostra a interface de comandos do jogo, que será descrita

resumidamente de acordo com os números a ela sobrepostos. A figura 2 mostra detalhes

ampliados da figura 1 e também a janela de Actions ativada.

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Figura 1: screenshot do game Lineage II, capturado pela autora em 15 de janeiro de 2011.

Figura 2: da esquerda para a direita: Barra de Menu (ampliação da janela indicada pelo número 5 da Figura 1); Janela Radar (ampliação da janela indicada pelo número 6 da Figura 1) e Janela Actions, ativada através da Barra de Menu. Detalhes de screenshots capturados pela autora em 13 de janeiro de 2011.

De acordo com a Figura 1, temos várias janelas:

- Janela de Status (indicada pelo número 1): através dela se verificam os Pontos de

Combate (CP), de Vida (HP) e de Manaiii (MP), além do nível e experiência do avatar do

jogador. Cada avatar tem sobre a cabeça o nome e o clã ao qual pertence.

- Janela de Mensagem de Chat (3): através dela os jogadores trocam mensagens por

escrito. No momento em que o screenshot foi tirado, Lyrarush, avatar da autora, conversava

com outro jogador. As fontes em branco significam que a conversa não é privada e as fontes

em rosa indicam uma fala dirigida apenas àquele avatar, ou seja, aparece apenas no chat do

emissor e do receptor. Repare ainda que em cima de xXMassarandubaXx há um balão com a

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palavra “nossa”, que também aparece no chat. Esses balões aparecem na interface

tridimensional na medida em que a conversa acontece.

Observamos aqui que a janela de chat remete à própria internet como mídia. Em chats

também é possível falar privadamente ou publicamente, estabelecer uma sala para falar com

um grupo específico e também buscar por um contato através do nickname. Apontamos

também não ser necessário estar na mesma ambiência virtual que seu interlocutor para se

conversar via chat: muitas vezes os avatares se separam dentro do jogo, indo cada qual para

um lugar diferente, e continuam a conversar. Esse aspecto da remediation está completamente

de acordo com o chat convencional, onde a distância física dentro do jogo não interfere na

comunicação. Também observamos que a forma de escrever nesses espaços corresponde a

uma codificação apropriada de chats convencionais: há o uso de caracteres que, quando

unidos, demonstram estado de espírito, interjeições com o uso repetido de caracteres,

utilização de maiúsculas que significam o falar alto etc.

- Janela de Teclas de Atalho (4): contém ícones variados, usados frequentemente, que

podem ser arrastados para esse espaço, organizados segundo as escolhas do jogador.

- Barra de Menu (5): corresponde à abertura das janelas mais complexas do jogo. São

elas: character status (status do personagem), que é o desdobramento da janela (1); inventory

(inventário), que exibe armas, armaduras e itens em posse do avatar; map (mapa): mostra a

localização do avatar no mundo virtual e system (sistema), onde se ajustam as opções de jogo.

- Radar (6): é uma espécie de bússola, que localiza o avatar sempre em seu centro.

- Janela que mostra o conjunto de buffs (7): habilidades mágicas passivas, que

funcionam durante um espaço curto de tempo e auxiliam a aumentar o poder de resistência e

ataque. Ao lado dessa janela há outra onde aparece o nome do avatar ou criatura selecionada

pelo cursor. Nesse caso a própria Lyrarush estava selecionada.

- Janela de Grupo (8): ativada quando um jogador se junta a um grupo ou se associa a

outro avatar (através de ações chamadas parties). No caso, Lyrarush está em party com o

avatar xXMassarandubaxX. É útil em combates, para que se possa ajudar o companheiro caso

ele precise de energia vital e também para compartilhar ganhos.

