lições de arquitetura - Cap. 1

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  • J PBLICO E PRIVADO

    Os conceitos de "pblico" e "privado" podem ser interpretados como a traduo em termos espaciais de

    ' "coletivo" e "individual"\ Num sentido mais absoluto, podemos dizer:pblico uma rea acessvel a todos a qualquer momento; a responsabilidade por sua manuteno assumida coletivamente. Privada uma rea cujo acesso determinado por um pequeno grupo ou por uma pessoa, que tem a responsabilidade de mant-la .!

    Esta oposio extremo entre o pblico e o privado - como o oposio entre o coletivo e o individual - resultou num clich, e to sem matizes e falsa como o suposto oposio entre o geral e o especfico, o objetivo e o subjetivo. Tais oposies so sintomas da desintegrao das relaes humanos bsicos. Todo mundo quer ser aceito, quer se inserir, quer ter um lugar seu. Todo comportamento no sociedade em geral , na verdade, determinado por papis, nos quais a personalidade de cada indivduo afirmada pelo que os outros vem nele. No nosso mundo, experimentamos uma polarizao entre a individualidade exagerado, de um lodo, e o coletividade exagerado, de outro. Coloco-se excessiva nfase nestes dois plos, embora no exista uma nico relao humano que nos interesse como arquitetos que se concentre exclusivamente em um indivduo ou em um grupo, ou mesmo que se concentre de modo exclusivo em todos os outros, ou seja, no "mundo externo". sempre uma questo de pessoas e grupos em inter-relao e compromisso mtuo, i.e., sempre uma questo de coletividade e indivduo, um em face do outro.

    12 liES DE ARQUITETURA

    'Wenn aber der lndividualismus nur einen Teil des Menschen erfassf so erfassf der Koflektivismus nur den Menschen ais Teil: zur Ganzheif des Menschen, zum Menschen ais Ganzes dringen beide nicht vor. Der lndividualismus sieht den Menschen nu r in der Bezogenheif auf sich selbst, aber der Kollektivismus sieht den Menschen berhaupt nicht, er sieht nur die "Gesetlschaft", Beide Lebensanschauungen sind Ergebnisse oder Aeusserungen des gleichen menschlichen Zustands. Dieser Zusfand ist durch das Zusammensfromen von kosmischer und sozialer Heimlosigkeif, von Weltangsf und Lebensangst, zu einer Daseinsverfassung der Einsamkeit gekennzeichnet, wie es sie in diesem Ausmass vermutlich noch nie zuvor gegeben hat. Um sich vor der VerzweiRung zu relfen, mil der ihn siene Vereinsamung bedroht, ergrei& der Mensch den Ausweg, diese zu glorifizieren. Der moderne lndividualismus hat im wesentlichen eine imaginare Grundlage. An diesem Charakter scheitert er, denn di e lmagination reicht nicht zu, die gegebene Situation faktisch zu bewiiltigen. Der moderne Kollektivismus ist die letzte Schranke, die der Mensch vor der Begegnung mil sich selbst aufgerichtet hat .. . ; im Kollektivismus gibt sie, mil dem Verzicht auf die Unmiitelbarkeit persnh"cher Entscheiclung und Veranfwortung, sich selber auf In beiden Falfen ist sie unfahig, den Durchbruch zum Anderen zu volfziehen: nur zwischen echten Personen gibt es echte Beziehung. Hier gibt es keinen anderen Ausweg ais den Aufstand der Person um der Befreiung der Beziehung willen. lch sehe am Horizont, mil der Langsamkeit a/ler Vorgange der wahren Menschengeschichte, eine grosse Unzufriedenheit heraufkommen. Man wird sich nicht mehr b/oss wie bisher gegen eine bestimmte herrschende Tendenz um anderer Tendenz willen emporen, sondem gegen die falsche Realisierung eines grossen Strebens, des Strebens zur Gemeinschah, um der echten Realisierung witlen. Man wird gegen die Verzerrung und fr die reine Gesta/f kiimpfen. lhr ersfer Schritf muss die Zerschlagung einer falschen Alternafive sein, der Alternafive "lndividualismus oder Kollektivismus".; (Marlin Buber, Das Problem des Menschen, Heidelberg, 1948, tambm publicado em Forum 71959, p. 249)

  • I"Se, porm, o individualismo compreende apenas parte da humanidade, o coletivismo s compreende a humanidade como parte; nenhum deles apreende o todo da humanidade, a humanidade como um todo. O individualismo v a humanidade apenas na relao consigo mesmo, mas o coletivismo no v o homem de maneira nenhuma, v apenas a 'sociedade'. Ambas as vises de mundo so produtos ou expresses da mesma condio humana. Esta condio caracteriza-se pela confluncia de um desamparo csmico e social, de uma angstia diante do mundo e da vida, por um estado existencial de solido, que provavelmente nunca se manifestaram antes nesse nvel. )Na tentativa de fugir do desespero trazido pelo isolament~,.., o homem, como escapatria, procura glorific-lo. O individualismo moderno possui um fundamento imaginrio. Neste aspecto, ele fracassa, pois a imaginao incapaz de lidar factualmente com uma situao dada. O coletivismo moderno a ltima barreira que o homem construiu para evitar o encontro consigo mesmo { ... ]; no coletivismo, com a renncia imediaticidade da deciso e da responsabilidade pessoal, ela se rende. Em ambos os casos incapaz de efetuar uma abertura para o outro: s entre pessoas reais pode haver uma relao real. No h alternativa, neste caso, a no ser a rebelio do indivduo em favor da libertao do relacionamento. Veio surgir no horizonte, com a lentido de todos os processos da histria humana, um grande descontentamento. As pessoas no mais se levantaro como fizeram no

    posso conlra cer'la lendncia predominante e a favor de uma tendncia diferente, mas contra a falsa realizao de um grande anseio, o anseio pelo comunitrio, em nome da verdadeira realizao. As pessoas lutaro contra a distoro e pela pureza.

    O pnneiro passo deve ser a destruio de uma Falsa escolha, a escolha: 'individualismo ou coletivismo'." -

    Os conceitos de "pblico" e "privado" podem ser vistos e compreendidos em termos relativos como uma srie de qualidades espaciais que, diferindo gradualmente, referem-se ao acesso, responsabilidade, relao entre a propriedade privada e a superviso de unidades espaciais especficas.

    DOM NIO PBLICO 13

  • -2 DEMARCACOES I

    TERRITORIAIS Uma rea aberta, um quarto ou um espao podem ser concebidos como um lugar mais ou menos privado ou como uma rea pblica, dependendo do grau de acesso, da forma de superviso, de quem o utiliza, de quem toma conta dele e de suas respectivas responsabilidades. O seu quarto, por exemplo, um espao privado em comparao com a sala de estar e a cozinha da casa em que mora. Voc tem a chave do seu quarto, do qual voc mesmo cuida. O cuidado e a manuteno da sala de estar e da cozinha so basicamente uma responsabilidade compartilhada por todos os que moram na casa, que tm a chave da porta de entrada. Numa escola, cada sala de aula privada em comparao com o ha/1 comunitrio. Este ha/1, por sua vez, , como a escola em sua totalidade, privado em comparao com a rua.

    RUAS E RESIDNCIAS, BALI (1 41 Os quartos de vrias habitaes em Bali so muitas vezes pequenas casas construdas separadamente, agrupadas em volta de uma espcie de ptio interno, no qual se entra por um porto. Depois que atravessamos o porto, no temos a sensao de que estamos entrando numa residncia, embora isso seja o que acontece de fato. As unidades separadas da residncia - rea de cozinha, dormitrios e, s vezes, uma cmara morturia e um berrio - possuem uma intimidade maior e so, certamente, de acesso menos fcil para um estranho. Deste modo, a casa abrange uma seqncia de gradaes distintas de acesso.

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    1. Dormitrio para os pais 5. Dormitrio 2. Altar 6. Cozinha 3. Templo fami liar 4. rea de estar/convidados

    7. Depsito de arroz 8. Eira

  • Muitos ruas em Boli constituem o territrio de uma famlia extenso. Nessas ruas esto situados os cosas dos diversos unidades familiares, que juntos compem o famlia extenso. Essas ruas tm um porto de entrado, que muitos vezes provido de uma pequeno cerco de bambu encarregado de manter os crianas e os animais do lodo de dentro, e, embora sejam basicamente acessveis o qualquer um, tendemos o nos sentir como intrusos ou, no mximo, como visitantes. Alm das diversos nuances nos demarcaes territoriais, os balineses fazem uma distino dentro do espao pblico: o rea do templo, que compreende uma srie de recintos sucessivos com entrados claramente marcados, aberturas nas cercos ou portes de pedra (conhecidos como tjandi bentar). Esta rea do templo serve como ruo e como pfayground poro os crianas. Poro o visitante tambm acessvel como ruo - pelo menos quando no esto acontecendo manifestaes religiosos - , mos, mesmo assim, o visitante sente certo relutncia. Como algum estranho ao lugar, sente-se honrado por ter permisso de entrar.

    No mundo inteiro encontramos gradaes de demarcaes territoriais, acompanhadas pela sensao

    de acesso. s vezes o grau de acesso uma questo de legislao, mas, em geral, exclusivamente uma questo de conveno, que respeitada por todos.

    EDIFCIOS PBLICOS Os chamados edifcios pblicos, tais como o ha/1 do correio central ou uma estao ferrovirio , podem (pelo menos durante os horas em que ficam abertos) ser vistos como um espao de ruo no sentido territoria l. Outros exemplos de graus diferenciados de acesso ao pbl ico esto listados abaixo, mos o listo, naturalmente, pode ser ampliado poro incluir outros experincias pessoais: os ptios quadrangulares dos universidades no Inglaterra, como em Oxford e Combridge; so acessveis o todos pelos prticos, formando uma espcie de subsistema de caminhos poro pedestres que atravesso todo o centro do cidade. edifcios pblicos, como, por exemplo, o ha/1 do correio, o estao ferrovirio, etc. os ptios de blocos de moradia em Paris, onde o concierge em geral reino supremo. ruas "fechados", encontrados em grande variedade por todo o mundo, s vezes patrulhados por guardas de segurana privado.

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    Estao Centro/, Hoorlem, Holanda

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    Ruo holandesa, sculo XIX

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    ALDEIA DE MRBISCH, USTRIA {681 As ruas na aldeia austraca de Morbisch, perto da fronteira hngaro (publicado em Forum 9-1959), tm portes largos, como os que do acesso a fazendas - mas aqui do acesso a ruas laterais ao longo das quais se situam residncias, estbulos, celeiros e hortas.

    .... Estes exemplos mostram como so inadequados os termos pblico e privado, enquanto as reas chamadas semiprivadas ou semipblicas, que muitas vezes esto espremidas no zona intermediria, so equvocas demais para acomodar as sutilezas que devem ser levadas em conta ao projetar cada espao e cada rea., Onde quer que indivduos ou grupos tenham a oportunidade de usar partes do espao pblico para seus prprios interesses, e apenas indiretamente no interesse dos outros, o carter pblico do espao temporria ou permanentemente colocado em questo por meio do uso. Exemplos desse tipo podem ser encontrados em qualquer parte do mundo.

