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LIGA PRÓ-LINGUA NACIONAL E A CONSTRUÇÃO DA NACIONALIDADE NO JORNAL ESCOLAR A CRIANÇA BRASILEIRA (SANTA CATARINA, 1942-1950) 1 Cristiani Bereta da Silva Universidade do Estado de Santa Catarina Udesc E-mail: [email protected] Introdução A Liga Pró-Língua Nacional foi uma das associações auxiliares da escola instituídas no ensino primário brasileiro, ainda na década de 1930. Essas associações, também nomeadas de instituições complementares, foram práticas educacionais que existiram sob a regulamentação e inspeção governamental - nas instituições escolares que ofertavam o ensino primário, até pelo menos a década de 1960. O objetivo principal residia em integrar os alunos e estimulá-los a vivenciar experiências que os preparassem para as exigências da vida em sociedade, conforme explicita a circular n.29, de 18 de março de 1943, encaminhada pelo Departamento de Educação aos inspetores escolares e diretores de grupos escolares: O serviço das associações auxiliadores da Escola tem por fim a reorganização da escola em bases de comunidade social de trabalho e cooperação e sua articulação com o meio social por todas as medidas que tendem a estender seu raio de ação educativa e a tornar estreita a colaboração entre a escola, a família, e as outras instituições sociais. [...] O serviço desenvolverá especialmente obras pré-escolares, como clubes infantis e instituições periescolares, como caixas escolares e cooperativas de consumo, e outras que, correspondendo às diversas exigências da vida econômica e social, de que deverão participar diretamente. (SANTA CATARINA, 1945, p.16-17). 2 Foi o Departamento de Educação, criado em 1935, o responsável por estabelecer quais seriam as associações, suas respectivas finalidades e como elas deveriam ser organizadas nas escolas. A circular n.32, de 2 de abril de 1943, em resposta a consulta feita por diretores dos grupos escolares sobre o funcionamento, dentre outras coisas, das associações auxiliares da escola, faz saber que: 1 Este texto constitui recorte de uma pesquisa mais ampla, relacionada ao ensino de História e à construção e divulgação de saberes históricos em Santa Catarina, desenvolvida nos Programas de Pós-Graduação em História e em Educação da Udesc, desde 2008. Em 2012, a pesquisa tem continuidade com o projeto intitulado Nação e região: uma leitura a partir das culturas políticas e das políticas para o ensino de História em Santa Catarina nas décadas de 1930 e 1940, com financiamento do CNPq (Edital nº 18/2012 - Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas). 2 Com o objetivo de facilitar a leitura, todas as citações deste texto retiradas de publicações da década de 1940 e 1950 tiveram a grafia atualizada, seguindo as atuais normas da língua portuguesa.

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LIGA PRÓ-LINGUA NACIONAL E A CONSTRUÇÃO DA NACIONALIDADE NO

JORNAL ESCOLAR A CRIANÇA BRASILEIRA

(SANTA CATARINA, 1942-1950)1

Cristiani Bereta da Silva

Universidade do Estado de Santa Catarina – Udesc

E-mail: [email protected]

Introdução

A Liga Pró-Língua Nacional foi uma das associações auxiliares da escola instituídas

no ensino primário brasileiro, ainda na década de 1930. Essas associações, também nomeadas

de instituições complementares, foram práticas educacionais que existiram – sob a

regulamentação e inspeção governamental - nas instituições escolares que ofertavam o ensino

primário, até pelo menos a década de 1960. O objetivo principal residia em integrar os alunos

e estimulá-los a vivenciar experiências que os preparassem para as exigências da vida em

sociedade, conforme explicita a circular n.29, de 18 de março de 1943, encaminhada pelo

Departamento de Educação aos inspetores escolares e diretores de grupos escolares:

O serviço das associações auxiliadores da Escola tem por fim a

reorganização da escola em bases de comunidade social de trabalho e

cooperação e sua articulação com o meio social por todas as medidas que tendem a estender seu raio de ação educativa e a tornar estreita a colaboração

entre a escola, a família, e as outras instituições sociais. [...] O serviço

desenvolverá especialmente obras pré-escolares, como clubes infantis e

instituições periescolares, como caixas escolares e cooperativas de consumo, e outras que, correspondendo às diversas exigências da vida econômica e

social, de que deverão participar diretamente. (SANTA CATARINA, 1945,

p.16-17).2

Foi o Departamento de Educação, criado em 1935, o responsável por estabelecer quais

seriam as associações, suas respectivas finalidades e como elas deveriam ser organizadas nas

escolas. A circular n.32, de 2 de abril de 1943, em resposta a consulta feita por diretores dos

grupos escolares sobre o funcionamento, dentre outras coisas, das associações auxiliares da

escola, faz saber que:

1 Este texto constitui recorte de uma pesquisa mais ampla, relacionada ao ensino de História e à construção e

divulgação de saberes históricos em Santa Catarina, desenvolvida nos Programas de Pós-Graduação em História

e em Educação da Udesc, desde 2008. Em 2012, a pesquisa tem continuidade com o projeto intitulado Nação e

região: uma leitura a partir das culturas políticas e das políticas para o ensino de História em Santa Catarina

nas décadas de 1930 e 1940, com financiamento do CNPq (Edital nº 18/2012 - Ciências Humanas, Sociais e

Sociais Aplicadas). 2 Com o objetivo de facilitar a leitura, todas as citações deste texto retiradas de publicações da década de 1940 e

1950 tiveram a grafia atualizada, seguindo as atuais normas da língua portuguesa.