Podemos compreender melhor a origem, organização e a funcionalidade da interface

de comandos de um MMORPG como Lineage II quando a comparamos às fichas dos RPGs

de mesa: nelas também figuram itens como equipamentos, armas, provisões, além de

informações subjetivas sobre o jogador. No entanto, nas fichas de RPG a informação é verbal

e não imagética. Embora organizada de forma similar a uma ficha de RPG no que tange ao

conteúdo da informação, a interface de comandos é essencialmente composta por imagens que

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sintetizam as características do avatar e possuem caráter interativo, significando o

acionamento de ações, o que nesse caso nos remete à abstração dos jogos de tabuleiro e card

games que, por sua vez, utilizam-se de peças e imagens simbólicas, vinculadas a informações,

cada qual com função determinada e específica dentro de um conjunto de regras, criadas

como instrumentos para efetuar ações e conduzir o jogo.

Na interface de comandos de Lineage II conjuntos de pictogramas, ideogramas, ícones

e elementos gráficos são organizados na tela como signos com diferentes níveis simbólicos e

de iconicidade. Lembramos que tais elementos estão dentro de um universo que é a própria

simulação tridimensional do universo onde se desenrola o game. Esse universo, por sua vez,

está inserido em nosso próprio universo de referência cotidiano. Estaremos tratando daqui por

diante de dois níveis de iconicidade: o que se refere a nosso mundo natural e o que se refere

ao próprio espaço virtual.

É necessário então fundamentar que além de ícones existem, dentre esses signos

visuais, pictogramas e ideogramas. De acordo com as premissas do pesquisador de sinalética

português João Vasco Matos Neves (NEVES, 2008), definiremos como pictogramas aqueles

signos cuja iconicidade é perceptível, embora simplificada, representando um objeto ou

conceito de forma ilustrativa, e ideogramas os signos cuja iconicidade inexiste, representando

uma ideia, um conceito ou fenômeno impossível de ser visualizado a partir daquela imagem.

Passaremos então a analisar os signos que fazem parte do conjunto mais complexo da

interface: o conjunto denominado Barra de Menu (visualizado de forma ampliada na figura 2).

Este conjunto apresenta imagens que possuem um alto grau de correspondência icônica dentro

da lógica do jogo. Salientamos que os signos que compõem a Barra de Menu seguem a lógica

de todos os ícones e pictogramas do jogo: mostram as imagens em pequenos nichos com uma

fina moldura dourada, localizados em um suporte cujo fundo é neutro-escuro e semi

transparente. Quando passamos o mouse por cima de cada ícone, uma caixa com fundo escuro

se abre, exibindo por escrito uma descrição do que ele contém. Dessa forma o ícone acaba

sendo memorizado e qualquer dúvida sobre sua funcionalidade pode ser esclarecida

rapidamente.

Dentro da Barra de Menu observamos oito ícones, denominados – da esqueda para a

direita e de cima para baixo - Character Status, Inventory, Action, Skills & Magic, Quest,

Clan, Map e System Menu. Analisaremos as imagens desses ícones e, em alguns casos, as

imagens das janelas que são abertas quando ativados. Essas podem ocupar uma grande área

da interface. Se o jogador optar por abrir mais de uma ao mesmo tempo, a janela que não está

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ativada fica semi-transparente, deixando mais visível a interface 3D. Observamos que a

movimentação do avatar não é prejudicada caso uma ou mais dessas janelas estejam abertas.

As informações completas do avatar em termos de pontuação são representadas por

um ícone com o rosto de um elf (elfo), o que no caso não corresponde a um signo em perfeita

sintonia com todos os avatares: mesmo avatares de outras raças disponibilizadas no game –

como orcs, humans, dark elves, kamaels e dwarfs – possuem esse mesmo ícone em sua

interface. Não há nenhum motivo específico e claro para essa escolha por parte dos produtores

do game, mas podemos intuir por que ela foi feita: os elfos, segundo a mitologia do jogo,

foram os primeiros e mais puros seres criados pela primogênita dos deuses que compõem a

gênese de Lineage II: a deusa Shilen. Talvez por isso tenham posição de destaque perante as

demais raças. Quando ativado, esse comando abre uma janela com informações verbais e

também com representações gráficas em forma de barras horizontais, como ocorre também na

versão simplificada desta interface, permanentemente ativa na janela Status simplificada