    Em Bali - mais uma vez usada como exemplo - o arroz espalhado para secar em amplas reas dos caminhos

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    pblicos e at mesmo no meio-fio das estradas de macadame, onde permanece intocado pelos veculos e pelos pedestres, pois todos esto conscientes da importncia da contribuio de cada membro da comunidade para a colheita de arroz. 191 Um outro exemplo de mistura do pblico com o privado o roupa pendurada para secar nas ruas estreitas de cidades do sul da Europa: uma expresso coletiva de simpatia pelo lavagem de roupa de cada famlia, que fica pendurada numa rede de cabos que atravessa a rua de uma casa a outra.

    Npoles

  • Outros exemplos so as redes e navios sendo reparados nos cais de aldeias e portos pesqueiros, e o Dogon: a l estirado no praa da aldeia.

    O uso do espao pblico por residentes, como se fosse "privado", fortalece a demarcao por parte do usurio desta rea aos olhos dos outros. A dimenso extra dada ao espao pblico por essa demarcao sob a forma de uso para objetivos privados ser discutida detalhadamente mais adiante, mas antes devemos procurar saber quais as conseqncias que traz para o arquiteto.

    BIBLIOTECA NACIONAL, PARIS, 1862-1868 I H. lABROUSTE (12) No principal sala de leitura da Biblioteca Nacional em Paris, os espaos de trabalho individual, dispostos um em frente ao outro, so separados por uma "zona" mdia mais elevada; as lmpadas no centro dessa prancha fornecem luz paro as quatro superfcies de trabalho diretamente adjacentes. Esta zona central mais acessvel do que os espaos de trabalho individual, mais baixos, e tem como claro objetivo o uso compartilhado por aqueles que se sentam de ambos os lados.

    EDIFCIO DE ESCRITRIOS (ENTRAAL BEHEER ( 1319) H muitos anos, antes de se estabelecer a moda de "escrivaninha lisa", as escrivaninhas dos escritrios eram providas de pranchas que, quando as escrivaninhas eram colocadas uma contra a outra, formavam uma zona central semelhante s que dividem as mesas de leitura da Biblioteca Nacional em Paris. Por meio dessa articulao, reserva-se um lugar para os objetos compartilhados por diversos usurios, tais como telefones e vasos. O espao sob as pranchas cria uma rea maior de armazenamento privado para cada usurio individual. A articulao em termos de maior ou menor acesso (pblico) tambm pode revelar sua utilidade nos detalhes.

    T.U..PO l Af(AAl E lAioiPQ t FIAS( IAO

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    DOM NIO PBliCO 17

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    Portas de vidro entre espaos igualmente pblicos e portanto igualmente acessveis, por exemplo, proporcionam ampla visibilidade de ambos os lados, de modo que as colises podem ser facilmente evitadas. Portas sem painis transparentes tm de dar acesso a espaos mais privados, menos acessveis. Quando um cdigo desse tipo adotado coerentemente em todo o edifcio, entendido racional ou intuitivamente por todos os usurios do prdio e assim pode contribuir paro esclarecer os conceitos subjacentes organizao do acesso. Uma classificao adicional pode ser obtida mediante a forma dos painis de vidro, o tipo do vidro empregado: semitransparente ou opaco, ou a meia-porta .

  • Quando, ao projetar cada espao e segmento, temos conscincia do grau de relevncia da demarcao territorial e das formas concomitantes das possibilidades de "acesso" aos espaos vizinhos, podemos expressar essas diferenas pela articulao de forma, material, luz e cor, e introduzir certo ordenamento no projeto como um todo. Isto, por sua vez, pode aumentar a conscincia dos moradores e visitantes quanto composio do edificio, formado por ambientes diferentes na que diz respeito ao acesso. O grau de acesso de espaos e lugares fornece padres para o projeto. A escolha de motivos arquitetnicos, sua articulao, forma e material so determinados, em parte, pelo grau de acesso exigido por um espao.

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  • -3 DIFERENCIACAO , TERRITORIAL

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    Escola Montessori Delft

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  • Holel Solvoy, Bruxelas, 1896/V. Horlo {ver lambm pgina 84)

    Ao marcar as gradaes de acesso pblico s diferentes reas e partes de um edifcio em uma planta, obtemos uma espcie de mapa mostrando a "diferenciao territorial" . Este mapa mostrar claramente que aspectos de acesso existem na arquitetura, quais so a s demarcaes de reas especficas e a quem se destinam, e que espcie de diviso de responsabilidades pode ser esperada no que diz respeito aos cuidados e manuteno dos diferentes espaos, de modo que essas foras possam ser intensificadas (ou atenuadas) na elaborao posterior da planta .

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  • 4 ZONEAMENTO TERRITORIAL

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    O carter de cada rea depender em grande parte de quem determina o guarnecimento e o ordenamento do espao, de quem est encarregado, de quem zela e de quem ou se sente responsvel por ele.

  • EDIFCIO DE ESCRITRIOS (ENTRAAL BEHEER (30, 31) Os efeitos surpreendentes obtidos pelos funcionrios do Centraal Beheer na maneira como ordenaram e personalizaram o espao de seus escritrios com cores de sua

    escolha, vasos e objetos de estimao, no so apenas a conseqncia lgica do fato de o acabamento dos interiores ter sido deliberadamente entregue aos usurios do edifcio. Embora a nudez do interior severo e cinzento seja um convite

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    bvio para que os usurios dem os toques de acabamento ao espao de acordo com seus gostos pessoais, isto, por si s, no garantia de que iro faz-lo. preciso algo mais para que isso acontea: para comear, a prpria forma do espao deve oferecer as oportunidades, incluindo os acessrios bsicos, etc., para que os usurios preencham os espaos de acordo com suas necessidades e desejos pessoais. Mas, alm disso, essencial que a liberdade de tomar iniciativas pessoais esteja presente na estrutura organizacional da instituio, e este aspecto tem

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    conseqncias muito maiores do que se pode pensar primeira vista. Pois a questo fundamental saber quanta responsabilidade a alta direo est disposta a delegar, isto , quanta responsabilidade ser dada aos usurios individuais dos escales mais baixos. importante ter em mente que, neste caso, um empenho to excepcional para investir amor e cuidado no ambiente de trabalho s se tornou possvel porque a responsabilidade de ordenamento e acabamento dos espaos foi deixada aos usurios, de maneira muito explcita. Foi graas a isso que os oportunidades oferecidas pelo arquiteto foram efetivamente aproveitadas, gerando um resultado de xito surpreendente. Mas, se este edifcio foi originalmente construdo como uma expresso espacial da necessidade de um ambiente mais humano (embora muitos suspeitassem que isso teria sido motivado por consideraes relativas ao recrutamento de pessoal), h no momento uma tendncia para a desumanizao, em grande parte decorrente de cortes nos custos, que afetam particularmente o quadro de funcionrios. Mas pelo menos pode-se dizer que o edifcio oferece uma resistncia louvvl a essa tendncia, e que, com um pouco de sorte, conseguiro conservar o seu estilo. O que desaponta que o que pensvamos ser um passo inicial rumo a uma responsabilidade maior para com os usurios revelou ser apenas o ltimo passo que pode ser dado no momento. Hoje, isto , em 1990, restou muito pouco da decorao expressiva e colorida dos ambientes de trabalho. O apogeu da expressividade pessoal da dcada de 1970 deu lugar limpeza e ordem. Parece que o impulso de expresso pessoal desapareceu e que neste momento as pessoas tendem mais .ao conformismo. Talvez em razo do medo diante do crescente desemprego da dcada de 1980, considera-se mais sensato assumir uma posio menos extrovertida, e os efeitos dessa situao j podem ser vistos na atmosfera fria e impessoal da maioria dos escritrios de hoje.

    FACULDADE DE ARQUITETURA DO M IT, (AMBRIDGE, USA OFICINA DE TRABALHO 1967 (32, 33) O grau de influncia que os usurios podem exercer, em casos extremos, sobre seu ambiente de trabalho ou de moradia claramente demonstrado nos ajustes feitos arquitetura existente pelos estudantes de arquitetura do MIT. Os estudantes opuseram-se a ter de trabalhar em pranchetas de desenho arrumadas em filas longas e rgidas, todas voltadas na mesma direo. Usando restos de material de construo, eles construram o tipo de espao que queriam - no qual podiam trabalhar, comer, dormir e receber seus orientadores. Seria de esperar que cada novo grupo de estudantes desejasse fazer seu prprio ajuste, mas a situao evoluiu de outra maneira. O resultado da feroz disputa com as autoridades loca is de preveno a incndios foi que todos as estruturas teriam de ser derrubadas, a menos que um sistema completo de sprinklers fosse instalado. Depois que

  • essa providncia foi tomada, a situao tornou-se permanente, e o ambiente, se que ainda existe, pode ser visto como um monumento ao entusiasmo de um grupo de estudantes de arquitetura. Mas no devemos nos surpreender se tudo j no foi eliminado (ou venha a s-lo) - a burocracia da administrao centralizadora voltou a assumir o controle.

    A influncia dos usurios pode ser estimulada, pelo menos nos lugares certos, i.e., onde se pode esperar o envolvimento necessrio; e como isto depende do grau de acesso, das demarcaes territoriais, da organizao da manuteno e da diviso de responsabilidades, essencial que o projetista esteja plenamente consciente desses fatores nas suas gradaes adequadas. Nos casos em que a estrutura organizacional impede os usurios de exercerem qualquer influncia pessoal em seu ambiente, ou quando a natureza de determinado espao to pblica que ningum se sente inclinado a exercerem influncia nele, no h motivo para que o arquiteto tente fazer uma contribuio nesse sentido. No entanto, o arquiteto ainda assim pode tirar vantagem da reorganizao que o ato de ocupar um novo edifcio sempre requer e tentar exercer alguma influncia na reavaliao da diviso de responsabilidades, pelo menos no que diz respeito ao ambiente fsico. Uma coisa pode levar outra. Pelo simples fato de apresentar argumentos capazes de assegurar alta direo de que delegar responsabilidades pelo ambiente aos usurios no resulta necessariamente em caos, o arquiteto coloca-se em posio de contribuir para melhorar as coisas, e certamente seu dever fazer pelo menos uma tentativa nesse sentido.

    ESCOLA MONTESSORI, DELFT (34, 35) Uma prancha de madeira acima da porta, com uma largura extra para que sobre ela possam ser colocados objetos - como neste caso entre a sala de aula e o ha/1-, presta-se mais a ser usada se for acessvel pelo lado adequado, i.e. , pelo lado de dentro da sala de aula. A estante acima pode criar um efeito esttico agradvel se a vidraa for recuada, mas improvvel que seja usada.

