LIBERTAÇÃO NAS TRILHAS DA JUSTIÇA: Estudo histórico e...

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO GENILDO PROVIN LIBERTAÇÃO NAS TRILHAS DA JUSTIÇA: Estudo histórico e hermenêutico de Isaías 42,1 -4. SÃO BERNARDO DO CAMPO 2008

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA

E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

GENILDO PROVIN

LIBERTAÇÃO NAS TRILHAS DA JUSTIÇA:

Estudo histórico e hermenêutico de Isaías 42,1-4.

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2008

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GENILDO PROVIN

LIBERTAÇÃO NAS TRILHAS DA JUSTIÇA:

Estudo histórico e hermenêutico de Isaías 42,1-4

Dissertação apresentada em cumprimento

às exigências do Programa de Pós-

Graduação em Ciências da Religião da

Faculdade de Filosofia e Ciências da

Religião da Universidade Metodista de São

Paulo, para obtenção do grau de Mestre.

Área de concentração: literatura e religião

no mundo bíblico.

Orientação: Prof. Dr. Milton Schwantes.

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2008

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DEDICATÓRIA

Dedico este meu trabalho aos meus professores e a Província Franciscana da Imaculada

Conceição do Brasil a qual faço parte, ao povo angolano quem me ensinou o caminho

da partilha e da solidariedade nos momentos difíceis da vida. Dizer obrigado seria

pouco, prefiro dizer: que serei eternamente grato. Pela compressão e dedicação. Eu amo

vocês!

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AGRADECIMENTOS

À Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil.

À Fraternidade São Francisco de Assis do Largo São Francisco.

Ao professor Milton Schwantes que além de um orientador de alta competência e

confiança, foi um grande amigo que me possibilitou realizar este trabalho.

Aos meus amigos e aos colegas de sala e o professor Renatus Potah.

Aos meus pais já falecidos, irmãos e irmãs.

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LIBERTAÇÃO NAS TRILHAS DA JUSTIÇA:

Estudo histórico e hermenêutico de Isaías 42,1-4.

GENILDO PROVIN

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO.

MESTRADO EM CIÊNCIA DA RELIGIÃO

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo propor um estudo do cântico do escravo de Javé

em Isaías 42,1-4. Javé apresenta uma nova liderança, com um novo jeito de pensar e de

agir para reconstruir um mundo novo baseado no direito e na solidariedade. É uma

tarefa desafiadora para mim e ao mesmo tempo uma alegria em poder compartilhar com

os meus amigos o conteúdo de um texto do Antigo Testamento. Afinal, o cântico do

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escravo de Javé é uma fonte inesgotável de sabedoria. Saciou o povo judaíta exilado a

de dois mil e quinhentos anos atrás e continua jorrando água viva até em nossos dias

matando a sede de todos aqueles e aquelas que lutam pela justiça.

Os versos escolhidos são frutos de uma experiência de vida concreta dos exilados

desacreditados por todos no cativeiro da Babilônia. No fundo é uma crítica aos falsos

deuses criados pelos poderosos para justificar um sistema de opressão.

A criatividade do profeta está em retomar os eventos históricos que marcaram a vida do

povo exilado e atualizá-los dentro de um novo contexto histórico. Isto demonstra sua

agilidade no conhecimento. Cada palavra é pensada dentro de um contexto maior

envolvendo a vida e a história. O profeta é um sábio poeta, que fala de Deus como

ninguém falou antes. Utiliza símbolos, imagens e metáforas que apontam para um

mundo novo que ainda não existe, onde reinará o direito, a justiça e a paz.

Essa mudança acontecerá a partir da missão que a liderança eleita desempenhará junto

do povo oprimido e injustiçado. O líder será como o fermento na massa para a nova

sociedade, baseada na igualdade e na partilha. O espírito de Javé estará agindo sobre ele

para que ele não desanime da missão e que ela possa alcançar o seu objetivo. Essa nova

liderança eleita por Javé agirá discretamente em silêncio entre os pobres e

enfraquecidos. A missão beneficiará primeiramente às nações. Aqueles e aquelas que

vivem em terras estrangeiras como migrantes. Depois contemplará de modo especial os

pobres que estão correndo risco de vida, “cana rachada” e “pavio vacilante” e por fim a

missão atingirá todos os povos da terra. Essa perspectiva traduz a vontade de Deus que

é a salvação de toda a humanidade.

PALAVRAS CHAVES:

Opressão, Liderança, Direito, Missão, Solidariedade, Igualdade, Liberdade e Partilha.

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LIBERTAÇÃO NAS TRILHAS DA JUSTIÇA:

Estudo histórico e hermenêutico de Isaías 42,1-4.

GENILDO PROVIN

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO.

RESUMEN

El presente tabajo tiene como objetivo proponer un estúdio del cântico del

esclavo de Yavé em Isaías 42, 1-4. Yavé presenta un nuevo liderazgo, com un nuevo

modo de pensar y de actuar para a construir un mundo nuevo basado en el derecho y en

la solidariedad. Es una tarea dasafiante para mi y, el mismo tiempo, una alegría de poder

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compartir com mis amigos el contenido de um texto de Antiguo Testamento. Al final, el

cántico del esclavo de Javé es una fuente inagotable de sabiduría. Sació el pueblo

judaico exilado hace dos mil e quinientos años atrás y continúa forjando água viva hasta

nestros dias, matando la sed de todos aquellos y aquellas que lucham por la justicia. Los

versos escogidos son fruto de una experiencia de vida concreta de los exilados

desacreditados por todos en el cautiveiro da Babilônia. En el fondo es una crítica a los

falsos deuses creados por los poderosos para justificar un sistema de opresión.

La creatividad del profeta está en retomar los eventos históricos que marcaron

lada del pueblo exilado y los actualiza dentro de un nuevo constexto histórico. Esto

demuestra su agilidad en el conocimento. Cada palavra es pensada dentro de un

contexto mayor, envolviendo la vida y la historia. El profeta es un sábio poeta, que

habla de Dios como nadie habló antes. Utiliza símbolos, imágenes y metáforas que

apuntam para un mundo que, todavia no existe, donde reinará el derecho, la justiça y la

paz.

Ese cambio sucederá a partir de la misión que ese líder desempeñará junto al

pueblo oprimido e injusticiado. El líder será como el fermento em la masa para la nueva

sociedad, baseadaa en la igualdad y en la fraternidad. El espírito de Javvé estará

actuando sobre él para que él no se desanime de la misión y que ella puede alcanzar su

objetivo. Ese nuevo líder elegido por Yavé actuará discretamente en silencio entre los

pobres y enflaquecidos. La misión beneficiará primeiramente a las naciones. Aquelles y

aquellas que viven em tierras extranjeras como migrantes. Después, contemplará de

modo especial los pobres que están corriendo riesgo de vida, “cana rajada” y “mecha

vacilante” y, por fin, la misión llegará a todos los pueblos de la tierra. Esa perspectiva

traduce la voluntad de Dios que é la salvación de toda la humanidad.

PALAVRAS CLAVE:

Misión, Lederazgo, Derecho, Solidariedad, Igualdad, Liberdad, Socialización,

Opressión.

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LIBERTAÇÃO NAS TRILHAS DA JUSTIÇA:

Estudo histórico e hermenêutico de Isaías 42,1-4.

GENILDO PROVIN

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO.

MESTRADO EM CIÊNCIA DA RELIGIÃO

ABSTRACT This research has as a purpose to suggest of study for the Servant Song of Yahweh in

Isaiah 42:1-4. Yahweh introduces a new leadership, with a new way of thinking and

acting in order to rebuild a new world established in the right and solidarity. Is it a

challenging work for me, and at the same time a joy to be able to share with my friends

Formatado: Justificado

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the of an Old Testament text. After all, the Yahweh’s servant song is an inexhaustible

source of wisdom. It satisfied the Jewish people at twenty-five hundred years ago and

keeps on until no flowing living water in order to satisfy everybody who fights for

justice.

The chosen verses are the result of a real life experience by everyone exiled in

Babylon’s slavery. In essence it is a criticism to the false gods created by the powerful

ones justify an oppressive system.

The creativeness of the prophet is to recover the historical events that stigmatized the

life of the exiled people and bring them up to date in a new historical context. That

shows his cleverness in wisdom. Every word is thought in a bigger context that includes

life and history. The prophet is a wise poet, who speaks of God as no one has ever

spoken. He uses symbols, images and metaphors that point out a coming world, where

will prevail the right, justice and peace.

This change will happen starting from the mission that this leadership will accomplish

With the oppressed and mistreated ones, The leader will be like the yeast that acts in the

cooking mixture to leaven a new society based upon equality and sharing. The spirit of

Yahweh will be acting upon him so se persist in the mission and may achieve his

purpose. This new leadership elect by Yahweh quietly will work among the poor and

the weak ones. The mission formerly will be fulfilled in behalf of the nations. Of those

who live wandering in foreign lands. The, in a special way will benefit the poor who

live at stake, “the bruised reed” and “smoldering wick”, and last the mission will fulfill

every people on earth. This view depicts the will of God that is the deliverance to all

mankind.

KAY WORDS:

Oppression, Leadership, Mission, Rights, Solidarity, Equality, Sharing, Liberty.

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Sumário

INTRODUÇÃO.

1.CONTEXTO HISTÓRICO EM QUE SURGIU O DÊUTERO-ISAÍAS.

1.1 O fim da Assíria.......................................................................... ....... .... 27

1.2 Ascensão da Babilônia....................................................................... .... 28

1.3 Judá e a luta pela independência............................................................ 28

1.4 Primeira deportação para a Babilônia...................................................... 30

1.5 Segunda deportação para Babilônia......................................................... 31

1.6 Situação dos exilados na Babilônia......................................................... 32

1.7 Organização social e política do império babilônico........................ ...... 34

1.8 Situação religiosa dos exilados na Babilônia......................................... . 36

1.9 O livro do Dêutero-Isaías......................................................................... 40

1.10 Estrutura do livro do Dêutero-Isaías...................................................... 42

2. ANÁLISE LITERÁRIA DE ISÁIAS 42,1-4.................................................... 44

2.1 Tradução e critica textual.......................................................................... 46

2.1.1 Tradução................................................................................................ 46

2.1.2 Crítica textual......................................................................................... 47

2.2 FORMA.............................................................................................. ....... 50

2.2.1 Delimitação em relação à unidade anterior...................................... ...... 51

2.2.2 Delimitação em relação à unidade posterior............................... ... . 51

2.2.3 Coesão interna........................................................................... .... .. 54

2.2.4 Subdivisões internas............................................................................. 56

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2.3 ESTILO.................................................................................................. 58

2. 3.1 Primeira estrofe (Is 42,1)................................................................ 58

2.3.2 Segunda estrofe Is 42,2-4ª................................................................ 60

2.3.3 Terceira estrofe Is 42,4b-4............................................................... 64

2.4 GÊNERO LITERÁRIO.............................................................................. 66

2.5 LUGAR...................................................................................................... 68

2.6 AUTORIA.................................................................................................... 71

2.7 CONTÚDO................................................................................................ 73

2.7.1 Apresentação do líder `eBeD e sua missão – Primeira estrofe, v.1....... 73

2.7.2 Novo modo de agir do`eBeD - Segunda estrofe, v.2-4ª........................ 93

2.7. 3. Perspectivas da missão - Terceira estrofe v.4b-4c............................. 107

3. PERSPECTIVAS HERMENÊUTICAS........................................................ 112

3.1 Javé habita entre os pobres........................................................... ....... 112

3.2 Direito para os gentios............................................................................ 119

3.3 Novo jeito de fazer sair o direito............................................................ 123

3.4 Todos os povos serão contemplados na missão do`eBeD.. .... ............... 127

3.5 Novo fermento na massa........................................................................... 138

CONCLUSÃO.................................................................................................... 132

BIBLIOGRAFIA.................................................................................................. 136

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INTRODUÇÃO

Quem lê a obra dêutero-isaiânica logo percebe que o autor é um poeta utópico,

que se encanta com os acontecimentos da história, tirando deles uma lição de vida. Sua

mensagem seduziu e continua seduzindo aqueles e aquelas que acreditam numa

sociedade solidária, alicerçada na igualdade, no direito e na paz.

Os fascinantes cânticos do `eBeD de Javé desafiaram e continuam desafiando os

pesquisadores de Antigo Testamento. Em homenagem ao este autor do Dêutero-Isaías,

considerado o maior profeta e o melhor poeta de Israel,[1] que lutou pela libertação dos

judaítas exilados na Babilônia, dedico a poesia “Vozes d’África” de Castro Alves. Foi

um modo que encontrei para mostrar que o sonho pela libertação continua vivo no

coração do povo de Deus.

“Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?!

Em que mundo, em qu’estrela tu t’esconde,

Embuçado nos céus?

Há dois mil anos que te mandei um grito,

Que embalde, desde então corre o infinito...

Onde estás, Senhor Deus?!...

Qual Prometeu tu me amarraste um dia

Do deserto na rubra penédia,

Infinito: galé!...

Por abutre - me deste o sol candente!

[1] Luis Alonso Schökel e José Luis Sicre Diaz, Profetas I, São Paulo, Paulinas, 1988, p.269 (679p.).

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E a terra de Suez - foi a corrente

Que me ligaste ao pé...

O cavalo estafado do Beduíno

Sob a vergasta tomba ressupino,

E morre no areal.

Minha garupa sangra, a dor poreja,

Quando o chicote de simoun dardeja

O teu braço eternal.

Minhas irmãs são belas, são ditosas...

Dorme a Ásia nas sombras voluptuosas

Dos haréns do Sultão.

Ou no dorso dos brancos elefantes

Embala-se coberta de brilhantes

Nas plagas do Indostão.

Por tenda - em os cimos do Himalaia...

Ganges amoroso beija a praia

Coberta de corais...

A brisa de Misora o céu inflama;

E ela dorme nos templos do Deus Brama,

Pagodes colossais...

A Europa é sempre a Europa, a gloriosa!...

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A mulher deslumbrante e caprichosa,

Rainha e cortesã.

Artista - corta o mármor de Carrara;

Poetisa - tange os hinos de Ferrara,

No glorioso afã!...

Sempre a láurea lhe cabe um letígio ...

Ora uma coroa, ora o barrete frígio

Enflora-lhe a cerviz.

Universo após ela - doido amante

Segue cativo o passo delirante

Da grande meretriz.

Mas eu, Senhor! ...Eu triste, abandonada,

Em das areias esgarrada,

Perdida marcho em vão!

Se choro ... bebe o pranto a areia ardente!

Talvez... p’ra que meu pranto, ó meu Deus clemente!

Não descubras o chão!...

E nem tenho uma sombra de floresta...

Para cobrir-me nem um templo resta

No solo abrasador...

Quando subo às pirâmides do Egito,

Embalde aos quatro cantos dos céus chorando grito:

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“Abriga-me, Senhor”!...

Como o profeta em cinzas fronte envolve,

Velo a cabeça no areal, a que volve

O siroco feroz...

Quando passo no Saara amortalhada...

Ai! Dizem: “Lá vai África embuçada

No seu branco albornoz...”

Nem vêem que o deserto é meu sudário,

Que o silêncio campeia solitário,

Por sobre o peito meu.

Lá no solo, onde o cardo apenas medra,

Boceja a Esfinge colossal da pedra

Fitando o morno céu.

De Tebas nas colunas derrocadas

As cegonhas espiam debruçadas

O horizonte sem fim...

Onde branqueia a caravana errante,

E o camelo monótono, arquejante,

Que desce de Efraim...

Não basta ainda de dor, ó Deus terrível?!...

É, pois, teu peito eterno, inexaurível

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De vingança e rancor?...

E o que é que eu fiz, meu Senhor? Que torvo crime

Eu cometi jamais, que assim me oprime

Teu gládio vingador?!

Foi depois do “dilúvio”... Um viandante,

Negro, sombrio, pálido, arquejante,

Descia do Arará...

E eu disse ao peregrino fulminado:

“Caim! .... serás meu esposo bem-amado...

- Serei tua Eloá...”

Desde este dia o vento da desgraça

Por meus cabelos, ululando, passa

O anátema cruel.

As tribos eram no areal nas vagas,

E o “Nômade” faminto corta as plagas

No rápido corcel.

Vi a ciência desertar do Egito

Vi meu povo seguir – Judeu maldito

Trilho da perdição.

Depois vi minha prole desgraçada,

Pelas garras d’Europa arrebatada,

Amestrado falcão!...

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Cristo! embalde morreste sobre o monte...

Teu sangue não lavou minha fronte

A mancha original.

Ainda hoje são, por fado adverso,

Meus filhos - alimária do universo,

Eu pasto universal...

Hoje em meu sangue a América se nutre:

- Condor, que transforma-se em abutre,

Ave da escuridão.

Ela juntou-se às mais...irmã traidora!

Qual de José os vis irmãos, outrora,

Vendem seu irmão!

Basta, Senhor! De teu potente braço

Role através dos astros e do espaço

Perdão p’ra os crimes meus!

Há dois mil anos ... eu soluço um grito...

Escuta meu brado lá no infinito ...

Meu Deus! Senhor, meu Deus!!!...[2]

[2] Castro Alves, Vozes d’África, São Paulo, 11 de junho de 1868.

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Castro Alves sonhou e lutou pelo fim da escravidão no Brasil. Teoricamente

aconteceu, mas na prática, o pobre principalmente, o negro, continua sendo explorado e

marginalizado. Para o profeta do Dêutero-Isaías, há um caminho a percorrer, um sonho

para concretizar e um povo para libertar. Na poesia dedicada à África, Castro Alves

clama a Deus perdão por tanto sofrimento. O Dêutero-Isaías em seus poemas expressa

sentimentos de amor e fé ao Deus Javé, o libertador. Numa linguagem poética, recheada

de imagens, símbolos e metáforas, o profeta entusiasmado mistura a história com a

poesia para dizer que Javé escolheu o pobre escravo, marginalizado, para desempenhar

a missão e fazer surgir um mundo mais humano, baseado no dir eito, na justiça e na

igualdade.

Depois de dez anos de experiência com os deslocados de guerra em terras angolanas,

onde vivi os horrores de uma guerra civil, que durou mais de três décadas, regressei

para o Brasil com um sonho de estudar a Bíblia, e depois, retornar para a Angola, dando

continuidade ao projeto de formação de lideranças. Mas o que tem a ver o povo

angolano e brasileiro com o povo do cativeiro, escravizado, de onde surgiu o Dêutero-

Isaías? Vamos ver como a vida acontece.

Depois de vinte anos de trabalhos na lavoura, despertou em mim o sonho de ser

franciscano. Abandonei a terra e outros bens que já eram meus e me lancei nesta

aventura. Foram de doze anos de caminhada, antes de ingressar definitivamente na

Ordem dos Frades Menores. Em 1994, embarquei para Angola com a missão de

trabalhar com os deslocados de guerra. Atravessei o Atlântico com um sonho na mala:

colaborar e caminhar com um povo dilacerado pela guerra, fruto da ganância e ambição

de líderes políticos.

Parti do Rio de Janeiro, com um atraso de um dia e meio, na noite de 22 de

setembro de 1994. O avião antigo e superlotado estava longe do hangar. Embarquei com

o coração batendo forte. O medo misturava-se com a escuridão e o barulho das turbinas.

