Licitação.pdf

14
LICITAÇÃO Art. 37, XXI, CF 1988 "Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações." Art. 22, XXVII, CF 1988 "Compete privativamente à União legislar sobre: ... normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III." Art. 175, CF 1988 "Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos." Legislação ordinária básica: Lei nº 8.666/93 – Lei de normas gerais de licitações e contratos administrativos (cf. art. 22, XXVII, CF 1988) Lei nº 8.987/95 – Licitação específica para concessões e permissões de serviços públicos Lei nº 10.520/02 – Lei de normas gerais do pregão Lei nº 11.079/04 – Licitação específica para parcerias público-privadas Lei nº 11.107/05 – Licitações no âmbito dos consórcios públicos Lei nº 12.232/10 – Lei de normas gerais de licitação para contratação de serviços de publicidade prestados por intermédio de agências de propaganda 1) FUNDAMENTOS GERAIS Licitação é o procedimento prévio e necessário para a realização de um contrato pela Administração Pública. Uma vez que a Administração Pública está submetida ao princípio da impessoalidade e/ou igualdade (art. 37, caput, CF 1988), e não ao princípio da autonomia da vontade (que vigora apenas entre os privados), deve também haver esse processo prévio, impessoal e/ou igualitário, de seleção da pessoa que irá contratar com a Administração Pública. Na licitação, a pessoa a ser selecionada será aquela que apresentar a melhor proposta ("fase de apresentação da proposta"), e desde que esteja objetivamente qualificada para o seu cumprimento ("fase de habilitação"). Esses fundamentos estão expressos na legislação ordinária: Art. 3°, Lei nº 8.666/93 "A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração..." 2) LEGISLAÇÃO SOBRE LICITAÇÃO a) NORMAS LEGAIS GERAIS E NORMAS LEGAIS ESPECIAIS DE LICITAÇÃO O art. 22, XXVII, CF 1988, não obstante estar arrolado como caso de competência "privativa", na verdade estabelece uma regra de competência concorrente, vez que, cabendo à União Federal apenas a edição de normas gerais (de caráter nacional) sobre licitações e contratos, as normas "específicas" e/ou "especiais" (e que têm por base aquelas normas gerais) serão necessariamente normas suplementares editadas pelas demais entidades da Federação (Estados, DF e Municípios). Nesse contexto, o art. 118, Lei nº 8.666/93 determina que "os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as entidades da administração indireta deverão adaptar suas normas sobre licitações e contratos ao disposto nesta Lei". A finalidade de a União Federal editar normas gerais é estabelecer princípios e padrões básicos que, devendo ser obedecidos por todas as entidades da Federação, irão depois conferir unidade à diversidade de legislações sobre licitação nos âmbitos estadual, distrital e municipal (cf. art. 24, §§ 1° e 2°, CF 1988). Todavia, o conceito de "normas gerais" no âmbito das licitações é ainda bastante discutido e polêmico. STF E CONCEITO DE NORMAS GERAIS O conceito de normas gerais foi debatido basicamente em três decisões do STF; dois dos casos envolviam conflito de legislação federal (nacional) com normas estaduais gaúchas, e nos

Transcript of Licitação.pdf

Page 1: Licitação.pdf

LICITAÇÃO

Art. 37, XXI, CF 1988 "Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações."

Art. 22, XXVII, CF 1988 "Compete privativamente à União legislar sobre: ... normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III."

Art. 175, CF 1988 "Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos."

→ Legislação ordinária básica:

Lei nº 8.666/93 – Lei de normas gerais de licitações e contratos administrativos (cf. art. 22, XXVII, CF 1988)

Lei nº 8.987/95 – Licitação específica para concessões e permissões de serviços públicos

Lei nº 10.520/02 – Lei de normas gerais do pregão

Lei nº 11.079/04 – Licitação específica para parcerias público-privadas

Lei nº 11.107/05 – Licitações no âmbito dos consórcios públicos

Lei nº 12.232/10 – Lei de normas gerais de licitação para contratação de serviços de publicidade prestados por intermédio de agências de propaganda

1) FUNDAMENTOS GERAIS

Licitação é o procedimento prévio e necessário para a realização de um contrato pela Administração Pública. Uma vez que a Administração Pública está submetida ao princípio da impessoalidade e/ou igualdade (art. 37, caput, CF 1988), e não ao princípio da autonomia da vontade (que vigora apenas entre os privados), deve também haver esse processo prévio, impessoal e/ou igualitário, de seleção da pessoa que irá contratar com a Administração Pública.

Na licitação, a pessoa a ser selecionada será aquela que apresentar a melhor proposta ("fase de apresentação da proposta"), e desde que esteja objetivamente qualificada para o seu cumprimento ("fase de habilitação"). Esses fundamentos estão expressos na legislação ordinária:

Art. 3°, Lei nº 8.666/93 "A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração..."

2) LEGISLAÇÃO SOBRE LICITAÇÃO

a) NORMAS LEGAIS GERAIS E NORMAS LEGAIS ESPECIAIS DE LICITAÇÃO

O art. 22, XXVII, CF 1988, não obstante estar arrolado como caso de competência "privativa", na verdade estabelece uma regra de competência concorrente, vez que, cabendo à União Federal apenas a edição de normas gerais (de caráter nacional) sobre licitações e contratos, as normas "específicas" e/ou "especiais" (e que têm por base aquelas normas gerais) serão necessariamente normas suplementares editadas pelas demais entidades da Federação (Estados, DF e Municípios). Nesse contexto, o art. 118, Lei nº 8.666/93 determina que "os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as entidades da administração indireta deverão adaptar suas normas sobre licitações e contratos ao disposto nesta Lei".

A finalidade de a União Federal editar normas gerais é estabelecer princípios e padrões básicos que, devendo ser obedecidos por todas as entidades da Federação, irão depois conferir unidade à diversidade de legislações sobre licitação nos âmbitos estadual, distrital e municipal (cf. art. 24, §§ 1° e 2°, CF 1988). Todavia, o conceito de "normas gerais" no âmbito das licitações é ainda bastante discutido e polêmico.

STF E CONCEITO DE NORMAS GERAIS

O conceito de normas gerais foi debatido basicamente em três decisões do STF; dois dos casos envolviam conflito de legislação federal (nacional) com normas estaduais gaúchas, e nos

Page 2: Licitação.pdf

dois casos trata-se de conflito em relação à Lei nº 8.666/93 (lei geral de licitações e contratos administrativos):

a) STF (Adin 927-3-RS, in RDA 200/193 e RTDP 12/182)

Nessa ação de inconstitucionalidade foram impugnados os arts. 17, I, "b", "c"; 17, II, "b"; 17, § 1º, Lei 8.666/93. Entendia-se que tais normas têm caráter específico ou especial (ou: não constituíam "normas gerais"). O STF aceitou, em decisão liminar, essa impugnação e deu "interpretação conforme a Constituição" de tais dispositivos, isto é: não decretou a inconstitucionalidade de tais dispositivos, mas, por serem de caráter especial, eles valeriam somente no âmbito da União Federal. Já os Estados, DF e Municípios poderiam editar leis específicas sobre a mesma matéria. São os seguintes os dispositivos (somente na parte grifada):

aa) Art. 17, I, "b" - "doação, permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera de governo;"

Conseqüência concreta: o regime da doação para o caso dos Estados, DF e municípios obedecerá ao disposto nas respectivas legislações estaduais, distrital e municipais.

bb) Art. 17, II, "b" - "permuta, permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera de governo;"

Conseqüência concreta: o regime da permuta (troca) para o caso dos Estados, DF e municípios obedecerá ao disposto nas respectivas legislações estaduais, distrital e municipais.

STF, Adin 927-3-RS (RDA 200/193; RTDP 12/182) Na petição inicial vinha dito inicialmente que "Legislar sobre normas gerais significa dispor «com generalidade» (= sem detalhamento, estabelecendo os grandes parâmetros, a «moldura», dentro dos quais as normas locais, específicas, e com detalhamento, deverão se acomodar), o que à evidência, supondo a existência de normas não-gerais, específicas, até mesmo briga com a idéia de simplesmente ... vedar [condutas]."

