Limites e Reciprocidades - Univille · Victor Aguiar Organizadores: Série Cenários culturais e...

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Joinville, 2016

Elenir MorgensternVictor Aguiar

Organizadores:

Série Cenários culturais e sociais do Design

Design, Cultura e Sociedade:Limites e Reciprocidades

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Universidade da Região de Joinville

ReitoraSandra Aparecida Furlan

Vice-ReitorAlexandre Cidral

Pró-Reitora de EnsinoSirlei de Souza

Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-GraduaçãoDenise Abatti Kasper Silva

Pró-Reitor de Extensão e Assuntos ComunitáriosClaiton Emilio do Amaral

Pró-Reitor de AdministraçãoJosé Kempner

Campus JoinvilleRua Paulo Malschitzki, 10Campus UniversitárioZona IndustrialCEP 89219-710 – Joinville/SCTel.: (47) 3461-9000Fax: (47) 3473-0131e-mail: [email protected]

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Design, Cultura e Sociedade:Limites e Reciprocidades

Elenir MorgensternVictor Aguiar

Organizadores:

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Produção editorialEditora Univille

Coordenação geralAndrea de Lima Schneider

SecretariaAdriane Cristiana Kasprowicz

RevisãoViviane RodriguesCristina de Alcântara

CapaHaro Schulenburg

Produção gráficaRafael Sell da Silva

DiagramaçãoMarisa Kanzler Aguayo

ImpressãoGráfica Impressul Ltda.

Tiragem 500 exemplares

ISBN 978-85-8209-055-8 (edição impressa)

978-85-8209-054-1 (edição online)

Conselho Editorial

Profa. Dra. Denise Abatti Kasper Silva

Profa. Ma. Ágada Hilda Steffen

Prof. Dr. Alexandre Cidral

Profa. Dra. Berenice Rocha Zabbot Garcia

Profa. Dra. Denise Monique D. S. Mouga

Prof. Me. Fabricio Scaini

Profa. Dra. Liandra Pereira

Profa. Ma. Marlene Feuser Westrupp

Profa. Dra. Taiza Mara Rauen Moraes

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Agradecimentos

À Universidade da Região de Joinville (Univille);Ao Mestrado Profissional em Design e a todos os nossos colegas professores;

Aos mestrandos que partilharam seus artigos elaborados na disciplina Cenários Culturais e Sociais, especialmente à acadêmica Letícia Hermes, a sua

contribuição na organização de todo o material;Ao professor Haro Schulenburg, a linda capa;

E, por fim, mas certamente o mais importante,

a Deus, que nos ilumina e fortalece.

Professores Elenir Morgenstern e Victor Aguiar

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Introdução ..................................................................................... 9

CAPÍTULO 1 – Design, Cultura e Identidade .....................11

Novos cenários, novas formas de morar ...............................13BERNARDI, Daniela | SOBRAL, João Eduardo Chagas

O material têxtil: cultura material que tece uma história ................................................................................ 28GRUBER, Valdirene | SANTOS, Adriane Shibata

Design contemporâneo e diaconia: uma refl exão acerca dos cenários de atuação onde o bem-estar humano permeia o contexto ........................................................................................ 44STAHN, Maria Odete | EVERLING, Marli T.

CAPÍTULO 2 – Design de Moda e Sociedade .................... 63

Tendências de moda em um contexto social .........................65ZANCHETT, Rosenei Terezinha | AGUIAR, Victor

A moda em contexto sociocultural: um estudo de projetos sociais relacionados à moda ................................................... 77HERMES, Leticia | MORGENSTERN, Elenir Carmen

Agentes produtivos e organizações no campo da moda: possíveis práticas cooperativas ...................................................91SILVA, Jéssica de Almenau | MORGENSTERN, Elenir Carmen

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Perspectivas acadêmicas para o ensino do design de moda .......................................................................................112KORNER, Edson

CAPÍTULO 3 – Design Gráfi co, Comunicação e Sociedade ..........................................................................133

A importância do design na evolução da internet ............... 135LANDMANN, Daniel Rodrigo | AGUIAR, Victor

Intervenções urbanas: o cidadão como agente da cidade .....................................................................................152CREUZ, Morgana | EVERLING, Marli T.

O contexto social e econômico do desenvolvimento das embalagens de marcas próprias ...................................172BRUDZINSKI, Vanessa M. | PRUNER, Fernando P.

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Introdução

Integrando a coleção Cenários Culturais e Sociais do Design, cujo primeiro volume foi publicado pela Editora Univille em 2015, apresentamos o livro Design, cultura e sociedade: limites e reciprocidades. Os textos presentes nesta coletânea, bem como o aporte teórico que lhes dá cientifi cidade, são fruto das leituras e práticas desenvolvidas na disciplina Cenários Culturais e Sociais, do Mestrado Profi ssional em Design da Universidade da Região de Joinville (Univille). Essa disciplina aborda as relações do design com o contexto social e com a instituição da cultura material e simbólica. Além do escopo teorético, forjado numa concepção social do conhecimento, a ementa propõe o uso de ferramentas e técnicas para pesquisa de tendências e elaboração de cenários para o desenvolvimento de produtos e serviços, considerando micro e macrotendências.

Os escritos que compõem este livro foram selecionados entre artigos resultantes da referida disciplina e não representam, necessariamente, conclusões das pesquisas de mestrado dos estudantes, mas confi guram-se em ponderações que esquadrinham o contexto sócio-histórico-cultural de seus objetos de estudo, ou áreas de interesse, alvitrando nisso uma visão sistêmica do conhecimento. Destarte, em alguns casos, o conteúdo do artigo fundamenta, em parte, os Trabalhos de Conclusão de Curso de alguns mestrandos.

Esta coletânea de artigos científi co-acadêmicos provoca os designers a contemplar sua matéria de pesquisa considerando limites e reciprocidades entre design, cultura e sociedade. Ou seja, para além da consideração dos atributos internos do design, estimula a observação dos cenários culturais, sociais e históricos em meio aos quais esses produtos/serviços/processos/conceitos são gerados, produzidos, comercializados e instituídos, social e culturalmente, como objetos de desejo, perpetuando um mercado de bens simbólicos.

Trata-se de uma abordagem do design (enquanto produto, serviço, processo ou conceito) que ultrapassa a consideração de sua lógica interna. Em

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outros termos, além de seus atributos visuais, físicos, estéticos, ergonômicos etc., propõe uma abordagem extraestética. Pressupõe, por essa matriz, que o design seja analisado por intermédio de uma perspectiva que refl ita aspectos sociais, históricos, culturais, econômicos, políticos, fi losófi cos, entre outros, que possibilitam o surgimento e o sucesso dos artefatos produzidos. Dessa maneira, o design passa a ser compreendido não como uma forma criativa, livre das amarras histórico-sociais-culturais, mas enquanto campo, numa relação social recíproca entre seus agentes, cultura e sociedade.

Por essa diretriz, a coletânea apresenta os artigos divididos em três capítulos, nos quais os textos foram agrupados por áreas temáticas.

O primeiro capítulo versa sobre design, cultura e identidade; já o segundo traz trabalhos cuja temática se relaciona ao design de moda e sociedade e, por fi m, o último trata de design gráfi co, comunicação e sociedade.

O leitor certamente perceberá que essa composição procurou propiciar uma maior organização na apresentação dos materiais elaborados pelos mestrandos, todavia a temática cultura e sociedade está presente em toda a obra, propiciando, assim, um material rico e instigante.

Boa leitura!

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Capítulo 1

Design, Cultura eIdentidade

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Novos cenários, novas formas de morar

New scenarios, new ways of living

BERNARDI, Daniela1

SOBRAL, João Eduardo Chagas2

Resumo: Este artigo apresenta-se como um recorte da investigação do Mestrado Profi ssional em Design que tem o intuito de pesquisar sobre as transformações dos modos de morar, buscando relações com a estrutura da família e da moradia contemporânea. O artigo objetiva o desenvolvimento do estado da arte, por meio de observações históricas do cenário cultural e social dentro das transformações dos modos de morar, da confi guração da família e dos espaços residenciais no século XXI, a fi m de vislumbrar, com apoios bibliográfi cos, a construção da identidade do usuário e sua forma de utilização do espaço residencial.Palavras-chave: transformações; modo de morar; família e espaços residenciais.

1 Mestranda no Programa de Mestrado Profi ssional em Design pela Universidade da Região de Joinville (Univille), especializada em Design de Interiores e graduada em Design de Produto pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc). Atualmente é professora titular da Unoesc e também atua como designer de interiores, com projetos residenciais, comerciais e promocionais. E-mail: [email protected].

2 Doutor em Design e Sociedade pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), mestre em Educação pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (Furb), graduado em Comunicação Visual pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi chefe do Departamento de Design da Univille no período de 2002 a 2012. Atualmente representa o estado de Santa Catarina como membro do Colegiado de Design do Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC), do Ministério da Cultura. É consultor ad hoc da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina (CEE/SC), além de coordenador do Programa de Mestrado Profi ssional em Design e professor titular da Univille. E-mail: [email protected].

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Novos cenários, novas formas de morar

Abstract: This article is presented as a cut of the Professional Master in Design research that has purpose of researching about the transformation in the way of living, seeking relations with the structure of the contemporary family and its house. The article aims at the development of the state of the art through historical observations of the cultural and social scene into the transformation of the way of living, family configuration and residential spaces in the twenty-first century, in order to glimpse, with bibliographic support, construction the user's identity and the way of using the residential space.Keywords: transformations; way of living; family and residential spaces.

Introdução

Este artigo pretende demonstrar e analisar as transformações sociais dos modos de morar ocorridas nos últimos anos, mudanças que, entre outros fatores, determinaram a configuração de novos formatos familiares e espaços residenciais. Para tal, foi realizada pesquisa bibliográfica buscando compreender as transformações ocorridas ao longo da história. A análise feita com base em pesquisa bibliográfica buscou categorizar os diferentes formatos familiares e suas principais características, como também distinguir novos formatos de espaços residenciais internos, identificando a transformação do modo de morar e o usuário.

Os reflexos são inevitáveis no modo de vida da população, o que acarreta mudanças no comportamento e no cotidiano das pessoas. Por meio desse cenário, procurou-se averiguar se essas transformações causaram também mudanças no modo de morar e, consequentemente, na configuração dos espaços residenciais, análise feita na perspectiva do design de interiores. Para Kumar (1997, p. 9), “ao longo do último quarto de século, temos ouvido persistentes afirmações de que as sociedades do mundo ocidental ingressaram em uma nova era de sua história”. Esse autor finaliza: “Vivemos, de fato, em um mundo saturado de informações e comunicações. A natureza do trabalho e a organização industrial estão de fato mudando com uma rapidez alucinante” (KUMAR, 1997, p. 210). Portanto essas afirmações também devem incluir a compreensão de como os diversos grupos sociais se comportam na interação com os espaços. No caso dos grupos domésticos, além da tradicional família nuclear (pai, mãe e filhos), observa-se que novos grupos estão surgindo.

A importância desta pesquisa está relacionada ao fato de que por meio do espaço interno se entende o significado das ações nele praticadas, das mais cotidianas e íntimas às públicas ou formais. Assim, identificar que tipos de espaço residencial melhor caracterizam os modos de vida atuais é relevante, como

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são relevantes o papel que as novas tecnologias desempenham na sociedade, as questões de sustentabilidade, cada dia mais urgentes, os indefinidos papéis sociais e a avalanche de informações que nos bombardeiam dia a dia, todos requisitos de um comportamento em fase de mutação.

O interesse pelo tema justifica-se, sobretudo, pelas profundas transformações verificadas tanto nos padrões comportamentais quanto na composição dos grupos domésticos brasileiros. Busca-se aqui estabelecer um paralelo social e cultural, a fim de materializar o cenário atual desse nicho que envolve moradia e população.

Transformações sociais e culturais dos modos de morar

A transformação da sociedade está refletida no interior do espaço residencial, e o design e a arquitetura refletem as mudanças de cada época; o espaço residencial e o mobiliário ficam marcados por aspectos econômicos, culturais e sociais. A residência passou a incorporar uma série de outros significados, desde o local de dormir até o de fazer as refeições, o lugar onde o usuário passa a maior parte do tempo ou o ambiente onde estão as pessoas com quem se tem laços emocionais e afetivos. Trata-se assim de um local de atividades condicionadas à cultura de seus usuários, um resultado de mudanças sociais e culturais no mundo (KAMINAMI, 2003).

Percebe-se que hoje se passa a maior parte do tempo em espaços internos, que são locais de permanência e segurança. Sennet (1998) afirma que a vida nos ambientes domésticos começa a adquirir valor maior que a vida pública, de modo que as relações humanas se voltam para o interior, constituindo assim a premissa do conhecer a si mesmo, uma maneira de conhecer o mundo. Isso é fundamental para a construção do caráter da maioria dos homens.

A evolução dos ambientes internos é consequência da busca constante por conforto físico ao longo do processo de desenvolvimento tecnológico e cultural das sociedades. Algumas mudanças no campo da habitação são descritas por Tramontano (1993), como as separações entre casais, que podem multiplicar o número de grupos domésticos, diminuindo seu tamanho médio. O cônjuge que passa a morar sozinho necessita de espaço para receber os filhos nos fins de semana, e provavelmente haverá uma queda no nível de vida após a separação, levando um ou mais filhos a começar a trabalhar, com prováveis efeitos na organização do grupo doméstico e na configuração dos seus espaços residenciais.

Com o crescimento urbano acelerado, houve a transformação da casa em mercadoria, e o fator econômico passou a ter peso enorme no programa de

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Novos cenários, novas formas de morar

moradia, pois esta, além de ser funcional, confortável e segura, também deve dar lucro, sendo a casa vista como uma acumulação de capital. Como explica Wolff (1982), tudo que é produzido está localizado em estruturas sociais e, por conseguinte, é afetado por elas. Assim, passa-se a usar bens materiais como atributos e associações próprias à personalidade íntima, construindo-se uma liberdade individual por meio da aquisição de bens de consumo. O fato de o lar ser uma fábrica de ilusões privadas e um catálogo de gostos, valores e ideais prontos torna o design doméstico revelador das condições da vida moderna.

Harvey (2011) reforça o pensamento de Sennet (1998) quando afirma que nunca os objetos domésticos, junto com a indústria de vestuário, estiveram tão conectados à identidade do homem e à construção do modo de vida. Considerando a mudança de local, de tempo e de cultura, as transformações do homem hoje têm se moldado nesses padrões nas sociedades organizadas e globalizadas. As pessoas procuram um “eu” nos artefatos residenciais: elas buscam ser individuais, mas querem ao mesmo tempo se adequar aos padrões, surgindo daí os ideais de beleza e moral.

Para Forty (2007), as ideias sobre o lar variam entre as culturas e entre períodos, assim como as noções do que é apropriado e belo, dando forma à arquitetura e ao design de artigos para uso em espaços internos. O design desses artigos diz às pessoas o que elas devem pensar sobre a casa e como devem comportar-se dentro dela. A ideia de que a decoração expressava o caráter pessoal foi se difundindo a partir do século XIX até os dias de hoje, aumentando a vontade das pessoas em apresentar uma imagem satisfatória.

Nota-se que em diversos grupos que habitam os espaços residenciais a revolução dos costumes também produziu ou estimulou a consolidação de novos modos de morar e de novas atividades exercidas no espaço interno, permitindo a execução de várias funções em um mesmo local e tempo, como a unificação do espaço social e alimentação. A casa modifica-se, mesmo que em passos lentos, em forma, tempo e conteúdo, trazendo no campo cultural a interação entre design e cultura, essencial para que os objetos produzidos estejam em sintonia com as necessidades das pessoas que os utilizarão.

O lar é então ambiente significativo na formação da história de vida das pessoas, revelador de padrões de gostos e de hábitos que demonstram muito sobre como o design e a arquitetura devem se comportar e se adaptar no cotidiano e se voltar para as diversas identidades, que incluem, além da classe social, fatores como gênero e faixa etária. Fica claro que relacionar moradias a esses aspectos pode revelar diferentes vertentes de entendimento quanto aos modos de morar.

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Transformações das famílias no século XXI

Atualmente há dificuldade de se estabelecer um conceito único para família; constantes transformações nos modelos familiares são incorporadas às formas tradicionais já conhecidas.

Durham (1982) diz que famílias são grupos sociais, estruturados por meio de relações de afinidade, ascendência e consanguinidade. Tem-se a família como grupos sociais já concretos, ou aquela que refere as regras ou os modelos culturais.

A família contemporânea desdobra-se numa multiplicidade de formas e numa complexidade de relações, principalmente por considerar que não haveria como o seio familiar não revelar as características culturais da sociedade atual, referentes a costumes, hábitos e contradições sociais. O retrato da família hoje representa as mudanças nas formas concretas dos papéis de membros familiares, como também no modelo cultural, na circulação simbólica e nas relações sociais (SILVA; CHAVEIRO, 2009).

Tal como se tem evidenciado, as transformações sociais das famílias brasileiras estão relacionadas às mudanças econômicas, políticas, culturais. A revolução industrial, a modernização, a urbanização e, principalmente, as modificações nas relações de trabalho afetaram a instituição familiar e as formas de regulamentação da procriação, da família na escola e no trabalho.

Essas alterações na sociedade influenciaram diretamente a consolidação de novos formatos de grupos domésticos: famílias monoparentais, casais Dinc (dupla renda e nenhum filho, do inglês double income, no children), uniões livres, grupos coabitando sem laços conjugais ou de parentesco entre seus membros e família nuclear renovada. Entre esses modelos podemos citar alguns: grupo doméstico maior que a família nuclear (membros da família de um dos cônjuges, afilhados, serviçais); famílias matrifocais (aquelas formadas basicamente por mãe e filho); novos arranjos familiares (formação de outras famílias de casais separados) (SILVA; CHAVEIRO, 2009).

A família composta por pai, mãe e filho começa a renovar-se, a passar por transformações. “O modelo patriarcal de família, caracterizado pelo arranjo composto por pai, mãe e filhos que convivem sob a égide da autoridade do primeiro sobre os demais, está em crise” (PERUCCHI; BEIRÃO, 2007, p. 66). Atualmente o retrato da família é diferente, não mais corresponde ao das grandes famílias.

A imagem que se tem hoje é de uma família pequena, formada por pai, mãe e dois filhos. A redução do número de filhos veio acompanhada do controle da natalidade, agora estabelecido pela mulher, enquanto escolha própria, não como forma de reprodução, mas refletindo uma política de emancipação. A queda da

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fecundidade e da mortalidade e o aumento da expectativa de vida têm sido as causas diretas da diminuição do tamanho do grupo familiar em todo o mundo ocidentalizado, incluindo o Brasil. Nos últimos anos vem caindo no país o número médio de pessoas por unidade domiciliar (BERQUÓ, 1989). A diminuição no tamanho das famílias não foi consequência exclusiva da queda da fecundidade, em que se tem menos filhos com maior espaçamento entre eles.

O envelhecimento da população contribuiu para modificar a composição das diversas etapas do ciclo de vida familiar (nascimento, consolidação e saída do lar) e alterar a composição e o tamanho das famílias devido à subdivisão de configurações familiares anteriores (LEONE; MAIA; BALTAR, 2010).

Dados do IBGE (2010) mostram que o percentual de homens e mulheres que moram sozinhos cresceu em todos os grupos etários entre 2001 e 2009. E ainda se identificou que idosos (60 anos ou mais) estão em grande proporção com referência aos outros grupos etários. Dessa forma, percebe-se que o envelhecimento da população contribuiu para modificar a composição das famílias e alterar o tamanho delas, por conta da subdivisão de configurações familiares anteriores.

Outras razões para o surgimento de novos grupos domésticos na contemporaneidade foram a diminuição do número de casamentos e o crescimento acentuado do número de separações e divórcios. Tais processos acabam por elevar a quantidade de unidades domiciliares em meio urbano, já que, em sua grande maioria, levam os ex-cônjuges a demandar outro espaço doméstico, constituindo, ao mesmo tempo, um novo formato familiar. A família hoje passa por transformações sociais que trazem consigo a insegurança, a incerteza, representando relações conjugais menos estáveis. O casamento nessa relação perde sua estabilidade. Segundo Medina (2002, p. 25), “o casamento passou a ter um papel social menos central e o companheirismo3 tornou-se corrente e aceito”. Outros aspectos apontados pelo IBGE (2010) para esse encolhimento da família dizem respeito a postergação do casamento, aumento das famílias monoparentais, diminuição da disponibilidade de tempo e excesso de individualismo. Esses fatores sem dúvida geram mudanças nas relações internas das famílias e resultam em laços cada vez mais fracos.

A tendência de redução do número de famílias nucleares já era observada desde o início da década de 1990, mas só agora no século XXI é que esse tipo de arranjo deixou de ser preponderante no Brasil. De acordo com Tramontano (2007), os motivos dessa redução residem no número crescente de divórcios,

3 Aqui “companheirismo” tem o sentido de vínculo estabelecido entre duas pessoas, relacionamento, união.

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na opção pelo celibato, no retardamento da idade do primeiro casamento, na emancipação da mulher e no aumento do número de viúvos e também porque os filhos adultos apresentam tendência de demorar mais a sair da casa dos pais por razões econômicas.

No mundo todo, os casais sem filhos são um tipo de arranjo doméstico muito característico das grandes cidades modernas, como especificam dados do IBGE (2010), que mostram o crescimento desse grupo familiar e a diminuição do grupo casal com filhos. São famílias em que ambos trabalham, ou seja, a família tem duplo rendimento. São consumidores exigentes de vestuário e produtos culturais, e também se preocupam com os aspectos ligados ao espaço doméstico. Os dados evidenciam ainda um aumento na configuração de mães sozinhas com filhos ou ainda homem e mulher morando sós.

O cenário em que se constituem as famílias no século XXI é um desdobramento de tendências já observadas há pelo menos duas décadas, mas que está redefinindo o conceito de família nesse século. A família nuclear vai passar a ser apenas uma etapa da vida de seus membros individuais, já que o tempo de duração desse modelo de família não mais se prolonga por toda a vida. Tramontano (1993, p. 13) chega à mesma conclusão quando afirma:

Com a redução do número de filhos – queda da fecundidade, diminuição do tamanho da família – e do período gasto pelos pais com a sua manutenção – escolarização cada vez mais cedo e mais longa – ao lado do aumento das possibilidades de autonomia financeira da mãe, deixam de existir razões para que a família nuclear prolongue-se por toda a vida, cada vez mais longa de seus indivíduos, continuando a existir após a morte do amor conjugal. Assim, crê-se que a família nuclear torna-se, cada vez mais, apenas um momento transitório – e não obrigatório – das trajetórias individuais de cada vez menos pessoas.

Essas mudanças na família e nos seus modos de vida resultaram em modificações também nas formas de organizar o espaço doméstico e de se adaptar a ele. As transformações ocorridas na sociedade, principalmente nas últimas décadas, passam por alterações de valores, crenças, sentimentos, atingindo todos os segmentos sociais. A análise desse cenário permite que se tenha uma visão das tendências e do cenário futuro, que são construídos, de acordo com Naisbitt e Aburdene (1990), por diversos processos que se repetem e permanecem por algum tempo, em que novas tendências são definidas por fatos, acontecimentos e eventos que se sucedem o tempo todo. E, como se percebe, esse cenário foi sendo construído com o passar de séculos, portanto, não apareceu nem desaparecerá de uma hora para outra.

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Novos cenários, novas formas de morar

Transformações nos espaços residenciais no século XXI

A partir da metade do século XIX, no Brasil começou a ser adotada a tripartição (que é dividir em três) do espaço interno da casa em social, íntimo e de serviços (MACHADO, 2011), o que provavelmente aconteceu com referências trazidas pela missão artística francesa. Antes disso as referências das casas coloniais no Brasil eram portuguesas. A família colonial brasileira assemelhava-se muito com a família medieval europeia, sendo constituída, conforme Machado (2011, p. 20), “[...] pelo chefe da casa, esposa, filhos, parentes, amigos, dependentes, escravos e agregados, todos submetidos à autoridade indiscutível do patriarca”. Essa era a base da organização da sociedade colonial brasileira.

Em meados do século XIX, formadas pelo enriquecimento de comerciantes e de indústrias, junto da classe média nasceram as noções de individualidade e intimidade, o que transformou a estrutura social do Brasil com o surgimento de uma elite urbana.

Com a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República, segundo Veríssimo e Bittar (1999) houve uma progressiva compactação dos espaços da casa, que sofreram uma verdadeira transformação como decorrência desses eventos, pois, entre outros fatores, não há mais o escravo para limpar a casa, recolher o lixo e realizar as tarefas consideradas servis, que a partir de então são de responsabilidade direta ou indireta da dona da casa.

A configuração interna da casa contemporânea tomou a forma que hoje nos é familiar, em que se podem identificar, como mostra a figura 1, a área social (sala de estar, sala de jantar e lavabo), a área íntima (dormitórios e banheiros menores), a área destinada a serviços (cozinha e lavanderia) e ainda o cômodo de dependência para empregada, isolada da área íntima da residência.

Figura 1 – Planta do século XX

Fonte: French (2009)

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No século XX, incorporaram-se aos projetos os conhecimentos sobre economia doméstica, racionalização do trabalho e ergonomia dos espaços. Iniciaram-se na cozinha com as tentativas de melhorias, e foi onde tiveram maior êxito. Como resultado desses aprimoramentos, desenvolveu-se o que conhecemos por cozinha americana (figura 2), sinônimo de cozinha eficiente, prática e compacta. Hoje se associa o termo cozinha americana somente às cozinhas integradas ao espaço da sala, mas o conceito original é muito mais complexo e abrangente que a simples integração dos dois espaços.

Figura 2 – Cozinha americana

Fonte: Cookeletroraro (2013)

Os novos modos de vida surgiram em decorrência das mudanças que a sociedade sofreu, os quais conduziram à alteração do nosso comportamento, do nosso cotidiano doméstico e do nosso modo de morar. De acordo com Rybczynski (2002), a evolução dos interiores e de sua decoração é consequência da busca constante por conforto físico ao longo do processo de desenvolvimento tecnológico e cultural das sociedades ocidentais.

Mudanças que já vinham ocorrendo desde o século XX e que hoje estão estabelecidas são descritas por Tramontano (2007): quanto a moradias, encontram-se as suítes em todos os segmentos, aumentaram as metragens médias de unidades de um e três quartos, nas unidades de quatro quartos a área média diminuiu, a área das varandas em apartamentos mais caros aumentou e estas foram equipadas com churrasqueiras e bancadas para preparação de alimentos, há uma grande oferta de configurações tipo loft e duplex destinadas a grupos de renda mais elevada, cresce a diversificação de equipamentos e

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serviços de uso comum em todos os casos, cresce o número de vagas nas garagens (exceto para prédios), surgem projetos com espaços para trabalho (escritórios), há apartamentos econômicos no segmento de quatro quartos, são lançados conjuntos maiores e com maior número de unidades.

O apartamento é o tipo de moradia mais comercializado nas principais cidades brasileiras, mesmo que todos os segmentos de apartamentos tiveram suas áreas reduzidas ou mantiveram o padrão já reduzido de anos anteriores. No que se refere à divisão dos cômodos, tanto para casas como para apartamentos, não surgiram grandes novidades em relação à configuração de seus interiores, já que prevalece a tripartição social, íntimo e serviços (com um diferencial de que agora não há o cômodo para empregada, resultado de uma tendência de substituição da empregada por diarista), como mostra a figura a seguir.

Figura 3 – Planta comercializada com três dormitórios

Fonte: Bolfe (2015)

O crescimento do número de pessoas morando sozinhas, de recém-casados, de casais sem filhos e de pessoas vivendo sós em diferentes fases da vida, como jovens solteiros estudantes ou no início da vida profissional, pessoas divorciadas, viúvos e viúvas, faz com que imóveis de um dormitório sejam muito

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procurados (TRAMONTANO, 2007). A figura a seguir demonstra como o espaço desses imóveis normalmente está dividido, com a área social e a de serviço mais conjugadas, porém ainda com separação, utilizando fechamentos com paredes, e área íntima separada somente por um pequeno corredor.

Figura 4 – Planta comercializável com um dormitório

Fonte: Habiteto (2015)

Percebe-se nos últimos anos também a grande atração pela possibilidade de viver, ou voltar a viver, em contato com a natureza em espaços mais generosos e confortáveis, morando em casas em vez de apartamentos. Por isso, segundo Teixeira (2011), os condomínios horizontais de casas crescem em grande número nos arredores das cidades. Ainda nesse aspecto nota-se a mesma linguagem de definição de cômodos e espaços internos, em que há integração da cozinha gourmet com sala (que contempla o home theater) e também integração com sala de jantar, transformação de um quarto em escritório (para o possível trabalho em casa), a criação de quarto de hóspedes, assim como a renovação do banheiro (pensando em funcionalidade).

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Novos cenários, novas formas de morar

O agrupamento de ambientes de usos afins ou de mesma função fundamentou a configuração espacial moderna. Percebe-se, no uso e na distribuição interna do novo espaço de morar, o aparecimento das zonas de estar, íntima e de serviços (TEDESCHI, 1980, p. 124), justificando a compartimentação do espaço doméstico e a consolidação do funcionalismo.

Assim, observa-se que o espaço residencial passou por pequenas mudanças desde o século passado, porém identificam-se profundas transformações nos aspectos culturais do modo de viver, em que se busca por espaços de integração para momentos de lazer, espaços de integração com áreas externas e um maior contato com a natureza e bem-estar, além de praticidade e funcionalidade.

Considerações finais

Este artigo se propôs a fazer um levantamento bibliográfico das transformações por que passaram os modos de vida do homem, para entender como elas podem ter influenciado a configuração dos espaços residenciais e assim ter um esboço do cenário atual em que se enquadram o modo de morar e a configuração familiar.

Identificam-se as transformações mais essenciais para a evolução dos modos de morar, sua relação com a estrutura familiar e com o espaço residencial.

No século XX, o Brasil passou por várias transformações; os modos de viver e de morar evoluíram também em meio a crises políticas e econômicas, sob efeito das inovações tecnológicas e das transformações dos comportamentos e das famílias. Novos grupos domésticos, inexistentes ou quase inexistentes, surgiram, formando uma grande parcela da sociedade contemporânea.

Ainda de acordo com a pesquisa, a família brasileira passou por mudanças importantes na sua estrutura, e há uma diversificação dos tipos de grupos domésticos, com maior presença de arranjos diferentes da família nuclear tradicional. Antes a família nuclear era a maioria nos censos realizados. Agora, no século XXI, a família nuclear não é mais maioria absoluta. Isso é muito significativo, pois outros grupos, como casais sem filhos e pessoas morando sós, têm necessidades de espaços e arranjos internos diferentes dos da família tradicional, antes predominante.

Com o início do século XXI o mundo passou por transformações dadas pela comunicação e pela tecnologia, de modo que até a percepção do tempo e do espaço foi modificada. As maneiras de viver e de morar neste século não parecem se distinguir muito das do anterior, mas descobre-se que há diferenças muito profundas. Uma nova e constante transformação no cenário cultural e

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social faz com que essas diferenças estejam continuamente em transição. Uma das maiores influências hoje são os meios de comunicação digitais instantâneos, representados pelos telefones celulares e mais ainda pela internet. Os modos de morar são influenciados por essas mudanças, que às vezes ocorrem de forma imprevista e independente da vontade dos moradores.

Por meio da análise dos cenários que envolvem o contexto pesquisado, chega-se a uma reflexão de que a residência passou a ser um local de refúgio, como também de lazer e intimidade. As mudanças que caracterizam o espaço interno hoje mostram sua relevância cultural e já estão instaladas nos hábitos da sociedade.

Portanto os resultados alcançados por meio deste artigo configuram uma aprendizagem maior acerca do tema e dos cenários cultural e social em que está inserido, bem como favorecem uma visualização das tendências de moradias e da configuração de seus espaços internos residenciais.

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O material têxtil: cultura material que tece uma história

The textile material: material culture that weaves a story

GRUBER, Valdirene1

SANTOS, Adriane Shibata2

Resumo: Este artigo é fragmento da pesquisa de Mestrado em Design que traz uma refl exão teórica do material têxtil como cultura material no contexto histórico e sociocultural. A pesquisa é exploratória, com abordagem qualitativa, baseada em pesquisa bibliográfi ca e observação in loco. Analisa a indústria Döhler, com mais de cem anos de história no polo têxtil catarinense. Nas considerações fi nais, ressalta a importância dos acervos têxteis como fonte de pesquisa na área do design e afi ns.Palavras-chave: material têxtil; cultura material; história.

Abstract: The article is design Master’s research fragment that brings a theoretical refl ection of the textile material and material culture in historical and sociocultural context. The research is exploratory with a qualitative approach in the literature and observation in place. Presents a case study in Döhler industry, with over one hundred years of history in Santa Catarina textile pole. In the fi nal considerations, emphasizes the

1 Mestranda no Programa de Mestrado Profi ssional em Design pela Universidade da Região de Joinville (Univille), especialista em Gestão de Moda pela Estácio de Sá, graduada em Moda pela Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Atua como docente do departamento de Design da Univille. E-mail: [email protected].

2 Doutora em Design pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/Rio). Atua como professora do departamento de Design e do Mestrado Profi ssional em Design da Univille. E-mail: [email protected].

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importance of textile collections as a source of research in the design area and similar.Keywords: textile material; material culture; history.

Introdução

O material têxtil é uma das mais antigas manufaturas do homem que evoluiu com a industrialização, o design e a tecnologia. Como material têxtil3 se denominam as fi bras, os fi os e os tecidos, que por meio de seus processos criativos e produtivos são expressões de tendência, simbolismo e cultura.

A cultura está ligada à formação das sociedades, que compreende suas crenças, artes, costumes e expressa seu comportamento e identidade. Por cultura material se entende o conjunto de artefatos produzidos e utilizados em determinada sociedade, com signifi cados particulares que refl etem seus valores e referências culturais (ONO, 2006).

Este artigo objetiva identifi car o produto têxtil como cultura material no contexto sociocultural. Traz uma refl exão teórica interdisciplinar que aborda história, sociologia, fi losofi a, museologia, cultura material e design, fundamentada em Pezzolo (2007) e Udale (2009), que estudam o material têxtil nos seus aspectos históricos e culturais; Forty (2007), que apresenta os tecidos como meio de possível identifi cação de classes sociais; Bourdieu (2008), que expõe a prática do design como cultura e fator de distinção social; Cipiniuk (2014), que trata o design como produção social; Sant’Anna (2007), que estuda a teoria da moda e relaciona a inspiração dos tecidos com as características culturais; Ono (2006), que estuda a sintonia entre design e cultura material; e Andrade e Monteiro (2010), que abordam a cultura material das roupas.

Este trabalho também analisa o cenário da Döhler, indústria têxtil situada em Joinville (SC), uma das maiores empresas nacionais do setor têxtil no segmento de cama, mesa, banho e decoração. A empresa de tecelagem desenvolve materiais têxteis desde fi bra, fi o e tecido até alguns produtos têxteis4 confeccionados. Ela tem mais de cem anos de história, referida pela experiência vivenciada dos profi ssionais ao longo dos anos. Além de sua história, a empresa

3 Agrupam-se sob essa designação três espécies de produtos: as fi bras, que podem ser naturais, artifi ciais e sintéticas; os fi os, que por diferentes processos mecânicos ou químicos são construídos da junção dessas fi bras; e os tecidos, que são obtidos do entrelaçamento de fi os (RIBEIRO, 1984).

4 Referem-se a produtos que, em seu estado bruto, benefi ciado, manufaturado ou confeccionado, são compostos de pelo menos 80% de fi bras ou fi lamentos têxteis (IPEM-AP, 2015).

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O material têxtil: cultura material que tece uma história

já possui parceria com o departamento de Design da Univille em alguns projetos, o que justifica sua escolha.

Por fim, tendo em vista que o material têxtil é representativo para a sociedade, o texto ressalta a importância dos acervos têxteis institucionais como memória da cultura material e fonte de pesquisa em design e áreas afins.

Material têxtil nos aspectos históricos e socioculturais

A história das fibras, fios e tecidos relaciona-se com a própria história da humanidade há milhares de anos. Nesta revisão, é apresentado um recorte da história, que relata a origem das primeiras fibras naturais extraídas e manufaturadas nas diferentes regiões brasileiras.

Pezzolo (2007) afirma que a existência de materiais têxteis remonta a mais de 24 mil anos nos países do Leste Europeu, mais especificamente na República Checa, descoberta feita pela antropóloga Olga Soffer. Por meio de pesquisas arqueológicas, foram comprovadas a existência de tecidos e fios e a atividade de tecer, que consiste no ligamento das fibras e fios para formação dos tecidos. Os primeiros indícios das fibras têxteis naturais vegetais e animais concentraram-se em diferentes países: no Egito a fibra vegetal linho, na Índia a fibra vegetal algodão, na Suíça a fibra animal lã e na China a fibra animal seda.

Pezzolo (2007) descreve, nos aspectos históricos e culturais, a seguir detalhados, a origem das primeiras fibras naturais: as vegetais de algodão e linho e as animais de lã e seda.

a) A cultura do algodão teve início em 1794 e encontra-se em cinco continentes: América, Ásia, África, Europa e Oceania. No Brasil, a prática foi iniciada pelos índios, que tinham como atividade cultivar, fiar e tecer. Com a vinda dos portugueses, algumas espécies foram trazidas do Oriente na época do descobrimento, e passou-se a cultivar o algodão no norte do país, nos estados do Pará, Maranhão, Ceará, Pernambuco e Bahia;

b) Na cultura do linho, a maioria da produção – o equivalente à metade da produção mundial – concentra-se na Rússia. No Brasil, o cultivo iniciou-se no século XIX com os imigrantes alemães, poloneses e italianos nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, com a produção agrícola e o desenvolvimento da indústria têxtil. A utilização da fibra do linho teve declínio nos anos 1960 por conta do surgimento das fibras químicas sintéticas;

c) A manufatura da lã teve início na Britânia, por meio dos romanos em 55 a.C., e atualmente se origina na criação ovina, com aproximadamente 1,4 mil raças no mundo, que se concentram na América do Sul e no Oriente.

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No Brasil, mais especificamente na Região Sul, no período do século XIX, imigrantes espanhóis e italianos principiaram a atividade pecuária e a fabricação de fios e tecidos;

d) A cultura da seda começou por volta do ano 2.620 a.C. pela imperatriz chinesa Xiling Shi. Enquanto tomava seu chá da tarde embaixo da amoreira, caiu um casulo em sua xícara e, ao desenrolar o casulo, descobriu o filamento têxtil5 da seda. No Brasil a sericultura concentra-se nos estados de São Paulo e Paraná, tanto na criação de casulos como na produção da seda.

Na indústria têxtil brasileira essas fibras naturais são utilizadas como matéria-prima em processos de fiação das fibras, dos fios e na tecelagem, que consiste no processo de tecer os fios em tecidos. Elas também são exportadas para outros países.