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Devem funcionar nos grupos escolares e cursos complementares particulares

as seguintes associações auxiliares da escola (funcionamento gradativo): 1

Biblioteca; 2 Liga Pró-Língua Nacional; 3 Pelotão de Saúde; 4 Clube de

leitura; 5 Círculo de pais e professores; 6 Jornal; 7 Liga de Bondade; 8 Orfeão (Quando possível); 9 Museu; 10 Clube Agrícola (Quando possível)

(SANTA CATARINA, 1945, p.18).

Em Santa Catarina as associações auxiliares tiveram espaço privilegiado, os incentivos

foram tanto de ordem financeira quanto de ordem simbólica que as investiam de importância

e significado no projeto educacional em curso, pautado em dois movimentos convergentes no

período: a política de nacionalização do ensino e a influência das ideias escolanovistas. As

políticas educacionais em Santa Catarina em pauta nas décadas 1930 e 1940 evidenciam a

forte adesão do Estado a esses movimentos nacionais. A chamada reforma Trindade3, por

exemplo, de 1935, explicita no texto escrito, sua política modernizadora tendo como base o

alinhamento aos novos dispositivos metodológicos buscados nas propostas da Escola Nova

(BOMBASSARO; SILVA, 2011). Convém lembrar, contudo, que os preceitos contidos nestes

movimentos já estavam presentes na reforma da instrução pública no Estado, em 1911, levada

a cabo pelo professor paulista Orestes Guimarães, no governo de Vidal Ramos. O método

pedagógico privilegiado naquele momento era o intuitivo - “ícone da pedagogia moderna” -

que valorizava o papel dos sentidos da criança em seu processo de aprendizagem,

incorporando as chamadas lições de coisas, por meio das quais se estimulava as crianças a

observar os fenômenos estudados ou a representação destes por meio de imagens, entre outros

recursos (TEIVE, 2009, p.65).

Dentre as associações auxiliares, pode-se afirmar que a Liga Pró-Língua Nacional

adquiriu especial relevância nos grupos escolares catarinenses, haja vista a própria

participação do Estado no processo de abrasileiramento do Brasil. Santa Catarina - assim

como os demais Estados do Sul, desde os finais do século XIX - estava na mira dos

intelectuais e políticos que viam na concentração das populações estrangeiras, principalmente,

as de origem germânica, um risco à unidade nacional. Com a "Revolução de 1930" e,

posteriormente, com a instalação do "Estado Novo" inaugura-se outra dinâmica na campanha

de nacionalização do ensino, em Santa Catarina. O projeto que se materializava, a partir de

então, possuía especificidades, pois se construía em torno da afirmação da identidade nacional

brasileira e espraiava-se de forma mais contundente, principalmente, a partir dos

estabelecimentos de ensino primário.

3 Reforma do ensino catarinense (Decreto n. 713 de 8 de janeiro, de 1935) ocorrida no governo de Nereu Ramos

e que teve a frente Luiz Bezerra da Trindade, Diretor da Instrução Pública do Estado.

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Neste artigo pretende-se analisar o lugar ocupado pela Liga Pró-Língua Nacional neste

projeto político, a partir do jornal escolar A Criança Brasileira. O movimento de análise

precisará estabelecer relações de aproximações necessárias entre a Liga e o jornal, pois se

entende que ambos estão imbricados. Há fronteiras que os delimitam e diferenciam, é certo,

contudo, suas práticas se atravessam, não apenas porque foram associações auxiliares do

Grupo Escolar Lauro Müller4, mas, sobretudo, porque convergiram em sua condição de

instrumentos pedagógicos poderosos para ensinar o Brasil as crianças. Outros documentos

produzidos pelo Departamento de Educação também serão utilizados, quando necessário, a

fim de ampliar a discussão proposta.

O jornal A Criança Brasileira foi publicado por 27 anos, de 1942 a 1968, assinado

sempre por alunos dos Cursos Primário e Complementar do Grupo Escolar Lauro Müller.

Inaugurado em 1912, de arquitetura moderna e de localização privilegiada, no centro da

cidade, o Grupo Escolar Lauro Müller foi o primeiro da cidade de Florianópolis e o segundo

do Estado. Sua fundação prenunciava os renovadores ventos republicanos que sopravam em

direção à educação no início do século XX, e representou, no Estado, a força política

instaurada para a divulgação de um ideal de escola, de povo brasileiro e de nação.