Quando o avião entrou na pista e que as turbinas foram aceleradas, o barulho das

latarias era tanto, que parecia que o avião se desmontava por completo. Não havia mais

nada por fazer a não ser pedir pela proteção divina. Amanheceu o dia sobre o mar; o sol

despontou num horizonte bem distante, fazendo um rastro sobre as águas. Sem demora,

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avistamos a terra: era Angola, a cidade de Luanda. Que alívio, que alegria! Uma

paisagem estranha nas mediações do aeroporto, tanques de guerra, policiais e militares

armados por todos os lados. Eram sete horas da manhã. Desembarcamos e caminhamos

aproximadamente cem metros até o aeroporto. Quando entramos, não havia iluminação

nas salas de atendimento. Na escuridão e sem sinalização, misturavam-se os nativos

com os estrangeiros em total confusão. Depois de longa espera, as malas foram

liberadas.

No salão do aeroporto, um irmão de congregação estava à nossa espera.

Cansados, cheios de sono, mas não desanimados. Começamos o dia, viajando de carro

em direção ao Sul do país. Beirando o mar, seguimos para uma região desértica e

quente. Depois de um dia de viagem, paramos num lugar chamado Sumbe. Sem ter

onde ficar, procuramos abrigo numa casa. Para dormir, dividimos dois quartos em cinco

pessoas, mas os mosquitos e o calor nos perturbaram a noite toda.

No dia seguinte, retomamos o caminho para Kibala. Por volta do meio-dia nos

deparamos com uma ponte destruída. Sem condições de avançar de carro, o jeito foi

cruzarmos o rio com as malas nas costas, e esperar que alguém pudesse nos buscar. Ao

entardecer, um carro socorreu-nos. Finalmente, chegávamos à Kibala, o lugar indicado.

Depois do jantar, me informaram que o meu lugar não era aquele. Eu teria que regressar

pelo mesmo caminho até Luanda e depois seguir mais quinhentos quilômetros para o

norte para chegar à Malanje. Descansei um dia e retomei o caminho de volta. Chegando

em Luanda, esperei uma semana, para poder embarcar para Malanje.

Um caminho perigoso, minado, cheio de controles militares e guerrilheiros. Em

cada um deles tínhamos que parar e dar gorjetas para poder continuar. Havia cemitérios

de carcaças de caminhões e carros queimados, ao longo de toda a estrada. Foram dois

dias de viagem até chegar a Katepa, bairro periférico de Malanje.

Quando lá chegamos, encontramos uma cidade abandonada, um monte de

ruínas; uma desordem total. Externamente, a casa tinha boa aparência, mas por dentro

era um entulho só. Coisas espalhadas por todas os cantos. Os alimentos para não serem

roubados estavam escondidos sob tetos falsos. Não havia água; a luz era de vela ou

candeeiro a querosene. Para cozer os alimentos, não havia gás e a lenha era escassa. O

povo caminhava mais de dez quilômetros para buscar lenha em lugares de risco. Havia

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feridos, mutilados, órfãos e famintos por toda parte. Os que tinham condições

financeiras fugiram do país. A casa localizava-se na linha vermelha entre os

guerrilheiros e os militares. Facilitava o diálogo com ambas as partes, mas vivíamos

também no meio de fogo cruzado, o tempo todo. Os assaltos e ataques ao centro eram

constantes. A maioria dos acantonados pertenciam aos guerrilheiros que lutavam contra

o Governo.

A situação era complexa e a insegurança, total. Na luta pela sobrevivência, valia

a lei da selva. A exploração do povo pelos militares e guerrilheiros não tinha limites. A

instabilidade era tanta que em cada momento tínhamos que redimensionar as atividades:

da alimentação, educação, saúde e outros.

Contudo, duas questões me intrigavam: como organizar um povo marcado pelo

ódio, vingança, sofrimento, analfabetismo, sem destruir os valores culturais de cada

tribo, tendo como base a dimensão religiosa do cristianismo? Qual o caminho para

estabelecer uma interação entre a mensagem cristã e as expressões culturais de cada

tribo? As respostas iam além das minhas forças. Tratava-se de questões que

necessitavam ser dinamizadas a cada instante, dentro de uma nova situação, para

discernir os rumos, sem ferir ninguém.

Eu vi um povo morrendo de fome. Vi crianças oferecidas pelas mães, para não

vê-las morrer; vi jovens se suicidando por uma raiz de mandioca; vi gente saindo de

casa à noite, correndo risco de vida, em busca de alimentos; vi pais sendo assassinados

brutalmente pelos próprios filhos por causa de feitiçaria. Em Cangandala, onde havia

uma grande concentração de deslocados de guerra. Vi um povo que, por causa da fome,

não tinha mais forças para ficar em pé: ficavam deitados pelo chão sem camas,

reduzidos a pele e osso. Os jovens mutilavam-se a si mesmos para não ingressar no

serviço militar. Mulheres e jovens eram levadas pelos militares para satisfazer seus

prazeres e carregar armas e munições. Adolescentes eram tiradas à força de suas

famílias para servirem de prostitutas para os militares.

Como se tudo isto não bastasse, a guerra eliminou os líderes, tradicionais

representantes e defensores do povo. Vi líderes sendo mortos em praça pública por

terem defendido o seu povo. Com a morte dos líderes, dispersão e desorganização

tomaram conta do povo. As lideranças populares tinham a função de juízes,

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administradores, bibliotecas ambulantes entre as tribos. O desaparecimento delas

empobreceu a vida das aldeias. No lugar delas o estado colocou outras lideranças que

concordavam em explorar o povo para sustentar os militares. O desânimo e a violência

tomaram conta da vida do povo e ninguém mais se animava a trabalhar.

O desafio maior era a superar a fome. Não tinha como fugir dela. Por todos os lados

havia gente pedindo comida. Num chão totalmente minado, o povo não tinha como se

locomover. Cada passo fora do lugar era um risco de vida. Ver o dia amanhecer já era

uma vitória.

Outro desafio era como formar novas lideranças numa situação de guerra e

perseguição militar. Depois de um tempo, com a desminagem de algumas áreas,

organizamos trabalhos comunitários na agricultura, com a participação de voluntários,

centro de nutrição, alfabetização e saúde. Mas um povo sem liderança é um barco sem

direção: corre o risco o tempo todo, e dificilmente chega ao destino certo. O

individualismo tomou conta da situação. Cada um fazia o que bem entendia. Os

problemas aument avam; distavanciavam-se as soluções. Mães presenciavam seus filhos

e maridos lutando uns contra os outros, como inimigos.

Nos acantonamentos misturava-se o povo sem distinção. Havia doentes, mutilados,

crianças órfãs, velhos e mulheres. O que nos salvavam eram as mulheres; elas eram

muito corajosas; não se omitiam no trabalho e na luta pela vida. Os trabalhos

comunitários foram integrando o povo indistintamente. Com o apoio das ONGs e o

esforço de cada um a vida voltou a brilhar nos olhos das pessoas. Buscamos caminhar

na formação de lideranças, valorizando cada passo com as suas diferenças.

Acrescentávamos os valores éticos, morais e religiosos, que eram comuns a todos, na

esperança da reconciliação.

O bom nesta situação era a solidariedade dos pobres. Quem não sabia fazer uma

coisa, fazia outra. Quem não sabia cozinhar, buscava água ou lenha. Quem não sabia

construir, buscava o capim. Quem não podia caminhar, trançava esteiras para dormir.

As mulheres, todas sabiam trabalhar na roça, no pilão para triturar o milho, e cozinhar.

Os homens que tinham condições faziam tijolos; outros, construíam abrigos que

serviam para acolher crianças órfãs e velhos.

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A participação nos trabalhos comunitários criou um espírito de solidariedade e

confiança; abriu caminhos e possibilitou o surgimento de uma vida fraterna e solidária

entre as tribos. A alegria foi tomando conta da gente. Cada dia crescia o interesse e mais

gente se integrava para ajudar nos trabalhos.

No começo foi difícil, o individualismo e o ódio travavam o trabalho, pois,

ninguém queria ceder. Mas a força da união fez as barreiras deixaram de existir. As

mulheres, que antes eram rivais, uniram-se aos projetos e descobriram que eram capazes

de vencer. Elas, que sempre foram discriminadas e marginalizadas pela sociedade,

organizaram-se, em torno dos trabalhos do campo, alimentação, educação e saúde das

crianças.

Com o passar do tempo, foram surgindo novas lideranças, e com elas uma

reflexão da situação; despertava-se para a confiança e para a esperança. Foram, assim,

dez anos de caminhada e dedicação. Em 2002, com o fim da guerra, o cenário mudou.

Os deslocados começaram a regressar para suas terras. O sonho virou realidade e, com

ela, um novo desafio para as lideranças: recomeçar tudo. Esta experiência foi

determinante para que me motivasse a escolher o cântico do escravo sofredor de Javé de

Isaías 42,1-4 para este estudo.

Assim situados, vamos ingressar no trabalho propriamente dito que será

desenvolvido dentro do seguinte plano:

a) O primeiro capítulo apresentará o contexto de onde surgiu o Dêutero-Isaías.

Num breve rastreamento histórico, partindo dos assírios que se projetaram

internacionalmente como potência e depois a Babilônia que destruiu Jerusalém deportou

os judaítas ara o exílio. Neste mesmo capítulo, apresentará algumas informações sobre a

situação dos judaítas exilados na Babilônia. Concluímos o primeiro capítulo falando do

livro do Dêutero-Isaías, sua descoberta, a localização na Bíblia, sua importância e

estrutura.

b) O segundo capítulo apresentará a análise exegética do texto de Isaías 42,1-4.

De início faremos a tradução interlinear do texto hebraico; em seguida, a critica textual,

dentro da qual averiguaremos as possíveis alterações que o texto poderá ter sofrido no

percurso da transmissão. Depois, prosseguiremos com o estudo da forma literária, estilo

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e gênero. No final deste bloco, apresentaremos uma opinião sobre a autoria do livro e o

lugar de seu surgimento. Quase como última parte deste mesmo capítulo estudaremos o

conteúdo, utilizando o resultado da exegese. O texto foi organizado em estrofes, que

serão analisadas, frase por frase, com a ajuda de dicionários, gramáticas e concordâncias

bíblicas.

c) O terceiro capítulo apresentará as perspectivas hermenêuticas. Será feita uma

releitura dos resultados alcançados pela exegese do capítulo dois, olhando o contexto do

capítulo um e refundindo a mensagem do cântico do escravo no contexto atual.

Concluiremos com algumas considerações e a bibliografia.

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1. CONTEXTO HISTÓRICO DO SURGIMENT O DO DÊUTERO-ISAÍAS

A profecia do Dêutero-Isaías surgiu no final do exílio da Babilônia, por volta

dos anos 553-539 a.C. Para melhor entendermos o exílio da Babilônia, é preciso voltar

ao início do século 6º a.C.. Este período foi marcado por grandes reviravoltas na vida do

povo judaíta. A Babilônia assumiu a herança da Assíria, no domínio do Antigo Oriente

Próximo e colocou em segundo plano todas as outras potências orientais, maiores e

menores. A cidade da Babilônia tornou-se um símbolo de poder, constr uída com

enorme luxo e esplendor, considerada a capital do mundo, centro de irradiação para os

países do Oriente Próximo. [3]

O exílio na Babilônia começou a ser preparado pelos assírios por volta do século

8º a.C. O desfecho final aconteceu no início do século 6º, com a deportação dos judaítas

e a destruição de Jerusalém. Nos meados do século 8º a.C., a Assíria se projetou

internacionalmente como uma potência militar. Seu objetivo era dominar a partir da

força militar. A partir de então já não interessava mais aos assírios a conquista dos

territórios, mas a incorporação definitiva ao estado assírio. O império comandava um

grande exército permanente, temidos por todos pela extrema rapidez e eficácia que

combatia com carros de guerra e cavalaria. As tropas assírias foram durante séculos o

pavor dos povos do Oriente Antigo. [4]

Os países subjugados pelas forças assírias tornavam-se vassalos, perdiam a

liberdade política e eram obrigados a pagar tributos regularmente. Qualquer ameaça de

revolta contra a Assíria er a rechaçada com retaliações. Judá conseguiu sobreviver por

um século e meio à opressão da Assíria. A Babilônia mantinha um relacionamento de

amizade com a Assíria, por ser ela um elemento de insegurança; isto impedia a sua

incorporação no sistema provincial assírio. A Babilônia não pode ser medida com os

mesmos critérios das outras regiões fora da Assíria. Os assírios reconheciam a realeza

[3] Herbert Donner, História de Israel e dos povos vizinhos, Petrópolis, Vozes/Sinodal, vol.2, 2000, p.410 (535p.). [4] Herbert Donner, História de Israel e dos povos vizinhos, p.338-339.

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da Babilônia e ela conservou um status especial. Os motivos certos para isso são

desconhecidos. [5]

Em 732 a.C., o exército assírio sob o comando de Teglate-Falasar ocupou as

cidades portuárias do Mediterrâneo e conquistou Damasco. Em 722, anexou Samaria.

Com isso, reino do norte, Israel deixou de existir. Em 701, a Assíria destroçou Judá e

quase conquistou Jerusalém. Depois de ter colocado a Palestina sob o seu controle,

rumou para o Egito. Conquistou-o nos primeiros decênios do 7º século. Com isso, os

assírios tornaram-se senhores do mundo até então conhecido. O império atingiu seu

auge de dominação internacional na primeira metade do 7º século.[6]

1.1 O fim da Assíria

O império assírio em seu apogeu trazia dentro de si o germe de sua falência. A

conquista do Egito foi comparada como a euforia de sua morte.[7] Por mais temidos que

fossem seus exércitos, não conseguiram evitar seu desmoronamento do império.

Revoltas e lutas estouravam por todas as partes. O golpe decisivo veio do Egito. Sob o

comando de Neco II, ele foi o primeiro a reagir. Em 616, reconquistou sua

independência, expulsando os assírios das terras férteis junto ao rio Nilo. Além de

expulsar os invasores, vai ao seu encalço até o rio Eufrates. Os egípcios não aceitam a

hegemonia assíria na Palestina. A presença egípcia na Palestina na metade do 7º e 6º

século é fundamental para compreender a deportação de Judá para a Babilônia.[8]

Os egípcios e os babilônios contestaram a dominação assíria. Os babilônios

ocuparam as regiões ao sul da Mesopotâmia, áreas férteis entre os rios Eufrates e Tigris.

Aos poucos, o Egito e a Babilônia juntos foram corroendo a dominação assíria em duas

[5] Herbert Donner, História de Israel e dos povos vizinhos, p.340-341. [6] Miton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio – História e teologia do povo de Deus no século 6º a.C., São Paulo, Paulinas/Sinodal, 1987, p.20. [7] Herbert Donner, História de Israel e dos povos vizinhos, p.346. [8] Milton Schwantes. Sofrimento e esperança no exílio – História e teologia do povo de Deus no século 6º a.C. , p.20.

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frentes. A Assíria sucumbiu a esta dupla contestação. Nínive foi à última resistência dos

assírios. Foi feita em ruínas em 612.[9] Assim o império assírio chegou ao fim.

1.2 Ascensão da Babilônia

Na segunda metade do 7º século, quando o império assírio entrou em

decadência, começou a despontar no horizonte internacional a Babilônia. O rei

Nabopolasar alicerçou e definiu os rumos da política interna e externa da Babilônia. Foi

um grande construtor e restaurador de templos para os deuses Shamash e Marduk. Seu

filho Nabucodonosor herdou o trono de seu pai. Sob ele o Oriente Antigo fez-se

babilônico e a cidade da Babilônia tornou-se o centro do mundo conhecido de então.[10]

Na derrocada do império assírio, os egípcios e os babilônios foram aliados. Mas,

quando se tratou de definir quem assumiria o comando político internacional, os dois

entraram como candidatos para a sucessão. Os dois queriam o controle dos territórios

que anteriormente pertenciam à Assíria. A Palestina que estava situada entre as duas

potências, entrou na lista da disputa. Nesta disputa, a Babilônia se impôs, mas nunca

conseguiu conquistar o Egito. Este se manteve como autônomo, uma ameaça constante

para a Babilônia.[11]

1.3 Judá e a luta pela independência

Desde a primeira metade do 7º século, Judá viveu sob o regime dos Manassés

(2Reis 21,1-18). Foi mais de meio século de opressão, época do auge da dominação

assíria. O regime de Manassés reflete a opressão internacional. “Derramou muitíssimo

sangue inocente, a ponto de encher Jerusalém de um extremo a outro” (2Reis 21,16).

Com a intervenção do “povo da terra” (2Reis 21,24), põe-se um fim no regime

de Manassés. Entroniza-se Josias por volta de 640, um menino de oito anos de idade,

[9] Milton Schwantes. Sofrimento e esperança no exílio – História e teologia do povo de Deus no século 6º a.C. , p.20. [10] Herbert Donner, História de Israel e dos povos vizinhos, p.414. [11] Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio - História do povo de Deus no século 6 a.C., p.20.

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como rei de Judá (1Samuel 16; Isaías 9,2-7; 11,1-9). Com Josias no poder, Judá passou

por uma reforma. O objetivo da reforma era um expurgo radical dos cultos (2Reis 23,4-

5; 11-12). Os sacerdotes populares de Judá foram destituídos (2Reis 23,5). Tudo foi

centralizado no templo: somente no altar do templo era permitido oferecer sacrifícios;

os santuários da Samaria e, principalmente os de Betel, foram profanados e desativados

(2Reis 23,15-20); os sacerdotes rurais foram convidados a trabalhar no templo de

Jerusalém (2Reis 23,8). A reforma foi possível, graças a um livro encontrado no templo.

Tudo indica pelas medidas tomadas por Josias que o livro encontrado seja o

Deuteronômio. [12]

Com o fim da Assíria, o Egito ainda não tinha despontado no horizonte como o

sucessor. Criou-se um vazio. Josias aproveitou para anexar os territórios de Israel que a

Assíria havia desmembrado de Judá, mas este sonho foi interrompido em 609, quando

Josias tentou impedir o avanço dos egípcios numa batalha em Meguido e foi morto. O

“povo da terra” voltou a intervir, levando Jeoacaz ao trono de Judá (2Reis 23,29-30),

mas os egípcios não confiaram em Jeoacaz preferiram Eliaquim a Jeoacaz, porque este

seguia a política de seu pai Josias. Jeoacaz foi preso e deposto pelo Faraó Neco II.

Eliaquim foi constituído rei, para evidenciar sua submissão, foi “rebatizado” e

recebeu o nome de Joaquim. Este assumiu a tarefa de pagar aos egípcios um tributo de

cem talentos de prata e ouro (2Reis 23,33-34). Joaquim cobrou a quantia do “povo da

terra” (2Reis 23,35).

Entre 609 e 605, Neco do Egito e Nabucodonosor da Babilônia confrontam-se

entre Harã junto ao rio Eufrates, perto de Carquemis. Na disputa entre Egito e

Babilônia, quem levou a pior foi Judá, por causa da posição estratégica que ocupava seu

território. Judá foi triturada pelas duas potências. Tanto para os egípcios como para os

babilônios, era importante ter Judá como aliada. O território de Judá localizava-se

depois de centenas de quilômetros de deserto, ao sair do Egito. Portanto, era decisivo

para o abastecimento das tropas militares.[13]

Joaquim reinou durante onze anos, dos quais oito como vassalo dos egípcios e

três dos babilônios (2Reis 24,1). Ele tinha subido ao trono em 608, graças ao Faraó [12] John Bright, História de Israel, São Paulo, Paulinas, 2ª edição, 1981, p.430 (688p.). [13] Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio - História do povo de Deus no século 6 a.C., p.22.

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Neco II, mas como os egípcios não conseguiram conter o avanço dos babilônios,

Joaquim não teve escolha, para sobreviver e se manter no poder, teve que obedecer às

ordens dos babilônios. Mas, assim que os babilônios se retiraram de Judá, o rei

Joaquim, possivelmente pressionado “pelo povo da terra”[14], optou pela autonomia

nacional. Foi o começo do fim de Judá.

