Licitações, Jogos e Análise de Padrões
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LICITAES, JOGOS E ANLISE DE PADRES
Por Glauber Nbrega da Silva
Para falar de licitaes, ou melhor, para
descrever como funciona esse mercado que
movimenta mais de 100 (cem) bilhes de
reais e atrai o interesse cada vez maior de
empresas e profissionais de diversos
segmentos necessrio entender suas fases
e seus objetivos.
As licitaes foram normatizadas em no ano
de 93 atravs da lei federal n 8.666. Esta lei
instituiu as regras para que o governo
contrata-se servios de terceiros, ou seja,
regulamentou os processos necessrios para
que o Estado e suas partes constituintes
estimulem a concorrncia e adquiriram
servios ou produtos que necessite de forma
mais vantajosa, seja por menor preo, melhor
tcnica, ou ainda, por ambos. Sua premissa
bsica a mesma do 5 artigo da Constituio
Federal, o da isonomia Todos so iguais
(em direitos e obrigaes) perante a lei. Mas,
alm desses, existem outras que destacamos
os principais a seguir:
Legalidade Todos os processos devem ser
subordinados as leis e demais atos
normativos do Estado;
Impessoalidade Os processos devem ser
justos e favorecer apenas ao Estado;
Moralidade Os processo devem ser ticos
e agir com lealdade populao e ao Pode
Pblico;
Igualdade Todos devem receber tratamento
igualitrio; e
Publicidade Todos os atos devem ser
divulgados oficialmente.
Outros princpios podem ser agregados aos
descritos anteriormente como a probidade
administrativa, vinculao ao instrumento
convocatrio, da objetividade dentre outros.
Caso o leitor queira se aprofundar sugiro a
leitura minuciosa da Lei em conjunto com um
dos vrios livros sobre o tema.
Teoria dos jogos
No h como falar de licitaes e no lembrar
da teoria dos jogos proposta no ano de 1944
pelo matemtico John von Neumann e
aprimorada por John Nash na dcada de 50.
Mais sobre a teoria dos jogos pode ser
avaliada em dois bons filmes: Uma mente
brilhante (2001) que nos contra sobre a vida
de Nash e Jogos de Guerra (1983) que indica
uma de suas possveis aplicaes.
Num breve resumo, a teoria descreve como
decidimos em determinadas situaes. Mas
no s isso, descreve como decidimos em
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situaes onde h concorrncia, onde a
deciso dos outros jogadores (stakeholders)
influencia a nossa. Nesse ponto, sugiro ao
leitor que busque na internet o famoso dilema
do prisioneiro onde a teoria a exemplificada
de forma simples e objetiva.
Mas como a teoria se aplica a licitaes
pblicas? Elementar meu caro Watson: Trata-
se de uma concorrncia onde os jogadores
buscam adquirir vantagens sobre os demais
num ambiente onde as regras so
conhecidas. Entretanto, assim como no
dilema do prisioneiro, se um jogador descobrir
a estratgia dos demais, ou ainda, se alguma
regra for quebrada, os resultado da
concorrncia poder ser manuseado. E nesse
caso ferimos a todas as premissas que regem
as licitaes.
Licitaes como jogos
Se todos os concorrentes querem maximizar
suas vantagens nada mais natural que
associar-se a outros concorrentes porque s
assim os resultados sero maximizados. Em
alguns casos, no se trata apenas de jogar
com os outros jogadores, mas de jogar com
toda a conjuntura do jogo. Isso natural, na
verdade, isso uma induo provocada pelo
prprio ambiente do jogo. As regras criadas
em na dcada de 90 j no so eficazes num
mundo interconectado por vrias redes. O
irnico nessa histria que, quanto maior a
concorrncia ou valores envolvidos, maior
ser a probabilidade de uso dos jogos para
auferir vantagens aos seus jogadores e, em
conseqncia, prejudicar o Estado.
Como identificar um jogo?
Os jogos so do tipo cooperativos, ou seja,
necessrio ter, ao menos, dois jogadores.