Para a discussão deste texto foram selecionados os números do jornal publicados entre

1942 e 1950, pois nesse período observa-se expressivo número de noticias relativo às ações

da Liga Pró-Língua Nacional, fundada em 1942. O jornal tinha por objetivo enfatizar e

valorizar as atividades do Grupo em suas páginas e a Liga Pró-Língua Nacional ocupou lugar

de destaque. Ela aparece em quase todos os números do período recortado e, em alguns

números, mais de uma vez, seja anunciando concursos (declamação, poesia, redação, etc.),

seja publicando resultados de concursos anteriores ou relatando festas por ela organizadas

e/ou patrocinadas na escola. A perspectiva apresentada é a promoção de uma leitura histórica

do jornal, em sua condição primeira de impresso escolar, parte de uma imprensa pedagógica,

ou seja, de um conjunto de publicações que pode ser feita por docentes para docentes, por

estudantes ou docentes para estudantes ou docentes, ou ainda pelo Estado ou outras

instituições (BASTOS, 2002). Como impresso periódico, esse jornal também selecionou,

ordenou, estruturou e narrou de determinada forma aquilo que se elegeu como digno de

chegar até seu público (LUCA, 2006). Partindo dessas considerações, o esforço empreendido

4 A partir da Lei n. 5.691/71 o Grupo Escolar Lauro Müller foi transformado em escola de educação básica,

oferecendo o 1º Grau, e, em 1995, também o 2º Grau. A partir do ano 2000, passou a se chamar Escola de

Educação Básica Lauro Müller, oferecendo o Ensino Fundamental e o Médio. No presente a escola atende

principalmente as comunidades periféricas do centro da capital catarinense, como Monte Serrat, Morro da

Caieira, Morro da Queimada, Morro da Mariquinha, Nova Descoberta e Tico-Tico.

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foi o de analisar A Criança Brasileira a partir da sua materialidade, circunstanciada em sua

condição de periódico impresso escolar, projeto coletivo situado num contexto histórico,

articulado a determinado grupo e interesses.

A partir desses pressupostos, importa destacar que os discursos relacionados às ações da

Liga Pró-Língua Nacional sobre educação, nação e civismo divulgados no jornal serão

pensados como representações do mundo social, determinadas pelos interesses do grupo que

as forjaram (CHARTIER 1989; 2011). Nessa direção, parte-se também da ideia de que os

escritos que compõem o jornal comunicam práticas e representações que informam como um

determinado grupo compreendia seu mundo social, o classificava, percebia e o delimitava.

Claro está que o jornal A Criança Brasileira, assim como qualquer outro documento

selecionado para compor o quadro de referências da análise histórica, nunca terá uma relação

direta com as práticas que designa (CHARTIER, 2011). Contudo, o periódico e a Liga

certamente são capazes de fornecer representações de práticas que possuíam razões, códigos,

finalidades e destinatários específicos que dão a ler e interpretar as marcas e interesses sociais

de seu tempo.

Jornal A Criança Brasileira

‘O Dia da Criança’ O dia 25 de março foi comemorado alegremente pela juventude brasileira.

Em nosso estabelecimento escolar houve uma pequena festinha

compareceram a ela quase todos os alunos. Eles se mostravam

despreocupados e alegres, notava-se isso pelos seus sorrisos brejeiros e atitudes francas. Às 9 horas da manhã, quando se iniciou a festa, cantou-se

com entusiasmo e emoção o hino nacional. Foram criadas diversas

instituições como: Liga Pró-Língua Nacional, Clube de Leitura, Orfeão e o Jornal. Foi feito o batismo das salas de aula e terminada a cerimônia,

cantaram os alunos o hino à Bandeira. (PEIXOTO, Laudelino, 2º ano

Complementar, jornal A Criança Brasileira, n.1, 1º de maio de 1942, p.2).

A fundação de diferentes associações auxiliares no dia 25 de março de 1942; a

cerimônia envolvida em tal ato, bem como a posterior publicação dessa notícia no jornal da

escola evidencia o pronto atendimento do então diretor do Grupo Escolar Lauro Müller, Prof.

Sálvio Oliveira, e o respectivo corpo docente às instruções do Departamento de Educação.

Em 18 de agosto do mesmo ano, o relatório do inspetor escolar Adriano Mosimann analisa de

modo positivo a existência de diferentes associações no Grupo: Cooperativa, Caixa Escolar,

Clube da Leitura, Biblioteca, Pelotão de Saúde, Liga Pró-Língua Nacional, Jornal, Sopa

Escolar e Liga de Bondade. Faltando ainda, Círculo de País e Mestres e Clube Agrícola.

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(RELATÓRIO, 18 de agosto de 1942). O relatório também indica que todas essas associações

estavam em plena atividade na escola. Pode-se afirmar que para além do atendimento a um

dispositivo legal, a criação dessas associações e seu correto funcionamento constituíam-se

também em estratégia para que a escola seguisse legitimando-se como escola modelo,

integrada aos anseios do projeto político daquele momento, como quando foi fundada, cerca

de 30 anos antes.