1.4 A primeira deportação para Babilônia

Entre 602-600, os babilônios avançaram contra o Egito, mas fracassaram na

invasão. Com a derrota de Nabucodonosor II diante do Egito, ficou marcado um

momento de fraqueza dos babilônios. E Joaquim aproveitou a ocasião: decidiu romper

as relações com os babilônios, recusando-se a pagar os tributos e voltou-se para os

egípcios. De princípio nada aconteceu. O castigo veio mais tarde (2Reis 24,4; Jeremias

22,13-19).

Alguns anos depois, por volta de 598, as tropas babilônicas já estavam em

marcha contra Judá, quando o rei Joaquim morreu. Seu filho Joaquin (Jeconias) assumiu

o trono e deu continuidade à política antibabilônica de seu pai, mas não teve a mesma

sorte que seu pai (2Reis 24,8). Três meses depois, entre 598 e 597, Joaquin teve que

abrir as portas da cidade, evitando um desastre maior (2Reis 24,10-17). A cidade foi

invadida, o templo saqueado e o rei Joaquin levado para o exílio, juntamente com os

membros da classe alta, da nobreza, dos políticos, das lideranças, dos sacerdotes,

artesãos, oficiais e da aristocracia militar (inclusive sua mãe e as mulheres de seu harém

foram levadas para a Babilônia: 2Reis 24,14). Entre os exilados encontrava-se o profeta

Ezequiel (Ez 1,1-3). Ao todo foram deportadas umas 10 mil pessoas, principalmente

militares (2Reis 24,16).[15]

Os deportados partiram para Babilônia, sem verem a destruição do templo e da

cidade de Jerusalém. Lá foram assentados em pequenas colônias, podendo manter seus

[14] Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio - História [14] Herbert Donner, História de Israel e dos povos vizinhos, p.425do povo de Deus no século 6º a.C, p.26-27. [15] Herbert Donner, História de Israel e dos povos vizinhos, p.425.

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costumes, bem como a esperança de um breve regresso (Jeremias 29). O rei Joaquin foi

levado para a capital Babilônia com sua corte e gozou status de prisioneiro de estado.[16]

1.5 Segunda deportação para a Babilônia

No lugar de Joaquin, os babilônios colocaram Matanias no governo de Judá.

“Rebatizaram-no” e trocaram seu nome para Sedecias (2Reis 24,17). Sem grandes

prestígios, Sedecias governou Judá por dez anos na condição de vassalo. Com a

deportação da elite, o estado de Judá faliu. Sedecias teve que providenciar pessoas para

formar o seu governo. Nele juntaram-se elementos duvidosos e assumiram cargos de

responsabilidade. Possivelmente, Sedecias foi influenciado pelos membros oficiais da

corte e pelo Egito. Em 589, decidiu romper as relações com a Babilônia. O profeta

Jeremias alerta o rei do perigo de ir contra a Babilônia, isso colocaria em risco a vida do

povo. O empreendimento do rei seria um suicídio, ele iria em direção a seu próprio

naufrágio (Jeremias 27,16-17; 28,14; 37-38).[17]

Em 589 ou 588, o exército babilônico reaparece na Palestina sob o comando do

rei Nabucodonosor, decidido a acabar com as anarquias de Judá. Desta vez houve

resistência até o fim. Depois de um ano e meio de cerco, os babilônios invadem a cidade

(2Rs 25,4). O rei tentou fugir, com alguns de seus soldados; mas rei e soldados foram

capturados pelos babilônicos em Jericó, junto ao Vale do Jordão. Conduzidos a Ribla,

onde Nabucodonosor se encontrava, Sedecias teve que assistir à execução de seus filhos

e dos membros do seu governo. Depois furaram-lhe os olhos e, acorrentado, o levaram

para a Babilônia (2Reis 25, 5-7).[18]

A primeira deportação de 578, visou à desmilitarização e a segunda à

desurbanização de Judá. Entre os deportados da primeira, a grande maioria era de

militares. A segunda deportação foi mais desastrosa. Com a invasão, muitos morreram

no combate, outros tantos foram tragados pela fome e peste, e não poucos, degolados

[16] Herbert Donner, História de Israel e dos povos vizinhos, p.425-426. [17] Herbert Donner, História de Israel e dos povos vizinhos, p.427-429. [18] Herbert Donner, História de Israel e dos povos vizinhos, p.430.

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pelos vencedores. Sobrou um resto da população (2Reis 25,11). [19] Por ordem do rei

babilônico, o templo, o palácio e as casas foram saqueados e queimados, e a cidade

destruída (2Reis 25,9; Jeremias 52,12-14). Jerusalém virou um monte de ruínas. O resto

do povo que sobreviveu à fome e à chacina foi levado para a Babilônia. Com o rei

foram exilados os funcionários da corte, do templo, alguns trabalhadores civis, cantores,

pequenos comerciantes, agricultores e vinhateiros (2Reis 25,11-12).[20] Esse grupo sofre

mais, pois foi tratados como escravo e despojo de guerra. [21]

Os babilônicos nomearam Godolias para governar Judá (2Reis 22,12.14;

Jeremias 26,24). As deportações atingiram as cidades. Restaram os pobres camponeses

e alguns cidadãos que se esconderam nas cavernas (2Reis 25,12; Jeremias 52,16). O

profeta Jeremias e o governador Godolias se uniram numa tentativa de salvar o povo

(Jeremias 40,6). Em Masfa, fizeram uma grande colheita (Jeremias 40,12). Em 582 um

grupo que pretendia restabelecer a monarquia assassinou Godolias e com isso muitos

deixaram a pátria e fugiram para o Egito (2Reis 25,22-26). Lavaram consigo o profeta

Jeremias (Jeremias 42-44; 2Reis 25,26).

A deportação era uma das formas de humilhação mais vergonhosa que um povo

poderia sofrer. Os profetas já haviam anunciado que o castigo de Judá seria o exílio.

Assim aconteceu com Israel, o reino do Norte em 722. Os judaítas que foram exilados

na primeira deportação, em 597, representavam a elite de Judá. Tiveram o privilégio de

serem os escolhidos para a deportação.[22]

1.6 Situação dos exilados na Babilônia

[19] Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio - História do povo de Deus no século 6º a.C, p.23. [20] Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio - História do povo de Deus no século 6º a.C, p.23. [21] Maria Antonia Marques e Shigeyuki Nakanose, Sonhar de novo – Segundo e terceiro Isaías 40-66, São Paulo, Paulus, p.31 (181p.). [22] John Bright, História de Israel, p.466.

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Baseados nas informações bíblicas e nos conhecimentos gerais sobre as

condições de vida dos judaítas exilados na Babilônia, podemos dizer que a maioria dos

deportados era gente da cidade de Jerusalém (2Reis 24-25).[23]

Os exilados foram escolhidos para a deportação.[24] O número deles não era

grande (Jeremias 52,28-30); em torno de 4.600 pessoas. Há quem diga que foram

contados somente os homens e adultos, mas o número não deveria passar de umas 15

mil pessoas. [25] Os deportados representavam a nata política, eclesiástica, militar e

intelectual de Judá. [26] Na Babilônia nem todos foram assentados à força em colônias.

Outros, como o rei Joaquim e a sua corte, foram levados para a Babilônia capital (2Reis

24,15). Ali gozaram de status de prisioneiros de guerra e eram sustentados pelo

Estado.[27] Tempo depois, o rei Joaquim foi libertado e passou a comer na mesa do rei

por toda a vida (2Reis 25,27-30). Outros foram assentados nas colônias agrícolas junto

ao rio Quebar, Tel Aviv (Ezequiel 1,3; 3,15), Tel-Mela, Tel-Harsa, Querub, Adon e

Emer (Esdras 2,59). Possivelmente, as colônias pertenciam ao Estado. Como

camponeses, tinham liberdade para construir, plantar, colher e estabelecer família e até

para o comércio, mas sob a vigilância do Estado: tinham que pagar tributo aos donos da

terra. Eram dependentes do estado.[28] É muito bom ver os aconselhamentos do profeta

Jeremias (29), as informações do profeta Ezequiel (8,1; 14,1; 20,1) e de Isaías (40-55)

sobre os exilados na Babilônia.

Os exilados da segunda deportação de 587 receberam um tratamento

diferenciado. Não tiveram a mesma sorte que os da primeira deportação de 597. Devido

ao longo cerco, muitos morreram de fome, outros morreram à espada. Os que tentaram

fugir com o rei foram capturados e degolados. O rei, depois de assistir à morte dos seus

filhos e dos membros da corte, teve os olhos furados. O povo, antes da deportação,

[23] Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio - História do povo de Deus no século 6º a.C., p.23. [24] John Bright , História de Israel, p.466. [25] Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio - História do povo de Deus no século 6º a.C., p 74. [26] John Bright , História de Israel, p.466. [27] Herbert Donner, História de Israel e dos povos vizinhos, p.425. [28] Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio - História do povo de Deus no século 6º a.C., p.23-25.

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assistiu à destruição da cidade de Jerusalém e do templo (2Reis 25,11). Os judaítas da

segunda deportação foram tratados como despojo de guerra[29].

Assentados à força, juntamente com os da primeira deportação, levavam uma

vida quase normal. Eram uma espécie de trabalhadores forçados, vigiados e obrigados a

trabalhar para se sustentar e pagar tributos. Formavam o grupo dos exilados (Ezequiel

1,1; 3,1.15).[30]

Para alguns, a Babilônia deu oportunidades que eles nunca tiveram na Palestina.

Houve judaítas que entraram no comércio e se enriqueceram[31]. Alguns deles chegaram

a um bem-estar considerável (Esdras 1,6a; 2,68-30). Até o comércio de escravos lhes

era permitido (Esdras 2,65). Eram livres, mas sujeitos à tributação e aos serviços do

estado nas obras públicas: construções de palácios, estradas, canais, barragens, templos,

silos e na agricultura.[32]

Para melhor entendermos a situação dos exilados judaítas, teríamos que visitar a

Babilônia nos anos de 620-540, e nos perguntar: como era a organização política,

econômica, social e religiosa do império babilônico. A resposta desta questão poderá

nos dar informações para formarmos um quadro mais adequado sobre a vida dos

judaítas exilados na Babilônia. Limitemo-nos a enumerar alguns aspectos

aproximativos, baseados nas informações bíblicas e nos conhecimentos gerais.

1 7 Organização social e política do império babilônico

A organização política e social do império babilônico, entre os anos de 620-540,

baseava-se em duas colunas mestras: Estado e templos. Todo o poder se concentrava

nas mãos destas instituições. Coisa mínima e de pouca importância estava nas mãos de

particulares, economicamente bem sucedidos, e de algumas aldeias mais influentes.

[29] Maria Antonia Marques e Shigeyuki Nakanose, Sonhar de novo – Segundo e terceiro Isaías 40-66, p.31. [30] Herbert Donner, História de Israel e dos povos vizinhos, p.435. [31] John Bright, História de Israel, p.467. [32] Júlio Paulo Tavares Zabatiero, “Servos do império – Uma análise da servidão no Dêutero-Isaías”, em Estudos bíblicos, Petrópolis, Vozes, n.18, 1988, p.37.

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35

Os templos eram os maiores proprietários das terras. Controlavam o comércio e

as indústrias de artesanatos. O Estado controlava o poder político e econômico. Cobrava

tributo e exigia a mão-de-obra dos trabalhadores nas construções das obras públicas.

Quando o Estado começou a exigir o tributo dos templos, deve ter sido o estopim da

crise que mais tarde levou o império babilônico à falência. [33]

O Estado e os templos arrendavam as terras. Cobravam entre 7 a 8% de impostos

de toda a produção. Havia duas categorias de arrendatários. A primeira, dos pequenos

camponeses, que, embora endividados, trabalhavam nas terras arrendadas dos templos

ou do Estado. Estes trabalhadores recebiam roupas, comida e um salário simbólico. A

outra categoria era a de grandes agricultores latifundiários, oficiais do exército e donos

de terras que tinham escravos e contratavam trabalhadores livres (que não tinham terra

para trabalhar). Estes donos de fortunas eram privilegiados. Não pagavam tributos e

eram isentos dos trabalhos públicos. Eles também mantinham extensas relações

comerciais, inclusive com o exterior.[34]

A organização social babilônica dividia-se em três classes: os awilum, homens

livres que desfrutavam de todos os direitos e privilégios políticos e econômicos; os

mushkenum, homens livres, mas empregados, dependentes do estado e dos templos; e os

wadum, escravos (estes em menor número). Estes últimos nos interessam mais. A

origem deles era dupla: uns eram prisioneiros de guerra, transformados em escravos; e

os outros eram camponeses, que por causa das dívidas e dos empréstimos e do tributo

tornavam-se escravos. Vendiam-se a si mesmos para pagar as dívidas (2Reis 4,1).

Embora fossem comprados e vendidos pelos seus donos como mercadoria, desfrutavam

de direitos desconhecidos à escravidão posterior. Os prisioneiros de guerra eram livres

para trabalhar, mas dependentes do estado, que os vigiava e os manejava conforme as

suas conveniências e necessidades. Eram vendidos como mercadorias para

latifundiários, templos e cidadãos livres. [35] Os revoltosos eram confinados nas

prisões. [36]

[33] Júlio Paulo Tavares Zabatiero, “Servos do império” p.37. [34] Júlio Paulo Tavares Zabatiero, “Servos do império” p.38. [35] Júlio Paulo Tavares Zabatiero, “Servos do império” p.38. [36] Maria Antônia Marques e Shigeyuke Nakanose, Sonhar de novo – Segundo e terceiro Isaías 40-66, p.12.

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36

A nossa preocupação não será com os exilados que se deram bem

economicamente na Babilônia. Interessa-nos aqueles que, na condição de homens livres,

eram explorados e marginalizados pelo Estado. Eram livres, mas dependiam do Estado.

Os babilônios de classe baixa, como era a maioria dos exilados, representavam uma

considerável parcela econômica, mas politicamente eram desconsiderados.[37]

Dentro das colônias, os exilados eram livres. Viviam como senhores/escravos,

não podiam fazer o que bem entendiam como quando governavam Judá. Antes, em

Judá, faziam leis, controlavam a política, a religião e a economia do país. Cobravam

impostos dos trabalhadores e manipulavam a religião para justificar a exploração.

Agora, estão fazendo a experiência inversa: de senhores, passaram a ser súditos e a

trabalhar; ao invés de mandar, estão obedecendo; de opressores, passaram a ser

oprimidos; de exploradores, a explorados. Essa mudança para alguns foi humilhante

demais. Passaram ocupar o lugar social que antes ocupavam as suas vítimas. [38]

O Dêutero-Isaías designa os deportados de “escravos” (Isaías 42,1 e 44,2). É

num sentido amplo da palavra que os exilados são escravos. Por terem sido levados à

força para fora do seu país, submetidos a viverem em colônias, vivem como se fossem

presos. Neste sentido são escravos. Mas, não como os escravos dos tempos modernos,

que podem ser vendidos ou comprados como mercadorias. Eles tinham a liberdade de

trabalhar, mas tinham que entregar parte da produção para os babilônicos.[39]

1.8 Situação religiosa dos judeus exilados na Babilônia.

À luz dos poucos dados referentes à religião de Judá, pode-se dizer que os

deportados na Babilônia, no início, foram assentados em colônias. Viviam juntos,

possibilit ando o cultivo dos valores culturais e religiosos. A fé em Javé era a força que

os mantinha unidos, celebrada através do culto da palavra, da profecia e dos cânticos. O

rito do sábado e da circuncisão tornaram-se caracteres de identificação. Tinham

[37] Maria Antônia Marques e Shigeyuke Nakanose, Sonhar de novo – Segundo e terceiro Isaías 40-66, p.12. [38] Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio - História do povo de Deus no século 6º a.C, p.30. [39] Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio - História do povo de Deus no século 6º a.C, p.24-25.

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37

liberdade de trabalhar na agricultura para se sustentar, construir casa e trabalhar no

comércio, organizar a vida de oração com os seus líderes, como anteriormente, mas não

tinham mais o templo como o tiveram em Jerusalém.[40]

O profeta Ezequiel foi exilado na primeira deportação. Atuou entre os exilados

no início do exílio. No final, surgiu a profecia do Dêutero-Isaías. Os dois profetizaram a

partir da situação dos exilados na Babilônia, cada qual com sua característica. Os dois

têm algo semelhante: denunciam o sofrimento do povo exilado.[41]

Ezequiel era sacerdote oficial em Jerusalém, pertência à elite religiosa deportada

em 597 e assentado em Tel Abibe junto ao Canal de Quebar em Nippur. Foi em meio a

este contexto que em 592, profetizou (Ezequiel cap.1-3). Atuou como profeta do juízo

até 587/6, anunciando a queda de Jerusalém e Judá cap.1-24. Depois, profetizou contra

as sete cidades estrangeiras (Amon, Moab, Edom, Filistéia, Tiro, Sídon, Egito), capítulo

25-33 e, no final do livro, encontramos o anúncio de salvação, capítulo 33-39. Valeu-se

das grandes retrospectivas teológicas e históricas (13,16). Depois da segunda

deportação, 587/6, tornou-se o profeta da renovação e restauração. Considerava os

exilados como portadores da restauração (cap.34-37). Sua profecia é marcada por uma

linguagem simbólica e pessoal. Expressa a idéia fantasmagórica da ressurreição dos

ossos (37,1-14).[42] Além disso, Ezequiel anunciou o restabelecimento do reino davídico

e a união do Reino Norte com o reino do Sul (34,17-31; 37,15-28). De 40-48 apresenta

um verdadeiro programa de restauração para Israel. Ele atuou entre os exilados até mais

ou menos 570. Sua profecia foi formulada entre os exilados que, em meios a reuniões

litúrgicas, teriam pronunciado suas palavras, principalmente nas ocasiões das

celebrações do sábado e do rito da circuncisão. O importante é destacar que havia uma

vida comunitária entre os exilados, com reuniões, onde celebravam os momentos

festivos que marcaram a vida em torno do profeta. O texto de Ezequiel tem as

características de uma leitura elaborada em comunidade.

Para os judaítas, ser exilado era sinônimo de estar abandonado por seu Deus. Um

exilado é, pois, um indivíduo sem Deus. Isto pode ser visto com mais intensidade no [40] Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio - História do povo de Deus no século 6º a.C, p.30. [41] Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio - História do povo de Deus no século 6º a.C, p.74-108. [42] Erich Zenger, Introdução ao Antigo Testamento, São Paulo, Loyola, 2003, p.437-439 (557p.) (Bíblica Loyola 36).

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Salmo 137. A novidade que marcou a profecia de Ezequiel foi identificar Javé no exílio

com o seu povo (1,28; 3,12). Esta descoberta representou um consolo para os exilados:

eles não estavam mais sozinhos .[43]

Com o passar do tempo, a situação do exílio fez o povo entrar em crise de fé.

Naquela época, misturava-se religião com política e qualquer catástrofe se atribuía a

Deus. Quando Jerusalém foi destruída atribuíram à vitória do deus Marduk sobre Javé.

Muitos exilados deixaram de acreditar em Javé porque este foi derrotado por Marduk, o

deus dos babilônicos. Foi Marduk que venceu a guerra, logo ele é mais importante, mais

forte e poderoso que Javé. Na luta, Javé se mostrou impotente, incapaz de vencer

Marduk. Para os judaítas um Deus como Javé não tem futuro e acreditar nele era um

problema. A crise deve ter aumentado quando os judaítas entraram em contato com os

grandes centros culturais babilônicos. Viram as riquezas nunca sonhadas, poderes

ilimitados e templos magníficos de deuses pagãos por toda a parte. A tentação de

abandonar Javé e aderir aos deuses pagãos estava por toda a parte. [44]

Comparando as festas religiosas dos deuses babilônicos, com os cultos dos

judaítas a Javé, via-se que eram insignificantes. Muitos judaítas caíram na descrença.

