Lichetballe e a máquina perfeita 15

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O que restava ao soldado Klaus Hemmer, destruído pela guerra, a não ser remoer ordens, batalhas e memórias da infância? Neste minirromance dinâmico e contundente, o autor relata a Segunda Guerra pela óptica de um soldado alemão, em uma verdadeira fotografia da Renânia-Palatinado do final da década de 30.

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São Paulo - 2016

H.MODROX

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Copyright © 2016 by Editora Baraúna SE Ltda.

Projeto Gráfico Felippe Scagion

Revisão Priscila Loiola

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

________________________________________________________________M698L

Modrox, H. Lichtbälle e a máquina perfeita / H. Modrox. - 1. ed. - São Paulo: Baraúna, 2016.

ISBN 978-85-437-0629-0

1. Romance brasileiro. I. Título.

16-32461 CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3

________________________________________________________________19/04/2016 22/04/2016

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

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PREFÁCIO

Tempos atrás, quando eu era funcionário público de uma escola de segundo grau, nos visitava mensalmen-te um grupo de pessoas de uma ONG (Organização Não Governamental), que tinha como missão difundir litera-tura entre os adolescentes da escola, fazer roda com lei-tura de prosas e poesias. Era um instrumental que volun-tários usavam para popularizar a literatura e ao mesmo tempo transformar o ambiente escolar. Eu percebia que os agentes de difusão literária eram pessoas tranquilas e empáticas que, além do conteúdo literário, podiam trans-mitir naturalmente para os alunos esse estado de espírito.

Acredito que Carlos – conhecido como Gaúcho na unidade de saúde onde trabalha – no seu dia a dia de serviço na Vigilância Ambiental sempre procurou trans-mitir subliminar ou diretamente o sentimento literário,

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agora materializado em forma de livro. Carlos exerce um trabalho que exige muita observação do ambiente urba-no; naturalmente ele faz pesquisa por conta para conhe-cer fatores agravantes do meio ambiente, o que o leva a produzir dados sobre os riscos que podem ocasionar doenças e agravos em um ambiente poluído e em trans-formação. São observações e anotações que ele faz e leva para a dimensão literária. O que antes estava restrito ao ambiente urbano passa para um sentido mais amplo, ao entremearem-se vários aspectos socioculturais.

A pesquisa faz parte de sua rotina. Eu imagino o tempo de pesquisa que ele dedicou para elaborar o texto deste livro. São muitas palavras de outros idiomas que, além de se tornarem coadjuvantes, parecem ganhar vida própria neste livro, eis que incitam a curiosidade.

O que também chama a atenção no livro é a espe-cialização do texto, fazendo com que as estrofes tenham uma dinâmica, proporcionando um diálogo intertextos, um diálogo de formas. Tudo isso para mostrar um conte-údo textualizado no livro em forma de capítulos curtos, de variados contextos e situações, no qual pessoas se en-tendem e se confrontam dentro de ideologias e realidades (ficcionadas?) de final imprevisível.

Aqui se lê uma história com prosa e poesia, de pesso-as (e ensinamentos) para pessoas, unindo magistralmente memórias bucólicas e lúdicas à frieza do contexto bélico.

CLEBER BARTOLOMEU GOMES

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ICAPÍTULO

O TEMPO

O ano: 1965. O mês: não importava. Os nomes dos meses e dos dias há muito haviam perdido o significado.

Ao ler no jornal que o velho e aristocrático pri-meiro-ministro inglês estava nas últimas, a vida pareceu remexer-se dentro dele, e pensou: “Que bom! Que bom que o tempo vem e não poupa nada nem ninguém...”.

— Maldito! Maldito ladrão de mundos! Ladrão da vida!... — praguejou, com o punho cerrado.

Depois sorriu, gargalhou até, entortando a boca e arregalando seu olho esbranquiçado.

Ele, Klaus Hemmer, estava, enfim, vingado. E saiu trôpego, manquejando apressado pela rua principal, para comprar uma dúzia de foguetes coloridos, com as últimas economias que lhe restavam. Espocá-los-ia com

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as duas mãos, não lhe restasse somente um cotoco de braço direito, desintegrado que fora por obra e desgraça do amaldiçoado inimigo.

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IICAPÍTULO

ENTRE A CRUZ E A ESPADA

Quando Jürgen nasceu ele era... um bebê.Há muito, muito tempo eu lera isso num gibi; e

agora lá estava eu, ele e eu naquele quarto, herdeiros do mesmo espaço, parteiro da própria sina. Primeiro saiu a cabeça. E era grande, céus, como era grande! Sabe-se lá quantos universos não caberiam ali dentro... E produzia sons, sons de choro.

Urgh! Aquele cordão umbilical melado assustou-me um pouco. Quase que jogo tudo longe e saio correndo dali, levando tudo por diante. Mas eis que, súbita e feliz-mente, o repugnante cordão caiu por terra, ante a ríspida intervenção de uma tremeluzente tesoura – tchak!