    EDIFCIO DE ESCRITRIOS (ENTRAAL BEHEER (3639) Embora o cuidado pelos espaos dos escritrios no edifcio Centraal Beheer, nos quais cada funcionrio tem sua prpria ilha particular para trabalhar, seja da responsabilidade dos usurios, nenhum membro do quadro de funcionrios sente-se diretamente responsvel pelo espao central do edifcio. A rea verde neste espao central mantida por uma equipe especial (cf. Obras

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    Pblicas), e os quadros nas paredes so colocados por uma equipe de profissionais. Estes empregados tambm fazem seu trabalho com grande dedicao e cuidado, mas h uma diferena de atmosfera marcante entre a rea comunitria e os espaos individuais de trabalho com toda a sua diversidade. Nos balces de lanches deste espao central, o servio feito pela mesma moa todo dia; o servio de lanches foi organizado de tal modo que cada garonete foi alocada num balco especfico. Ela se sentia responsvel por aquele balco e, com o tempo, acabou por consider-lo seu

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    domnio, dando-lhe um toque pessoal. Estes balces de caf j foram removidos, e bancos e mquinas de caf foram instalados em seu lugar. Todo o edifcio est passando por uma renovao e uma limpeza, e durante este processo um grande nmero de ajustes ser feito para atender aos requisitos de um local de trabalho contemporneo.

    (ENTRO MUSICAL VREDENBURG 140) A idia subjacente que teve xito no Centraal Beheer no se aplica aos balces de lanches do Centro Musical em Utrecht. Ali a situao varia consideravelmente de um concerto para outro, com diferentes balces e diferentes balconistas servindo o pblico. J que, no caso, no se esperava uma afinidade especial entre os empregados e os espaos especficos de trabalho, havia motivo suficiente para que as reas de lanches fossem completadas e inteiramente mobiliadas pelo arquiteto. Em ambos os edifcios - no Centraal Beheer e no Centro Musical - as paredes dos fundos so providas de espelhos. No primeiro, porm, eles foram instalados pelos funcionrios e no segundo foram escolhidos pelo arquiteto de acordo com os mesmos princpios gerais que regem todo o edifcio. Os espelhos da parede dos fundos permitem que se possa ver quem est frente, atrs e perto de ns. Eles evocam as pinturas de teatro de Manet 141), que usou espelhos para desenhar o espao dentro do plano do quadro e, assim, definir o espao mostrando as pessoas e como esto agrupadas. O Centro Musical tem um quadro de funcionrios competente e dedicado que cuida do lugar.

  • O mesmo no pode ser dito, por exemplo, dos vages de refeio das ferrovias holandesas: os garons constantemente trocam de trem. Seu nico compromisso consiste em deixar o vago limpo e asseado para o turno seguinte. Imagine como as coisas seriam diferentes se o mesmo garom trabalhasse sempre no mesmo trem. Embora o vago-restaurante tenha desaparecido - dos trens holandeses pelo menos-, uma nova forma de servio surgiu nas viagens areas. Mas as refeies servidas nos avies so mais uma imposio ao passageiro do que um servio; so servidas em horas que convm mais companhia do que ao passageiro (alm de serem muito caros, pois esto includas no preo j bastante alto da passagem).

    Do lufthansa Bordbuch, 6/88

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    S DE USURIO A MORADOR A traduo dos conceitos de "pblico" e "privado" luz de responsabilidades diferenciadas torna mais fcil para o arquiteto decidir onde devem ser tomadas medidas para que os usurios/ habitantes possam dar suas contribuies ao projeto do ambiente e onde isto menos relevante. Na organizao de um projeto em funo de plantas-baixa s e de cortes, e tambm de acordo com o princpio das instalaes, podem-se criar as condies para um maior senso de responsabilidade e, conseqentemente, tambm um ma ior envolvimento no arranjo e no mobiliamento de uma rea. Deste modo os usurios tornam-se moradores.

    EsCOLA MONTESSORI, DELFT 144-47) As solos de aula desta escalo so concebidos como unidades autnomos, pequenos lares, por assim dizer, j que todas esto situados ao longo do ha/1 do escola, como uma ruo comunitria. A professora, a "tia", de cada casa decide, junto com os crianas, que aparncia ter o lugar e, portanto, qual ser o seu tipo de atmosfera. Cada solo de aula tambm tem seu pequeno vestbulo, em vez do usual espao comunitrio para toda a escola, que em geral sign ifica a ocupao total do espao por filas de cabides e suo inutilizoo para qualquer outro fim. E, se cada sala de aula tivesse seu prprio banheiro, isto tambm

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    contribuiria para aprimorar o sentido de responsabilidade da criana (a proposto foi rejeitada pelas autoridades educacionais sob o pretexto de que seriam necessrios banheiros separados paro meninos e meninos- como se fosse assim na cosa deles-, o que exigiria o dobro de banheiros]. perfeitamente concebvel que os crianas de cada solo mantenham seu "lar" limpo, como os pssaros fazem com seu ninho, dando deste modo expresso ligao emocional com seu ambiente dirio. A idia Montessori, no verdade, compreende os chamados deveres domsticos como porte do programa dirio para todas as crianas. Assim, d-se muito nfase ao cuidado com o ambiente, fortalecendo com isso o afinidade emocional das crianas com o espao suo volta. Cada criana tambm pode trazer suo prprio planto para a sala de aula e cuidar dela. (A conscincia do ambiente e a necessidade de cuidar dele ocupam um lugar proeminente no conceito de Montessori. Exemplos tpicos so o tradio de trabalhar no assoalho sobre tapetes especiais - pequenas reas temporrias de trabalho que so respeitadas pelos outros -e a importncia atribuda ao hbito de arrumar as coisas em armrios abertos.] Um passo frente, no sentido de uma abordagem mais pessoal poro os espaos que circundam diariamente os crianas, incluiria o possibilidade de regular o aquecimento central de cada solo. Isso aumentaria o conscincia das crianas quanto ao fenmeno do calor e ao cuidado que temos de tomar para nos mantermos aquecidos, ao mesmo tempo em que os tornaria mais conscientes dos usos do energia.

    Um "ninho seguro" - um espao conhecido nossa volta, onde sabemos que nossa s coisas esto seguras e onde podemos nos concentra r sem sermos perturbados pelos outros - a lgo de que cada indivduo preciso tanto quanto o grupo. Sem isso, no pode haver colaborao com os outros. Se voc no tem um lugar que possa chamar seu, voc no sabe onde est! No pode haver aventura sem uma base para onde retornar: todo mundo precisa de a lguma espcie de ninho para pousar.

    O domnio de um grupo particular de pessoas deveria ser respeitado tanto quanto possvel pelos "estranhos". Por esta razo, h certos riscos ligados ao chamado uso multifuncional. Vamos tomar como exemplo uma sala de aula: se usado poro outros finalidades foro do horrio escolar, por exemplo, para atividades do vizinhana, toda a moblia tem de ser deslocado temporariamente e, claro, nem sempre colocada de volto a seu lugar adequado. Em ta is circunstncias, figuras de borro modelado deixados para secar, por exemplo, podem ser quebradas "acidentalmente" com facilidade, ou ento o apontador de lpis de algum pode desaparecer.

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    importante que as crianas possam exibir as coisas que fizeram, digamos, na aula de trabalhos manuais, sem medo de que possam ser destrudas, e que possam tambm deixar trabalhos inacabados sem que haja o perigo de serem retirados ou "arrumados" por "estranhos". Afinal de contas, uma faxina completa feita por outra pessoa pode fazer

    30 liES DE ARQUITETURA

    algum sentir-se perdido em seu prprio espao na manh seguinte. Uma sala de aula, concebida como o domnio de um grupo, pode mostrar sua prpria identidade ao resto da escola se lhe for dada a oportunidade de fazer umo exposio das coisas com as quais o grupo est especialmente envolvido (coisas que as crianas fizeram dentro ou fora da sala de aula). Isto pode ser executado de modo informal usando-se a divisria entre o ha/1 e a sala de aula como espao de exposio e abrindo-se muitas janelas com peitoris generosos na divisrio.

    Um pequeno mostrurio (neste caso, at iluminado) um desafio para o grupo apresentar-se de maneira mais formal. O exterior da sala de aula pode ento funcionar como uma espcie de "vitrine" que mostra o que o grupo tem a "oferecer". Desse modo, cada turma pode apresentar uma imagem com que os outros podem se relacionar e que marca a transio entre cada sala de aula e o espao comunitrio do ha/1.

  • 1 ESCOlAS APOLLO 148-50) Se o espao entre as solas de aula foi usado para criar reas semelhantes a alpendres, como na escola Montessori de Amsterdom, essas reas podem servir como lugares de trabalho adequados onde se pode estudar sozinho, i.e. , sem estar na sala de aula mas tambm sem ficar isolado desta. Esses lugares consistem numa superfcie de trabalho com iluminao prpria e num banco encostado a uma parede baixa. Para regular o contato entre a sala de aula e o ha/1 da maneira mais sutil possvel, foram instaladas meias-portas, cuja ambigidade pode gerar o grau adequado de abertura para o ha/1 e, ao mesmo tempo, oferecer o isolamento necessrio a cada situao. Aqui encontramos mais uma vez (como na escola de Delft) o mostrurio de vidro contendo o museu-miniatura e a exposio da sala de aula.

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    6 O "INTERVALO"

    O significado mais amplo do conceito de intervalo foi introduzido em Forum 7, 1959 (lo plus grande rolit du seuil) e em Forum 8, 1959 (Dos Gestolt gewordene Zwischen: the concretizotion of the in-between)

    A soleira fornece o chove poro o transio e o conexo entre reas com demarcaes territoriais divergentes e, no qualidade de um lugar por direito prprio, constitui, essencialmente, o condio espacial poro o encontro e o dilogo entre reas de ordens diferentes.

    32 LI ES DE AROUIHIURA

    O valor deste conceito mais explcito no soleira por excellence, o entrado de uma coso . Estamos lidando aqui com o encontro e o reconciliao entre o ruo, de um lodo, e o domnio privado, de outro.

    A criana sentada no degrau em frente sua casa est suficientemente longe da me para se sentir independente, para sentir a excitao e a aventura do grande desconhecido. Mas, ao mesmo tempo, sentada ali no degrau, que parte da rua assim como da casa, ela se sente segura, pois sabe que sua me est por perto. A criana se sente em casa e ao mesmo tempo no mundo exterior. Esta dualidade existe graas qualidade espacial da soleira como uma plataforma, um lugar em que os dois mundos se superpem em vez de estarem rigidamente demarcados.