Lançado no simbólico dia 1º de maio de 1942, impresso em preto e branco, com

formato que lembra o de um tabloide5, o jornal A Criança Brasileira foi publicado com certa

regularidade por mais de duas décadas. A organização estética e política do jornal, a seleção e

organização da pauta, a captação de recursos, por meio de anúncios do comércio local, e a

impressão em gráfica faz ver a importância que este jornal alcançou em sua trajetória, não

apenas na escola, como também fora dela.

Foram localizados 42 exemplares referentes aos 21 anos desse jornal. Supõe-se que

tenha sido publicado até o número 96, de 1968, último exemplar localizado e o único

manuscrito até então. Por mais de duas décadas (considerando-se apenas os números

localizados) o jornal selecionou e publicou notícias relacionadas ao cotidiano da escola, as

efemérides e homenagens a personagens considerados ilustres. Nesse período fizeram parte de

sua pauta os seguintes temas: movimento de matrículas, festas internas e notas sociais, os

aniversariantes do mês, casamentos ou noivados de professoras, lista de alunos que se

distinguiam pelo comportamento e pela aplicação, concursos e outras ações empreendidas

pelas associações auxiliares da escola. Também se reproduziam textos de cunho moral, cívico

e higienista e uma variedade grande de notícias assinadas pelos alunos que faziam referências

às questões políticas locais, estaduais e nacionais.

O jornal possuía características que o aproximava das observadas nos jornais da época,

o que incluía até mesmo anúncios comerciais regulares. Esses anúncios seguramente

deveriam contribuir de forma importante para que o jornal pudesse ser impresso, pois era um

processo bastante caro à época, como o é ainda hoje para qualquer escola. Muito

provavelmente o custo da impressão também era pago com arrecadações da “caixa escolar” e

outras doações de pais de alunos. Sobre esse último ponto há indícios numa nota publicada

em 12 de novembro de 1942, assinada pela “Redação”. Nesta nota justifica-se que a

5 Formato de jornal surgido em meados do século XX, no qual cada página mede aproximadamente 33 cm x 28

cm.

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publicação de dois números num único exemplar (4 e 56) foi feita para manter a regularidade

do jornal e que seu atraso havia sido em razão do grande volume de atividades no mês de

agosto, mas principalmente pelo aumento de preço do material necessário para a publicação

do jornal. Uma doação de todo o papel necessário, feita pelo pai de uma das alunas, resolveu

o problema:

Agora, porém, graças aos esforços e dedicação da diretora, a aluna Zita Flores, tudo está arrumado. Obtivemos o que nem sequer imaginávamos. Ela

falou a respeito dessas dificuldades com seu pai, o jornalista Prof. Altino

Flores, que, numa oferta generosa e valiosíssima para nós, deu todo o papel necessário. Aqui deixamos expresso o nosso agradecimento. (A Criança

Brasileira, n. 4-5, 1942, p. 2).

Altino Flores, pai da aluna Zita Calado Flores, que até os números 15 e 16 (outubro de

1944) assinava como diretora do jornal, foi um jornalista e professor da cidade de

Florianópolis, intelectual reconhecido já na época. Ele foi um dos membros fundadores da

Academia Catarinense de Letras (1920), da qual Nereu Ramos também participava, e da

Associação Catarinense de Imprensa (1932). Para além do presente generoso, é provável de

que contribuísse de alguma forma na elaboração do jornal, afinal sua filha era diretora.

Certamente devia lhe interessar esse lugar de projeção intelectual da filha, bem como a

reiteração de imagem da escola em que ela estudava como lugar de excelência.

Além da composição da redação do jornal ser apenas de alunos, observa-se que desde

o seu primeiro número, textos e notícias aparecem assinados por eles, em sua maioria do

Curso Complementar, embora houvesse também contribuições de estudantes matriculados no

Primário. Nos quatro jornais publicados em 1942, a professora Nilza Puccini Speck7 era

creditada como orientadora. A partir do número 6, porém, publicado em agosto de 1943, até

1968, não há mais indicação de orientação de professor nos créditos do jornal. Mas claro está

que isso não significa que os professores tenham deixado de exercer esse papel de

“orientação” na organização do periódico. Os professores são os ausentes presentes em cada

nota, em cada texto publicado, bem como na organização da pauta do jornal. Sobre esse tema,

o Departamento de Educação inclusive dá as seguintes instruções: “Qualquer trabalho

destinado ao jornal, embora necessite sofrer a censura do professor, nem por isso deve perder

o cunho ‘originalidade’ sem o que iríamos destoar os fins desse trabalho de cooperação, que é

o jornal.” (SANTA CATARINA, 1945, p.131).

6 A partir de então essa foi uma estratégia constante para assegurar a regularidade dos números do jornal. Por

exemplo, em 1944, foram publicados quatro exemplares que cobriam oito números do jornal: 9-10; 11-12; 13-14

e 15-16. 7 A nota Noivado, publicada no jornal n.9-10, abril de 1944, p. 3, informa que ela se casou e foi nomeada para

outro cargo, deixando, assim, a escola.