(sinalizada pelo numero 6). Assim como ocorre nas fichas de RPG, sabedoria, força, destreza,

enfim, qualidades e defeitos que individualizam o personagem e dão a ele características

humanizadas, são medidos numericamente pela própria matriz informática de acordo com o

desempenho do avatar durante o jogo. Atributos relacionados à vitalidade e força podem ser

observados graficamente através de barras de energia. Tal elemento gráfico de visualização da

informação é prático e intuitivo. Caso fosse medido apenas por números, certamente o

jogador poderia se distrair durante um combate ao ler a numeração. Através dessa sinalização

puramente simbólica (que inclui barras somadas à numeração indicativa) o jogador pode

apelar para provisões e magias que restabeleçam sua energia.

Já o ícone com a imagem de uma bolsa de couro com detalhes em dourado e uma

única alça, para ser usada como bornal, corresponde ao inventário de objetos, significando o

que o avatar carrega consigo. A bolsa é ao mesmo tempo icônica e simbólica, já que não

existe acoplada ao próprio avatar. Ao clicarmos nesse ícone, uma janela dividida em duas

partes se abre (indicado pelo número 2 da figura 1). Nela aparecem, do lado direito, um

conjunto de ícones extremamente detalhados, sendo cada um representante de um objeto

específico incluindo poções, livros, objetos mágicos diversos, roupas, armas e jóias.

Parte desses ícones possui relação de correspondência completa com os objetos que

podemos observar nas ambiências do game: é o caso das roupas e armas. Outros, porém,

constam como informação imagética, aparecendo apenas no inventário como se estivessem

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sendo exibidos em pequenos nichos, podendo ser utilizados de uma forma prática quando for

conveniente. Quando clicados alteram o status do avatar ou acionam ações dentro do game.

Do lado esquerdo observamos uma janela onde podemos visualizar nosso próprio

avatar portando todos os itens de indumentária que foram selecionados e arrastados para esse

campo. O avatar possui forma idêntica ao que se apresenta na ambiência tridimensional.

Podemos observar que alguns itens como jóias (anéis e colares), capacete, cinto e gola de

metal, dentre outros, não são visualizáveis no corpo do avatar. Tais complementos da

indumentária são apenas simbólicos: eles indicam um aumento de força, velocidade, nível de

proteção, dentre outros poderes.

Esse inventário em especial dá ao jogador a sensação de manipular os objetos no jogo.

As imagens exibidas são objetos-ícones que em termos de funcionalidade e ação remetem a

instrumentos e armas de jogos de tabuleiro como o clássico Detetiveiv, por exemplo. Ainda

podemos citar a remediation relacionada a brinquedos como Comandos em Ação e outros

bonecos como a Barbie: nesses brinquedos é possível mudar apetrechos e armas, roupas,

sapatos e outras características físicas por puro prazer estético. É possível comprar poções

mágicas que mudam a aparência do avatar como o formato da face e o penteado.

É ainda nessa janela que se encontra o valor monetário do jogador em Adenas, a

moeda desse mundo virtual, sinalizado por um pequeno ícone onde figuram moedas de ouro,

localizado em baixo, à direita da janela. Há também uma lata de lixo no canto, ícone

apropriado das primeiras interfaces em formato desktop. Ao descartar um objeto qualquer,

esse item aparece no chão da interface 3D, ao lado do avatar.

Passamos, então, para o ícone action, representado por um punho cerrado,

simbolizando habilidade, destreza e força humanas. Quando aberta a janela (figura 2),

notamos uma miríade de pictogramas: simplificações de figuras humanas ou de partes delas

como pés e mãos, além de setas, alvos e objetos como baús. Esses botões servem para a

realização de ações, divididas em ações básicas, ações de party e ações sociais. O signo mão

também é bastante utilizado nos pictogramas, conotando a domínio sobre ações específicas.