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  • ESCOLA MONTESSORI, DELFT (5256) A entrada de uma escola primria devia ser mais do que uma mera abertura atravs da qual as crianas so engolidos quando as aulas comeam e expelidas quando elas terminam. Deveria ser um lugar que oferecesse algum tipo de conforto para as crianas que chegam cedo e para os alunos que no querem ir logo para casa depois das aulas. As crianas tambm tm seus encontros e compromissos. Muros baixos em que se possa sentar so o mnimo a se oferecer; um canto bem abrigado melhor, mas o melhor mesma seria uma rea coberta para quando chove. A entrada de um jardim-de-infncia freqentada pelos pais- ali eles se despedem de seus filhos e esperam por eles quando as aulas terminam. Os pais que esperam os filhos tm assim uma bela oportunidade para se conhecer e poro combinar visitas das crianas s casas dos colegas. Em suma, este pequeno espao pblico, como local de encontro para pessoas com interesses comuns, cumpre uma importante funo social. Como resultado da mais recente transformao, em 1981 (56), esta entrada no mais existe.

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    DE VERLOOP, lAR PARA IDOSOS 157, 58) Uma rea coberta na porta da frente, o comeo da "5oleira", o lugar em que dizemo5 ol ou adeu5 ao5 vi5itante5, limpamo5 a neve da5 bota5 e penduramo5 o guarda-chuva. A5 entrada5 coberta5 para 05 apartamento5 do abrigo De Overloop, em Almere, 5o equipada5 com banco5 perto da5 porta5 da frente. A5 porta5 da frente e5to di5po5ta5 de dua5 em dua5 para formar um alpendre combinado, o qual, porm, dividido em entrada5 5eparada5 por uma divi5ria vertical que se projeta a partir da fachada. A5 meia5-portas permitem a quem e5teja 5entado do lado de fora manter contato com o interior do apartamento, de modo que 5e pode pelo meno5 ouvir o telefone tocar. E5ta zona de entrada vi5ta como uma exlen5o da ca5a, como 5e pode perceber pelos capachos colocado5 do lado de fora.

    34 LIOES Ot AR OUITEIURA

    Graa5 salincia da cobertura, ningum preci5a e5pero1 na chuva at que a porta 5eja aberta, enquanto a atmo5fera ho5pitaleira do lugar d a quem chega a 5en5ao de que j est qua5e dentro da ca5a. Pode-se dizer que o banco na porta da frente um motive tipicamente holand5 - pode ser vi5to em muita5 pinturas antiga5, mas, no no550 5culo, Rietveld, por exemplo, cri01 o mesmo arranjo, completado por uma meia-porta, em sut famo5a ca5a Schroder. Utrecht, 1924 159).

  • DE DRIE HOVEN, lAR PARA IDOSOS (60) Em situaes nos quais posso ser necessrio um contato entre o interior e o exterior - num lar poro idosos, por exemplo, alguns dos moradores possam boa porte de seu tempo no solido de seus prprios quartos por causo do mobilidade reduzido, esperando que algum v visit-los, enquanto outros moradores que ficam do lodo de foro tambm gostariam de algum contato-, em tais situaes, uma boa idio instalar portos com duas sees, de maneiro que o porte de cimo posso ser mantido aberto e o porte de baixo fechado. Essas "meio-portos" constituem um cloro gesto de convite: o porto est aberto e fechado ao mesmo tempo, i.e. , suficientemente fechado para evitar que os intenes dos que esto l dentro fiquem demasiadamente explcitos, mos aberto o bastante poro facilitar o converso casual com quem est passando, o que pode levar o um contato mais ntimo.

    A concretizao do sole ira como intervalo significa, em primeiro lugar e acima de tudo, criar um espao para as boas-vindas e as despedidas, e, portanto, a traduo em termos arquitetnicos da hospitalidade. Alm disso, a soleira to importante para o contato social quanto as paredes grossas para a privacidade. Condies para a privacidade e condies para manter os contatos sociais com os outros so igualmente necessrias. Entradas, alpendres e muitas outras formas de espaos de intervalo fornecem uma oportunidade para a "acomodao" entre mundos contguos. Esta espcie de dispositivo d margem o certa articulao do edifcio em foco, o que requer espao e dinheiro, sem que sua funo possa ser facilmente demonstrvel - e ainda menos quantificvel -, e, por esse motivo, torna-se muitas vezes difcil de realizar, exigindo esforo e trabalho de persuaso constante durante a fase de planejamento.

    RESIDNCIAS DOCUMENTA URBANA (61 -70) O edifcio em formo de meandro, denominado "serpente", composto de segmentos, cada um deles projetado por arquitetos diferentes. As escadas comunitrios foram colocados numa situao de amplo luminosidade, bem maior que o do espao residual costumeiro, em geral de pouco luminosidade. Numa residncia poro vrios famlias, o nfase no deve recair exclusivamente sobre medidos arquitetnicos destinadas o prevenir o barulho excessivo e o inconvenincia dos vizinhos; uma ateno especial deve ser dado em particular disposio espacial, que pode conduzir aos contatos sociais esperados entre os vrios ocupantes de um mesmo edifcio. Por conseguinte, atribumos s escadas mais importncia do que de costume. As escadas comunitrios no devem ser apenas uma fonte de aborrecimento no que diz respeito ao acmulo de sujeira e limpeza - devem servir tambm, por exemplo, como um ployground poro os crianas de famlias vizinhos. Por este motivo, foram projetados com o mximo de luz e abertura, como ruas com telhado de vidro, e podem ser avistados dos cozinhas. Os alpendres de entrado abertos, com duas portos, uma aps o outro, expem ao territrio comunitrio um pouco mais de seus moradores do que os portos fechados tradicionais. Embora, naturalmente, tenho-se tomado cuidado poro assegurar o privacidade adequado nos terraos, os famlias vizinhos no esto de todo isolados umas dos outros. Procuramos projetor os espaos exteriores de tal modo que o vedao necessrio roube o mnimo possvel dos

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    condies espaciais paro contatos entre os vizinhos. Tal expanso do espao mnimo requerido poro "finalidades de circulao" mostrou-se capaz no apenas de atrair os crianas - serve tambm como um lugar em que os vizinhos podem se sentar e conversor. Neste coso os moradores tambm providenciaram os equipamentos.

    Edificio direito. O. Steid/e, arquiteto.

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    Alm da tradicional porta da frente, as moradias tm uma segunda porta de vidro que tambm pode ser trancada e que conduz escada, obtendo-se assim um espao de entrada aberto. Uma vez que esse espao intermedirio entre a escada e a porta da frente interpretado de maneira diferente por pessoas diferentes- i.e. , no apenas como parte das escadas mas tambm como uma extenso da casa - , usado por alguns como um ho/1 aberto, no qual a atmosfera da casa pode penetrar. Deste modo, dependendo de qual das duas portas considerada como a verdadeira porta da frente, os moradores podem expor sua

    38 liCES DE ARQUITETURA

    individualidade, em geral restrita intimidade do lar, ao mesmo tempo em que a escadaria perde algo de suo caracterstica de terra-de-ningum e pode at adquirir un:: atmosfera autenticamente comunitria. O princpio do caminho vertical para o pedestre, tal como aplicado no projeto habitacional de Kassel, foi posteriormente elaborado no conjunto habitacional LiMa em Berlim. As escadas desse conjunto conduzem a terraos comunitrios nos telhados. No final, decidiu-se que no seria necessrio incorporar as varandas para lazer previstas no projeto de Kassel , j que o ptio isolado oferecia o espao de lazer adequado, especialmente pore

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    as cnanas ma1s novas.

  • CIT NAPOLEON, PARIS, 1849 IM. H. VEUGNY (7174) A Cit Nopolon, em Paris, foi uma dos primeiros tentativas, e certamente o mais notvel, de soluo razovel poro o problema do distncia entre o ruo e o porto da hnte num prdio residencial de muitos andores. Este espoo interior, com suas escadas e passarelas, evoco as edificaes de vrios andares de uma aldeia nas montanhas. Uma razovel quantidade de luz alcana os andores mais altos atravs do telhado de vidro. Os moradores dos andores de cima abrem suas janelas poro este espao interior, e o presena de vasos de plantas mostro, pelo menos, que os pessoas do valor a esse detalhe. Embora no tenho sido possvel - em que pesem as boas intenes dos construtores - transformar esse espao interior (fechado como em relao ruo l foro) numa ruo interna verdadeiramente funcional segundo nossos podres, no h dvida de que este exemplo se destaca de maneiro brilhante, sobretudo quando se penso em todas aquelas sombrios escadarias construdas desde 1849.

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    7 DEMARCACOES PRIVADAS I

    NO ESPACO PBLICO I

    O conceito de intervalo o chove para eliminar a diviso rgida entre reas com diferentes demarcaes territoriais. A questo est, portanto, em criar espaos intermedirios que, embora do ponto de vista administrativo possam pertencer quer ao domnio pblico quer ao privado, sejam igualmente acessveis para ambos os lados, isto , quando inteiramente aceitvel, para ambos os lados, que o "outro" tambm possa us-lo.

    DE DRIE HOVEN, lAR PARA IDOSOS (7577) Os corredores servem como ruas num edifcio que deve funcionar como uma cidade para seus moradores, afetados por srias limitaes, j que o maior porte deles incapaz de deixar o rea sem ajudo. As unidades de habitao situadas ao longo desta "ruo" tm, aos pares, reas semelhantes a alpendres, que, por um lado, pertencem s habitaes, mos, por outro, tambm fazem porte da "rua". Os moradores colocam suas coisas ali, cuidam deste espao e com freqncia criam plantas e flores ali , como se este fosse parte de sua prprio cosa, uma espcie de varando no nvel da rua. Embora a rea do alpendre seja completamente acessvel aos transeuntes, permanece como porte da rua. extremamente difcil reservar os poucos metros quadrados necessrios a um objetivo como esse dentro da infinito rede de regulamentos e normas que se referem s dimenses mnimas e mximas que governam cada um dos aspectos do projeto arquitetnico. No caso dos abrigos sociais, esse aspecto considerado,

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    do ponto de vista administrativo, como uma reduo indevida do tamanho da unidade domiciliar, ou como uma expanso indevida do corredor: a funcionalidade de cada metro quadrado , afinal, medida de acordo com a utilidade quantificvel. O amor e o cuidado que os moradores investem neste espao, que, estritamente, no porte do apartamento, dependem de um detalhe aparentemente menor, ou seja, a janela que lhes permite vigiar os objetos que foram colocados l fora , no s como uma precauo contra o roubo, mas simplesmente porque agradvel poder ver os prprias coisas ou verificar como 01 plantas vo indo. O arquiteto precisa de uma dose incomum de engenhosidade para que esta idia consigo passar pela vigilncia cuidadoso dos autoridades responsveis pela preveno de incndios. Os quadros de luz no "De Drie Hoven" perto das portos do frente foram instalados em pequenas muretas salientes, de tal modo que se pode colocar facilmente um tapete ao lodo.

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  • Usando pedaos de tapete, os moradores se apropriam do pequeno espao assim criado e o equipam, estendendo desta moneira os limites de sua casa alm da porta da frente.