Os fios usados na tecelagem são elaborados com uma única fibra ou com uma mistura dela; por exemplo, os fios de seda e linho com fios de algodão, com fios originados de fibras artificiais e sintéticas desenvolvidas pelas indústrias químicas. As fibras químicas proveem de laboratórios, feitas à base de celulose extraída de madeira, petróleo, polímeros e produtos químicos (PEZZOLO, 2007).

As fibras químicas participam de um cenário atual merecedor de destaque na história têxtil, porém este estudo apresenta um recorte na origem das fibras naturais, que foram as precursoras da tecelagem.

Das fibras à tecelagem

As fibras naturais foram extraídas, fiadas e tramadas na arte das cestarias e, posteriormente, em teares rústicos desenvolvidos por artesãos, o que originou a tecelagem.

A tecelagem ou tecedura é um processo de entrelaçamento dos fios em tecidos por meio de teares, sendo considerada um grande marco na evolução do ser humano e em sua inclusão social. Era um trabalho feminino que durante séculos proporcionou um estágio de vida diferenciado, misturado com arte, costumes, tradições e, posteriormente, ciência e tecnologia. Das tramas dos fios eram criados motivos que identificavam o período e a arte e simbolizavam a cultura e a sociedade (PEZZOLO, 2007).

5 Filamento têxtil – é toda matéria natural de origem vegetal, animal ou mineral, assim como todo material químico artificial ou sintético, que, pela sua alta relação entre comprimento e diâmetro, e ainda por suas características de flexibilidade, suavidade, alongamento e finura, se torna apta a aplicações têxteis (IPEM-AP, 2015).

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O processo de tecer fios em tear manual originou-se na Antiguidade e evoluiu com o passar do tempo. Nos dias atuais, a tecelagem manual está presente nas atividades das artesãs, sendo um material têxtil de tendência artesanal.

Na história têxtil, com a Revolução Industrial os teares manuais foram sendo substituídos pelos teares mecânicos, entretanto não foram descartados da produção têxtil.

Forty (2007) descreve que em meados do século XIX a mecanização nas indústrias de tecelagem não era avançada o suficiente, e a manufatura dependia também da habilidade manual. As máquinas eram aplicadas em algumas etapas de produção dos tecidos; outras fases eram feitas manualmente. Somente a partir da metade do século a produção têxtil teve avanço tecnológico e passou a ser mecanizada nas indústrias britânicas.

Pelo fato de a industrialização britânica se destacar nesse período, o autor acrescenta ainda que os tecidos estampados receberam maior destaque, e foram desenvolvidas novas técnicas no design e na arte de estampar. A partir de 1840 houve um aumento na quantidade de máquinas de estamparia e, com isso, a demanda por designers cresceu, ao passo que a estampagem manual dos artesãos declinou.

A introdução das máquinas provocou mudanças na sociedade. A produção mecânica acabou levando a uma divisão social do trabalho, a manufatura atingiu um estágio mais avançado e a produtividade têxtil chegou a um grau elevado. Mão de obra de mulheres e crianças ocupou o lugar de artesãos especializados, e os designers de bens manufaturados tornaram suas ideias contemporâneas (FORTY, 2007).

No fim do século XIX, com os avanços tecnológicos e a mecanização, “o lugar uma vez ocupado pelo artesão-artista, que era simultaneamente designer e fabricante, foi então separado em duas atividades pelo processo mecanizado. A qualidade dos tecidos era inferior e carecia de design” (UDALE, 2009, p. 15). Com isso, o trabalho manual e o design foram promovidos e começaram a produzir o design têxtil; os tecidos dessa época foram criados com temas naturalistas, medievais e estéticos.

No campo do design, a produção industrial é vista como uma prática social que estuda o modo como os valores sociais são materializados em objetos manufaturados. Cipiniuk (2014, p. 31) menciona: “uma cor, um aspecto formal que ninguém havia percebido, um pequeno detalhe ergonômico é capaz de transformar um objeto comum em um objeto especial, dotado de uma natureza peculiar que oferece a quem o possui grande distinção social”.

A industrialização e o design podem ter sido responsáveis pelas mudanças na sociedade e consequentemente pelas diferenças sociais. É possível identificar essas diferenças em vários produtos, inclusive no vestuário, como também em classe ou posição social, idade e gênero.

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Forty (2007) cita que o vestuário era considerado um indicador social importante de diferenciação de classes. Na sociedade, um exemplo de identificador eram os trajes de trabalho feitos em tecidos lisos de brim e fustão, ambos compostos da fibra de algodão, que identificavam como “operários” aqueles que os usassem, mesmo não sendo intencional.

Por conta da tendência da moda que inspirou a classe média a usar tecidos lisos e clássicos, outro exemplo de identificador social seriam os tecidos estampados, que foram destinados somente às classes inferiores, ocorrendo assim a diferenciação entre as classes no uso dos materiais têxteis. Posteriormente, a moda retomou a tendência de tecidos estampados para a classe média, na utilização de materiais superiores com desenhos exclusivos, e de tecidos inferiores com estampas tradicionais, para as classes trabalhadoras (FORTY, 2007).

As tendências de moda constituem previsões que influenciam a área do design, especialmente nos produtos têxteis, isto é, elas antecedem o que vai acontecer. E, “olhando para o passado, podemos reconhecer tendências historicamente importantes por meio das mudanças na moda” (UDALE, 2009, p. 120).

O vestuário comunica uma tendência, um estilo e gosto pessoal ou de um determinado grupo, que se diferencia socialmente. Entretanto pode-se dizer que, com o passar do tempo, os designers e a produção industrial contribuíram com essas diferenças sociais.

Considerando o fato de os produtos de vestuário serem na maioria constituídos de materiais têxteis que simbolizam referências culturais e sociais e que comunicam uma história, um passado, um avanço tecnológico, uma sociedade e seus valores, a arte e o design também podem ser tratados como cultura material.

O produto têxtil e a cultura material

O produto têxtil por si só, ou no contexto da moda, comunica os momentos históricos, os valores, a identidade e a cultura material de uma sociedade.

Cultura material é definida como “o conjunto de artefatos produzidos e utilizados pelas culturas humanas ao longo do tempo, sendo que, para cada sociedade, os objetos assumem significados particulares, refletindo seus valores e referências culturais” (ONO, 2006, p. 104).

O termo cultura compreende várias definições da antropologia e da sociologia, entre outras ciências. Segundo a abordagem de Geertz (1989 apud

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ONO, 2006, p. 1), “entende-se cultura como a teia de significados tecida pelas pessoas na sociedade, na qual desenvolvem seus pensamentos, valores e ações, e a partir da qual interpretam o significado de sua própria existência”.

Os materiais têxteis apresentam usos e significados específicos de cada sociedade; a sua cultura pode ser percebida nas estampas dos tecidos, as quais simbolizam a arte, o movimento ou o comportamento social. Um tecido que exprime a cultura brasileira é a chita6, que se destaca dos tecidos florais considerados populares.

Foi a partir dos anos 1980, com o avanço nos estudos da cultura material, que a “roupa”, constituída de material têxtil, foi vista não apenas como ilustração de pesquisa, mas como o próprio documento a ser pesquisado (ANDRADE; MONTEIRO, 2010).

O estudo da cultura material é multi e interdisciplinar. Segundo o antropólogo Daniel Miller (1998 apud ANDRADE; MONTEIRO, 2010), os métodos para sua análise com abordagens da história, arqueologia, geografia, design e literatura são contribuições aceitáveis, e seus trabalhos estão essencialmente focados nos estudos da cultura material do consumo e do valor. Já os estudiosos das áreas de sociologia ou estudos culturais analisam a “roupa” em relação com a sociedade, com as identidades culturais ou com aspectos econômicos e políticos concernentes ao consumo e ao poder. Os conservadores têxteis consideram os aspectos dos materiais têxteis em suas pesquisas, nas práticas de preservação, a fim de evitar a degradação de tecidos ocasionada pelo tempo.

No estudo da cultura e materialidade de roupas e tecidos, Andrade (2006) afirma que os artefatos apresentam uma vida social, cultural e política; eles explicitam as relações dos objetos com as pessoas e devem ser preservados como fonte de pesquisa histórica. O museu, no sentido de preservar, conservar, torna acessíveis os acervos têxteis e de vestuário, como documento para pesquisa acadêmica.

No campo da museologia, alguns acervos abrigam materiais têxteis, mesmo não sendo o espaço apropriado. Um exemplo citado por Sant’Anna7 (2008) é o Museu Histórico Nacional, que possui produtos de vestuário pertencente à Família Real, mesmo não sendo o seu foco preservar o acervo de suporte têxtil.

No momento em que um vestuário-moda faz parte do acervo de uma instituição cultural, ele é compreendido como um objeto têxtil tridimensional, fonte primária para o conhecimento histórico, artístico e cultural. A moda é

6 Chita: termo hindu para o tecido pintado com cores vibrantes. Trata-se de um tecido que se originou na Índia, cujo nome em inglês é chintz (UDALE, 2009).

7 Patrícia Sant’Anna (2008) pesquisa a moda no museu, e Mara Rúbia Sant’Anna (2007) estuda a teoria da moda.

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um fenômeno social que busca referências no passado para criar o presente e instaura o novo. Refere-se à influência do passado, como inspiração para as tecelagens. Os tecidos trazem elementos presentes nas padronagens, estampas, superfícies e bordados, com características culturais e sociais de determinada região (SANT’ANNA, 2007).

O material têxtil devidamente documentado passa a ser fonte de pesquisa. Para Nora (1993), a preservação documental da história das empresas é importante, pois contribui para o desenvolvimento industrial e social, favorecendo a pesquisa, seja institucional, histórica, política, cultural ou acadêmica.

Tratando-se de documentar o histórico das empresas, a seguir é apresentado o cenário da indústria têxtil Döhler, uma empresa que tem mais de cem anos de história.

Indústria têxtil Döhler: história e processos

A produção da Döhler apresenta um cenário competitivo no setor têxtil. A empresa é uma das maiores indústrias têxteis do Brasil no setor de cama, mesa, banho e decoração. Localizada no Distrito Industrial de Joinville (SC), em um complexo fabril de 200 mil metros quadrados de área construída, completou, em 2015, 134 anos.

Fundada em 1881 pelo engenheiro têxtil Göttlieb Döhler, iniciou o processo de tecelagem com fios trazidos da Alemanha e com tear construído com a madeira nativa da Colônia Dona Francisca, como ilustrado na figura 1 (à esquerda). Após dez anos, passou a produzir com um tear mecânico britânico datado de 1891, considerado na época um avanço na tecelagem (figura 1, à direita).

Figura 1 – Tear manual de madeira de 1881 (à esquerda) e tear mecânico de 1891 (à direita)

Fonte: Primária (acervo do Museu Döhler, 2015)

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O material têxtil: cultura material que tece uma história

Os teares são preservados no acervo do Museu Döhler, no complexo fabril da empresa. A armação jacquard do tecido em desenvolvimento no tear mecânico da figura 1 foi criada pela Butterwortn na Inglaterra em 1881. O tear foi projetado para comandar amarrações dos fios com capacidade de produzir aproximadamente 6,5 m/h, segundo dados registrados nele.

Em 1975 foi fundada a empresa de fiação Comfio, construída no mesmo complexo fabril. Atualmente ela desenvolve mais de 200 fios com diferentes titulações e especificações. A partir da década de 1970, passou a fazer também a estamparia com seu próprio maquinário, completando assim todo o processo de produção, que se inicia pela fibra e fiação, segue para a tecelagem e os processos de tingimento, estamparia e vai até o processo de confecção de alguns produtos específicos (DÖHLER, 2015a).

Os produtos têxteis são definidos pela equipe de pesquisa e desenvolvimento (P & D), que se baseia nas tendências de comportamento de consumo e tecnologia para garantir a qualidade Döhler.

Desenvolvimento de produtos

A pesquisa e o desenvolvimento de materiais e produtos têxteis estão ligados ao design e à tecnologia, podendo ser decorrentes das novas tecnologias de processos industriais ou do significado dos produtos.

Nesse caso, a Döhler é aliada tanto à tecnologia de última geração em máquinas e equipamentos como aos processos de tingimento dos fios e cores desenvolvidas em laboratório. As cores para tingimento dos fios, assim como as estampas dos tecidos, são definidas de acordo com as pesquisas de tendências e comportamento do consumidor (DÖHLER, 2015a).

Entender as transformações do mercado têxtil é um desafio para a pesquisa e o desenvolvimento de produtos. Há 19 anos iniciou-se na Döhler a criação de desenhos com identidade, e desde 2008 a empresa possui uma equipe criativa, conforme destacou a gerente de pesquisa e desenvolvimento Elizabeth Döhler. Os profissionais não tinham formação em design, apenas conhecimento adquirido na prática. “Destaca-se, portanto, que a atividade criativa na Döhler é própria de uma história, apoiada pela prática herdada pelos profissionais que os antecederam nesta função ao longo dos 130 anos da empresa” (FLORIANO, 2012, p. 80).

Em 2011 a Döhler foi parceira do departamento de Design da Univille, na pesquisa de mestrado de Floriano (2012), em que se aplicou a metodologia de projeto de design de superfície na empresa, com a colaboração de acadêmicos de Design de Moda e Design Gráfico. Desde então, a empresa conta com quatro profissionais designers do curso de Design da Univille e anualmente disponibiliza vagas de estágio semestrais aos acadêmicos desse curso.

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No desenvolvimento de produtos Döhler adota-se a estratégia de inovação colaborativa, a qual segundo Bueno e Balestrin (2012) é empregada pelas empresas para promover inovações tecnológicas de produtos e serviços, de modo que um dos elementos de evolução está na pesquisa e no desenvolvimento de produtos.

Os profissionais da empresa pesquisam as tendências mundiais e as aplicam nos processos produtivos. Um exemplo é a tecnologia usada na criação de tecidos funcionais, com ação autolimpante nos produtos de segmento doméstico, hoteleiro e profissional.

Em relação ao contexto socioeconômico e às mudanças na sociedade, a Döhler é representativa no polo têxtil catarinense, tendo atualmente 3.200 funcionários. São produzidas 1.400 toneladas de tecido por mês, com 12 mil produtos têxteis e exportação para 40 países (DÖHLER, 2015a).

A produção têxtil Döhler segue um método verticalizado. Ela se inicia pelo processo criativo no desenho têxtil e de estampas, seguindo para os processos produtivos, tais como: a fiação desenvolvida na Comfio (indo desde o laboratório das fibras – naturais de algodão e outras químicas – até a formação do fio); a tecelagem (figura 2) dos fios para a formação dos tecidos; o tingimento testado em laboratório e aplicado aos fios e tecidos; a estamparia à base de corantes, feita com cilindros; a confecção de alguns produtos no setor de costura etc. O controle de qualidade de seus processos é outro diferencial da empresa, o qual todos os anos passa pelo processo de certificação e recebe a chancela das normas ISO 9002 e ISO 9001, garantindo a excelência dos produtos (DÖHLER, 2015a).

Figura 2 – Tecelagem Döhler

Fonte: Catálogo Döhler (2015b)

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O material têxtil: cultura material que tece uma história

A Döhler produz tecidos técnicos destinados a equipamentos mecânicos e a móveis, assim como produtos confeccionados para cama, mesa, banho, decoração e artesanato para o consumidor doméstico. O selo “Feito por mãos brasileiras” acompanha os produtos, o que demonstra a preocupação da empresa para com o trabalho regional e a sociedade.

A gerente de desenvolvimento de produtos, Elisabeth Döhler, explica que o processo de criação corresponde a 70% de pesquisa e 30% de realização. Cada coleção é desenvolvida com base em pesquisas de tendências e consumo:

Unimos as informações dos bureaus de estilo, das visitas às lojas pelo Brasil aos estudos de comportamento de consumo. Obtivemos a percepção da evolução do gosto popular, respeitando as características de consumo, que vão dos românticos aos vanguardistas (DÖHLER, 2015c, p. 7).

Ela declara ainda que são desenvolvidas duas coleções por ano: uma lançada em fevereiro e outra em agosto. A Coleção Sentimentos 2015 foi dividida por subtemas e painel semântico com referências ao comportamento do consumidor, que corresponde a 45% românticos, 25% ecléticos, 15% clássicos e 15% vanguardistas (figura 3).

Figura 3 – Produtos Döhler – Coleção Sentimentos 2015

Fonte: Döhler (2015c)

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Para cada nova coleção lançada é feita uma explanação dos subtemas aos representantes e vendedores. Alguns produtos apresentam segmentos por “família”, formada por peças conjugadas, sendo tendência de mercado. O lançamento da Coleção 2016 em agosto teve como inspiração o tema “Mixologia: uma mistura do passado e futuro”.

Os produtos são divulgados na revista Estilo D e no site institucional, além de serem espalhados em todas as capitais do país no projeto Momento Döhler.

Momento Döhler e projetos sociais

O projeto Momento Döhler é aplicado em diferentes regiões brasileiras, entre as cidades e comunidades rurais, nas quais são distribuídos tecidos e linhas de bordar. As oficinas gratuitas são destinadas a mulheres artesãs em projetos de geração de renda (figura 4), que possibilitam aproximar o consumidor e o produto (DÖHLER, 2015a).

Figura 4 – Momento Döhler

Fonte: Döhler (2015a)

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O material têxtil: cultura material que tece uma história

Há inúmeras professoras colaboradoras cadastradas no projeto, que passam o conhecimento da arte e cultura do bordado, oferecendo as atividades para as bordadeiras em cooperativas de geração de renda. Na empresa, essa ação foi representativa no contexto socioeconômico e apresentou um crescimento de 12% do faturamento da empresa, com a venda de produtos destinados ao empreendedorismo e ao artesanato.

Outra ação social é o Programa Menor Aprendiz, que prepara 40 jovens anualmente para o mercado de trabalho. Há ainda programas para capacitação e treinamento individual aos seus colaboradores.

A empresa divulga essas e outras ações no site institucional e distribui o jornal informativo Linha Aberta + Família, das empresas Döhler e Comfio, editado mensalmente. Entre as matérias, destacam-se temas como: saúde; capacitação; tecnologia dos maquinários e equipamentos desenvolvidos na empresa; dicas de segurança; recomendações de eventos culturais; conteúdo de comportamento, educação e economia; e o espaço do leitor “Contador de histórias”, com experiências vivenciadas por seus colaboradores.

A empresa Döhler expressa o desenvolvimento industrial e a cultura têxtil catarinense, sendo destaque nacional nos setores de cama, mesa, banho e decoração. Ela prioriza a qualidade dos produtos brasileiros e contribui para o contexto sociocultural e econômico da sociedade.

Considerações finais

O material têxtil, nos aspectos históricos e socioculturais, foi uma das primeiras manufaturas descobertas há milhares de anos e atualmente é considerado a principal matéria-prima produzida nas indústrias têxteis catarinenses.

A cultura material compreende o conjunto de artefatos produzidos e utilizados pela sociedade. A cultura está ligada à formação das sociedades e expressa seu comportamento, costumes, arte e design. O produto têxtil pode constituir um documento da cultura material que simboliza o desenvolvimento industrial e comunica a cultura de determinada região.

Considerando que o produto têxtil se destaca no desenvolvimento industrial catarinense, e diante da análise da Döhler, observou-se que o material têxtil dessa empresa é “feito por mãos brasileiras”, o qual comunica a história da região e o comportamento da sociedade e expressa a cultura, podendo assim ser tratado como cultura material.

Tendo em vista que, por meio das fibras, dos fios e dos tecidos é possível estudar a história, o desenvolvimento industrial, o avanço tecnológico e o design

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têxtil, vale ressaltar a importância de preservar o produto têxtil como cultura material em acervos institucionais.

A abordagem bibliográfica apontou contribuições favoráveis à pesquisa de mestrado, que investiga o produto têxtil nas indústrias da região, a fim de montar um acervo destinado à pesquisa de design e áreas afins.

Agradecimentos

• PQD/Univille: Programa de Qualificação Docente;• Empresa Döhler: gerente de pesquisa e desenvolvimento – Elizabeth Döhler.

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Design contemporâneo e diaconia: uma refl exão acerca dos cenários de atuação

onde o bem-estar humano permeia o contexto

Contemporary design and diaconia: a refl ection about the scene where practice the well-being human

composes the context

STAHN, Maria Odete1

EVERLING, Marli T.2

Resumo: Esta pesquisa busca refl etir o design à luz do contexto social e cultural, bem como as abordagens que podem ser vislumbradas pela relação do design com a diaconia, termo utilizado para designar o trabalho social prestado pela Igreja Luterana em parceria com outras igrejas e instituições, as quais buscam desenvolver atividades que propiciem melhoria na qualidade de vida do ser humano na sociedade. O estudo parte de uma abordagem sociológica, passando pelas manifestações contemporâneas do design, e por fi m contextualiza a diaconia e suas dimensões, por meio de um caso prático de cooperação entre design e diaconia.Palavras-chave: design contemporâneo; diaconia; contexto social.

1 Mestranda no Programa de Mestrado Profi ssional em Design pela Universidade da Região de Joinville (Univille). E-mail: [email protected].

2 Doutora em Design e Sociedade pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), professora do departamento de Design da Univille. E-mail: [email protected].

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Abstract: This research seeks to refl ect the design in light of the social and cultural context as well as the approaches that can be glimpsed from the design's relationship with the diaconate, a term used to describe the social work done by the Lutheran Church in partnership with other churches and institutions seeking to develop activities that provide improved quality of life of the human being in society. The study was based on a sociological approach, through the contemporary manifestations of design as well, contextualizes the diaconate and its dimensions, through a case study of cooperation between design and diakonia.Keywords: contemporary design; diaconia; social context.

Introdução

A refl exão exposta neste artigo é parte introdutória de uma dissertação do programa de Mestrado Profi ssional em Design da Universidade da Região de Joinville (Univille). Tal pesquisa busca conhecer as abordagens contemporâneas do design no contexto social e cultural e as ações que podem ser compartilhadas e trabalhadas em parceria com a diaconia, termo utilizado para defi nir o exercício da fé transformado em ações concretas aplicadas na comunidade. A diaconia faz parte da tríade que forma a estrutura da Igreja Luterana. Apesar de abordar tema religioso, a pesquisa procura centrar sua análise no campo social e não defender ideologia religiosa.

Para falar sobre religião, buscou-se amparo na concepção de campo religioso segundo a teoria do sociólogo Pierre Bourdieu (1930-2002), bem como as divisões do trabalho religioso. Esta refl exão tem como fi nalidade localizar a estrutura religiosa no tempo e no espaço por meio da relação das trocas simbólicas com o meio material no contexto social. Para conseguir visualizar o espaço de atuação do design e a diaconia na sociedade, um passeio pela história colaborou para a compreensão dos eventos que tornaram a sociologia a ciência que tem a sociedade como laboratório de estudos. Nesse cenário, observou-se a ordem de organização social que compreendia inicialmente a família, a Igreja e os grupos como instituições mantenedoras dos valores éticos e morais da sociedade. Os movimentos apresentam de forma contínua os sentimentos que estão latentes, gerando mudanças e refl exões nos cenários sociais, culturais, políticos, religiosos, econômicos e ambientais.

O design contemporâneo revela-se campo de estudo em que o conceito “forma e função” do design começa a ceder espaço para abordagens mais subjetivas que conseguem agregar sensibilidade ao processo no que tange a atender às aspirações dos usuários de forma holística sem perder de vista a forma e a função, assim como os anseios que os movimentos sociais apontam. A diaconia é estudada para compreender o contexto onde atua, os pontos de

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Design contemporâneo e diaconia: uma reflexão acerca dos cenários de atuação onde o bem-estar humano permeia o contexto

convergência com o discurso do design contemporâneo e a possibilidade de colaboração na troca de saberes, para que protagonismo e empoderamento possam ser visualizados na aplicação prática.

Contextualização

Este estudo busca inicialmente compreender e contextualizar as abordagens do design na contemporaneidade e onde ele possa promover troca de conhecimentos, de modo a agregar valor a práticas artesanais sem perder de vista o artífice, levando em conta seus anseios como meio para fomentar o protagonismo e o empoderamento do indivíduo no contexto social.

Permeando os cenários sociais com amparo nas contribuições e desafios propostos pela disciplina Cenários Culturais e Sociais, ofertada pelo programa de mestrado, vários contextos foram explorados, possibilitando um delineamento em que arte e cultura se encontram e promovem um diálogo, tendo o contexto social como pano de fundo nos dias atuais. Para trilhar o caminho do cenário social, é importante entender como a sociologia tipifica ou caracteriza os cenários: estes são entendidos como movimentos sociais, possuem subdivisões nas quais se identificam grupos sociais e seus campos de atuação. A contextualização inicial foi referenciada com os estudos do sociólogo Pierre Bourdieu (1974), em seu capítulo 2 (“Gênese e estrutura do campo religioso”), como meio de compreender o cenário social e cultural no campo religioso. O periódico eletrônico Protestantismo em Revista colaborou com a leitura de artigo que complementou a compreensão da teoria defendida por Bourdieu no cenário religioso (REBLIN, 2007). A obra de Martins (2013) contribuiu para entender o campo de atuação da sociologia e seus referenciais. Em relação à elucidação dos termos, a consulta foi feita no Dicionário de filosofia (ABBAGNANO, 2014).

Pensando em movimentos sociais, efetuou-se uma análise da relação entre design e diaconia; ambos estão inseridos no contexto social e cultural, cada um com suas filosofias e métodos de trabalho, porém com um objetivo em comum: promover ações que estimulem o empoderamento do ser humano para uma atividade plena na sociedade. O estudo originou-se de experiências vivenciadas pela pesquisadora durante trabalho voluntário com o grupo Pontos de Amor (composto por mulheres voluntárias), que faz parte do setor de Diaconia da Comunidade Evangélica de Joinville – Paróquia São Mateus. Cabe ressaltar que o viés que a pesquisa pretende seguir não está pautado por nenhuma ideologia religiosa, e sim tenciona explorar novos cenários em que o design possa atuar como agente agregador de saberes tácitos, transformando-os em valores objetivos e subjetivos e promovendo interação entre a teoria e a prática. Pensou-se nesse cenário como campo de atuação em que o design e uma instituição religiosa com característica ecumênica são associados para promover

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o bem-estar do outro, fazendo uso do conceito de capital social; nesse cenário, por meio de redes de contatos as pessoas compartilham saberes e se ajudam mutuamente. Conforme o pensamento do sociólogo Pierre Bourdieu (1974), a instituição religiosa é entendida como “campo religioso”, onde a divisão do trabalho social é composta por “produtores” e “consumidores”. Os produtores religiosos são os agentes que detêm o conhecimento e a erudição para gerar os produtos que os consumidores leigos (fiéis) adquirem para suprir suas necessidades espirituais; os produtos consistem em bens (materiais)3 e práticas (simbólicas) religiosas produzidas por especialistas. A estrutura social corresponde ao macrocampo, e as relações sociais, ao microcampo que abarca o trabalho religioso, o qual por sua vez abrange uma diversidade de movimentos e grupos. Apesar de a pesquisa não pretender discutir os conceitos ideológicos da religião luterana, tem-se a intenção de analisar a relação entre design e diaconia pela ótica do campo social. A figura 1 apresenta a estrutura do campo social de acordo com Bourdieu.

Figura 1 – Configuração do campo religioso segundo Bourdieu

Fonte: Primária, com base em Bourdieu (1974)

Desdobrando o trabalho religioso dentro das relações sociais, é possível compreender o conceito de divisão do trabalho, assim como localizar nas vertentes apresentadas pelo autor a ideologia e as características que cada grupo

3 Bens materiais no campo religioso: cobrança de dízimos e de outros serviços, como celebração de casamentos, batizados, entre outros, praticados por algumas igrejas para manter suas estruturas físicas e salários dos funcionários e pastores.

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de trabalho possui nos movimentos que regem as relações sociais. Partindo dessa premissa, foi criado um esquema (figura 2) para apresentar a divisão do trabalho religioso de acordo com a estrutura ideológica: a religião.

Figura 2 – Divisão do trabalho religioso segundo Bourdieu

Fonte: Primária, com base em Bourdieu (1974)

Entender a configuração estrutural do campo religioso segundo a teoria de Bourdieu permite que esta pesquisa seja mais bem delineada, possibilitando pensar e localizar o objeto de estudo no tempo e no espaço do cenário cultural e social sem perder de vista os campos de atuação do design e a diaconia e quais movimentos proporcionam mudanças no sentido de trocas simbólicas e materiais entre grupos.

Movimentos sociais

Como meio de reconhecimento de espaço, buscou-se compreender o significado da palavra movimento, no contexto filosófico e sociológico, haja vista ela ser empregada no cenário tanto cultural quanto social. A investigação iniciou-se pela significação da palavra “mudança” em um dicionário de filosofia, pois, ao tentar relacionar o design a um segmento que atua em um cenário religioso, parecia inicialmente o termo mais apropriado, considerando o pressuposto de que, com base nessa análise, o resultado seria propor uma mudança na forma de cooperação em relação à atuação tanto do design quanto da diaconia. Ao fazer a busca pela palavra mudança, deparou-se com a seguinte definição: “o mesmo

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que movimento”. Voltando a análise para a palavra “movimento”, ela é conceituada da seguinte forma: “mudança ou processo de qualquer espécie” (ABBAGNANO, 2014, p. 798). Constata-se ainda que “movimento” é pensado por meio da física e abarca vários significados. Platão define tal termo por duas espécies: movimento de translação e de alteração. Já Aristóteles acrescenta mais duas espécies de definição, além das duas citadas: substancial e qualitativo. De acordo com a Teoria das Quatro Causas desenvolvida por Aristóteles, movimento pode ser resumido e compreendido da seguinte forma: “tudo que se move é movido por alguma coisa” (ABBAGNANO, 2014, p. 798).

Motivado por essa definição de Aristóteles, percebe-se que o conceito de movimento transita nos diferentes cenários que compõem uma sociedade, sejam eles sociais, culturais, econômicos, políticos ou religiosos, ou seja, movimentos que estão em constante translação, alteração qualitativa e de preferência substancial nas mudanças que propõem movimento, conforme apontamentos históricos.

A modernidade trouxe consigo a economia industrial, o urbanismo e a Revolução Francesa. Pensadores daquele período começaram a traçar novas teorias sobre a sociedade; seus estudos estavam voltados para instituições sociais como família, religião, grupo social e a contribuição desses para a manutenção e coesão da ordem social. Durkheim (1858-1917) acreditava que as questões de ordem social passariam a fazer parte da sociedade de forma constante; assim, desenvolveu o método de investigação sistemático, estabelecendo o objeto do estudo da sociologia. Ele foi responsável pela introdução da sociologia na universidade, conferindo-lhe o reconhecimento de disciplina acadêmica (MARTINS, 2013). A sociologia pode ser definida como “estudo científico das relações sociais, as formas de associação, destacando-se os caracteres gerais comuns a todas as classes e fenômenos sociais, fenômenos que se produzem nas relações de grupos entre seres humanos” (LAKATOS; MARCONI, 2014, p. 25). Seguindo a vertente sociológica dos movimentos sociais, eles podem ser entendidos como “a esfera de ações de grupos organizados, para a conquista de determinados fins estabelecidos coletivamente, que partem de necessidades e visões específicas de mundo e de sociedade” (FERREIRA, 2010, p. 146). Ainda de acordo com o mesmo autor, para a configuração de um movimento social, alguns elementos são essenciais: projeto, ideologia e organização. O projeto tem o caráter de organizar as ideias ou planos que serão executados no futuro; este pode ser de uma mudança ou conservação das relações sociais do movimento. Com base nesse delineamento são traçados metas e objetivos que orientam o conjunto de medidas ou estratégias que impulsionam as ações, revelando dessa forma a força do movimento perante a sociedade.

A ideologia compõe o conjunto de valores, opiniões e crenças, ou seja, as forças que regem a unidade de determinado grupo ou movimento social. Por meio do estudo da ideologia a sociologia consegue identificar novos movimentos

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Design contemporâneo e diaconia: uma reflexão acerca dos cenários de atuação onde o bem-estar humano permeia o contexto

sociais, pois a ideologia orienta os projetos e as práticas de atuação, bem como revela a natureza de suas ações pela mudança ou conservação de seu status na sociedade.

A organização de um movimento manifesta seu modo de operação interno, de acordo com a formação hierárquica assumida. Pode ser centralizada ou descentralizada. Em ambas as formas há vantagens e desvantagens. Na organização centralizada a estrutura é pautada por uma coordenação definida, conduzida por um ou mais líderes, eleitos periodicamente ou de forma permanente, com a função de direcionar as ações do movimento. A vantagem dessa organização é a agilidade nas ações. A desvantagem pode estar em transformar os integrantes liderados em massa de manobra no movimento. Na organização descentralizada a direção das ações ocorre de forma coletiva, e a alternância da liderança é permanente. A desvantagem está na demora em tomar decisão sobre as ações, além de certa desorganização e morosidade na efetivação dos objetivos delineados nos projetos do movimento.

Diante das definições do conceito de movimento e da forma de atuação e organização de grupos ou movimentos sociais, perceber-se que tanto o design quanto o trabalho diaconal permeiam as relações sociais em ambos os campos de atuação, pois o fazer e o pensar estão ancorados em movimentos compostos por grupos com estruturas organizadas ou não, com ideologias diversificadas. Tais características não impedem o compartilhamento de trocas materiais e simbólicas, pois ambas podem ser exploradas e experimentadas como meio de proporcionar a melhoria na qualidade de vida social. Neste estudo compreende-se o design contemporâneo como um movimento que busca encontrar formas de aproximar cada dia mais o conhecimento acadêmico e a comunidade; também se considera o olhar de modo segmentado para cada caso no intuito de entender e colaborar de maneira compartilhada, buscando aplicar o conceito de acessibilidade para além das barreiras institucionalizadas, mas percebendo-as como qualquer evento que limite o acesso do indivíduo na realização de atividades cotidianas.

Design contemporâneo

Lembrando que a reflexão vislumbra o cenário atual, utilizou-se a abordagem de “contemporâneo” de Agamben (2009). Observa-se que o conceito está relacionado ao momento e não a épocas específicas; não importa o século ou a década em que ocorreu, mas sim materializa-se na ruptura de um conceito, constituindo o surgimento de um novo, ou seja, o contemporâneo ocorre no instante em que se percebe a mudança na forma de pensar. Segundo o posicionamento do autor, a humanidade não está vivendo a era contemporânea, pois o conceito de contemporâneo está relacionado à

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mudança, à quebra de paradigmas. Sendo assim, pode-se pensar que os saberes artesanais e as abordagens atuais do design estão se adaptando às realidades que a sociedade está vivenciando hoje, de valorização do indivíduo, bem como a busca pelo empoderamento de seu espaço no curso de sua história. Antes de entrar nos conceitos acadêmicos que discutem a posição do design diante das novas demandas, cabe destacar a definição do posicionamento do designer perante os novos cenários sociais.

O designer deve, com sua atividade, suprir necessidades humanas por meio de sua competência, da sua criatividade, do seu método. Deve ainda ser sensível às prioridades sociais e culturais, conhecer as tendências concorrentes e a multiplicidade de parâmetros que as rege (NIEMEYER, 2014, p. 44).

É preciso sensibilidade e empatia para entender e aplicar as abordagens do design sem perder o foco dos estudos clássicos. A presente reflexão discute questões do tempo presente procurando centrar o design como filosofia que tem as ações humanas como objeto de estudo. Tanto o design quanto a diaconia tencionam suprir as necessidades do homem, e para alcançar tais objetivos o conhecimento acadêmico se faz presente por meio do desenvolvimento, da experimentação e da aplicação de metodologias que não almejam tornar rígido o processo, mas sim direcionar o uso de ferramentas que possam multiplicar o saber e promover o protagonismo tanto nos meios acadêmicos como em grupos ou organizações que podem apoiar-se em métodos para alcançar êxito no resultado.

Nesse sentido, cabe bem observar as análises de Bonsiepe (2012), que reflete sobre a metodologia clássica do design e os desafios da metodologia alternativa. Segundo o autor, quando foi institucionalizada a metodologia projetual do design em 1960, buscou-se certificar a metodologia formalista, com foco na produção científica do design, mas como bem frisa Bonsiepe (2012), o design não é uma atividade científica; projeto é diferente de ciência. Assim, é preciso olhar para as metodologias alternativas como meio de preencher lacunas da metodologia clássica e ao mesmo tempo contemplar questões imprescindíveis a serem pensadas no campo do design na atualidade que não foram contempladas ou não faziam parte do contexto global na década de 1960 – por exemplo, a análise dos ciclos de vida do produto como meio de prever os impactos ambientais que tal atividade ou produto poderia gerar ao meio ambiente, “respeito a certas minorias populacionais, como pessoas idosas e aquelas portadoras de necessidades especiais” (BONSIEPE, 2012, p. 43), entre outras.

As metodologias alternativas vão surgindo e sendo exploradas de acordo com as transformações sociais e adequando as práticas de design ao contexto em que se aplicam, porém a metodologia clássica serve de suporte no exercício da atividade projetual, para sustentar as ramificações alternativas. Entre essas

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abordagens alternativas, encontra-se o design participativo (DP). Conforme defendem Moraes e Santa Rosa (2012), pode ser uma abordagem metodológica, uma metodologia ou uma filosofia que visa melhorar a experiência do usuário, na proposição de novas soluções de design e inovações, que podem ser resgatadas da própria vivência cotidiana dele, ou seja, o usuário torna-se coautor do processo; sua participação é efetiva do início ao fim do desenvolvimento do produto, serviço ou na busca de soluções para concretizar ideias.

Das teorias apresentadas anteriormente, desdobram-se outras abordagens, cujo foco é proporcionar maior satisfação ao usuário, no desempenho de suas funções diárias. Buscar amparo nos conceitos antropológicos, sociológicos e psicológicos assegura um conhecimento mais aprofundado do comportamento humano e quais aspectos poderão ser explorados de acordo com as características do público ou problema de pesquisa. Dessa forma, o design como experiência trata desses conceitos, conforme descreve Sanders (2002).

O design como experiência percorre um campo interdisciplinar que envolve a sociologia, o design social e abordagens psicológicas. A experiência aplicada da pesquisadora Elizabeth Sanders (2002) ocupa local de destaque como referência para trabalhos cujo foco está na interação humana e no design como ciência social. Conforme a teoria defendida por Sanders, o processo de design atual envolve o usuário no processo; o pesquisador tem a função de interpretar informações de acordo com os critérios do projeto, levando em conta os dados primários e secundários coletados pela pesquisa, ao passo que o design nos moldes clássicos apenas desempenhava o papel de interpretar esboços de conceito e cenários. Ou seja, de acordo com a visão da autora o design apropria-se dos conhecimentos situando o designer/pesquisador como quem cria com base em dados reais e não em cenários. Ainda de acordo com ela, nesse novo sistema não cabem mais hierarquias e sim o pensamento em rede, em que a troca de informações é constante, promovendo maior interação entre usuários e influenciando de forma positiva as relações.