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Sobre esta questão convém ressaltar que a organização do jornal seguia rigorosamente

as instruções do Departamento de Educação. Este detalhava quais os elementos deveriam

constar no corpo do jornal, como a equipe responsável deveria ser constituída, como deveria

ser a seleção dos textos que seriam publicados etc. Até mesmo o cabeçalho da capa recebia

instruções detalhadas quanto às informações que deveriam constar e a hierarquia a ser seguida

em sua composição (SANTA CATARINA, 1945, p.130-131). Todos os números localizados

desse jornal seguem essas instruções, como se pode observar nos exemplos a seguir:

Imagem 1: Capa do primeiro número do jornal, 1º

de maio de 1942, homenagem a Getúlio Vargas, em

destaque na fotografia centralizada.

Imagem 2: Capa dos números 66-67 do jornal,

maio de 1952, homenagem ao quadragésimo

aniversário do grupo, com destaque para Vidal

Ramos e Lauro Müller.

As instruções do Departamento de Educação relativas às finalidades e organização do

jornal nas escolas deixavam bem claro sua função política, de legar ao futuro um passado

comum, selecionado a partir da ideia de uma pátria moderna, civilizada e antes de tudo,

brasileira, contida no projeto estadonovista. “O jornal representa uma coleção de trabalhos

que se concentra em um só todo, assim para, no futuro, poderem os novos alunos conhecer as

realizações do passado.” (SANTA CATARINA, 1945, p.130). Além disso, explicitava-se que

sua função era também publicizar as práticas privilegiadas nas escolas, que se coadunavam, e

isso os documentos informam com contundência, com o projeto político em curso.

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Estimulava-se, nesse sentido, que o jornal não chegasse apenas às casas dos alunos,

professores e suas respectivas famílias, mas a outras instituições do Estado e fora dele.

Há diferentes exemplos dessa política nas próprias páginas desse impresso, quando

este informa o recebimento de jornais escolares de outras escolas ou transcreve trechos das

cartas de agradecimento de diretores dos grupos escolares que haviam recebido o jornal A

Criança Brasileira. O segundo número publicado informa, por exemplo, que o periódico foi

remetido aos grupos escolares do Estado “dos quais temos recebido expressões de simpatia e

agradecimento” e também que “Para diversos professores dos Estados do Maranhão, Alagoas,

Espírito Santos, Goiás, Rio de Janeiro e Paraná, remeteremos um exemplar de ‘A Criança

Brasileira’”. Na sequência, à mesma página, a nota “Impressões” traz um trecho da carta do

Prof. Hercílio de Fáveri, diretor do Grupo Escolar Barão do Rio Branco, de Urussanga,

enviada ao então diretor do Grupo Escolar Lauro Müller, Sálvio Oliveira, parabenizando a

iniciativa do jornal e observando o fato de que era impresso, algo raro. “Acuso agradecido o

recebimento do 1º número de “A Criança Brasileira”. Meus Parabéns! Um jornal impresso,

em Grupo Escolar, mesmo na capital do Estado, é algo que devemos admirar”. Há também

referência a uma carta da professora Vanda B. Cláudio diretora do Grupo Escolar Raulino

Horn, de Indaial, agradecendo a remessa do 1º número do jornal e também informando a

remessa de um exemplar do jornal escolar daquele Grupo chamado Brasil “É um jornalzinho

manuscrito com perfeição e que muito nos agradou” (A Criança Brasileira, n.2, 5 de junho de

1942, p.4).

Chama atenção também a remessa e o recebimento de jornais entre o Grupo e escolas

do Uruguai. Em 1947 o jornal anunciou que havia mandado alguns exemplares para aquele

país um ano antes, em 1946. Em troca, também havia recebido jornais de diferentes escolas

do Uruguai.

Há poucos dias tivemos uma agradável surpresa. Recebemos um jornalzinho

escolar do Uruguai. Para maior alegria nossa, aquele não foi o único.

Atualmente estamos recebendo jornais de diversas escolas daquele país. São jornais muito interessantes que tratam dos mais variados assuntos. Acho que

vamos aproveitar muitas sugestões para os próximos números d´A Criança

Brasileira. (TEIXEIRA, Rute, 2º ano Complementar. A Criança Brasileira, n.39-40, 1947, capa).

Em sua pesquisa sobre o jornal Nosso Esforço, Ana Regina Pinheiro (2008) já havia

observado a ampla repercussão dos jornais escolares e a popularidade dessa atividade não

apenas no Brasil, mas em outros países da América Latina, sobretudo no Uruguai e na

Argentina. Ela encontrou jornais dispersos de outras escolas no acervo do jornal Nosso

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Esforço, concentrados, em sua maior parte, nas décadas de 1930 e 1940. Isso evidencia o forte

incentivo das políticas públicas para a produção desses periódicos nas escolas primárias, que

não se reduzem a apenas uma região. A circulação desses periódicos dava visibilidade às

atividades escolares, aos sujeitos a elas relacionados, e, mais que isso, lhes conferia distinção.