O primeiro conjunto de pictogramas relaciona-se com as funções mais frequentes no

jogo como sentar, correr, atacar (representada por uma espada), realizar uma troca

(representada por um aperto de mãos, que simboliza a finalização de um ato de troca), pegar,

etc. O segundo conjunto com as ações coletivas onde se pode chamar ou banir uma pessoa de

um grupo, ser líder desse grupo ou passar a liderança, além de sair do grupo em que se está

eventualmente inserido. A terceira série de pictogramas é utilizada apenas para fazer com que

o avatar apresente um gestual próprio como rir, chorar, dançar, negar, assentir, comemorar,

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mostrar-se apaixonado, aplaudir etc. Esses últimos pictogramas são utilizados pelo jogador de

forma apenas estética, pois não há funcionalidade que vá além dessa de se representar a partir

do gestual do avatar. Esse gestual inclui sons como gritos, choro e riso, além de pequenas

interjeições. Cada raça tem seu gestual próprio, uma forma de dançar diferente, uma diferente

forma de comemorar. Assim, quando os avatares estão reunidos, parecem ser dotados de uma

personalidade específica. Todos os pictogramas possuem fundo azul. Os três pictogramas com

fundo rosado, contidos no quadro de ações sociais, são relativos a cumprimentos e gestos que

só podem ser acionados em conjunto com outro jogador, diferenciando-se dos demais através

do código cromático. Esses pictogramas possuem relação com a brincadeira de fantoches, aos

quais podemos imprimir emoções e gestual por meio de movimentos sutis, utilizando apenas

as mãos. Nesse caso, a relação com o gestual está ainda mais distante, já que sintetizada pelo

clicar de um botão.

O próximo ícone, relacionado às habilidades e magias do personagem, é um livro

aberto, representando o conhecimento e o aprendizado, muito valorizados dentro da narrativa

do game. Quando fechado, o livro encerra seu segredo, significando uma matéria virgem. Já o

livro aberto tem como significado a matéria fecundada, sendo seu conteúdo apreendido por

quem o consulta. O significado do livro também está relacionado à Revelação, que contém a

mensagem divina que pode ser compreendida pelos mortais. Podemos relacionar o aspecto

mágico dos poderes revelados ao iniciado ao livro ao Livro dos Mortos, uma coletânea

egípcia de fórmulas sagradas e mágicas, deixado dentro das tumbas, com o objetivo de

favorecer a travessia do morto (CHEVALIER e GHEERBRANT, 2009, p. 555).

Em Lineage II a força física é apenas um detalhe completamente dependente do

aprendizado mágico do avatar, que precisa passar por diversas provações para conseguir

conquistar conhecimento e poderes. Quando o avatar sobe de nível e evolui ele é iluminado

por um feixe de luz branca e dourada que vem do céu, além de caírem suavemente sobre sua

cabeça algumas plumas brancas, significando a iluminação alcançada pelo conhecimento e

talvez remetendo ao universo angelical através das plumas.

Com o acionamento do ícone livro é aberta uma janela onde pictogramas indicam os

poderes já conquistados pelo avatar, representados por imagens que buscam simplificar seus

efeitos visuais no momento em que são lançados contra o inimigo. Esses poderes são

divididos em ativos: acionados quando o avatar quiser e passivos: inerentes ao avatar e

conquistados durante seu percurso no game.

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Figura 3: Janela de Skills e Janela de Enchant Skills, onde é possível criar poções e itens mágicos mais complexos e potentes, inclusive aqueles requeridos por algumas quests. Detalhes de screenshots capturados pela autora em 13 de janeiro de 2011.