Transcrição do voto do Ministro-Relator na Adin nº 927, citando doutrina: "A formulação do conceito de "normas gerais" é tarefa tormentosa, registra Marças Justen Filho, a dizer que "o conceito de "normas gerais" tem sido objeto das maiores disputas. No campo tributário (mais do que em qualquer outro), a questão foi longamente debatida e objeto de controvérsias judiciárias, sem que resultasse uma posição pacífica na doutrina e na jurisprudência. Inexistindo um conceito normativo preciso para a expressão, ela se presta às mais diversas interpretações" (Ob. e loc. cits.). A formulação do conceito de "normas gerais" é tanto mais complexa quando se tem presente o conceito de lei em sentido material - norma geral, abstrata. Ora, se a lei, em sentido material, é norma geral, como seria a lei de "normas gerais" referida na Constituição? [Crítica: O Ministro-Relator cai aqui em confusão: o "geral" do conceito de lei em sentido material se opõe a "individual" e se refere ao número indistinto e/ou indeterminado de indivíduos que pode ser atingido pela norma, ao passo que o "geral" de normas gerais opõe-se a "especial" e se refere à matéria ou tema que está sendo regulado, tema ou matéria que só poderão então ser regulados de um modo muito geral, isto é: traçando-se somente diretrizes gerais acerca deles] Penso que "norma geral", tal como posta na Constituição, tem o sentido de diretriz, de princípio geral. A norma geral federal, melhor será dizer nacional, seria a moldura do quadro a ser pintado pelos Estados e Municípios no âmbito de suas competências. Com propriedade, registra a professora Alice Gonzalez Borges que as "normas gerais", leis nacionais, "são necessariamente de caráter mais genérico e abstrato do que as normas locais. Constituem normas de leis, direito sobre direito, determinam parâmetros, com maior nível de generalidade e abstração, estabelecidos para que sejam desenvolvidos pela ação normativa subseqüente das ordens federadas", pelo que "não são normas gerais as que se ocupem de detalhamentos, pormenores, minúcias, de modo que nada deixam à criação própria do legislador a quem se destinam, exaurindo o assunto de que tratam". Depois de considerações outras, no sentido de caracterização de "norma geral", conclui: "são normas gerais as que se contenham no mínimo indispensável ao cumprimento dos preceitos fundamentais, abrindo espaço para que o legislador possa abordar aspectos diferentes, diversificados, sem desrespeito a seus comandos genéricos, básicos" (Alice Gonzalez Borges, "Normas gerais nas licitações e contratos administrativos", RDP 96/81).

Cuidando especificamente do tema, em trabalho que escreveu a respeito do Decreto-Lei 2.300/86 [era a anterior lei geral de licitações e contratos administrativos, foi revogado pela Lei nº 8.666/93], Celso Antônio Bandeira de Mello esclareceu que "normas que estabelecem particularizadas definições, que minudenciam condições específicas para licitar ou para contratar, que definem valores, prazos e requisitos de publicidade, que arrolam exaustivamente modalidades licitatórias e casos de dispensa, que regulam registros cadastrais, que assinalam com minúcia o iter e o regime procedimental, os recursos cabíveis, os prazos de interposição, que arrolam documentos exigíveis dos licitantes, que preestabelecem cláusulas obrigatórias de contratos, que dispõem até sobre encargos administrativos da administração contratante no acompanhamento da execução da avença, que regulam penalidades administrativas, inclusive quanto aos tipos e casos em que cabem, evidentissimamente sobre não serem de Direito Financeiro, menos ainda serão normas gerais, salvo no sentido de que toda norma - por sê-lo - é geral" [Bandeira de Mello incide aqui na mesma confusão já supra citada: o "geral" de uma norma em sentido material é dirigir-se a um número indistinto de indivíduos]. E acrescenta o ilustre administrativista: "Se isto fosse norma geral, estaria apagada a distinção constitucional entre norma, simplesmente, e norma geral..." ("Licitações", RDP 83/16)."

Page 3: Licitação.pdf

→ Notar que a opinião doutrinária de Celso Antônio Bandeira de Mello acima exposta teria como conseqüência prática que boa parte (senão mesmo a maior parte) dos dispositivos da Lei nº 8.666/93 deveria ser considerada inconstitucional (ou válida somente para a própria União Federal, como normas especiais desta entidade).

b) STF (ADIn-MC 3.059-RS, in Informativos STF nº 343 e 346)

Conceito de "normas gerais" - Decisão liminar do STF sobre Lei do Estado do RS que exigia "softwares" abertos nos computadores comprados pelo Estado. O STF considerou (surpreendentemente), em decisão liminar, que um tal dispositivo constitui "norma geral" e somente a União poderia legislar sobre essa matéria:

Voto (Min. Relator Carlos Britto) (Transcrições): "Feito o relatório, passo a votar.

18. Uma proposição de mérito, contudo, se me afigura sólida o bastante para conferir à presente ação direta de inconstitucionalidade um desfecho cautelar exitoso [isto é: conceder a medida liminar requerida em face da inconstitucionalidade da lei impugnada]. Refiro-me à proposição de que a Lei nº 11.871/2002 ofende o artigo 22, inciso XXVII, da Lei Republicana, desde que esse dispositivo seja interpretado de forma geminada com o inciso XXI do art. 37 da mesma Constituição Federal de 1988 (“ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”).

19. Bem, aqui, imperioso é proclamar que a lei em debate se revestiu de atributo que a Magna Lei Federal lhe sonegou: o de produzir normas gerais, em tema de licitação. Além de materializar usurpação de competência constitucionalmente deferida ao Poder Executivo, pois é fato que a preferência nela consubstanciada fez o Poder Legislativo estadual se substituir à Administração Pública sul-rio-grandense.

20. Deveras, o inciso XXI do art. 37 da Norma Normarum faz da licitação um obrigatório processo-competição de caráter administrativo. Um puro dever administrativo de igualitária concorrência, mas que admite, sim, exceção. Exceção, todavia:

I - figurante de lei congressual, por ser o processo licitatório um proceder administrativo de aplicabilidade irrestritamente federativa. Logo, de aplicabilidade federativamente uniforme, o que já patenteia sua obrigatória veiculação por aquele tipo de norma geral que a Magna Carta estatui no seu art. 22, inciso XXVII;

II - somente admissível naquelas situações em que a disputa abriga um componente jurídico de preordenada desequiparação entre os contendores, ou então se revele factualmente impossível, quando não francamente dispensável.

21. Ora, no âmbito objetivo da lei estadual guerreada, o que se fez foi uma tão declarada quanto antecipada preferência por um tipo de produto eletrônico: o software da espécie aberta ou completamente isento de restrições proprietárias. Logo, a própria lei estadual a excepcionar o caráter isonômico da licitação para se substituir à Administração Pública na emissão de um prévio e superior juízo de prestimosidade de um determinado bem informático ante os demais concorrentes. Que são concorrentes sabidamente numerosos e igualmente caracterizados por crescente sofisticação tecnológica de seus produtos. Corresponde a dizer: a lei mesma é que se encarregou de criar uma preferência e assim antecipar uma avaliação administrativa concreta ou empírica; avaliação traduzida na presunção de que um dado software satisfaz melhor aos interesses da Administração do que os outros. E satisfaz melhor a tais interesses por uma forma atemporal, acrescente-se, como se o mercado de bens informáticos não se tipificasse por um tão vertiginoso quanto ilimitado teor de aprimoramento.

22. Daqui resulta que a lei invectivada parece desconhecer: a) que a relativização ou flexibilização do princípio isonômico, em tema de licitação pública, é matéria de competência legislativa da União Federal, como assentado; b) que o software de sua declarada preferência pode até mesmo ser o que melhor consulta aos interesses da Administração, em termos de preço, técnica e gradativa apropriação autóctone de uma tecnologia reconhecidamente de ponta, entre outras vantagens comparativas. Mas todas essas virtudes só podem ser aferidas é no processo mesmo do certame em que a licitação consiste. É algo somente aferível caso a caso, dia-a-dia, momento-a-momento, disputa-a-disputa, conforme a natureza das necessidades e dos objetivos da Administração Pública, de um lado, e, de outro, a sempre cambiante qualidade intrínseca dos produtos em foco. Uma coisa a puxar a outra, necessária e ininterruptamente, como num aparelho auto-reverse. Ou como na feliz inspiração do poeta santista Vicente de Carvalho: “Eu sou quem sou, por serdes vós quem sois”. Logo, circuito relacional-concreto por definição e por indissociável imbricamento, de modo a se incompatibilizar com a abstratividade dos comandos que timbram a lei em sentido material.