Mas não eram apenas os periódicos que eram estimulados a circular, também as ações das

Ligas Pró-Língua Nacional recebiam fortes incentivos. Esses eram, pelo menos, de três

ordens distintas: circulavam por meio dos jornais; por meio de cartas trocadas entre escolas de

Santa Catarina e entre essas e outros Estados e por meio de concursos entre classes de uma

mesma escola ou entre classes de escolas diferentes. Certamente que para os dirigentes

educacionais e demais membros do governo estadual a publicidade das ações dos jornais e das

Ligas Pró-Língua Nacional constituía-se em instrumento poderoso de “dar ler” e legitimar

práticas que expressavam valores e formas de ver o mundo que os identificava e reunia em

torno de um projeto político comum de construção da nacionalidade brasileira.

Liga Pró-Língua Nacional e a construção da nacionalidade

Entre as décadas de 1940 e 1950 o jornal primou por enfatizar e valorizar as atividades

das diferentes associações do Grupo em suas páginas, mas nenhuma delas alcançou tanto

destaque quanto a Liga Pró-Língua Nacional. As ações da Liga aparecem 25 vezes nos

números publicados entre 1942 e 1950, às vezes, mais de uma vez. As notícias anunciavam

trocas de cartas entre as diferentes Ligas de Santa Catarina e também com outros Estados; os

novos concursos (declamação, poesia, redação), os resultados de concursos anteriores e

respectivas premiações; também relatavam festas por ela organizadas ou patrocinadas na

escola. Logo após a fundação da Liga o jornal já anunciava seu pleno funcionamento:

No dia 25 de março [1942] foi fundada a Liga Pró-Língua Nacional valiosa

instituição que visa intensificar o gosto pelas coisas da nossa língua e da

terra. Tem ela a orientação da Profa. Altair Barbosa Marçal. O movimento

de correspondência já é bem regular; já foram remetidas 44 cartas para diversos pontos do interior do nosso Estado e do Norte do Brasil, Foram

recebidas cerca de 12 cartas sendo 9 do interior do Estado e 3 de outros

Estados. Estão sendo confeccionados dois álbuns, um com fotografias do Dr. Getúlio Vargas e outro com aspectos do Brasil. (NASCIMENTO, Artur, 2º

ano Complementar, 1942, n.2, p.2).

Tamanho destaque dado pelo jornal à Liga Pró-Língua Nacional, “valiosa instituição

que visa intensificar o gosto pelas coisas da nossa língua e da terra” (n.1, 1942, p. 2), justifica-

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se pela grande preocupação que a língua e seu uso suscitavam no Estado Novo. A palavra

escrita e a falada eram mantidas sob o controle do Departamento de Imprensa e Propaganda -

DIP - a uniformidade do uso da língua ou da dicção era parte de uma política controladora

ligada a construção da nacionalidade. A normatização da língua foi o eixo central que

orientou a intervenção escolar do governo de Nereu Ramos, governador de Santa Catarina a

partir de 1935 e interventor federal entre 1937 e 1945. As práticas de imposição da língua

nacional daí advindas indicam, inclusive, elementos de um “verdadeiro culto à linguagem” no

Estado (Campos, 2004, p. 165). Essa questão pode ser observada na seguinte nota publicada:

A Liga Pró-Língua Nacional é uma instituição escolar que tem por fim

instruir as crianças brasileiras ensinando-as a falar corretamente o português.

O Sr. Prof. Luiz Trindade, Inspetor Geral da Nacionalização do Ensino, com sua grande inteligência e capacidade é quem dirige as Ligas de todos os

grupos escolares. O grande escritor brasileiro Afonso Arinos, uma das

glórias da literatura brasileira, poeta e autor de diversas peças teatrais, é o

patrono da Liga Pró-Língua Nacional do Grupo Escolar Lauro Müller. Pela eficiente orientação da professora Desauda Bosco, em cujo encargo está a

Liga Pró-Língua Nacional do nosso grupo, vem se realizando festinhas e

estudos biográficos de grande valor recreativo e instrutivo. Recebemos do prof. Luiz Trindade, um plano de trabalho que será para nós, membros da

Liga, de grande utilidade educativa. A Liga Pró-Língua Nacional é uma das

maiores e mais úteis instituições pela sua patriótica finalidade. Não só aqui

em nosso Grupo se nota sua poderosa influência, como também em todos os grupos escolares. (MATOS, Ieda Isabel de, 2º ano Complementar C., n.9-10,

1944, p.2).

As Ligas Pró-Língua Nacional foram criadas visando uma “expansão mais sólida do

espírito nacional”, tinham, nesse sentido, uma missão nacionalizadora com o intuito de forjar

cidadãos preparados e “perfeitamente integrados no valor e grandeza de sua Pátria” (SANTA

CATARINA, 1945, p.123). A criação, finalidades e regras de funcionamento dessa Liga, em

especial, traduziam os esforços promovidos pelo Estado para a construção de uma língua

única “nacional”. Algumas pesquisas apontam que nas zonas coloniais e/ou cidades que

concentravam grande número de alunos descendentes de imigrantes europeus as Ligas

adquiriam especial relevância nos grupos escolares, haja vista a preocupação tanto com a

língua quanto com a homogeneização de uma proclamada cultura brasileira (LUNA, 2008;