Configuraes diversas podem surgir dessa
premissa e podem ser estudadas pela teoria
da probabilidade, por exemplo, dois jogadores
podero ter duas possibilidades (um ganha e
o outro perde, ou, um perde e o outro ganha).
As chances de 50% (cinqenta por cento)
para cada concorrente. Mas agora vamos
supor que existam 4, 5 e 6 empresas... os
resultados possveis seriam 24, 120 e 720, ou
de 4%, 0,8% e 0,1% respectivamente. A
probabilidade de ser vencedor cada vez
mais reduzida a medida que aumentamos a
quantidade de concorrentes.
Por enquanto vamos trabalhar com apenas
seis concorrentes. Vamos supor que as
mesmas trabalham com fornecimento de bens
e servios comuns como fornecimento de
farinha de trigo. As empresas esto
concorrendo para fornecer seus produtos a
cinco padarias distintas, so elas: Moscou,
Paris, New York, Hong Kong e Tquio. Agora
pergunto ao leitor qual a probabilidade que
cada empresa possui para vencer as
concorrncias? A resposta aproximada de
0,0002% (menos de dois milsimos de
centsimos). muito pequena. Ele se torna
ainda menor se uma empresa ganhar duas
concorrncias, ou ainda, se ganhar trs, ou
pior, se cada empresa ganhar uma... Se isso
ocorrer devemos tratar o resultado apenas
como uma coincidncia.
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Porm, se pensarmos em duzentas, mil ou at
duas mil empresas e mais de seis mil
municpios, cada qual com vrios jogos, as
possibilidade de encontrarmos coincidncias
tornam-se praticamente nulas... Verdade?
Convido ao leitor a ler sobre a teoria da
probabilidade antes de continuar a leitura
desse artigo. J leu? Se no o faa...
Infelizmente a prtica tem nos mostrado que
coincidncias existem. E no s existem como
so reincidentes. Isto seria possvel?
Um olhar mais atento nas coincidncias
Existem vrias, digo vrias formas mesmo de
identificar padres anmalos. Toda a anlise
traduz-se em identificar padres e selecionar
os filtros adequados para compreende-los.
Uma forma simples mas eficaz a leitura dos
resultados das concorrncias e sua avaliao
sobre a luz da teoria dos jogos e da
probabilidade. Assim como na lgica, s
existem dois resultados para cada empresa
numa licitao, ou Vence ou Perde. Vejamos
o quadro abaixo:
Cidade/Concorrncia EMPRESAS
A B C D E F
Moscou V P P P P P
Paris P P P P V P
New York P P V P P P
Hong Kong V P P P P P
Tquio P P V P P P
O leitor identificou algo de estranho? H
alguma coincidncia? Se no, veja novamente
os resultados da empresa A e C. Qual a
probabilidade de isso ocorrer, na prtica? O
que isso significa? Nada, apenas uma
possibilidade.
Novamente convido ao leito a imaginar no
duas, mas cinco mil empresas, em diversos
segmentos, em mais de seis mil cidades.
Quantos milhares de zeros sero
necessrios para descrever cada
probabilidade?
Um olhar mais atento sobre os padres
Para quem j assistiu ao seriado FRINGE, da
Fox, sabe que existe uma fenmeno chamado
o padro. Ele est, todo mundo o v mas
apenas no decorrer dos episdios que se
torna possvel identificar ligaes entre
eventos aparentemente desconexos. Mas de
acordo com os ensinamentos de Platt em seu
famoso manual, a soma de muitos nadas
pode ser alguma coisa. Todas as produes
humanas esto interligadas, falta a ns
identificar o padro.
No padro est a chave para uma verdadeira
anlise dos jogos. E todos possumos aes
padronizadas, por maior que seja o cuidado,
sempre repetimos alguma coisa, todos
possumos padres, inclusive quando
mentimos, ou quando jogamos. Sempre
deixamos rastros que podem ser identificados,
compilados, analisados e compreendidos num
grande jogo de gato e rato, de informao e
contra-informao.
Um dos grandes aliados na avaliao de
padres o tempo. Como diz Angleton:
...devemos ter pacincia de uma santo. Um ou
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vrios padres no surgem de uma hora para
a outra. So identificados quando se repetem.