Não queriam mais saber de Javé como seu Deus. Ele tinha sido derrotado pelos deuses

babilônicos. A situação era de desespero e sem perspectivas de futuro.

Entre a profecia de Ezequiel e o Dêutero-Isaías, decorreu um espaço de tempo e

com ele ocorreram algumas mudanças significativas no estilo de vida dos exilados

como: o enriquecimento de alguns, a morte de outros e os nascidos na Babilônia que

formavam a maioria na época da profecia do Dêutero-Isaías. Estes nem sequer

conheciam Jerusalém e pouco se interessavam por um Deus derrotado como era o caso

de Javé. Certamente poucos estavam interessados em regressar para Jerusalém para

recomeçar a vida a partir das ruínas.[45]

O problema dos ídolos era tão grave que o grupo do Dêutero-Isaías dedicou mais

de 50% da sua obra para tratar da questão. Nos capítulos 40-48, procura conscientizar os

[43] Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio - História do povo de Deus no século 6º a.C, p.77-92. [44] Maria Antônia Marques e Shigeyuke Nakanose, Sonhar de novo – Segundo e terceiro Isaías 40-66, p.34-35. [45] Júlio Paulo Tavares Zabatiero, “Servos do império”, p.39.

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exilados que Javé libertador não foi derrotado pelos babilônicos. O deus derrotado pelos

babilônicos foi o deus do poder, do sistema que protegia o estado, que abençoava o rei e

que guardava o templo e que explorava o povo. Javé permitiu aos babilônicos

destruírem Jerusalém por causa da ganância das autoridades. Na avaliação do grupo-

profético, o exílio foi um castigo, resultado da rebeldia dos governantes de Judá. Eles

desobedeceram à lei de Javé. O grupo lembra que Javé ama o seu povo com carinho: “a

quem carreguei desde que o seio materno, a quem levei desde o berço. Eu vos criei e eu

vos conduzirei, eu vos carregarei e vos salvarei” (46,3.4b-4c). Dentro deste clima de

amor há muitas e lindas imagens de Deus nos capítulos 40-55.

A mensagem do Dêutero-Isaías se dirige àquelas pessoas pobres exiladas,

cansadas e sem esperança (Isaías 40,29; 42,3), escravos livres, mas saqueados e

oprimidos (Isaías 42,7.22; 47,6; 50,6), mendigos e indigentes, necessitados de tudo,

inclusive de água (Isaías 41,17; 49,13; 55,1-2). É um grupo desprezado e marginalizado

socialmente (Isaías 53,3) e alguns ainda carregam o peso de que o exílio é castigo de

Deus (40,2; 42,24). [46] Outros ainda diziam: “Deus nos fez morar nas trevas”

(Lamentações 3,6).

A vida comunitária foi decisiva no exílio para o povo cultivar seus costumes, a

sua língua e religião. Mantiveram sua identidade de deportados de origem comum.

Continuaram a crer em Javé, não mais com sacrifícios, mas através de palavra, cânticos,

ritos, sábado e circuncisão, que se tornaram caracteres de identificação.[47]

Sintetizando, pode-se dizer que a vida comunitária foi decisiva para o povo

judaíta exilado na Babilônia. Cultiva os seus costumes, sua língua e religião. Mas foi a

religião que resgatou a identidade dos exilados. Foi ela que explicou o desastre nacional

quando Jerusalém e o templo foram destruídos; foi a religião que explicou as falsas

esperanças num Javé que protegia a monarquia e abençoava o rei para explorar o povo;

foi a partir da religião do exílio que começou a surgir uma nova comunidade em torno

de uma liderança comunitária, embora não muito bem definida, mas uma comunidade

marcada pela adesão à lei e à tradição. Pode-se dizer que a observância do sábado e da

[46] Maria Antônia Marques e Shigeyuke Nakanose, Sonhar de novo - Segundo e terceiro Isaías 40-66, p.12. [47] Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio - História do povo de Deus no século 6ª a.C, p.29.

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circuncisão se tornaram, cada vez mais, o sinal distintivo do povo judaíta fiel (Jeremias

17,19-27; Isaías 56,1-8; 58,13ss).

1.9 O livro de Dêutero-Isaías

Pode-se dizer que o grupo profético do Dêutero-Isaías liderou as celebrações

litúrgicas no exílio. Os exilados se r euniam com a intenção de reavivar a fé em Javé, o

libertador. O trabalho deste grupo é datado entre os anos 555-540, época em que Ciro, o

rei persa, começou as conquistas militares. Na profecia, o grupo anuncia a libertação e o

retorno dos exilados para Jerusalém semelhante à saída do Egito, mas com maior

esplendor, porque Javé lideraria a procissão pelo deserto (Isaías 40,1-5; 43,14-20; 49,8-

13; 52,7-12). Depois do regresso, viria a restauração do templo (Isaías 49,14-21; 49,22s;

51,1-3). O Dêutero-Isaías está localizado entre os capítulos 40-55 do livro de Isaías. Seu

conteúdo revela-nos uma fé comprometida com um único Deus libertador.

O livro de Isaías é um dos livros mais importantes do Antigo Testamento, por

ser um referencial[48], principalmente no Novo Testamento (Lucas 4,17; Atos dos

Apóstolos 8,28; Mateus 12,17-21; Romanos 10,16;10,20-21).

No início, os 66 capítulos do livro foram atribuídos ao profeta Isaías do 8º

século. Não temos dados exatos para determinar quanto tempo estes dados foram

aceit os. Mas com o avanço das pesquisas, descobriu-se que a partir do capítulo 40, o

contexto é outro e os argumentos internos indicam que os 66 capítulos do livro,

dedicado ao profeta Isaías, não são todos dele. Os argumentos são de natureza

diversificada, mas principalmente os argumentos históricos como: os exilados da

Babilônia, a conquista da Babilônia por Ciro por volta do ano 539, a libertação dos

judaítas exilados, a volta deles para a Palestina e a reconstrução de Jerusalém.[49] São

fatos que aconteceram muito tempo depois da época de Isaías. Somam-se a estes fatos, a

diferença de linguagem e estilo. Pode-se perceber no início de Isaías que aí encontramos

o nome do profeta, sua filiação e o local da sua ação (Isaías 1,1). As informações nos

fornecem dados para situar o ministério de Isaías que exerceu sua profecia durante o

[48] Wiliam Lasor, Introdução ao Antigo Testamento , São Paulo, Vida Nova, 1999, p.299 (880p.). [49] José Ridderbos, Isaías, São Paulo, Vida nova, p. 32 (516p.).

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41

reinado de Ozia, Joatão, Acaz e Ezequias, ou seja, por volta dos anos de 740 a 700.[50] O

reinado destes reis aconteceu a quase dois séculos antes da destruição de Jerusalém

pelos babilônicos. São fatos históricos que falam por si mesmos. Não temos como

duvidar deles. São acontecimentos que marcaram época e a história. Ocorreram bem

depois de Isaías. A partir do capítulo 40, por duas vezes é mencionado Ciro (44,28;

45,1), rei persa do 6º século. O povo é convocado a sair da Babilônia (48,20; 52,11-12).

Sem dúvida, encontramo-nos nos anos do exílio da Babilônia um século e meio depois

da morte do profeta Isaías. E a partir dos capítulos 56 temos outro contexto. A

impressão é que o povo se encontra novamente em Jerusalém, enfrentando outros

problemas que surgiram com o regresso dos exilados.

As diferenças históricas, literárias e teológicas por muito tempo não eram

problemas para atribuir todo o livro ao profeta Isaías. Numa época pouco crítica, as

soluções eram mais fáceis. Somente no 11º século d.C. é que surgiu a hipótese de se

atribuir os capítulos 1-39 a Isaías e os capítulos 40-66 a uma época posterior.

Foi em 1788 da nossa era que J.C. Dörderlein expressou sua opinião sobre os

capítulos de 40-66 dizendo que eles pertenciam a um profeta anônimo. Em 1892,

Bernard Duhm publicou seu comentário ao livro de Isaías,51, rompendo com a suposta

unidade dos capítulos 40-66. Dividiu os capítulos de 40-55 e 56-66, atribuindo-os a dois

autores diferentes: a 40-55 denominou de Dêutero-Isaías, e a 56-66 de Trito-Isaías.

Assim, Bernard Duhm dividiu o livro de Isaías em três unidades literárias distintas, cada

qual com sua história e seu conteúdo em épocas diferentes.

Desde que Bernard Duhm,[51] em 1892, introduziu no debate científico a opinião da

divisão dos capítulos 40-66 em duas partes, dividiu o livro de Isaías em três unidades.

Esta hipótese se impôs nos estudos exegéticos de Isaías que até o momento é

considerada e aceita da seguinte forma:[52]

1. Isaías 1-39 (Proto-Isaías)

2. Isaías 40-55 (Dêutero-Isaías)

[50] Herbert Donner, História de Israel e dos povos vizinhos, vol.2, p.363-386 [51] Bernard Duhm, Das Buch Jesaja, Göttingen, Vaderhoeck & Rupreecht, 4ª edição, 1922, p.381 (540p.). [52] Ernst Sellin e Georg Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, São Paulo, Academia Cristã e Paulus, 2007, p.528 (826p.).

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42

3. Isaías 56-66 (Trito-Isaías)[53]

1.10 Estrutura do livro do Dêutero-Isaías

O bloco composto pelos capítulos 40-55 de Isaías suscita vários problemas para

os comentadores. Isto é assim porque o texto tem características que tornam difícil

efetuar cortes seguros para formar unidades. Uns defendem que o bloco é composto de

pequenas unidades independentes sem ligações entre si, enquanto outros defendem uma

estruturação profunda e premeditada.[54] De qualquer forma, nos limitaremos a propor

uma hipótese sobre a estruturação do bloco:

Inicialmente temos uma introdução ou prólogo (4,1-11), que está em correlação

com uma parte conclusiva (55,6-13, epílogo), que tem como tema o poder da palavra de

Deus e o novo êxodo. O grande bloco é dividido em duas unidades temáticas: capítulos

40,12-48,19, com o tema Javé é o único Deus, criador de todas as coisas e só Javé é o

Senhor da história. A segunda unidade (48,20-55,5) tem como tema a convocação dos

exilados para sair da Babilônia, restauração e a glorificação de Jerusalém. Estes dois

grandes blocos podem ser divididos em subunidades tomando em consideração os

hinos. Mas não é necessário repeti-los aqui. Temos obras específicas que podem ser

consultadas. [55]

Nos capítulos de Isaías 40-55, encontramos a figura do “escravo de Javé” que

aparece relacionado a Israel/Jacó em 41,8-9; 44,1.2.21; 45,4; 48,20; 49,3. Em torno

desta figura, claramente identificada como Israel, ocorrem outras cinco vezes a palavra

“escravo” no anonimato. Elas ocorrem dentro dos cânticos do “escravo de Javé”: 42,1-

4; 49,1-6; 50,4-9 e 52,13-53,12. Estes textos enfocam a mesma questão numa seqüência

que demonstra uma trajetória de vida do “ eBeD de Javé”. [56]

[53] Erich Zenger, Introdução ao Antigo Testamento, São Paulo, Luyola, 2003, p.381 (557p.). [54] José Severino Croatto, Isaías – A palavra profética e sua releitura hermenêutica – vol.2, 40-55 – A libertação é possível , Petrópolis/São Leopoldo, Vozes/Sinodal, 1998, p.14-15 (317p.). [55] Erich Zeger, Introdução ao Antigo Testamento , p.389. [56] Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio - História do povo de Deus no século 6ª a.C, p.103.

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43

No que diz a respeito à relação dos cânticos com o contexto do Dêutero-Isaías,

podemos dizer o seguinte: depois que Bernard Duhm [57] isolou os cânticos do contexto,

criou certa cisão. Uns acham que os cânticos se encaixam perfeitamente no contexto[58]

e outros seguem Berard Duhm. [59]

Para o nosso trabalho, escolhemos o primeiro cântico do `eBeD de Javé de Isaías

42,1-4. Faremos a tradução do texto e seguiremos o caminho exegético na intenção de

identificar sinais da experiência de Deus na vida e na história de um povo.

[57] Bernard Duhm, Das Buch Jesaja, p.46. [58] Pierre E. Bonnard, Le Second Isaïe – Son disciple, Paris, Librairie, Leco, 1972, p.39 (560p.). [59] Claus Westermann, Das Buch Jesaja , Gotinga, Vandenhoeck & Ruprecht, 2ª edição, 1970, p.86 (468p.).

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2. ANÁLISE LITERÁRIA DE ISAÍAS 42,1-4

O objetivo deste capítulo é fazer a análise literária do texto de Isaías 42,1-4.

Primeiramente, traduziremos o texto em questão da Bíblia Hebraica,[60] numa

tentativa de obter uma tradução o mais literal possível, de forma interlinear, para melhor

identificar o sentido. Os termos traduzidos buscarão o sentido original, respeitando a

terminologia hebraica, em detrimento de um bom português.

“O texto hebraico do Dêutero-Isaías é um dos melhores do Antigo Testamento.

Não somente pela qualidade poética, mas pelo uso de imagens e símbolos muito

variados, de termos intencionalmente ambíguos e alguns raros ‘para chamar a atenção’,

mas também a partir do ponto de vista de sua transmissão”. [61]

Após a tradução do texto, dispondo-o de forma interlinear, propomos a crítica

textual. Esta etapa é importante na exegese para averiguar as variantes. O texto hebraico

poderá ter sofrido alguns acréscimos ou alterações no percurso da transmissão. Tendo

por base os estudos científicos sobre o assunto, escolheremos as variantes mais

adequadas para recompor o texto.

Seqüencialmente, abordaremos a crítica da forma. Inicialmente o objetivo deste

enfoque é estabelecer limites, indicar o início e o término do texto. Para uma melhor

compreensão da delimitação, o item será dividido em duas partes. A primeira abordará a

delimitação com a unidade anterior. A segunda parte abordará a delimitação com a

unidade posterior.

Para melhor entendermos o conteúdo de nossos versículos, propomos observar

as ligações internas, as repetições de palavras, expressões e frases que vão concatenando

uma idéia à outra, formando unidade.

Paralelamente veremos que a grande maioria dos verbos está conjugada para o

tempo futuro. E que os pronomes na terceira pessoa do singular, perpassando os quatro

versos e interligando-os entre si.

[60] Karl Elliger e Wilhelm Rudolph (editores), Biblia Hebraica Stuttgartensia , Stuttgart, Deutsche Bibilgesellschaft, 1997. [61] José Severino Croatto, Isaías-A palavra profética e sua releitura hermenêutica, vol.2 40-55-A libertação é possível , São Leopoldo/Petrópolis, Sinodal/Vozes, 1998, p.17 (317p.) (Comentário Bíblico).

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45

Na coesão interna observaremos as ligações que ocorrem. Veremos os elementos

que se repetem, outros que vão costurando uma frase na outra sintonizando a temática e

contribuindo harmoniosamente na formação das unidades. Em seguida, trataremos das

divisões internas do texto. Analisaremos novamente o bloco todo v.1-4.

Nesta mesma perspectiva, tentaremos descobrir o estilo. Observaremos as

ligações entre as frases que formam unidades maiores, as quais chamamos de estrofes.

Assim veremos que nossos versículos constituem ‘estrofes’.

Depois, veremos o gênero literário. Tentaremos identificar a que tipo de texto

pertencem os nossos versículos.

Posteriormente apresentaremos num novo item algumas informações sobre o

local e a época em que nossos versículos surgiram.

E, por fim, chegamos ao mais importante: o estudo dos conteúdos. Para tal,

consideraremos os resultados já alcançados, em especial as frases e as estrofes do

trecho.

2.1 TRADUÇÃO E CRÍTICA LITERÁRIA

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2.1.1 Tradução

Como já foi exposto, com o intuito de manter uma maior fidelidade ao texto

hebraico, propomos inicialmente a tradução interlinear. Seguiremos o texto da Biblia

Hebraica Stuttgartensia[62].

yvi_p.n., h:t'äc.r'

yrIßyxiB ABêê-%m't.a, yDIb.[; !hEÜ .1

minha vida compraz se meu eleito sustento-me nele meu o escravo Eis

`ayci(Ay ~yIïAGl;

jP'Þv.mi wyl'ê[' ‘yxiWr

yTit;Ûn"

fará sair nações às direito ele sobre meu espírito o pus

`Al*Aq #WxßB [;ymiîv.y:-

al{)w aF'_yI al{åw> q[;Þc.yI al .2

sua voz rua na ouvir fará não e levantar não e gritará Não

hN"B<+k;y> al{å hh'Þke

hT'îv.piW rABêv.yI al{å ‘#Wcr' hn<Üq'

3

apagará não vacilante pavio e quebrará não rachada Cana

[62] Karl Elliger e Wilhelm Rudolph (editores), Biblia Hebraica Stuttgartensia , p.739.

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47

#Wrêy" al{åw hh,k.yI

al 4 `jP'(v.mi ayciîAy tm,Þa/l,

quebrará não e desanimará Não .direito sair fará fidelidade para

p `Wlyxe(y:y>

~yYIïai Atßr'Atl.W jP'_v.mi #r,a'ÞB'

~yfiîy"-d[;

aguardam ilhas dele lei para e direito terra na estabelecer até

2.1.2 Crítica textual

O texto de Isaías 42,1-4, em grego, tem variantes em relação ao texto hebraico.

O mesmo acontece com o manuscrito do Mar Morto. Diante desta constatação,

propomos a crítica textual com intenção de identificar o texto mais antigo.

Este trabalho de crítica textual tem como base a Biblia Hebraica Stuttgartensia

BHS[63], a qual nos oferece um texto com informações sobre as modificações nas

traduções e nos manuscritos mais relevantes, sobretudo a Septuaginta (LXX)[64] e o

manuscrito do Mar Morto: Qumran (1QIs).

O texto da BHS do v.1a começa com uma partícula demonstrativa !h “eis”.[65]

A palavra ocorre uma única vez em toda a perícope. Ela faz a abertura do discurso.

Seguindo-se a palavra ydb[ que foi traduzida por “o meu escravo”. [66] No texto

grego da LXX no lugar de “escravo meu” temos Iakwb “Jacó” e no lugar e “eleito”

[63] Biblia Hebraica Stuttgartensia , p.739. [64] Septuaginta, Stuttgart, Deutsche Bibelgesellschaft, 1979, p.622 (941p.); Vetus Testamentum Graecum – Septuaginta interpretes, Roma, Vaticanum Editum, 1587, p.796-797 (1027p). [65] Nelson Kirst, Nelson Kilpp, Milton Schwantes, Acir Raymann e Rudi Zimmer, Dicionário hebraico-português & aramaico-português, São Leopoldo/Petrópolis, Sinodal/Vozes, 1988, p.55 (305p.). [66] Nelson Kirst, Nelson Kilpp, Milton Schwantes, Acir Raymann e Rudi Zimmer, Dicionário hebraico-português & aramaico-português, p.171.

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Israhl “Israel”. O texto da LXX identifica o “escravo” com “Jacó” e o “meu eleito”

com “Israel”.