23. Recolocando a idéia: o processo de licitação em bases igualitárias é a regra geral para a Administração Pública. Aquilo que deve ser usualmente observado, pois, afinal, a disputa entre os licitantes é meio de efetivação não só do princípio constitucional da isonomia, como de várias outras normas principiológicas de idêntica matriz constitucional (princípios da moralidade, da eficiência e da publicidade, verbi gratia) e que têm na função administrativa do Estado uma das suas mais fortes justificativas. Sem empeço, tal competição pode conter elementos de desequiparação ou até mesmo ser posta de lado, conforme dito. A Magna Lei inicia sua legenda com a locução “ressalvados os casos especificados na legislação”, de maneira a autorizar o entendimento de que a lei tem o condão de relativizar o princípio da igualdade (pense-se no tratamento favorecido que a própria Carta-cidadã conferiu às “empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País”, a teor do inciso IX do art. 170) e ir além: indicar hipóteses de fuga pura e simples ao proceder competitivo dos interessados em se relacionar contratualmente com o Poder Público, tendo por objeto “obras, serviços, compras e alienações”. Mas é de todo evidente que esse laborar no campo da excepcionalidade só pode defluir de normas gerais (repete-se),

Page 4: Licitação.pdf

procedente de fonte congressual e de equânime aplicabilidade federativa, tudo conforme a sobredita inteligência do inciso XXVII do art. 22 do Código Político de 1988. Pois o certo é que norma geral, em matéria de licitação, é a lei ordinária que desdobra, debulha, desata, faz render, enfim, um comando nuclearmente constitucional, de sorte a conformar novas relações jurídicas sobre o mesmo assunto. E é por esse necessário vínculo funcional com norma de lastro constitucional - seja ela um princípio, seja uma simples regra -, que a norma geral de que falo é de aplicabilidade federativamente uniforme.

24. Não é tudo. Além do reclamo de tais normas gerais de berço genuinamente legislativo-federal, é preciso, primeiro, que essas mesmas normas gerais aportem comandos seqüenciais daqueles que, na Constituição, prevejam situações em que a licitação comporte abrandamento no seu caráter isonômico. Depois, é necessário que elas, no uso da autorização constitucional que se lê na parte inicial do mencionado art. 37, inciso XXI, expressa e exaustivamente arrolem as hipóteses de dispensa do certame em que a licitação consiste, ou, ainda, prefigurem os casos em que a competição em si perde todo sentido (inexigibilidade). O que não nos parece ocorrer no caso dos autos, pois a utilização de softwares isentos de restrições quanto à observância de direitos autorais não atende melhor ou de forma instantânea, só pela sua natureza de softwares abertos, aos interesses da Administração Pública. É como falar: para que se afirme uma superioridade comparativa do produto é preciso demonstrar, no curso mesmo da licitação, em que ele atende mais aos requisitos de qualificação técnica, apropriação tecnológica e custos financeiros com a sua aquisição, manutenção e adaptação; ou seja, é preciso emitir sobre ele um juízo de valor, porém a partir do atendimento de critérios ou dados objetivos que já constem de normas editalícias logicamente situadas na esfera de movimentação que é própria da Administração Pública. Aí, sim, o concorrente que melhor pontuar, nos termos de cada edital convocatório dos interessados, será ungido como vencedor do certame. O adjudicatário, então, do objeto licitado.

25. Em suma, se os softwares abertos são, de fato, os mais interessantes para a Pública Administração, que isso fique demonstrado em termos de mais alta pontuação quanto aos critérios objetivamente figurantes de normas editalícias. E normas de matriz executiva, necessariamente, pena de o Poder Legislativo se substituir ao aparato administrativo do Estado e assim por usurpação de competência tisnar a pureza do pétreo princípio da Separação dos Poderes (arts. 2º e 60, § 4º, inciso III, da Constituição de 1988).

26. A título de arremate, portanto, penso que a Lei nº 11.871, de 19 de dezembro de 2002, elaborada pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, padece dos seguintes vícios de inconstitucionalidade:

a) invade área de competência leg i fe ran te reservada à União, com pr ivat i v i dade, que é o campo da produção de normas gerais em tema de l ic i tação ;

b) faz o Legis la t ivo es tadual subst i tu i r -se à Administração Púb l ica igua lmente estadua l , fazendo um prévio ju ízo de conveni ência que outra coi sa não é senão usurpação competencia l v io ladora do pétreo pr incíp io const i tuciona l da Separação dos Poderes ; e

c) est re i ta , con tra a natureza dos p rodutos que lhes servem de obje to normat ivo (bens informát i cos) , o âmbi to de compet ição dos inte ressados em se v incu lar contra tua lmente ao Estado-administração.

26. Com estes fundamentos, o meu voto defere a medida liminar requerida, para suspender, até o julgamento final desta ação, a eficácia de toda a Lei sul-rio-grandense nº 11.871/2002. E se digo “toda a lei sul-rio-grandense”, é por considerar que os respectivos enunciados são da espécie pro-indiviso em sua operatividade. Quero dizer, a lei se compõe de dispositivos rigorosamente entrelaçados em sua materialidade, de sorte que a invalidação do primeiro deles acarreta, necessariamente, a perda de eficácia dos demais.

27. É como voto. Brasília, 15 de março de 2004."

Crítica: Ocorre, por fim, que a Lei 8.666/93 possui 126 artigos (mais parágrafos, incisos e alíneas) tratando de licitações e contratos, fato que por si só levanta a dúvida quanto a tratar-se única e exclusivamente de mera lei de "normas gerais". Além disso, se realmente a lei 8.666/93 apenas contivesse normas "gerais", então a União, para o seu próprio âmbito, deveria haver posteriormente editado as SUAS normas especiais, fato esse não ocorrido. Logo, seria possível concluir que essa lei contém não apenas as normas de caráter geral, válidas para a União, Estados e Municípios mas também as normas de caráter especial, válidas no âmbito (apenas) da União.

"Crítica e pessimismo" - Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, p. 472: "A Lei 8.666, conforme estabelecem seu art. 1° e parágrafo único, pretende ser impositiva não só para quaisquer Poderes da União, mas também para os Estados, Distrito Federal e Municípios, como se tudo que dela constasse tivesse o caráter de "normas gerais". Esta pretensão, aparentemente alucinada aos olhos de quem tenha algum conhecimento jurídico, certamente vingará."

Conclusão (de caráter fático): a competência para editar normas gerais é, na prática, deturpada pela União Federal, que edita sob a expressão "normas gerais" tanto normas de caráter geral quanto de caráter especial. De parte dos Estados, DF e Municípios, torna-se então difícil - senão impossível - perante os casos concretos editar legislação dispondo de modo contrário ao disposto na lei federal, sob fundamento de serem normas de caráter "especial". Nesse caso, ter-se-ia que

Page 5: Licitação.pdf

proceder a um exame comparativo dos dispositivos e estabelecer-se o que deve ser considerado "geral" e o que deve ser considerado "especial", enfim: uma operação para separar joio e trigo. Além disso, tal discussão deve-se dar via controle de constitucionalidade. Mas, paralelamente a isso e até a decisão judicial final do STF, haveria incerteza quanto a qual norma escolher para aplicar aos casos concretos. Em vista de tais fatos concretos, a competência da União para editar "normas gerais" degenera na prática em competência privativa e/ou exclusiva, como pessimistamente alertado por Celso Antônio Bandeira de Mello no comentário acima.

c) ADIN 2.903/2005

STF (ADIn 2.903, in Notícias STF 02.12.2005) A Lei Complementar (LC) nº 48/03 do Estado da Paraíba foi declarada, por unanimidade, inconstitucional pelo plenário do Supremo Tribunal Federal. A decisão foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2903, proposta pela Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep) contra a lei estadual. O relator, ministro Celso de Mello, ao votar, observou que a LC nº 48/03, ao introduzir alterações em outra lei que dispõe sobre a organização da Defensoria Pública paraibana, permitiu a livre nomeação por ato de governador de pessoa estranha à carreira da Defensoria para os cargos de defensor público-geral, do defensor público-geral adjunto e do corregedor geral da Defensoria Pública. Para o ministro, tal previsão violou a Lei Complementar federal nº 80, que dispõe sobre normas gerais da Defensoria Pública, editada pela União com respaldo do artigo 24, inciso XIII e do parágrafo 1º, artigo 134 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/04 (Reforma do Judiciário). “Resulta claro, portanto, que não pode, a unidade federada (Estado-membro), mediante legislação autônoma transgredir como no caso a legislação fundamental ou de princípios que a União fez editar no desempenho legítimo de sua competência constitucional”, afirmou Celso de Mello. O relator também apontou que a Defensoria Pública é peça essencial ao Poder Judiciário, pois é um “instrumento de concretização dos direitos e das liberdades de que também são titulares as pessoas carentes e necessitadas”.

b) EMPRESAS ESTATAIS: PROCEDIMENTO SIMPLIFICADO (AINDA INEXISTENTE)

Após a Emenda Constitucional n° 19, de 1988, abriu-se a possibilidade de uma dicotomia de regimes licitatórios, que foi introduzida na parte final do art. 22, XXVII c/c art. 173, § 1°, III, CF 1988, a fim de tornar mais simplificado o procedimento de licitações pelas entidades estatais exploradoras de atividade econômica industrial e comercial (i.e., atividades de livre iniciativa, em regime de concorrência com as empresas privadas).