Outra abordagem que a autora traz é o design de experiência. Segundo ela, não é possível projetar experiências, mas sim projetar tendo a experiência como base. Para acessar a experiência de outras pessoas é necessário ouvir, interpretar, ver, observar, descobrir, aproximar, estar junto e apreciar. Utilizando tais conceitos é possível compreender mensagens ou experiências que as pessoas não verbalizam com palavras e sim com gestos, ações e atividades. Além da participação, no cenário contemporâneo é impossível pensar o design no campo social sem levar em conta temas como sustentabilidade, que devem ser explorados nos processos de design em todos os movimentos que permeiam a sociedade.

Para fundamentar e nortear as abordagens de design e sustentabilidade, utilizou-se como base o posicionamento de Carlo Vezzoli (2010) no livro Design de sistemas para a sustentabilidade; nele o autor ressalta a importância do design no cenário sociocultural como um meio para conectar ações que, em vez de projetar ações de reparação, migrem para ações de prevenção. Ou seja, no

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“contexto atual a informação deve deslocar do contexto da produção para o do usuário”, envolvendo-o no processo, ativamente como agente preservador (VEZZOLI, 2010, p. 48). Diante das abordagens metodológicas e suas aplicações práticas, as ferramentas para aproximar a teoria da prática contribuindo com o diagnóstico dos pontos que devem ser trabalhados (até a seleção da melhor abordagem) podem partir da imersão.

A imersão é a primeira abordagem para conhecer o ambiente; trata-se do paralelo do que em algumas discussões é considerado como “preparação” em metodologias de design. Nessa etapa o profissional atua como espectador; é o momento inicial de diagnóstico de possíveis situações que precisam de alguma intervenção e requerem uma atitude de empatia, em que o profissional utiliza a habilidade de se situar no lugar do usuário (ou interage com a situação com base no olhar dele), e não como mero observador. Seus princípios estão voltados em oferecer soluções que sejam desejadas, porém agregadas de elementos que auxiliem na qualidade de vida do ser humano. Para interpretar os conceitos de design de experiência defendidos por Sanders (2002), em grupos de pessoas é preciso aplicar a imersão sem perder de vista o respeito pelo conhecimento tácito, que muitas vezes se encontra adormecido, porém vivo na cultura local. Mediante esse entendimento e mantendo as ações humanas no centro do processo de reflexão, busca-se contextualizar a diaconia no cenário contemporâneo, expondo sua estrutura e contexto de atuação.

Diaconia

Para fundamentar a pesquisa sobre diaconia, utilizou-se como fonte o caderno Diaconia em contexto: transformação, reconciliação, empoderamento (FLD, 2004), material desenvolvido pela Federação Luterana Mundial (FLM) e pela Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). Tal pesquisa foi feita no portal da Fundação Luterana de Diaconia (FLD – 2015) e no Portal Luteranos, onde é possível encontrar materiais publicados pela Editora Sinodal, entre outros documentos de produção da fundação.

A diaconia é uma das dimensões centrais do Plano de Ação Missionária da IECLB (Pami). Ela faz parte da tríade que compõe as dimensões teológicas da Igreja Luterana, estando relacionada com os princípios norteadores das práticas litúrgicas utilizadas pela Igreja. O luteranismo iniciou-se no século XVI, com o movimento reformatório, instaurado pelo monge Martim Lutero. O propósito da Reforma era reconduzir a igreja evangélica conforme entendimento de Lutero do que estava descrito na Bíblia. Em 1558 chegaram os primeiros luteranos ao Brasil, na cidade de São Vicente, em São Paulo, e o primeiro culto evangélico foi celebrado no estado do Rio de Janeiro. O Império colocava limites para a realização dos cultos, por reconhecer apenas a Igreja Católica Apostólica Romana como igreja em solo brasileiro, conforme descrito na constituição.

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O parágrafo quinto da Constituição do Império dizia: “A religião católica apostólica romana continuará a ser a religião do Estado. Todas as demais religiões serão toleradas, em casas para tanto destinadas, sem qualquer forma exterior de templo”. Isso queria dizer que não eram permitidos torre, cruz, sino, enfim, nada que lembrasse igreja (PORTAL LUTERANOS, 2015a).

Com a chegada de imigrantes alemães nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Minas Gerais e Espírito Santo, iniciou-se a configuração de comunidade, e os cultos passaram a ser feitos em escolas construídas pelos imigrantes alemães, pois as restrições imperiais permaneciam. Após a configuração da comunidade, formou-se a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). Os cultos domésticos evoluíram depois para comunidades, elaborando seus estatutos e elegendo as diretorias. Na atualidade a estrutura organizacional da IECLB está configurada de acordo com o organograma da figura 3:

Figura 3 – Estrutura organizacional da IECLB

Fonte: Portal Luteranos (2015b)

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A diaconia está inserida em todas as instâncias da igreja. Ela é um dos elos que compõem a estrutura com os preceitos que regem a comunhão da Igreja Luterana, que são a celebração e a proclamação litúrgica, tendo como base a Bíblia e o serviço, nesse caso expresso por meio da ação da diaconia, conforme exemplifica a figura 4.

Figura 4 – Tríade dos valores da Igreja Evangélica

Fonte: FLD (2004)

Tem-se o objetivo aqui de apresentar de forma breve apenas dados para situar a Igreja Luterana no Brasil, bem como onde a diaconia está posta no campo de atuação da igreja. A pesquisa não pretende adentrar no contexto histórico de forma aprofundada quanto à constituição da Igreja Luterana e suas ideologias. O intuito é entender a diaconia, como o trabalho diaconal é exercido e quais contextos ele abrange. Para tanto, busca-se entender o significado do termo diaconia, seu campo de atuação, bem como os preceitos que regem esse setor da Igreja Luterana:

O termo “Diaconia” é uma palavra grega que foi traduzida para o português como “serviço”, remetendo a uma práxis. Na sua origem, a palavra diaconia não possui sentido religioso. Na tradição cristã, esta palavra grega foi ressignificada, passando a designar aquele/a que presta auxílio às pessoas em situação de vulnerabilidade. Entre diversas dimensões, a Diaconia possui três dimensões imprescindíveis: a dimensão profética (denúncia), a dimensão libertadora (empoderamento) e a dimensão política (controle social). As três apontam para o importante papel da igreja junto à sociedade civil organizada, trabalhando para a garantia de direitos em prol de uma vida digna para todos e todas. A atuação diaconal acontece em distintos níveis e de diferentes formas. No caso específico da FLD, interessa apoiar instituições

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e comunidades luteranas e/ou da ecumene que já assumiram o seu papel como protagonistas sociais e que promovem ações de transformação nas sociedades onde estão inseridas – ou seja, deve haver uma clara inter-relação entre diaconia e desenvolvimento (FLD, 2015).

A diaconia trabalha em duas dimensões: horizontal e vertical. Na verticalidade os preceitos espirituais mantêm-se por meio da fé, das raízes da diaconia com a igreja e sua percepção de mundo de acordo com o que a Igreja Luterana proclama e celebra. A horizontalidade é responsável pela atuação da diaconia na sociedade, trabalhando com os desafios que surgem no contexto social. Sendo assim, a diaconia é “dialética, isso de tal forma que comunique as perspectivas vertical e horizontal. Isso quer dizer que a reflexão sobre diaconia há de ser interdisciplinar e levar em conta os aportes da ciência teológica e social” (FLD, 2004, p. 30).

Diante da teoria de Bourdieu (1974) em relação ao campo religioso, acredita-se que a diaconia atua no microcampo onde a religião é considerada erudita e possui pessoas especializadas para executar o trabalho, porém na visão de “consumidor e produtor” a diaconia pode ser considerada, partindo-se da horizontalidade, como produtora e consumidora de suas próprias produções, haja vista que na verticalidade ela consome produtos simbólicos, nutrindo-se de conhecimento bíblico para produzir ações que serão aplicadas no campo material, a fim de colaborar com o bem-estar social, não necessariamente explorando os leigos, mas buscando oferecer melhor qualidade de vida mediante a realidade e os desafios que cada contexto apresenta.

A diaconia atua em diversas áreas em diferentes partes do mundo e reflete sobre a globalização e o efeito desta nos cenários sociais, culturais, econômicos e religiosos. Na busca de compreender seu campo de atuação, esse olhar colabora para um melhor direcionamento dos projetos e assertiva na intervenção social. Conforme aponta o estudo Diaconia em contexto (FLD, 2004), a globalização possui um lado positivo, já que a informação é muito mais rápida, fator esse que permite maior agilidade na mobilização de ajuda humanitária. A relação entre os seres tornou-se mais próxima, apesar de haver controvérsias. Por outro lado, o mesmo estudo considera que as relações entre as instituições, principalmente estados e empresas, se tornaram mais agressivas; basta olhar o número de guerras que afetam diretamente as pessoas mais necessitadas e o enriquecimento das indústrias bélicas e de petróleo. A degradação ambiental traz consequências para ambos os cenários sociais, porém os menos favorecidos sofrem de forma direta as consequências das catástrofes e levam mais tempo para se recuperar, pois as instituições governamentais se perdem em suas próprias burocracias e corrupção, conforme indica o caderno Diaconia em contexto (FLD, 2004, p. 13).

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A diaconia está estruturada em âmbito mundial por meio da Federação de Diaconia Mundial, a qual opera em muitos países, em parceria com outras instituições, que formam o Departamento para Missão e Desenvolvimento (DMD), constituído por uma comunhão de Igrejas que atuam em ajudas humanitárias e que proporcionam melhor qualidade de vida e respeito à dignidade humana. No Brasil a sede da diaconia está na cidade de Porto Alegre (RS), contudo tem atuação em todos os estados brasileiros, por meio de parceiros estratégicos, apoiadores e instituições. Nas comunidades a FLD atua nas paróquias, onde são formados grupos de voluntários que desenvolvem os mais variados trabalhos para atender as pessoas necessitadas.

Caso prático de atuação da diaconia

Durante atividades desenvolvidas em voluntariado no grupo Pontos de Amor, foi possível perceber na prática a importância da troca de saberes entre o design e a comunidade. A parceria surgiu de um convite da coordenadora do grupo na época, senhora Armi Lange, solicitando ajuda para desenvolver novos produtos com materiais têxteis, os quais eram doados para o grupo e não se sabia como utilizar. Passados cinco anos, a parceria permanece. Atualmente o design atua em quase todas as atividades manuais desenvolvidas pelo grupo, como: reaproveitamento de materiais, estudo e combinação de cores para compor bordados e pinturas, escolha e seleção de aviamentos para produzir os bordados, realização de oficinas e palestras com temas de interesse feminino (saúde e beleza da mulher, consumo consciente, gastronomia, ideias de decoração, técnicas artesanais, entre outras).

O grupo Pontos de Amor existe há aproximadamente 40 anos. Desde seu surgimento o objetivo central sempre foi promover o bem-estar social de forma ecumênica. O grupo integra a estrutura da Paróquia São Mateus, em Joinville (SC), que faz parte da Comunidade Evangélica de Joinville (CEJ). Ele possui uma estrutura organizada, com líder na coordenação por dois anos, tempo que pode se estender por mais dois, caso a pessoa que está na liderança manifeste vontade. Não se faz eleição; geralmente o grupo é liderado por alguém que faz parte dele, tem experiência nas atividades do grupo e possui disponibilidade de tempo para participar das reuniões mensais solicitadas pela CEJ e pelo Conselho da Paróquia, além de treinamento, que ocorre várias vezes por ano em diferentes regiões do estado, promovidos pela FLD. A líder do grupo é responsável pelo andamento dos trabalhos executados pelas voluntárias, bem como pelo controle financeiro e pela compra de suprimentos. Os encontros ocorrem no salão paroquial a cada 15 dias, na segunda-feira, sempre no mesmo horário, das 14 às 17 horas. Nesses encontros as voluntárias levam os trabalhos que executaram em casa, costuram, pintam, bordam, têm um momento de reflexão, onde são lidas

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passagens bíblicas ou textos que proporcionem alguma reflexão. Atualmente está sendo montada uma biblioteca; os livros são trazidos pelas próprias voluntárias, e ocorre o compartilhamento de saberes por meio dos trabalhos manuais e da opinião pessoal referente aos contextos abordados nos livros.

O trabalho diaconal pode ser exercido tanto por homens quanto por mulheres. O grupo Pontos de Amor é composto basicamente por mulheres, com idade a partir dos 18 anos. São voluntárias com nível de escolaridade e renda diversificados. O trabalho diaconal tem a função de acolher, e assim, todas as pessoas que se oferecem para participar, independentemente de suas habilidades para trabalhos manuais, são aceitas. O grupo é dividido por núcleos de trabalhos manuais, em que são empregadas diferentes técnicas, como bordado, ponto-cruz, ponto-cheio, vagonite, crochê, tricô, pintura em tecidos e enxovais para recém-nascidos. Cada núcleo possui uma líder que, além executar a atividade, ensina a técnica aos novos integrantes. A figura 5 mostra o grupo reunido e alguns trabalhos – bolsas desenvolvidas com calças jeans, bordados em ponto-cheio e combinação de cores mediante a observação de flores naturais.

Figura 5 – Grupo de diaconia Pontos de Amor

Fonte: Arquivo pessoal da autora (2014)

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Os trabalhos manuais desenvolvidos pelo grupo são compostos por técnicas variadas, conforme citado. Os produtos são comercializados e a renda é revertida para compra de cestas básicas para famílias cadastradas e de fraldas geriátricas, destinadas a idosos e pessoas com deficiência que dependem desse tipo de auxílio. São montados enxovais para recém-nascidos, e há uma equipe responsável por fazer as visitas na Maternidade Darcy Vargas em Joinville, onde são entregues para a coordenação de assistência social os kits contendo fraldas, mamadeiras, cobertor, roupinhas e uma bolsa para carregar os pertences do recém-nascido. Tais kits são ofertados a mulheres que dão à luz e não possuem o enxoval inicial para deixar a maternidade com seu bebê.

Pode-se afirmar que a empatia é o pano de fundo do cenário de atuação diaconal, bem como do design social e das abordagens contemporâneas do design. Entre estas está o design participativo, que busca manter o indivíduo no centro do processo, viabilizando eventos nos quais o usuário possa se sentir partícipe do processo como agente que detém o poder de transformação e de disseminar saberes por meio do compartilhamento.

Considerações

Diante das observações feitas durante a pesquisa sobre o contexto do design e suas abordagens contemporâneas, a diaconia e seu trabalho no campo religioso, percebe-se uma convergência em cujo centro está o ser humano. Ambas as abordagens buscam desenvolver ações cujos benefícios possam ser sentidos e percebidos pelo indivíduo. Amparados pelo conhecimento e seus métodos de pesquisa (o design por meio de suas abordagens ou estudos de caso e a diaconia por intermédio da realidade percebida e com base na fé), ambos buscam resolver um problema, seja ele material ou imaterial. Acredita-se que design e diaconia podem ser associados, de modo a promover um encontro entre o mundo acadêmico, que atua com foco no conhecimento e na reflexão sobre a prática, e o da diaconia, que por sua vez opera no campo simbólico em que o subjetivismo é o método que norteia as ações, porém os resultados são percebidos em ações que se materializam na sociedade.

Este texto constitui o início de uma reflexão que será aprofundada no decorrer do trabalho dissertativo do Mestrado Profissional em Design, que pretende analisar e apresentar abordagens nas quais design e diaconia possam atuar juntos, promovendo movimentos de cooperação pautados pela pesquisa exploratória com base nos apontamentos de Bourdieu, que defende a pesquisa de campo como uma das formas de analisar os eventos da sociedade, por meio da observação. A pesquisa não pretende discutir o cenário religioso mas sim explorar o campo de atuação da diaconia e a possibilidade de trocas de conhecimentos e saberes com o design no campo social.

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Capítulo 2

Design de Moda eSociedade

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Tendências de moda em um contexto social

Fashion trends in a social context

ZANCHETT, Rosenei Terezinha1

AGUIAR, Victor2

Resumo: A investigação das tendências e macrotendências e suas possíveis manifestações nos cenários de consumo é fundamental para o desenvolvimento de novos produtos. Este artigo, por meio de revisão bibliográfi ca, apresenta uma abordagem teórica destacando os conceitos das tendências e macrotendências de moda e comportamento de consumo em um contexto social e cultural. A proposta é associar as tendências apresentadas por intermédio desses fenômenos e saber como são transferidas pelos pesquisadores e designers de moda.Palavras-chave: designer; pesquisa; tendência; inovação.

1 Mestre em Design Profi ssional pela Universidade da Região de Joinville (Univille), graduada em Moda e especialista em Marketing e Comportamento do Consumidor pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (Furb). Pesquisadora na área de tendência de moda e comportamento de consumo no caderno Inova Moda. Consultora em pesquisa de moda e desenvolvimento de produto, sendo responsável pelo projeto Santa Catarina Moda e Cultura no Senai/Blumenau, e consultora no Instituto Senai de Tecnologia Têxtil, Vestuário e Design – SC. Professora da Pós-Graduação em Moda e Gestão da Faculdade Senai/Blumenau. E-mail: [email protected].

2 Doutor em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), especialista em Marketing pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e graduado em Administração de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor do quadro permanente da graduação e do Mestrado Profi ssional em Design da Univille. E-mail: [email protected].

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Tendências de moda em um contexto social

Abstract: Research trends and macro trends and possible Their manifestations in consumer scenarios to the development is critical of new products. This article, through literature review, presents the theoretical approach highlighting the concepts of fashion trends and macro trends and consumer behavior in the social and cultural context. The proposal is to link the trends presented by these phenomena and how they are encoded by researchers and fashion designers.Keywords: structure; search; trend; innovation.

Introdução

Trabalhar na área de moda e design, seja qual for a atividade que envolve criação e desenvolvimento de produto, exige dos profissionais bons instrumentos para realizar as pesquisas das tendências no âmbito global de moda, design, contexto social, arte e comportamento.

A moda, no seu mais amplo sentido, é um retrato de seu tempo, e falar de moda, hoje, é falar de comportamento, cultura, arte, espetáculos, movimentos sociais, políticos... é estar, enfim, com antenas ligadas a tudo o que acontece de importante nas principais capitais do mundo (BASILE; LEITE, 1996, p. 11).

O contato direto com o panorama cultural, contemporâneo das tendências e macrotendências, tem grande importância na área de criação de produtos e seus reflexos na sociedade quanto aos usos e costumes do cotidiano. Desse modo, pesquisa significa investigação, ter conhecimento sobre os acontecimentos sociais e a maior quantidade de assuntos possível. No início são apenas alguns sinais, que têm um crescimento, chegam ao auge e desaparecem; as tendências, portanto, são indicadores de mudanças, que envolvem tecnologia, economia, governo, política, trabalhos coletivos, ações culturais e sociais, os quais de certa forma afetam ou modificam as necessidades e os desejos dos consumidores e, portanto, o seu estilo de vida.

Segundo Faccioni (2011, p. 47), “além de percebermos as tendências, temos de compreendê-las através de filtros e comparação com informações, pois tudo tem a ver com tudo”. Dessa forma, os designers de moda devem ter informações claras sobre as necessidades atuais do mercado e as expectativas das empresas no desenvolvimento de novos produtos para suas demandas.

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Tendências e macrotendências

Paralelamente às tendências, há as macrotendências, que têm como objetivo identificar os cenários globais e os movimentos sociais nos dias atuais. “Ao analisar as macrotendências é fundamental que os designers de moda compreendam e transformem estas informações em conhecimentos adequados às demandas do mercado” (BES; KOTLER, 2011, p. 70). Portanto, o correto entendimento de ferramentas que retratem os movimentos políticos, econômicos, sociais, culturais e os sistemas ambientais é fundamental para o bom desempenho das atividades em um setor de criação.

Interpretar e analisar as pesquisas das macrotendências requer uma metodologia clara e abrangente, que englobe uma análise de mercado adequada para uma sociedade complexa, a qual reflete comportamentos de consumo múltiplos. Segundo Bes e Kotler (2011, p. 70), as “macrotendências duram de cinco, no mínimo, a dez anos, e já as tendências duram de um ano, no mínimo, até cinco anos, no máximo”. Sendo assim, é fundamental uma análise significativa das pesquisas e das informações observadas nos cenários da moda para que os designers de moda tenham um bom entendimento das informações e estas sejam adaptadas às necessidades de consumo.

A moda é uma importante área de produção e expressão de cultura contemporânea. Tanto apresenta reflexão da sociedade quanto dos usos e costumes do cotidiano. A dinâmica da moda permite refletir, criar, participar, interagir e disseminar este costume. Portanto, o desenvolvimento e a expressão da moda ocorrem a partir da inter-relação entre a criação, a cultura e a tecnologia, bem como dos aspectos históricos, sociopolíticos e econômicos (PIRES, 2008, p. 28).

Com a democratização da moda por meio das redes sociais e o aumento do número de sites e revistas especializadas, a divulgação do que sejam as tendências e macrotendências na área vem aumentando de forma expressiva nos últimos anos, o que permite ao designer de moda a organização de ideias e a conscientização quanto ao fato de que o processo de aprendizagem não se restringe apenas a informações primárias. Nesse sentido, Caldas (2004, p. 44) afirma que “conhecer o universo e os significados da sociedade e o funcionamento das tendências de moda tornou-se estratégia para ampla gama de empresas, muito além da indústria têxtil e de confecção”. Ou seja, seguir tendências não é garantia de venda, mas com certeza auxilia no planejamento e na organização dos processos produtivo e criativo, já que usar tendências permite às empresas o desenvolvimento de um bom produto, que tenha conceito, que seja coordenável

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à proposta da coleção, além de atingir com mais eficácia o seu público-alvo. “Esta análise significa sistematizações das informações, decompondo-as com objetivos de compreender o que elas representam e realmente significam no comportamento das pessoas” (FACCIONI, 2011, p. 47).

A informação das tendências hoje está integrada a todos os nichos de mercado e a todos os níveis sociais e culturais. Por esse motivo a imersão e a compreensão dos cenários pelos diversos profissionais envolvidos na criação são fundamentais para que estes possam decodificar tais informações e adequá-las à realidade de sua empresa. Kotler (2000, p. 158) confirma que “as empresas bem-sucedidas têm visões do ambiente interno e externo de seus negócios”.

É nesse contexto que as grandes lojas de departamento lançam suas coleções com temas das macrotendências e tendências, apresentadas por suas vitrines. Um exemplo disso são lojas de departamento renomadas em Londres, como Harrods, Selfridges, Harvey Nichols e Liberty. A Selfridges, por exemplo, localizada na Oxford Street, em parceria com o designer Faye Toogood no ano de 2015 delineou o conceito de novos gêneros na exposição. A ideia por trás do projeto Agender era explorar um universo no qual a expressão do “eu” fosse maior que a representação social culturalmente construída do ser. A figura a seguir demonstra como o espaço transcendia as noções de feminino e masculino, apresentando peças com design exclusivo para ambos os sexos simultaneamente.

Figura 1 – Vitrine Selfridges – Agender

Fonte: Selfridges (2015)

Nos últimos anos, no entanto, as discussões sociais que giram em torno do tema da moda impulsionam novos pensamentos e novas formas de

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expressão cultural. Para Kotler (2000, p. 185), além dos “fatores culturais, o comportamento do consumidor é influenciado por fatores sociais, como grupos de referência, família, papéis sociais e status”. De acordo com esses conceitos, captar e interpretar as tendências e as macrotendências requer uma análise aprofundada para transformar dados em informações, e estas, em conhecimento adequado ao mercado de consumo.

Tendências e o designer de moda

Entender as tendências de moda é um trabalho que envolve diversas áreas de conhecimento. O pesquisador precisa estar atualizado com relação ao cenário global, social e cultural. Mozota (2011, p. 45) afirma que “o designer de produto deve adaptar seu processo criativo a uma tendência geral em direção à abstração, imaterialidade e complexidade. O conhecimento técnico tornou-se transversal com quem deve fazer contato e se comunicar”.

Nesse sentido, o designer de moda precisa ter uma visão ampla dos cenários globais, estando conectado às tendências de moda que são divulgadas em feiras, sites especializados, bureaux de estilo e comportamento de consumo, viagens de pesquisa, bem como em cadernos de tendências elaborados por profissionais especializados. Para Treptow (2013), a pesquisa em moda exige disciplina e técnica para que o profissional de criação possa descobrir e registrar o que está nas ruas, vitrines, feiras, revistas e desfiles e também compreender o que está no imaginário dos consumidores.

A moda é o fenômeno que melhor demonstra esta capacidade e necessidade de mudanças da sociedade, que é refletida no processo de consumo. Moda essencialmente envolve mudança, definida pela sucessão de tendência e manias em espaço curto de tempo, é um processo de obsolescência planejada (MIRANDA, 2008, p. 17).

A busca pelas tendências envolve diversas áreas do conhecimento, pois captar e interpretar as tendências requer dos profissionais envolvidos uma metodologia abrangente. De acordo com Mozota (2011), o design é uma atividade que integra um amplo espectro de profissões, o que inclui produtos, sistemas gráficos, serviços, interiores e arquitetura. Assim, o trabalho colaborativo dos designers de moda com outros profissionais nas organizações mostra-se fundamental para a atividade de desenvolvimento de produto, que deve ser interdisciplinar. Outrossim, as etapas e propostas para o desenvolvimento e

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a criação de novos produtos devem ser claras entre as diferentes equipes de trabalho. Essa interação tem como objetivo definir melhorias em produtos, identificar capacidades de transformação, gerenciar o conhecimento tecnológico das informações adquiridas e, por fim, aplicá-lo no desenvolvimento de novos produtos, com base no entendimento do comportamento do consumidor e na dinâmica de mercado.

O novo cenário para o designer de moda

Diante do novo cenário, o designer de moda deve ser um gestor nos processos de desenvolvimento de produtos inovadores, pois ele precisa ter uma compressão clara das necessidades e dos desejos do consumidor diante do mercado atual. Para Treptow (2013, p. 63), o designer tem de “conhecer a capacidade e as limitações da indústria. É preciso que ele domine conceitos de produtos e conheça as metas da empresa quanto à produção e ao faturamento, bem como a capacidade de absorção dos produtos pelo mercado-alvo”. Seguindo esse raciocínio, o designer de moda tem então de estar aliado em ações conjuntas com empresas por meio de tecnologias no desenvolvimento de novos produtos. Tal processo exige métodos de pesquisa e um trabalho multidisciplinar do design de moda por meio das pesquisas de campo e análise de mercado. Ele também deve ter sensibilidade para planejar, identificar, classificar e mensurar suas experiências em todas as áreas de atuação, buscando informações sobre essas novas filosofias e estilos de vida, bem como sobre os anseios da população pesquisada e como isso afetará o comportamento e o padrão de consumo de acordo com o mercado.

Segundo Baxter (2011), desenvolver um novo produto não é tarefa simples. Requer pesquisa, planejamento cuidadoso, controle meticuloso e, o mais importante, uso de métodos sistemáticos. No entanto, ao identificar as informações do mercado, é fundamental que os designers de moda saibam aplicar tais referências com eficácia e conhecimento para diferenciar-se perante os demais profissionais em um mercado cada vez mais competitivo e atingir as estratégias de inovação para desenvolvimento de produtos ou serviços. De acordo com Mozota (2011), o processo de design é de identidade; ele define a empresa, seus clientes e seus investidores.

Ao realizar as pesquisas de tendências, o designer de moda precisa fazer uma previsão das informações de modo “macro”, detectando as informações com muita antecedência, criando um repertório baseado em referenciais de moda e comportamento em todas as áreas, como por exemplo da filosofia, psicologia, antropologia, sociologia, e averiguando as principais tendências de

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comportamento na sociedade. Miranda (2008, p. 14) entende o comportamento de consumo como o estudo “dos processos onde os indivíduos ou os grupos selecionam, compram, usam, ou dispõem de produtos, de serviços, de idéias, ou de experiências para satisfazer a necessidades e desejos”.

Refletir as tendências e as mudanças dos tempos atuais – o que está acontecendo no mundo – não é tarefa fácil. Trata-se de uma forma de conscientização e compreensão das informações apresentadas na sociedade. Seguindo esse raciocínio, Mozota (2011, p. 45) propõe que os “designers agora participem do desafio do novo milênio – como ser sustentável em termos ambientais e econômicos”.

Outro aspecto importante é que as empresas estão vivendo um período de grandes mudanças sociais e comportamentais; estamos vivenciando uma das maiores revoluções industriais, a qual está modificando totalmente a forma de analisar as tendências e desenvolver produtos. Por esse motivo o designer de moda tem de desenvolver produtos com informações de moda, tecnologia e inovação. Cada dia mais se fala sobre as indústrias do futuro, a nova revolução industrial, por intermédio da impressão em 3D, customização de roupas em peças exclusivas e máquinas automatizadas. É nesse sentido que o compartilhamento de informações se torna fundamental para a evolução e o crescimento das empresas. Segundo Kotler (2000, p. 67), o “sucesso da empresa depende não apenas do grau de excelência com que cada departamento desempenha seu trabalho, mas também do grau de excelência da coordenação das diversas atividades”.

No entanto esse cenário vem mudando, e cada vez mais o setor de criação, com a sua velocidade alucinante, e as novas tecnologias de informação apresentadas pela sociedade estão exigindo dos profissionais mais habilidades e conhecimento, além de uma flexibilidade para trabalhar na sua área de atuação.

O setor da moda move-se em uma velocidade alucinada e o novo está sempre presente. Existem poucos setores em que seja tão rápido e evidente como a moda. Por isso, os designers precisam ser como mega parabólicas, utilizando filtros de alta sensibilidade. A busca constante de novas inspirações, novos conceitos, novos materiais e novos elementos são fundamentais para a criação do novo [sic] (FACCIONI, 2011, p. 124).

Partindo dessas premissas, o designer de moda deve estabelecer um ponto focado nas orientações contínuas para o mercado de consumo, proporcionando maior propriedade e condições para o aperfeiçoamento dos processos e o desenvolvimento de novos produtos com alto valor agregado.

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Integrar para inovar

A integração nos dias de hoje é fundamental para a realização das atividades em uma empresa. Dessa forma as atividades devem estar claras para a equipe de trabalho, a fim de definir melhorias, capacidade de transformação e conhecimento tecnológico das informações adquiridas, para o desenvolvimento de novos produtos alinhados ao comportamento do consumidor e à dinâmica de mercado. Bes e Kotler (2011) informam que a falta de colaboração entre os departamentos é considerada a maior barreira à inovação; no entanto esta requer mais do que processos. As empresas mais inovadoras criam um espaço para promover a colaboração e o trabalho em equipe.

Portanto, o design apontado como uma esfera multidisciplinar desenvolveu-se para a esfera interdisciplinar, cuja ampliação leva à transdisciplinaridade, como a efetiva aplicação deste campo em seu universo maior e mais complexo, sendo este também determinante e enriquecedor não apenas para o profissional e para a área, mas também para a sociedade (MOURA, 2003, p. 116).

A sintonia entre os diferentes setores de pesquisa, desenvolvimento e criação é fundamental para as empresas durante o processo de inovação. Cabe às equipes promover a cooperação e o crescimento entre os diferentes setores da organização, adquirindo metas criativas entre as funções a serem desenvolvidas na empresa. Quanto mais integrado o setor de criação e desenvolvimento de produtos com as outras áreas por meio da comunicação e da troca de experiências, mais haverá vantagem competitiva para a empresa.

Os métodos sistemáticos de projeto exigem uma abordagem interdisciplinar, abrangendo marketing, engenharia de métodos e a aplicação de conhecimento sobre estética e estilo. Esse casamento entre ciências sociais, tecnologia e arte aplicada nunca é uma tarefa fácil, mas a necessidade de inovar exige que ela seja tentada (BAXTER, 2011, p. 19).

Percebe-se que com o desenvolvimento científico os avanços tecnológicos do mercado ganharam rumos nunca antes pensados. A inovação está relacionada ao trabalho coletivo por meio de um novo olhar para os negócios e a criação de produtos. Dessa forma, as empresas do futuro devem estar integradas aos acontecimentos do mercado para prevê-los de acordo com seus interesses, criando um método de pesquisa apropriado à sua realidade, e sair a campo,

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observar, questionar e analisar os sinais transmitidos pela sociedade, por meio de vários conhecimentos específicos, desenvolver novas possibilidades de inovação, pela troca de informações e integração composta por profissionais de diferentes áreas.

Em síntese, não há dúvida de que, historicamente, o sucesso do desenvolvimento de novos produtos no campo da moda tem como grande influência a figura do designer, remetendo ao seu conceito, à sua identidade e sua criatividade. Geralmente seu nome está interligado à marca do produto, e quando há troca de designers entre as marcas sempre se criam expectativas se o produto manterá sua identidade.

Assim, é de extrema importância que os criadores estejam completamente antenados com os acontecimentos no mundo e sejam capazes de imaginar e fazer conexões, trabalhando com as mesmas ferramentas de pesquisa como subsídios para a construção das cartelas de cores, tecidos, formas, texturas, estampas, aviamentos, processos e acabamentos, agregando informações ao artefato de acordo com a demanda do seu mercado consumidor.

A compreensão das tendências é de fato o ponto-chave para o desenvolvimento de produtos adequados. Bes e Kotler (2011) descrevem que os designers de moda devem examinar cada informação das tendências de mercado e observar se alguma é pertinente as suas conveniências. Essa análise de informações é, por si só, uma tarefa criativa, pois nesse momento os criadores não apenas se informam, mas também se inspiram. Tal inspiração tende a provocar na indústria um grau interessante de inovação. De fato o crescimento das empresas de moda está ligado tanto ao percentual de inovação que são capazes de produzir quanto ao que podem reproduzir de seus produtos.

O tema inovação é abrangente e fundamental para a sobrevivência das empresas, sendo necessário inovar e renovar sua oferta de mercadorias e serviços, porém percebe-se que juntamente a essa necessidade existe também o contraponto de reproduzir mercadorias e serviços que caem no gosto do público em geral. Bes e Kotler (2011) destacam que para iniciar o processo de inovação nas empresas é preciso haver consenso entre os profissionais da pesquisa e os empresários sobre a necessidade de inovar, e muitas vezes falta o alinhamento de como concretizar tais processos.

A inovação em design nem sempre acontece por meio de saltos gigantescos, e sim de forma gradual em diversos setores e processos, sendo trabalhada passo a passo em diferentes áreas da empresa. Cabe bem aqui o conceito de Mozota (2011) sobre inovação radical e incremental. Esse gerenciamento de ações é também considerado inovação, muitas vezes até mais necessário ou mais importante que uma inovação radical no produto ou no processo, que envolve a utilização de avanços tecnológicos e científicos, gerando custos que

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a empresa nem sempre pode gerir. Essa inovação pode ser entendida como o desenvolvimento de uma nova cultura na empresa, a qual requer o envolvimento de pessoas criativas e comprometidas e principalmente focadas nas estratégias e responsabilidades de cada profissional em sua área de atuação, com clareza de suas atividades e definição de seus procedimentos. Bes e Kotler (2011) observam que a inovação parte de um modelo de negócio que impõe uma mudança profunda, gerando novos valores, novas formas de pensamento, e por isso requer uma organização e reestruturação da empresa, bem como a objetivação do mercado, visando atender às necessidades e novas situações de compra.

Segundo Faccioni (2011), o desenvolvimento da tecnologia industrial está chegando a níveis jamais pensados, e novos produtos com alto valor tecnológico estão modificando para sempre as exigências dos consumidores. Quem trabalha com pesquisa de moda, design, comportamento ou tendências precisa estar atento a todas as variáveis possíveis, ou seja, precisam ser profissionais com habilidades e qualificações adequadas para acompanhar, identificar e codificar, de acordo com a realidade da empresa, todos os movimentos relacionados à inovação e ao mercado que possam fazer a diferença.

Nesse sentido, Mozota (2011) considera que a função do designer não está relacionada somente à forma ou à estética do produto, como também a uma ferramenta de gestão em desenvolvimento e criação, por meio de processos e da compreensão dos anseios e desejos do consumidor. Tal ferramenta, por sua vez, tem de estar alinhada às ações conjuntas da empresa com a tecnologia no desenvolvimento de novos produtos, diferenciados e com valores intrínsecos, que possuem uma adição de benefícios correspondendo a um mercado mais exigente e informado.

Considerações finais

Entender as tendências e macrotendências da moda é fundamental para o desenvolvimento científico e os avanços tecnológicos, por meio dos quais as empresas tomam novos rumos nunca antes pensados. O designer de moda, por sua multidisciplinaridade, deve trabalhar as novas tecnologias para facilitar a rapidez e a importância dessas informações na pesquisa em todos os setores do conhecimento.

As empresas e os designers de moda precisam estar cada vez mais conectados, por meio de suas pesquisas, com o mundo e com tudo o que acontece ao seu redor, observando o comportamento do consumidor e os movimentos sociais. Ou seja, é fundamental o acompanhamento da atualidade no mundo, sobretudo dos cenários apresentados nos grandes centros lançadores de tendências tecnológicas, que estão relacionados às questões fundamentais de

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gestão e inovação, buscando o sucesso no desenvolvimento de novos produtos. A promoção da inovação em trabalho multidisciplinar é fator crucial para o aumento da competitividade das empresas.

Referências

BASILE, Aissa Heu; LEITE, Ellen Massucci. Como pesquisar moda na Europa e nos EUA. São Paulo: Senac, 1996.

BAXTER, Mike. Projeto de produto: guia prático para o design de novos produtos. Tradução de Itiro Iida. 3. ed. São Paulo: Blucher, 2011.

BES, Fernando Trías de; KOTLER, Philip. A bíblia da inovação: princípios fundamentais para levar a cultura da inovação contínua às organizações. São Paulo: Lua de Papel, 2011.

CALDAS, Dario. Observatório de sinais: teoria e prática da pesquisa de tendências. Rio de Janeiro: Senac, 2004.

FACCIONI, Jorge. The black book of fashion: como ganhar dinheiro com moda. São Leopoldo: Usefashion, 2011.

GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1987.

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MOORE, Gwyneth. Produção de moda – GG moda. Barcelona: Gustavo Gili, 2013.

MOURA, Mônica. O design de hipermídia. Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica)–Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003.

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Tendências de moda em um contexto social

MOZOTA, Brigitte Borja de. Gestão de design: usando o design para construir valor de marca e inovação corporativa. Porto Alegre: Bookman, 2011.

NÃO QUESTIONE. Disponível em: <http://nao-questione.blogspot.com.br/2014/08/tinta-que-e-reativa-as-diferentes.html>. Acesso em: jun. 2015.

PIRES, Dorotéia Baduy (Org.). Design de moda: olhares diversos. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2008.

SELFRIDGES. Disponível em: <www.selfridges.com/contente/agender/windows>. Acesso em: jun. 2015.

SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM INDUSTRIAL – SENAI; SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS – SEBRAE. Caderno de Inspirações Inova Moda / inverno 2016. Edição 3. Rio de Janeiro, 2015.

TREPTOW, Doris. Inventando moda: planejamento de coleção. 5. ed. São Paulo: D. Treptow, 2013. 63 p.