MIRANDA; NASCIMENTO, 2009). No Grupo Escolar Lauro Müller o componente

nacionalizador aparecia, sobretudo por meio do culto a Pátria, ou melhor, na exaltação

ufanista de suas grandezas, realizações e personagens ilustres. As festas de cunho patriótico

realizadas nas escolas são exemplos disso e, dentre elas, as nomeadas como “Álbuns em

Desfile”, são bastante significativas e amplamente noticiadas no jornal;

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A Liga Pró-Língua Nacional “Afonso Arinos” realizou a última festinha do

ano, Álbuns em desfile. Como nos outros anos, as professoras percorreram

todas as classes, explicando aos alunos, as riquezas do Brasil estampadas nos

álbuns. Após, houve concentração dos alunos no pátio interno, encerramento dos trabalhos e homenagem à bandeira. (A Criança Brasileira, n.33-34,

1946, p.3).

As festas e/ou cerimônias comemorativas chamadas de “Álbuns em Desfile” eram

realizadas no mês de outubro, na “Semana da Criança”. Os álbuns eram confeccionados pelos

alunos com a ajuda e orientação de um professor. Nele destacavam-se – por meio de seleção

de imagens e frases - as belezas do Brasil, suas paisagens, geografia, também elementos do

progresso e, sobretudo, aspectos biográficos dos “vultos brasileiros”. No dia da festa os

professores iam passando de sala em sala, mostrando o álbum e dissertando sobre o conteúdo

nele privilegiado. Segundo as instruções fornecidas pelo Departamento de Educação, os

professores deveriam entrar e sair de cada classe obedecendo a um sinal dado. Dessa forma

todos os professores percorriam todas as classes, apresentando o seu “Álbum” e repetindo a

mesma preleção. Na impossibilidade de percorrer todas as salas da primeira vez, devia-se

continuar no dia seguinte, adotando o mesmo sistema. No dia do encerramento da “Semana

da Criança” os álbuns deveriam ser votados, para se escolher o melhor. Ao final, “após uma

solenidade significativa”, todos os álbuns deveriam ser recolhidos ao gabinete da direção.

Além da organização da “Semana da Criança” e dos “Álbuns em desfile” cabia também à

Liga Pró-Língua Nacional responsabilizar-se pelos programas comemorativos da “Semana de

Caxias” e da “Brasilidade”, bem como promover durante o ano, concursos de caráter literário

(SANTA CATARINA, 1945, p.6; 123-125).

Além das festas cívicas as páginas do jornal privilegiavam os concursos literários. Em

agosto de 1943, o n. 6 do jornal teve a capa quase toda ocupada pelo “Grande Concurso”

promovido pela Liga Pró-Língua Nacional entre os alunos do 2o ano do Curso Complementar

dos Grupos Lauro Müller e Luiz Delfino, de Blumenau. A competição entre os grupos

escolares foi organizada pelas professoras de Língua Portuguesa e foi realizado entre os meses

de abril e maio. As regras foram assim detalhadas:

Em aula de português, os alunos deste grupo escolheram um assunto para

composição, que seria remetido – em envelope devidamente fechado – ao grupo escolar “Luiz Delfino”. Assunto: “A Vitória” foi o assunto enviado ao

G.E. “Luiz Delfino”, com as instruções: o envelope só poderia ser aberto no

dia indicado pelo “Lauro Muller”, à hora em que todos os alunos já estivessem de posse do seu material. Durante o concurso aluno algum

poderia afastar-se da sala de aula. Tempo: 70 minutos. A professora de

português poderia esclarecer, em traços ligeiros, o assunto. Esgotado o

prazo, as provas seriam empacotadas e postas no Correio da localidade, pelo fiscal do Concurso (um aluno), a fim de serem julgadas por este grupo. As

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condições exigidas pelo outro grupo foram as mesmas. “Mãe” foi o assunto

que o G.E. “Luiz Delfino” enviou aos alunos do 2º ano B deste educandário.

(A Criança Brasileira, n.6, 1943, capa).

Nesse mesmo número, além das etapas previstas na organização do concurso também

foram publicados os textos dos alunos vencedores, escolhidos pelas duas escolas. O primeiro

lugar coube ao Grupo Escolar Lauro Müller e o segundo e terceiro lugares ao Grupo Escolar

Luiz Delfino.

Imagem 3: Capa do número 6 do jornal, agosto de

1943, em destaque o “Grande Concurso”.

Nesses concursos os alunos eram prestigiados e distinguidos. Seus nomes e respectivos

trabalhos eram publicados no jornal. Eles também recebiam prêmios que tanto podiam ser

materiais escolares da cooperativa da escola “Flordoardo Cabral”, ingressos para o cinema

“Ritz”8 - que também anunciava no jornal - ou até mesmo dinheiro, como, por exemplo, o

“Concurso de férias”:

Finalmente temos o prazer de levar ao conhecimento de nossos queridos

leitores o resultado do Concurso de Férias, patrocinado pela Liga Pró-Língua

Nacional. A classificação, como já dissemos em número anterior, foi muito demorada em virtude do grande número de concorrentes. Concluída a

apuração foram classificados os contos dos seguintes alunos: 1o lugar:

8 O conhecido Cine Ritz, localizava-se no Centro da cidade. Foi fundado como Cine Rex, em 18 de agosto, de

1935, passando a ser chamado de Ritz nos anos 1940. Fechou suas portas na década de 1990.