Isso se explica porque essas empresas estatais concorrem no mercado com as empresas privadas, e portanto o dever de prévia licitação que se impõe a elas significa uma limitação ou ônus em comparação à liberdade de contratação que as empresas privadas possuem. Todavia, essa lei de simplificação do processo de licitação ainda não foi publicada.

Mas já existem decisões esparsas que garantem flexibilização de procedimentos em favor das empresas estatais:

TJRS (Incidente de Inconstitucionalidade 596254557) - Considerou que após a Emenda 19 o art. 1º da Lei nº 8.666/93 não é mais aplicável às empresas estatais exploradoras de atividade econômica.

TCU (Decisão 000.214/1997-3) - Após a Emenda 19, a Lei nº 8.666/93 pode ter sua aplicação afastada em relação às empresas estatais que explorem atividade econômica, caso isso causar prejuízos à exploração de sua atividade-fim.

→ O CASO PETROBRÁS – A Emenda Constitucional nº 9, de 09.11.1995, quebrou o monopólio estatal no âmbito do petróleo e afins (que era da Petrobrás). Ato contínuo, foi editada em 1997 a nova "Lei do Petróleo", e que deu também nova estrutura à Petrobrás - Lei nº 9.478/97. Seu art. 67 prevê então que "Os contratos celebrados pela PETROBRÁS, para aquisição de bens e serviços, serão precedidos de procedimento licitatório simplificado, a ser definido em decreto do Presidente da República".

Em continuidade, foi editado o Decreto nº 2.745, de 24.08.1998, que instituiu o "Regulamento do Procedimento Licitatório Simplificado da Petróleo Brasileiro S.A. – PETROBRÁS", ao passo que a própria Petrobrás editou seu regulamento próprio baseado nesse Decreto. Esse conjunto de normas institui um processo bem menos rígido que aquele regrado na Lei nº 8.666/93 (Lei geral de licitações).

Nada obstante, o TCU por mais de uma vez concluiu que, nas suas licitações, a Petrobrás deveria usar a Lei nº 8.666/93 (e não o procedimento simplificado), porque este não está regrado em lei, como exige a CF 1988 - por exemplo, na Decisão TCU nº 663/2002 e no Acórdão TCU 39/2006.

Page 6: Licitação.pdf

Mas junto ao STF, a Petrobrás vem obtendo uma série de medidas liminares contra as decisões do TCU, podendo assim se valer do procedimento simplificado (cf. p. ex. STF, in 27.796, in Notícias STF, 28.01.2009; MS 27.837, in Notícias STF, 21.01.2009; MS 25.888, in Notícias STF, 21.03.2006 e 24.03.2006; MS 26.808, in Notícias STF, 25.07.2007; MS 26.783, in Notícias STF 10.07.2007; MS 26.410, in Notícias STF, 23.02.2007).

3) LICITAÇÃO COMO ATO ADMINISTRATIVO "FORMAL"

O art. 4º, § único da Lei nº 8.666/93 "O procedimento licitatório previsto nesta lei caracteriza ato administrativo formal, seja ele praticado em qualquer esfera da Administração Pública".

Isso significa dizer que a licitação constitui formalmente um "ato de império", ou seja, mesmo quando a licitação é realizada por entidade estatal regida pelo direito privado (sobretudo: empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações estatais de direito privado), ainda assim seus atos são considerados formalmente como "administrativos" (i.e., praticados sob regime de direito público) e, portanto, podem ser impugnados pela via do mandado de segurança.

Esse dispositivo colocou fim a uma antiga discussão doutrinário-jurisprudencial, onde havia corrente que afirmava que as licitações realizadas por estatais de direito privado constituíam meros "atos de gestão", i.e., atos não impugnáveis via mandado de segurança.

STJ, Súmula nº 333 "Cabe mandado de segurança contra ato praticado em licitação promovida por sociedade de economia mista ou empresa pública."

Nova Lei MS – Lei nº 12.016/09 - Art. 1º, § 2º “Não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público”.

4) PRINCÍPIOS DA LICITAÇÃO

a) PRINCÍPIO BÁSICOS EXPRESSOS E PRINCÍPIOS CORRELATOS

Art. 3°, Lei nº 8.666/93: "A licitação (...) será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhe são correlatos."

Esse dispositivo peca (intencionalmente) pelo excesso, repetindo princípios que poderiam ser considerados de conteúdo igual, como de um lado impessoalidade e igualdade ou, de outro lado, moralidade e probidade administrativa.

Além disso, a parte final do dispositivo ainda permite aplicar subsidiariamente outros princípios do direito administrativo "são correlatos", é dizer: princípios que guardam afinidade com esses que estão expressos.

Cabe, em última instância, à doutrina e jurisprudência definir quais são esses princípios correlatos. Um exemplo seria o princípio do (pleno) "controle" dos atos praticados na licitação (que é correlato à legalidade e à vinculação ao instrumento convocatório).

De todo modo, esses princípios enumerados genericamente no art. 3º estão depois dispersos em normas legais específicas da Lei nº 8.666/93, assim, por exemplo:

• Legalidade - art. 22, § 8º, art. 41, caput, e art. 44, caput;

• Impessoalidade no art. 7°, §§ 5° e 6°; e art. 9°;

• Publicidade - art. 3°, § 3°; art. 4°; art. 7°, §§ 8° e 9°; art. 15, §§ 1° e 2°; art. 16; art. 21; art. 34, § 1º; art. 39; art. 40, § 1°; art. 43, § 1°; art. 44, § 1°; art. 45, caput, parte final; art. 47; Art. 53, § 4°;

• Vinculação ao instrumento convocatório – arts. 40 e 41;

• Julgamento objetivo – arts 44 e 45;

• Controle - art. 4°; art. 15, § 6°; art. 41, § 1º; art. 41, § 2º; art. 49, §§ 2º e 3º; art. 109; art. 113, caput; art. 113, § 1°.

ESTUDO DE CASO 1:

STJ (REsp 254.115-SP, in DJU 14.8.2000, p. 154) "Não pode participar de procedimento licitatório a empresa que possuir, em seu quadro de pessoal, servidor ou dirigente do órgão ou entidade contratante ou responsável pela

Page 7: Licitação.pdf

licitação (Lei 8.666/93, art. 9°, inciso III). O fato de estar o servidor licenciado, à época do certame, não ilide a aplicação do referido preceito legal, eis que não deixa de ser funcionário o servidor em gozo de licença."

ESTUDO DE CASO 2:

STF (RMS 23.640-DF, in Informativo STF nº 246) Concluído o julgamento de recurso ordinário em mandado de segurança contra a desclassificação da recorrente em concorrência pública - destinada a selecionar duas empresas para explorar, sob o regime de permissão, serviço rodoviário interestadual de transporte de passageiros - em face da ausência de assinatura da proposta financeira por ela apresentada (v. Informativo 197). A Turma, por maioria, acompanhando o voto do Min. Maurício Corrêa, relator, negou provimento ao recurso por considerar que o edital exigia expressamente que os documentos fossem apresentados com as páginas rubricadas, estando a administração pública a ele vinculada. Vencido o Min. Marco Aurélio que deferia a segurança, por entender que a falta de assinatura na proposta financeira configura mera irregularidade, sanada quando da lavratura da ata de abertura das propostas (assinada pelos demais participantes sem qualquer impugnação), e que o objetivo da licitação é alcançar o melhor preço (a proposta da empresa desclassificada é mais barata do que a da vencedora).

ESTUDO DE CASO 3:

TJRS (RJTRS 165/265) “O princípio licitatório do julgamento objetivo é incompatível com o critério de julgamento da conveniência da municipalidade, porque este é critério subjetivo e com base na exclusiva discricionariedade administrativa” [Dizia o edital de licitação que a proposta vencedora, independentemente do preço, seria "a de melhor conveniência da municipalidade"].