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A moda em contexto sociocultural: um estudo de projetos sociais

relacionados à moda

The fashion in sociocultural context: a study of fashion related social projects

HERMES, Leticia1

MORGENSTERN, Elenir Carmen2

Resumo: Este artigo apresenta uma refl exão acerca das relações entre moda e produção sociocultural. Analisa as relações de reciprocidade entre sociedade e moda, levando em conta o contexto histórico-sociocultural. Para isso, considera características de três projetos sociais que utilizam a moda como viés de capacitação pessoal e profi ssional, com foco em geração de renda e valorização da cultura artesanal local. O escopo

1 Mestranda no Programa de Mestrado Profi ssional em Design e graduada em Design com ênfase em Moda pela Universidade da Região de Joinville (Univille). Possui experiência em webdesign e desenvolvimento de produto de moda e interiores. E-mail: [email protected].

2 Doutora em Design pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), mestre em Educação nas Ciências pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí). Professora titular no curso de Design e no Mestrado Profi ssional em Design da Univille. É autora dos livros Arte, experiência e intersubjetividade (Editora Unijuí, 2004), Grito preso na garganta (Editora Unijuí, 1999) e Ressurgir (Editora Unijuí, 1992), além de coautora dos livros Ambientes virtuais de aprendizagem (Editora da UFSC, 2008), Linguagem, escrita e mundo (Editora Unijuí, 2000), Educação, saberes distintos, entendimento compartilhado (Editora Unijuí, 2000), Todo dia é dia especial (Editora Unijuí, 1998) e Porções de bem querer (Editora Unijuí, 1997). E-mail: [email protected].

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A moda em contexto sociocultural: um estudo de projetos sociais relacionados à moda

teórico apoia-se em autores que sugerem abordagens extraestéticas. Os resultados das reflexões do artigo contribuirão em investigação de Mestrado Profissional em Design.Palavras-chave: moda; sociedade; cultura.

Abstract: This article presents a reflection about the relationship between fashion and sociocultural production. It analyzes the relationship of reciprocity between society and fashion, considering the historical sociocultural context. For this, it analyzes the characteristics of three social projects that use fashion as personal and professional development bias, focusing on sales generation and appreciation of local artisan culture. The theoretical scope is supported by authors who suggest extra aesthetic approaches. The results of article’s considerations will contribute in research for Professional Masters in Design.Keywords: fashion; society; culture.

Introdução

Este artigo, configurando-se em início de investigação de Mestrado em Design, desenvolvido na Universidade da Região de Joinville (Univille), objetiva refletir acerca da moda enquanto produto de determinada sociedade e como influência sociocultural. Para isso, ancorou-se a pesquisa em um aporte teórico baseado, principalmente, nas concepções de Bourdieu (2002), Lipovetsky (2013) e Fletcher (2011). O estudo é desenvolvido por meio da análise de três projetos sociais que utilizam a moda como viés de suas oficinas e de geração de renda.

A moda como produto social

A moda tornou-se um produto da sociedade. O comportamento, o conhecimento, a expressão, a classe social, a intenção de uma pessoa podem ser traduzidos pelo modelo de vestimenta ou artefatos comprados/utilizados.

Inicialmente é necessário definir o entendimento do termo moda, na presente reflexão. Compreende-se que a moda não atinge/atingiu apenas o vestuário; outras áreas também são incluídas e dominadas pelo poder da moda, tal como mobiliário, peças de interiores, gostos, maneiras, linguagem, ideias, obras de arte... De acordo com Lipovetsky (2013), a moda não está ligada apenas a um objeto específico, de forma que afeta diferentes esferas da vida coletiva. A opinião de Lipovetsky converge com a de Baldini (2006, p. 2), em

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HERMES, Leticia | MORGENSTERN, Elenir Carmen

seus argumentos de que, “nos dias de hoje, a moda tornou-se um fenômeno social de difícil definição, dada a sua amplitude e a diversidade de opiniões de que tem sido objeto”.

Desse modo, percebem-se a flexibilidade da moda em empregar-se em diferentes situações e artefatos e a dificuldade de defini-la com base nessa mesma flexibilidade, visto que sua amplitude permite diferentes interpretações e conceitos.

Segundo Bergamo (1998), “[...] a roupa significa algo, seja o que for. Longe de ser uma criação artística que escapa à razão, ou a mera expressão da futilidade alheia, a roupa é uma construção racionalizada”. O que confere, na visão do autor, que a roupa significa algo é o seu sentido, dentro da sua estrutura social, tornando-se instrumento da sua realização.

Em parte, a alta produção de moda na atualidade pode estar principalmente relacionada à concepção da “sociedade de consumo”. Como teoriza Lipovetsky (2007, p. 68),

na fase III, em que as necessidades básicas estão satisfeitas, o comprador por certo dá importância ao valor funcional dos produtos, mas, ao mesmo tempo, mostra-se cada vez mais em busca de prazeres renovados, de experiências sensitivas ou estéticas, comunicacionais ou lúdicas. Excitação e sensações é que são vendidas, e é a experiência de vida que se compra, assemelhando-se todo consumidor, mais ou menos, a um “colecionador de experiências” desejoso de que se passe alguma coisa aqui e agora.

Entende-se que as práticas sociais influenciam altamente o consumo, não apenas de produtos de moda; as produções sociais são abrangentes e afetam toda a estrutura em que o indivíduo se relaciona e consome.

A moda como atividade de influência sociocultural

A moda tornou-se uma atividade que cria significados e personalidades e influencia a sociedade. Desse modo, salienta-se a concepção de Oliveira (2013, p. 14): “A moda apresenta-se como um dos fenômenos mais influentes na sociedade, desde as primeiras civilizações, abrangendo diversas áreas de atividades humanas, interagindo nas bases essenciais da relação entre indivíduo e sociedade”.

No mesmo sentido, Svendsen (2010) escreve que, antigamente, eram vendidas apenas peças de roupas confeccionadas por costureiras, e hoje, por outro lado, são vendidas “experiências de vida”. Ou seja, vende-se “fumaça”. Atualmente, essa indústria de sonhos, denominada moda, cria situações dentro

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A moda em contexto sociocultural: um estudo de projetos sociais relacionados à moda

da estrutura social, influenciando diretamente o comportamento e o estilo de vida de seus membros.

A ornamentação, a estética propriamente dita, desenvolve a decoração da vida, da identidade, do comportamento, o que culmina na perda de objetivos, uma vez que, em meio a tantas máscaras, mudanças, transições e pressões por parte do coletivo, o indivíduo se vê consumado a se tornar sempre uma pessoa diferente do que realmente é, mas nunca se tornará essa pessoa, porque não tem nenhuma concepção positiva de quem deseja ser de fato [...] (OLIVEIRA, 2013, p. 30).

Observa-se que a moda torna o seu consumidor espectador e agente, quando compra um produto vislumbrando a relação que este permitirá com a sociedade, sua nova postura, sua nova identidade a partir daquele artefato simbólico.

A submissão perante o mercado da moda é vista ainda na infância. Quando o bebê é vestido pela mãe, a criança está construída para ser analisada não só pela indumentária, mas, por outros aspectos sociais, mostra para a sociedade o que a mãe quer que ela seja. É um produto da interferência que a moda exerce no coletivo (BOUCHER, 2010; OLIVEIRA, 2013).

A moda apresenta-se, na atualidade, como influência em todo o público envolvido na sociedade, sem distinção de idade ou qualquer outra diferenciação. Seu predomínio pode ser percebido em ideias, costumes, linguagem e identidade, no cotidiano do indivíduo, que faz uso dessa moda para inserir-se no contexto social.

Diante de uma engrenagem que impõe situações à sociedade, Bourdieu (2002) destaca que o valor de um objeto, para um grupo social, está diretamente relacionado ao valor simbólico ditado pelos jornalistas da moda, que se fundamentam no desconhecimento do indivíduo, vendendo para este um produto propositalmente colocado como valioso.

O discurso performativo dos jornalistas de moda é uma manifestação perfeita da lógica de um sistema de produção que, para produzir o valor de seu produto, deve produzir, entre os próprios produtores, o desconhecimento dos mecanismos de produção (BOURDIEU, 2002, p. 166).

Nesse sentido, Bergamo (1998) explica: “A questão é que há um sentido que sinaliza os vários símbolos de mundo que precisam ser amealhados para imprimir a certeza de uma determinada posição. A roupa nutre esta certeza, assim como diversos outros símbolos também a nutrem”.

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Entende-se que a “experiência” permitida pela moda é estruturada e desenvolvida pela concepção do seu produtor, jornalista ou estilista, não somente do seu consumidor. O indivíduo recebe o sentido daquele símbolo com base no que vê; a maneira como a moda apresenta aquele artefato é a forma como a experiência do produto será entendida.

Fletcher (2011) argumenta que a moda pode suprir algumas de nossas necessidades mais específicas de abrigo e de proteção, podendo transmitir nossa expressão social e pertencimento àquilo que deseja. Não obstante, percebe-se a moda como definidora de símbolos, produtora de habitus sociais, influenciadora direta de costumes e comportamentos, que envolvem o grupo dominador e o público dominado (ver BOURDIEU, 2002).

A moda não se limita apenas ao contexto social, também é um campo influenciador e influenciado na cultura:

[...] as práticas de cultura, entre elas as práticas religiosas, são fenômenos que se correspondem, pois têm raízes na natureza humana de produzir sentidos e de estabelecer as relações e a organização interna dos grupos. [...] a construção social da realidade é fruto das articulações de sentido que indivíduos estabelecem com seus semelhantes. A religião e a moda, portanto, como práticas de cultura, seriam fenômenos que oferecem espaço para empreender o diálogo entre indivíduo e sociedade. Mais explicitamente, as práticas de cultura como espaços de entendimento das relações estabelecidas entre mundo material (estruturas objetivas) e mundo simbólico (estruturas mentais / subjetivas) e as diferenças intergrupais. Nesse sentido, poderia afirmar que a variedade e a heterogeneidade dos múltiplos sistemas de símbolos pertencentes à moda seriam [...] uma expressão cultural, isto é, expressões de sentido e/ou de valores dados pelos grupos aos objetos ao longo de suas experiências sócio-históricas. A moda e todas as práticas de cultura, suas estratégias de sociabilidade e controle seriam práticas pelas quais os indivíduos e os grupos se mantêm coesos ou se dissociam a partir da transmissão, comunhão ou diferenciação de sentidos (SETTON, 2008, p. 121).

Fletcher (2011) entende que a moda, em seus itens e objetos impregnados de signos e códigos, indica um serviço de transmissão de mensagens. Isso ajuda a desenvolver uma relação crucial entre nós, os outros e a sociedade em sua totalidade. Por esses moldes, percebe-se a moda como prática cultural, permeada por signos e estratégias que identificam grupos na sua relação com a sociedade.

Para Souza et al. (2013), o vestuário é relevante para a cultura, configurando-se em produto direto desta e de seu país. Ele movimenta uma

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indústria próspera, como se observa em Santa Catarina, que conquistou o título de segundo maior polo têxtil de vestuário do Brasil. Esse poder empreendedor advém da influência e tradição dos imigrantes, ainda presente no estado.

Desse modo, percebe-se o vestuário, bem como demais artefatos de moda, enquanto expressão cultural, articulada entre agentes do campo e da sociedade. Entende-se, nos termos dessa significação, que a moda se articula com o contexto cultural, assim como a arte, o artesanato, a linguagem e outras produções do ser humano.

Moda e projetos sociais

Para o entendimento de uma das situações em que a moda influencia a produção social e cultural, serão apresentados alguns projetos sociais3, do contexto brasileiro. Destacam-se, para esta análise, três projetos da Região Sul do Brasil: ProModa, de Caxias do Sul, SempreViva, de Joinville, e Moda em Produção, de Novo Hamburgo.

Conforme a concepção de Fletcher (2011, p. 122), “a moda nutre a vida de quase todos, todos os dias, e pode ser um veículo eficaz para mudar intenções, atitudes e comportamentos”. O referido teórico ainda afirma: “O que quer que seja alcançado na moda será inevitavelmente disseminado, pois a prevalência da moda é global, e como tal, pode despertar mentes criativas, modelar atitudes culturais e sugerir novos comportamentos em todo o mundo” (FLETCHER, 2011, p. 180). Entende-se, por essa diretriz teórica, que a moda, enquanto estrutura estruturada e estruturante, ao passo em que agrega um conceito de produção social (no sentido de produto de um projeto social), expande-se para outros ambientes.

Nesse ínterim apresentam-se, na sequência, alguns exemplos de projetos sociais bem-sucedidos que se integram ao campo da moda com o intuito de gerar trabalho e renda.

O Projeto ProModa é fruto de parceria entre designers e artesãos. Ele ocorre em Caxias do Sul, onde sempre foi percebida uma rica produção artesanal oriunda da influência da colonização italiana. O projeto é produto do esforço da

3 Projeto social é um plano ou um esforço solidário que tem como objetivo melhorar um ou mais aspectos de uma sociedade. Normalmente tem como propósito ajudar um grupo mais desfavorecido ou discriminado (sem abrigo, dependentes químicos etc.). Muitos projetos sociais são criados por organizações não governamentais (ONGs), a fim de mudar uma realidade existente. Essas iniciativas potencializam a cidadania e a consciência social dos indivíduos, envolvendo-os na construção de um futuro melhor (SIGNIFICADOS, 2015).

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Universidade de Caxias do Sul e dos artesãos da região. De Carli (2012) cita que muitas carências para o artesanato da serra gaúcha podem ser supridas com o envolvimento de projetos que permeiem conhecimentos de design de moda.

Desta forma, a universidade pode e deve ser a mediadora de encontros entre o fazer artesanal, com seus valores afetivos e emocionais tão desejados pelo consumidor atual, e a moda pelas novidades e pelo primor estético [...]. É necessário ainda lembrar que a relação com o artesão, em oficinas e cursos, não comporta imposições, é importante incentivar o clima de trocas de conhecimentos e respeito mútuo, reconhecendo os valores particulares no trabalho coletivo (DE CARLI, 2012, p. 95).

Em parceria com a Secretaria de Ciência, Inovação e Tecnologia do Estado do Rio Grande do Sul, o projeto caminha com sucesso desde 2010, tendo o objetivo principal de incluir o artesanato como valor agregado aliado a produtos de moda (conforme figura 1), por meio de oficinas com as integrantes. A capacitação teórica ocorre por meio de encontros que debatem os seguintes temas, de acordo com De Carli e Peretti (2013, p. 2): “identidade cultural da região; [...] aprimoramento estético; estado da arte do artesanato na moda e vice-versa; visita ao museu municipal para apreciação do artesanato dos imigrantes; empreendedorismo, trabalho em equipe, associativismo e cooperativismo”. A capacitação prática é feita, ainda segundo as autoras, abordando os seguintes temas: “pesquisa de tendência; [...] tema de coleção, materiais e cores [...]; estudo e aplicação das especialidades artesanais dos participantes; quadro de coleção; ficha técnica [...]; formação de custo e preço de venda; execução dos protótipos e apresentação em mostra ou desfile”. O projeto ainda conta com o apoio de profissionais do Sebrae e uma assistente social (DE CARLI; PERETTI, 2013).

Figura 1 – Produtos feitos em uma das oficinas do ProModa

Fonte: De Carli e Peretti (2013)

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Um dos principais objetivos do ProModa é valorizar o artesanato da região, o que converge para os escritos de Krucken (2009) acerca de design e território, em sua indicação de que os elementos da identidade local podem ser aplicados a produtos, resultando em sua valorização. Trata-se de uma mutação de comportamento que implica o reconhecimento da sociedade para preservação de suas características históricas, sua identidade local e tradições. Esse pensamento é útil no processo criativo do design de produtos, visto que considera o contexto cultural da região.

Os resultados do projeto não se aplicam apenas às integrantes capacitadas, mas se estendem a todos os envolvidos, como citam De Carli e Peretti (2013, p. 4):

A troca de conhecimentos e técnicas artesanais, a colaboração nos trabalhos e o espírito de equipe constituíram um aprendizado de valor humano. Para os designers o contato com o artesanato foi gratificante porque traduziu identidade; para as acadêmicas e professoras, a oficina mostrou as potencialidades criativas da união moda/artesanato. E, para as artesãs, o fortalecimento da autoconfiança e da autoestima foi o ápice da experiência. Os resultados das oficinas foram mostrados para o público, em desfiles, exposições e programas de televisão, essa visibilidade abriu portas para perspectiva econômica do artesanato.

Nesse mesmo aspecto, Fletcher (2011) ainda explica que o designer pode unir diferentes estilos culturais, tendo como resultado produtos que expressem a característica do artesanato e por outro lado se ajustem às necessidades do mercado-alvo. Entretanto, de acordo com o autor, devem ser levadas em conta as tradições da atividade do artesão e as limitações e exigências do mercado.

O resultado positivo atingido pelo ProModa adveio da iniciativa de parte das integrantes em formar uma associação intitulada Damas & Tramas. Por meio do Projeto ProModa, as integrantes perceberam a similaridade de suas vivências e expectativas profissionais, o que culminou no empoderamento delas. O surgimento da associação objetivou promover e disseminar, por meio do próprio trabalho, o artesanato da região, baseado em rendas, tramas e bordados, conhecimentos herdados dos imigrantes. Além disso, as integrantes da associação participaram de um curso de extensão chamado “Aprendendo a ensinar: artesanato como preservação e fonte de renda”, cujo objetivo é preparar as artesãs para serem professoras, disseminando o conhecimento adquirido (DE CARLI; PERETTI, 2013).

Em Santa Catarina, na cidade de Joinville, outro projeto, vinculado à Univille, possui objetivo muito similar ao ProModa: instruir artesãs para além do artesanato, com saberes do design. Intitulado SempreViva, o projeto de extensão da Univille, em parceria com a Secretaria de Assistência Social de Joinville,

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desenvolve-se desde 2007, ininterruptamente, até a presente data, tendo como objetivo capacitar as integrantes do grupo (cerca de 30 mulheres a cada ano) com saberes oriundos dos campos do design e da moda, visando à geração de renda. A metodologia do projeto promove o desenvolvimento de produtos (conforme figura 2) em oficinas práticas e teóricas, ministrando os seguintes temas: serigrafia, patchwork, modelagem, costura, projeto de produto, projeto de programação visual e administração. O grupo responsável por ministrar as aulas é formado por professores da graduação de Design (das diferentes linhas de formação: moda, projeto de produto e projeto de programação visual e, ainda, empreendedorismo). O projeto conta com a colaboração de estudantes bolsistas e profissionais da Secretaria de Assistência Social de Joinville. O SempreViva investe na qualificação profissional dessas mulheres e em sua inserção social, facilitada pela geração de renda e por ocupações produtivas (SEMPREVIVA, 2015).

Figura 2 – Produto desenvolvido nas oficinas SempreViva

Fonte: SempreViva, AmaViva (2015)

Após a capacitação, ao decorrer de um ano, as alunas são estimuladas a integrar um segundo projeto, intitulado AmaViva. Este caracteriza-se como a segunda fase do SempreViva, em que as mulheres podem exercer em grupo

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seus conhecimentos adquiridos (conforme figura 3) e capacitar-se de forma continuada. A produção acontece conforme a demanda do mercado e de acordo com os projetos de produto elaborados no ano anterior. Os materiais utilizados são em parte provenientes de doações por meio das parcerias estabelecidas. A estrutura para uso é cedida pela Univille (SEMPREFLOR, 2015).

Figura 3 – Grupo Amaviva em atividade

Fonte: SempreViva, AmaViva (2015)

Além dos resultados percebidos pelas artesãs, há também os resultados estendidos à universidade. Atualmente três projetos de mestrado da Univille abordam a metodologia e o impacto social e cultural do SempreViva e do AmaViva, um deles já finalizado e outros dois em processo.

O terceiro projeto aqui referenciado configura-se em projeto de extensão universitária denominado Moda em Produção. Ele tem como propósito capacitar mulheres em estado de vulnerabilidade social, situadas em Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul. O projeto ocorre em parceria entre a Universidade Feevale e a prefeitura da cidade. Está ativo desde 2008 e é mantido com a interdisciplinaridade dos cursos de Design, Design de Moda e Tecnologia e Psicologia. As oficinas ministradas buscam mixar técnicas de artesanato, costura e modelagem (adulto e infantil). Segundo Cezar (2010, p. 4), “o conteúdo das aulas rege os princípios de organização da produção, qualidade e empreendedorismo no segmento da confecção, sempre com o acompanhamento psicossocial durante sua realização”. Um dos resultados do projeto foi a iniciativa de um grupo de participantes de

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se associar ao Economia Solidária4 por intermédio da Incubadora de Tecnologia da Feevale, o que permite que as integrantes vendam seus produtos em feiras e eventos por meio da cooperativa. Além disso, as integrantes cadastraram-se para obter a carteirinha do artesão, que beneficia a venda, possibilitando a participação em feiras municipais, e dá direito a aposentadoria (CEZAR, 2010).

Fletcher (2011) diz que as necessidades locais são relevantes na hora de promover um produto de moda, pois estimulam a sustentabilidade, transformam a moda e a comunidade envolvida, além de fomentar a solidez econômica, a diversidade estética e cultural. Desenvolver o artesanato em produtos de moda vendáveis pode caracterizar uma necessidade local. Para Fletcher (2011, p. 146), o artesanato é “útil, prático e concreto, tem conexão visceral com os materiais e com a forma em que são moldados para exibição ou utilização”.

Cezar (2010, p. 7) explica que os acadêmicos envolvidos nesse projeto também são favorecidos, uma vez que há aprimoramento no sentido de vivenciarem experiências reais, por meio de contato direto com a comunidade, com a prefeitura e com diversos setores e profissionais da instituição. No mesmo sentido, encontra em Fletcher (2011, p. 162) o argumento de que o “papel do facilitador tende a enfatizar o processo, em detrimento do resultado, e redesenha as fronteiras do ego dos designers, por entender o sucesso como consequência do esforço coletivo, não de talento isolado”.

Figura 4 – Integrantes do Projeto Moda em Produção

Fonte: Cezar (2010)

4 Para obter mais informações sobre a Incubadora de Economia Solidária, acesse o site <http://www.feevale.br/institucional/institutos-academicos/instituto-deciencias-sociais-aplicadas-icsa/projetos-e-laboratorios/incubadora-de-economia-solidaria>.

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A moda em contexto sociocultural: um estudo de projetos sociais relacionados à moda

No estudo apresentado, a moda, em contexto de projeto social, propicia práticas não de “sujeitos”, mas de “agentes”:

[...] Os “sujeitos” são, de fato, agentes que atuam e que sabem, dotados de um senso prático [...], de um sistema adquirido de preferências, de princípios de visão e de divisão (o que comumente chamamos de gosto), de estruturas cognitivas duradouras (que são essencialmente produto da incorporação de estruturas objetivas) e de esquemas de ação que orientam a percepção da situação e a resposta adequada (BOURDIEU, 1996, p. 42).

As oficinas oferecidas pelos projetos apresentados neste artigo investem na capacitação de agentes de mudança social e cultural. Os integrantes dos diferentes grupos demonstram, após a capacitação, sua posição como agentes. Boa parte destes se posiciona em uma associação ou monta um negócio próprio, para geração de renda e melhoria da qualidade de vida. Os integrantes do ProModa, por exemplo, além do conhecimento adquirido, são estimulados a ser agentes disseminadores de informação e preservação do artesanato.

Considerações finais

O artigo apresentou um fragmento de pesquisa de Mestrado em Design. Abordou a moda em contextos socioculturais e verificou sua relação direta com a sociedade, indagando sobre a influência nela exercida e dela recebida. Analisou, brevemente, três projetos sociais que instituem a moda como espinha dorsal de seu desenvolvimento, considerando seu impacto direto nas integrantes dos projetos e o impacto indireto absorvido por todos os agentes envolvidos.

O objetivo desta reflexão foi analisar resultados dos projetos sociais expostos, considerando questões extraestéticas e tendo como escopo teórico as abordagens sociais.

Concluiu-se que a moda, enquanto produto social, afeta a estrutura em que interagem os agentes integrantes desse campo. O sistema da moda, produtor de signos, influencia a cultura e a sociedade e é influenciado por elas. O vestuário, entendido como expressão cultural, fruto de habitus instituídos, configura-se em modo de comunicação entre agentes e sociedade.

Os resultados dos projetos, descritos por meio das capacitações, evidenciam que com o conhecimento prévio (artesanato) e com o conhecimento adquirido (saberes do design e da moda) boa parte dos integrantes conquista autonomia e posição de agente social. Tais agentes desenvolvem seus conhecimentos valorizando as características locais, os saberes herdados e os saberes adquiridos na capacitação, reconhecendo o potencial cultural e social desse aspecto. A

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capacitação estende-se ainda a acadêmicos, profissionais da área da moda e professores, que percebem o impacto social e cultural favorecido pela moda.

Agradecimentos

Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e à Univille.

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Agentes produtivos e organizações no campo da moda: possíveis

práticas cooperativas

Productive agents and organizations in the fi eld of fashion: possible cooperative practices

SILVA, Jéssica de Almenau1

MORGENSTERN, Elenir Carmen2

Resumo: Este artigo confi gura-se como recorte de pesquisa de Mestrado, ainda em andamento, a qual examina possibilidades de cooperação entre indústria de moda e agentes integrantes de projetos sociais que visam à geração de trabalho e renda. O objetivo deste artigo é analisar, com base em conceitos-chave do método de Pierre Bourdieu, “campo” e “habitus”, práticas de cooperação entre produtores manuais, apoiados em saberes artesanais, e organizações do ramo da moda. O estudo, por intermédio da análise das práticas de duas marcas, Coopa-Roca e Ronaldo Fraga,

1 Mestranda no Programa de Mestrado Profi ssional em Design pela Universidade da Região de Joinville (Univille). E-mail: [email protected].

2 Doutora em Design pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), mestre em Educação nas Ciências pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí). Professora titular no curso de Design e no Mestrado Profi ssional em Design da Univille. É autora dos livros Arte, experiência e intersubjetividade (Editora Unijuí, 2004), Grito preso na garganta (Editora Unijuí, 1999) e Ressurgir (Editora Unijuí, 1992), além de coautora dos livros Ambientes virtuais de aprendizagem (Editora da UFSC, 2008), Linguagem, escrita e mundo (Editora Unijuí, 2000), Educação, saberes distintos, entendimento compartilhado (Editora Unijuí, 2000), Todo dia é dia especial (Editora Unijuí, 1998) e Porções de bem querer (Editora Unijuí, 1997). E-mail: [email protected].

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Agentes produtivos e organizações no campo da moda: possíveis práticas cooperativas

destacará aspectos relacionados ao campo da moda, averiguando o habitus instituído, bem como suas imbricações sociais, ambientais, econômicas e culturais. Palavras-chave: moda; artesanato; cooperação.

Abstract: This paper is part of a research still in process which aims a critical analysis of two key concepts of the Pierre Bourdieu method: the field and the habitus, analyzing the cooperation practices already existing in the market between the productive agents of the handcraft field and the organizations in the fashion field. The study will focus in the investigation of relevant aspects of these fields as well as their habitus, social, environmental, economics and cultural relations. Finally, the two brands, Coopa-Roca and Ronaldo Fraga, will be analized in order to obtain data which will stimulate cooperative and sustainable practices.Keywords: fashion, handcraft, cooperation.

Introdução

Este artigo apresenta parte da investigação de Mestrado Profissional em Design intitulada “Indústria de moda e projetos sociais: possíveis práticas de cooperação”. A pesquisa objetiva desenvolver um processo de cooperação entre a indústria de moda Dente d’Leão e o projeto social AmaViva/Extensão Univille que considere questões econômicas, sociais, culturais e ambientais.

É importante evidenciar que a pesquisa, ancorada na abordagem social do conhecimento, aplicará o método de Pierre Bourdieu3 como base do estudo. Assim, propõe-se uma análise das práticas cooperativas, no ramo da moda, com base em dois conceitos-chave do método de Bourdieu: o campo e o habitus. A investigação avaliará e definirá possíveis práticas cooperativas entre indústria de moda e projeto social, as quais visam à geração de trabalho e renda, focalizando em estratégias de design e saberes artesanais, ambos orientados para a sustentabilidade e a valorização cultural e social.

O objetivo central deste artigo é identificar e compreender experiências, ou seja, processos, ferramentas e diretrizes já aplicados com resultados positivos. Para tanto, será realizada uma análise de práticas de cooperação entre agentes

3 Segundo Setton (2008, p. 120), Pierre Bourdieu é considerado um dos maiores sociólogos de língua francesa das últimas décadas e um dos mais importantes pensadores do século XX. Sua produção intelectual, desde a década de 1960, vem se destacando no cenário acadêmico, pois se estende por uma grande variedade de objetos e temas de pesquisa – educação, cultura, moda, artes, gênero, entre outros.

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SILVA, Jéssica de Almenau | MORGENSTERN, Elenir Carmen

produtivos ligados a projetos sociais e organizações industriais – experiências da Coopa-Roca e Ronaldo Fraga –, levando em consideração o campo no qual esse cenário acontece e o habitus instituído entre os agentes que se relacionam em tal processo.

Teoria na prática

Partindo do ponto de vista de que a prática é a comprovação de todo o estudo científico, seria insustentável deixá-la de lado ao projetar um estudo com base social aplicada. Assim, o método de Bourdieu torna-se o pilar de toda a construção de conhecimento aqui expresso, por tratar-se de processo que consiste não apenas na reunião de escopos e pensamentos preexistentes, mas na análise e aplicação da teoria, para que, a partir desse ponto, se construa de fato algum conhecimento.

Para Bourdieu (2013), muitas vezes a prática é considerada negativa se confrontada à lógica do pensamento do discurso (razão). Em contrapartida, para que o desenvolvimento de uma razão tenha valor científico é preciso valer-se de argumentos, demonstrações e refutações, ou seja, não há como estudar o campo de produção cultural deixando de lado a ação. Se a prática não for considerada em uma investigação científica, o estudo ainda é prisioneiro de uma ilusão escolástica que acredita que apenas a lógica faz o discurso valer cientificamente (BOURDIEU, 2011).

Segundo Setton (2008), Bourdieu defende a ciência social reflexiva e propõe colocar questões sobre diversos olhares científicos, visando à quebra de doutrinas e paradigmas, para que se consiga esmiuçar e desvendar o objeto em estudo. Denominada “estruturalismo genético” ou “construtivista”, a aplicação desse conceito origina a necessidade de utilizar autores com olhares distintos e de diferentes campos de estudo, para que se desdobre uma visão panorâmica do assunto. Particularmente, para esta pesquisa, serão destacados autores dos ramos de economia, sociologia, filosofia, entre outros.

Bourdieu propõe também a abordagem dos sistemas simbólicos (linguagens e representações), os quais sugerem uma análise das práticas de grupos sociais com base em conceitos-chave como campo e habitus. Ambos os conceitos podem ser avaliados isoladamente, mas influenciam-se mutuamente. Segundo Cherques (2006, p. 32), para seguir os passos do processo investigatório de Bourdieu é essencial compreendê-los tanto separadamente quanto na forma como se articulam.

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Agentes produtivos e organizações no campo da moda: possíveis práticas cooperativas

Campo

O primeiro conceito-chave de Bourdieu a ser abordado, antes da aplicação da teoria na prática, é a noção de campo. Segundo o autor, “a ciência social não deve construir classes, mas sim espaços sociais no interior dos quais as classes possam ser recortadas” (2011, p. 49). Ele enfatiza que a esfera econômica apenas é um exemplo de campo.

Os campos são resultados de processos de diferenciação social, da forma de ser e do conhecimento do mundo e o que dá suporte são as relações de força entre os agentes (indivíduos e grupos) e as instituições que lutam pela hegemonia, isto é, o monopólio da autoridade, que concede o poder de ditar as regras e de repartir o capital específico de cada campo (BOURDIEU apud ARAÚJO; ALVES; CRUZ, 2009, p. 36).

Logo, entende-se que o campo é um espaço social em que se produz uma lógica própria e se fomenta uma relação entre agentes e grupos sociais. Cada campo possui propriedades que lhe são particulares. Para Cherques (2006, p. 36), “os campos possuem propriedades que lhes são particulares, existindo os mais variados tipos, como o campo da moda, o da religião, o da política, o da literatura, o das artes e o da ciência”. Ele também afirma que “todo campo se caracteriza por agentes dotados de um mesmo habitus”.

Esses fragmentos do discurso de Cherques elucidam o pensamento de Pierre Bourdieu (2011): na mesma medida em que o estado tem a capacidade de regular diferentes campos, a apreensão relacional cria grupos de agentes que compartilham gostos e comportamentos semelhantes.

Assim, todas as sociedades se apresentam como um espaço social (campo), porém nada permite supor que o campo é imutável; pelo contrário, as mudanças ocorrem por meio de diversas influências exercidas sobre a sociedade ao longo dos anos. Esse é apenas um exemplo de campo. Podem-se destacar diversos outros, como os campos religioso, político, artístico, literário, da moda, entre outros (BOURDIEU, 2011).

Este artigo dedica-se a averiguar processos cooperativos entre indústrias têxteis e projetos sociais constituídos por grupos femininos que visam à geração de trabalho e renda. Assim, os próximos desdobramentos teóricos dedicar-se-ão à compreensão do campo da moda e do artesanato, tendo como pano de fundo a sustentabilidade, base recorrente de fomento a essa prática social.

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O campo da moda

Diversas áreas de estudo dedicam-se a compreender o fenômeno da moda e sua indústria. Isso ocorre por se tratar de uma área multidisciplinar com pluralidades e relevância econômica e cultural. A vestimenta sempre esteve presente na vida do ser humano e evoluiu com ele. A indústria de vestuário, que é movimentada pelo fenômeno da moda, é uma das atividades fabris mais antigas da humanidade, e suas tecnologias, processos e métodos produtivos são bastante conhecidos. Normalmente as primeiras atividades industriais instaladas em um país são referentes a esse setor e têm sido absorvedoras de mão de obra (FEGHALI; DWYER, 2001).

A atividade têxtil, inicialmente, era prática exclusiva dos artesãos, que com ferramentas e habilidades de conhecimentos únicos, muitas vezes passadas de pai para filho, confeccionavam peças de vestimenta criadas e produzidas por eles próprios. Não existia reprodução de peças em escala, logo esses ateliês foram uma das primeiras atividades afetadas pela Revolução Industrial, iniciada em meados do século XVIII na Inglaterra, quando a mão de obra artesanal passou a ser deixada de lado, pois, por conta da invenção da máquina a vapor, mecanizou-se a maioria dos processos têxteis (KUBRUSLY; IMBROISI, 2011).

A partir desse ponto da história da sociedade, a moda tornou-se explícita e industrializada como é conhecida hoje, pois foi por meio dessa revolução que se conseguiu a reprodução dos produtos têxteis. Segundo Faccioni (2011, p. 79),

com a invenção das máquinas de costura, da fotografia, da lâmpada elétrica, do telefone e do rádio, o mundo se modernizou, e a Inglaterra passou a ser o centro das atividades industriais. As grandes cidades da época receberam as primeiras lojas de departamentos, vendendo produtos fabricados em série.

Com tantas invenções e descobertas, consolidou-se no século XX uma transformação sociocultural que conduziu a uma nova forma de pensar a indústria da moda, a qual atualmente, segundo Berlim (2012, p. 26), “[...] é um dos três setores mais importantes da economia mundial”.

Percebe-se que com a evolução da indústria têxtil a moda passou a englobar vários segmentos, entre eles a produção de fibras, a fiação, a tecelagem ou malharia, a tinturaria, o beneficiamento e a confecção. Também abrange os setores agroindustrial, químico e de bens de capital, responsáveis pelo fornecimento de matérias químicas e equipamentos (FEGHALI; DWYER, 2001, p. 30).

Para melhor entendimento desse modelo industrial, a figura 1 exemplifica em forma de fluxograma a cadeia têxtil em todas as suas etapas.

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Agentes produtivos e organizações no campo da moda: possíveis práticas cooperativas

Figura 1 – Fluxograma simplificado da cadeia têxtil

Fonte: Adaptado de Feghali e Dwyer (2001, p. 32 e 33)

O fluxograma comprova a multidisciplinaridade existente na indústria têxtil, contudo, mesmo que tal cadeia seja tão abrangente, ela pode ser considerada de fácil entendimento quando comparada ao fenômeno que a movimenta, denominado moda.

A moda está além da peça física que encontramos exposta em lojas; ela envolve fatos imateriais, contextos culturais e sociais e, acima de tudo, a identidade e necessidade do ser humano. Segundo Bourdieu (2011), a moda possui um elevado rendimento simbólico de sociação ou dissociação, em virtude de sua intrínseca relação entre a linguagem e a cultura. Esse paradoxo é o resultado da busca da individualização e ao mesmo tempo da imitação por meio do vestuário.

Tal imitação muitas vezes ocorre por meio da relação entre tendência e moda, que Berlim (2012) define como “uma relação de retroalimentação: a moda tanto expressa tendências quanto as gera”. Ou seja, a tendência de moda muitas vezes é criada não com o intuito de valorizar a cultura ou a identidade de um certo campo, mas como forma de programar a obsolescência de um produto. Ocorre que o sistema da moda tem como principal objetivo o lucro, mesmo que o conceito de sustentabilidade, aplicado ao vestuário, esteja em ascensão.

O mercado tem mostrado uma mudança de comportamento do consumidor, que está cada vez mais preocupado com as questões éticas e sociais; logo, é necessário manter-se atento às novas demandas mercadológicas (SCHULTE; LOPES, 2013). A relação do consumidor com os produtos ofertados a ele está evoluindo rapidamente, definindo aspectos relevantes para a aquisição ou rejeição desses artefatos. O respeito à natureza, a composição

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dos materiais, o posicionamento ético e a postura ecológica, em alinhamento com os anseios da humanidade, tornam-se pontos efetivos para que se agregue valor a um produto e este seja preferência aos consumidores movidos pela inteligência coletiva (FACCIONI, 2011).

Sustentabilidade na moda

A sustentabilidade tem sido um tema de discussão de longa data, pois possui diferentes dimensões e sua aplicação pode estar relacionada a áreas distintas, inclusive na indústria da moda. Para compreender essa relação, é preciso esclarecer o conceito de sustentabilidade.

Segundo Cabrera (2009), em 1987 Gro Brundtland, presidente de uma comissão da Organização das Nações Unidas (ONU), apresentou pela primeira vez o termo sustentabilidade, ao qual ela definiu do seguinte modo: “Desenvolvimento sustentável significa suprir as necessidades do presente sem afetar a habilidade das gerações futuras de suprirem as próprias necessidades”. Assim, a proposta não era só salvar a Terra, cuidando da ecologia, e muito menos interromper o crescimento econômico, mas suprir todas as necessidades de gerações sem esgotar o planeta.

Desde então, assuntos pertinentes ao meio ambiente passaram a ser vinculados à sustentabilidade, que tem como regra básica ser economicamente viável, socialmente justa, culturalmente aceita e ecologicamente correta. Logo, tal conceito ganha, a cada dia que passa, maior destaque nos meios empresariais, governamentais, acadêmicos e na sociedade de maneira geral.