Quanto mais tempo, mais repeties e mais
evidente se torna o mesmo. O ovo de
Colombo consiste na descoberta no de um,
mas de vrios exemplos que acabam por se
interconectar. Como diz um especialista no
assunto: As vezes preciso compilar
informaes por mais de um ano para se
extrair alguma coisa de til daquele oceano de
dados. A informao est l, os padres
sempre existiram falta aplicar um filtro que o
identifique. Mas para isso necessrio
inicialmente adquirir as informaes e trat-las
de forma adequada. E quais so as melhores
fontes?
Editais de licitaes
Os prprios editais so grandes fontes de
informaes. So eles que ditam as regras, os
servios e as restries. A lei permite que o
poder pblica restrinja a participao de
concorrentes, desde que infrinja nenhum dos
princpios das licitaes. Trata-se de uma
segurana para o contratante, uma garantia
que o contratado seja capaz de executar o
servios ou fornecer o material que o ente
pblico necessita. Contudo, a prpria lei
probe exigncias absurdas para no
comprometer o princpio da ampla
concorrncia.
Uma coisa licitar dez toneladas de farinha
para fazer po, outra so dez toneladas de
farinha branca, tipo A, para fazer po. No
segundo exemplo a restrio benfica
porque representa apenas que a qualidade do
produto deve atender a certos critrios mas
outra, totalmente diferente, so: dez toneladas
de farinha branca, tipo A, para fazer po que
venham embaladas em embalagens
individuais de um quilo e que sejam
produzidas entre o outono e a primavera.
Nessa caso as exigncias so exageradas...
mas acontece.
Vamos focar as empresas agora, das seis do
nosso exemplo, quantas podem fornecer o
referido produto? Nesse caso no estou
discutindo produtos ou servios nicos no
mercado, mas produtos e servios comuns,
mas com restries que o tornam nicos.
Ento o que os editais nos fornece? At agora
nada, s possibilidades.
Anlise de conjuntura
To importante quanto a leitura das
entrelinhas dos editais est a anlise de
conjuntura. Em que cenrio o processo est
se desenrolando? Quem atualmente fornece
os objetos das concorrncias. Quem poder
fornec-lo no futuro? Qual o tamanho da
concorrncia?
O leitor deve est de perguntando agora:
como analisar tudo isso? Vou citar um escritor
de fico para auxiliar o encontro da soluo:
Asimov. Se algum assistiu ao filme Eu,
Rob com Will Smith sabe do que estou
falando. A histria baseada num dos
grandes contes desse escritor. Mas o filme
no retrata o livro, apenas baseia-se nele.
Fora os carros futuristas, exploses e,
logicamente, robs, o que sobra? Um
intricado jogos de manipulao, desorientao
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e falsas pistas. Est tudo l, na primeira cena
seria possvel solucionar um assassinato mas
a realidade mais complexa e julgamos o seu
reflexo como a prpria. preciso assistir a
todo o filme para entende-lo. A filme torna-se
muito maior que a simples soma de suas
partes. necessrio um pano de fundo para
compreende-lo. Agora, caro leitor, chamo sua
ateno para a importncia da anlise de
conjuntura.
A partir de uma boa anlise de conjuntura
possvel avaliar o ambiente do jogo, quais as
regras com maior possibilidade de serem
quebradas. A anlise no deve ser reter
apenas ao municpio, rgo licitante ou a
jogadores. Deve sintetizar o todo.
Para quem leu A Fundao, tambm de
Asimov, ver ainda no primeiro captulo que
num futuro muito distante possvel prever,
matematicamente, o futuro a partir da anlise
de algumas variveis do presente. Trata-se de
uma tcnica de cenarizao s que emprega
filtros e algoritmos adequados para projetar, e
no prever, o futuro. Para quem acha que isso
tudo no passa de uma grande bobagem
sugiro a pesquisa num site de busca sobre
teoria dos jogos e projeo de futuro.