    Se incorporamos os sugestes espaciais adequados e m nosso projeto, os moradores sentem-se mais inclinados a expandir suo esfera de influncia em di reo rea pblica. At mesmo um pequeno ajustamento, no forma de uma articulao espacial do entrado, pode ser o bastante poro estimular a expanso do esfera de influncia pessoal , e, deste modo, o qualidade do espao pblico ser consideravelmente aprimorado no interesse comum.

    RESIDNCIAS DIAGOON (7883) O que poderia ser feito com os calados nos "ruas residenciais", se coubesse aos moradores a responsabilidade pelo espao, pode ser imaginado com base na experincia com as caladas em frente s residncias Diagoon, em Delh. A rea em frente s moradias no foi projetada como jardim; foi simplesmente pavimentada como uma calada comum e, conseqentemente, como parte do domnio pblico, embora, de modo estrito, no o seja.

    As reas pertencentes s diversas casos no foram demarcadas, e o loyouf no contm nenhuma sugesto de demarcao privada. A pavimentao foi leito com blocos de concreto comum, o que desperta automaticamente associaes com uma rua pblica porque as caladas em geral so pavimentadas com o mesmo material. Os moradores ento comearam a remover alguns dos blocos de concreto para colocar plantas no lugar. "Dessous les pavs la plage." O resto dos blocos foi deixado intacto para proporcionar um caminho at a porta ou um espao para estacionar o corro da famlia perto da casa. Cada morador uso a rea em frente sua casa de acordo com suas necessidades e desejos, incorporando a parte da rea de que necessita e deixando o resto acessvel para o uso pblico. Se o layouf tivesse partido da idia de reas separados, privadas, ento sem dvida todos iriam us-las ao mximo em seu prprio benefcio, mas surgiria uma diviso

    irreversivelmente abrupta entre o espao pblico e o privado, em vez da zona intermediria que foi criada, uma fuso do territrio estritamente privado das casas e da rea pblico do rua. Nesta rea de intervalo, entre o pblico e o privado, demarcaes individuais e coletivas podem superpor-se e os conflitos resultantes devem ser resolvidos mediante um acordo entre os portes. aqui que cada morador desempenha o papel que revela o tipo de pessoa que quer ser e, por conseguinte, como desejo que os outros o vejam. Aqui se decide tambm o que o indivduo e a coletividade podem oferecer um ao outro.

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    MORADIAS LIMA (84-89) O conjunto de moradias LiMo est localizado no ponto de uma rea triangular, cujo esquina ocupado por uma igreja. Os volumes desta igreja no se relacionam claramente com o alinhamento arquitetnico geral.

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    Construir nesta ilha triangular implico manter o igreja porte como uma estruturo destacado e autnomo . O ptio bastante diferente do tradicional e muitos vezes deprimente ptio berlinense, e suo concepo o de um espao pblico com seis caminhos de acesso para os pedestres, incluindo conexes com a ruo e com o ptio vizinho. Estes caminhos para pedestres constituem parte dos escadarias comunitrias. No centro do ptio h um amplo tanque de areia dividido em segmentos, cujas laterais foram decorados com mosaicos pelas prprias famlias dos moradores.

    No foi difcil despertar o entusiasmo dos moradores - os quais j estavam profundamente interessados no projeto do ptio- especialmente depois que eles viram as fotografias do parque de Gaud e as Torres Watt. A ajuda tcnico e organizacional foi fornecida por Akelei Hertzberger, que empreendeu vrios projetos semelhantes no passado com resultados igualmente bem-sucedidos. No comeo, foram principalmente as crianas que contriburam com seus "ladrilhos", mas logo em seguida os adultos aderiram, trazendo qualquer pedao de cermica que pudessem obter.

  • Nenhum arquiteto hoje seria capaz de dedicar tonto ateno o um tanque de areia, nem isto seria necessrio, porque algo que pode ser deixado poro os prprios moradores. difcil imaginar uma maneiro melhor de responder ao incentivo oferecido. Mos ainda mais importante o foto de que o tanque de areia se tornou algo que pertencia o eles e um objeto de seus cuidados: se um fragmento do mosaico cai ou revelo ser pontudo demais, por exemplo, algo ser feito sem que haja necessidade de reunies especia is, cartas oficiais ou processos contra o arquiteto.

    Uma rea de rua com o qual os moradores esto envolvidos, onde marcos individuais so criados por eles prprios, apropriado conjuntamente e transformado num espao comunitrio.

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  • 8 CONCEITO DE OBRA PBLICA

    Coniunto residencial Biilmermeer, Amsterdam

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    Fotomontagem

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    Proieto residencial Familistere, Guise, Frana

  • O segredo dor aos espaos pblicos uma formo tal que a comunidade se sinto pessoalmente responsvel por eles, fazendo com que cada membro da comunidade contribuo suo maneira para um ambiente com o qual posso se relacionar e se identificar. O grande paradoxo do conceito de bem-estar coletivo, tal qual se desenvolveu lodo a lodo com os ideais do socialismo, que ele acabo subordinando as pessoas ao sistema que foi construdo para libert-las. Os servios prestados pelos departamentos de Obras Pblicas Municipais so vistos, por aqueles em cujo benefcio esses departamentos foram criados, como uma abstrao opressivo; como se as obras pblicas fossem uma imposio vindo de cimo; o homem comum sente que "no tem nado o ver com ele", e, deste modo, o sistema produz um sentimento generalizado de alienao.

    o~ jordin$ pblico$ e O$ cinture$ verdes em volto do$ bloco~ de oportomento$ no$ novo$ rea$ urbano$ $O de responsabilidade dos departamentos de Obrm Pblico$,

    que fazem o que podem poro tornar e$SO$ reas to atraente$ quanto possvel -dentro dos limites dos oramento$ alocados - em benefcio do comunidade. Mo$ os resultados conseguidos desta maneiro no deixam de ser rgidos, impessoais e ontieconmicos, comparados com os que poderiam ser alcanados se todos os moradores dos apartamentos tivessem o oportunidade de usar um pequeno pedao de terra (mesmo que fosse apenas do tamanho de uma vogo de estacionamento) poro seus prprios objetivos. O que foi negado coletividade poderio ter sido o contribuio de cada morador do comun idade. O espao poderio ser usado de modo mais intensivo se nele fossem investidos amor e cuidado pessoal. Um exemplo desta afirmao pode ser visto no Fomilistere em Guise, no Frana, um projeto de moradias construdo poro o fbrica de foges Godin: uma comunidade de moradores e trabalhadores moldado de acordo com os idias de Fourier. Embora construdo no sculo XIX, ainda conservo seu interesse como um exemplo do que pode ser feito.

    MORADIAS VROESENLAAN, RomRDAM, 1931-34 I J. H. VAN DEN BROEK (93, 94) As reas de lazer e conforto comunitrios s podem florescer pelo esforo comunitrio dos usurios. Essa deve ter sido o idio subjacente aos espaos comunitrios interiores - sem cerCO$ e divi$rios - que foram projetado$ no$ ano$ 20 e nos anO$ 30.

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  • 95 DE DRIE HOVEN, LAR PARA IDOSOS (95) O espao cercado contendo animais, que deve suo existncia iniciativa de um membro do equipe do "De Drie Hoven", desenvolveu-se at tornorse um zoolgico em miniatura, com um faiso, um povo, golinhos, cobras, uma poro de patos num logo cheio de peixes. Poro os idosos que moram no Lar, os animais compem uma visto agradvel e interessante, e os quartos com visto poro o menagerie so os mais procurados. Abrigos de fabricao caseiro para os animais passarem a noite foram providenciados por entusiastas, mas, logo que esse esquema popular virou um sucesso e a expanso se tornou necessria, o Departamento de Inspeo de Moradias decidiu que os coisas no podiam mais continuar assim; estipularam ento que era preciso submeter aprovao de autoridades e comisses competentes uma planta de construo elaborada por profissionais. Para a populao local, a menagerie representa um convite ao envolvimento nos cuidados com os animais ou simplesmente um passeio para ver como eles esto. Quando que as crianas da cidade vem animais? Os nicos que a maioria delas v em seu ambiente so animais domsticos de estimao, cachorros presos em coleiras, j que parece impossvel organizar formas de posse coletiva de animais com diviso de responsabilidades pela sua manuteno. Uma idia dessa natureza nem sequer sugerida - os moradores locais, afinal, normalmente no exercem nenhuma influncia na maneira como seus espaos comunitrios so organizados e usados. Mas no podemos

    46 liES DE ARQUITETURA

    esperar que o setor de Obras Pblicas v cuidar de animais por toda a cidade. Para isso, seria necessrio um novo departamento com funcionrios especializados, para no falar dos milhares de avisos dizendo "No d comida aos

    11 an1ma1s . A distribuio dos espaos e os animais no "De Drie Hoven" constituem um fator de induo natural para o contato social entre os seus idosos moradores e a populao local - dois grupos com limitaes diferentes. Os moradores do Lar so fo rados pelas circunstncias a ser estranhos na cidade, mas graas a "seu" jardim podem oferecer alguma compensao para os outros - os quais, por suo vez, so estranhos na rea do "De Drie Hoven".

    Estes exemplos servem para ilustrar como as melhores intenes podem levar desiluso e indiferena. As coisas comeam a dar errado quando as escalas se tornam grandes demais, quando a conservao e a administrao de uma rea comunitria no podem mais ser entregues queles que esto diretamente envolvidos e se torna necessria uma organizao especial, com sua equipe especializada, com interesses e preocupaes prprios quanto sua continuidade e, possivelmente, sua expanso. Quando se atinge o ponto em que a principal preocupao de uma organizao assegurar a continuidade de sua existncia - independente dos objetivos para as quais foi criada, ou seja, fazer pelos outros o que no se pode esperar que eles mesmos faam -, neste

  • momento a burocracia assume o controle. As regras tornam-se uma camisa-de-fora de regulamentos. O sentido de responsabi lidade pessoal perde-se numa burocracia sufocante de responsabilidades para com superiores. Embora no exista nada de errado com as intenes do elo individua l nesta interminvel cadeia de interdependncias, elas se tornam virtua lmente irrelevantes porque esto demasiado afastadas daqueles em cujo benefcio todo o sistema foi inventado. A razo pela qual os habitantes da cidade se tornam estra nhos em seu prprio ambiente de vida porque o potencial da iniciativa coletiva foi grosseiramente superestimado ou porque a participao e o envolvimento foram subestimados. Os moradores de uma casa no esto de fato preocupados com o espao fora de seus lares, mas tambm no podem ignor-lo. Esta oposio conduz alienao diante de seu ambie nte e - na medida em que suas relaes com os outros so influenciadas por ele - conduz tambm alienao diante dos moradores vizinhos. O crescimento do nvel de controle imposto de cima poro baixo est tornando o mundo nossa volta cada vez mais inexorvel: e isso abre caminho para a agressividade que, por sua vez, conduz a um enrijecimento ainda maior da teia de regulamentos. O resultado um crculo vicioso, a falta de comprometimento e o medo exagerado do caos alimentando-se mutuamente. A incrvel destruio da propriedade pblica, destruio que est aumentando nas principais cidades do mundo, pode ser provavelmente imputada alienao diante do ambiente de vida. O fato de que os abrigos de transporte pblico e os telefones pblicos venham sendo, semana aps semana, completamente destrudos na verdade uma alarmante acusao nossa sociedade como um todo. Quose to alarmante, no enta nto, que essa tendncia - e sua escala - enfrentada como se fosse um mero problema de organizao: por meio do expediente de reparos peridicos, como se tudo no passasse de uma questo rotineira de manuteno, e da aplicao de reforos-extras l" prova de vndalos") . Desta maneira, a situao parece estar sendo aceita como "apenas mais uma dessas coisas". Todo o sistema repressivo da ordem estabelecida gerado para evitar conflitos, para proteger os membros individuais da comunidade das incurses de outros membros da mesma comunidade, sem o envolvimento direto dos indivduos em questo. Isso expl ica por que h um medo profundo da desordem, do caos e do inesperado, e por que os regulamentos impessoais, "objetivos", so sempre preferidos ao envolvimento pessoal. como se tudo devesse ser regulamentado e

    quantificvel, de modo que permitisse um controle total e criasse as condies para que o sistema repressivo da ordem nos torne locatrios em vez de co-proprietrios, subordinados em vez de participantes. Assim, o prprio sistema cria a alienao e, embora afirme representar o povo, na verdade impede o desenvolvimento de condies que poderiam resultar num ambiente mais hospitaleiro.