Preservar o meio ambiente tornou-se essencial nas organizações, visto que a sustentabilidade está se difundindo ligeiramente, o que faz empresas, meios de comunicação de massa e organizações da sociedade incorporar um novo estilo de vida e consumo. É preciso agir de forma correta com o planeta em que se vive para que ele se torne sustentável. Segundo Fialho et al. (2008, p. 90), “uma organização cujo processo produtivo é reflexo de uma cultura voltada para a questão do desenvolvimento sustentável se preocupa em assegurar a continuidade da vida para todos, não só a curto prazo, mas levando em conta gerações futuras”.

O conceito de sustentabilidade aplicado aos setores da moda e produção têxtil também tem sido focalizado por inúmeros pesquisadores da área. Conforme Berlim (2012), a sustentabilidade relacionada com a moda surgiu na década de 1960, visto que obedeceu a uma tendência mundial para o desenvolvimento de materiais ecológicos. Nessa mesma época, no Brasil, as preocupações ambientais referentes ao impacto causado pela indústria têxtil começaram a surgir.

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Agentes produtivos e organizações no campo da moda: possíveis práticas cooperativas

Apesar de o termo sustentabilidade já fazer parte da sociedade contemporânea, a indústria da moda ainda é facilmente associada à sustentabilidade por meio de ações ambientais. Por mais que elas tenham valor, pode-se ir além disso, pois a moda é responsável por algumas questões sociais insustentáveis, que devem ser percebidas e ponderadas (BERLIM, 2012).

De acordo com a mesma autora, as pesquisas atuais abrangem não apenas os aspectos ambientais dos produtos, como todas as questões sociais, econômicas, políticas e culturais, analisando todo o processo da cadeia têxtil, até o consumo e descarte desses produtos.

Nota-se que a sustentabilidade na moda está além de produções limpas e produtos ecológicos. A moda é um fenômeno disseminador de ideias e possui um papel importante na valorização cultural e social.

O artesanato

Para Lody (2013), pode-se definir o artesanato como uma técnica manual que utiliza ferramentas e/ou objetos adaptados como ferramentas para transformar diferentes matérias-primas em produtos, apropriando-se do conjunto de conhecimentos tradicionais, étnicos e técnicos para a criação de objetos. Muitas técnicas são ancestrais, e outras se adaptam a novas necessidades. Assim, o artesanato permeia a memória cultural e a ação autoral individual, considerando também a transformação social em sua prática.

O artesanato, tal qual a moda, sofreu transformações com a Revolução Industrial, principalmente com a substituição da produção manual pela mecanizada. “A partir daí, a função do artesanato começou a se modificar, aproximando-se daquela que possui nos dias de hoje: passou de único meio de fabricação para uma forma alternativa de produção” (KUBRUSLY; IMBROISI, 2011, p. 11).

O artesanato, historicamente, faz parte do repertório de símbolos de uma sociedade e possui um significativo papel cultural para ela. Segundo Lody (2013, p. 13),

a relação entre criador e criação – artesão e objeto – implica um conhecer que fundamentalmente está na técnica, aliada à função, que é o desempenho sociocultural do objeto, penetrando o que há de útil e simbólico ao mesmo tempo. Tem ainda ele, objeto, a suficiência de traduzir em material e forma as marcas do meio ambiente, da região – sua ecologia.

Essa valorização simbólica do artesanato esteve no foco de criadores e estudiosos em diversas épocas e de diferentes maneiras. Um exemplo da

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preocupação da valorização do artesanato foi o movimento Arts & Crafts, na Inglaterra, o qual defendia o artesanato em oposição à produção mecanizada em série e às condições de trabalho dos operários. A Bauhaus, escola de design fundada em 1919 na Alemanha, também é um exemplo desse contraponto industrial, pois ela foi estabelecida com o intuito de criar uma nova guilda de artesãos capazes de produzir artefatos que fossem, ao mesmo tempo, artísticos e comerciais. Ou seja, a escola ergueu-se em contraponto a produtos sem identidade cultural e artística (KUBRUSLY; IMBROISI, 2011).

Atualmente, percebe-se o retorno do artesanato nos meios industriais, o que evidencia a mudança da sensibilidade contemporânea, que se apropria do artesanato de forma sustentável para expressar uma nova revolta contra a religião abstrata do progresso (LODY, 2013). Assim, o artesanato sustentável tem como intuito a valorização cultural, visto que, diante de uma sociedade globalizada e de intensa competitividade, os produtos confeccionados industrialmente perderam traços de identidade cultural.

Segundo Barroso Neto (2014), o artesanato para o Brasil serve como uma estratégia de diferenciação, pois dificilmente o país conseguirá competir na base do preço. Assim, investir em aspectos mais singulares de um produto configura-se em possibilidade de distinção.

[...] o artesanato passou a ser repentinamente valorizado, pois nele ainda residem os traços culturais mais característicos de sua região de origem. São estes diferenciais culturais a grande força competitiva dos países menos desenvolvidos. Além deste aspecto estratégico do ponto de vista econômico, cabe ainda lembrar a capacidade de o artesanato ocupar expressivo contingente de mão-de-obra pouco qualificada, que foi marginalizada no mercado de trabalho por forças das mudanças tecnológicas, destacando-se assim a sua função social que empresta dignidade a quem produz (BARROSO NETO, 2014, p. 6).

Verifica-se que o artesanato, nesse sentido, além de preservar aspectos culturais também se apresenta como inovação social, organizando empreendimentos criativos e competitivos. Esses empreendimentos organizados por projetos sociais fomentam novos modelos de atividades locais, por se tratar de uma inovação social que, segundo Manzini (2008, p. 61), se refere “[...] a mudanças no modo como indivíduos ou comunidades agem para resolver seus problemas ou criar novas oportunidades”.

Evidencia-se que o artesanato, por si só, pode ser considerado sustentável cultural e economicamente, quando, além de preservar características culturais de um local, também gera a inserção de indivíduos de mão de obra pouco qualificada no mercado de trabalho.

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Agentes produtivos e organizações no campo da moda: possíveis práticas cooperativas

Habitus

Da mesma forma que o campo está ligado à sociedade, o habitus está conectado às práticas individuais ou coletivas. Contudo esses dois conceitos possuem uma relação de interdependência, e ao abordar um campo é indispensável refletir também sobre seus habitus.

Levando em consideração tal ligação, Bourdieu (1983, p. 82) afirma que “as diferentes posições no espaço social correspondem a estilos de vida, sistemas de desvios diferenciais que são a retradução simbólica de diferenças objetivamente inscritas nas condições de existência”. Logo, esses campos distintos induzem a diferentes estilos de vida que, consequentemente, influenciarão pensamentos, percepções, expressões e ações de seus agentes.

Segundo Bourdieu (2013), o habitus é produto das condições sociais de toda relação do passado, mas ao mesmo tempo sofre influências e é construído continuamente no presente imediato. O habitus não deve ser considerado imutável, pois ele é constantemente moldado por novas experiências.

Apesar de esse conceito ser resultado da obediência a algumas regras e ser coletivamente orquestrado, ele não possui a ação organizadora de um maestro, podendo fluir e ser construído continuamente. Com base em Bourdieu, Setton (2002, p. 64) afiança que o “habitus é um instrumento conceptual que auxilia a apreender uma certa homogeneidade nas disposições, nos gostos e preferências de grupos e\ou indivíduos produtos de uma mesma trajetória social”.

Dessa forma, o habitus está inteiramente ligado à cultura e à sociedade. Ele orienta a conduta de um sujeito ou grupo, ou seja, é um princípio gerador e organizador de práticas e representações. Esse conceito de Bourdieu não é responsável pela construção de regras, mas trata de regularidades construídas em um campo e serve de base para a delimitação de previsões de macrotendências comportamentais (BOURDIEU, 2013).

Cultura e sociedade A cultura só existe por conta dos sistemas simbólicos que são construídos

por linguagens/significantes e representações/significados. Ela tem relação com todo tipo de comportamento, prática ou rotina de um indivíduo ou grupo, quer dizer, o modo de ser e fazer dos agrupamentos humanos – alimentação, vestuário, mobiliário, lazer, hobby, entre outros (BOURDIEU, 2013).

Com base na teoria de Bourdieu, Cherques (2006) define o capital cultural como os conhecimentos, as habilidades e as informações transmitidos pelo campo em que o agente ou grupo está inserido. Em outras palavras, é o

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habitus pertencente a esse meio. Já o capital social se refere aos relacionamentos e rede de contatos destes.

A moda como sinônimo de comportamento e o artesanato como sinônimo de representação estão intrinsecamente ligados à cultura de uma sociedade quando desvinculados das influências da globalização, que por sua vez acarreta a monocultura e a homogeneidade de gostos e estilos, destruindo a pluralidade cultural e a heterogeneidade de um indivíduo ou grupo, sem respeitar as particularidades de um determinado local.

Nesses termos, a responsabilidade sociocultural de um produto de moda ou produto artesanal recai sobre o seu criador ao projetá-lo, visto que este deve atentar para aspectos sociais e culturais, promovendo a diversidade local e a solidez econômica do ambiente no qual está inserido.

Análise das práticas de cooperação

A intenção principal desta reflexão é analisar práticas de cooperação entre agentes produtivos do campo do artesanato e organizações no ramo da moda. Para tal, foram seleciodas duas marcas brasileiras – Coopa-Roca e Ronaldo Fraga –, a fim de identificar processos, ferramentas e diretrizes que já foram realizadas e bem-sucedidas nessas indústrias.

Coopa-Roca

A primeira marca analisada será a Coopa-Roca – Cooperativa de Trabalho Artesanal e de Costura da Rocinha Ltda. –, idealizada e posteriormente fundada em 1982 por Maria Tereza Leal, socióloga e arte-educadora. Trata-se de uma cooperativa de mulheres moradoras da comunidade da Rocinha, Rio de Janeiro, que produzem peças artesanais com foco no mercado da moda e do design (COOPA-ROCA, 2015).

A cooperativa originou-se de uma experiência de reciclagem com crianças da Rocinha, atividade pela qual a própria fundadora foi responsável. Ao perceber os trabalhos que as crianças traziam feitos pelas mães, ela se surpreendeu com a qualidade das peças e principalmente dos fuxicos. Foi então que surgiu a ideia de montar a Coopa-Roca, e assim se deu início ao embrião do que é a cooperativa hoje (SANTANA apud BERLIM, 2012).

A figura 2 representa a produção fotográfica realizada para a revista Vogue americana de 2003, em que Murillo Meirelles apresenta as artesãs e Maria Tereza Leal com suas produções na entrada da sede da Coopa-Roca, na Rocinha, Rio de Janeiro.

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Figura 24 – Coopa-Roca (Vogue)

Fonte: Coopa-Roca (2015)

Maria Tereza, também conhecida por Tetê, é denominada hoje como “Fada da Rocinha”, pois segundo Berlim (2012, p. 107) ela é

uma fada com os valores que todas as fadas têm: justiça, bondade, bom senso e uma varinha chamada “DDD” – desejo, determinação e disciplina. Foram esses princípios, associados a sua sólida formação, que fizeram com que a nossa Tetê fosse reconhecida no mundo como uma ativista que se antecipou às questões da sustentabilidade antes mesmo do conceito ser edificado.

O primeiro contato que teve com o campo da moda só se deu em 1994, quando começou a participar de desfiles. A partir desse ano a visibilidade da Coopa-Roca aumentou, por conta dos jornalistas e de novas parcerias, porém somente em 2000 a instituição conseguiu se tornar uma cooperativa e sistematizar sua produção (SEIXAS, 2011). A figura 3 ilustra uma das peças produzidas para o desfile da cooperativa em 1994. A peça foi elaborada com retalhos, e a fotografia foi veiculada na revista Elle Brasil.

4 Esta figura retrata a fachada da Cooperativa Coopa-Roca. A imagem foi coletada no Facebook da marca, e sua utilização neste artigo acadêmico tem o intuito de ilustrar as atividades exercidas pela cooperativa.

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Figura 35 – Fotografia veiculada na Elle (1994)

Fonte: Coopa-Roca (2015)

As figuras 4 e 5 mostram peças confeccionadas em parceria com grandes marcas da moda: Osklen e Lacoste.

Figura 46 – Peça confeccionada em parceria com a Osklen

Fonte: Coopa-Roca (2015)

5 Fotografia veiculada na revista Elle em 1994, coletada no Facebook da Coopa-Roca. A utilização de tal imagem neste artigo acadêmico visa ilustrar as atividades exercidas pela cooperativa.

6 Fotografia do desfile da Osklen em parceria com a Coopa-Roca, coletada no Facebook da Coopa-Roca. O uso de tal imagem neste artigo acadêmico visa ilustrar as atividades exercidas pela cooperativa.

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Figura 57 – Peças confeccionadas em parceria com a Lacoste

Fonte: Coopa-Roca (2015)

Atualmente, com aproximadamente cem artesãs, a cooperativa desenvolve produtos de moda com técnicas como fuxico, patchwork8, bordado, nozinho, crochê, tricô, tingimentos e estampas artesanais como pinturas, batique9 e tai dai10. Muitas de suas técnicas utilizam materiais reciclados e sobras de tecido doadas por empresas de confecção (BERLIM, 2012). A Coopa-Roca respeita o tempo biológico da Terra e contribui para o desenvolvimento sustentável da indústria têxtil.

Além do seu lado ambiental, a cooperativa também possui um lado social, pois proporciona melhorias na qualidade de vida para suas artesãs e famílias, visto que, além de ajudar na qualificação e no crescimento profissional, também possibilita o aumento da renda familiar. Um grande benefício de participar da cooperativa é que as mulheres podem trabalhar em casa. Como muitas delas possuem filhos em idade não escolar, essa é uma possibilidade de maiores vínculos familiares afetivos (COOPA-ROCA, 2015).

7 Fotografia de peças produzidas pela Lacoste em parceria com a Coopa-Roca, coletada no Facebook da Coopa-Roca. A utilização de tal imagem neste artigo acadêmico visa ilustrar as atividades exercidas pela cooperativa.

8 Técnica de unir retalhos, em que se emprega reciclagem de tecidos lisos, estampados, de diferentes cores e texturas, para construir outro tecido (LODY, 2013, p. 289).

9 Técnica de impressão sobre tecido com uso de cera e pigmento. As técnicas que utilizam vários pigmentos também costumam ser chamadas de reserva, porque tingem algumas partes e reservam outras que vão ficar na cor do tecido original e que depois podem ser preenchidas com outra cor (LODY, 2013, p. 90).

10 Técnica de tingimento inspirada nas estampas indianas e nos ideogramas japoneses. Caracteriza-se por fazer manchas no tecido para formar estampas por meio de superposição de cores (LODY, 2013, p. 345).

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Com um enfoque profissional que valoriza a produção artesanal apoiada no aperfeiçoamento constante das cooperadas, a Coopa-Roca tem por visão ampliar o impacto social de sua experiência na Rocinha, tornando-se uma referência nacional no processo de inserção social das comunidades de baixa renda (COOPA-ROCA, 2015).

Dessa forma, sua visão não se faz distante de ser atingida, pois trabalhos desenvolvidos com a Osklen e parceiros como o estilista Carlos Miele abriram portas para que hoje a cooperativa atuasse juntamente com marcas como Lacoste e nomes como Paul Smith, Ann Taylor, Lacroix e outros, além de possuir atualmente sua própria marca. “No último ano (2011) a cooperativa participou de três importantes eventos internacionais, sendo um na Itália e dois nos Estados Unidos” (BERLIM, 2012, p. 107).

Segundo a mesma autora, em março de 2012 a Coopa-Roca inaugurou sua primeira loja, localizada no Rio de Janeiro, no Shopping São Conrado Fashion Mall, a qual visa ampliar a visibilidade da marca no país e gerar aumento do consumo local de seus produtos (BERLIM, 2012). A seguir estão fotos dos produtos e da loja da Coopa-Roca.

Figura 611 – Loja Coopa-Roca

Fonte: Coopa-Roca (2015)

11 Fotografia da loja da Coopa-Roca no Shopping São Conrado Fashion Mall, coletada no Facebook da marca. O uso de tal imagem neste artigo acadêmico tem a intenção de ilustrar as atividades exercidas pela cooperativa.

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Figura 712 – Vestuário feminino

Fonte: Coopa-Roca (2015)

Figura 8 – Acessórios

Fonte: Coopa-Roca (2015)

12 As figuras 7, 8 e 9 mostram peças comercializadas na loja da Coopa-Roca no Shopping São Conrado Fashion Mall. Elas foram coletadas no Facebook da marca, e sua utilização neste artigo acadêmico busca ilustrar as atividades exercidas pela cooperativa.

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Figura 9 – Almofadas

Fonte: Coopa-Roca (2015)

Destaca-se que a marca Coopa-Roca, além de resgatar a cultura local das bordadeiras, também possui o papel de integrar socialmente tais mulheres, que são respeitadas e tratadas como trabalhadoras e remuneradas de forma justa. Alguns trabalhos realizados com sobras de tecidos doadas por outras indústrias também demonstram a responsabilidade ambiental da cooperativa.

Ronaldo Fraga

A marca Ronaldo Fraga, que possui o nome de seu fundador, é hoje um dos mais importantes referenciais no campo da moda nacional. Esse estilista participa da maior semana de moda do Brasil, o São Paulo Fashion Week, e é conhecido por transparecer a cultura brasileira em suas coleções, que já tiveram temas como: o universo da obra de Carlos Drummond de Andrade, o sertão de Guimarães Rosa, a cerâmica das bonecas do Jequitinhonha e o legado da cantora Nara Leão (BERLIM, 2012).

Fraga sempre traz em suas coleções problemas que afligem a realidade brasileira. Em seu desfile mais recente o estilista abordou o tema “Sereias”, por meio do qual fez uma crítica contra os padrões estéticos impostos pela sociedade. Ronaldo também já empregou temas polêmicos como o abandono de crianças e idosos, evidenciado na coleção “Tudo é risco de giz”, do inverno de 2009, e a transposição do Rio São Francisco, situação exposta na coleção do verão do mesmo ano. A figura 10 refere-se a peças apresentadas no desfile com o tema “Sereias”:

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Figura 1013 – Desfile “Sereias”

Fonte: FFW (2015)

A diversidade cultural, o artesanato local gerador de renda para comunidades e o resgate artístico nacional são valores embutidos nas peças produzidas por Ronaldo Fraga (BERLIM, 2012). Em entrevista para a revista Brasil Feito a Mão (MOREIRA, 2011), Ronaldo Fraga explica que o artesanato passou a ser característica de seu trabalho, algumas vezes de modo mais explícito, outras de forma mais implícita, porém esse ofício entrou em suas coleções para não sair mais. O bordado e o feito à mão sempre se fazem presentes em suas produções. A prática de embutir o valor artesanal em seu produto já se tornou rotineira no desenvolvimento de seu ofício. Da mesma forma que ele escolhe uma estampa ou tecido para a coleção, ele também define os tipos de bordados manuais ou técnicas artesanais que vai utilizar (MOREIRA, 2011).

Nessa mesma entrevista, Ronaldo ressalta que uma das maiores dificuldades para incorporar a prática do artesanato em seu trabalho e garantir a continuidade de geração de renda e preservação da atividade dos artesãos é a logística desses produtos. Ele afirma que em diversos momentos foi impossibilitado de dar continuidade à parceria entre a marca Ronaldo Fraga e os

13 Fotografia de peças da marca Ronaldo Fraga apresentadas no desfile da edição verão 2016 do São Paulo Fashion Week (SPFW), com a temática “Sereias”. A imagem foi coletada no site Fashion Forward no ano de 2015 e sua utilização neste artigo acadêmico tem o intuito de ilustrar as peças produzidas pela marca.

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grupos de artesãs, pois não conseguiu contatá-las, ou mesmo por conta do custo elevado para enviar a encomenda. Para tentar suprir esses problemas, todas as peças produzidas atualmente têm uma etiqueta com o nome da bordadeira ou do artesão, em que comunidade foi feita a peça e/ou seu contato, a fim de facilitar sua rastreabilidade para outras indústrias interessadas (MOREIRA, 2011).

Percebe-se que Ronaldo Fraga consegue embutir o conceito de sustentabilidade em seus produtos, valorizando questões culturais por meio do resgate de técnicas artesanais e transmissão da identidade brasileira em seus produtos, assim como a valorização social e econômica, por conseguir gerar renda a esses grupos de artesãos e sua inserção no mercado industrial.

Considerações finais

Este artigo objetivou tratar de práticas de cooperação existentes entre agentes produtivos e organizações no campo da moda. Esta análise, apoiada nos conceitos-chave de Bourdieu (habitus e campo), foi realizada com base em duas experiências brasileiras: Coopa-Roca e Ronaldo Fraga.

Em primeira instância se analisaram os campos em que tais marcas estão inseridas: o da moda e o do artesanato. Evidenciou-se que ambos os campos estão saturados, pela massificação de gostos e estilos, fruto do habitus instituído socialmente, e carecem de investimentos em possibilidades sustentáveis para desenvolver artefatos que identifiquem a cultura do grupo produtor.

Marcas como Coopa-Roca e Ronaldo Fraga, avaliadas neste artigo, representam exemplos a serem analisados e, em parte, replicados, visto que atribuem valor sustentável ao produto que comercializam e evidenciam a identidade cultural dos agentes produtores. Esses dois exemplos destacam que a responsabilidade sociocultural e ambiental, além de necessária, se configura em tendência em expansão.

Por fim, destaca-se a relevância de práticas cooperativas entre o campo da moda e o do artesanato, pois podem congregar, em suas produções, a valorização cultural, ambiental e social e evidenciar que sem conscientização e sem mudança de hábitos, não somente no setor têxtil, mas em diferentes áreas, o futuro se torna insustentável.

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Perspectivas acadêmicas para o ensino do design de moda

Academic perspectives for teaching fashion design

KORNER, Edson1

Resumo: Para a profi ssionalização do designer de moda é fundamental acompanhar o contexto social e econômico em que os consumidores estão imersos. Com a implementação de cursos de Design de nível superior, o desafi o para o ensino é formar um profi ssional com as competências demandadas pelo mundo do trabalho, desenvolvendo nesse aluno uma forma de pensar e atuar condizente com o cenário atual. Portanto, interessa a este artigo investigar os fatores que impulsionam o ensino do design de moda na atualidade e, com base nisso, obter uma nova perspectiva quanto à formação acadêmica do futuro profi ssional. Trata-se de uma pesquisa de caráter bibliográfi co, realizada nas principais publicações na área de estudo.Palavras-chave: design de moda; educação; profi ssionalização.

Abstract: For the professionalization of the fashion designer it is essential to monitor the social and economic context in which consumers are emerged. With the implementation of the top-level design course, the challenge for education is to train professionals with the skills demanded by the labor market, developing this student a way of thinking and acting in keeping with the current scenario. So in the interest of this article to investigate the factors that drive teaching fashion design at the present time and , from there , get a new perspective on the academic background of this professional future.Keywords: fashion design; education; professionalization.

1 Mestrando no Programa de Mestrado Profi ssional em Design pela Universidade da Região de Joinville (Univille). E-mail: [email protected].

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KORNER, Edson

Introdução

Moda, design e ensino: compreende-se aqui um tripé para o desenvolvimento da indústria do vestuário. Segundo Dulci (2013), a moda, como uma manifestação cultural cujo início no Ocidente ocorreu no século XIV, é um fenômeno social que expressa valores políticos, morais, culturais – por meio de usos, hábitos e costumes – e encontra no vestuário um conjunto de elementos que a compõem. Transformou-se em um sistema mais complexo no século XIX, e sua representação pode ser vista na arquitetura, no mobiliário, nos adereços decorativos, na música, na dança, nas artes plásticas, na linguagem, no cinema, na fotografi a, nas religiões, nas ideologias, na literatura, no esporte, no turismo, nas técnicas etc. Tornou-se, então, um dos principais campos de estudo para a compreensão de mecanismos modernos de expressão, no plano simbólico. Envolve um conjunto de categorias e práticas que a defi nem, como também aos sujeitos que da moda fazem uso.

A moda liga-se ao design, que tem na origem imediata da palavra inglesa o substantivo que se refere tanto à ideia de plano, desígnio, intenção, quanto a confi guração, arranjo, estrutura. A origem mais remota da palavra está no latim designare, verbo que abrange ambos os sentidos, o de designar e o de desenhar (DENIS, 2000, p. 16). Trata-se também de uma atividade projetual que envolve etapas, processos e ferramentas para o seu saber fazer, resultando em uma produção industrial. Parte de uma ideia, um projeto ou um plano para a solução de um problema determinado. Dessa forma, o design consistiria então na corporifi cação de uma ideia para, com a ajuda dos meios correspondentes, permitir a sua transmissão aos outros (LÖBACH, 2001, p. 6).

Entender que “o design industrial contribui para melhorar a nossa cultura material, em termos funcionais e estéticos” (BONSIEPE, 2012,p. 84), permite fazer uso da tecnologia ou sistema de conhecimento, processos e materiais de forma racional e econômica, satisfazendo as necessidades materiais e psicológicas dos usuários. Bonsiepe (1984) diz que as características estruturais, estético-formais e funcionais fazem parte de um conjunto de informações que devem ser estudadas, gerando constante refl exão e adaptação dessas características ao contexto social, econômico e político em que o designer atua.

Ao levar em consideração moda e design, soma-se a esses o ensino, como uma oportunidade de conciliar teoria e prática no processo de formação do designer. O ato de ensinar é tão importante para as questões abordadas quanto a moda e o design. Segundo o Dicionário Aurélio (FERREIRA, 2010), defi ne-se ensino como “transmissão de conhecimentos, informações ou esclarecimentos úteis ou indispensáveis à educação ou a um fi m determinado, instrução”.

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Perspectivas acadêmicas para o ensino do design de moda

A compreensão do que seja ensinar é um elemento fundamental nesse processo. O verbo ensinar, do latim insignare, significa marcar com um sinal, que deveria ser de vida, busca e despertar para o conhecimento. Na realidade da sala de aula, pode ocorrer a compreensão, ou não, do conteúdo pretendido, a adesão, ou não, a formas de pensamento mais evoluídas, a mobilização, ou não, para outras ações de estudo e de aprendizagem (ANASTASIOU, 2003, p. 2).

De forma conjunta, moda, design e ensino tornam-se os elos para a atuação do designer de moda. Assim, este artigo objetiva ressaltar fatores que devem ser considerados atuantes e que impactam as demandas do mercado de trabalho. Para isso, investigar o contexto social em que o designer está inserido, a atuação desse profissional na área da moda e sua formação por meio da metodologia por competências é o caminho necessário para gerar perspectivas para sua formação. Com um conteúdo que faz uso da pesquisa exploratória, por meio de levantamento bibliográfico, pretende-se chegar, na conclusão deste artigo, aos fatores que devem ser analisados com mais profundidade, dentro dos seus âmbitos, e discutidos para potencializar a formação acadêmica do designer de moda.

A moda como campo de atuação para o designer

Para a moda, desde o seu surgimento, o jogo das fantasias estéticas (LIPOVETSKY, 1989) encontrou naquele que faz – e naquele que a consome – os eixos fundamentais para sua existência. Desde seu aparecimento, o artesão desconhecido, o alfaiate e a costureira, o grande costureiro, estilistas, grifes e diretores criativos têm a missão de transformar desejos e subjetividades em vestuário. Para todos, em diferentes períodos históricos, as titulações estão cercadas de métodos e técnicas.

No momento em que a indústria da moda deu início a sua expansão, no século XIX, foi necessária uma organização das pequenas empresas que se destinavam à confecção de uniformes militares e roupas para trabalhadores (GRUMBACH, 2009). A necessidade de um encarregado para definir questões maiores, que nesse momento não estavam ligadas à originalidade, devia-se à importância para estabelecer um fluxo de produção.

Entre o século XIX e o XX, a moda passou por inúmeras mudanças, adaptando-se a uma demanda de consumo. Assim, mesmo em meio a restrições do período entre guerras, encontrou espaço para a atuação de alguém que iria planejar e determinar as etapas de produção, assim como alinhar gostos e impor uma estética para as décadas.

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A ampliação das redes de comunicação de modo antes inimaginável faz o “grande costureiro” expandir seu raio de ação, tanto pelo valor adquirido pelas marcas, quanto pelo crescimento do prêt-à-porter. Esse movimento, de certo modo, transformou criadores em designers ou, ainda, possibilitou a ascensão destes últimos, que já trabalhavam nos processos produtivos para as massas. Tornou-se necessário o desenvolvimento de competências correlatas ao que poderia ser chamado desenvolvimento do “gênio”, “dom” ou “talento” inato (SOUZA; NEIRA; BASTIAN, 2010, p. 4).

A mudança é notada a partir do caminho histórico da formação da moda em todo o mundo.

As características originais da primeira escola, a École Supérieure des Arts et Techniques de La Mod (ESMOD), idealizada pelo alfaiate francês Alexis Lavigne em 1841, foram sendo revistas a partir de uma nova visão de educação – atualmente compreendida como elemento de inserção social – e dos desafios impostos pelas contínuas transformações das condições de atuação do campo. Novos modos de circulação e consumo da moda exigiram novos modos de criação (SOUZA; NEIRA; BASTIAN, 2010, p. 6).

Ao passar do período das roupas feitas artesanalmente e sob medida da alta costura ao prêt-à-porter, ocorreram diversas transformações em termos de técnicas produtivas, tecnologias, matérias-primas, o que possibilitou ampliar o leque de produtos para o uso diário. A moda efetivamente se transformou em uma indústria de bens de consumo capaz de gerar riqueza.

Seguindo décadas de desenvolvimento, hoje em dia a cadeia têxtil mundial é considerada uma das maiores áreas industriais do planeta; movimenta mais de um trilhão de dólares só em vestuário e gera mais de 26,5 milhões de empregos diretos e indiretos. O Brasil é o quinto maior produtor têxtil do mundo, o quarto maior produtor de vestuário, com mais de 32 mil empresas do ramo e uma produção anual de mais de 10 bilhões de peças por ano (ABIT, 2014).

Assim, a escola ou a “formação oficial” em moda assume um lugar de destaque para o desenvolvimento profissional, tornando-se praticamente obrigatória, pois o reconhecimento social passa pela diplomação. Por abranger conhecimentos de diferentes áreas, tornou-se uma indústria cultural responsável pela concepção, produção e comercialização de produtos adequados às mais diversas culturas.

É um modelo criativo que, por intermédio de estilistas e designers, cria muitos novos símbolos e produtos num curto espaço de tempo. Trata-se de um sistema de gestão que administra e gerencia logisticamente desde: 1) o mercado

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Perspectivas acadêmicas para o ensino do design de moda

primário, quando acontece a produção das fibras que são transformadas em fios, até se tornarem tecidos; 2) o mercado secundário, que transforma os têxteis em itens de vestuário, têxteis lar e têxteis técnicos; 3) o mercado terciário, que tem o objetivo de comprar os produtos para comercializá-los diretamente ao consumidor final. É um sistema de comunicação que dissipa atributos e valores dos produtos aos consumidores finais (NEVES; BRANCO, 2000, p. 40).

O design também está associado a métodos adequados que devem se encaixar nos sistemas, por meio dos quais a indústria do vestuário se estabelece para conseguir uma distribuição mais focada de seus produtos para o mercado-alvo.

Atualmente a moda perpassa, de forma simultânea, por duas correntes: 1) a fast fashion, que visa atingir um público insaciável, informado, carente por novidade. Tem como base o mercado de luxo e o mercado de massa e oferece produtos com curto ciclo de vida. Faz uso de diversas qualidades de matérias-primas e de processos produtivos e atrai uma gama muito grande de consumidores; 2) a slow fashion, que tem um foco maior no design, na qualidade, na durabilidade dos produtos, no ambiente e em um consumidor responsivo que prima por peças atemporais e duráveis (REFOSCO; OENNING; NEVES, 2011), está mais atento a valores como sustentabilidade, simplicidade e por vezes segue outros movimentos slow.

São essas correntes que sistematizam o mercado e o produto a ser concebido para cada contexto, tendo em vista suas funções práticas, estéticas e simbólicas, alinhadas às diferentes nuanças da cadeia produtiva da moda, que complementam o saber e a prática do designer em formação. O ensino deve estar alinhado com a velocidade dessas transformações.

O ensino do design de moda

O design de moda, uma das modalidades de ensino do design, é recente no Brasil e compreende ainda espaços de conhecimento que devem ser analisados de acordo com o cenário atual, em âmbito econômico e industrial.

No Brasil os futuros estilistas não se dispunham a frequentar escolas no exterior. “Os primeiros brasileiros que foram a Paris para frequentar cursos de design de moda foram Rui Spohr (RS), em 1952, e José Gayegos (SP), em 1971” (PIRES, 2002, p. 2). Conforme Pires aponta, antes da década de 1980, sem cursos superiores de moda, era necessário viajar para outro continente para buscar conhecimento sobre o assunto. No nosso país, muitos foram autodidatas e outros trouxeram aperfeiçoamento após viagens ao exterior (PIRES, 2002, p. 1).

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No momento em que grandes mudanças aconteciam na economia, sinalizando a necessidade de medidas urgentes diante da crise, o setor têxtil e de confecção decidiu criar os primeiros cursos técnicos no Brasil. Assim, na década de 1980 iniciou-se no país a formalização da formação nessa área, com o surgimento dos primeiros cursos técnicos para formar costureiros e modelistas (DULCI, 2013, p. 1).

A partir de então, o Brasil passou a ter cursos na área de moda, qualificando estudantes também no nível da graduação. Considera-se que o primeiro curso criado no país foi o da Faculdade Santa Marcelina, em 1987, mas somente em 2002 a moda passou a ser considerada pelo Ministério da Educação (MEC) como um conteúdo curricular específico do design (SOUZA; NEIRA; BASTIAN, 2010, p. 2).

Com o ensino superior, emergiu o designer de moda, um profissional que cria e é capaz de reger o complexo mecanismo da indústria da moda. Capitais como São Paulo e Rio de Janeiro inauguraram seus primeiros cursos profissionalizantes no país na década de 80. De acordo com Pires (2002), a ideia de formar um profissional bem informado, pronto a qualificar a produção brasileira, é recente, bem como o ensino de moda em nível superior no Brasil.

Na década de 1990, na iniciativa privada, os cursos superiores foram criados para atender à crescente urbanização, industrialização e às demandas do setor. O Brasil tardou em estruturar cursos superiores nessa área. Sem profissionais preparados, a função de designer de moda era assumida por leigos e autodidatas que aprendiam com o exercício da profissão. No século XXI, a formação em moda oferecida pela maioria das instituições brasileiras de ensino superior passou a ser norteada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Design,

consolidadas na Resolução CNE/CES n.º 05, de 8 de março de 2004. Esse documento influenciou diretamente a conformação dos projetos pedagógicos da área, levando ainda a um processo de ajuste dos cursos criados anteriormente, de modo a manterem o direito de funcionar e conquistarem reconhecimento social (SOUZA; NEIRA; BASTIAN, 2010, p. 2).

A partir de 2004, ocorreu a ampliação dos cursos superiores de moda, tendo como um dos fatores o aquecimento da economia do período, que oportunizou a instalação de novas indústrias de fiação, de têxteis e de confecção de vestuário, a posterior política de abertura de mercado e o surgimento de muitos cursos de design de moda, sobretudo nos países do hemisfério norte.

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Perspectivas acadêmicas para o ensino do design de moda

Essa situação gerou um impacto no cenário em que os cursos profissionalizantes estavam inseridos. No que diz respeito ao Senai/Curitiba, houve uma maior demanda da indústria na busca por profissionalização do setor, por meio do aumento das capacidades e habilidades dos estudantes. Coube à instituição rever o perfil do profissional em formação e a metodologia de ensino proposta para tanto. As transformações que se colocaram naquele cenário, no período de 2004, que dizem respeito ao aumento da capacidade produtiva da indústria têxtil e ao ensino atualizado com tais demandas, impactaram a forma como o Senai/Curitiba conduziu os seus processos de aprendizagem, procurando aproximar o ensino de design de moda e a indústria.

Embora a formação do designer de moda seja recente no Brasil, constantemente para o seu progresso ela deve ser validada com base no diálogo entre indústria e instituição de ensino, para que exista assim um aperfeiçoamento constante que permita atualizar os conhecimentos que serão aplicados nas indústrias de moda. Bonsiepe (2011, p. 179) salienta que o design levou muito tempo para progredir até o campo reflexivo, e sua teoria é importante nas unidades curriculares, permitindo discussões e pontos de vista que se somam a tais debates. O grande desafio na era da informação é utilizar corretamente a informação intrínseca e, como consequência, facilitar a absorção desta. No momento da profissionalização do designer, é fundamental convergir a história do design, suas reflexões, metodologias e ferramentas disponíveis, vindas de diferentes fontes e autores, de forma que sua aplicação reflita o sistema da moda para o qual se está produzindo.

Empregam-se no ensino metodologias que atendem aos sistemas de moda já concretizados, como o pronto para vestir, e, além desses, ainda coexistem as discussões periféricas quando o formato de negócio alia práticas artesanais e produção em escala exclusiva. O ensino do design de moda deve ser abrangente para que seja eficaz. Nesse sentido, este estudo, ao identificar metodologias existentes e as práticas pedagógicas atuais propostas pelos professores para a atividade projetual, vem contribuir para a formação do designer, que por sua vez será orientado por um método estruturado que lhe permita ser flexível diante das necessidades da indústria.

Para tanto, o processo de aprendizagem é considerado no aumento da performance do estudante. A presença do professor em sala de aula deve trazer à tona temas de discussão sobre o sistema da moda, bem como propor a aplicação de metodologias para o desenvolvimento prático de produtos. Esse diálogo trazido para a sala de aula é fundamental para que se proponha, por meio dele, diferentes práticas projetuais, variantes do contexto atual no qual o sistema da moda está inserido. Ao propor um método estruturado para este estudo, que se apoia nas práticas pedagógicas dos professores da disciplina e de autores selecionados, é possível levantar diferentes problemáticas em sala de aula, que serão resolvidas por meio das ferramentas disponíveis, tornando o aprendizado

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mais dinâmico e ao mesmo tempo aberto, a fim de que a interdisciplinaridade atue para obter maior complexidade durante o desenvolvimento das competências do estudante.

A formação do designer de moda

As transformações sociais e as inovações em todas as áreas levam o ambiente educacional a reestruturar o modo de construir o processo de ensino-aprendizagem. Para tanto, a sua formação deve estar pautada no plano de curso, de forma que evidencie suas características do perfil profissional para o mercado de trabalho.

Segundo Pedro e Rodrigues (2014), a evolução do mercado de trabalho gera nas pessoas uma preocupação com o futuro, criando a necessidade de manter-se atualizado. As empresas e os profissionais com mais habilidades e conhecimentos podem ter mais possibilidade de permanecer no mercado.