5) PRINCÍPIO DA IGUALDADE

a) FUNDAMENTOS GERAIS

O princípio da igualdade é a "espinha dorsal da licitação" (Carlos Ari Sundfeld, in "Licitação e contrato administrativo"). Se considerado como princípio autônomo e diferenciado da impessoalidade, exige-se via princípio da igualdade que a Administração Pública estabeleça as melhores condições fáticas que permitam a participação do maior número possível de interessados em contratar (ou, via argumento a contrario sensu: que a Administração Pública reduza ao máximo possível os pré-requisitos e condições para a participação de interessados na licitação). Assim, a igualdade está subjacente a praticamente todos os atos do procedimento de licitação regrados na Lei nº 8.666/93, como por exemplo:

• No ato de convocação da licitação:

Art. 3°, § 1°, I "É vedado aos agentes públicos: admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato."

Art. 3°, § 1°, II "É vedado aos agentes públicos: estabelecer tratamento diferenciado de natureza comercial, legal, trabalhista, previdenciária ou qualquer outra, entre empresas brasileira e estrangeiras, inclusive no que se refere a moeda, modalidade e local de pagamentos, mesmo quando envolvidos financiamentos de agências internacionais..."

• No estabelecimento do objeto da licitação:

Art. 7, § 5° "É vedada a realização de licitação cujo objeto inclua bens e serviços sem similaridade ou de marcas, características e especificações exclusivas, salvo nos casos em que for tecnicamente justificável, ou ainda quando o fornecimento de tais materiais e serviços for feito sob o regime de administração contratada, previsto e discriminado no ato convocatório."

• No estabelecimento dos critérios de habilitação dos candidatos:

Art. 27 "Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a:

I - habilitação jurídica [cf. art. 28, Lei nº 8.666/93]

II - qualificação técnica [cf. art. 30, Lei nº 8.666/93]

III - qualificação econômico-financeira [cf. art. 31, Lei nº 8.666/93]

IV - regularidade fiscal [cf. art. 29, Lei nº 8.666/93]

V - cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7° da Constituição Federal ["proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos"]

• No julgamento das propostas feitas na licitação:

Art. 44, § 1° "É vedada a utilização de qualquer elemento, critério ou fator sigiloso, secreto, subjetivo ou reservado que possa ainda que indiretamente elidir o princípio da igualdade entre os licitantes."

ESTUDO DE CASO 1:

STF (ADIn 3.070, DJU 19.12.2007, p. 13) AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 11, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. LICITAÇÃO. ANÁLISE DE PROPOSTA MAIS

Page 8: Licitação.pdf

VANTAJOSA. CONSIDERAÇÃO DOS VALORES RELATIVOS AOS IMPOSTOS PAGOS À FAZENDA PÚBLICA DAQUELE ESTADO. DISCRIMINAÇÃO ARBITRÁRIA. LICITAÇÃO. ISONOMIA, PRINCÍPIO DA IGUALDADE. DISTINÇÃO ENTRE BRASILEIROS. AFRONTA AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 5º, CAPUT; 19, INCISO III; 37, INCISO XXI, E 175, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. É inconstitucional o preceito, segundo o qual, na análise de licitações, serão considerados, para averiguação da proposta mais vantajosa, entre outros itens os valores relativos aos impostos pagos à Fazenda Pública daquele Estado-membro. Afronta ao princípio da isonomia, igualdade entre todos quantos pretendam acesso às contratações da Administração. 2. A Constituição do Brasil proíbe a distinção entre brasileiros. A concessão de vantagem ao licitante que suporta maior carga tributária no âmbito estadual é incoerente com o preceito constitucional desse inciso III do artigo 19. 3. A licitação é um procedimento que visa à satisfação do interesse público, pautando-se pelo princípio da isonomia. Está voltada a um duplo objetivo: o de proporcionar à Administração a possibilidade de realizar o negócio mais vantajoso - o melhor negócio - e o de assegurar aos administrados a oportunidade de concorrerem, em igualdade de condições, à contratação pretendida pela Administração. Imposição do interesse público, seu pressuposto é a competição. Procedimento que visa à satisfação do interesse público, pautando-se pelo princípio da isonomia, a função da licitação é a de viabilizar, através da mais ampla disputa, envolvendo o maior número possível de agentes econômicos capacitados, a satisfação do interesse público. A competição visad a pela licitação, a instrumentar a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, impõe-se seja desenrolada de modo que reste assegurada a igualdade (isonomia) de todos quantos pretendam acesso às contratações da Administração. 4. A lei pode, sem violação do princípio da igualdade, distinguir situações, a fim de conferir a uma tratamento diverso do que atribui a outra. Para que possa fazê-lo, contudo, sem que tal violação se manifeste, é necessário que a discriminação guarde compatibilidade com o conteúdo do princípio. 5. A Constituição do Brasil exclui quaisquer exigências de qualificação técnica e econômica que não sejam indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. A discriminação, no julgamento da concorrência, que exceda essa limitação é inadmissível. 6. Ação direta julgada procedente para declarar inconstitucional o § 4º do artigo 111 da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte.

ESTUDO DE CASO 2:

STF (ADIn-MC 1824-RS, in Informativo STF n° 114) "Deferida medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Governador do Estado do Rio Grande do Sul para suspender a execução e aplicabilidade do § 1° do art. 163, da Constituição Estadual, que, na hipótese de privatização das empresas públicas e sociedades de economia mista, assegura a preferência dos empregados em assumi-las sob forma de cooperativas. O Tribunal, por maioria de votos, entendeu caracterizada a aparente ofensa ao art. 37, XXI, da CF, que garante a igualdade de condições a todos os concorrentes de processo de licitação pública. Vencidos os Ministros Néri da Silveira, relator, e Ilmar Galvão, que deferiam a liminar para dar ao dispositivo impugnado interpretação conforme à Constituição Federal, no sentido de que a preferência nele prevista só poderia ser entendida como um benefício assegurado a cooperativas de funcionários das empresas públicas e sociedades de mista quando se encontrarem em igualdade de condições com seus competidores, sob fundamento de que a CF prevê o apoio e o estímulo ao cooperativismo e outras formas de associativismo (CF, art. 174, § 2°)."

ESTUDO DE CASO 3:

STJ (REsp 466.286-SP) Licitação. Comprovação. Experiência. Quantidade. A Administração, com o fito de implementar a inspeção regular da frota de veículos em uso no município, promoveu licitação, em cujo edital se menciona a necessidade de comprovação de experiência anterior, mediante a existência, nos quadros das empresas proponentes, de profissional que já tenha atuado na fiscalização de, no mínimo, 1 milhão de veículos. Correto o edital, visto que a melhor interpretação do art. 30, § 1º, I (parte final), da Lei n. 8.666/1993 (Lei de Licitações) permite inserirem-se no decreto editalício exigências relativas a quantidades mínimas para fins de comprovação de experiência, isso quando, vinculadas ao objeto do contrato, estiverem assentadas em critérios razoáveis, quanto mais se complexo o objeto a ser licitado, como no caso.

b) IGUALDADE FORMAL VERSUS IGUALDADE MATERIAL

Lei Complementar nº 123/06 ("Estatuto da Microempresa") – O inteiro Capítulo V do Estatuto da Microempresa institui, em nome do princípio da igualdade material ("tratar desigualmente os desiguais"), um tratamento diferenciado em favor das microempresas (ME´s) e empresas de pequeno porte (EPP´s) quando participam de licitações.

→ Decreto federal nº 6.204/07 - Regulamenta o tratamento diferenciado da LC nº 123/06

PARTE HISTÓRICA

aa) LIBERALISMO: IGUALDADE FORMAL - O princípio da igualdade no período liberal tinha por objeto romper as desigualdades juridicamente garantidas nos regimes feudal e absolutista (sistema estamental: nobres, religiosos, vassalos, depois: nobreza, religiosos e terceiro estado). Nesses regimes conviviam vários Direitos distintos, os quais eram aplicados em função do status da pessoa envolvida. Contra isso, o liberalismo apregoou a necessidade da máxima generalidade e abstração na redação dos dispositivos legais, fato que, ao mesmo tempo, não permite a criação de discriminações ou distinções entre as pessoas (é desse momento histórico que deriva o conceito material de lei, como ato "geral e abstrato", isto é: que atinge a todas as pessoas da mesma maneira). Típicos exemplos dessa época são:

Preâmbulo da Constituição Francesa de 1791: "Não haverá mais nobreza, nem pariato, nem distinções hereditárias, nem distinções de ordens, nem regime feudal, nem justiça patrimonial, nem qualquer dos títulos, denominações, prerrogativas que daí derivavam, nem qualquer

Page 9: Licitação.pdf

ordem de cavalaria, nem qualquer das corporações ou insígnias para as quais eram exigidas provas de nobreza ou que supunham distinções de nascimento, nem qualquer outra superioridade a não ser a dos funcionários públicos no exercício das suas funções."