Atentem aos trabalhos desenvolvidos pelo
Professor Bruce Mesquita do MIT. Lembrem-
se, o presente resultado o passado e
ningum, absolutamente ningum, escapa do
seu passado. Todos devemos algo a algum.
Muita coisa do passado negada, mas
outras, 99% (digo noventa e nove mesmo)
esto disponveis na internet, em sites de
licitaes, blogs, jornais on-line. Algumas
vezes at mesmo em sites dos prprios
rgos licitantes e dos jogadoras. Basta
aplicar os filtros corretos e ligar os fatos e
informaes.
A origem dos dados e das informaes
Iniciamos agora a parte prtica todo o artigo.
Apesar de ser a mais importante, tambm a
mais curta pois simples. Como dizia
Descarte, a complexidade surge a partir da
interao de coisas simples. Pegue uma coisa
complexa e a sintetize em partes, depois
some tudo. Vejamos agora como sintetizar
nossas possibilidades a partir de um digrama
de Venn:
Chamo o leitor para mais um exerccio. Os
editais falam conosco, dizem: S podem
ganhar esses jogadores. As coincidncias nos
dizem: tais jogadores so parceiros, tem
trabalhando juntos, possui interesses em
comum, possuem mtodos alm de outras
coisas. E a anlise de conjuntura o pano de
fundo. Agora veja a partir desse ngulo: Os
crculos representam todas as possibilidades.
A interseo de dois tipos de anlises
reduzem as possibilidades. Quem, por
Editais
Anlise de Conjuntura
Coincidncias
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exemplo, est dentro dos editais e dentro das
coincidncias? Outro dentro das coincidncias
e dentro da anlise de conjuntura. As
possibilidades se restringem. Vamos ser mais
ousados... Quem est na interseco dos trs
crculos? Numa pesquisa realizada, num
universo de mais de 700 (setecentas
empresas) foi identificado que a probabilidade
de se conhecer os vencedores dos jogos
antes de seu trmino chega a 80% (oitenta
per cento). Ao seja, se aplicada corretamente,
a tcnica permite projetar o futuro e acertar
seu resultado em cerca de quatro para cinco
jogos.
Um futuro (in)certo
Jogos de licitaes so correntes. s vezes a
tica da sobrevivncia fala mais alto e alguns
indivduos ou empresas. Essa uma
possibilidade. Essa um tendncia. Na atual
na conjuntura, a grande concorrncia e a
reduo de valores morais far que os jogos
sejam cada vez mais utilizados... Mas quanto
mais utilizados, quanto mais comuns, mais
evidentes se tornaro os fatos que devem
culminar no seu fim.
Uma ltima considerao. A histria do Ovo
de Colombo, que citei no incio do artigo. Diz a
histria ou lenda que numa grande festa todos
estava a comemorar a descoberta das novas
terras. Dizem que um nobre chegou a
Colombo e lhe disse que no via sentido
naquela comemorao, afinal, todos poderiam
chegar as novas terras. E todos concordaram
positivamente, inclusive o prprio Colombo.
Logo depois o Colombo props uma
brincadeira, desafiou a todos a colocar um
ovo em p. Todos se divertiram mas as
tentativas frustradas logo levou o tdio a todos
que inclusive duvidaram sobre a possibilidade
de tal coisa ser feita. Colombo levantou-se e
foi ao ovo, quebrou a sua base e o colocou
em p. Um dos convidados que assistiu
aquilo atnico gritou: Assim fcil, todo
mundo faz! E ele respondeu: Agora que todos
sabem como, sim... mas ningum teve essa
idia antes. Confie no bvio.
CONSIDERAES FINAIS
Atuais tecnologias para anlise e prospeco
de dados e informaes como datamining,
webmining e textmining aliado perspiccia
de rgos de controle tais como Polcia
Federal, Ministrio Pblico, Tribunais de
Contas, Controladorias Estaduais e
Municipais devem se unir e observar padres
de concorrncia, anlise de preos e
coincidncias existentes nos resultados de
licitaes. Somente aes e um banco de
dados amplo e integrado podem criar
mecanismos de proteo adequados para
essa realidade nacional.
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