De acordo com Dulci (2013), os cursos superiores de design de moda vêm sendo criados no Brasil há aproximadamente 25 anos para formar “designers de moda” ou “estilistas”, em uma preparação mais ampla do que o ofício que origina essa profissão: o de costureiro. Tais cursos adquiriram importância e acabaram colocando o Brasil entre os países com maior número de cursos de design de moda do mundo.

A jornalista Astrid Façanha realizou uma pesquisa em 2011 sobre o número de cursos superiores de moda no Brasil, pela qual se concluiu que existem em funcionamento no país 174 cursos de formação superior na área de moda: 75 bacharelados, 92 tecnológicos, 5 sequenciais e 2 licenciaturas, e do total 18% são públicos e 88% privados. Levando em consideração esses dados, o estado de Santa Catarina, com seus 13 cursos, representa 17,3% do total de cursos de moda de grau de bacharelado no Brasil (LIMA; MORAES, 2013).

O designer foi e é considerado um profissional que acresce às organizações valores monetários e também capaz de atuar como articulador perante a economia de consumo. Além disso, desempenha um papel integrador na comunidade e possibilita às organizações que alcancem seus objetivos estratégicos e sociais (FUAD-LUKE, 2004).

Intensas transformações sociais e inovações tecnológicas atuais em todas as áreas levam a uma reestruturação na forma de construir o processo ensino-aprendizagem, tornando-se frequente a busca por profissionais cada vez mais qualificados que, além do conhecimento específico da sua área, tenha capacidade crítica, autonomia, saiba trabalhar em equipe e resolver problemas (PEDRO; RODRIGUES, 2014, p. 2).

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Perspectivas acadêmicas para o ensino do design de moda

O desenvolvimento de competências e habilidades que abrangem a inovação, o desenvolvimento de produtos, a visão de oportunidades comerciais e sua interface na produção, o entendimento da moda como negócio e a flexibilidade de atuação em cenários competitivos. É dessa forma que o SENAI PR contribui para as mudanças estruturais necessárias ao setor e o consequente aumento de sua competitividade em benefício da economia do país (SENAI, 2014, p. 7).

Tais questões são mais profundas, uma vez que passam não somente pela moda, pelo design e pela educação, como também adentram no que se espera desse profissional que vai para uma instituição de ensino superior. Diante dos aspectos mencionados, que dizem respeito à observação constante e readequação do saber fazer às exigências do mercado, é fundamental que se atue no aprendizado de forma multidisciplinar e integrada ao perfil do egresso, “fortalecido por grande curiosidade em relação aos diferentes aspectos culturais da sociedade e que será estimulado durante o curso como forma de ampliar a visão de moda” (SENAI, 2014, p. 7).

Para Mussak (apud OLIVEIRA et al., 2006, p. 16), algumas características são relevantes para o perfil do profissional, as quais também são recomendadas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Elas estão listadas no quadro a seguir.

Quadro 1 – Características relevantes para o perfil do profissional

a) Flexibilidade: é a capacidade de agir de acordo com as situações, levando-se em conta as frequentes mudanças.

b) Criatividade: considerada como diferencial, visto que está totalmente relacionada a ações originais e inovadoras.

c) Informação: é imprescindível para a evolução e o desenvolvimento humano.

d) Comunicação: é a habilidade necessária para o inter-relacionamento humano, seja com clientes ou pessoas pertencentes ao grupo de trabalho.

e) Responsabilidade: é um dos fatores mais cobrados para que os cargos continuem existindo.

f) Empreendedorismo: o mercado exige ousadia, criatividade e inovação como características intrínsecas ao empreendedor.

g) Sociabilização: é uma característica que envolve aspectos de compreensão, respeito e interatividade cultural para agir globalmente.

h) Tecnologia: competência organizacional e pessoal que demonstra aceitação para conviver com as novas tecnologias para aplicá-las em suas ações diárias.

Fonte: Mussak (apud OLIVEIRA et al., 2006, p. 16)

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A profissionalização do designer de moda passa a ser uma exigência do setor de moda e uma oportunidade para os cursos formadores dessa nova carreira, ao preparar um profissional para atuar em diversas frentes do mercado de vestuário a fim de atender a demandas sociais e questões no campo cultural, político e tecnológico.

A metodologia por competências na formação do designer

A formação do profissional da área de moda confere aos designers e professores a responsabilidade de buscar metodologias próprias para a formação dos estudantes. Flori e Tourinho (2010) enfatizam: “A docência necessita ser renovada constantemente, e a moda, como campo transdisciplinar, instiga e desafia a busca por outras maneiras de pensar e interpretar as formas como ensinamos/aprendemos e como desejamos que outros aprendam/ensinem”.

Relacionar a formação profissional com a metodologia por competências traz à tona um conjunto de capacidades e habilidades que fazem parte do perfil profissional e por sua vez devem ser estimuladas e trabalhadas em sala de aula.

Pensar em educação e competência profissional, na atualidade, requer um olhar mais atento às questões pelas quais passaram, e ainda estão passando, os cursos superiores de design de moda no Brasil (SENAI, 2014). Essa contextualização se faz necessária, pois não há como não reconhecer que a moda, como uma das interfaces do design de produto de vestuário, da indústria têxtil e de confecção, é um dos mais importantes setores da economia brasileira, por sua relevância econômica, política e social para a economia nacional. Essa nova realidade está transformando as escolas, pois o ensino com vistas à profissionalização tem como desafio formar um profissional com as competências demandadas pelo mundo do trabalho, desenvolvendo no aluno um novo pensar, com o objetivo de adequar-se às exigências atuais.

Segundo Machado (2002), o desenvolvimento das competências pessoais está hoje no centro das atenções. A palavra competente aparece no discurso de todos os processos de seleção em empresas, escolas, processos seletivos para atividades de diversificados fins, buscando no indivíduo a capacidade de adaptação e assimilação das transformações ocorridas em nosso tempo. A ideia de competência aparece no discurso da empresa como a capacidade de transformação de uma tecnologia conhecida em um produto suficientemente atraente para o consumidor.

No contexto educacional, a noção de competência é muito mais abrangente, mantendo importantes vínculos com as disciplinas. Os currículos dos cursos são constituídos por disciplinas e todas podem servir de meio para o desenvolvimento de uma determinada competência (PEDRO; RODRIGUES, 2014, p. 6).

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Perspectivas acadêmicas para o ensino do design de moda

As competências representam potenciais desenvolvidos sempre em contextos de relações disciplinares em determinado âmbito de atuação. As formas de realização das competências foram chamadas de habilidade; um feixe de habilidades caracteriza a competência, e as disciplinas são meios para desenvolver as habilidades. Para Machado (2002), uma competência está sempre associada a uma mobilização de saberes, a capacidade de recorrer aos conhecimentos para a realização de uma atividade.

As competências constituem padrões de articulação do conhecimento a serviço da inteligência, todavia a escola organiza-se basicamente em termos de conhecimentos, apresentado sob a forma de conteúdos disciplinares. Porém, conhecer é conhecer o significado, e o significado é sempre construído pelas pessoas. Na escola os currículos constituem um mapeamento do conhecimento considerado relevante para ser ensinado aos alunos, visando torná-los pessoas competentes (PEDRO; RODRIGUES, 2014, p. 3).

Segundo Machado (2002), não existe uma competência sem a referência a um contexto no qual ela se materializa. As competências representam potenciais desenvolvidos sempre em contextos de relações disciplinares significativas, prefigurando ações a serem desenvolvidas em determinado âmbito de atuação.

Dentro desse novo contexto, que exige uma formação profissional com base em diferentes competências na área da moda, faz-se necessário construir práticas pedagógicas que considerem as necessidades dos alunos, assim como todas as suas possibilidades de aprendizagem. Portanto, devem-se criar condições e dar-lhes autonomia suficiente para que aprendam, não só umas com as outras, mas também com seus próprios erros, sem medos, preconceitos ou discriminações (PEDRO; RODRIGUES, 2014, p. 13).

Dessa forma, a escola deve prover as pessoas de competências básicas, tais como: capacidade de expressão, compreensão, interpretação, capacidade de tomar decisões, de trabalhar em equipe e, sobretudo, de resolver problemas. Essas competências não se desenvolvem só com conteúdos e equipamentos. Atualmente uma formação profissional na área de moda deve focar a atenção na formação e nas capacidades pessoais que transcendem os temas estudados, que sobrevivem às transformações cada vez mais rápidas nos cenários dos equipamentos e da produção material.

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KORNER, Edson

O Senai na formação superior do designer de moda

O Senai/Curitiba posiciona-se como uma instituição de ensino superior que contribui para as mudanças estruturais necessárias ao setor e para o consequente aumento de sua competitividade em benefício da economia do país (SENAI, 2014, p. 7).

A competência é a soma da inteligência ao conhecimento adquirido, de forma a agir com eficiência para as soluções de problemas ou mesmo para novas ações (ZANON; NARDELLI; FRASON, 2005, p. 49). A metodologia por competências utilizada pelo Senai “entende que competência é a mobilização de conhecimentos, habilidades e atitudes profissionais necessários ao desempenho de atividades ou funções típicas, segundo os padrões de qualidade e produtividade requeridos pela natureza do trabalho” (ZANON; NARDELLI; FRASON, 2005, p. 51).

O profissional formado pelo Senai estará em constante aprendizado, visto que um dos pilares da gestão por competências é “aprender a aprender”, ou seja, ele vai desenvolver durante o curso as habilidades necessárias ao exercício profissional (ZANON; NARDELLI; FRASON, 2005).

Para Zanon, Nardelli e Frason (2005), a base da formação profissional por competências do Senai inclui determinados itens, como se vê no quadro a seguir:

Quadro 2 – Itens para a base de formação por competências

a) Estruturação e funcionamento de comitês técnicos setoriais: agrega-se à equipe interna representantes de empresas, de sindicatos, do meio educacional, para realmente considerar o foco nos resultados, a demanda e as tendências futuras do mercado.

b) Elaboração de perfis profissionais baseados em competências: as definições dos perfis profissionais de conclusão devem ser condizentes com as competências demandadas no mercado de trabalho ponderando o contexto, a flexibilidade e a interdisciplinaridade.

c) Elaboração do desenho curricular baseado em competências: formado por problemas, projetos, tarefas complexas e desafios com o objetivo de encorajar os estudantes a unir conhecimentos, habilidades e atitudes para desenvolver suas competências.

d) Avaliação de competências: o orientador deve saber o que quer avaliar, em que momento, deve especificar qual é o objeto da avaliação, por meio do instrumento adequado e com enunciado claro. A avaliação pode ser formativa, é diagnóstica e contínua, auxilia no planejamento das ações pedagógicas, com avaliações constantes, que podem ser modificadas conforme o progresso ou dificuldades dos alunos; ou somativa que reflete resultados objetivos no final de um bimestre ou semestre.

Fonte: Zanon, Nardelli e Frason (2005, p. 51)

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Perspectivas acadêmicas para o ensino do design de moda

Assim, o docente atuará como orientador e promotor das competências, propondo situações didáticas mas semelhantes ao mercado de trabalho, de forma que os conhecimentos adquiridos nessas simulações sejam realmente significativos para o estudante.

De acordo com o projeto pedagógico do curso superior de Tecnologia em Design de Moda, ambiciona-se fomentar uma nova geração de designers de moda que venham a atuar de forma inovadora no segmento de moda e que perpetuem os conceitos e atitudes voltados para o aumento da competitividade das empresas.

Os objetivos são: promover uma formação diferenciada em design de moda, capacitando profissionais para atuar em ambientes complexos na busca da competitividade para a indústria da moda; habilitar profissionais para que estejam aptos a enfrentar quaisquer desafios e a propor soluções no que tange ao produto de moda em sua interface com o processo produtivo, o mercado, a sociedade e o meio ambiente; capacitar para o desenvolvimento de projetos de produto que conciliem a inovação com sua viabilidade técnica, produtiva e comercial (SENAI, 2014).

A metodologia adotada no curso superior de Tecnologia em Design de Moda segue os moldes do Departamento Nacional do Senai, a fim de oferecer aos Departamentos Regionais do Senai procedimentos para avaliar a qualidade dos cursos ofertados, com o intuito de analisar “a suficiência, a consistência, a efetividade e a pontualidade nas providências para o início e desenvolvimento de um curso, com o dinamismo e o comprometimento nas ações durante a realização dele” (SENAI, 2014).

Em consonância com o PPC e com a natureza dos conteúdos abordados nas disciplinas, as avaliações podem compreender alguns aspectos, conforme exposto no quadro 3:

Quadro 3 – Avaliações no Curso Superior em Design de Moda Senai Curitiba

a) Trabalhos de pesquisa individual ou coletiva.b) Provas escritas.c) Entrevistas e arguições.d) Resoluções de exercícios.e) Resoluções de situações problema, envolvendo conteúdos interdisciplinares.f) Participação em experimentos ou projetos.g) Relatórios referentes a trabalhos ou visitas técnicas.h) Participação em seminários, debates ou similares.i) Trabalhos práticos.j) Defesas de projetos.k) Outras formas que atendam às peculiaridades didático-pedagógicas dos conteúdos desenvolvidos.

Fonte: Senai (2014)

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KORNER, Edson

Para uma melhor articulação dos conteúdos, utiliza-se na metodologia do Senai, especificamente para o Curso Superior em Design de Moda, a divisão por eixos de conhecimento imprescindíveis para o desenvolvimento dessas competências e habilidades, as quais serão trabalhadas nas disciplinas por meio de práticas pedagógicas interdisciplinares com simulações de situações reais de trabalho, gerando uma visão abrangente e inovadora da prática profissional.

Quadro 4 – Eixos e unidades curriculares do Curso Superior de Design de Moda Senai Curitiba

1. Técnicas de representação: eixo dedicado ao desenvolvimento das competências e habilidades relacionadas às diversas formas de representação da ideia de um produto ou coleções. Composto pelas disciplinas de: Desenho de Moda I, II e III.

2. Mercado e Negócio: nesse eixo são desenvolvidas as competências e habilidades vinculadas à realidade e organização das empresas, suas interfaces com o mercado e com o mundo do trabalho. Composto pelas disciplinas de: Gestão Empresarial I e II e Marketing de Moda I, II e III.

3. História e Sociedade: por meio do estudo da sociedade e da evolução histórica, procura-se construir um repertório de conhecimentos que possibilitam o desenvolvimento da capacidade de análise e crítica e a compreensão da evolução da sociedade, suas necessidades e formas de expressão. Essa capacidade é fundamental para o desenvolvimento do processo criativo e busca de soluções inovadoras. Composto pelas disciplinas de: História da Arte I e II e História da Indumentária I, II e III.

4. Desenvolvimento de Produto: nesse eixo são desenvolvidas competências e habilidades de caráter técnico, prático e metodológico relacionadas à concepção e ao desenvolvimento de produtos e coleções para a indústria. Composto pelas disciplinas de: Fundamentos do Design; Projeto de Coleção I, II, III, IV, V e VI; Modelagem Industrial Plana I, II, III, IV e V; Prototipagem e Análise do Produto I e II; Modelagem Tridimensional; Modelagem Informatizada; Ergonomia Aplicada.

5. Produção e Tecnologia: Vertente voltada ao conhecimento e análise das interfaces da produção e da tecnologia necessárias para a produção de produtos destinados ao mercado de moda, sempre de forma eficaz e condizente com princípios éticos e sustentáveis. Composto pelas disciplinas de: Costura Industrial I, II e III; Materiais e Tecnologia Têxtil I, II e III; Processo Produtivo da Confecção I, II e III.

6. Análise da Imagem: focado no desenvolvimento da capacidade de análise e percepção da imagem, seja ela real ou virtual, como forma de decodificação da realidade social e também de interação de uma marca com seu consumidor final. Composto pelas disciplinas de: Análise do Contemporâneo I e II; Produção de Moda.

Continua...

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Perspectivas acadêmicas para o ensino do design de moda

7. Inovação e Criatividade: eixo de conhecimento e desenvolvimento de competências vinculadas à pesquisa, observação e criação de soluções e produtos inovadores. Composto pelas disciplinas de: Inovação e Criatividade I e II.

8. Práticas Acadêmicas: Metodologia Científica.

Fonte: Senai (2014)

Com base nesses eixos uma intensa atividade multidisciplinar é realizada, para que a cada processo exista uma forte conexão entre a indústria e a formação do designer de moda. Dessa forma, priorizam-se sempre a integração das áreas da cadeia produtiva, sua atuação no livre criar de produtos, a disseminação e o aprimoramento de técnicas, a ética, a sensibilidade às questões de bem-estar do usuário e a responsabilidade social.

A importância do contexto econômico e social em que o designer está inserido

Ao considerar a moda, o design e o ensino e buscar como resultado dessa soma um designer atuante, preparado para enfrentar as questões do seu tempo, devemos sedimentar sua base, ou seja, o contexto em que esse profissional será formado.

Tanto o design como a moda e sua indústria do vestuário se conectam a características diversas de indivíduos, que ao serem alinhados formam grupos de consumo. Um determinado grupo de consumo, segmentado com as ferramentas do marketing, está pronto para estabelecer uma troca simbólica por meio daquilo que consome.

Para Bourdieu (2004), perfis e realidades sociais muitas vezes passam despercebidos ou, quando percebidos, nunca aparecem como realmente o são. Essas nuanças, quando não tratadas e identificadas, levam o trabalho do designer para outros rumos. Da ideia ao desenvolvimento do projeto, os movimentos da sociedade, a sua economia e as questões sociais ocorrem em uma velocidade que atualmente delimita mais o ciclo de vida dos produtos. Na moda, com rapidez os sistemas se desdobram. Temos como exemplo o fast fashion e o slow fashion, que exigem novas competências e habilidades do designer de acompanhar e entender o desenvolvimento do mercado de bens simbólicos paralelamente a um processo de diferenciação dos públicos (BOURDIEU, 1974, p. 102).

Ressalta-se que o papel do designer na sociedade também faz parte de todo o contexto para o qual ele produz. Assim, também é motivo de questionamento a sua responsabilidade na produção de artefatos que incentivem

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Continuação do quadro 4

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KORNER, Edson

a cultura material. Esse é um ponto tocante na atualidade, em que a formação acadêmica do futuro profissional deve ser flexível com os problemas econômicos, sociais e ambientais.

O desejo, como um valor subjetivo que nasce no final da concepção do projeto, faz parte de toda a história do design, suas escolas, movimentos e evolução nos séculos XX e XXI. Para Denis (1998), o design constituiu-se profissionalmente com a primeira Revolução Industrial. A sistematização das tarefas separou o trabalho manual e o trabalho intelectual em algumas indústrias.

Conforme ressalta o historiador Forty (2007), o design surge como essencial na criação da riqueza industrial, tendo sua história atrelada ao capitalismo. Este fez a indústria da moda avançar, e o designer pode atuar nela de diferentes formas: sendo empreendedor e gestor de sua própria marca, trabalhando para uma empresa e sendo brifado por ela. O designer também pode atuar em sistemas diferentes, como o slow fashion ou o fast fashion, e também trazer para o seu trabalho aspectos artesanais, exclusivos, ter uma visão global ou local do alcance dos seus produtos. O capitalismo e a evolução da moda apontam várias possibilidades, e ao definir qual o melhor caminho o designer deve estar preparado para desenvolver produtos nessa direção; ao ensino cabe especificar quais habilidades e competências são necessárias para o seu desenvolvimento.

Portanto, trata-se de um bem que será produzido e que requer o ato de saber pensar para saber projetar; consoante ao momento atual, inicia-se em sala de aula. O designer vive sob o signo da sociedade da mudança, o que exige dele, constantemente, revisar sua atuação. Quando se traz junto o ensino, é sobre essa sociedade da mudança que se devem propor questões projetuais em sala de aula. Assim, corrobora-se a afirmação de Forty (2007) de que a história do design é também a história das sociedades, e explicações sobre as mudanças devem apoiar-se na compreensão de como o design afeta os processos das economias modernas, sendo também afetado por eles.

Conclusão

Tanto para a moda e o design como para o designer em formação no ambiente acadêmico, confrontar o que se aprende para readequar novos aprendizados é o ponto de partida para gerar reflexões. Estas são vistas neste artigo como perspectivas para a formação acadêmica do designer, o que impacta a médio prazo a adoção de novas metodologias, na constante verificação de pontos positivos e negativos, pois são os resultados que melhor validam a ação

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Perspectivas acadêmicas para o ensino do design de moda

de professores e alunos em sala, assim como surgirão após sua formação, nas relações entre designer, objeto e consumidor, outros resultados que por sua vez também serão monitorados.

Considerando o que foi abordado neste artigo, extraíram-se fatores que merecem futuramente, cada um na sua individualidade, um estudo aprofundado, para que seus dados, análises e conclusões efetivem a necessidade de adequação do design e da moda e para que esta se faça por intermédio de pesquisa de campo, trazendo resultados. No quadro 5, dividem-se tais fatores em: contexto social e econômico, moda, design e ensino.

Quadro 5 – Fatores a considerar na formação acadêmica do designer de moda

No contexto social e econômico,

considerar:

- As diferentes realidades sociais;

- O desenvolvimento do mercado e de seus bens simbólicos;

- O alcance da produção e as inclinações regionais/local e global;

- O design como negócio, capital, que se ajuste às questões sociais e ambientais.

Na moda, considerar:

- A construção de bens simbólicos dentro dos diferentes sistemas da moda ( fast fashion, slow fashion), adequados para conseguir uma distribuição mais focada de seus produtos para o mercado-alvo;

- A moda como uma atividade projetual que envolve etapas, processos e ferramentas, devendo-se recorrer a metodologias de design de produto existentes que resultem em uma produção industrial.

No design e ensino, considerar:

- A identificação de tecnologias e know-how, processos e materiais pertinentes ao contexto social e econômico do momento em que se dará a produção;

- A adequação da teoria projetual com a prática de desenvolvimento de produtos associando a moda a métodos adequados que devem se encaixar nos seus sistemas da moda;

- O desenvolvimento das competências individuais como diferenciador na formação do designer de moda. As competências podem ser transitórias e múltiplas e são detectadas por meio do contexto atual da sociedade.

Fonte: Primária (2015)

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Quando moda, design e ensino são tratados como um tripé, sua ação conjunta desenvolve a indústria do vestuário, e a profissionalização do designer de moda nos cursos superiores é o ponto inicial para atender às demandas da atualidade. Sabe-se que são vários os aspectos que envolvem tal formação; este artigo parte de um levantamento inicial sintetizado no quadro 5, o qual apresenta fatores para melhorar a prática do design de moda. Cabe a agentes do setor educativo e de profissionalização preparar o designer como articulador desses fatores, e a metodologia por competências constitui um meio para promover tais conhecimentos.

O design e seus aspectos norteadores são fundamentais para o desenvolvimento de um pensar e produzir na indústria da moda que se afinem com os desejos da sociedade. Ao solucionar um problema por meio do design, é fundamental justificar a adoção e a adequação de métodos e ações que caracterizam cada etapa proveniente dessa escolha.

Os fatores gerados constroem perspectivas que permitem ainda maior aprofundamento. Cada fator citado favorece a readequação de metodologias do design para o design de moda, já que sociedade, ensino e consumo não são estáticos e cada vez mais se tornam multidisciplinares. As perspectivas recaem sobre a metodologia de ensino das disciplinas que têm como princípio ensinar métodos para a criação do vestuário, e nesse sentido a disciplina Projeto de Moda é a que oportuniza uma vivência maior ao estudante, por abraçar desde a ideia até o produto final.

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Capítulo 3

Design Gráfi co, Comunicação e

Sociedade

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A importância do design na evolução da internet

The importance of design in the evolution of internet

LANDMANN, Daniel Rodrigo1

AGUIAR, Victor2

Resumo: A internet já está instituída e faz parte da rotina da humanidade. Ela está em todos os lugares e em todos os dispositivos eletrônicos, e os seus desdobramentos para fi ns comerciais evoluem a cada dia. Com base em tal perspectiva, este artigo propõe uma análise da evolução da internet, desde a concepção da rede até o momento atual, assim como dos motivos e das tecnologias pelos quais o capitalismo a difundiu, principalmente utilizando o design como ferramenta impulsionadora.Palavras-chave: internet; websites; web designer.

Abstract: The internet is already established, and is part of the routine of humanity. It is everywhere and in all electronic devices, and their consequences for commercial purposes evolve every day. From this perspective, this article proposes an analysis of the evolution of the internet,

1 Mestrando no Programa de Mestrado Profi ssional em Design pela Universidade da Região de Joinville (Univille), especialista em Administração da Comunicação pela Sustentare Escola de Negócios/Faculdades SPEI, bacharel em Design com habilitação em Programação Visual pela Univille. E-mail: [email protected].

2 Doutor em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), especialista em Marketing pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e graduado em Administração de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor do quadro permanente da graduação e do Mestrado Profi ssional em Design da Univille. E-mail: [email protected].

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A importância do design na evolução da internet

from network design to the present time, in addition to the reasons and technologies by which capitalism spread it, especially using design as a driving tool.Keywords: internet; websites; web designer.

Análise de cenário

A evolução e a mudança fazem parte da vida, seja para uma pessoa isoladamente ou para a sociedade como um todo. Corroborando a ideia de Ferreira (2015), toda evolução sempre é fomentada por conflitos. Quando há conflitos de ideias, há possibilidade de elas evoluírem, tanto para o bem quanto para o mal, e cabe ao ser humano saber discernir. No campo da tecnologia não é diferente. As evoluções tecnológicas também são fomentadas por conflitos.

Partindo desse princípio, pode-se fazer uma análise econômica e social da internet, a grande rede que cerca os objetos e as pessoas. De acordo com Arruda (2011), a internet surgiu nos Estados Unidos em meio à Guerra Fria, durante a década de 1960, na qual americanos e soviéticos (atualmente os russos) disputavam entre si o poder econômico, político e armamentista do planeta. A União Soviética buscava expandir e implantar o socialismo em outros países, enquanto os Estados Unidos defendiam a expansão do sistema capitalista. Essa guerra não teve confrontos diretos, mas havia certas iminências de ataques. E, para evitar que as informações mais valiosas contidas em computadores fossem destruídas com possíveis ataques ou bombardeios, o Departamento de Defesa americano criou uma rede de comunicação entre esses computadores, colocando-os em pontos estratégicos, como por exemplo centros de pesquisa. O intuito era descentralizar as informações, de forma que não fossem destruídas se estivessem localizadas em um único servidor ou computador.

Mendes (2015) comenta que, nesse contexto, uma das subdivisões do Departamento de Defesa, a Advanced Research Projects Agency (Arpa), criou uma rede chamada Arpanet, ligada por um backbone (uma “espinha dorsal”, ou seja, uma estrutura de rede capaz de manipular grandes volumes de informações), que passava embaixo da terra, o que dificultava a sua destruição em caso de ataques. Durante o período da Guerra Fria, o acesso à Arpanet era restrito a militares, pois estes temiam o mau uso de tal tecnologia por civis ou países socialistas.

Quando a tensão da Guerra Fria diminuiu e não havia mais ameaça de ataque, o governo dos Estados Unidos investiu no desenvolvimento da Arpanet e permitiu que pesquisadores acadêmicos na área de defesa também tivessem acesso a ela. O aumento do fluxo de acessos gerou dificuldades para administrar

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LANDMANN, Daniel Rodrigo | AGUIAR, Victor

todo o sistema, em virtude do grande e crescente número de localidades universitárias contidas nela. A solução encontrada foi dividir o sistema em dois grupos, a Milnet, para militares, e a nova Arpanet, para pesquisadores, a fim de aliviar o fluxo de informações.

Abrindo a rede para universidades, alunos e jovens de contracultura, ideologicamente engajados em uma utopia de difusão da informação, começaram a acessar e desenvolver a intercomunicação.

Segundo uma pesquisa do Centro Internacional de Semiótica & Comunicação (CISECO, 2013), na década de 1970 surgiu um impasse em relação à rede. Com a crise do petróleo, o mundo todo, os Estados Unidos particularmente, estava com a economia desestabilizada, pois a humanidade tinha descoberto recentemente que o petróleo é um recurso natural não renovável. Nesse período começaram a surgir também as primeiras questões sobre sustentabilidade. Para financiar o setor de computação, a ordem nos Estados Unidos era de que os investimentos deveriam contribuir para a recuperação produtiva do país. Por conta desse cenário, surgiu a necessidade, e ao mesmo tempo a oportunidade, de transformar a rede de comunicação em uma atividade econômica importante por si mesma, para fins de ganhos comerciais.

Para difundir a internet comercialmente, foi criado o mito de um novo mundo a ser explorado, um novo mercado com infinitas possibilidades. Nesse sentido, Forty (2007, p. 15) afirma que, “[...] em todas as sociedades, as contradições perturbadoras que surgem entre as crenças das pessoas e suas experiências cotidianas são resolvidas pela invenção de mitos”. Ou seja, o meio já estava produzido, e o mercado para ele seria inventado. A internet seria entendida especificamente como um conjunto de tecnologias com chance de progredir para uma nova maneira de criar riquezas. A partir disso, estava instituída uma nova forma de atividade econômica.

As primeiras formas para gerar lucro em meio ao ambiente web foram os fornecedores de acesso à rede, mais conhecidos como provedores. A tecnologia que estava surpreendendo o mundo era somente movimentada por interesses econômicos, reforçando a afirmação de Forty (2007, p. 19) de que “[...] o que é tido como progresso nas sociedades modernas é, na verdade, sinônimo, em larga amplitude, de uma série de medidas provocadas pelo capital industrial”. Além dos acessos, os provedores também forneciam serviços como o e-mail. A troca de mensagens eletrônicas foi um dos fatores mais importantes no início para gerar público. No Brasil, segundo Bunduky (2015), a internet chegou por volta de 1995, por intermédio de alguns estudantes brasileiros que voltaram dos Estados Unidos e tentaram estabelecer em território nacional conexões com o território americano. A empresa estatal brasileira Embratel, detentora das concessões de transmissão de dados no Brasil, observou nessas ações uma grande oportunidade de negócios com a distribuição de acessos em território nacional.

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A importância do design na evolução da internet

Segundo Maia (2013), no fim dos anos 1980 Tim Berners-Lee, um físico e cientista da computação britânico, criou uma forma mais elaborada de facilitar o compartilhamento de informações na rede, por meio de hipertextos. Eles consistiam basicamente em páginas que continham ligações marcadas (que foram batizadas de links) entre as páginas para outros conteúdos. Tim Berners-Lee comparou a sua criação com uma teia, web no idioma inglês. A partir disso publicou a proposta da world wide web. A internet estava pronta para virar um fenômeno mundial.

O advento do web design

Nos anos 1990 a internet já existia, mas não havia conteúdo comercial. Para atrair o público e fazê-lo começar a acessar a rede, era necessário um conteúdo que gerasse interesse das empresas e dos consumidores em geral. As pessoas estavam em dúvida sobre como acessar as páginas ou encontrar o conteúdo que desejavam, tal qual navegadores à deriva em um grande oceano. Em 1995 a empresa Digital Equipment Corporation, observando esse paradoxo e também oportunidades, lançou a primeira página eletrônica de busca de conteúdo na internet: o Altavista. Basicamente, a ideia era criar um índice com as páginas disponíveis, a exemplo de um livro, para facilitar a busca. A figura 1 apresenta uma das primeiras interfaces do Altavista.

Figura 1 – Interface do Altavista

Fonte: Falling Leaves (2015)

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As páginas eletrônicas encontradas continham somente textos informativos, sem nenhuma diagramação e criatividade, o que tornava a leitura pouco atrativa, como ilustrado na figura 2. Para organizar o conteúdo de cada página, os textos foram revisados e separados em áreas específicas dentro de uma mesma página eletrônica. Com base nessa ideia surgiu o conceito de homepage, que futuramente evoluiu para website.

Figura 2 – Exemplo de uma antiga homepage

Fonte: Rick (2015)

O termo website veio da ideia de que o espaço ou terreno contratado por uma empresa ou instituição dentro da rede, ou teia, como viria a ser chamada, seria similar a um sítio, onde existem várias áreas (plantações, armazém, curral etc.) e a página principal (a casa), também chamada de Inicial (home). No Brasil, o termo é comumente chamado apenas de site.

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Os programadores de homepage já haviam começado a trabalhar com ícones gráficos para definir cada área dentro das páginas de cada sítio, mas com pouco conhecimento gráfico e fundamentação teórica. Nesse contexto surgiu uma nova necessidade que geraria uma profissão: o web designer, o que se pode definir como um misto de designer gráfico com programador de homepage. As linguagens visuais na internet, para os designers, eram totalmente diferentes das linguagens visuais com materiais impressos, principalmente pela utilização de um novo suporte, ou seja, a tela do computador. Essas afirmações solidificam-se com as teorias de Wolff (1982, p. 23), que explica: “[...] a atividade prática e a criatividade estão em relação mútua de interdependência com as estruturas sociais”. Ou seja, os designers teriam de se adaptar a essa nova linguagem, que a cada dia tinha inúmeras novas tecnologias e recursos lançados. Algo considerado moderno um tempo atrás era entendido como desatualizado imediatamente após. A velocidade de transformação era muito rápida, e ainda é até hoje. O designer gráfico que iria trabalhar com desenvolvimento de páginas eletrônicas necessitava ter também conhecimentos da linguagem de programação web para incorporar em suas criações, caso contrário elas não se encaixariam, e isso o deixava em desvantagem em relação ao programador, que então teria todo o controle do projeto. A guerra estava declarada: de um lado o designer gráfico defendendo a criatividade e a emoção, e do outro o programador defendendo a lógica e a razão.

Um grande problema para o web designer, logo no início da internet, era a velocidade de acesso aos websites. Esse profissional não podia trabalhar suas criações com muitas imagens em bitmap (mapa de bits – imagens formadas por pixels, ou seja, pontos na tela) e layouts, pois sobrecarregavam as páginas eletrônicas. Ou seja, quanto mais dados binários elas possuíam, mais tempo levava para esses dados trafegarem na internet.

A conexão que o usuário final fazia com o provedor era muito lenta, em comparação com o momento atual. Tal conexão era discada em conjunto com uma linha telefônica, o que gerava mais instabilidade e lentidão, além de ter um preço muito alto, pois para se conectar o custo era de uma ligação telefônica (numa época em que cada minuto era muito caro). Quanto mais dados uma página tinha, mais caro era para acessá-la. Nesse contexto, um comportamento social da época era as pessoas acessarem a internet de madrugada, pois a telefonia era mais barata nesse horário, gerando o embrião de um nicho de mercado para sites de relacionamento, visto que havia pessoas passando as noites inteiras e os fins de semana conectadas aos seus computadores.

Atualmente, com o avanço tecnológico na velocidade da transmissão de dados, popularmente chamado de banda larga, em que a transmissão via linha telefônica se divide em três canais virtuais – um para voz, um para download

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(dados que o usuário recebe) e um para upload (dados que o usuário envia) –, o usuário não paga mais por tempo de acesso, e sim por uma assinatura para usar a internet pelo tempo que desejar, sem ocupar a linha telefônica.

No início dos anos 2000 começaram a aparecer novas maneiras de criar e desenvolver um website. A principal ferramenta para desenvolvimento de websites era o programa Macromedia Flash, que anos depois (2005) foi comprado pela empresa Adobe. O Flash é um programa de animação focada para web, com possibilidade de inserção de botões e links. Pacievitch (2015) destaca que o Flash originou-se de outro software de ilustração chamado Smartsketch, fabricado pela empresa Futurewave, à qual os usuários do programa solicitavam a capacidade de ele fazer animações nas próximas versões. Com o surgimento da internet, a Futurewave viu um mercado promissor e desenvolveu a ideia de um programa para realizar animações complexas, mas ao mesmo tempo leves, em virtude do formato vetorial na sua linguagem (baseado em vetores matemáticos). Na figura 3 observa-se um comparativo entre imagens vetoriais e bitmaps.

Figura 3 – Diferença entre imagem em vetor e bitmap

Fonte: Cosmos (2015)

Com todas essas ferramentas em mãos, o universo mercadológico da internet começou a se expandir. Segundo Kenski (2002), “a rede intensificou as relações entre fornecedores, distribuidores, produtores, administradores e todos os integrantes da cadeia produtiva”. Até mesmo fora do mundo virtual, a internet já estava diretamente relacionada ao aumento do número de vendas de computadores. Após o surgimento da conexão sem fio, a internet deixou de ser sinônimo de cabos e aumentou ainda mais as vendas de notebooks portáteis.

Ainda de acordo com Kenski (2002), a revolução da internet no mundo corporativo elevou-se ao nível de surgirem negócios próprios na rede, conhecidos como empresas “ponto com”, explorando a comercialização online de serviços e produtos. Essa fase ficou conhecida como “bolha da internet”, em que tais empresas eram mantidas por capital de risco, para gerar uma vantagem competitiva que no futuro gerasse lucro. Os primeiros e-commerces (websites de comércio eletrônico, lojas virtuais) surgiram com a ideia de que tudo poderia ser

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vendido pela internet. Esse foi, sem dúvida, um dos maiores erros para o fracasso das empresas “ponto com” daquele período, pois, baseadas nesse conceito, não sabiam ainda como atingir seu público-alvo e potenciais clientes. Surgiu a oportunidade de criar o marketing digital para as empresas “ponto com” do novo período. A figura 4 exemplifica um modelo de empresa “ponto com”.

Figura 4 – Exemplo de empresa “ponto com”

Fonte: Shoppers Shop (2010)

O marketing digital

Com o marketing digital dominando a internet, a beleza gráfica e as animações produzidas pelos web designers em linguagem Flash começaram a perder sua relevância quando surgiu uma nova metodologia na web: o conteúdo participativo, ou seja, a era da interação. Nesse contexto, nasceu o inbound marketing, o qual Peçanha (2015) conceitua como “qualquer forma de marketing que visa ganhar o interesse das pessoas”. Nesse sentido, o usuário recebe as informações de forma natural, participativa. As pessoas interagem por e-mail com as lojas ou em fóruns de discussão. Elas querem se comunicar com as empresas e instituições, e a internet é um excelente facilitador de contato.

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Utilizando o conceito de comunicação via e-mail, as empresas “ponto com” resolveram usá-la para divulgar novidades e promoções, criando o e-mkt (e-mail marketing), como observado na figura 5.

Figura 5 – E-mkt da empresa Submarino

Fonte: Milled (2015)

Um grande avanço no marketing na era digital foi o aparecimento do motor de busca Google. Esse website surgiu de um projeto de doutorado de duas pessoas (Larry Page e Sergey Brin) na Universidade Stanford, na Califórnia. O diferencial em relação aos outros motores de busca já existentes era determinar a relevância de um website de acordo com as ligações que ele tinha com outros websites e também com seu conteúdo propriamente dito, enquanto os outros motores concorrentes se preocupavam exclusivamente com os números de acesso para organizar a relevância dos resultados na busca. De acordo com Periard (2007), pela magnitude na quantidade de informações que o Google poderia processar, ele foi batizado de “googol”, um termo inventado pelo

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matemático Edward Kasner referente a um número imenso, mas não infinito (dez elevado à centésima potência). Por um erro de grafia, ou para não dar conflito com direitos autorais, acabou sendo conhecido como Google.