    O arquiteto pode contribuir para criar um ambiente que oferea muito mais oportunidades para que as pessoas deixem suas marcas e identificaes pessoais, que possa ser apropriado e anexado por todos como um lugar que realmente lhes "pertena". O mundo que controlado e administrado por todos e para todos ter de ser construdo com entidades pequenas e funcionais, no maiores do que as capacidades de cada um para mant-las. Cada componente espacial ser usado mais intensamente (o que valoriza o espao), ao mesmo tempo em que se espera que os usurios demonstrem suas intenes. Mais emancipao gera mais m.otivao, e deste modo pode-se liberar a energia represada pelo sistema de decises centralizadas. Isto constitui um apelo em favor da descentralizao das responsabilidades, de suo restituio onde for possvel, e em favor da delegao de responsabilidade a quem de direito-para que possam ser tomadas medidas eficazes, para resolver os problemas da inevitvel alienao diante do "deserto urbano".

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  • 9 A RUA

    Amsterdam, bairro operrio, a vida nas

    ruas: bem diferente de hoje, mas lembre-se

    de como as moradias eram apertadas e

    inadequadas naquele tempo

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    9B

    Gioggia, Itlia. Rua de convivncia, sem trnsito. Procurando um lugar na sombra

    48 L I E S DE A RQU I TETU RA

    Para alm de nossa porta ou do porto do jardim, comea um mundo com o qual pouco temos a ver, um mundo sobre o qual praticamente no conseguimos exercer influncia. H um sentimento crescente de que 1114 o mundo para alm de nossa porta um mundo hostil, de de vandalismo e agresso, onde nos sentimos gal ameaados, nunca em casa. No entanto, tomar esse int sentimento generalizado como ponto de partida para o di1 planejamento urbano seria fatal. c Certamente seria bem melhor voltar ao conceito otimista ca1 e utpico da "rua reconquistada", que podamos ver to c claramente diante de ns h menos de duas dcadas. nI Nesta viso, inspirada pelo prazer existencialista diante aa da vida no ps-guerra (especialmente o Provo, no caso POI da Holanda), a rua de novo concebida como o que &Sf deve ter sido originalmente, ou seja, um lugar onde o rue contato social entre os moradores pode ser estabelecido: est como uma sala de estar comunitria. E o conceito de dis que as relaes sociais podem at ser estimuladas pelo ma aplicao eficiente de recursos arquitetnicos pode ser de1 encontrado em Team X e especialmente em Forum, C! onde, como um tema central, esta questo era pel repetidamente levantada. a f. A desvalorizao desse conceito de rua pode ser A F atribudo aos seguintes fatores: esti

  • o aumento do trfego motorizado e a prioridade que recebe; o organizao sem critrios de reas de acesso s moradias, em particular as portas da frente, por causa de vias indiretas e impessoais de acesso, tais como galerias, elevadores, passagens cobertas (os inevitveis subprodutos de construes muito altas) que diminuem o contato com o nvel da rua; a anulao da rua como espao comunitria por causa do assentamento dos blocos; densidades reduzidas de moradias, enquanto o nmero de moradores por unidade tambm diminui acentuadamente. Assim, a queda da densidade populacional vem acompanhada por um acrscimo no espao de habitaes por moradores e na largura das ruas. A conseqncia inevitvel que as ruas de hoje esto bem mais vazias do que as do passado; alm disso, a melhoria no tamanho e na qualidade das moradias significa que as pessoas passam mais tempo dentro de casa e menos na rua; quanto melhores as condies econmicas das pessoas, menos ela necessitam dos vizinhos, e tendem a fazer menos coisas juntas. A prosperidade crescente parece, por um lado, ter estimulado o individualismo, enquanto, por outro lado,

    pe rmite que o coletivismo assuma propores alm da nossa compreenso. Devemos tentar lidar com esses fatores - ainda que o arquiteto seja incapaz de fazer mais do que exercer uma influncia incidental nos aspectos fundamentais de mudana social mencionados acima - criando condies para uma rea mais vivel de rua onde quer que seja possvel. O que significa que isto deve ser feito no mbito da organizao espacial, isto , por meios arquitetnicos.

    Situaes em que a rua serve como uma extenso comunitria das moradias so familiares a todos ns. Dependendo do clima, as partes ensolaradas ou as partes com sombra so as mais populares, mas o trfego motorizado est sempre ausente ou pelo menos longe o bastante para no impedir que os moradores vejam uns aos outros e possam ser ouvidos. As ruas de convivncia, que no servem mais exclusivamente como via de trfego e que esto organizadas de tal modo que h tambm espao para as crianas brincarem, esto se tornando uma presena cada vez mais familiar tanto nos novos conjuntos habitacionais quanto nos projetos de renovao - pelo menos na Holanda. Os interesses do

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    Moradias Spangen. Rotterdam, 1919/ M. Brinkman. Rua de convivncia, sem trnsito. Procurando um lugar aa sol

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    pedestre esto sendo finalmente levados em considerao, e com a instituio da woonerf (rea residencial com severas restries ao trfego e prioridade total para os pedestres) com base jurdica, ele est reconquistando seu lugar ou, pelo menos, no mais tratado como um fora-da-lei. No entanto, ainda que os motoristas sejam obrigados a se comportar de modo mais disciplinado, seus veculos ainda constituem um embarao, pois so to grandes e, em especial, to numerosos, que ocupam cada vez mais o espao pblico.

    MORADIAS HAARLEMMER HOUTIUINEN ( 100-1 09) O tema central no Haarlemmer Houttuinen a rua como espao de convivncia, elaborada em associao com Van Herk e Nagelkerke. A deciso de reservar uma rea de 27 metros para o trnsito - mais relacionada com poltica do que com planejamento urbano- obrigou-nos a construir dentro desse limite de alinhamento imposto; como resultado, no sobrou espao para jardins nos fundos (que, de qualquer modo, ficariam permanentemente na sombra). Em suma, essas circunstncias desfavorveis- i.e. , orientao indesejvel e rudo de trnsito - deixavam claro

    que o lado norte deveria acomodar a parede de fundo, e, deste modo, toda a nfase recaiu automaticamente na rua de convivncia do lado sul. Esta rua de convivncia acessvel apenas para os carros dos prprios moradores e para os veculos de entregas; o fato de estar fechada ao trfego motorizado em geral e tambm a sua largura de sete metros - um perfil inusitadamente estreito pelos padres modernos - criaram uma situao capaz de evocar a antiga cidade. Os equipamentos necessrios rua, tais como luzes, estacionamentos de bicicletas, cercas baixas e bancos pblicos, esto distribudos de tal modo que apenas uns poucos carros estacionados j so o bastante para

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    ,i:l 1~

  • obstruir a passagem de qualquer trfego adicional. Foram plantados rvores para formar um centro a meio-caminho entre as duas sees da rua. As estruturas que se projetam a partir dos fachadas - as escadas externas e as varandas -articulam o perfil da rua, fazendo-a parecer menos ampla do que os sete metros da frente de uma casa at a frente de outro. A conseqncia uma zona que proporciono espao poro os terraos das residncias trreos. Estes canteiros com muros baixos no so maiores do que as varandas do primeiro andar; claro que no podiam ser menores, mas o questo saber se ficariam

    melhores se fossem maiores. Como oferecem bem menos privacidade do que as sacadas, podemos nos perguntar se os moradores do andar trreo no ficam em desvantagem, mas, por outro lado, o contato imediato com os transeuntes e com as atividades gerais da rua parece ser atraente para muitas pessoas, especialmente quando a rua readquire algo de sua antiga qualidade comunitria. Foram deixadas faixas em aberto ao lado dos espaos privados externos; deliberadamente, ficou indefinida a organizao dessas faixas. O departamento de obras pblicas no resistiu oportunidade de pavimentar esses espaos. Os moradores, por suo vez, esto colocando plantas ali, apropriando-se gradativamente dessa rea basicamente pblica. A construo civil na Holanda tem a tradio de dedicar muita ateno aos problemas de acesso aos andares mais altos, e uma grande variedade de solues foi desenvolvida no pas - todas com o objetivo de dar a cada residncia uma porta de entrada com o mximo de acesso possvel pela rua. No verdade, a soluo que adotamos apenas uma outra variao de um tema essencialmente antigo: a escadaria externa de ferro conduz o um patamar no primeiro andar, onde fica a porta da frente da moradia do andar de cima; da a escadaria continua por dentro do

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  • Reiinier Vinkeleskade, Amslerdam, 1924 I J. C. van Epen

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    edifcio, passando pelos dormitrios do moradia do andar trreo at a moradia do andar de cima.

    As entrados para os moradias dos andares de cima, localizadas em "varandas pblicas" com vista para a rua, no constituem obstculo para as moradias do andar trreo, mas do a estas uma espcie de abrigo para suas prprias entradas. Como as escadas so leves e transparentes, o espao que fica embaixo delas pode ser totalmente usado para caixas de correio, bicicletas e para as brincadeiras das crianas. Houve um esforo considervel para separar os reas de acesso s habitaes dos andares de cima e os espaos de jardim em frente das habitaes do andar trreo. Isso se reflete na definio clara das responsabilidades dos moradores quanto limpeza de suas reas de acesso. A ausncia de uma definio assim to clara resultaria sem dvida numa utilizao menos intensa do espao disponvel para cada morador.