Tais imagens nos remetem aos card games, como Magic: the gathering, um gênero de

jogos de cartas onde imagens acompanhadas por textos simbolizam ações específicas,

estabelecendo um duelo com o oponente. Assim como nos card games, nos pictogramas de

Lineage II as informações também aprecem por escrito. Quando passamos o mouse sobre um

pictograma representativo de poder, uma pequena janela de fundo preto aparece sobre ou sob

o pictograma. Nela constam as seguintes informações verbais: o nome do poder, o nível de

evolução necessário para que ele atue, o valor de MP (Pontos de Mana) gasto com sua

ativação, o valor de combate (Range) e a função do poder descrita verbalmente, como um

dado explicativo.

Esses pictogramas podem ser transplantados para a Janela de Teclas de Atalho, que

acionam o ataque do avatar sem a necessidade de serem clicados com a seta do mouse. Isso

agiliza as ações durante o jogo, já que a principal função do mouse é a movimentação do

avatar dentro da simulação do espaço tridimensional e, com isso, a outra mão do jogador pode

ocupar-se em acionar os controles pelo teclado.

As magias tiram a energia do oponente, tornam o avatar protegido, aumentam sua

resistência, fazem monstros fugirem, envenenam seres e possuem nomes ligados a um

universo místico, compostos por palavras como mana, aura, arcane, curse, dentre outras.

Enquanto evolui seu avatar, o jogador aprende a utilizar esses poderes, que progressivamente

vão aparecendo nessa janela de pictogramas.

Chamamos atenção para a janela adjacente intitulada Enchant Skill. Essa janela

permite que o jogador some e misture poções e itens mágicos para criar derivados possantes e

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itens que não podem ser obtidos no jogo de outra forma, ou seja, matando criaturas

sobrenaturais ou em lojas de poções e objetos mágicos. Essa janela tem uma particularidade:

no alto há uma criaturinha que lembra personagens de mangá, com cabeça e olhos grandes e

corpo pequenino. Poderia ser definida como uma mistura de elfo e roedor e parece do sexo

feminino por sua indumentária. Ela segura uma estrela, que é repetida no centro de um

adereço de cabeça com protuberâncias laterais recobertas por um tecido, típico da primeira

metade do século XV na França.

Percebemos que o usuário pode utilizar os pictogramas de forma intuitiva, atento à

relação cromática e formal que estabelecem com os poderes mágicos do avatar, estes

representados nas ambiências tridimensionais por diferentes cores e modalidades de raios e

formas animadas de matéria luminosa. Esses poderes simulam ondas e jatos de água,

labaredas, tornados, ciclones, raios e feixes de luz dos mais variados tipos, formas e cores. Os

pictogramas estabelecem alguma relação icônica com as magias animadas que acionam,

buscando uma esquematização dos poderes mágicos. Os poderes em si estão intimamente

conectados a uma lógica interna do game que tem nas forças da natureza seu fundamento.

Essas magias diferem de um avatar para outro, dependendo da profissão e da raça escolhidas.

Já os ícones do menu principal que indicam Quest e Clan abrem janelas com conteúdo

puramente verbal. O ícone Quest, um pergaminho enrolado, significa as tarefas que o jogador

aceita realizar por livre e espontânea vontade para evoluir no jogo ou obter itens especiais. As

quests são propostas por NPCs (non-player characters, comandados pela matriz informática),

que geralmente ficam em vilas ou grandes cidades. Quests são tarefas aceitas ou não pelo

próprio jogador.

A imagem do pergaminho enrolado que figura no ícone significa mensagem ou mesmo

uma lista de itens. Por estar fechado com uma fita o conteúdo remete a algo confidencial, o

que de fato procede já que uma quest é realizada apenas por um jogador. A fita vermelha, cor

da nobreza, significa o selo que o fecha, que deverá ser quebrado para a revelação de seu

conteúdo. Essas tarefas encerram em si mini-histórias, simulam a participação do avatar em

assuntos que pertencem ao universo narrativo e mítico do jogo.