Nas traduções para a língua portuguesa, Bíblia de Jerusalém[67], Bíblia

Peregrino[68], Bíblia Tradução Ecumênica[69], Bíblia de Estudo Almeida[70], Bíblia

Sagrada[71], La Bibia[72], Biblia Sacra iuxta Vulgatam Versinem[73], há unânimidade em

sustentar o texto da BHS com a palavra db.[ `eBeD. Optamos pelo significado de

“escravo”, por traduzir melhor o significado de db[`eBeD. Diante destas

constatações, suspeitamos que a versão grega tenha se baseado nas passagens do

Dêutero-Isaías como: 41,8.9; 44,21; 45,4; 49,3 e outras, onde o db[ é identificado

com Jacó e Israel. O que nos garante que o escravo do primeiro cântico é o mesmo que

ocorre nas outras passagens do livro? As variantes apresentadas pela LXX no texto do

primeiro cântico do escravo podem influenciar na interpretação de db[. Uma vez

que não temos apoio de textos antigos para justificarmos tais variações, optamos por

seguir os critérios dos estudiosos que o texto mais breve e de difícil compreensão está

mais próximo do original. Neste sentido, optamos, pelo texto da BHS por ele ser o mais

enxuto.

No v.1c, encontramos jpvm “direito”[74]. O texto do DSSIsa acrescenta um

w “e” no início e no final do termo jpvm “direito”. Com o acréscimo das variantes,

a tradução seria “e direito seu”. [75] Os acréscimos estão nas três ocorrências da palavra

jpvm nos v.1.3 e 4.

[67] Bíblia de Jerusalém , São Paulo, Paulus, 2004, p.1318-1319 (2206p.). [68] Bíblia Peregrino, São Paulo, Paulus, 2002, p.1781 (3056p.). [69] Tradução Ecumênica da Bíblia, São Paulo, Loyola, 1994, p.670 (2480p.). [70] Bíblia de Estudo Almeida , São Paulo, Sociedade Bíblica do Brasil, 2002, p.766 (1009p.). [71] Bíblia Sagrada, Petrópolis, Vozes, 1982, p.928 (1548p.). [72] La Bibbia–Nuovissima versione deí testi originali -Antigo Testamento –Libri sapienziali e libri profetici, Milão, Paoline, vol 2, 1991, p.1145-1146 (2171p.). [73] Biblia Sacra – Iuxta Vulgatam Versionem , Stuttgart, Württembergische Bibelanstalt, vol.2, 1974, p.1139 (1980p.). [74] Nelson Kirst, Nelson Kilpp, Milton Schwantes, Acir Raymann e Rudi Zimmer, Dicionário hebraico-português & aramaico-português, p.146. [75] Bilia Hebraica Stuttgartensia, p.739.

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Entretanto as versões da BHS e da LXX e Vulgata não consideram estas

variantes. Por isso, suspeita-se que sejam um acréscimo ou um vacilo do copista. As

traduções para o português também não adotaram estas variantes. É sinal de que não

merecem crédito.

No v.3a, o texto da BHS tem hhk “pavio” sem sufixo, enquanto o texto Isaías

de Qumran (1QIs) tem um sufixo pronominal na palavra hhk “pavio dele”. No

v.3b, o texto da BHS há um paralelismo com rwbvy “quebrará”, tem hnbky

“apagará”. A versão DSSIsa de Qumran tem hanbk “apagará” sem o sufixo.

No v.3c, o texto da BHS traz tma “verdade”, “firmeza”, “confiança”,

“fidelidade’, “lealdade”.[76] Com a preposição, o substantivo tmal foi traduzido da

seguinte forma: “para fidelidade”. O texto da LXX tem avlh,qeian. A Vulgata tem

in veritate “na verdade”. A variedade de variantes apresentadas pelas outras línguas não

alteraram o conteúdo do termo hebraico.

Para José Severino Croatto[77], tmal é um vocábulo muito denso, cujo

significado vai desde “fidelidade”, “verdade” até “aliança”, “compromisso”. “Ocorre

com freqüência nos contextos de aliança, onde se enfatiza a fidelidade ou permanência

na adesão ao compromisso assumido.”[78]

No v.4a, a BHS tem #wry que vem do verbo #Cr. No qal significa:

“quebrar”, “destroçar”, “oprimir”, “maltratar.”[79] No sentido espiritual quando vem

acompanhado de hhk pode significar: “desanimar”, “desacorçoar”. No caso do v.4,

#wry está no qal imperfeito da terceira pessoa do singular. Optamos por “quebrará”.

[76] Nelson Kirst, Nelson Kilpp, Milton Schwantes, Acir Raymann e Rudi Zimmer, Dicionário hebraico-português & aramaico-português, p.14. [77] José Severino Croatto, Isaías – A palavra profética e sua releitura hermenêutica – vol.2, 40-55 – A libertação é possível, 317p. [78] José Severino Croatto, Isaías – A palavra profética e sua releitura hermenêutica - vol.2, 40-55 – A libertação é possível, p.70. [79] Nelson Kirst, Nelson Kilpp, Milton Schwantes, Acir Raymann e Rudi Zimmer, Dicionário hebraico-português & aramaico–português , p.233.

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A LXX tem qraúw que significa: “quebrar”. [80] No grego o verbo qrausqh,setai

pode ser traduzido por: “será quebrado”/ “esmagado”/ “cansado”.

Nas traduções para o português, #wry tem uma variedade de variantes. A

Bíblia de Jerusalém tem “desacorçoará”; a Bíblia do Peregrino, “se quebrará”; a Bíblia

Tradução Ecumênica, “se vergará” e a Bíblia de Estudo Almeida, “se quebrará”. Se

analisarmos as variantes, todas têm o mesmo significado, por isso na tradução optamos

traduzir #wry por: “se quebrará”.

Em suma, depois de termos analisado as variantes propostas pelo texto da

Septuaginta (LXX), o manuscrito do Mar Morto: Qumran (1QIs) e a Vulgata,

concluímos que o texto da Biblia Hebraica Stuttgartensia (BHS) é o mais confiável.

Existem diferenças com os manuscritos de Qumran, Sepuaginta e a Vulgata, mas

manteremos o Texto Masorético, visto que cada uma destas obras é fruto de uma leitura

com uma perspectiva hermenêutica. Diante deste panorama, teremos o texto masorético

da Bíblia hebraica Stuttgartensia como o texto fonte para este trabalho.

No ponto seguinte trataremos de questões de forma, iniciando pela delimitação

do texto como uma etapa essencial para determinarmos os limites e a localização do

texto.

2.2. FORMA LITERÁRIA

Inicialmente propomos a delimitação para estabelecermos os limites do texto a

ser estudado. Onde ele começa e onde termina?

Quando se lê o Dêutero-Isaías pela primeira vez, percebe-se imediatamente que

há uma concatenação de idéias que impossibilita dividir o texto em grandes unidades.

De qualquer modo, é necessário delimitar o texto sem que ele perca o sentido para o

estudo. Vamos perceber que o início do texto escolhido não oferece grandes problemas

para identificá-lo. Mas a delimitação final é complexa.

[80] Carlos Rusconi, Dicionário do grego do Novo Testamento, São Paulo, Paulus, 2003, p.227 (540p.).

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Depois que Bernhard Duhm[81] apresentou a proposta da delimitação dos

cânticos do db[ `eBeD “escravo”, desencadeou uma discussão até o momento não

solucionada definitivamente. Alguns estudiosos seguem a opinião de Bernard Duhm;

delimitam o texto de Isaías 42,1-4. Outros, como Pierre Bonnard[82], acrescentam os v.5-

9, José Severino Croatto[83] inclui até o v.12, e Luis Alonso Schökel e Jose Luis Sicre

Diaz[84] ampliam até o v.13.

Para melhor apresentarmos o problema, dividiremos a questão em dois pontos:

delimitação anterior e delimitação posterior.

2.2.1 Delimitação em relação à unidade anterior

Como vimos, o primeiro a delimitar os cânticos foi Bernhard Duhm em 1892,

definindo-os da seguinte forma: Isaías 42,1-4; cf. 49,1-6; 50,4-9 e 52,13-53,12. A partir

de então, se iniciaram os debates de delimitação dos cânticos do db[`eBeD

”escravo”. Quanto ao início do primeiro cântico, é fácil perceber que ele começa com a

partícula de interjeição !h “eis”; em 42,1 coloca em cena um novo personagem,

db[ `eBeD “escravo”, num alto estilo. No texto que antecede 41,29, aparece Javé

desafiando os falsos ídolos, dizendo que “todos eles nada são, suas obras não são coisa

alguma e que eles não passam de um sopro vazio”. Em seguida, no capítulo 42,1, muda

o conteúdo. Já não são mais os ídolos que estão sendo desafiados, mas o db[`eBeD

“escravo” que es tá sendo apresentado. Na unidade 41,21-29, os ídolos foram incapazes

de comparecer diante de Javé. Em 42,1 é Javé que apresenta o seu eBeD como o eleito, [81] Bernhard Duhm, Das Buch Jesaja , Göttingen, Vadenhoek & Ruprecht, 3ª edição, 1914, p.284 (459p.). [82] Pierre E. Bonnard, Le Second Isaïe, Paris, Librairie Leco, 1972, p.123-125 (560p.). [83] José Severino Croatto, Isaías – A palavra profética e sua releitura hermenêutica – vol.2, 40-55 – A libertação é possível, p.65. [84] Luis Alonso Schökel e José Luis Sicre Diaz, Profetas I , São Paulo, Paulinas, 1988, p.294-295 (679p.) (Grande Comentário Bíblico).

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o mais bem indicado para desempenhar uma missão. Não há como não dizer que em

42,1 se inicia uma nova unidade. Há uma interrupção clara entre 49,29 e prossegue em

2,8. Os v.42,1-4 guardam a ligação com o texto anterior e posterior feita pelo fio

condutor, que é Javé.

Outro sinal que os masoretas utilizaram quando assinalaram o texto hebraico

para indicar o fim de uma unidade literária é o p peh no v. 41,29.

Em suma, podemos dizer que em 42,1 começa uma nova unidade. O que faz a

ligação com a unidade anterior é Javé, como sujeito falante, mas a temática, os tempos

verbais, a linguagem e os personagens são outros diferentes do capítulo 41,21-29. Isto

nos leva a concluir que no capítulo 42,1 inicia uma nova unidade literária, independente

do capítulo anterior.

2.2.2 Delimitação em relação à unidade posterior

Quando abordamos a delimitação do cântico em relação à unidade anterior,

assinalamos a dificuldade que se enfrenta para estabelecer limites seguros e definitivos

no Dêutero-Isaías. A dificuldade deve-se ao fato de que o texto do Dêutero-Isaías é

composto de pequenas unidades literárias, como uma colcha de retalhos mistos,

diferentes um do outro, mas conectados entre si de forma harmoniosa. Há ligações entre

as unidades, ainda que de forma subjetiva. O fio que tece as unidades nem sempre é

identificado no texto.

A delimitação com a unidade posterior do cântico é uma questão ainda a ser

discutida. Há opiniões diversas sobre o final do primeiro cântico. A falta de

unanimidade entre os estudiosos, leva-nos a pensar que a delimitação dos cânticos

representa um problema para a exegese. Uns jogam para frente e outros puxam para

trás.

Diante deste quadro, destacamos algumas opiniões de estudiosos sobre a

delimitação final do primeiro cântico do db[`eBeD de Javé:

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Luis Alonso Schökel e Jose Luis Sicre Diaz[85] dividem a seção do cântico do

db[`eBeD da seguinte forma: “Deus apresenta o seu escravo” (42,1-4), “Deus fala ao

seu escravo” (42,5-9) e “hino de vitória” (42,11-13). Na opinião destes autores, o texto

do primeiro cântico do servo faz parte de um bloco que vai de 42,1-13, composto por

três sub-unidades.

José Severino Croatto segue, praticamente, o mesmo caminho que Luis Alonso

Schökel e José Luis Sicre Diaz. Delimita o texto do cântico do `eBeD de Isaías 42,1-12

e considera os v.1-4 como uma subunidade, intitulando-a de “investidura do Servo de

Javé”; a segunda subunidade, v.5-9, denominando-a de “ações libertadoras do servo de

Javé”, e a terceira subunidade, v.10-12, de “celebração da vitória de Javé”. [86]

Pierre Bonnard[87], apresenta uma nova delimitação Isaías 42,1-4+5-9. Segundo

este autor, os v.5-9 estão ligados aos v.1-4, sendo assim duas partes independentes, mas

que ao mesmo tempo se completam. Os v.5-9 são um oráculo dirigido ao servo de v.1-

4.

José Ridderbos[88], sem justificativa, junta os versos e forma uma unidade,

delimitando o texto do cântico de Isaías 42,1-7.

Maria Antônia Marques e Shigeyuki Nakanose[89] delimitam o texto do cântico

de Isaías 42,1-9.

Poderíamos até dividir os pensadores de acordo com as opiniões sobre as

delimitações finais dos cânticos do db[ `eBeD. Estes ‘estudiosos’ em nota aceitam

a delimitação do texto do cântico de Isaías 42,1-4.[90] Mas isto não é o suficiente para

proceder a delimitação do texto, garante.

[85] Luis Alonso Schökel e José Luis Sicre Diaz, Profetas I, p.294-295. [86] José Severino Croatto, Isaías – A palavra profética e sua releitura hermenêutica vol.2, 40-55 – A libertação é possível, p.65. [87] Pierre E. Bonnard, Lê Second Isaïe, p.123. [88] José Ridderbos, Isaías, São Paulo, Vida Nova, 1995, p.338 (516p.). [89] Maria Antônia Marques e Shigeyuki Nakanose, Sonhar de novo, São Paulo, Paulus, 2004, p.69 (183p.). [90] Claus Westermann, Isaiah 40-66 - Commentary, Londres, SCM Press, 1971, p.92 (497p.); Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio – História e teologia do povo de Deus no século VI a.C., São Paulo/São Leopoldo, Paulinas/Sinodal, 1987, p.98 (134p.); Werner H. Schmidt, A fé do Antigo

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Analisaremos a fórmula introdutória do v.5 que segue o v.4: hwhy lah

rma-hk “assim disse o Deus Javé”. Percebe-se clar amente que entrou em cena um

novo personagem falando em nome de Javé. Este elemento é fundamental. Interrompe a

seqüência dos v.1-4. Não é mais Javé que está falando, mas é um terceiro falando em

nome de Deus Javé. Nos v. 1-4, Javé é o sujeito falante do início ao fim. No v.5 não sai

de cena, mas entra outro, falando em nome de Javé.

A expressão: “assim diz Javé” do v.5a é uma fórmula usada pelo Dêutero-Isaías

nas introduções de oráculos (cf. 43,14.16; 44,6.24; 45,1.14). Sob este aspecto, temos

boas razões para separar o texto de 42,1-4 dos v. 5-7. Isso não significa que os textos

não tenham ligações entre si, mas é claro que 42,5-7 constitui uma nova unidade.

Segundo a fórmula introdutória deve ser um oráculo dirigido ao db[ `eBeD.

Outro sinal de origem masorético no fim da perícope, no v.4, é o p peh no texto

hebraico. Este também pode nos ajudar na identificação do fim da unidade. Somando

estes elementos, vemos que o conteúdo dos v.1-4 é diferente dos v.5-7. Nos v.1-4, Javé

está falando do db[ `eBeD na terceira pessoa do singular. No v.5, é alguém não

identificado: supõe-se que seja o profeta falando do Deus Criador. E nos v.6-7, volta

Javé, falando na segunda pessoa, com o seu db[`eBeD.

Diante do panorama apresentado, com suas devidas nuanças, acreditamos que os

argumentos apresentados sejam suficientes para sustentar que os v.1-4 formam uma

unidade literária, e que a delimitação do texto do primeiro cântico do db[`eBeD

“escravo” de Javé vai de 42,1-4.

2.2.3 Coesão interna

Testamento, São Leopoldo, Sinodal, 2004, p.311 (395p.); Anthony R. Ceresko, Introdução ao Antigo Testamento, São Paulo, Paulus, 1996, p.250 (351p.) e Gerhard von Rad, Teologia do Antigo Testamento , São Paulo, Associação de Seminários Teológicos Evangélicos, vol.2, 1974, p.241 (466p.).

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Observamos muitas palavras repetidas e o retorno da mesma idéia com palavras

diferentes. O tema central repete-se através de palavras semelhantes, mas ao mesmo

tempo diferentes, criando uma unidade densa. A temática é retomada de forma

diferente, através de palavras não exatas e usadas num segundo sentido de forma que

vai entrelaçando os verbos com os substantivos, através das conjunções e preposições,

de tal forma que o texto flui. Isto nos permite, desde já, dizer que estes versículos são

coesos.

Um dos elementos de coesão interna é o db[`eBeD. Ocorre uma única vez,

mas através dos pronomes pessoais “ele e nele”, do adjetivo “escolhido” e dos verbos da

terceira pessoa do masculino singular, que estão relacionados ao substantivo, fazem

com que o db[`eBeD seja um elemento fundamental de unidade interna, interligando

as frases e as estrofes entre si.

As cinco conjunções e as seis preposições colaboram com as ligações das frases,

entrelaçando-as entre si, formando um bloco conciso.

Outro elemento que constitui unidade é Javé; ele perpassa o Dêutero-Isaías como

criador (40,28; 42,5), redentor (45,3.4), solidário (40,1), misericordioso (49,15; 54,7),

pastor (40,11), oleiro (44,12; 54,17), próximo (45,3) e outros mais. No texto de 42,1-4,

a palavra Javé não aparece, mas subentende-se que é ele quem está apresentando o seu

trabalhador.

Um elemento forte, constituinte de coesão, é a palavra jpvm “direito”.

Aparece nos v.1.3.4, indicando a missão do db[`eBeD. O jpvm “direito” ocupa

pontos estratégicos dentro do texto. O seu significado deve ser fundamental para a

interpretação da mensagem. O mesmo acontece com a raiz do verbo acy “sair”, que

acompanha as duas primeiras ocorrências do jpvm “direito” nos v.1 e 3.

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No v.4b jpvm “direito” ocorre em paralelo com hrwt “instrução”, “que

as ilhas aguardam”[91]. São elementos que fazem a coesão interna, garantindo a unidade

do texto.

O advérbio de negação alo “não” ocorre sete vezes nos v.2-4, sempre

interligando os verbos: “não gritará”, “não clamará”, “não fará ouvir”, “não quebrará”,

“não apagará”, “não desanimará”, “não desistirá”.

Os v.3-4a retomam a temática do v.2 e introduzem dois novos elementos: “cana

rachada” e “pavio vacilante”. Os verbos que acompanham os substantivos, estão ligados

aos advérbios de negação, seguindo o mesmo estilo do v.2. Os v.2-4a formam uma

coesão entre si através dos sete advérbios de negação que indicam o “modo operante do

servo”.

No v.4b, retoma-se novamente o tema central jpvm “direito” sob uma nova

perspectiva, em sintonia com hrwt “instrução”. A relação entre “direito” e

“instrução” indica que a temática se relaciona e se completa do v.1 ao v.4.

Encontramos sete verbos no qal. Quatro deles no imperfeito da terceira pessoa

do masculino singular. Dois no perfeito da primeira pessoa do singular e um no

particípio passado. Três verbos estão no hifil imperfeito, um no plural e dois no singular

e um no piel imperfeito da terceira pessoa do masculino singular. Os verbos fazem uma

ligação interna muito forte entre a missão e o modo operante do escravo.

Resumindo, vemos existir uma grande harmonia interna. Esta harmonia cria uma

unidade coesa de sentido, onde tudo está fortemente relacionado entre si.

Uma vez vista a coesão interna, no próximo passo queremos investigar se este

bloco é harmonioso em tudo ou se apresenta subdivisões.