Além de desbancar a concorrência com a nova forma de indexação de websites na busca eletrônica, o Google conseguiu chamar a atenção do grande público com a criação de um serviço gratuito de e-mail, oferecendo um espaço de mensagens muito maior para os usuários, em relação aos seus concorrentes Yahoo, Hotmail etc. O crescimento do Google foi intenso, adquirindo várias startups e transformando-as em vários serviços próprios gratuitos, como o Google Earth (mapa de localização mundial via satélite) e o site de vídeos online YouTube. A figura 6 apresenta uma ilustração da página eletrônica do Google.

Figura 6 – Website Google

Fonte: Technoblip (2015)

A internet revolucionou a forma de fazer publicidade. Além de ser um importante item de divulgação de produtos e serviços, quanto mais um website é visitado, maior o seu valor e consequentemente sua visibilidade para anúncios de propaganda. Partindo desse conceito, de acordo com Levy (2012) foi criada uma nova forma de negócios chamada Programa de Afiliados, em que basicamente os donos de websites divulgam outros websites em suas páginas. Essa ideia surgiu na área de websites de conteúdo adulto e foi solidificada pela Amazon.com, uma das primeiras companhias a vender produtos via internet.

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Ainda de acordo com Levy (2012), quase cem por cento da receita do Google vem de seus programas próprios de publicidade e afiliados. Um deles é conhecido como Google AdWords, que permite aos anunciantes exibir seus anúncios dentro da busca, sendo cobrado um valor por clique ou por visitação. Outra maneira de fazer publicidade é pelo programa Google AdSense, que possibilita a proprietários de websites expor esses mesmos anúncios em suas páginas, recebendo um valor também por clique ou por visitação.

Com a popularização da internet, outro tipo de serviço de comunicação e entretenimento ganhou força: as redes sociais, uma grande guinada para o marketing digital. As redes sociais são estruturas compostas por pessoas ou organizações, conectadas por um ou vários tipos de relações (suas ligações) e que compartilham valores e objetivos em comum (fluxo de informação). Elas criaram uma nova forma de relacionamento entre as empresas e os seus clientes, pois são mais pessoais e interativas do que qualquer outra mídia, em que o usuário recebe apenas informações de seu interesse, pode comentar online e indicar produtos e serviços para outros usuários. Há vários segmentos de redes sociais, como área profissional (Linkedin), entretenimento (Facebook) e compartilhamento de vídeos (YouTube), como se observa na figura 7.

Figura 7 – Ícones de várias redes sociais

Fonte: Sucesso Certo (2015)

Por meio da internet, especialmente nas redes sociais, o comportamento social das pessoas vem mudando, pois além de alcançarem qualquer conteúdo e conhecimento de seu interesse têm autonomia para expressar suas ideias, estendendo o convívio físico para o virtual. Qualquer pessoa pode produzir informações e influenciar outras, porém cabe aos usuários apurar o que é real ou falso.

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Tendências futuras

Com a demanda da internet móvel e o acesso às tecnologias de comunicação sem fio (wireless), a proliferação e a venda dos smartphones no mercado aumentaram em níveis astronômicos. Projetados desde 1992 pela Apple, a tecnologia atingiu as massas em 2007 com o iPhone, exemplificado na figura 8. De acordo com Parizotto (2015), muito mais do que um simples celular, os aparelhos reúnem exatamente aquilo que é exigido do profissional moderno: mobilidade, rapidez e funcionalidade, desempenhando a função de um computador com avançados recursos multimídias, desde transações bancárias, e-mails, redes sociais, games, além de uma infinidade de aplicativos para o dia a dia.

Figura 8 – iPhone

Fonte: Apple (2015)

O surgimento dos vários dispositivos móveis para acesso a internet, como os smartphones, tablets e smartTVs, criou um problema e ao mesmo tempo uma oportunidade de negócios para os web designers e desenvolvedores de web. Como o design de um website projetado para o computador tem sua devida dimensão, ele não se adaptaria em diferentes formatos de tela. E, para os usuários visualizarem as informações de maneira prática, adveio então uma nova tendência para projetá-los: o design responsivo, ou seja, um segmento do design que se adapta e responde a qualquer tipo de tela, em qualquer dispositivo ou plataforma. Nesse sentido, confirma-se a ideia de Forty (2007, p. 16) de que “todo produto, para ter êxito, deve incorporar as idéias que o tornarão comercializável, e a tarefa específica do design é provocar a conjunção entre essas idéias e os meios disponíveis de produção”.

A técnica do design responsivo não é nova. Antes da proliferação dos acessos à internet via dispositivos mobile, as resoluções de tela dos computadores

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já tinham de ser consideradas na concepção de um website. De acordo com Machado (2011), “resolução refere-se ao tamanho (largura X altura) em pixels de um objeto gráfico”, ou seja, cada tela do computador tem uma resolução máxima, e em alguns casos pode ser pequena, e o design precisa se encaixar nela.

O design responsivo, cujas funcionalidades são apresentadas na figura 9, possui muitas vantagens, como a identificação automática e o ajuste ao dispositivo utilizado, e melhora o tempo de carregamento do website. Mas o mais importante é que ele melhora a experiência de acesso ao usuário, o que proporciona o retorno deste e o aumento da relevância dos websites nos motores de busca.

Figura 9 – Design responsivo para vários dispositivos

Fonte: Altermann (2012)

Como as pessoas estão se adaptando e absorvendo a comunicação móvel, comumente chamada de mobile, um grande universo que está se abrindo para os designers atualmente é o que se pode chamar de internet das coisas, ou internet of things, no idioma inglês. O conceito é basicamente conectar o mundo real com o virtual, via web – por exemplo, a conectividade entre vários tipos de objetos do dia a dia, sensíveis à internet, como eletrodomésticos ou outros equipamentos eletrônicos (PORVIR, 2015). Esse tema já é discutido desde a década de 1990, mas somente hoje em dia, com a tecnologia sensorial e nanotecnologia, está se tornando realidade. Os dispositivos, equipados com sensores que captam aspectos como temperatura, umidade e presença, enviam tais informações para centrais que as utilizam de forma inteligente. Para o design, a porta está aberta para o desenvolvimento de várias ideias de funcionalidade e aplicabilidade.

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Considerações finais

Resumidamente, em toda a história da internet, a mola propulsora para o seu desenvolvimento e evolução foi o capitalismo ou a oportunidade de novos negócios, mesmo porque seu surgimento foi inicializado em um determinado período em que esse sistema econômico estava em conflito árduo com o sistema econômico oposto, conhecido como socialismo. De certa forma, a busca por riquezas e a competitividade são fatores que tornam o capitalismo um sistema econômico capaz de proporcionar o avanço tecnológico.

A partir do momento em que a internet se tornou comercial, o grande protagonista do seu desenvolvimento foi o designer, ou mais especificamente o web designer, que remodelou e continua a remodelar as formas de fazer comunicação online. A capacidade de se conectar com outros indivíduos via todos os tipos de dispositivos é o que gera as grandes ideias e também as tendências.

A conectividade mobile liberou um processo de desenvolvimento e interação imenso em nossa sociedade, e o compartilhamento de conteúdo entre os diversos públicos atrai cada vez mais o marketing digital, proporcionando possibilidades infinitas e fazendo a informação chegar de maneira natural, e não forçada. As oportunidades estão flutuando na rede.

Agradecimentos

Agradecemos à empresa Holistic Propaganda e Internet, por gentilmente ceder os conhecimentos e principalmente horas de serviço na busca de informações.

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Intervenções urbanas: o cidadão como agente da cidade

Urban intervention: the citizen as the city’s agent

CREUZ, Morgana1

EVERLING, Marli T.2

Resumo: Este artigo é um recorte da pesquisa3 intitulada “O design gráfi co como facilitador da nova cultura de cuidado com a cidade”. Seu objetivo é o estudo extraestético das intervenções urbanas no contexto social das cidades. Para tal, empregaram-se a pesquisa bibliográfi ca por meio de consultas em diversas bases de dados e o estudo de caso aplicado, compreendendo a análise do cenário social de duas intervenções reais. Os resultados obtidos fortalecerão os estudos sobre a infl uência dos campos e a compreensão dos códigos e cenários, para idealização de projetos híbridos nos campos artísticos e de design, bem como contribuirão para contextualizar socialmente o campo da experimentação da cidade.Palavras-chave: intervenções urbanas; cidades; design e cenários.

1 Graduada em Design com habilitação em Programação Visual, especialista em Comunicação Integrada de Marketing e mestranda no Programa de Mestrado Profi ssional em Design pela Universidade da Região de Joinville (Univille). Atua como docente nas disciplinas de Ilustração Gráfi ca e Linguagem Visual no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). E-mail: [email protected].

2 Doutora em Design e Sociedade pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora do departamento de Design da Univille. E-mail: [email protected].

3 Desenvolvida no projeto de pesquisa Urbe, vinculado ao Laboratório de Estudos em Design-Cidade/LECid, do Mestrado Profi ssional em Design.

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CREUZ, Morgana | EVERLING, Marli T.

Abstract: This article is an excerpt of the study4 entitled: “Graphic design as a facilitator of the new culture of care with the city”. Its objective is the extra-aesthetic study of the urban interventions in the social context of cities. To do this, we used bibliographic research through consultations in various databases and the study of applied case, comprising the analysis of the social scenery of two real interventions. The obtained results will strengthen the studies on the infl uence of the fi elds and the understanding of codes and scenery, for the idealization of hybrid projects in arts and design courses as well as contribute to contextualize socially the fi eld of trial of the city.Keywords: urban interventions; cities; design and scenery.

Introdução

A cidade como superfície de intervenções urbanas transcende os limites apáticos encontrados nos centros urbanos. A escala de cinza antes comum nesse cenário vem dando lugar à experimentação da cidade em um formato de arte livre e distante da tradicionalidade. Com motivações distintas, as intervenções, a arte e o design permitem aos cidadãos o protagonismo do espaço público, assumindo o papel de agente5 transformador, lançando um novo olhar para os centros urbanos.

Diretamente ligadas à nova cultura de cuidado com a cidade, as intervenções urbanas vêm ganhando proporção e espaço ao transmitir um paralelo refl exivo entre os valores materiais e imateriais, culminando no repasse de conceitos da dimensão humana aos espaços públicos. Segundo Melendi (apud MAZETTI, 2006), nos dias atuais “as intervenções são uma reação contra a degradação do espaço público”.

Sabe-se que a sociedade atual demanda por estratégias de sobrevivência, visto o caos generalizado em que se vive. Nesse contexto, verifi ca-se a inserção de novos valores de consumo, em que a necessidade de diferenciação e a identidade regional, aliadas às referências globais, culminam no resgate das raízes e dos métodos do passado na representação de um novo estilo de vida (STARLING; COSTA; PINNOW, 2015). A sociedade atual está levantando

4 Developed on Urbe Research Project, linked to the Laboratory of Study in Design-City/LECid, the Professional Masters in Design.

5 Utilizou-se o verbete agente, visto que esse é um termo empregado por Bourdieu (2001) ao destacar um indivíduo que é protagonista de um campo.

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Intervenções urbanas: o cidadão como agente da cidade

uma nova bandeira e tomando o seu lugar como protagonista das cidades. Novas abordagens como a coletividade, o compartilhamento e o consumo consciente fazem parte desse discurso a favor da vida nas cidades. Nesse sentido, considera-se que as intervenções urbanas atuam como vozes de uma nova cultura que se apresenta.

Este artigo está estruturado em duas partes. Na primeira, apresenta-se um contexto histórico, motivacional e de expressão das intervenções urbanas, buscando um olhar extraestético do movimento. Já na segunda parte, analisam-se dois casos reais para reflexão da influência dessas intervenções no contexto social e no cotidiano das cidades. Inicia-se o estudo buscando a compreensão sociológica do cenário cultural e social e das abordagens que fazem referência ao movimento. Para tal, serão aprofundados os estudos com base em Wolff (1982), Cipiniuk (2014), Bourdieu (2007; 2008), Becker (2009) e Forty (2007).

O campo, os códigos e o gosto nas intervenções urbanas

No contexto da arte como produto social, sugerido por Wolff (1982), o ambiente em que o artista, designer ou executor do projeto está inserido culmina na construção de seu pensamento e dos seus ideais como cidadão. Logo, reflete na materialização de seu trabalho artístico ou de design. A autora destaca que as estruturas sociais e a ação de cada indivíduo, no que tange aos campos artísticos e inovadores, surgem da ligação de diversos determinantes e aspectos de sua cultura. Dessa forma, encaram-se as intervenções urbanas como resultado motivacional de uma pessoa, ou grupo, não satisfeita com as condições impostas. Tais intervenções, em coincidência com as abordagens de Wolff (1982), Bourdieu (2008) e Cipiniuk (2014), não surgem de um dom da natureza ou esfera sobrenatural, mas são reflexos do cenário em que estão inseridos e das necessidades culturais.

Entende-se que a motivação de alguns indivíduos é inércia para outros. Tal fato se deve à significação que cada indivíduo dá àquilo que presencia. Conforme abordagem de Cipiniuk (2014), as pessoas veem as mesmas coisas, entretanto enxergam aquilo que foram preparadas para interpretar. Nessa mesma linha, Becker (2009) afirma que “não é fácil distinguir interpretações de fatos. Cada fato, em seu contexto social, implica e convida a interpretações. As pessoas passam facilmente e sem muita reflexão de uma coisa para a outra. Os mesmos fatos darão lugar a muitas interpretações”. O entendimento acerca de obras de arte, produtos do design e das próprias intervenções urbanas só alcança seu real sentido caso o indivíduo que é por eles impactado seja dotado do código segundo o qual eles são codificados (BOURDIEU, 2008, p. 10). Observa-se dessa forma

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o motivo por que inúmeras pessoas ignoram tal tipo de trabalho, muitas vezes criticando-o. O fato é que “[...] o espectador desprovido do código específico sente-se submerso, ‘afogado’, diante do que lhe parece ser um caos de sons e ritmos, de cores e linhas, sem tom nem som” (BOURDIEU, 2008, p. 10).

Além da detenção dos códigos, Bourdieu (2008) categoriza o gosto como fator de classificação daquilo que é considerado belo. O autor discorre sobre inúmeros pontos que caracterizam o gosto dos indivíduos, sendo alguns deles a educação, as origens sociais, os fatores culturais, entre outros. Esses aspectos não estão diretamente ligados a questões estéticas, visto que a ciência do gosto e do consumo cultural possui relações distintas de escolhas incontáveis.

Bourdieu (2007) trata também da noção dos campos. Ele afirma que a sociedade é dividida em campos sociais, os quais são definidos por leis fundamentadas socialmente e se diferem de outros campos, de acordo com as leis que os orientam. Nos campos referentes à arte e ao design, observa-se uma constante inquietação acerca da significação dos termos e da classificação dos projetos. Autores como Wolff (1982) e Bourdieu (2008) abordam a distinção desses campos evidenciando as teorias artísticas, enquanto Forty (2007) e Cipiniuk (2014) discorrem do ponto de vista do design. Bourdieu (2007) afirma que o limite de um campo é a fronteira em que seus efeitos deixam de ecoar. Sabe-se que cada campo possui suas características e que é influenciado por outros campos, contudo observa-se uma congruência entre eles, a começar pelo fato de que as teorias contemporâneas que regem os estudos das áreas do design se baseiam em teóricos das artes visuais, principalmente os que valorizam aspectos das imagens (MORGENSTERN, 2011, p. 6). Belchior e Ribeiro (2014, p. 8), em comum acordo com Morgenstern (2011), afirmam que “os dois campos se misturam e se confundem, sendo, por vezes, impossível estabelecer uma separação clara”. Compreendem-se as intervenções urbanas como reflexo desse hibridismo de campos, visto que elas são elaboradas de acordo com conceitos teóricos e características da arte, contando com metodologias e ferramentas do design para sua execução. Na contemporaneidade campos híbridos estão cada vez mais frequentes. Ressalta-se que essa macrotendência deriva das abordagens coletivas e de colaboração que estão sendo discutidas e vivenciadas pela sociedade.

As intervenções urbanas são expressões de uma sociedade, sejam elas críticas, culturais, experienciais, inspiracionais... Nesse contexto, Becker (2009) relata que toda e qualquer forma de representar a sociedade é pertinente, seja por meio de um filme, de uma fotografia, de um mapa ou até mesmo de um modelo matemático. Verifica-se que as intervenções urbanas são reflexos consonantes aos estudos de Becker (2009). O autor afiança ainda que “somos todos curiosos em relação à sociedade em que vivemos. Precisamos saber, na

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base mais rotineira e maneira mais comum, como nossa sociedade funciona” (BECKER, 2009, p. 17). Os produtos gerados pela sociedade são nomeados pelo autor como relatos de uma sociedade ou ainda como representações dela. Ele reforça também que tais representações são desenvolvidas em diversos meios e, por conseguinte, por diversas tribos. Dessa forma, a discussão coletiva entre os envolvidos nas mais diversas formas de representações pode gerar entendimentos diferenciados de um mesmo assunto. Esse compartilhamento faz com que todos os grupos cresçam e principalmente fortaleçam o produto da sociedade.

Compreender o contexto social, histórico e cultural em que as intervenções urbanas estão inseridas se faz necessário, visto que estas são o foco do artigo. O próximo tópico aborda características e o cenário nas diferentes esferas das intervenções nas cidades.

Intervenções urbanas: contexto histórico, social e cultural

Originadas do desejo tácito de expressar uma indignação, as intervenções urbanas fazem parte do contexto da sociedade desde os anos 1960. Entretanto, segundo Home (2004), vestígios desse movimento já eram observados no dadaísmo e no surrealismo, em que se destacam as obras de Marcel Duchamp. Essas práticas “propõem a extrapolar a experimentação estética numa união entre arte e vida e se colocam de forma crítica na sociedade” (MAZETTI, 2006).

Diversos foram os protestos nos quais as intervenções estiveram inseridas: movimentos a favor dos direitos iguais, contra a ditadura e guerras, tropicalismo, entre outros (BEGUOCI, 2005). Salienta-se que a motivação preconizada por esses movimentos era semelhante e visava à possibilidade de protagonismo dos cidadãos perante a autoridade do poder público ou organizacional.

Observa-se, a partir dos anos 1970, uma nova motivação para as intervenções: a degradação do espaço urbano, a qual tem sido a propulsora da maioria das ações idealizadas até os dias atuais. Nesse cenário, Peixoto (2002) reflete sobre a utilização das intervenções urbanas como mecanismo para conscientizar as pessoas de que estas devem viver a cidade deixando de lado o papel de espectador do que acontece nela. Com um olhar mais abrangente, Oliveira (2006) explica que as intervenções nos centros urbanos se traduzem como comunicações que pretendem perturbar ou alterar a ordem estabelecida, afirmando a resistência diante das questões vivenciadas. Essas ações apresentam o inconformismo dos jovens perante o consumismo, a política institucionalizada, as questões ecológicas, além de confrontar a propriedade privada e os espaços públicos.

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Beguoci (2005) discorre sobre quatro pontos que a seu ver são fundamentais para a caracterização das intervenções. O primeiro abrange a localização delas, ou seja, a superfície dessas ações, que é a rua; logo, trata-se de uma arte livre e destinada à contemplação de todos. O segundo ponto refere-se à motivação para o trabalho, seja ela de um grupo ou de um indivíduo. Destaca-se a contribuição dos coletivos de arte nesse cenário, em que a colaboração entre os participantes e o compartilhamento de ideais é característica unânime. Já o terceiro aspecto envolve o objeto-alvo do protesto, seja este o poder público, impactos provocados na cidade, instituições privadas, entre outros. E, por fim, o quarto quesito está diretamente relacionado à linguagem utilizada, repleta de bom humor, ironia e atrevimento.

Nesse contexto, é válido fazer uma abordagem das intervenções urbanas ocorridas em períodos paralelos no mundo; tais práticas influenciaram as ações no Brasil, culminando no estado da arte que se observa atualmente. Em um primeiro momento se destaca a culture jamming, que em tradução livre significa bagunça ou confusão da cultura, segundo Dery (apud MAZETTI, 2006). Esse movimento surgiu nos Estados Unidos, nos anos 1980, e refletia práticas de ativismo midiático. Meikle (apud MAZETTI, 2006) afirma que “ jammers usam a mídia para chamar atenção para assuntos e problemas com aquela mesma mídia”. Algumas das intervenções realizadas pelos adeptos ao movimento eram baseadas na alteração de anúncios publicitários, disseminação de falsas notícias e subversão das mensagens em mídia exterior e rádio. Já na França, por volta dos anos 1950 e 60, destacou-se o grupo artístico-político Internacional Situacionista, com um movimento em que as intervenções eram ilícitas e se caracterizavam por atos de desobediência civil (MAZETTI, 2006). Debord (1997) nomeou essa organização de Sociedade do Espetáculo, visto que nesse momento “a lógica da mercadorização teria colonizado todos os âmbitos da vida, reduzindo o homem ao papel de espectador, por meio da alienação, em relação à produção, e da abstração generalizada” (MAZETTI, 2006, p. 6). Essas ações tiveram grande impacto na época e, conforme observado, estão diretamente ligadas a duelos com a mídia e a sociedade capitalista. Nos dias atuais essas motivações perduram, entretanto, conforme já pontuado, o foco dirige-se ao desgaste dos espaços urbanos.

Nota-se atualmente uma reconfiguração da cultura e dos valores, em que as intervenções urbanas atuam como ferramenta de reflexão simbólica. De acordo com Prado e Lamim-Guedes (2015), “o impacto de uma intervenção artística no meio urbano pode ser eficiente para retirar o indivíduo de um estado distraído e passivo, para um outro estado consciente e ativo”. Ainda segundo os autores, esse fato faz com que o pensamento individual dos cidadãos se converta em uma visão mais abrangente e coletiva. Ferraz, Scarpelini e

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Abreu (2009) representam tal cenário por meio de uma analogia com os rios. Estes mudam seus cursos e se reconfiguram, transformando a situação atual em outra não projetada. Os autores encaram as intervenções urbanas como formas alternativas de ocupação e recriação dos espaços urbanos por parte de seus moradores, visto que o ato de habitar a cidade não está apenas ligado ao morar, mas sim viver em sociedade nessa “grande obra de arte dinâmica que é a cidade” (FERRAZ; SCARPELINI; ABREU, 2009).

Discutir a cidade como superfície das intervenções urbanas (a fim de compreender o paradoxo em que estas estão inseridas, objetivando a interpretação do cenário e de suas características) pode contribuir para a sensibilização e a percepção de suas potencialidades, bem como para a apropriação do espaço urbano. Dessa forma, o próximo tópico debaterá esse enredo.

As cidades como cenário e superfície

O principal suporte do design gráfico é o papel, todavia, considerando o contexto global e social em que este está inserido, nota-se uma tendência de migração para outros tipos de suporte (FUENTES, 2006). A inclusão do conceito participativo, ou seja, de cocriação, está a cada dia ganhando mais adeptos, fato esse que contribui para com a dimensão humana que vem ao encontro da nova cultura de cuidado com as cidades. Fuentes (2006, p. 121) afirma que “o contexto de trabalho do designer é o mundo, tanto o ambiente físico primário como a complexa trama formada pela cultura humana, sem esquecer o determinante entorno emocional, pessoal e intransferível, de quem desenha”. Atrelado a esse contexto, observa-se a utilização das cidades como suporte em diferentes aspectos: o tradicional, como por exemplo na sinalização, ou ainda a experimentação, em que se citam as intervenções urbanas.

Plano de fundo de inúmeros acontecimentos, atualmente as cidades vivenciam um momento de transformação, ainda que tímido. Aos poucos se observam ações para que os espaços públicos deixem de ser apenas locais caóticos e de passagem e passem a se destacar como ambientes de experiências sensoriais únicas para cada indivíduo. Afinal, se o século XIX foi o período dos impérios e o XX o das nações, “este é o das cidades” (LEITE, 2012, p. 4). Lynch (2011, p. 2) afirma: “A cidade não é apenas um objeto percebido (e talvez desfrutado) por milhões de pessoas de classes sociais e características extremamente diversas, mas também o produto de muitos construtores que, por razões próprias, nunca deixam de modificar sua estrutura”. Leite (2012, p. 1) destaca a importância dos indivíduos como agentes transformadores da cidade, ao denotar que “os elementos móveis de uma cidade, em especial as pessoas e

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suas atividades, são tão importantes quanto as partes físicas estacionárias. Não somos meros observadores desse espetáculo, mas parte dele; compartilhamos o mesmo palco com os outros participantes”.

A cidade como cenário permite aos seus agentes transformadores o desenvolvimento projetual sem limites. A larga escala de grafitagens ou um pequeno recorte que se aproveita de uma rachadura no muro mescla-se com os improváveis parklets6, bem como com as interferências em espaços públicos. Destacam-se ainda os produtos culturais associados às artes gráficas, como os “homens-sanduíche”, os stickers7, cartazes de rua, entre outros (HOLLIS, 2000). Vê-se uma proposta aberta em que “a arte invade a vida”, não sendo mais destinada a poucos frequentadores de museus e admiradores de obras de arte. As intervenções urbanas integram o design participativo ao convidar os cidadãos a viver as cidades de forma única, em que todos podem ser artistas, designers ou meros participantes de uma nova forma de expressão. “Entendemos que o design não se constitui como uma forma de cultura, mas como expressão cultural que vem se mesclando aos nossos comportamentos e modos de ver o mundo. Hoje, é difícil separar o design de nossas ações” (BELCHIOR; RIBEIRO, 2014, p. 16). Verifica-se que o cidadão está tomando o seu papel de agente transformador das cidades ao vislumbrar que “se, em linhas gerais, [a cidade] pode ser estável por algum tempo, por outro lado está sempre se modificando nos detalhes” (LYNCH, 2011, p. 2).

Benjamin (1989; 1993 apud OLIVEIRA, 2007, p. 65) diz que “a modernidade trouxe uma cultura imagética impulsionada pela reprodutibilidade técnica das imagens que alterou a paisagem urbana, o cotidiano e a sensibilidade dos homens metropolitanos”. Conforme Oliveira (2007), as intervenções urbanas transformam as ruas das cidades em labirintos de imagens, proporcionando aos espaços públicos ambientes de leitura e interpretação imagética. A autora afirma ainda que esse movimento conferiu às cidades uma característica peculiar, que faz com que elas sejam lidas e compreendidas. De acordo com a influência das tribos, novas formas e cenários são construídos, oportunizando a construção de um “vocabulário de imagens” que, como as escrituras das cavernas, permite a representação e a construção da história da sociedade.

A observação do espaço em que as intervenções urbanas estão inseridas permite a interpretação e a análise do contexto das mensagens. Dessa forma, o próximo tópico dedica-se a explorar os diferentes tipos de intervenção e sua significação no espaço e no tempo.

6 Conceito originado em 2010 na cidade de São Francisco (EUA). Trata-se de pequenas praças implementadas no espaço de uma ou duas vagas de carros nas cidades (SOTO, 2014).

7 De acordo com Oliveira (2007, p. 67), são adesivos de papel ou vinil, de produção caseira e individual, que são espalhados pelas ruas como forma de manifestação artística anônima e sutil.

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Intervenções urbanas: o cidadão como agente da cidade

Intervenções urbanas: observação do espaço

O espaço em que as intervenções estão inseridas é a cidade. Vislumbrando sua amplitude e composição, denota-se que tal cenário possibilita manifestações e interpretações que divergem conforme o observador desse espaço: “cada cidadão tem vastas associações com alguma parte de sua cidade, e a imagem de cada um está impregnada de lembranças e significados” (LYNCH, 2011, p. 1). É fato que “cada indivíduo cria e assume sua própria imagem, mas parece existir um consenso substancial entre membros do mesmo grupo” (LYNCH, 2011, p. 8). Nesse contexto, destaca-se um segundo observador da cidade: o turista. Esse indivíduo não possui vícios de leitura e compreensão do seu entorno. Assim, segundo o autor, ao analisar uma cidade esse indivíduo percebe espaços comumente ignorados por seus moradores. Considera-se esse olhar inocente, válido para as intervenções urbanas, visto que desdobra a possibilidade de abordagem de um novo cenário para uma manifestação comum. Percebe-se que a interpretação do espaço depende do indivíduo que o analisa. Da mesma forma, a compreensão do indivíduo da real mensagem transmitida, por meio de uma intervenção, só terá seu valor percebido caso o código ao qual esta foi desenvolvida seja de seu domínio (BOURDIER, 2008).

Ressalta-se que o design de uma cidade é temporal, ou seja, está em constante transformação, seja por meio de obras civis ou artísticas (LYNCH, 2011; LEITE, 2012). Essa variabilidade permite a criação e a recriação de espaços para os cidadãos onde cada vez mais as intervenções urbanas atuem como vozes, para que órgãos públicos observem as necessidades dos indivíduos pertencentes à cidade. Nesse contexto, serão mostrados os principais formatos de intervenções urbanas realizadas na contemporaneidade, a fim de compreender a mensagem e interpretar sua aplicação no espaço. Em um contexto geral, as intervenções urbanas são constituídas de aplicações simples, mas que repercutem na maioria das vezes em um grande impacto visual, cultural e social. Nessa conjuntura, analisam-se as caraterísticas dos grafites, dos stickers e das instalações de espaços públicos. Entretanto, em um primeiro momento, vale distinguir os termos pichação e grafitagem.

Desde o início da era cristã, a pichação era um formato de expressão banalizada que visava retratar a indignação dos praticantes para com diversos aspectos sociais vivenciados. “A ocupação do espaço urbano pela pichação revela uma guerra que se intensificou nas últimas décadas nos grandes centros urbanos, acompanhando a emergência juvenil no protagonismo cultural” (OLIVEIRA, 2007, p. 69). A principal marca deixada pelas cidades, por meio da pichação, são as iniciais dos grupos que a praticam. “Ao espalhar assinaturas pela cidade, se transformam em personagens urbanos e dizem: ‘eu existo’, ‘eu circulo pela cidade’, ‘esta cidade também é minha’” (OLIVEIRA, 2007, p. 69). De certo modo, observa-se nos praticantes desse movimento o desejo descrito por Bourdieu (2008) de ser o agente transformador da sociedade.

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A incompreensão da grafitagem de certo modo é caracterizada pela forma desregrada com que a pichação se apresenta para a sociedade. Oliveira (2007, p. 69) afirma que “o grafite tem em comum com a pichação a transgressão, mas advém das artes plásticas e privilegia a imagem”. A autora destaca que uma das características mais marcantes da grafitagem é a colaboratividade, visto que, mesmo sendo trabalhos individuais, as artes recebem influência ou auxílio de outros grafiteiros ou artistas.

Já os stickers, popularmente conhecidos como lambe-lambes, também são meios de intervenção urbana em que o indivíduo tem a possibilidade de atuar como protagonista da cidade: “Articulados às artes gráficas, os stickers são pequenos pedaços de papéis ou plásticos adesivos produzidos artesanalmente e em número suficiente para serem espalhados pela cidade, criando percursos, apropriações territoriais e reconhecimento em bairros distintos” (OLIVEIRA, 2007, p. 70). Essas intervenções são espalhadas por diferentes pontos da cidade, visto sua facilidade de aplicação e tamanho. Percebe-se que a cada dia esse movimento ganha mais adeptos, sendo a versatilidade uma de suas principais características.

Quanto às instalações em espaços públicos, elas surpreendem os cidadãos que transitam por determinada localidade. Esse formato de manifestação normalmente não é estático, visto que os indivíduos que por ela passam interagem com a obra, fazendo com que sua significação mude constantemente. Vale ressaltar o aspecto reflexivo que tal meio de expressão impõe: “os passantes param, olham, tocam”; como o cotidiano das metrópoles costuma colocar as pessoas num estado de apatia, invariavelmente as intervenções “causam surpresa, fazendo com que as pessoas percebam que a cidade tem uma dimensão humana” (SIL, 2013).

O espaço das intervenções urbanas proporciona inúmeras possibilidades de aplicação e de interpretação. Dessa forma, na sequência será realizada uma análise de dois casos reais, a fim de compreender os fatores extraestéticos relacionados.

Análise de casos

Os casos analisados neste artigo foram escolhidos com base no impacto provocado na sociedade de que fazem parte. São intervenções urbanas realizadas no Brasil que expõem problemas característicos das regiões nas quais foram inseridas. Serão analisadas as intervenções “Que ônibus passa aqui? ”, do grupo Shoot the Shit, de Porto Alegre (RS), e “A arte da espera”, idealizado pelo site Reclame Aqui, em parceria com o grafiteiro Vermelho, em São Paulo (SP).

Dividiu-se a análise dos casos em dois atos. No primeiro, realiza-se uma abordagem extraestética fundamentada no contexto e na forma de interação. Dessa maneira, investiga-se a forma com que a mensagem é percebida, construída, influenciada e transmitida. Em um segundo momento, aborda-se a

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intervenção do ponto de vista da estética pura, ou seja, de natureza interna. Os fundamentos de arte e design aplicados são observados com relação à composição da imagem e à proposta, além da averiguação do impacto visual despertado. Embora a análise tenha sido dividida em dois momentos, ressalta-se “que as variáveis estéticas e extraestéticas são complementares e não opostas” (MORGENSTERN, 2011, p. 48). Acredita-se que tais abordagens auxiliam na construção do cenário e da mensagem das intervenções visando ao alcance ainda que inconsciente dos cidadãos. Os critérios que fundamentam as análises são baseados em autores como Beguoci (2005), Bourdieu (2008), Fraser e Banks (2007), White (2006), Ambrose e Harris (2009) e Lynch (2011).

A primeira intervenção avaliada é “Que ônibus passa aqui?”. A ideia surgiu em 2012, quando um grupo de amigos publicitários, Luciano Braga, Gabriel Gomes e Giovani Groff, decidiu investir em soluções para problemas da cidade. De acordo com os criadores do projeto (SHOOT THE SHIT, 2015), “[...] é mais fácil cada pessoa cuidar do ponto de ônibus mais próximo de sua casa do que a prefeitura cuidar de todos os pontos da cidade”. A proposta do grupo foi dividir as responsabilidades, mostrando que, cada um fazendo a sua parte, juntos os cidadãos podem melhorar o contexto da cidade em que vivem.

Verifica-se que a fragilidade do transporte público e as dificuldades de mobilidade urbana são constantemente inspirações para protestos e intervenções. Nesse contexto, as medidas para evitar os congestionamentos também são tomadas, visando a um único formato: o alargamento e a criação de avenidas. Entretanto pesquisas comprovam que os carros não levam a maioria das pessoas, mas sim ocupam a maioria dos espaços. Conforme Penalosa (apud GARCIA, 2013), “resolver o trânsito construindo mais avenidas é como apagar o fogo com gasolina”. Observando tais elementos externos, constata-se que mesmo que indiretamente eles influenciaram a intervenção analisada. A inconsistência dos investimentos públicos na melhoria dos problemas da sociedade é uma constante e se repete cotidianamente. Felizmente, os cidadãos estão assumindo seu papel como agentes de transformação, criando artimanhas para facilitar o dia a dia dos indivíduos, melhorando a mobilidade urbana e por conseguinte a vida nas cidades.

A proposta dessa instalação segue os quatro pontos destacados por Beguoci (2005), descritos anteriormente. É uma instalação que acontece na rua, faz parte de uma motivação individual ou coletiva e tem como alvo a crítica pela falta de investimento na melhoria física e informacional dos pontos de ônibus, seja por parte do poder público ou por empresas de transporte coletivo, tendo como linguagem básica o bom humor. A instalação utiliza os espaços públicos, especificamente os pontos de ônibus, para propagar sua mensagem, que é divulgada por meio dos stickers. Esse formato de comunicação estimula a colaboratividade, tendência da contemporaneidade, e resulta em ganhos valiosos – por exemplo o tempo – para todos os usuários de transporte coletivo. A proposta foi iniciada em Porto Alegre, entretanto hoje atinge cerca de 30 cidades, até mesmo fora do Brasil. Esse fato é possível porque o Shoot

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the Shit disponibiliza gratuitamente em seus meios de relacionamento as artes e as instruções para que mais pessoas e cidades participem do movimento. Ressalta-se que o coletivo de arte estimula esses novos agentes transformadores a registrar as ações em fotos e vídeos e compartilhar com o grupo suas intervenções, com o objetivo de contagiar mais pessoas para fazer a diferença, experienciando e melhorando a sua cidade.

Observando os conceitos de composição da imagem, percebe-se uma preocupação funcional e estética tanto com os stickers quanto com todos os outros materiais gráficos da ação, sejam eles digitais ou físicos. A paleta de cores é composta por duas cores vibrantes (azul e rosa) e duas neutras (cinza e branco), sendo aplicadas de forma chapada. Segundo Fraser e Banks (2007), esse tipo de aplicação cromática auxilia na leitura, por conta do contraste gerado, influenciando positivamente no impacto visual despertado. A tipografia empregada é sem serifa, o que facilita a leitura e atribui uma estética arrojada e informal aos materiais. White (2006) assegura que a escolha da fonte afeta o caráter e a personalidade do material que está sendo desenvolvido. O formato dos stickers é longilíneo e diferenciado, garantindo uma boa aplicação e destaque. Ambrose e Harris (2009, p. 9) afirmam que “a seleção do formato depende de considerações práticas como o público-alvo, a natureza das informações a serem apresentadas e os custos envolvidos”. O material é o adesivo envernizado, durável e fácil de aplicar. Observa-se que tais características contemplam os requisitos de materiais desenvolvidos para ambientes externos, de grande circulação e constantemente influenciados pelas ações climáticas. Consideram-se os stickers dessa ação peças de sinalização, visto que eles auxiliam os indivíduos passantes da cidade a se locomover de maneira mais efetiva. Lynch (2011) cita os conceitos de bem-estar e equilíbrio ao vislumbrar o momento em que os cidadãos sabem para onde estão indo ou de que maneira chegar a um destino. Entretanto, em caso contrário, a frustração, a falta de segurança e o medo se fazem presentes. “Portanto, uma imagem clara do entorno constitui uma base valiosa para o desenvolvimento individual” (LYNCH, 2011, p. 5). Na figura 1, observa-se um infográfico que apresenta as peças utilizadas na ação, os aspectos de composição da imagem destacados anteriormente, a utilização e a aplicação dos stickers no contexto urbano e a experiência despertada pela intervenção nos indivíduos colaboradores e agentes transformadores do espaço urbano.

O impacto da intervenção “Que ônibus passa aqui” é vivenciado nos campos social e visual, visto que ela se aplica tanto por seu contexto e mensagem quanto pelos resultados obtidos nas diferentes cidades participantes. Além do apoio dos cidadãos, o poder público de algumas cidades percebeu no projeto iniciado por eles uma oportunidade de envolver a comunidade e melhorar algumas fragilidades do transporte público. Ressalta-se que, quando o cidadão atua como agente de transformação das cidades, os problemas destas diminuem ou deixam de ser despercebidos. Dessa forma, acredita-se que tal intervenção cumpre seu papel de mobilização social.