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Marília Leite - 2o B; 2

o lugar: Eulália Ávila - 1

o ano B; 3

o lugar: Ana de

Paula - 1o ano A. Conforme foi instituído no concurso esses alunos receberão

respectivamente os prêmios de Cr$ 20,00, Cr$ 15,00 e Cr$ 10,00. (A

Criança Brasileira, n. 25-26, novembro de 1945, p. 3)9.

A Liga e suas ações constituem-se em um conjunto de práticas simbólicas que não

apenas significam uma dada realidade, mas fundamentalmente, a produzem e a justificam.

Lembrando que seja qual for o discurso e seu suporte, o que temos são sempre representações

(CHARTIER, 1989). Com seus ritos e encenações planejadas sobre um projeto de Brasil e de

brasileiro, essa Liga integrou um projeto coletivo fundamentado na ideia de cultura nacional

em contraposição as culturas dos descendentes de imigrantes, principalmente os alemães.

Combatia-se do mesmo modo o regionalismo, pois a região não poderia nunca sobrepor-se a

Nação. Essa pretensa cultura nacional essa baseada em pressupostos homogeneizantes

construídos em torno de um padrão considerado dominante e legítimo, imposto e justificado

pelos intelectuais e dirigentes políticos que sustentavam o Estado Novo.

Considerações finais

O jornal A Criança Brasileira aderiu de forma bastante eloquente às representações

relativas ao projeto que se materializava, desde a década de 1930, no que se referia à

afirmação da identidade nacional brasileira. Como prática escolar, o jornal pertenceu a um

contexto de nacionalização bastante diferente daquele de 1912, ano em que o grupo escolar

foi fundado, pois em 1942 estava-se em pleno Estado Novo, período de recrudescimento do

nacionalismo e de forte intervenção estatal em toda a sociedade. Em Santa Catarina, a

publicação do decreto-lei n. 88, de 31 de março de 1938, pelo então interventor Nereu Ramos,

constitui marco de uma mudança bastante significativa nesse processo. A partir dele,

desencadearam-se ações mais efetivas que visavam à homogeneização cultural e que

atingiram principalmente alemães, italianos e seus descendentes. O decreto concretizou

medidas como a proibição do uso de língua estrangeira nas escolas e a criação da

Superintendência Geral das Escolas Particulares e Nacionalização do Ensino. Tal proibição

se estenderia até mesmo para a esfera privada, num esforço para constituir a brasilidade de

Santa Catarina, posta em dúvida em razão da imagem de que convivia com o chamado perigo

9 Foi a primeira vez que prêmio em dinheiro foi publicizado. No número 15-16 de outubro de 1944 existe um

anúncio da Cooperativa da escola (Cooperativa Flordoardo Cabral) que pode dimensionar o poder de compra do

prêmio recebido pelas crianças vencedoras: uma pena: Cr$ 0,20. Caderno de linguagem com 24 folhas: Cr$ 1,00.

Lápis Faber: Cr$ 0,30.

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alemão (CAMPOS, 2004; FÁVERI, 2004; FALCÃO, 2004). Não é por acaso, portanto, o

espaço ocupado pela Liga Pró-Língua Nacional “Afonso Arinos” do Grupo Escolar Lauro

Müller, no jornal.

As atividades da Liga Pró-Língua Nacional e a atuação do próprio jornal A Criança

Brasileira indicam o empenho do Grupo Escolar Lauro Müller não apenas em se adequar a

essa política da língua, mas sim a todos os elementos que compunham o projeto

nacionalizador do período. Convém reforçar que se hipotecava à escola, principalmente as de

ensino primário, o papel de plasmar o cidadão, formá-lo seguindo os preceitos políticos em

pauta. Nessa direção constituía-se em espaço fundamental para a construção da identidade

nacional e do conceito de nação. As estratégias e os investimentos simbólicos e financeiros

foram muitos, as associações auxiliares da escola são exemplos contundentes disso. Suas

ações ampliaram e redimensionaram as comemorações cívicas, os concursos, as premiações,

as listas dos alunos que se distinguiam etc. Essas e outras estratégias evidenciam também o

quanto a Liga se distinguia das demais associações auxiliares e produzia distinções ao travar

competições entre escolas, entre alunos, afinal tais competições davam visibilidade à escola e

aos seus estudantes e professores. Essas práticas escolares, nas quais se inclui o jornal,

seguiam mantendo o Grupo Escolar Lauro Müller em pauta na década de 1940. De modo

importante, também, dão a ler e ver o projeto político compartilhado pelo Grupo Escolar

Lauro Müller e sujeitos a ele relacionados, naquele momento histórico.

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