2.2.4 Subdivisões internas [91] José Severino Croatto, Isaías - A palavra profética e sua releitura hermenêutica – vol.2, 40-55 – A libertação é possível, p.70.

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Num primeiro momento, os versos de 1-4 apresentam uma trajetória coesa sem

percalços. Porém, se observamos atentamente, encontraremos pequenas interrupções.

A primeira interrupção nós a encontramos logo no final do v.1, onde se

apresenta o tema central desta mini-unidade na frase: ayci(Ay ~yIïAGl;

jP'Þv.mi “direito às nações fará sair”. Percebe-se que o v.1a faz a introdução,

apresentando o escravo. Os demais elementos, como: verbos, pronomes, adjetivos e

substantivos, convergem para a figura do escravo que “fará sair direito às nações”. Esta

frase final completa o sentido da subunidade, fazendo uma interrupção e formando a

primeira estrofe.

Prosseguindo com a leitura, encontramos um advérbio de negação no início do

v.2, assinalando um novo começo. Da missão do escravo, tema da estrofe anterior, a

atenção se volta para o modo operante do `eBeD. Esta unidade começa dizendo o que o

servo não vai fazer em sua missão. São sete negações que marcam o tema da segunda

subunidade v.2-4a que é composta de oito frases. A interrupção é feita pelas duas frases

#Wry" al{w. hh,k.yI aol “não desistirá e não se desanimará”.

Os verbos concluem a temática da estrofe, indicando que a missão nas mãos do escravo

está segura e terá êxito. Depois do v.4a, uma nova interrupção ocorre no v.4c,

Wlyxey:y> ~yYIïai Atßr'Atl.W “e para lei dele ilhas

guardam”. Os massoretas assinalaram o final da unidade literária no v.4c com a letra

hebraica p peh.

O conteúdo da terceira subunidade gira em torno da dimensão da missão de

“estabelecer o direito na terra” v.4b. No v.4c as “ilhas aguardam suas instruções”, a

conjunção faz ligação com a frase anterior e conclui, retomando o tema da dimensão

presente nas “ilhas”, lugares distantes que estão esperando as instruções do escravo.

Em síntese, concluímos com esta análise que os nossos versículos apresentam

três divisões: a primeira, v.1 trata da apresentação, eleição, preparação e missão da

liderança “escravo”; a segunda, v.2-4a, mostra o modo certo de agir de uma liderança,

para fazer surgir o direito aos pobres; a terceira, v4b-4c revela a dimensão da missão.

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2.3 ESTILO LITERÁRIO

Para estudar o estilo, queremos proceder com a análise das frases, como elas

repetem as idéias e como se relacionam.

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2.3.1 Primeira estrofe (v.1)

yvi_p.n: ht'äc.r" yrIßyxiB

ABê-%m't.a, ‘yDIb.[; !he

`ayci(Ay ~yIïAGl; jP'Þv.mi wyl'ê['

‘yxiWr yTit;Ûn".

Eis escravo meu, sustento nele, o eleito meu se compraz vida minha.

Pus sobre ele espírito meu direito para as nações fará sair.

A frase inicial começa assim: yDIb.[; !he “eis o escravo meu”. A

frase começa com uma interjeição, !he “eis”, seguida pelo substantivo

yDIb.[; “eis escravo meu”. O substantivo perpassa o texto através dos

pronomes pessoais, adjetivos e verbos na ter ceira pessoa do singular. A segunda frase

v.1b, ABê-%m't..a “sustento-o”, está ligada à primeira de forma que não se

pode dizer uma sem a outra. Esta inclinação está expressa pelo tempo verbal e o sufixo

pronominal que se referem ao sujeito yDIb.[; “escravo meu”. A terceira frase

também depende da primeira yvi_p.n: ht'äc.r yrIßyxiB

“eleito meu se compraz minha alma”. O adjetivo “eleito” tem um sufixo pronominal da

primeira pessoa do singular que se refere ao substantivo yDIb.[; “escravo meu”.

O adjetivo que qualifica o substantivo, indica que a frase está subordinada à primeira,

onde se encontra o sujeito. A quarta frase é yvi_p.n: ht'äc.r" “se

compraz vida minha”, traduz efeitos das frases anteriores da apresentação e da escolha

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do `eBeD. As partes da frase estão em sintonia profunda com a temática da

apresentação.

Uma vez feita a apresentação do escravo, Javé abre a quarta frase wyl'ê['

‘yxiWr yTit;Ûn". “coloquei o espírito meu sobre ele”. Nela encontramos dois

sufixos pronominais que ligam com a frase anterior “meu” e “ele”. O sufixo da primeira

pessoa refere-se a Javé, que está apresentando o seu escravo e o sufixo da terceira

pessoa do singular refere-se ao db[ `eBeD “escravo”.

A última frase do v.1c conclui a primeira estrofe da apresentação e preparação

do escravo para a missão; ayci(Ay ~yIïAGl; jP'Þv.mi “direito para as

nações fará sair”. Existe uma harmonia crescente entre os termos e a temática das frases

do v.1 fazendo da estrofe uma subunidade completa. No início, há uma introdução -

v.1ª; em seguida, no mesmo v.1b os preparativos e no v.1c conclui com a missão.

Resumindo, o estilo foi cuidadosamente pensado, e organizado de tal forma que

há uma frase longa e duas curtas, com o peso maior na primeira frase. As outras frases

encontram-se nela ancoradas.

Sugerimos a organização das frases da primeira estrofe do seguinte modo:

Eis, (é) o meu escravo,

sustento-o,

o meu eleito, minha vida se compraz.

Pus sobre ele o meu espírito,

Direito às nações fará sair.

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2.3.2 Segunda estrofe (v.2-4a)

Quando falamos da coesão interna, assinalamos as palavras que constituem

elementos de unidade nas três estrofes. Nesta estrofe evidenciaremos com clareza as

repetições.

Al*Aq #WxßB; [:ymiîv.y:-

al{)w> aF'_yI al{åw>

q[;Þc.yI al{ï

hN"B<+k;y> al{å hh'Þke

hT'îv.piW rABêv.yI al{å ‘#Wcr\ hn<Üq'

#Wrêy" al{åw hh,k.yI al

jP'(v.mi ayciîAy tm,Þa/l

Não gritará e não clamará e não fará ouvir na rua a voz dele

Cana quebrada não quebrará e pavio vacilante não apagará;

Para fidelidade fará sair direito, não desistirá e não quebrará.

De início percebemos logo que a primeira frase começa com um advérbio de

negação al “não”. Ele ocorre sete vezes numa posição estratégica, sempre precedendo

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os verbos de ação, interligando as frases a partir dos verbos: “não gritará”, “não

clamará”, “não fará ouvir”, “não quebrará”, “não apagará”, “não desistirá”, “não

desanimará”. São sete verbos todos eles na terceira pessoa masculino do singular. Além

dos advérbios de negação que criam unidade, temos três conjunções w “e” que

interligam as frases.

É interessante perceber que as duas primeiras frases, praticamente, se repetem. É

retomado o tema de uma na outra com pequenas diferenças. As duas formas verbais

jogam a ação para o futuro. Os verbos são incompletos, mas se complementam no

sentido. São semelhantes, mas cada um guarda o específico que faz a diferença. O

compositor deste poema merece um voto de louvor. O estilo refinado de retomar o

mesmo tema, de uma forma diferente, envolve palavras semelhantes, mas com sentidos

diferentes. O Dêutero-Isaías pode ser considerado o maior profeta e o melhor poeta de

Israel.[92]

Na terceira frase, retoma-se o tema da dicção das frases anteriores de uma outra

forma. Al*Aq #WxßB; [:ymiîv.y:-al{)w> “e não fará

ouvir na rua voz dele”. A frase começa com uma conjunção w “e” que interliga com a

frase anterior, dano seqüência a ela. O advérbio de negação al{ “não”, sintonizado

com os outros advérbios, colabora com a unidade da estrofe. A forma verbal

[:ymiîv.y “fará ouvir” está na terceira pessoa do singular, semelhante aos

verbos anteriores, sintonizado com o sujeito “escravo” e a temática. Três dos verbos

criam um campo semântico em torno da temática, de modo que o sentido das frases se

completa.

A quarta frase é a do v.3a rAbv.yI al{å #Wcr"

hn<Üq' “cana rachada não quebrará”. Começa com a expressão #Wcr"

hn<Üq' “cana rachada”. É um estilo direto de falar, onde o sujeito aparece antes

do verbo. Esta inversão, que antecede o sujeito do verbo é, no hebraico, sinal de que o

autor quer realçar o sujeito na frase. [92] Luis Alonso Schökel e José Luis Sicre Diaz, Profetas I , p.269.

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O verbo #cr “rachar”, no hebraico, está conjugado no qal particípio passivo

masculino absoluto. Este verbo encontra-se ligado ao segundo verbo da frase

rABêv.yI “quebrará”. Os dois verbos se relacionam dentro da mesma temática.

O advérbio de negação al “não”, que antecede o segundo verbo “não quebrará”, está

sintonizado com as frases anteriores.

A temática e o estilo continuam na frase que segue; hN"B<+k;y> al{å

hT'îv.pe hT'îv.piW “e pavio vacilante não apagará”. A frase começa com uma

conjunção prefixada ao substantivo qualificado por um adjetivo hT'îv.p

hT'îv.pw “e pavio vacilante”. A conjunção interliga com a frase anterior. E o

substantivo adjetivado apresenta uma imagem de quem “está correndo risco de vida”,

combinando com a “cana rachada”.

A quinta frase da segunda estrofe é jP'(v.mi ayciîAy

tm,Þa/l, “para fidelidade fará sair direito”. Apresenta uma dificuldade no

discernimento de sua função. Os próprios Karl Elliger e Wilhelm Rudolph[93]

assumiram o risco e jogaram esta frase para a terceira estrofe, fazendo com que as três

estrofes fossem idênticas com o mesmo número de frases. Mas começar uma estrofe

com a preposição l “para” é difícil, devido à sua elasticidade. Precedendo o

substantivo tma “fidelidade”, a preposição possibilita a mudança de significado do

substantivo tma.

O verbo e o substantivo jP'(v.mi ayciîAy “fará sair direito”

está em paralelo com a estrofe anterior. Os beneficiados da primeira estrofe serão “para

as nações”, nesta os beneficiados do jP'(v.mi “direito” serão “cana rachada”

[93] Biblia Hebraica Stuttgartensia , p.739; veja também em Karl Elliger, Jesaja 2, Neukirchen, Neukirchener Verlac, 1971, p.198 (240) (Biblischer Kommentar Altes Testament, 11).

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e “pavio vacilante”. Há um entrelaçamento de palavras e frases, semelhante a uma bola,

onde uma peça é costurada na outra com um acabamento artístico e harmonioso. A

conclusão da primeira estrofe encontra-se na última frase da segunda estrofe, repetindo

o mesmo substantivo e verbo jP'(v.mi ayciîAy “fará sair direito”.

As últimas frases da estrofe são: #Wrêy" al{åw hh,k.yI

al “não desistirá e não se quebrará”. Seguem o estilo anterior, começando com

advérbio de negação e retomando a temática sob um novo sentido: “não desistirá”, “e

não se desanimará. As duas frases estão ligadas por uma conjunção w “e”.

Os verbos #wr e hhk “desistir” e “quebrar” estão no qal imperfeito da

terceira pessoa do masculino singular. No sentido semântico, os verbos se completam e

revelam uma postura de firmeza, coragem e perseverança.

Observando a estrofe, percebemos que há quatro conjunções w “e”, e duas

preposições b “em” e l “para”, sete advérbios de negação al “não”. Nove verbos

são conjugados no imperfeito na terceira pessoa, no masculino, um no plural e oito no

singular. Cinco são conjugados no qal, dois verbos no hifil, um no particípio e um no

piel. São quatro frases curtas e uma longa. As quatro primeiras estão inclinadas sobre a

última que começa com a preposição l “para”. Esta frase tem duas partes que

funcionam como uma dobradiça: serve de conclusão e ao mesmo tempo dá chance de

continuação.

Em suma, a segunda estrofe, v.2-4a, é marcada por uma contínua repetição de

palavras e idéias, por um constante vai e vem sobre si mesma. Os advérbios de negação

fazem uma concatenação de palavras e frases de forma que tudo está em sintonia. O

substantivo jP'(v.mi “direito” resgata a estrofe anterior, criando unidade

entre as estrofes através do conteúdo temático.

De forma sintética, o estilo destas frases se identifica com a estrofe anterior e se

caracteriza pela subjetividade, repetições e metáforas. As repetições são vestígios tênues

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que caracterizam a poesia hebraica.[94] Enquanto a poesia ocidental desenvolve-se,

linearmente, a poesia hebraica anda de forma circular.

Partindo do estudo da correlação nas repetições das fases propomos a

organização das frases da segunda estrofe do seguinte modo:

não gritará

e não clamará

e não fará ouvir na rua a voz dele

cana esmagada não quebrará

e pavio vacilante não apagará,

para fidelidade fará sair direito.

não desistirá

e não se quebrará.

2.3.3 Terceira estrofe v.4b-4c.

jP'_v.mi

#r,a'ÞB' ~yfiîy"-d[;.

p `Wlyxe(y:y>

~yYIïai Atßr'Atl.W

Até implantar na terra direito

Em relação à lei dele ilhas aguardam.

[94] Luis Alonso Schökel, Estúdios de poesía hebrea, Barcelona, Juan Flores Editor, 1963, p.329 (549p.).

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Depois de tratar da apresentação, da preparação, da missão que o servo vai

desempenhar, na última estrofe dá-se a garantia de que a missão vai ter êxito.

A primeira frase da terceira estrofe é jP'_v.mi #r,a'ÞB'

~yfiîy"-d[;. “até implantar na terra direito”, começa com uma preposição

d[ “até”. É difícil começar uma frase com a preposição d[ “até” por causa do seu

sentido. Mas, neste caso, a preposição está ligada ao verbo ~yf “implantar” por um

maqqef “hífen”o que parece estar a indicando a extensão de tempo da ação. Este verbo é

diferente dos outros verbos ligados ao jpvm. O substantivo #ra “terra” indica a

dimensão da missão.

A última frase da última estrofe é Wlyxe(y:y> ~yYIïai

Atßr'Atl.W “e em relação à lei dele ilhas aguardam”. A conjunção inicial é

w “e”. Faz ligação com a frase anterior. O substantivo hrwt “instrução”[95] vem

acompanhado de uma preposição “em relação à” e de um sufixo pronominal da terceira

pessoa do masculino singular “dele”. Foi traduzido da seguinte forma: “ a instrução dele

ilhas aguardam”.

Concluindo o estudo do estilo, o que se pôde observar é que há três estrofes

fortemente interligadas entre si e ao mesmo tempo independentes. A segunda estrofe é a

mais complexa. Deverá ser a porta de entrada para a compreensão do conteúdo. É difícil

pensar que o último verso da segunda frase venha a pertencer à terceira estrofe; isto até

viabilizaria a estruturação do texto, mas tornaria mais complexa a compreensão do

conteúdo. É preferível pensar o v.4a na segunda estrofe como uma peça flexível onde

termina, mas dá oportunidade de continuação. Tudo indica que não foi por acaso que o

autor tenha pensado na estrutura do cântico. As repetições de palavras, linguagem

flexível e metáforas revelam o estilo poético.

[95] Nelson Kirst, Nelson Kilpp, Milton Schwantes, Acir Raymann e Rudi Zimmer, Dicionário hebraico-português & aramaico–português , p.265.

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Propomos a organização das últimas duas frases do nosso texto da seguinte forma:

Até implantar na terra direito

em relação à lei dele ilhas aguardam

Quanto o seu estilo de reflexão é circular, parte de um centro para fora, num

dinamismo semelhante ao movimento do verbo ayci(Ay “fará sair”, “levar para

fora”. [96]

2.4 GÊNERO LITEÁRIO

Partindo do princípio de que o Dêutero-Isaías não tem um único gênero, vamos

centrar forças no texto em questão. Ernst Sellin e Georg Fohrer [97], definem os nossos

[96] Nelson Kirst, Nelson Kilpp, Milton Schwantes, Acir Raymann e Rudi Zimmer, Dicionário hebraico-português & aramaico–português , p.92. [97] Ernst Sellin e Georg Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, São Paulo, Academia Cristã/Paulus, 2007, p.532-538 (826p.).

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versos como sendo um oráculo de salvação. Outros [98], definem o texto como sendo um

cântico.

Aproximação dos v.1-4 com o saltério é evidente:

“Fui eu que consagrei o meu rei

sobre Sião, minha montanha sagrada!

Publicai o decreto de Javé;

ele me disse: ‘tu és meu filho,

eu hoje te gerei’.

Pede que eu te darei as nações por herança,

os confins da terá como propriedade”. (Sl 2,6-8)

Este exemplo no mostra que existe semelhança entre o texto em estudo com o

saltério. Este dado nos ajuda, mas não é o suficiente para definir o gênero dos nossos

versículos. Para reforçar o lado litúrgico do nosso texto, há que dizer que era usado na

cerimônia litúrgica de entronização dos reis, na qual se utilizavam salmos

veterotestamentários do sofrimento do rei.[99]

Quando analisamos o conteúdo dos nossos versos, percebemos que o v.1 tem

algo semelhante: a escolha de um rei. “Vejam agora quem Javé escolheu? Não há quem

se lhe compare entre todo o povo” (1Sm 10, 24). Embora no exemplo não esteja Javé, o

texto se assemelha.

[98] Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio – História e teologia do povo de Deus no século. 6º a.C., p.103-107; José Severino Croatto, Isaías – A palavra profética e sua releitura hermenêutica – vol.2, 40-55 – A libertação é possível , p.66-72, Jean Steinmann, O livro da consolação de Israel, São Paulo, Paulinas, 1976, p.124-129 (331p.); Carlos Mesters, A missão do povo que sofre – Tu és meu servo, Petrópolis, Vozes, 3ª edição, 1994, 194p. [99] Ernst Sellin e Georg Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, p.532; Jean Steinmann, O livro da consolação de Israel, p.225-228.

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Considerando que o nosso texto começa com a partícula de interjeição “eis”

utilizada por Javé para apresentar o seu escravo em alto estilo, no v.1; que nos v.1.3.4,

Javé indica a missão do `eBeD e seus beneficiados; que nos v.2-4a indica o modo de

agir do `eBeD e nos v.4b e 4c apresenta a dimensão da missão, pode-se dizer que o

gênero do texto v.1-4 é um cântico de apresentação.

2.5 LUGAR

Para melhor entender a profecia do Dêutero-Isaías, é viável situá-la no horizonte

histórico do exílio babilônico, no 6º século a.C., época, marcada pelas grandes

reviravoltas na história e na vida do povo judaíta. Como vimos no contexto, a Babilônia

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assumiu a herança da Assíria no domínio do Antigo Oriente Próximo. A estrutura de

poder do império foi determinante, colocou em segundo plano as outras potências. A

cidade da Babilônia tornou-se um símbolo de poder, construída com enorme luxo e

esplendor. Era a capital do mundo, centro de irradiação para os países do Oriente

Próximo.[100]

Por volta do ano 550, o império babilônico entra em decadência. Surge Ciro,

persa, como um novo soberano militar. Dêutero-Isaías sabia de Ciro. Saúda-o como

“ungido” (Is 45,1). O profeta interpretava seus avanços militares como sendo da

vontade de Javé. As vitórias de Ciro eram vistas como sinais de libertação para os

exilados: “por amor de vós enviarei inimigos contra a Babilônia” (Is 45,13).