Art. 1º, Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, França, 1789 "Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundar-se na utilidade comum."

Art. 6º, Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, França, 1789 "A lei é expressão da vontade geral. (...) Ela deve ser a mesma para todos, quer se destine a proteger quer a punir. Todos os cidadãos são iguais aos seus olhos, são igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e talentos."

� Note-se porém que vigora aí tácita e silenciosamente um conceito de "pessoa" que se identifica somente com o "homem branco, burguês e pai de família": a igualdade não atingia, por exemplo, mulheres, pobres, analfabetos, ou mesmo os negros e indígenas

� Depois, dado que a lei deveria tratar a todos da mesma maneira, não poderia o legislador levar em conta aspectos materiais relativos às pessoas. Tais aspectos materiais não eram tidos como critérios que pudessem justificar tratamento favorável aos materialmente mais necessitados

Exemplo: Contrato de trabalho como contrato de natureza civil, de igualdade formal entre as partes (Código Civil de 1916: contrato de "locação de serviços")

bb) DEMOCRACIA SOCIAL: IGUALDADE MATERIAL - Dado que o princípio liberal da igualdade formal gerou o abismo social entre burgueses e trabalhadores, no Estado democrático-social parte-se de um critério não mais formal, mas sim material para a realização da legislação. A lei passa a tratar desigualmente os materialmente desiguais, a fim se obtenha, com sua aplicação, um equilíbrio ideal entre os materialmente desiguais.

Exemplo 1: Desigualdade material entre empregado e empregador, com legislação protetora do trabalhador (dicotomia direito do código civil versus direito do trabalho)

Exemplo 2: Desigualdade material entre consumidor e fornecedor, com legislação protetora do consumidor (dicotomia direito do código civil versus direito do consumidor)

c) PARTE DOGMÁTICA – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE

aa) FUNDAMENTO

Verificar se um tratamento (legal) desigual dos indivíduos por parte do Estado é constitucionalmente justificável ou não. Verificação da constitucionalidade da igualdade na lei:

• Verifica-se na lei um tratamento desigualitário entre pessoas?

� Se não se verifica, inexiste lesão ao princípio da igualdade.

� Se se verifica, é necessário perguntar também:

bb) O tratamento desigual deixa-se justificar a partir da Constituição?

� 1º CASO: Interpretação literal de tratamento desigual

Exemplo 1: Art. 5º, LXXVI, "a" e "b", CF 1988 (dicotomia pobre versus não-pobre)

Exemplo 2: Art. 12, § 3º, CF 1988 (dicotomia brasileiro nato versus brasileiro naturalizado)

Exemplo 3: Art. 190, CF 1988 (dicotomia brasileiro versus estrangeiro)

Exemplo 4: Art. 5º, XXXII, CF 1988 (dicotomia consumidor versus fornecedor)

� 2º CASO: Casos de tratamento desigual não previstos expressamente no texto da CF 1988 mas existentes na legislação ordinária (necessidade então de fundamentar a desigualdade via interpretação não-literal da Constituição, isto é: sistemática, histórica ou, principalmente, teleológica). Em último caso recorre-se aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Exemplo 1: Lei que isenta de IPTU os proprietários de imóveis de baixo valor venal

Page 10: Licitação.pdf

Exemplo 2: RDA 184/141 - Exigência legal de altura ou de peso mínimo em concurso para policial civil ou militar ("porte intimidatório")

cc) CONSEQÜÊNCIAS - O descumprimento do princípio da "igualdade na lei" é sempre um problema de CONSTITUCIONALIDADE (o legislador ordinário tratou desigualmente pessoas ou grupos de pessoas quando constitucionalmente deveria haver tratado de maneira igualitária)

6) CONEXÃO ENTRE A LEI 8.666 E OUTRAS LEIS DE LICITAÇÃO

a) LEI DE CONCESSÕES E PERMISSÕES DE SERVIÇOS PÚBLICOS - Nº 8.987/95

aa) Qual o fundamento jurídico da licitação da Lei nº 8.987/95?

Art. 37, XXI ou art. 175, diretamente?

Exemplo: Estados, DF e Municípios têm competência para editar leis próprias de serviços públicos? Estado do RS editou lei própria que inclusive serviu de modelo para a lei nacional

→ Se não possuem competência, então a União pode editar lei nacional (com normas gerais e especiais de licitação específica para o caso de concessões e permissões de serviços públicos)

bb) O processo licitatório da Lei nº 8.987/95 é bom para selecionar privados delegados?

Art. 15. No julgamento da licitação será considerado um dos seguintes critérios:

I - o menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado;

II - a maior oferta, nos casos de pagamento ao poder concedente pela outorga da concessão;

III - a combinação, dois a dois, dos critérios referidos nos incisos I, II e VII;

IV - melhor proposta técnica, com preço fixado no edital;

V - melhor proposta em razão da combinação dos critérios de menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado com o de melhor técnica;

VI - melhor proposta em razão da combinação dos critérios de maior oferta pela outorga da concessão com o de melhor técnica; ou

VII - melhor oferta de pagamento pela outorga após qualificação de propostas técnicas.

§ 1o A aplicação do critério previsto no inciso III só será admitida quando previamente estabelecida no edital de licitação, inclusive com regras e fórmulas precisas para avaliação econômico-financeira.

§ 2o Para fins de aplicação do disposto nos incisos IV, V, VI e VII, o edital de licitação conterá parâmetros e exigências para formulação de propostas técnicas.

§ 3o O poder concedente recusará propostas manifestamente inexequíveis ou financeiramente incompatíveis com os objetivos da licitação.

§ 4o Em igualdade de condições, será dada preferência à proposta apresentada por empresa brasileira.

→ Problema prático: Inexistência de critérios excludentes entre si, de facto a Administração goza de plena liberdade para escolha de qualquer dos critérios (a não ser que se aplicasse algo como a teoria que distingue entre interesses públicos "primários", i.e., interesses da coletividade, e "secundários", i.e., interesses da própria Administração/Governo). De todo modo, o Poder Judiciário adota como regra geral que ele não possui competência para examinar as escolhas discricionárias que a legislação permite à Administração ("inexistência de controle judicial de mérito de atos administrativos discricionários")

ESTUDO DE CASO 1:

Privatização das rodovias pelo Estado do RS – Ano 1998 – Critério da maior oferta pelo recebimento da concessão (dinheiro recolhido ao caixa único do Tesouro Estadual) – E se o critério fosse o do menor valor da tarifa?

a) Critério escolhido – Critério a rigor mais objetivo, mas com descolamento do questão tarifária – Inexistência de conexão direta entre preços das tarifas e custo da concessão – Aumentos de custos proporcionam aumento da tarifa (mau uso da teoria do reequilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão)

b) Critério da menor tarifa – Há elementos administrativos de controle da manutenção do serviço adequado com tarifas baixas?

Page 11: Licitação.pdf

ESTUDO DE CASO 2:

aa) Dos critérios do art. 15, qual é o "mais adequado" para a seleção de empresa de transporte coletivo municipal?

bb) Seria possível no caso a aplicação da teoria do poder-dever (ou ainda: "redução da discricionariedade a zero"), a fim de se eliminar alguns dos critérios legais que "não sejam adequado" ao caso concreto?

b) LEI Nº 8.987/95 E LEI DO PREGÃO - Lei nº 10.520/02

A sistemática do pregão é bem mais convincente que a dos casos tradicionais de concorrência, tomada de preços e convite:

• No pregão existe desburocratização do procedimento licitatório, vez que se invertem as fases tal qual originariamente previstas na Lei de Licitações (cf. art. 4º, VII, Lei nº 10.520/02). Abre-se então primeiro as propostas de preço, e somente ao final se verifica se o vencedor da proposta de preço tem habilitação.

→ Exemplo: Concorrência com 50 candidatos: inicialmente os 50 envelopes de habilitação teriam de ser analisados (bem como os eventuais recursos administrativos interpostos contra as decisões de inabilitação), e só depois se procederia à abertura das propostas de preço dos candidatos habilitados.

• O pregão é também mais simplificado e menos burocrático no restante do procedimento (cf. arts. 2º a 5º, Lei nº 10.520/02), o que contribui para o aumento do número de interessados em competir.