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Hum! As costelas, cara, podia-se cantar uma por uma, lisas de contra a pele, a formar como um receptáculo para aquelas vísceras pulsantes. A bundinha... não era lá grande coisa. Era... parecia chupada para dentro... ssshhuf! (Tive a ingrata impressão de ter visto ali uma cruz...)

Não achando conteúdo para dar-lhe uma boa pal-mada, resolvi dar apenas um leve toque com as costas da mão direita.

As pernas — Ah! Ah! Ah! —, as perninhas finas e arqueadas pareciam uns cambitinhos recurvos.

Será que estava ali, bem ali de ponta cabeça, um gê-nio das quatro linhas?

E coloquei-o lá, sobre a mesa posta, completamente só com o mundo, qual um boneco envolto em trapos, trapos da cor do ocaso nas tardes em que o sol se veste para brincar na tempestade.

Ah, os pés! Os pés eram grandes, quase despropor-cionais. Muito bons para andar na neve, pensei. Ora, tal-vez o proprietário desses viesse a ser um pé de valsa, ou quem sabe um... pé de pato?...

E o bebê Jürgen continuou lá, impávido, com aque-le baita olhão azul esbugalhado, que me olhava inquiri-dor. Se eu me aproximava, ele chorava; se eu me afastava, recompunha-se. E lá ficamos, perdidos naquele lapso de tempo e naquele jogo de empurra: eu precisando dele para continuar a fingir; ele a precisar de mim para conti-nuar fugindo.

E Lucia trocou-se por ti!

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IIICAPÍTULO

DESTINO: PFALZ

Verão de 1938. O ar pesado daquele período entre guerras enchia o ocaso de anjos iridescentes, que se digla-diavam em tenebrosos fratricídios. Não havia tempo para nenhuma paralisia de análise. As engrenagens da locomo-tiva da guerra já funcionavam a todo vapor.

A quantidade e a diversidade das fábricas aliadas à pre-cisão dos produtos e à capacidade criativa dos cientistas fa-ziam da Alemanha uma potência invejável no final daquela década. Fabricadas em Völklingen, Dresden e no Vale do Ruhr as peças não demoraram a chegar na Renânia.

Umas vinham em trens de carga, misturadas às mer-cadorias que comumente chegavam e saíam das estações

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daqueles entroncamentos ferroviários, sempre lotados de pessoas de todos os tipos de afazeres, que transitavam apressadas, com seus carrinhos cheios de caixas e ma-las, ou que simplesmente esperavam, esperavam alguma coisa, observavam, conferiam as horas, ora sentadas, ora encostadas nas colunas da estação, com suas bolsas a ti-racolo. Outras vinham em barcos de pequeno porte, que faziam o trajeto Rhein – Mosel – Saar.

E a grande estrutura começava a ser montada.

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IVCAPÍTULO

KELLNER

Seu cabelo loiro e ralo formava um tapete, que re-partia-se na lateral da testa enrugada. Linhas estranhas sulcavam-lhe o redor da boca, parecendo becos por onde não dever-se ia andar; e aqueles olhos, acima, pareciam safiras numa taça de vinho, que o próprio tempo em sua indolência esquecera no... galinheiro.

Sua camisa, em tecido surrado, mostrava um xadrez em azul e branco e um triângulo avermelhado em des-taque, parecendo um... pescoço de peru. E andava “dez e dez”, jogando os braços para trás e para frente daquele peito de pomba. Caixa de ferramentas velhas!

Mas, ao seu modo, Kellner sempre fora muito competente no que se propunha a fazer. Ele bisbilho-

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tava tudo e a todos no Vale do Reno. E o fazia inteiro, perscrutando cada canto, cada acontecimento que jul-gasse ter importância. Nada de estranho escapava-lhe ao faro do jornalista. Não raro, viajava por dias, incansável em busca da notícia.

Atravessava matas e serrasmorros e canhadas...

E foi picado por cobraenquanto abria picada

tomava chuva, trovoadavento frio e cerração;

mas jamais abrira o bico,na sua pesca diária

da informação sonegada...

Apesar da estropiadoe de paleta no chão,

a barriga lá nas costase tremendo perna e mão,

raramente ele chegavasem ter ‘’coisas’’ na mochila.

Podia não ter cabeça,mas não era louco, não.

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VCAPÍTULO

PFÄLZERWALD

A floresta aprisionava o mundo. Serras multicores ao Oeste pareciam facas enferrujadas a rasgar o céu; e contrafortes pesados, que iam do verde ao cinzento, escu-reciam o Sul. E dava para ver que chovia mais lá...

À noite podia-se observar estranhos clarões em toda a sua extensão. Durante o dia, quem lá subisse, podia encontrar, entre as árvores recôncavas, pedaços de hélices e carcaças circulares de estranhas máquinas voadoras que, por certo, não conseguiram sê-lo.

O grito do gavião sempre parecia abrir nalgum lugar dentro de mim a porta das sensações imprecisas.

Atavismus... Wehmut.