O Dêutero-Isaías não chegou a conhecer a conquista da Babilônia por parte dos

exércitos persas, em 539 a.C.. Deve ser anterior à entrada triunfal de Ciro na capital

babilônica. Mas, Ciro já é conhecido pelo profeta anônimo. A ele se refere

expressamente: “Quem suscitou do Oriente aquele a quem a justiça chama para segui-la,

a quem ele entrega as nações e sujeita reis? Sua espada reduz a pó, seu arco os torna

como palha levada pelo vento. Ele os persegue e avança tranqüilamente por vereda que

seus mal tocam” (41,2-3). Em 44,28, Ciro é chamado de “meu pastor”. Pode-se datar

Dêutero-Isaías entre 550 e 540 a.C., época do declínio babilônico e da ascensão persa

no palco das dominações internacionais.[101]

Pode-se admitir o profeta anônimo, que exerceu sua atividade na época final do

exílio, não como um indivíduo, mas como um grupo de lideranças ou como uma escola

que surgiu no final do exílio, nos anos do 6º século a.C., na Babilônia, num local

desconhecido. [102] Neste sentido, é viável situar o Dêutero-Isaías no exílio,

concretamente entre os cantores, nas comunidades dos exilados. As características do

Dêutero-Isaías depõem a favor de que é possível que tenha exercido algumas funções

nas celebrações litúrgicas das comunidades exiladas.[103] Em favor dessa hipótese, temos

[100] Herbert Donner, História de Israel e dos povos vizinhos, Petrópolis/São Leopoldo, Vozes/Sinodal, vol.2, 2000, p.410 (535p.). [101] Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio – História e teologia do povo de Deus no século 6º a.C., p.89. Confira também a opinião de Ernst Sellin e Georg Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, p.529-531; José Ridderbos, Isaías, p.32-41. [102] Herbert Donner, História de Israel e dos povos vizinhos, vol. 2, p.439. [103] Ernst Sellin e Georg Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, p.532.

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a semelhança do Dêutero-Isaías com o saltério.[104] Para melhor visualizarmos a

semelhança que há entre o Dêutero-Isaías como o saltério, vejamos um exemplo:

Cantai a Javé um cântico novo,

Cantem o seu louvor desde as extremidades da terra

Os que descem ao mar e tudo o que o povoa,

As ilhas e seus habitantes (Is 42,10)

Cantai a Javé um cântico novo!

Terra inteira cantai a Javé!

Cantai a Javé, bendizei o seu nome! (Sl 96,1-2a)

Esta semelhança nos permite incluir o profeta na tradição dos cantores. [105]

Diante desta constatação, pode-se admitir que o Dêutero-Isaías, por razões práticas,

tenha sua origem entre os cantores do templo, formado por sacerdotes levitas que

haviam sido exilados na segunda deportação (587 a.C.) e que tenham se servido das

celebrações litúrgicas para transmitir sua mensagem aos participantes da

comunidade. [106]

À luz dessas informações, podemos nos perguntar: onde foi pronunciado o

cântico? No início, os deportados judaítas organizaram-se numa espécie de colônias de

escravos. Nelas podiam trabalhar para se sustentar e pagar os tributos ao estado, embora

vigiados. Podiam celebrar cultos a Javé, com rito do sábado e da circuncisão. Mesmo

não sabendo o que aconteceu com os cantores, sacerdotes, levitas e servidores do [104] Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio – História e teologia do povo de Deus no século 6º a.C., p.93. [105] Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio - História e teologia do povo de Deus no século 6º a.C. p.89. [106] Ernst Sellin e Georg Fohrer. Introdução ao Antigo Testamento, p.532; Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio - História e teologia do povo de Deus no século 6º a.C. p.93; Maria Antônia Marques e Shigeyuki Nakanose, Sonhar de novo, São Paulo, Paulus, 2004, p.12 e 73 (183p.).

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templo, deportados em 587 a.C., é plausível pensar que tenham começado a organizar as

comunidades dos escravos exilados. Não temos nada documentado sobre isto. Mas o

Dêutero-Isaías poderia nos dar boas pistas. O profeta do Dêutero-Isaías, apesar das

lamentações do povo, dizendo que Javé o tinha abandonado, busca manter viva a chama

da fé em Javé, o Deus dos pobres. Embora não sabermos oficialmente, muitos desses

cantores devem ter morrido e outros abandonado a Javé com o passar do tempo. Mas, os

que se mantiveram firmes na caminhada da comunidade, deram um novo impulso à fé

dos exilados. O local mais exato da transmissão do cântico aos escravos exilados, é

provável que tenha sido nas celebrações comunitárias.[107]

O texto do cântico do escravo deve ter surgido num contexto de conflito entre

dois sistemas sociais: tributário e o igualitário. No sistema tributário é piramidal, onde o

rei é quem manda, ele está no topo da pirâmide. O povo não tem acesso às decisões

políticas, econômicas e sociais. O rei decide tudo por todos. O povo só tem o direito de

trabalhar para sustentar a elite através do imposto ou do tributo. O sistema igualitário é

Deus que está no centro é povo é o sujeito da sua história. O povo participa das decisões

de forma partilhada.

2.6 AUTORIA

No capítulo um, quando abordamos a segunda deportação para a Babilônia, foi dito

que junto com o povo deportado foram levados os cantores do templo. Quem são eles?

Vamos voltar um pouco na história. No início da formação do povo de Israel, quando os

[107] Herbert Donner, História de Israel e dos povos vizinhos, vol.2, p.435-439.

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levitas faziam parte do grupo de lideranças orientavam a vida da comunidade, baseados

no sistema igualitário e solidário. Com a monarquia, esses líderes entraram em conflito

com o sistema, e foram expulsos do templo no tempo do rei Salomão (1Reis 2,26-27).

Com a expulsão os levitas, Sadoc, um sacerdote estrangeiro, assumiu a chefia do templo

(1Reis 2,35). Desde então, surgem dois tipos de lideranças: um grupo era dos sadoquitas

que atuavam no templo e o outro era formado pelos levitas que atuavam no meio do

povo trabalhador do interior, fora do templo. Os levitas procuravam observar as leis e as

tradições tribais, enquanto os sadoquitas oficiais, que atuavam no templo, apoiavam a

monarquia que controlava o templo de Jerusalém na arrecadação dos tributos.

Entre 640 a 609, a reforma do rei Josias proibiu qualquer sacrifício fora do templo

de Jerusalém. Os demais templos foram profanados e destruídos. Os levitas que

atuavam no interior, foram trazidos à força para Jerusalém (2Reis 23, 8-9). Os que se

recusaram obedecer às ordens do rei Josias, foram destituídos, perseguidos e alguns até

mortos. Os que foram parar em Jerusalém para sobreviver, tiveram que se submeter a

trabalhar como sacerdotes de segunda ou terceira categoria. A categoria deles era tão

baixa, que nem foram contemplados na escolha da primeira deportação para a

Babilônia. Só na segunda deportação é que parte deles foi levada para o exílio; outros

devem ter ficado em Jerusalém.

Os cantores eram pessoas simples, lideranças de segunda categoria, defensores dos

pobres. Que apesar de marginalizados eles não abandonaram a fé em Javé libertador. No

exílio, certamente, eles continuaram com o ministério de liderança nas celebrações

comunitárias. Provavelmente, foram eles que resgataram os grandes eventos do passado

e os reinterpretaram dentro de um novo contexto de opressão e sofrimento. A partir da

experiência de vida, o grupo projeta uma nova liderança baseada no amor, na partilha,

na solidariedade, na gratuidade e na ternura. “Não quebrará a cana rachada e nem

apagará o pavio vacilante” (Isaías 42,3). Outra estratégia é fazer sair o direito entre os

pobres e oprimidos (Isaías 42, 1-4).

O nome deles não sabemos, mas os vestígios deixados nos capítulos 40-55 são

bastante claros: indicam que o Dêutero-Isaías surgiu do grupo de cantores que atuavam

junto ao povo exilado na Babilônia. A favor desta hipótese temos o estilo poético e a

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semelhança com o saltério, indicando que o texto era usado nas celebrações

litúrgicas. [108]

Para Pierre Bonnard[109] os cânticos do escravo de Javé são partes integrantes e

homogêneos ao texto do Dêutero-Isaías. Não dá para separar os cânticos do `eBeD de

Javé do contexto dêutero-isaiânico. Devemos acabar de uma vez por todas com a

opinião de Bernard Duhm que atribui 42,1-4 a um autor pós -dêutero-isaiânico. que

escreveu na época do autor do livro de Jó e antes o livro de Malaquias. Sua

argumentação é que os v.5-7 foram inseridos ao texto de Dêutero-Isaías para ancorar o

cântico do escravo (v.1-4). Antes de Bernard Duhm, havia um consenso de que o

Dêutero-Isaías seria um livro independente dos capítulos 1-39. Mas, ao afirmar que os

cânticos do`eBeD de Javé eram independentes do contexto dêutero- isaiânico e que os

mesmos não pertenciam ao Dêutero-Isaías, criou divergência de opiniões. [110]

Atualmente está sendo aceita a hipótese de que os cânticos têm suas semelhanças com

os capítulos 40-55, mas também tem suas diferenças e por essas razões são estudados a

parte.

2.7 CONTEÚDO

[108] Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio – História e teologia do povo de Deus no século 6º a.C. ,p.93. [109] Pierre Bonnard, Lê Second Isaïe son disciple, Paris, Libraire Leco, 1972, p. 36-39 (560p.). [110] Bernard Duhm, Das Buch Jesaja, p.258.

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Para o estudo do conteúdo procederemos à análise das frases dentro de cada

estrofe, conforme a organização demonstrada no estudo do estilo. O texto em estudo

tem quatro versículos, os quais compõem três estrofes. A primeira estrofe é formada

pelo v.1, a segunda é formada pelos v.2-4a e a terceira estrofe pelos v.4b e 4c.

Analisaremos o conteúdo sem distanciarmo-nos do contexto em que nasceu o texto.

Vejamos, pois, o conteúdo da primeira estrofe, o v.1.

2.7.1 Apresentação e missão do `eBeD, - Primeira estrofe

Inicialmente retornaremos à tradução, dando ênfase ao literal.

yDIb.[;

!hEÜ

ABê-

%m't.a

yvi_p.n:

ht'äc.r" yrIßyxiB

wyl'ê['

‘yxiWr yTit;Ûn"

`ayci(Ay

~yIïAGl; jP'Þv.mi

Eis, (é) meu escravo,

sustento-o,

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meu eleito se compraz minha vida.

Pus o meu espírito sobre ele,

Direito às nações fará sair.

Na seção referente ao estilo, foi indicado que a primeira frase é longa e de

conteúdo denso. Para melhor estudá-la propomos dividi-la em partes. A primeira delas é

yDIb.[; !hEÜ “eis(é) meu escravo”. A frase começa subitamente com a

partícula de interjeição !h. É marcada pelo tom exclamativo e direto de falar, no

sentido de “eis”. A partícula “eis” não está apenas diante do substantivo `eBeD, ela

inicia o cântico; tem a função de chamar atenção dos ouvintes para a apresentação do

escravo. É a grande novidade. A base do conteúdo da frase encontra-se na primeira

parte. Seria semelhante à locomotiva que vai puxando as outras frases. Daria até para

imaginar o apresentador apontando com o dedo e dizendo para os ouvintes: “eis” o meu

escravo.

Nesta primeira frase aparece alguém não identificado, que se dirige a um

destinatário indeterminado para falar de seu `eBeD não identificado e diz: yDIb.[; !hEÜ “eis `eBeD meu”. Entram em cena três personagens sem

identificação. Quem são eles? O primeiro é o apresentador. Supõe-se que seja Javé

como o mestre cerimonial que apresenta o seu eBeD. O mesmo da unidade anterior que

se refere a Ciro o persa: “suscitei-o do Norte e ele veio, desde o Oriente; foi chamado

pelo seu nome. Ele pisa os governadores como lodo, da mesma maneira que o oleiro

amassa a argila” (Isaías 41,25). Desafia os ídolos, dizendo: “todos eles nada são” (Is

41,29). Agora apresenta o seu mediador dizendo: “eis, o meu `eBeD” (Isaías 42,1) e

retorna logo adiante dizendo: “eu Javé, te chamei para justiça, tomei-te pela mão e te

modelei, eu te constituí como aliança do povo e luz das nações” (Isaías 42,6). Embora a

palavra Javé esteja oculta na frase, torna-se evidente quando aparece o sufixo

pronominal possessivo da primeira pessoa no substantivo yDIb.[; `abDi “escravo meu” o escravo tem dono. Mesmo não revelando a identidade do dono, a

partícula “eis” e o sufixo “meu” indicam que o apresentador é Javé.

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O segundo personagem que aparece sem identificação na primeira frase é o

db[.`eBeD . Muito já foi escrito a respeito desta questão, mas até o momento não

temos uma resposta definitiva e unânime. Mas antes de recolocarmos a questão em

relação ao contexto de onde surgiu o texto, vamos recolher algumas informações que

poderão ter colaborado com a formação do conceito db[ `eBeD no exílio

babilônico.

Como substantivo, a palavra db[ `eBeD é de longe a palavra mais comum

no Antigo Testamento para indicar o “escravo”, “servo”, “empregado”, “colono”[111].

Achamos por bem manter o sentido de “escravo” em nossa tradução, enquanto não

identificarmos o conteúdo do texto.

A raíz do verbo db[ `aBaD é “trabalhar”, “servir”, “adorar”[112]. Designa

qualquer tipo de trabalho ou serviço, tanto profano como religioso. No campo profano

desde o escravo até o ministro do rei, até o rei vassalo, todos “trabalham” e poderiam

estar contemplados no conceito db[ `eBeD. No campo religioso, qualquer pessoa

que presta serviço à divindade é “trabalhar”[113]. Mas o uso e significado de “trabalhar”

não se restringem apenas ao âmbito da servidão. Surgem então os problemas para

definir o quem é o `eBeD nos v.1-4. Muito já foi escrito. Até o momento temos quatro

teorias: coletiva, individual, mista e messiânica.[114]

As poucas informações que existem sobre os exilados na Babilônia andam

desencontradas. O que sabemos é que os judaítas exilados não foram propriamente

escravizados. [115] O modo de produção do império babilônico não era escravagista, mas

tributarista. Mas isto não quer dizer que não havia exploração da mão-de-obra na

realização das obras públicas e no exército. Principalmente os exilados judaítas, que [111] Nelson Kirst, Nelson Kilpp, Milton Schwantes, Acir Raymann e Rudi Zimmer, Dicionário hebraico-português & aramaico-português, p.171. Veja em Ludwig Koehler e Walter Baumgartner (editores), Lexicon in Veteris Testamenti Libros,Leiden, E.J. Brill, 1985, p.671 (1138p.). [112] Nelson Kirst, Nelson Kilpp, Milton Schwantes, Acir Raymann e Rudi Zimmer, Dicionário hebraico-português & aramaico-português, p.171, Ludwig Koehler e Walter Baumgartner (editores), Lexicon in Veteris Testamenti Libros,Leiden, p.671. [113] Veja mais: Claus Westermann, db[ “Siervo”,em Ernst Jenni e Claus Westermann (editores), Diccionario teológico m anual del Antiguo Testamento, vol. 2, col.242-262. [114] Luis Alonso Sckökel e José Luis Sicre Diaz, Profetas I, p.278-279. [115] Herber Donner, História de Israel e dos povos vizinhos, p.435-439.

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anteriormente em Jerusalém governavam, faziam leis, controlavam o comércio,

arrecadavam tributos, exploravam os trabalhadores, agora, em terra estrangeira, estão

experimentando o sabor da servidão/escravidão. Trabalham para sustentar e enriquecer

os outros com o seu suor. Antes, mandavam no povo trabalhador, agora acontece o

contrário: têm que obedecer e trabalhar. Eles que oprimiam, agora são oprimidos e

explorados. Eram “surdos”, “cegos”, “presos”, “saqueados”, “deportados como

despojo” (Isaías 42, 18-22). Assentados à força em diversas colônias, possivelmente do

Estado, eram obrigados a trabalhar e a pagar tributo. Não dá para dizer que viviam

como escravos sob o chicote e a contínua opressão. Esta visão parece não corresponder

à realidade dos exilados, mas também não se deve negar o sofrimento e a humilhação

daqueles que faziam parte da ex-elite, em Judá. Quem sempre viveu da exploração e da

opressão como era o caso dos judaítas deportados para o exílio, sentir-se agora na

obrigação de trabalhar para sustentar o estado é humilhante de mais.

A interpretação mais comum, como vimos no primeiro capítulo, é que os

judaítas exilados na Babilônia viviam juntos, agrupados na condição de súditos,

reassentados à forca, mas de modo algum no sentido atual de escravos. Tinham relativa

liberdade de ir e vir. Podiam construir casas, cultivar plantações, praticar comércio e

levar uma vida quase normal (Jeremias 29). Administravam-se a si mesmos, sob a

direção dos “anciãos entre os exilados” (Jeremias 29,1; Ezequiel 8,1; 14,1; 20,1), em

parte era como anteriormente em Jerusalém e estavam organizados em famílias e

“comunidades” (Esdras 2). Com o tempo, alguns prosperaram e enriqueceram (Esdras

1,6; 2,68-69). Até o comércio de escravos lhes foi permitido (Esdras 2,65).[116] Pode-se

até pensar que os exilados tinham seu sistema de educação acadêmico e quem sabe até

casa bancária!

O modelo de assentamento foi decisivo par a sobrevivência dos exilados. O fato

de terem sido assentados em grupos facilitou o cultivo da sua língua, seus ritos, seus

costumes, sua religião e, em suma, lhes preservou a identidade original.

Outro fator importante que marcou a vida dos exilados foi a fé em Javé. Talvez

fosse a força motora aglutinadora do exilados. Em terra estranha, já não era viável

sacrificar, mas nem por isso deixaram de acreditar em Javé. Reorganizaram a vida de

[116] Herber Donner, História de Israel e dos povos vizinhos, p.436.

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oração, onde a palavra, a profecia e os cânticos, passaram a desempenhar um papel

importante. Os ritos do sábado e da circuncisão tornaram-se caracteres da identificação

da comunidade judaíta. .[117]

Falta identificar a situação dos que não prosperaram. O livro de Lamentações

conta-nos a situação dos judaítas que ficaram na Palestina, enquanto o Dêutero-Isaías

profetiza a partir da situação dos exilados na Babi lônia. Cada qual tem sua

característica, mas os dois têm algo semelhante: denunciam o sofrimento do povo. O

Dêutero-Isaías viu nos exilados o “escravo de Javé”, que trabalhava para sustentar a

luxúria dos palácios e dos templos babilônicos. Como frutos de conquistas de guerras,

eram tratados como prisioneiros, poderiam ser manejados conforme as necessidades do

Estado: na agricultura, pecuária, nas obras públicas e no exército: construção de

estradas, palácios. Os revoltosos eram confinados nas prisões.[118]

Interessam-nos aqueles marginalizados e explorados pelo sistema, tratados como

prisioneiros de guerra, forçados a trabalhar, obrigados à “corvéia” e a pagar tributo para

a manutenção da máquina administrativa do estado. [119]

Para falar da vida destes trabalhadores exilados e considerados como “despojo,

saque, prisioneiros de guerra” (Isaías 42,18-25), o autor usa o termo db[ `eBeD,

“escravo”. É um termo ambíguo porque vem a idéia de que Javé é um Deus

“escravizador”. Os exilados são “escravos de Javé” é viável pensar que o termo

“escravos” refere-se à situação de dependência que eles estavam vivendo, seja em

relação ao império babilônico, seja em relação a Javé. .[120]

Os exilados pensavam que Javé tinha sido derrotado pelos deuses da Babilônia,

mas foi totalmente ao contrário: Javé foi o responsável pelo exílio dos judaítas. Eles

pecaram contra Javé, oprimindo o povo. “Assim derramou ele (Javé) sobre Israel a sua

ira e o furor da guerra, ela ardeu por todo o lado, mas (Israel) não compreendeu; ela

chegou a queimá-lo, mas ele não se impressionou”. (Isaías 42,15)

[117] Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio – História e teologia do povo de Deus no século 6º a.C.,p.24. [118] Maria Antônia Marques e Shigeyuke Nakanose, Sonhar de novo, p.12. [119] Júlio Paulo Tavares Zabatiero, “Servos do Império - Uma análise da servidão no Dêutero-Isaías”, em Estudos Bíblicos, Petrópolis, Vozes, 1988, n.18, p.38. (p.37-43). [120] Júlio Paulo Tavares Zabatiero, “Servos do Império - Uma análise da servidão no Dêutero-Isaías”, em Estudos Bíblicos, Petrópolis, Vozes, 1988, n.18, p.40.