Já o ícone de Clan seve para se observar as características do próprio grupo ao qual se

está vinculado. De acordo com a simbologia, o vermelho vivo, diurno e solar é a cor que

incita à ação, à impulsividade e é utilizado nas insígnias e bandeiras. Dentro das tradições

irlandesas, o vermelho é a cor da batalha, do guerreiro. Nas antigas religiões nórdicas está

relacionada aos druidas vermelhos, que desempenhavam a dupla função de sacerdotes e

guerreiros. Em outras culturas, inclusive orientais, o vermelho guarda significados

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semelhantes, permanecendo ligado a uma ambivalência que lida com impulsos humanos

como a opressão, a paixão, a ação e a libertação.

O ícone Map é representado por um mapa antigo, amarelado, aparentemente feito em

pergaminho com dois rolos laterais, aberto em uma superfície plana e visto em perspectiva.

Nesse pequeno mapa podemos distinguir a representação de terrenos e, à frente de tudo,

figura uma pequena seta dourada, que simboliza a localização do avatar. Ao clicarmos sobre

esse ícone observamos uma janela onde podem figurar diferentes tipos de mapa: quando

estamos dentro dos limites de uma vila ou cidade, ele nos exibe uma planta baixa da cidade

em si. Quando estamos fora desses limites, em locais ao ar livre ou em arquiteturas feitas para

o combate, o mapa ao qual passamos a ter acesso é o mapa geral do mundo virtual Lineage II.

Figura 4: da esquerda para a direita: Janela Map com planta baixa da cidade e Janela Map com o mapa geral do mundo virtual Lineage II. Detalhe de screenshot capturado pela autora em 13 de janeiro de 2011.

Esses mapas também podem ser visualizados quando estamos dentro de cidades e

vilas, bastando para isso clicar em um ícone com o sinal de menos (-), localizado no canto

inferior direito da janela. Em ambos os casos há uma seta dourada que aponta a localização do

avatar e a direção para onde ele está olhando. Além disso, todos os mapas trazem a hora do

dia no mundo virtual.

As plantas baixas das cidades, assim como o mapa do mundo, tem caráter artesanal,

como se houvessem sido feitas em pergaminho bem fino com bico de pena e aquarela. As

cores são pálidas e o pergaminho tem características de uma superfície envelhecida, já um

pouco manchada. É possível até mesmo ver a dobra da folha. Ao fundo, à esquerda em cima,

podemos notar informações manuscritas já quase apagadas, ilegíveis, e uma rosa dos ventos

que aponta o Norte. São representados nesse mapa, em escala, as construções, estradas,

árvores, lagos e rios. É interessante notar que nas construções podemos reparar os pisos e

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estruturas, o que nos remete à própria simulação tridimensional, nos permitindo intuir que o

mapa foi sobreposto à própria imagem modelizada.

Sobre o mapa podemos observar vários símbolos: pictogramas, ideogramas e insígnias

que relacionam-se aos locais indicados verbalmente no mapa. Sobre a planta baixa de Magic

Shop, a loja de itens mágicos, podemos observar uma garrafa que nos remete às poções

mágicas. Em Armor Shop observamos um pictograma no qual figura um escudo, cujo

significado é proteção, o que nos remete à ideia das armaduras, vendidas nesse local. Em

Weapons Shop, espadas cruzadas sinalizam o local da venda de armas. Dentre os ideogramas,

destacamos o que sinaliza um gatekeeper (NPC que teleporta os avatares para outras

localidades do mundo virtual), sinalizado por uma espécie de vórtex, além das insígnias que

simbolizam as guildas de cada raça e o símbolo da Deusa Einhasad – entidade pertencente à

mitologia do jogo - localizado sobre o templo. Esses pictogramas e ideogramas são utilizados

em outros mapas de vilas e cidades de Lineage II, facilitando a visualização do local desejado

em qualquer mapa.