    O conceito da rua de convivncia est baseado na idia de que os moradores tm algo em comum, que tm expectativas mtuas, mesmo que seja apenas porque esto conscientes de que necessitam um do outro. Este sentimento, no entanto, parece estar desaparecendo rapidamente de nossas vidas. A afinidade entre os moradores parece diminuir medida que aumenta a independncia proporcionada pela prosperidade. Tal anonimato chega mesmo a ser elogiado pelos adeptos do coletivismo e da centralizao: se as pessoas se relacionam muito entre

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    Segunda andar

    Primeiro andar

    Andar trreo

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    si, h o perigo de um excesso de "controle social", eles argumentam. Na verdade, quanto mais isoladas e alienadas a s pessoas se tornarem em seu ambiente di rio, mais fcil ser control-las com decises autoritrias. Embora o "controle social" no tenho de ser nega tivo por definio, ele sem dvida existe e seus efe itos negativos so sentidos quando no podemos fazer nado sem que sejamos julgados e vigiados pelos outros, como em toda comunidade muito concentrado, uma vila , por exemplo. Devemos aproveitar todas as oportunidades possveis poro evitar uma separao rgida entre habitaes e para estimular o que restou do sentimento de participar de algo que nos comum. Em primeiro lugar, esse sentimento de comunidade est presente em qualquer interao social do cotidia no, tal como nos brincadeiras dos crianas, no hbito de revezar-se poro tomar conta das crianas, na preocupao em manter-se informado sobre o sade do outro, em sumo, em todos esses cuidados e alegrias que talvez paream to evidentes que tendemos a subestimar sua importncia.

    As unidades de habitao funcionam melhor quando as ruas em que esto localizadas funcionam bem como espaos de convivncia , o que por suo vez depende particularmente de verificar o quanto so receptivos, i.e., em que medida o atmosfera dentro dos cosas pode se integrar atmosfera comunitrio do rua l fora. Isto

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    determinado em grande parte pelo planejamento e pelo detalhamento do /ayout do vizinhana.

    CoNJUNTO HABITACIONAL SPANGEN, RomRDAM, 1919 I M. BRINKMAN (110, 111) As galerias de acesso no conjunto habitacional Spanger Rotterdom ( 1919) ainda no foram superados no que diz respeito ao que oferecem aos moradores. Como s existe portos do frente em um lodo dessa "ruo de convivncia. moradores tm como companhia apenas seus vizinhos imediatos. Isso uma desvantagem em comparao cor uma ruo normal, onde naturalmente encontramos os vizinhos tambm do outro lado da ruo. No entanto, em Um Spongen, o contato entre vizinhos excepcionalmenle intenso, o que mostro como importante o ausncia do trnsito. Ainda assim, o interao que ocorre nos acesSO\ do galeria no se estende ruo abaixo, onde ficam os fundos dos residncias. No se pode estar em dois lu gar~ ao mesmo tempo.

    ALOJAMENTO PARA ESTUDANTES WEESPERSTRAAT (112115 As unidades de habitao poro os estudantes casados o quarto andor induziram construo de uma ruagolerio que poderio ser visto como um prottipo para uma ruo de convivncia, livre do trnsito e com visto poro os telhodol do cidade velho. um lugar seguro mesmo para as crianas pequenos, que podem brincar ali enquanto seus pois podem ficar sentados em frente s suas cosas. O exemplo em que esse projeto se baseou foi, na verdooe o complexo Spongen de 45 anos atrs.

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    trnsito da rua adjacente. As fachadas dando para as ruas eram as frentes (e por isso os arquitetos concentraram seus esforos nelas), enquanto as fachadas mais informais dos fundos, com suas varandas e varais de roupa - algumas favorecidas por sua orientao, outras muito ao contrrio-, formavam o chamado lado de convivncia. Este arranjo foi superado pelo assentamento em faixas, com habitaes de duas frentes, o que criou a possibilidade de colocar todos os jardins ao lado (diagrama a). importante compreender, porm, que com esse tipo de fayout todas as portas da frente de uma fileira de casas do para os jardins da prxima fileira. Assim, todo o mundo vive numa meia-rua, por assim dizer, com os espaos entre os blocos sendo essencialmente os mesmos em vez de se alternarem entre o espao do jardim e o espao da rua. Incidentalmente, o princpio de assentamento em faixa permite esta forma de alternncia na medida em que a orientao seja adequada (diagrama b), mas, mesmo se este no for o caso, vale a pena esforar-se para assegurar que as frentes dos blocos (isto , onde as portas da frente esto localizadas) fiquem uma em frente outra (diagrama c) . Se as entradas das habitaes ficam uma em frente outra, todos olham poro o mesmo espao comunitrio - voc pode ver as crianas

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    do vizinho saindo apressadas de manh para a escolo seu relgio est atrasado de novo?).

    Mos ter uma viso completa de seus vizinhos tambm estimular a bisbilhotice, motivo pelo qual, com esse tipo assentamento, ainda mais importante, do que com o que as janelas e os portas da frente sejam posicionados bastante cuidado em relao s da cosa oposta, de tal que se possa oferecer a cada entrada pelo menos alguma privacidade, capaz de proteg-la contra a indiscrio excessiva. No caso dos tradicionais esquemas de quadros fechadas de moradias, todos os jardins e todas as ficam uns em frente aos outros. As reas dos jardins tm portanto uma natureza diferente daquela das reas do

    RoYAL CRESCENTS, BATH, INGLATERRA 1767 I J. Wooo, J. (11 7 119) Embora certamente no tenham sido projetadas com o objetivo de contribuir para a interao de vizinhos, os fachadas curvas dos "crescentes" de Bath so particularmente interessantes nesse aspecto. Por causa da concavidade da curva, as casas do uma para as outras. o mesmo efeito de quando estamos trem e os trilhos descrevem uma curva: por um momento podemos ver os outros vages cheios de passageiros, presena no tnhamos notado ainda. Uma fachada com as casas voltadas para a mesmo rea contribui natureza comunitria da rea. Enquanto o lado cncavo de uma fachada pode o sentimento de comunidade, o lado convexo dos fundos faz com que as casas, por assim dizer, se distanciem das outras, contribuindo assim paro o privacidade dos jardins. A soluo dos crescentes contempla os dois aspectos.

  • RMERSTADT, FRANKFURT, ALEMANHA, 1927-28 I E. MAY (120-123) Ernst Moy, como seu colega mais famoso, Bruno Taut, est entre os mais importantes pioneiros da construo de moradias no Alemanha. Os numerosos complexos habitacionais que construiu em Frankfurt no perodo 1926-1930 mostram como tinha uma percepo aguada dos detalhes urbanos que podem melhorar as condies de vida. A lio que ele ensina que plantas muito montonas de loteamento, que em geral resultam dos oramentos limitados poro a habitao social, podem ser transformadas num excelente ambiente de moradia, apesar dos meios limitados, no medida em que as plantas sejam desenvolvidos com um sentido adequado de orientao e de proporo. Naturalmente, importante compreender que a arquitetura das moradias e o projeto do ambiente sua volta foram entregues responsabilidade do mesmo homem, que, alm disso, no fez nenhuma distino entre a arquitetura e o planejamento urbano, conseguindo assim ajustar moradias e ambiente de tal modo que se tornaram partes complementares de um todo nico. O conjunto habitacional Rmerstadt est situado num suave declive s margens do rio Nidda. As ruas paralelas seguem o direo do vale. Embora pudesse parecer evidente, neste coso, com ruas em terrao, planejar coerentemente os jardins no encosta do vale, decidiu-se colocar as portas de entrado dos fileiras de casas uma diante da outra de ambos os lodos do caminho. A desigualdade entre os dois lados de entrado, resultado da orientao e de uma (leve) diferena de nvel, foi compensada pela organizao do espao do ruo de tal modo que as casas que ficavam do lodo com jardins situados menos favoravelmente tinham uma rea verde na frente. Um detalhe caracterstico que a pavimentao da calQda termino um pouco antes da fachada, deixando uma estreita faixa nua bem ao lado da parede do lado norte. Este um espao bvio para as plantas, e as trepadeiras podem subir pelo fachada, amenizando a sua rigidez.

    HET GEIN, MORADIAS (124-128) O layout do conjunto habitacionai"Het Gein" em Amersfoort de tal ordem que a nfase recai especialmente sobre a qualidade dos ruas de convivncia. O terreno foi dividido, no medido do possvel, em blocos retos e longos e ruas paralelos. primeira vista, isto oferece menos, e no mais variedade que o layout convencional, mas a idia que ruas retos e tranqilos constituem um ponto de partida mais adequado poro as variaes dentro dos loteamentos. como um sistema de urdidura e trama: enquanto a urdidura

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    (os ruas) num pedao de pano constitui uma estruturo forte (ainda que sem cores se for necessrio), o tramo d cor ao tecido. Um requisito importante, porm, que os ruas de convivncia sejam mantidos livres do trnsito tonto quanto possvel. Deu-se muito ateno aos perfis dos ruas; eles no apenas so essenciais poro o qualidade de cada moradia individual, como tambm poro o maneiro como estas se inter-relacionam. As fachadas e, por conseguinte, tambm os portos dos moradias ficam uma defronte do outro, duas o duas, nos dois lodos do ruo. As ruas tm orientao de sudeste poro noroeste, o que significo que um lodo recebe mais sol do que o outro. por isso que os ruas esto ossimetricomente organizados: os espaos de estacionamento ficaram num nico lodo do ruo - o lodo do sombra. O outro, o lodo do sol, tem uma amplo rea verde. As habitaes com os portos do frente poro o lodo do sol e, por conseqncia, com jardins do lodo com mais sombra foram compensados com um espao extra ( 1,80 m de largura) oo longo do fachada, que pode ser usado poro

    58 LIES DE ARQUITETURA

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    instalar alpendres cobertos, estufas, toldos e outros confortos individuais. Estes acrscimos foram fornecidos ns logo no incio poro uma srie de moradias, o que estimular os ocupantes de moradias semelhantes a segur estes exemplos, se tiverem os recursos poro isso. A como esta zona vier o ser usado por todos os envolvidos constituir o principal fonte de diversidade - no como resultado do projeto, mos sim como expresso de individuais. Algumas dessas habitaes possuem no telhado, tambm existe o garantio de que no futuro sero permitidos mais acrscimos numa zona esoEKIOinll!ll designado poro isso. Os galpes dos jardins esto localizados perto do coso ou no jardim, dependendo condies de luminosidade. Nos jardins parcialmente cobertos pelo sombra, isso o indo possibilito o criao de um lugar ensolarado com alguma proteo. Os com uma orientao mais favorvel tm o galpo perto coso, de modo que se torno atraente construir algum tipo de conexo no espao entre os dois.