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Intervenções urbanas: o cidadão como agente da cidade

Figura 18 – “Que ônibus passa aqui?”

Fonte: Imagens disponíveis em: <http://shoottheshit.cc/que-onibus-passa-aqui/>; <https://www.catarse.me/pt/projects/5731>; <http://imaginanacopa.com.br/historias/que-onibus-passa-aqui/>. Acesso em: 11 jun. 2015

O segundo caso analisado é a intervenção “A arte da espera”, projeto idealizado pelo site Reclame Aqui em parceria com o grafiteiro Vermelho. A intervenção tem como propósito demonstrar, por meio da arte, o tempo que os cidadãos gastam ao tentar cancelar serviços de telefonia, televisão por assinatura e internet. A ação foi realizada durante o mês de maio de 2015 e resultou na grafitagem de três muros na cidade de São Paulo.

8 Ressalta-se que a utilização das imagens tem fins de estudo. Elas foram retiradas da internet, divulgadas pelo coletivo de arte que desenvolveu a ação em seu site próprio e em uma matéria publicada.

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Há algum tempo se observa que algumas empresas desrespeitam os cidadãos ao não cumprir resoluções do Código de Defesa do Consumidor. Essa atitude causa revolta, descontentamento e insatisfação aos consumidores. É fato que o imediatismo é uma característica da contemporaneidade, no entanto tal aspecto não reflete na educação e nos direitos dos indivíduos. Sabe-se que em parte o mau atendimento e a demora na resolução das solicitações não são culpa dos atendentes dessas empresas e sim de uma sociedade capitalista que visa ao lucro em detrimento dos direitos e deveres dos cidadãos. A crítica central dessa análise não recai apenas nas empresas de telemarketing, como também em toda classe empresarial que desrespeita o consumidor. Desde os anos 1960 os esforços empreendidos para o processo de evolução das cidades têm como foco o avanço como forma de aumentar os ganhos e estimular a régua da economia. Vale ressaltar que os resultados positivos nessa régua estão desvinculados de uma sociedade próspera e saudável. De acordo com a revista The Economist (2013 apud GARCIA, 2013), São Paulo é a cidade que mais cresce em competitividade em âmbito mundial, contudo pesquisas realizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS apud CASTRO, 2012) afirmam que a capital paulista possui o maior número de casos de transtornos mentais do mundo. Garcia (2013) reflete sobre essa questão dizendo que “[...] as réguas que medem a cidade estão velhas, não [dando] conta da diversidade das pessoas”.

A intervenção “A arte da espera” diferencia-se da analisada anteriormente em diversos fatores, a começar pela motivação. Esta é originada de uma empresa privada, enquanto aquela surge do desejo dos cidadãos. Trata-se de um fator interessante, visto que demonstra a preocupação de algumas empresas privadas em colaborar com a nova cultura de cuidado e transformação da cidade. Verifica-se que os quatro pontos destacados por Beguoci (2005) são atendidos, assim como no caso de “Que ônibus passa aqui”. Os muros da cidade são a superfície da ação, originada de uma motivação da iniciativa privada e que demonstra a falta de respeito das empresas de serviços para com os cidadãos, ao buscarem seus direitos de cancelamento de serviços por elas ofertados. A intervenção utiliza uma linguagem arrojada e bem-humorada.

As imagens são compostas com base nas teorias artísticas e de design. Com cores fortes e vibrantes, o grafite representa por meio de elementos simbólicos os sentimentos despertados durante as tentativas de cancelamento dos serviços anunciados. As frases “Esta arte foi feita tentando cancelar um serviço de...” e “Seu tempo vale mais do que você imagina” despertam a reflexão do indivíduo impactado pela intervenção. A caixa alta e sem serifa auxilia no impacto da mensagem. A superfície utilizada é o muro em frente aos estabelecimentos para os quais estavam sendo realizados os cancelamentos. Observa-se assim a utilização da arte como forma de protesto. O infográfico apresentado na sequência (figura 2) demonstra o processo de criação e as artes finalizadas.

O impacto despertado nos cidadãos que circulam pelos locais é perceptível, visto que a maioria para e analisa o que está sendo transmitido. Outro fator

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que amplia o impacto da intervenção é a veiculação espontânea em diversas mídias, despertando uma corrente direta contra o abuso das operadoras e uma corrente indireta às empresas que desrespeitam os códigos que regem os direitos dos cidadãos. Existem leis que regem os direitos dos cidadãos ao cancelamento de serviços, entretanto estas muitas vezes são ignoradas e não são atendidas. Cabe a cada agente transformador de sua cidade denunciar tais abusos, a fim de viver em um ambiente agradável e justo.

Figura 29 – “A arte da espera”

Fonte: Imagens disponíveis em: <http://www.reclameaqui.com.br/noticias/noticias/grafiteiro-faz-arte-em-muros-enquanto-tenta-cancelar-servico_1488/>. Acesso em: 11 jun. 2015

9 Ressalta-se que a utilização das imagens tem fins de estudo. Elas foram retiradas da internet, divulgadas pela empresa criadora da ação.

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As intervenções analisadas refletem uma nova cultura em que o cidadão deixa de ser observador e passa a ser agente transformador. Verifica-se um engajamento cada vez maior de pessoas, instituições e até mesmo de iniciativas públicas a favor dessa nova forma de ver, compreender e viver as cidades. De acordo com Garcia (2013), é necessário despertar o quero, o tenho e o posso, a fim de melhorar a qualidade de vida das cidades, ativando dessa forma os quatro objetivos-chave apontados por Gehl (2013, p. 6): “[...] cidades com vitalidade, segurança, sustentabilidade e saúde”. Felizmente, muitas transformações estão acontecendo e fomentando tendências colaborativas, de empatia e mudança de cultura.

Considerações finais

Conforme explicitado pelos autores e pelas ações de intervenção urbana analisadas, nota-se uma nova posição dos cidadãos no contexto das cidades: o de agente transformador. A influência do contexto social nos campos híbridos da arte e do design, como discutem Bourdieu (2008), Wolff (1982), Cipiniuk (2014) e Becker (2009), é perceptível ao vislumbrar nas ações as temáticas debatidas, os métodos adotados, os processos de desenvolvimento e os resultados obtidos.

A experimentação da cidade, como destacam Ferraz, Scarpelini e Abreu (2009) e Prado e Lamim-Guedes (2015), remonta a uma tendência que insere nos centros urbanos um indivíduo consciente e ativo, oportunizando a experimentação da cidade por meio de sua vivência e conhecimentos e transformando-a em um lugar melhor para viver. O cidadão deixa de ser um mero passante para ser o meio condutor da mudança. Percebem-se diversas contribuições nesse sentido que apontam para um cenário mais coletivo, ligado à participação e à experiência dos envolvidos.

Os resultados das intervenções urbanas analisadas confirmam as teses dos teóricos apresentados. No contexto atual da sociedade, a voz da cidade está horizontalizada, ou seja, os cidadãos não satisfeitos criam artifícios para serem ouvidos. Logo, todos os indivíduos podem ser os condutores da mudança. No viés das instituições públicas, verifica-se a repercussão desse movimento, visto que cada vez mais estas passam a colaborar com os cidadãos.

A metodologia escolhida permitiu o apontamento das convergências entre teoria e prática, visto que por meio da abordagem teórica foram percebidos os esforços de efetivação de tais trabalhos. Já com o estudo de caso, constataram-se o reflexo das abordagens teóricas e as contribuições delas para a prática de uma nova cultura. Conclui-se que a cidade, como superfície, permite uma arte livre, sem rótulos, em que todos os cidadãos podem ser protagonistas da intervenção e da própria cidade.

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Agradecimentos

Agradecemos ao Programa Institucional de Bolsas de Pós-graduação stricto sensu (PIBPG) do Fundo de Apoio à Pesquisa (FAP) da Univille a oportunidade concedida.

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O contexto social e econômico do desenvolvimento das embalagens

de marcas próprias

The social and economic context of the packagings own-brand products

BRUDZINSKI, Vanessa M.1

PRUNER, Fernando P.2

1 Graduada em Desenho Industrial com habilitação em Programação Visual pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), pós-graduada em Gestão do Design pela Universidade Tuiuti do Paraná, mestranda no Programa de Mestrado Profi ssional em Design pela Universidade da Região de Joinville (Univille). Atua como docente na UniBrasil nos cursos de Design, Publicidade e Propaganda, Relações Públicas. Tem experiência como consultora para gestão de equipes criativas em escritórios de design, agências de publicidade e equipes de marketing. Desenvolve estudos sobre produção gráfi ca, metodologia e desenvolvimento de embalagens.E-mail: [email protected].

2 Graduado em Design de Produto pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), pós-graduado com MBA em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) e mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Tem experiência nas áreas de marketing, tecnologia, desenvolvimento de produto e desenho industrial. Já residiu na Itália e nos Estados Unidos. Com 25 anos de atuação em produtos de linha branca, foi responsável pelo desenvolvimento de design dos produtos das marcas Brastemp e Consul no Brasil e da marca Whirlpool na América Central e do Sul (até 2016). Em todos esses anos, desenvolveu sólida habilidade na gestão de grupos criativos, desde o processo de geração de ideias até o lançamento no mercado, com grande foco em inovação, estratégia de negócios e criação de valor de marca. Desde 2014 tem se dedicado também ao ensino, como professor nos cursos de graduação e mestrado da Univille. E-mail: [email protected].

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BRUDZINSKI, Vanessa M. | PRUNER, Fernando P.

Resumo: Este texto apresenta-se como o estudo preliminar de uma investigação do Mestrado Profi ssional em Design da Universidade da Região de Joinville (Univille). Ele descreve o desenvolvimento de embalagens das marcas próprias das redes supermercadistas, com foco na rede Condor. Contempla a necessidade de analisar o design levando em conta aspectos extraestéticos, ou seja, ressalta os cenários culturais e sociais em meio aos quais esses produtos são comercializados. Com base nos referenciais teóricos, aponta cenários relacionados às megatendências para o desenvolvimento das embalagens.Palavras-chave: design de embalagem; marca própria; rede varejista.

Abstract: This is a preliminary study of an investigation conducted during a Professional Science Master's Course in Design from Joinville and Region University (UNIVILLE). It describes the development of packagings for supermarket chains own-brand products, focusing especially on the Condor chain. It envisages the need of design analysis taking into account extra esthetic aspects; for instance, the cultural and social scenarios in which these products are commercialised. Based on theoretical references, it points out the scenarios that are related to the megatendencies for the development of packagings.Keywords: packaging design; own-brand products; supermarket retailer.

Introdução

Este artigo tem o objetivo de apresentar o contexto sócio-histórico em que são desenvolvidas as embalagens de marcas próprias (MPs) das redes supermercadistas, em específi co a rede Condor. Os estudos e dados comerciais descritos no texto foram desenvolvidos sob a base teórica de Adrian Forty (2007), que aponta a necessidade de analisar o design levando em conta aspectos extraestéticos, estimulando a observação do contexto cultural, histórico e econômico, além de considerar cenários relacionados às megatendências para o desenvolvimento das embalagens.

Contextualização

Na gôndola do supermercado, em meio à diversidade de produtos, o consumidor será seduzido por uma embalagem. Na primeira percepção, embalagem e produto não se dissociam: ela “é o produto”. Como uma efi ciente

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O contexto social e econômico do desenvolvimento das embalagens de marcas próprias

ferramenta de marketing, a embalagem torna-se um fator decisivo no ponto de venda. Ao assinar a autoria do produto, a marca assume papel identificador e diferenciador nesse contexto.

Quando o produto é assinado pela marca própria3 (MP), engloba os conceitos de identidade de marca (personalidade da empresa que representa) e a imagem (aquilo que é percebido pelo consumidor). Mas o que distingue uma MP de outras marcas correntes é o fato de ela referir-se especificamente a produtos ou marcas pertencentes a um varejista, atacadista, associações ou qualquer outro distribuidor de bens de consumo, comercializados exclusivamente em estabelecimento próprio.

Desde meados dos anos 1970, o Brasil já apresentava iniciativas de comercialização de marcas próprias no setor varejista, com foco em produtos genéricos em que a marca era suprimida e apenas apresentava o nome da categoria, sem nenhuma diferenciação e preocupação com a qualidade. O único diferencial era o preço.

Pouco a pouco o cenário das grandes redes de supermercados foi mudando. Nos anos 1990, com a entrada das bandeiras4 do varejo mundial, as MPs ganharam espaço e aumentaram-se os investimentos em qualidade, entretanto o maior diferencial continuou a ser o preço.

Conforme Neide Montesano (in ABMAPRO, 2015), presidente da Associação Brasileira de Marcas Próprias, o intercâmbio de ideias e a importação de produtos de MP com padrões de qualidade internacionais, os quais passaram a competir com as marcas tradicionais no mercado brasileiro, foram fundamentais para a consolidação das MPs no país.

No início suas embalagens eram visualmente bastante inferiores; hoje elas apresentam um visual mais cuidado, com fotografias bem produzidas e materiais de melhor qualidade. O investimento cresceu, pois o negócio se tornou lucrativo para as redes e para os fornecedores, já que, de um lado, há o aumento da margem de venda do produto e, de outro, o corte no alto investimento em comunicação, marketing e publicidade. Em uma análise superficial, “um ‘bom desenho’ seria a chave que garantiria o aumento do consumo” (CIPINIUK, 2014, p. 44), porém as embalagens da categoria de marcas próprias vão além da apresentação externa do conteúdo de seu invólucro. A marca da rede é o

3 Marca própria caracteriza-se por ser um produto vendido exclusivamente pela organização varejista que detém o controle da marca. Ela pode levar o nome da empresa ou utilizar uma outra marca não associada ao nome da organização (OLIVEIRA, 2009).

4 Entende-se por bandeira a marca apresentada para o consumidor final – estampa o letreiro do supermercado, diferentemente da marca do grupo econômico, por exemplo.

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atestado de procedência daquele produto, ela presta esse serviço. O consumidor final leva, da prateleira do supermercado até o armário da sua casa, a certeza do bom produto. Ele não precisa validar a informação nos anúncios de TV ou da revista; o supermercado de que ele é cliente lhe oferece tal benefício.

Segundo Neide Montesano (in ABMAPRO, 2015), para o consumidor a marca própria é mais do que um produto, é igualmente um serviço, uma vez que se podem adquirir produtos honestos com qualidade percebida, por preços justos.

Diante dessa realidade, o design das embalagens é ao mesmo tempo expressão da marca da rede e atributo do conteúdo do produto; agrega valor e significados que antes esses produtos de MP não tinham. Ao promover as MPs, as redes varejistas descobriram que o consumidor brasileiro, além de exigente, valoriza embalagens bem cuidadas, por isso atualmente o investimento em design se tornou indispensável para o sucesso das vendas.

A contribuição deste artigo está na apresentação das embalagens da marca própria da rede Condor de supermercados, considerando aspectos extraestéticos. Ou seja, ressaltam-se os cenários culturais, sociais e históricos que hoje influenciam o comportamento dos consumidores na compra e na identificação da marca.

A função da embalagem

Observando a natureza, percebemos a necessidade de haver embalagens e as inspirações humanas para seu desenvolvimento: a vagem para proteger o feijão, a palha para envolver a espiga de milho e a casca para abrigar a noz.

Se os ovos ainda fossem recolhidos dos ninhos direto para o consumo, ou então os grãos plantados no quintal de casa, talvez as embalagens não tivessem a importância que têm atualmente no desenvolvimento comercial dos produtos. Nas sociedades em que prevalecem as trocas de mercadorias (e não sua comercialização), as embalagens exercem apenas funções básicas essenciais, como conter, proteger e viabilizar o transporte dos produtos. No século XIX as embalagens eram artefatos preciosos, dada a sua escassez, mas já presentes no cotidiano das pessoas. Muitos escravos vendedores de leite transportavam latões, alguns deles fechados com cadeados para que o leite não fosse misturado com água durante a viagem (CAVALCANTI; CHAGAS, 2006).

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O contexto social e econômico do desenvolvimento das embalagens de marcas próprias

Figura 1 – Vendedores de leite e de capim-de-angola. Aquarela de Jean-Baptiste Debret, início do século XIX

Fonte: Cavalcanti e Chagas (2006)

As embalagens foram incorporando funções ao longo da sua história, e sua linguagem visual foi ganhando elementos de representação. Inicialmente a forma do recipiente lhe atribuía personalidade – atributo que permanece até hoje, como no exemplo emblemático da garrafa de Coca-Cola. Com o avanço do comércio mundial, por volta do século XV, os rótulos passaram a identificar e discriminar os produtos. Assim, o “conter” juntou-se com o “identificar”.

Com o fim da Segunda Guerra, as embalagens tornaram-se os maiores ícones da sociedade de consumo de massa. Fabio Mestriner (2001), importante profissional do setor de embalagens, afirma que o desenvolvimento dos meios de comunicação e da publicidade, o surgimento da televisão e a criação dos supermercados estabeleceram os padrões visuais da embalagem tal qual a conhecemos hoje.

Com a chegada dos supermercados, as embalagens precisavam explicar ao consumidor o conteúdo dos produtos e suas características, estimular as vendas convencendo o consumidor a levá-los. Não havia mais o balconista para fazer isso (MESTRINER, 2001, p. 16).

Hoje a embalagem é um importante componente da vida moderna, em função do desenvolvimento da indústria, do comércio, da tecnologia e da própria sociedade. Além dos requisitos essenciais básicos, desempenham funções sociais e econômicas de amplo aspecto, conforme descrito no quadro a seguir:

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Quadro 1 – Amplitude da embalagem

Funções primárias Conter, proteger, transportar

Econômicas Componente do valor e do custo de produçãoMatérias-primas

TecnológicasSistemas de acondicionamentoNovos materiaisConservação de produtos

Mercadológicas

Chamar a atençãoTransmitir informaçõesDespertar desejo de compraVencer a barreira do preço

ConceituaisConstruir a marca do produtoFormar conceito sobre o fabricanteAgregar valor significativo ao produto

Comunicação e marketingPrincipal oportunidade de comunicação do produtoSuporte de ações promocionais

Sociocultural Expressão da cultura e do estágio de desenvolvimento do país

Meio ambiente Importante componente do lixo urbanoReciclagem/Tendência mundial

Fonte: Mestriner (2001)

O objeto tangível dessas funções é o design que se apresenta para o consumidor. Segundo Mestriner (2001), o design tem a responsabilidade de transmitir tudo aquilo que o consumidor não vê, mas que representa um grande esforço produtivo para colocar nas prateleiras o que a sociedade industrial moderna consegue oferecer de melhor.

Percepção de valor – da corporação para o produto

Adrian Forty, no livro Objeto de desejo (2007), traz a noção de que a história do design deve ser compreendida sob a ótica social, ou seja, argumenta acerca da necessária significação do design em nossa cultura e a dimensão de sua influência em nossa vida e mente.

A análise da percepção de valor e a atitude dos consumidores nas redes varejistas, na grande parte das publicações sobre o assunto, são tratadas pela ótica do marketing. Nas raras vezes em que o design aborda o tema o faz com base na psicologia. Dessa forma, cabe aqui o exercício de enxergar a “percepção de valor” à maneira de Forty, entendendo o histórico, as questões econômicas e o próprio desenvolvimento social de forma abrangente e relevante.

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O contexto social e econômico do desenvolvimento das embalagens de marcas próprias

De todas as maneiras como o design pode influenciar nosso pensamento, a única reconhecida amplamente foi seu uso para expressar a identidade das organizações, tanto para o público interno como para o mundo exterior (FORTY, 2007, p. 301).

A identificação dos mercados, especialmente das grandes redes, está no design, na aplicação dos elementos da marca e da comunicação visual, desde a arquitetura dos prédios, a identificação da sinalização interna e externa, o desenho do uniforme dos funcionários, até a impressão da marca nas sacolas de plástico biodegradável. O design, porém, assume relevância fora das esferas puramente artísticas ou técnicas. A expansão territorial da empresa é marcada pela edificação. O supermercado passa a fazer parte daquela comunidade e muitas vezes altera o modo de vida daqueles que o rodeiam: empresa e poder público fazem acordos e o meio se altera; vias públicas são remodeladas em função do fluxo de carros e pessoas; há geração de emprego e renda, valorização econômica e aumento da qualidade de vida. Junto com o empreendimento, edifica-se a percepção valorosa da marca, e na expansão da empresa o design novamente comunica a identidade coletiva.

Várias redes varejistas se estendem pelo mundo e precisam manter os atributos da marca. A empresa francesa Carrefour, por exemplo, inaugurou a primeira loja em 1959 e hoje está presente em mais de 30 países. Quando chegou ao Brasil em 1975, enfrentou condições culturais muito diferentes das de seu país de origem, contudo foi por meio do design que conseguiu comunicar a sua identidade com a comunidade brasileira.

Nesses 40 anos, a rede multinacional expandiu os negócios com a aquisição de vários mercados regionais, e mais uma vez o design fez parte da relação com os novos funcionários e a comunidade. O conceito da marca da empresa está presente desde a oferta de produtos e os serviços que presta até os produtos de marca própria que oferece aos seus consumidores.

Diferentemente da condição estruturada no comércio internacional do Carrefour, a rede paranaense Condor de supermercados iniciou suas atividades em 1974 como um pequeno mercadinho de bairro, na cidade de Curitiba. O crescimento foi lento, porém estruturado na administração familiar. Na década de 1990 um fator de peso relacionado às mudanças econômicas da época foi impulsionador para a rede: a estabilidade econômica alcançada com o Plano Real (1994). Com isso, o consumidor teve o seu poder de compra aumentado, contribuindo para mudanças no padrão de consumo. A região de Curitiba passou por um acelerado crescimento econômico durante o período, atraindo mais pessoas para a região e causando um aumento na demanda. Essa situação favoreceu também as redes internacionais com a abertura de mercado.

A abertura econômica, iniciada no governo Fernando Collor de Mello; a estabilização dos preços, advinda com o plano Real foram os principais determinantes dessas alterações. Este cenário favorável permitiu a expansão das redes supermercadistas

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regionais. Por outro lado, o mesmo processo gerou uma disputa pelas redes locais, da parte dos maiores grupos nacionais e estrangeiros [...]. Todas estas mudanças exigiram uma nova postura dos supermercados regionais, bem como, uma adaptação dos novos concorrentes à cultura dos consumidores da cidade (LIMA, 2015, p. 1).

Em 1998 a principal concorrente curitibana Mercadorama foi vendida para o grupo português Sonae. Paralelamente o americano Walmart se fixou com bandeira própria. Os principais movimentos dos novos entrantes mudaram a cara do setor de supermercadista. Essas empresas trouxeram novos métodos de organização, tanto no que se refere as suas políticas administrativas quanto no nível de automação das lojas, entre outros aspectos.

Diante desse cenário, a rede Condor teve a oportunidade de conquistar os clientes desconfiados da operação estrangeira, contudo precisou reformular consideravelmente a aparência das lojas: informatizou-as e passou a adotar práticas de gestão e marketing, até então pouco efetivas. O slogan “Orgulho de ser paranaense” foi criado como estratégia para estabelecer um vínculo mais íntimo com o cliente, reafirmando o sentimento de pertencimento e nacionalidade. O próprio empresário, Joanir Zonta, declarou sua percepção em relação à clientela: “O paranaense é bairrista. Ele tem um estilo só dele e o Condor tem este estilo, é uma empresa paranaense, fala a língua do povo paranaense, e isso foi o que mais ajudou a gente a ter conseguido conquistar espaço” (in HUBNER, 2009, p. 234).

Os produtos de marca própria são inseridos nessa condição, pois uma nova ordem de relacionamento foi estabelecida entre as empresas supermercadistas e seus fornecedores. A briga por oferecer o preço baixo para o consumidor obriga os fornecedores a cederem às exigências dos supermercadistas, afinal não estar na gôndola de uma dessas grandes redes significa uma perda substancial de mercado. Com isso, pequenos produtores perderam espaço gradativamente e as grandes marcas assumiram a presença maciça nas gôndolas, pois a cobrança de taxas extras (como taxas de aniversário, publicidade, privilégio na colocação nas gôndolas) e a exigência de serviços extras como o chamado “enxoval” (o primeiro lote de produtos enviados a uma nova loja gratuitamente) só poderiam ser mantidas com quem tinha poder de barganha.

O fornecimento dos produtos de marcas próprias foi uma alternativa que pequenos e médios produtores e supermercadistas encontraram para equilibrar as parcerias comerciais. Os fabricantes elevam sua participação de mercado, garantem um espaço adicional na gôndola e utilizam sua capacidade ociosa. Os varejistas podem obter alguns benefícios com o lançamento de MP, como o aumento da margem de lucro por meio de maior volume de vendas desses produtos e a construção da imagem varejista, pois essa estratégia é importante em termos de posicionamento (SILVA; MERLO; NAGANO, 2012).

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O contexto social e econômico do desenvolvimento das embalagens de marcas próprias

O perfil da rede Condor de supermercados não é diferente do da grande maioria das empresas familiares tradicionais, desde a apresentação dos funcionários, com seus uniformes formais, até a decoração do ponto de venda com escassos recursos de design. Assim a empresa se apresenta e conquista o consumidor cativo e honra com o slogan que ficou marcado – “Sempre perto de você” – nas 40 lojas espalhadas em 15 cidades do Paraná. O investimento na MP Condor iniciou-se em 2006 como uma oportunidade comercial e, naturalmente, seguindo o movimento das grandes redes nacionais e internacionais, como uma estratégia de construção da identidade da marca e, sobretudo, da ampliação da margem de lucro.

No início o design das embalagens era subjugado pelo poder de identificação da marca da empresa. Sua simples aplicação carimbava os produtos que, ao passar do tempo, foram perdendo potencial de venda. Em 2012, com a ampliação comercial de 54 produtos para 300 novas unidades, a empresa subia o patamar da marca própria, ampliando os pontos de contato da marca com seu consumidor. Uma atenção especial foi dada ao design, que anteriormente era feito sem critérios e agora era executado com o cuidado em transmitir uma imagem de marca forte e a própria essência dos serviços prestados pela rede.

Figura 2 – Comparativo visual das embalagens antes e depois do alinhamento gráfico

ANTESPoucos produtos

em linha, e desenvolvimento visual executado pelos fabricantes

DEPOISCrescimento da linha de

produtos com base no novo planejamento

visual

Fonte: Primária

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BRUDZINSKI, Vanessa M. | PRUNER, Fernando P.

Observa-se que, antes da implantação do novo planejamento visual da linha, o design das embalagens era pouco considerado e trabalhado unitariamente. Os produtos eram desenvolvidos pelos próprios fabricantes, e o critério de identidade era somente a aplicação da marca, a qual nem sempre se mantinha fiel às suas características formais.

Com a expectativa de crescimento substancial de itens comercializados e a falta de alinhamento gráfico como uma família de produtos, a empresa percebeu a importância de contratar especialistas para desenvolver a estratégia de criação das embalagens.

Nota-se que o resultado após o planejamento visual e a criação de identidade da linha transferiu às embalagens o conceito de unidade e nivelou o discurso da marca da bandeira em todos os produtos. A intenção do design foi reforçar a competitividade da linha perante a concorrência, garantindo a posição de destaque ajustada ao crescimento e ao posicionamento do mercado.

O novo conceito gráfico facilita a identificação do produto nas gôndolas, independentemente das categorias dos produtos, sendo o elemento diferenciador. É um atestado explícito de que a empresa Condor garante a procedência do produto ofertado. A embalagem condensa um grande número de informações de maneira clara, organizada e padronizada. Os principais atributos são visualizados pelo consumidor com facilidade e rapidez.

Figura 3 – Portfólio de produtos com a aplicação da nova identidade visual

Fonte: Primária

O alinhamento visual ofereceu o fortalecimento da exposição da marca Condor. Com uma linha mais extensa de produtos, mostra-se ao consumidor que a marca própria não é uma aposta da rede e sim uma opção forte e

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O contexto social e econômico do desenvolvimento das embalagens de marcas próprias

interessante. Graficamente, o texto de marketing aplicado nas embalagens traduz e reforça publicamente esse compromisso.

Figura 4 – Texto de marketing impresso no verso das embalagens

Versão completa“O Condor traz para sua mesa o que

existe de melhor em qualidade e variedade. São produtos escolhidos com carinho,

pensados no bem-estar e qualidade de vida da sua família. Aproveite para conhecer a linha completa e leve ainda mais sabor

para dentro de sua casa.”

Versão resumida“Os produtos Condor levam, com qualidade, maior sabor e variedade

para sua mesa. Conheça a linha completa.”

Fonte: Primária

A embalagem incorpora o posicionamento da corporação; a percepção de valor do produto é revelada no texto de marketing aplicado nas embalagens, na composição visual estruturada e no alinhamento gráfico da linha de produtos.

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BRUDZINSKI, Vanessa M. | PRUNER, Fernando P.

O futuro das marcas próprias – tendências e oportunidades

O histórico das MPs no Brasil pode ajudar a compreender o cenário atual – mudanças na economia que alteraram o comportamento de compra do consumidor, características e evolução da apresentação das embalagens, entre outros. Todavia diagnosticar tendências está em olhar para a frente, analisar os fatos e exercitar as percepções. Algumas ferramentas são quantitativas, como as pesquisas de campo realizadas pelos especialistas da Kantar Worldpanel em parceria com a Associação Brasileira de Marcas Próprias (ABMAPRO), das quais trataremos brevemente mais adiante; outras nos levam a perceber as movimentações internacionais e a considerar se são condizentes com a realidade social, cultural e histórica brasileira.

O desempenho e a trajetória dos produtos de MP no mundo são diferentes. No Brasil há um comportamento peculiar que foge à regra, se comparado a outros lugares, principalmente Estados Unidos e Europa. A morosidade dos empresários em investir em posicionamento da marca e inovação dos produtos e o desinteresse por parte do consumidor em experimentar a nova marca refletem no baixo crescimento de vendas, representando 5% na categoria de produtos de alto giro industrializados. Na Europa e nos Estados Unidos o setor está consolidado, chegando a ter alta participação no mercado, por volta de 38%. A Suíça é o país que lidera a participação de marcas próprias em todo o mundo, chegando a 48% (ABMAPRO, 2015).

A Great Value, MP do Walmart, é a maior marca de alimentos nos Estados Unidos. É inegável o quanto tais produtos evoluíram em termos de qualidade, posicionamento, embalagem e inovação. Não é só preço. Até porque, em alguns casos, a MP nem é a opção mais barata. E ela dá lucro.

No Reino Unido os produtos da Tesco chamam a atenção; a MP é a mais requisitada entre os consumidores. A cultura do design está no posicionamento da marca desde a criação dos produtos de MPs em 1950. Em 2006 a empresa investiu alto no redesign das 37 mil embalagens e não demorou a ver os resultados: o aumento em vendas de até 70% em MPs, totalizando 53 bilhões em 2008 (WOLFFOLINS, 2015).

No Brasil o comportamento e o perfil do consumidor são bem diferentes. Mesmo passando por uma evolução no que se refere a qualidade e inovação, a área carece de desenvolvimento. Se as empresas envolvidas com MPs aprenderem que a inovação, o rigor na qualidade e o capricho no design de seus produtos são grandes tendências do setor, poderão impulsionar não só seus negócios, mas a imagem percebida do consumidor quanto à própria identidade corporativa. Para tanto, observar e agregar pontos fortes de exemplos que aparecem no exterior, onde o conceito de MPs já percorre caminhos mais inovadores, torna-se uma ótima fonte de inspiração.

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O contexto social e econômico do desenvolvimento das embalagens de marcas próprias

Ainda considerados coadjuvantes nas prateleiras brasileiras, os produtos de MP representam apenas 3% do faturamento dos grandes grupos supermercadistas. De 2008 a 2014 as MPs passaram de R$ 1,8 bilhão para R$ 2,8 bilhões, o que corresponde a um crescimento de 56% do setor.

A pesquisa realizada pela Kantar Worldpanel e a ABMAPRO constatou que 29,4 milhões de lares consumiram produtos de MPs de supermercados entre junho de 2013 e o mesmo mês de 2014. A quantidade equivale a 60% do total de domicílios no Brasil (ABMAPRO, 2015).

O paradigma de que produtos de MP são inferiores em qualidade foi quebrado, embora ainda exista uma resistência por parte do consumidor em experimentar a nova marca. Esses artigos são considerados de boa qualidade e entram na cesta de compras do consumidor. Na pesquisa, identificou-se que 84% dos que consomem esses produtos o consideram de boa qualidade.

Apesar de o resultado da pesquisa ser considerável, trata-se de um setor de pouca representatividade. Até porque, se globalmente a média de consumo de MP nas categorias de alto giro industrializadas é de 16% no mundo, e na Suíça é de 46%, no Brasil não passa da casa dos 5%. Isso não quer dizer que tal segmento esteja bem ou mal por aqui, mas sim que o mercado brasileiro precisa entender melhor o consumidor, enxergar as oportunidades e ser mais estratégico ao adentrar o mundo da MP.

O panorama histórico das MPs no Brasil é peculiar ao comportamento de consumo. Podem-se observar o processo de reposicionamento das MPs, as mudanças internas que as colocaram como fator estratégico, o impacto causado pelo novo design de embalagem e a importância de uma comunicação alinhada com a estratégia do negócio.

Quadro 2 – Linha do tempo da MP no Brasil

Década de 70 Década de 80 Década de 90 Década de 2000

Produtos considerados

genéricos

Produtos de combate contra as

altas de preço

Similares aos líderes, mas com preços menores

Produtos exclusivos que trazem

benefícios (tangíveis ou intangíveis) com

personalidade própria

1.ª geração 2.ª geração 3.ª geração 4.ª geração

Fonte: Primária

Os varejistas, juntamente com os fabricantes, podem criar melhores produtos, que respondam às expectativas e necessidades do consumidor, desde que invistam em programas de MPs com recursos, espaços de prateleira, apoio de merchandising e, principalmente, compromisso com a inovação, transmitidos pelo design.

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BRUDZINSKI, Vanessa M. | PRUNER, Fernando P.

O estudo sobre marcas próprias, apresentado pela Nielsen à revista SuperHiper5 (ABRAS, 2015), trouxe uma análise sobre cinco vetores de crescimento no país que impulsionam as MPs: commodities, saudabilidade, embalagens, praticidade e sofisticação. A pesquisa da Nielsen aponta ainda que, além de buscar categorias de sucesso e pouco exploradas, para o estabelecimento ter sucesso com MPs é preciso que ele desenvolva a marca de seus produtos, inove sempre e principalmente comunique.

Quadro 3 – Apontamento de tendências e oportunidades para as MPs no Brasil

Tendências

Produtos exclusivos que transfiram a percepção da atitude empresarial:- inovação e design;- transparência na comunicação;- empresa cidadã;- sustentabilidade;- vida saudável;- tecnologia.

Fonte: Primária

Conclusão

É inegável a presença das embalagens na sociedade comercial em que vivemos. As funções básicas de conter, proteger e transportar há muito tempo foram suplantadas pela sedução da venda. A apresentação da embalagem impulsiona a relação preço-qualidade, os valores intangíveis são representados pelo design como diferenciadores das marcas.

Ao longo deste artigo, discorreu-se sobre fatores extraestéticos no desenvolvimento das embalagens de marcas próprias das redes supermercadistas. Analisaram-se as peculiaridades na aplicação do design sob os aspectos sociais, históricos e culturais em que esses produtos estão inseridos, características fundamentadas por Forty (2007).

Nota-se que as características sociais, culturais e econômicas próprias dos países influenciaram o desenvolvimento das embalagens de MP no decorrer da sua história. Para o supermercadista a MP não é apenas um produto a mais para expor na prateleira, ela pode concretizar todo o conhecimento sobre o consumidor e seus hábitos – bagagem que o varejista tem de sobra.

A rede Condor de supermercados, caso de estudo retratado no artigo, percebeu o ganho no oferecimento de produtos de MPs ao seu público

5 A revista SuperHiper é o órgão oficial de divulgação da Abras.

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O contexto social e econômico do desenvolvimento das embalagens de marcas próprias

consumidor. Suas gôndolas apresentam embalagens que expressam os valores da empresa e estabelecem uma relação de confiança. O que antes era apenas a oferta de um produto de preço baixo hoje é um meio de relacionamento entre empresa e consumidor.

O setor ainda tem pouca representatividade na economia em tal categoria no Brasil, porém as oportunidades de crescimento e a atuação das MPs internacionais formam cenários otimistas, e o design é fator indispensável nessa estratégia.

Referências

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MARCAS PRÓPRIAS E TERCEIRIZAÇÃO – ABMAPRO. Marca própria. Disponível em: <http://abmapro.org.br/sobre/marca-propria/>. Acesso em: 22 out. 2015.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SUPERMERCADOS – ABRAS. 19.º estudo da Nielsen aponta oportunidades. Disponível em: <http://www.abrasnet.com.br/economia-e-pesquisa/pesquisas-sazonais/marcas-proprias/>. Acesso em: 13 jun. 2015.

CAVALCANTI, Pedro; CHAGAS, Carmo. História da embalagem no Brasil. São Paulo: Grifo Projetos Históricos e Editoriais, 2006.

CIPINIUK, Alberto. Design: o livro dos porquês – o campo do design compreendido como produção social. São Paulo: Reflexão, 2014.

FORTY, Adrian. Objeto de desejo: design e sociedade desde 1750. São Paulo: Cosac Naify, 2007.

HUBNER, Ricardo. Na intimidade do sucesso. Curitiba: Editora do Autor, 2009.

LIMA, Rodrigo Cardoso de. A estrutura concorrencial no setor supermercadista: o caso curitibano a partir da década de 90. Disponível em: <http://www.pet-economia.ufpr.br/banco_de_arquivos/00012_Estrutura 20de_90.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2015.

MESTRINER, Fabio. Design de embalagens: curso básico. São Paulo: Markron Books, 2001.

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BRUDZINSKI, Vanessa M. | PRUNER, Fernando P.

OLIVEIRA, Roberto Nascimento A. Gestão estratégica de marcas próprias. São Paulo: Brasport, 2009.

SILVA, Lúcia Aparecida da; MERLO, Edgard Monforte; NAGANO, Marcelo Seido. Uma análise dos principais elementos influenciadores da tomada de decisão de compra de produtos de marca própria de supermercados. Revista Eletrônica de Administração, Porto Alegre, v. 18, n. 1, jan.-abr. 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-23112012000100004>. Acesso em: 13 jun. 2015.

SUPERMERCADO MODERNO. Marcas próprias alcançam 60% dos lares do Brasil. Disponível em: <http://www.sm.com.br/detalhe/marcas-proprias-alcancam-60perc-dos-lares-do-brasil>. Acesso em: 13 jun. 2015.

WOLFFOLINS. Tesco case study: reinvent own-label. Disponível em: <http://archive.wolffolins.com/work/tesco?ghost=1>. Acesso em: 13 jun. 2015.

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Tipologia utilizada: Cantoria MT Std e DIN