O mapa do continente de Lineage II vem dividido em coordenadas geográficas, com

latitude e longitude. É imenso e lembra os mapas da Terra Média do autor Tolkien pelo modo

de representação do solo, montanhas e estradas. Assim como o mapa descrito acima, tem as

características cromáticas de um mapa antigo, feito sobre pergaminho a bico de pena e

aquarela. Nesse caso há diferentes formas de sinalização no mapa. Ele é preenchido com

desenhos em miniatura de construções, correspondentes aos prédios ou esculturas principais

de cada cidade ou vila, pictogramas que indicam locais de combate onde figuram espadas

cruzadas, árvores que indicam florestas ou mesmo caveiras e ossadas humanas e de animais

exóticos, que indicam lugares ermos e inóspitos. Além desses signos observamos ideogramas

como o olho único com um triângulo invertido abaixo, uma corruptela do olho pintado

egípcio, indicando as necrópoles, locais coletivos de enterro com aspectos monumentais em

Lineage II. Entre os egípcios o olho figura como fonte de fluido mágico, como agente

purificador e como símbolo sagrado. Ele é usado em Lineage II como símbolo guardião dos

mortos.

Os mapas de Lineage II possuem fortes relações de funcionalidade com os mapas

contidos em livros de RPG, fundamentais para o desenrolar da história, localização do

personagem, visualização e conhecimento do espaço no qual se desenvolve o jogo. É através

do mapa em Lineage II que podemos medir distâncias, calcular ações e encontrar o que

necessitamos. Caso esses mapas não existissem, jogar nesses mundos vastos seria dificílimo.

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Os jogadores poderiam se perder facilmente e a sensação de insegurança os deixaria

desconfortáveis.

O ultimo ícone, talvez o mais dissonante dessa sequência por desviar da atmosfera

fantástico-medieval, é o ícone denominado System Menu. É representado por uma chave de

boca fixa e duas peças de engrenagem. Ele significa funções operacionais externas ao game e

oferece abertura para vários outros ícones, incluindo os ideogramas que significam reiniciar e

sair do jogo, além de configurações de vídeo, envio de e-mails etc.

De uma forma geral, na interface de comando ainda existem duas janelas importantes:

uma janela puramente textual, que é a janela de Chat, à qual já foi feita menção, a janela de

Buffs e a Janela de Radar (ampliada na figura 2). Essa última consiste numa representação

icônica de bússola-radar, onde o ponto Norte é flutuante, como acontece em uma bússola

convencional. O avatar é localizado em seu centro e a informação é dada de forma

esquemática, incluindo também membros do clã (representados por pontos verdes) e

personagens-alvo (pontos vermelhos). Esse é um dispositivo fundamental para o senso de

localização do jogador. A figura que aparece ao fundo remete sempre a uma visão aérea do

espaço, onde o avatar se encontra e parece nos exibir uma atmosfera azulada, como se

estivéssemos mesmo a uma distância considerável do local, observando-o de cima em um

sobrevoo. Outro detalhe interessante é uma espécie de lente convexa que recobre o

dispositivo, nos remetendo a antigos instrumentos óticos como lunetas e lentes de aumento.

Com essa análise concluímos que a interface de comandos do jogo está fortemente

impregnada de signos que representam a ação do avatar e dos valores que constituem o

universo de magia de Lineage II. Os poderes do avatar, assim como assim como os objetos

que possui, carregam em si significados do mágico e do sobrenatural como amuletos,

pergaminhos de ressurreição, poções de mana, pedras mágicas etc. Através dos mapas, cujo

teor imagético direciona a imaginação para o que é antigo e artesanal, o jogador é remetido a

um tempo passado através da significação dos códigos cromáticos e eidéticos que compõem

essas imagens. É com o auxílio dos mapas e da bússola, ou seja, da imagem, que o jogador

pode compreender de uma forma mais ampla o espaço virtual: como um semideus ele pode

observar quase tudo o que se passa nesse universo e em suas imediações. O significado dessa

potencialidade está no âmbito do domínio sobre si mesmo e sobre uma dada situação.