  • ACESSO AOS APARTAMENTOS As moradias devem ser to diretamente acessveis quanto possvel e, de preferncia, no muito afastadas da rua, como em geral acontece nos edifcios de muitos andares. Sempre que, como no caso dos apartamentos, voc s pode chegar sua casa indiretamente, atravs dos halls comunitrios, elevadores, escadarias, ou galerias, h o risco de que estes espaos comunitrios sejam to annimos que desencorajem os contatos informais entre os moradores e acabem degenerando numa vasta terra-de-ningum. Ainda que se leve em considerao a necessidade de certo grau de privacidade para cada unidade nos edifcios de muitos andares, as pessoas que moram ao lado, acima ou abaixo, tm muito a ver umas com as outras, embora faltem condies espaciais para isso. Alm disso, num bloco de apartamentos, difci l saber onde receber os amigos e onde se despedir deles. Devemos acompanh-los at a porto da frente e deix-los descer sozinhos as escadas ou devemos ir com eles at onde o carro ficou estacionado? E quanta trabalheira na hora de colocar a bagagem no corro quando estamos saindo num feriado! Se as crianas ainda so pequenas demais para brincar sozinhas do lado de foro, a situao verdadeiramente problemtica.

    Em bairros residenciais devemos dar rua a qualidade de uma sala de estar, no s para a interao

    co~diana como tambm para as ocasies especiais, de modo que as atividades comunitrias e as atividades importantes para a comunidade local possam ser realizadas ali.

    'A diverso comeo, aprontando o corro e o trailer: Do Guio Turstico ANWB

    A rua tambm pode ser o lugar para atividades comunitrias, tais como a celebrao de ocasies especiais que dizem respeito a todos os moradores locais. impossvel projetar a rea da rua de tal modo que as pessoas resolvam subitamente fazer juntas as refeies do lado de fora.

    Mesmo assim, uma boa idia guardar este tipo de imagem no fundo da mente como uma espcie de padro ao qual o projeto deve, em princpio, ser capaz de corresponder. Embora as pessoas nos pases

    Ruo residencial, Soxmundhom, Inglaterra, 1887. 'Celebrando o Jubileu do Rainha Vitria. No dcada de 1880, o popularidade do rainha Vitria havia sobrepuiodo os primeiros ondas de republiconismo, e atingiu seu clmax nos Jubileus de 1887 e 1897, poca em que foi amado e reverenciado como nenhum outro monarca britnico. Observe que um policial, no centro do fotografia, com o ;arro no mo direito, est entre os funcionrios que oiudom o servir o populao. O dia est bem quente pois muitos senhoras no mesa do lodo direito abriram suas sombrinhas poro se proteger do sol. Um rosto queimado de sol em uma mulher era, naturalmente, uma coisa o ser evitado o qualquer custo coso quisesse manter algum tipo de posio social. (Gordon Winter, A country comera, 18441914, Penguin, Londres}

    Ruo do convivncia, Hamburgo, entre o Lowenstrosse e o Folkenried, Alemanha.

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    nrdicos no tenham o hbito de fazer refeies do lado de fora, isto acontece de vez em quando, e, deste modo, deveramos zelar para que isto no se tornasse impossvel a priori pela organizao espacial do lugar. Talvez as pessoas se sintam at mais inclinadas a dar novos usos aos espaos pblicos se as oportunidades para faz-lo forem oferecidas explicitamente. To importante quanto a disposio relativa das unidades residenciais umas em relao s outras a colocao das janelas, das sacadas, das varandas, terraos, patamares, degraus das portas, alpendres -para verificar se tm as dimenses corretas e como esto espacialmente organizadas, i.e., separadas adequadamente, mas no de modo excessivo. sempre uma questo de achar o ponto de equilbrio capaz de fazer com que os moradores possam refugiar-se na privacidade quando o quiserem, mas que possam tambm procurar contato com os outros. A esse respeito, tm uma importncia crucial o espao em volta da porta da frente, o lugar onde a casa termina e onde comea o espao da rua de convivncia. O que a moradia e a rua de convivncia tm a se oferecer mutuamente que determina o bom ou mau funcionamento de ambos.

    FAMILISTRE, GUISE, FRANA 1859-83 1133-1361 O Familistere de Guise, no norte da Frana, constitui um conjunto de moradias criado pela fbrica de foges Godin de acordo com as idias utpicos de Fourier. O complexo compreende 475 unidades de moradia, divididos em trs blocos contguos com ptios internos, assim como uma srie de instalaes como creche, escola e lavanderia. Nos amplos ptios cobertos do Familistere de Guise, as moradias sua volta constituem literalmente os muros. Embora a forma do ptio e a maneira como as portas do frente esto situadas ao longo das galerias lembrem um presdio e nos impressionem hoje como algo primitivo, este antigo "bloco de apartamentos" ainda exemplo proeminente de como rua e moradia podem ser complementares. Alm disso, o foto de que esses ptios estejam cobertos com um telhado os torna extremamente convidativos para atividades comunitrias tais como aquelas que aparentemente foram exercidas aqui no passado, quando o complexo de moradias ainda funcionava como uma forma autenticamente coletiva de habitao. "Qualquer tentativa de reformar as relaes de trabalho est condenada ao fracasso, a menos que seja acompanhada por uma reforma da construo com o objetivo de criar um ambiente confortvel para os trabalhadores, que esteja completamente sintonizado com suas necessidades prticas e tambm com o fim de fornecer acesso aos prazeres da vida em comunidade, que todo ser humano merece desfrutar." (A. Godin, Sofutions Sociales, Paris, 19841

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  • DE ORlE HOVEN, lAR PARA IDOSOS ( 137-140) Nos hospitais, lares poro idosos e grandes comunidades de teor semelhante, o mobilidade restrito dos moradores torno imperativo conceber o plano quase literalmente como uma cidade em escalo reduzido. No coso do De Drie Hoven, ludo linho de ser acessvel em uma distncia relativamente curto sob o mesmo teto, porque quase ningum capaz de deixar o lugar sem ajudo. Graas s grandes dimenses do Lar, foi possvel realizar um programo abrangente de servios de tal ordem que o instituio pde aproximar-se do natureza de uma cidade tambm neste sentido. Os moradores acomodaram-se o seu ambiente como se ele fosse uma comunidade de aldeia.

    Fortemente influenciado pelo noo de restituio do organizao, o complexo foi dividido em um determinado nmero de "aios", cada uma com seu prprio "centro". Os diversos departamentos desembocam numa "solo comum central. Esta disposio dos espaos gerou uma seqncia de reas abertos que, do ponto de visto espacial, rellete o seqncia: centro de vizinhana, centro de comunidade, centro de cidade - um todo compsito dentro do qual codo "clareira" ou rea aberto possui uma funo

    especfico. Este padro dominado pelo "ptio" central, que os prprios moradores chamam de "praa do aldeia". Esta "praa do aldeia" no , estritamente falando, bordejado pelos unidades de moradia, como acontece por exemplo com os ptios cobertos no Fomilistere de Guise, mos, no medido em que o uso e os relaes sociais esto envolvidos, constitui o foco do conjunto. onde acontecem todos os atividades que so organizados pelo e poro o comunidade de moradores: festas, concertos, espetculos de dano e de teatro, desfiles de modo, feiras, apresentao de corais, noites de jogos de cortas, exposies e refeies festivos em eventos especiais! Algo especial acontece ali quase que diariamente. Esta "praa do aldeia" uma interpretao bastante livre do auditrio convencional poro eventos especiais, que poderio ficar sem uso metade do tempo, se fosse uma solo separado, de localizao menos central.

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    ESCOLA MONTESSORI, DELFT (141 , 142) Na Escola Montessori, o ha/1 comunitrio foi concebido de tal modo que se relaciona com as salas de aula como uma rua se relaciona com as casas. A relao espacial entre as salas de aula e o ha/1, assim como a forma do ha/1, foram concebidas como a "sala de estar comunitria" da escola. A experincia de como isso funciona na escola, por sua vez, pode servir como modelo para o que poderia ser feito numa rua.

    KASBAH, HENGELO 1973 I P. BLOM (143, 144) Ningum esteve mais ativamente engajado na busca de reciprocidade entre moradia e espao da rua do que Piei Blom. Enquanto o projeto Kasbah (ver Forum, 7, 1959 e Forum, 5, 196061) estava preocupado especialmente com o que a prpria disposio das moradias podia gerar, na "rea urbana" criada em Hengelo as moradias no formam os muros da rua mas sim "o telhado da cidade", deixando o grande espao ao nvel do cho para todas as atividades

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    comunitrias e eventos. No entanto, s se faz um uso incidental das excepcionais oportunidades de espao so oferecidas aqui. H uma boa lio para ser aprendida aqui. As esto isoladas demais da rua embaixo - esto, por dizer, removidas para longe dela, voltadas para cimo, no se pode ver bem a rua das janelas, e at mesmo entradas esto posicionadas indiretamente rua. Nesse sentido, a forma do espao da rua, como uma esp

  • Ao abandonar o princpio do assentamento tradicional dos blocos, os arquitetos tentaram, inspirados especialmente por Team X e Forum, inventar uma tendncia de novas formas de moradia. Essa tentativa conduziu muitas vezes a resultados espetaculares, mas a questo de que venham a funcionar de maneiro adequada algo que s parcialmente ir depender da qualidade das prprias moradias. Um aspecto pelo menos to importante quanto esse est na possibilidade de o arquiteto descobrir um caminho, usando os moradias como seu material de construo, paro fazer uma rua que funcione adequadamente. A qualidade de uma depende da qualidade da outra: casas e ruas so complementares!

    Que o resultado destas construes seja com freqncia desapontador, deve-se muitas vezes s idias equivocadas dos arquitetos a respeito do modo como o espao real das ruas ser vivenciado e usado. Alm da tendncia que eles tm em confiar excessivamente na eficcia de medidas especficas (o que muitos vezes se mostra menos vivel do que se pensava), o erro mais comum consiste no clculo errado do proporo entre a dimenso do lugar pblico e o nmero esperado de usurios. Se a rea da rua ampla demais, pouca coisa acontece em poucos lugares, e, apesar de todas as boas intenes em sentido contrrio, o resultado so vastos espaos transformados em "desertos" simplesmente por ficarem vazios demais. Muitos projetos - ainda que bem concebidos -funcionariam sa6sfatoriamente se ao menos uma feira funcionasse ali num sbado ensolarado: o tipo de feira que se pode imaginar facilmente, mas que na realidade existe apenas no proporo de uma para cem mil moradias. Devemos testar continuamente a planta no que diz respeito densidade da populao, indicando grosso moclo no projeto o nmero esperado de pessoas a fazer uso das diferentes reas em diversas situaes. Ao fazlo, podemos pelo menos verificar se existe um excesso de espao para recreao, por exemplo. Embora os vastos espaos estimulem a imaginao do arquiteto por terem certa atmosfera de serenidade, no certo que a populao local sinta o mesmo. Para moradias e edifcios em geral pode ser formulada uma grande variedade de formas, contanto que o espao da rua seja criado