→ Assim sendo, não seria possível simplificar o procedimento das modalidades de licitação previstas na Lei nº 8.666/93

• Nas demais modalidades de licitação não se admite contraproposta. Poderia ocorrer que um competidor, depois de aberto o menor preço, aceitasse rebaixar a sua proposta para ser declarado vencedor - mas isso não é permitido na Lei de Licitações, vez que os envelopes são entregues fechados e, depois de abertos, não mais se permite a alteração das propostas (art. 44, § 2º, Lei nº 8.666/93). Já no pregão o sistema é de "leilão ao contrário" (tipo "menor preço") e com isso se permite a apresentação de contrapropostas, com a modificação (para baixo) do valor das mesmas, criando-se toda uma sistemática de "quem oferece menos" (cf. art. 4º, VIII, Lei nº 10.520/02), fato que traz economia de custos para a Administração. Não por último, a Administração ainda pode renegociar o preço, uma vez mais, com o candidato vencedor (cf. art. 4º, XVII, Lei nº 10.520/02).

• Nos dois sistemas de pregão resta mais difícil haver prévio conluio de preços entre os competidores (exemplo: quando um oferece preços muito altos, o outro oferece preços muito baixos – na licitação seguinte os dois competidores invertem essas posições). É que no pregão eletrônico um competidor não conhece as propostas apresentadas pelos demais, ao passo que no pregão presencial existe o percentual-limite máximo de 10% para a apresentação de contrapropostas.

Exemplo (Jornal Gazeta Mercantil, 08.09.1999, 1º Caderno, pág. A-9, reportagem de Maurício Corrêa): Em 52 pregões realizados pela ANATEL, o total de valores de lances iniciais foi de R$ 36,5 milhões, ao passo que o total referente aos lances finais caiu para R$ 27,1 milhões.

Por todas as críticas, em anteprojeto de nova Lei de Licitações (que atualmente tramita no Congresso Nacional) pretende-se, dentre as tantas reformas, adotar também para as demais modalidades de licitação as mesmas características do procedimento do pregão.

c) LEI DE PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS - Lei nº 11.079/04

aa) MODALIDADE CONCORRÊNCIA

Art. 10. A contratação de parceria público-privada será precedida de licitação na modalidade de concorrência…

→ Em face do valor mínimo da PPP (vinte milhões de reais)

bb) QUATRO CRITÉRIOS DE JULGAMENTO

Art. 15, I, Lei nº 8.987/95 – O menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado;

Page 12: Licitação.pdf

Art. 15, V, Lei nº 8.987/95 – A melhor proposta em razão da combinação dos critérios de menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado com o de melhor técnica;

Art. 12, "a", Lei PPP - Menor valor da contraprestação a ser paga pela Administração Pública;

Art. 12, "b", Lei PPP - Melhor proposta em razão da combinação do critério da alínea a com o de melhor técnica, de acordo com os pesos estabelecidos no edital.

→ À semelhança dos casos da Lei de Serviços Públicos (cf. supra), também aqui o administrador possui liberdade legal para escolher uma das hipóteses, e portanto torna-se difícil um controle da decisão pelo Poder Judiciário

cc) FORMA DE APRESENTAÇÃO DAS PROPOSTAS ECONÔMICAS

Art. 12, III, "a", Lei PPP - Propostas escritas em envelopes lacrados; ou

Art. 12, III, "b", Lei PPP - Propostas escritas, seguidas de lances em viva voz;

§ 1o Na hipótese da alínea b do inciso III do caput deste artigo:

I - os lances em viva voz serão sempre oferecidos na ordem inversa da classificação das propostas escritas, sendo vedado ao edital limitar a quantidade de lances;

II – o edital poderá restringir a apresentação de lances em viva voz aos licitantes cuja proposta escrita for no máximo 20% (vinte por cento) maior que o valor da melhor proposta.

→ Segue o modelo da Lei do Pregão, e não o modelo mais burocrático da Lei nº 8.666/93

dd) INVALIDADES: SANEAMENTO VERSUS NULIDADE

Art. 12, IV, Lei PPP - O edital poderá prever a possibilidade de saneamento de falhas, de complementação de insuficiências ou ainda de correções de caráter formal no curso do procedimento, desde que o licitante possa satisfazer as exigências dentro do prazo fixado no instrumento convocatório.

→ Adoção da teoria européia contemporânea: nulidades/anulações devem valer somente para os casos de vícios muito graves – em nome dos princípios da economia e da celeridade processual deve prevalecer a tentativa de saneamento das irregularidades

ee) ORDEM DAS FASES DE QUALIFICAÇÃO E PROPOSTA ECONÔMICA

Art. 13. O edital poderá prever a inversão da ordem das fases de habilitação e julgamento, hipótese em que:

I – encerrada a fase de classificação das propostas ou o oferecimento de lances, será aberto o invólucro com os documentos de habilitação do licitante mais bem classificado, para verificação do atendimento das condições fixadas no edital;

II – verificado o atendimento das exigências do edital, o licitante será declarado vencedor;

III – inabilitado o licitante melhor classificado, serão analisados os documentos habilitatórios do licitante com a proposta classificada em 2o (segundo) lugar, e assim, sucessivamente, até que um licitante classificado atenda às condições fixadas no edital;

IV – proclamado o resultado final do certame, o objeto será adjudicado ao vencedor nas condições técnicas e econômicas por ele ofertadas.

→ Permite seguir o modelo da Lei do Pregão, e não o modelo mais burocrático da Lei nº 8.666/93

d) LEI Nº 11.107/05 – LEI DOS CONSÓRCIOS PÚBLICOS

aa) RELAÇÃO SISTEMÁTICA ENTRE ART. 175 E 241, CF 1988

A classificação tradicional das formas de gestão do serviço público encontra-se no art. 175, CF 1988. Mas ao lado dele foi acrescido pela Emenda 19/98 o art. 241, que permite a realização de convênios e de consórcios públicos para melhor prestação dos serviços públicos. É possível portanto, em interpretação sistemática, pressupor em realidade dois grandes sistemas de gestão de serviços públicos, convivendo lado a lado: (i.) o sistema de gestão delegada do art. 175, e (ii.) o sistema de gestão cooperativa do art. 241.

Talvez não seja equivocado afirmar que o regime do art. 175 vigore apenas para os casos de delegação de prestação de serviços a privados, ao passo que qualquer forma de associação entre entidades administrativas para prestação de serviços públicos possa ocorrer (apenas e tão-somente) com base no art. 241, CF 1988 – o que elimina nesses casos tanto a "prévia licitação" quanto a formalização mediante "concessão" ou "permissão".

Nesse contexto, a "descentralização por delegação" seria um procedimento apenas em face de concessionários e permissionários privados, mas jamais em face de uma entidade da Administração Indireta de outra entidade federativa.

Page 13: Licitação.pdf

Exemplo 1: Consórcios públicos – Procedimento regrado na Lei nº 11.107, de 06.04.2005 – Realizados diretamente pelas entidades federativas, criando uma entidade terceira prestadora do serviço público

Exemplo 2: Convênios – Procedimento para entrega do serviço a uma entidade da Administração Indireta de outra entidade federativa - Se um Município gaúcho decide entregar a gestão do seu sistema de águas e esgotos a uma empresa estadual (CORSAN) isso poderia ocorrer diretamente mediante lei municipal e posterior assinatura de convênio via art. 241, CF 1988

Exemplo final: Nova redação do art. 24, XXVI, Lei nº 8.666/93 "É dispensável a licitação: ... na celebração de contrato de programa com ente da Federação ou com entidade de sua administração indireta, para a prestação de serviços públicos de forma associada nos termos do autorizado em contrato de consórcio público ou em convênio de cooperação."

bb) Art. 6º, § 2º, LCP – SUBMISSÃO À LEI 8.666/93

"No caso de se revestir de personalidade jurídica de direito privado, o consórcio público observará as normas de direito público no que concerne à realização de licitação, celebração de contratos, prestação de contas e admissão de pessoal, que será regido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT."

→ Nada obstante as várias críticas doutrinárias quanto à incnstitucionalidade da Lei dos Consórcios Públicos, no tocante à licitação não se vislumbra aqui inconstitucionalidade

cc) "SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL" NA LICITAÇÃO

Nova redação do art. 112, Lei nº 8.666:

§ 1o Os consórcios públicos poderão realizar licitação da qual, nos termos do edital, decorram contratos administrativos celebrados por órgãos ou entidades dos entes da Federação consorciados.