A interface de comandos dá ainda ao jogador certa individualidade no sentido de

expressar-se verbalmente e corporalmente através do seu avatar, além de vestir-se como

deseja. As possibilidades de troca, ganhos, manipulação de objetos e movimentação

financeira tornam essas ações um passatempo prazeroso. Essa característica está fortemente

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conectada ao nosso universo de quotidiano, do consumo e do lazer. Já a interface

tridimensional possibilita uma relação de manipulação da imagem que remete ao jogo de

câmeras, permitindo o deslocamento e conhecimento do espaço virtual de forma dinâmica,

aderindo a uma linguagem que para nós já é familiar através do cinema e das animações.

As interfaces de Lineage II são metáforas da busca de sabedoria e conhecimento em

um universo virtual onde é possível a liberdade de ação. Elas significam também o controle e

a observação do espaço de forma monitorada, sobre-humana. Com o auxílio de dispositivos

como mapas e bússolas interativos, o avatar é constantemente auxiliado por um GPSv próprio.

A visualização do mundo dada em terceira pessoa aumenta o campo de observação e abre

espaço para a experiência narcísica de observar a si próprio do lado de fora do corpo. Além

disso, as possibilidades de contato com outros usuários através do chat tornam o jogador

onipresente. O espaço de Lineage II, então, é utilizado como um exercício lúdico que faz os

jogadores descobrirem seus próprios valores, se reinventando como pessoas por meio das

relações diversas estabelecidas dentro do jogo.

i A sigla MMORPG - Massively Multiplayer Online Role-Playing Game - classifica jogos online para computador que possuam características de Role-Playing Games (jogos de mesa nos quais a ação se dá com base em uma narrativa criada conjuntamente). Podem ser jogados por mais de mil participantes simultaneamente, no mesmo espaço virtual interativo e em tempo real, através da internet. ii Esse termo é definido por McLuhan (MCLUHAN, 2005) como encontro de dois meios que, através de um grande e poderoso impacto liberam uma grande quantidade de energia por fissão ou fusão, resultando disso uma terceira matéria cuja forma é outra. iii O conceito do mana, palavra cuja origem provém da Malanésia, é fundamental no jogo. Ele designa a relação com o sagrado, com a força vital e mística que alguns indivíduos possuem. O mana pode também estar contido em espíritos ou mesmo em objetos mágicos e amuletos e cuja ligação com o divino é evidente (CHEVALIER e GHEERBRANT, 2009, p. 584). Dentro do conceito do jogo essa palavra aparece repetidamente. Existem poções de Mana e objetos com Mana. iv Detetive é um jogo de tabuleiro originalmente criado pela Waddingtons, da Inglaterra, em 1949. O jogo é comercializado no Brasil pela Estrela, sob licença da norte americana Hasbro. v GPS é a sigla de Global Positioning System, ou geo-posicionamento por satélite: aparelho receptor móvel que funciona por sistema de navegação via satélite informando posição, tempo e movimento de determinado corpo sobre a superfície terrestre. BOLTER, Jay David, GRUSIN, Richard. Remediation: understanding new media. 3 ª ed. Cambridge: The MIT Press, 2000. CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain. Dicionários de Símbolos: (mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figurs, cores, números). Tradução Vera da Costa e Silva... [et al.]. 24ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009. JOHNSON, Steven. Cultura da Interface – como o computador transforma nossa maneira de criar e comunicar. 1ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. KERCKHOVE, Derrick de. A Pele da Cultura.1ª ed. São Paulo: Annablume, 2009. LUZ, Alan Richard da. Video Game: história, linguagem e expressão gráfica - Coleção Pensando o Design, Carlos Zibel Costa, coordenador. 1ª ed. São Paulo: Bluncher, 2010. MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. 20 ª ed. São Paulo: Cultrix, 2005. NEGROPONTE, Nicholas. A vida digital. 2. ed. São Paulo. Cia das Letras, 1995. NEVES, João Vasco Matos. Sistemas sinaléticos. Convergências. Editora IPCB ESART, 2008. Disponível em <http://hdl.handle.net/10400.11/403> acesso em abril de 2011.

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