§ 2o É facultado à entidade interessada o acompanhamento da licitação e da execução do contrato.

e) LEI nº 12.232/10 – LICITAÇÕES PARA SERVIÇOS DE PUBLICIDADE

aa) EXTENSÃO: LEI DE NORMAS GERAIS

Art. 1o Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratações pela administração pública de serviços de publicidade prestados necessariamente por intermédio de agências de propaganda, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

→ Funciona como uma "extensão" e/ou "complemento" da Lei nº 8.666/93 no caso específico dos serviços de publicidade

bb) TIPO DE LICITAÇÃO

Art. 5o As licitações previstas nesta Lei serão processadas pelos órgãos e entidades responsáveis pela contratação, respeitadas as modalidades definidas no art. 22 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, adotando-se como obrigatórios os tipos “melhor técnica” ou “técnica e preço”.

→ A adoção do tipo "melhor técnica" inevitavelmente pode conduzir a julgamentos subjetivos, vez que se trata de escolha da melhor técnica de publicidade

cc) INVERSÃO DE FASES

Art. 6º, I - os documentos de habilitação serão apresentados apenas pelos licitantes classificados no julgamento final das propostas, nos termos do inciso XI do art. 11 desta Lei;

→ Segue o modelo da Lei do Pregão, e não o modelo mais burocrático da Lei nº 8.666/93

dd) COMISSÃO DE LICITAÇÃO E SUBCOMISSÃO TÉCNICA

Art. 10. As licitações previstas nesta Lei serão processadas e julgadas por comissão permanente ou especial, com exceção da análise e julgamento das propostas técnicas.

§ 1o As propostas técnicas serão analisadas e julgadas por subcomissão técnica, constituída por, pelo menos, 3 (três) membros que sejam formados em comunicação, publicidade ou marketing ou que atuem em uma dessas áreas, sendo que, pelo menos, 1/3 (um terço) deles não poderão manter nenhum vínculo funcional ou contratual, direto ou indireto, com o órgão ou a entidade responsável pela licitação.

§ 2o A escolha dos membros da subcomissão técnica dar-se-á por sorteio, em sessão pública, entre os nomes de uma relação que terá, no mínimo, o triplo do número de integrantes da subcomissão, previamente cadastrados, e será composta por, pelo menos, 1/3 (um terço) de profissionais que não mantenham nenhum vínculo funcional ou contratual, direto ou indireto, com o órgão ou entidade responsável pela licitação. (...)

§ 10. Nas licitações previstas nesta Lei, quando processadas sob a modalidade de convite, a subcomissão técnica, excepcionalmente, nas pequenas unidades administrativas e sempre que for comprovadamente impossível o

Page 14: Licitação.pdf

cumprimento do disposto neste artigo, será substituída pela comissão permanente de licitação ou, inexistindo esta, por servidor formalmente designado pela autoridade competente, que deverá possuir conhecimentos na área de comunicação, publicidade ou marketing.

→ Institui duas Comissões, em vez da tradicional (e uma) Comissão de Licitações, acrescentando um comissão específica de experts em comunicação para a tomada de decisão de escolha da melhor proposta técnica. Visa com isso a reduzir a margem de discricionariedade/subjetividade na escolha da melhor proposta técnica ("discricionariedade técnica").

ESTUDO FINAL DE CASO:

STJ (SS nº 1.480, in Notícias STJ, 07.10.2004) União não conseguiu, no Superior Tribunal de Justiça, suspender a liminar concedida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região à empresa Brasília Motors Ltda., do Distrito Federal. A liminar garantiu à empresa o direito de entregar ao Ministério da Saúde um lote de 95 ambulâncias restante das 480 contratadas. O ministro Edson Vidigal, presidente do Superior Tribunal de Justiça, negou o pedido da União para suspender a liminar, concedida pela juíza do TRF Maria Isabel Gallotti Rodrigues, por entender que não ocorreu, no caso, a alegada grave lesão à economia pública, argumento utilizado pela União para pedir a suspensão da liminar. Em novembro de 2003, o Ministério da Saúde publicou edital de pregão para a compra de 1.480 ambulâncias para a implementação do chamado Projeto Samu – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência. A empresa Brasília Motors Ltda ficou classificada para o lote 1, de 200 ambulâncias, e para o lote 4, correspondente a 280 veículos hospitalares. Efetivada totalmente a contratação quanto ao primeiro lote, o Ministério pediu à empresa que antecipasse a entrega das outras 280 ambulâncias, referentes ao outro. Em face do pedido, a Brasília Motors providenciou a aquisição junto à fábrica, bem como a instalação dos equipamentos necessários para a transformação dos veículos em ambulâncias. Foram entregues, então, 52 ambulâncias, com o recebimento do devido pagamento. Só que, após a entrega de mais 133 veículos, o Ministério da Saúde publicou no Diário Oficial da União aviso de que estava anulando o pregão inteiro, por vícios de legalidade constatados no procedimento de licitação. Em conseqüência, o ministério pagou à empresa indenização pelas últimas 133 ambulâncias recebidas, só que em valor inferior ao estipulado no pregão, e se recusou a receber as 95 restantes do lote 4, que já estavam prontas. Em razão disso, a empresa impetrou mandado de segurança para anular o ato administrativo que invalidou a licitação, pedindo que a Justiça declarasse válido o pregão realizado. Alegou que a anulação lhe causou prejuízo substancial, por já haver adquirido antecipadamente, a pedido do ministério, os veículos da fábrica Mercedes Benz e os enviado ao agente transformador, Ronton Eletro Metalúrgica Ltda, para a colocação de todos os equipamentos exigidos. Alegou, também, que, diante do pagamento em valor bem menor ao acertado relativamente às 133 ambulâncias entregues e em razão do não-recebimento das 95 últimas, foi obrigada a realizar empréstimo junto a instituição financeira para honrar seus compromissos com a fábrica e a empresa de transformação. Ressaltou que dificilmente conseguirá encontrar mercado para a venda dos veículos transformados em ambulância, e a falta de cumprimento do pregão pela administração pública a levará fatalmente à falência. Pediu, por isso, liminar para que seja determinado o imediato pagamento da verba correspondente à diferença entre o valor definido no pregão e o valor pago a título de indenização pelas 133 ambulâncias que entregou, além da compra das 95 unidades referentes ao lote 4. A juíza Maria Isabel Gallotti Rodrigues, do TRF, concedeu parcialmente a liminar pedida, entendendo que o não-recebimento das 95 últimas ambulâncias realmente causou prejuízo à empresa. Determinou que o ministério proceda à vistoria nas 95 últimas restantes e, estando em conformidade com as exigências contidas no edital, receba-as e pague por elas. Deve a União indenizar também a empresa em relação à diferença de preços entre o que pagou efetivamente pelas 133 entregues e o valor fixado no edital, sob pena de tornar-se inadimplente com relação ao valor da indenização e dar direito à Brasília Motors de cobrar judicialmente seu crédito. Daí o pedido de suspensão de segurança da União, que alega não poder receber as 95 ambulâncias restantes em virtude da anulação do leilão, nem pagar a respectiva indenização, orçada em torno de R$ 10,4 milhões. Entende que esse valor possui potencial suficiente para causar grande prejuízo econômico à Fazenda Pública e comprometer a saúde da população brasileira. Alega que a anulação do pregão decorreu da constatação da ocorrência de graves irregularidades administrativas, como a falta de pesquisa de mercado, preço final superior à única cotação de mercado realizada, além da ausência de motivação para a estipulação de cada lote de veículos. Ao negar o pedido da União e conseqüentemente manter a liminar que favorece a empresa, o presidente Edson Vidigal considerou que a suspensão de segurança não possui natureza jurídica de recurso. Por isso, as matérias relativas à validade ou não do pregão realizado devem ser examinadas normalmente durante o desenvolvimento regular dos trâmites processuais, no decorrer da ação principal. O ministro Edson Vidigal entendeu que não ocorre, no caso, a alegada lesão à Fazenda Pública, de vez que todos os veículos do lote 4 já haviam sido empenhados, ou seja, já havia previsão de crédito para sua compra. Não existe, então, necessidade de desvio de verbas da saúde pública para o pagamento da indenização referente às ambulâncias. Além disso, afirmou o presidente Edson Vidigal, a licitação tinha por objetivo a compra de 1.480 ambulâncias para a implantação do Projeto Samu. Logo, as 95 ambulâncias poderão ser perfeitamente aproveitadas na execução desse projeto. Dessa forma, entendendo não haver potencialidade na liminar atacada para causar grave desequilíbrio nas contas públicas ou provocar dano substancial à saúde da população, indeferiu o pedido, mantendo integralmente a decisão do TRF-1.