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Enfim, a frase inicial não revela quem é o db[ `eBeD “escravo” apresentado

e sustentado por Javé. A palavra db[ `eBeD “escravo” no Antigo Testamento tem

um significado bastante variado e já rendeu muita discussão. Por sua origem, evoca uma

situação de dependência, serviço, humilhação, mas também de honra e prestígios. A

questão é complexa. Não vamos poder debatê-la aqui, porque transcenderia os limites

do nosso trabalho. Restringimo-nos a chamar atenção da sua importância. E dizermos

que a grande tendência atual é identificar o db[ `eBeD com a comunidade judaíta

exilada na Babilônia. Este também será o nosso caminho, o db[ `eBeD como o

povo escolhido e consagrado por Javé e com a missão de fazer surgir uma nova

sociedade a partir da justiça e do direito. Outras passagens paralelas do Dêutero-Isaías

dão a Israel o título de db[ `eBeD : 41,8-10; 43,10; 44,1.2.21 (2 vezes); 45,4;

48,20; 49,3.[121]

Uma terceira personagem, que supostamente está presente na primeira frase e

não aparece em sua identificação, é o público, os espectadores ou o auditório da

apresentação. Suspeita-se que seja o mesmo auditório do discurso anterior de 41,21-29

que precede a nosso texto. Os espectadores - “vós”- se ocultam por trás das palavras. O

texto não revela quem são. A partir da expressão “eis”, dá-se a entender que está

dizendo: “eis”, “vede vós aí o escravo meu”. Sem nenhuma identificação é feita a

apresentação. Não aparece o nome de personagens, nem do lugar e nem a data da

apresentação. O que se tem é que a partícula “eis” introduz uma nova unidade

colocando em cena personagens sem identificação. Há falta de precisão nas palavras. O

texto abre uma questão, sem preocupações de dar logo a resposta.

A segunda frase é Ab-%m't.a,- e foi traduzida por “sustento-o”. Seu

verbo tem outras variantes como: “tomar”, “segurar”, “agarrar”[122]. Quase sempre é

empregado em contextos de assuntos morais. Também se usa o verbo para designar a

[121] Veja, parágrafo 2.1.2 da crítica textual onde a Septuaginta (LXX) denomina o db[ `eBeD por Jacó

e Israel. São indicadores favoráveis que sustentam a nossa sugestão de que o db[ `eBeD do nosso texto é povo judaíta exilado na Babilônia. [122] Nelson Kirst, Nelson Kilpp, Milton Schwantes, Acir Raymann e Rudi Zimmer, Dicionário hebraico-português & aramaico-português, p.267.

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ação soberana com que Deus ordena os acontecimentos da história. Javé traz o

julgamento onde for necessário (Amós 1,5.8). Na frase, Javé apresentou seu db[ `eBeD “escravo” a quem “sustentará”. Quem é escravo que Javé sustenta, que é solidário

e defensor? O passado revela que é o povo sofrido que nele confia.

O verbo $mt “sustentar” tem um sentido de força física, sendo ontológico e

teológico. Em todos os sentidos, pode ser traduzido por “sustentar”. Em nosso caso, a

construção gramatical do verbo tem a preposição b “em”, mais um sufixo pronominal

da terceira pessoa do masculino singular w “ele”, traduzido por: “sustento nele”,

“sustento-o”.

Com grande ênfase, o verbo “sustentar” está presente no ritual litúrgico da

tradição real. Nas festas litúrgicas da Mesopotâmia, todos os anos o rei desfilava em

proc issão pela via sagrada, segurando a mão da estátua de Marduk que simbolizava as

divindades. O gesto expressava o pedido de proteção e segurança aos deuses para

desempenhar bem sua missão de governar.[123]

O sujeito do verbo é Javé. É ele quem sustenta o eBeD. Em passagem que segue

ao nosso verso, lê-se diz: “eu, Javé, chamei-te para o serviço da justiça, tomei-te pela

mão e te modelei” (Isaías 42,6). O gesto de sustentar pela mão, oriundo da tradição real,

foi transferido para o povo, neste caso para “Israel exilado”. Quer dizer, Javé vai ser

solidário com seu `eBeD. Vai protegê-lo, para que não caia e nem se desanime. Em

outra passagem lê-se: “a minha vida está em ti e tua direita me sustenta” (Salmos 63,9).

São necessários força, poder e disposição para sustentar. Javé tem tudo isso. Ele

é o Senhor, todo poderoso; seu braço assegura a sua autoridade (Isaías 40,10). É o

“criador eterno, foi ele quem criou os confins do mundo; não se cansa, nem se fatiga,

sua inteligência é insondável” (Isaías 40,28; cf.24,5). Ele é o redentor, solidário, que

perdoa e tem compaixão do seu povo (Isaías 43,1; cf.14; 44,6; 47,4; 49,7,26; 55,5).

A ação do verbo “sustentar”, no qal imperfeito da primeira pessoa do singular

pode ser entendida tanto no presente como no futuro. Javé já o está sustentando e o [123] Jean Steinmann, O livro da consolação de Israel , p.128. Confira também Ernst Sellin e Gerg Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, p.532.

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sustentará. Há semelhança de conteúdo com o seguinte texto, onde aparece Javé falando

com Israel dizendo:

“E tu, Israel, meu servo,

Jacó, a quem escolhi,

(...) Não temas, porque estou contigo,

não te apavores, pois eu sou o teu Deus,

eu te fortaleci, sim te ajudei,

eu te sustentei com a minha destra justiceira.” (Isaías 41,8-10)

Nesta passagem aparece com mais evidência a relação de confiança e

solidariedade de Javé com o Israel no exílio.[124] Não resta dúvida: a frase se completa

com o sentido do verbo, onde Javé garante ao seu escravo sustento no presente e o

sustentará também no futuro. Esta frase pode ter influenciado Isaías 42,1-4.

Diante da situação de sofrimento, exploração e marginalização que o povo

exilado estava vivendo, Javé se apresenta como o redentor, o salvador e lhe diz: “tu és

precioso aos meus olhos, és honrado e eu te amo” (Is 43,4). É fundamental acreditar

num poder superior que nos ama, nos sustenta e nos salva.

A terceira frase é yvi_p.n: ht'äc.r" yrIßyxiB

“eleito meu se compraz vida minha” A raiz do verbo rxb tem algumas variantes, mas

os significados praticamente são os mesmos, como: “provar”, “escolher”, “eleger”,

“selecionar”[125]. A frase está subordinada de tal forma, que o adjetivo inclina-se para

qualificar o substantivo da frase anterior e as duas se completam: “eis (é) o meu `eBeD;

sustento-o; o meu eleito compraz minha vida”.

[124] Ronald F. Youngblood, $mt “Segurar”, “agarrar”, “sustentar”, em R. Laird Harris, Gleason L. Archer Jr. Bruce K. Waltke (editors), Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 2002, p.2520. [125] Nelson Kirst, Nelson Kilpp, Milton Schwantes, Acir Raymann e Rudi Zimmer, Dicionário hebraico-português & aramaico-português, p.25.

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O db[ `eBeD não foi identificado na apresentação, está sendo aprovado e

qualificado para liderar a missão. Javé escolheu o melhor, o mais adequado para fazer

sair o direito para as nações. Geralmente se elege o que se quer ter, do que se gosta, o

preferido, o cobiçado, o mais valioso. Certamente foi este o critério utilizado por Javé

na eleição. “Se Javé se afeiçoou a vós e vos escolheu, não é por serdes o mais numeroso

de todos os povos pelo contrário: sois o menor dentre os povos! – e sim por amor a vós

e para manter a promessa que ele jurou aos vossos pais;...” (Deuterômio7,7-8).

Desde a saída do Egito, o título de eleito pertência ao povo libertado por Javé

sob a liderança de Moisés, mas a monarquia apropriou-se desta idéia na eleição do rei.

Com isto, quem saiu perdendo foi o povo[126]. O rei passa a ser visto como o eleito de

Javé. Com isso, excluiu o povo das decisões políticas, econômicas e religiosas. O rei

decidia as questões conforme os seus interesses. Ninguém mais poderia duvidar do rei

porque ele era o eleito. Esta mudança só desgraçou a vida do povo, a ponto de parar no

exílio novamente. Foi no sofrimento do cativeiro, que o grupo do Dêutero-Isaías

começa a fazer uma releitura do passado e percebe a distorção do sentido da eleição

feita pelo sistema monárquico. Para o grupo profético do Dêutero-Isaías, esta

manipulação foi o motivo que levou Israel e Judá a parar no exílio. Resgatar o sentido

originário da eleição constituía o centro de uma nova proposta de vida. Isto implicaria

numa mudança radical da estrutura econômica, política, social e religiosa. Os motivos

são claros. A experiência provou que o rei na liderança causou um grande mal para o

povo. Por isso foi desqualificada por Javé. Embora não identificada, Javé apresenta uma

nova liderança eleita para fazer sair o direito para as nações no exercício da Justiça.[127]

No exílio foi resgatado o significado de que o povo exilado é o povo eleito.

Conectando a essa idéia do passado, vem o conceito de que o povo eleito é o povo

consagrado. Esta opinião faz ligação com a próxima frase, onde Javé colocou seu

espírito sobre o seu eleito. A eleição feita por Javé é para sempre, sua palavra é eficaz:

“ela não volta a mim sem efeito, sem ter cumprido o que eu quis, realizado o objetivo de

sua missão” (Isaías 55,11; 40,8). Em torno desta certeza é que o profeta reinterpreta o

[126] O profeta Amós condena em nome de Javé a vida corrupta das autoridades. A falsa segurança nos ritos vazios, nos quais a alma não se compromete (5,21-22). A vingança será terrível (6,8-9) executada por um povo eleito por Javé (6,14). [127] Hans Wildberger, rxb “Elegir”, em Ernst Jenni e Claus Westermann (editores), Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento , vol.1, col.419-422.

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passado dentro de um novo contexto e resgata o sentido autêntico da eleição, com um

ato de amor absoluto e insondável de Javé com seu povo. A eleição indica que Javé

amou e continua amando o seu povo eleito, mas por outro lado exige obediência e

fidelidade. A palavra que fundamenta esta relação de amor parte de Javé e exige uma

resposta de amor nas relações sociais, políticas e econômicas de seu povo. [128]

O Dêutero-Isaías faz uma ponte, ligando o passado com o presente, para mostrar

que Javé continua sendo fiel às promessas feitas aos seus antepassados:

“E tu, Israel, meu servo,

Jacó, a quem escolhi,

descendência de Abraão, meu amigo,

tu, a quem tomei desde os seus confins da terra,

a quem chamei desde os seus recantos longínquos

e te disse: ‘Tu é o meu servo,

eu te escolhi, não te rejeitei.” (Isaías 41,8-9; veja 43,10,20; 44,1,2;45,4; 48,10)

Essas passagens indicam que o eleito não é o rei e sim o povo empobrecido e

desanimado que se encontrava no exílio. Javé não o escolheu por ser o melhor, ou

porque o trabalho com ele seria mais fácil. Ao contrário, por ser o mais complicado, é o

mais exigente, o mais difícil (Isaías 42,18-25; cf. 43,24-26; 48,4-5; 48,18-19). Javé não

escolheu o enfraquecido para estar pedindo esmola para os ricos opressores. Dos ricos

gananciosos Javé não quer esmola, quer apenas justiça, que devolva ao povo o que lhe

pertence;

“Reis serão teus tutores,

Princesas serão tuas amas-de-leite.

[128] Mais informações sobre este assunto, Hans Wildberger, rxb “Elegir”,em Ernst Jenni e Claus Westermann (editores), Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento , vol.1, col.406-439.

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Prostrar-se-ão diante de ti com o rosto em terra,

E lamberão os teus pés.

Então saberás que eu sou Javé:

Aqueles que esperam em mim não serão confundidos”. (Is 49,23-26)

O rico está sendo convocado a restituir o que roubou do pobre. Devolver ao

pobre a coragem e alegria de viver bem a vida. Javé escolheu o `eBeD não por ele dar

mais lucro ou ter vantagens. Nem por ele ser uma força produtiva ou criativa, nem para

transformar o mundo opressor num mundo igualitário e fraterno. Ao contrário, escolheu

o `eBeD para levar para todas as nações o direito. Javé quer mostrar quem ele é, e o que

ele é capaz de fazer sem apoio de ninguém.

“Eis aqui o Senhor Javé: ele vem com poder,

Seu braço assegura a sua autoridade,

Eis com ele o seu salário,

Diante dele a sua recompensa.

Como um pastor ele apascenta seu rebanho,

Com o braço reúne os cordeiros,

Carrega no regaço,

Conduz carinhosamente as ovelhas que amamentam”. (Isaías 40,10-18; cf.

43,10-13; 44,6-8)

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Javé não escolheu o eBeD para se vingar e destruir a Babilônia e outros regimes

opressores, para isso Javé escolheu Ciro, rei persa, ele foi encarregado com seu exército

de executar esta tarefa em favor dos exilados (Isaías 41,1-5; 44,28).

Javé preferiu o eBeD porque ninguém mais esperava mais nada dele. “Foram

submetidos ao saque, e não há quem os liberte, foram levados como despojo, e não há

quem reclame a devolução” (Isaías 42,22). Essa escolha feita por Javé foi um gesto de

amor em favor do `eBeD porque nele ainda se encontrava um sonho de Deus para toda a

humanidade: oprimido não oprimia; explorado, não explorava; violentado, não usou de

violência (Isaías 42,2-3).

Javé faz uma escolha de risco ao se comprometer com um povo que não quer

nada com nada: “Ouvi, ó surdos! Olhai e vede ó cegos! Mas quem é cego senão o meu

servo? E que é surdo como o mensageiro que envio?” (42, 18-19). Javé escolheu, elegeu

o povo exilado como o líder para liderar a missão depois da lição do cativeiro. Essa

missão é mais um risco, porque Javé exige que este povo desorganizado, explorado,

sem fé, sem ânimo, tenha uma ação transformadora, “fazer sair o direito para as nações”

(42,1.3.4). Mais ainda, este eleito foi constituído para ser “aliança do povo e luz para

das nações” (42,6; 49,5-6). Tem tudo para não dar certo, segundo o nosso jeito de

pensar. Mas Javé é Deus, ele sabe o que faz, ele sabe quem escolheu (Is 55,8). E por

isso pode dizer ele é meu eleito, ele me pertence. [129]

Nesta terceira frase aparece uma novidade. yvi_p.n:

ht'äc.r" “compraz-se vida minha.” O conteúdo expressa sentimentos de Javé

para com seu povo eleito. Quer dizer que Javé está contente com a escolha. Javé diz que

o `eBeD lhe faz bem. É um prazer sustentar seu eleito. Javé gosta dele. É como uma

declaração de amor que expressa alegria, paz e solidariedade. Poderíamos até imaginar

Javé dizendo: “eis (é) meu escravo, meu-amado, meu-escolhido sustento-o”. Javé tem

sentimentos de cordialidade para com seu eBeD eleito. Foi por amor que Javé escolheu

Israel exilado, “pois tu és precioso aos meus olhos, és honrado e eu te amo” (Isaías 43,4;

49,15-16).

[129] Sebastian Bergmann e Helmer Ringgren, rxb “Elegir”, G. Johannes Botterweck e Helmer Ringgren (editores), Diccionario teológico del Antiguo Testamento , Madri, Ediciones Cristiandad, vol.1, 1973, col.597-614 (1100 col.).

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A raiz do verbo hcr tem uma variedade de variantes, mas na base está o

sentido de “ter satisfação”, “prazer”, “agradar-se”[130]. Usa-se com freqüência para

descrever a satisfação de Deus para com seus servos, com particular referência ao seu

escravo em 42,1. Paralelo temos em Salmos 147,10-11. Há uma variedade de

conotações em torno do verbo, hcr, mas sua grande importância repousa no fato de

constituírem as expressões antropomórficas mais comuns da vontade preceptiva de

Deus.[131] A alegria de Javé é que o povo pobre seja o líder, o mestre de obra na

construção de mundo mais justo e fraterno.

O substantivo vpn foi traduzido por “vida”, mas tem também outros

significados como: “garganta”, “respiração”, “alma”, “sentimento”, “vontade”[132]. Mas

considerando o contexto do exílio e a opinião de Claus Westermann[133] e Bruce K.

Waltke[134] optamos traduzi-lo por “vida”. Visto que na raíz da palavra vpn os

significados básicos são: “vida” e “alma”[135]. Mas as duas definições expressam

praticamente o mesmo significado no campo semântico.

O conteúdo da terceira frase expressa sentimentos de alegria, paz e felicidade de

Javé com seu povo eleito. Javé está feliz, satisfeito, contente com o seu db[ `eBeD.

Depois da apresentação do “meu escravo”, “meu eleito”, vejamos a quarta frase,

onde Javé começa a preparar o seu escravo: wyl'ê[' ‘yxiWr

yTit;Ûn" “pus o espírito meu sobre ele”. Javé colocou sobre seu db[ [130] Nelson Kirst, Nelson Kilpp, Milton Schwantes, Acir Raymann e Rudi Zimmer, Dicionário hebraico-português & aramaico-português, p.232-233. [131] William White, hcr “agradar-se de”, R. Laird Harris, Gleason L. Archer Jr., Bruce K. Waltke (editores), Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p.1450-1451. [132] Nelson Kirst, Nelson Kilpp, Milton Schwantes, Acir Raymann e Rudi Zimmer, Dicionário hebraico-português & aramaico-português, p.159. [133] Veja Claus Westermann, vpn “Alma”, em Ernst Jenni e Claus Westermann (editores), Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento , vol.2, col.102-133. [134] Bruce K. Waltke, vpn “Vida”, “alma”, em R. Laird Harris, Gleason L. Archer Jr., Bruce K.Waltke (editores), Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p.981-986. [135] Claus Westermann, vpn “Alma”, em Ernst Jenni e Claus Westermann (editores), Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento , vol.2, col.106.

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`eBeD, o seu espírito, Ele o consagrou e o assinalou para uma missão. O conteúdo da

frase está em sintonia com as frases anteriores e faz ligação com a próxima frase.

A apresentação do “escravo” é acompanhada com a doação do espírito de Javé.

O escravo eleito recebe o espírito de Javé para que possa agir de acordo com a vontade

deste. Existem paralelos semelhantes no Antigo Testamento, onde é aplicada a mesma

linguagem aos juízes (“o espírito de Javé estava sobre ele” Jeremias 3,10), aos rei; (“o

espírito de Javé precipitou-se sobre Davi” 1Sm 16,12), aos profetas (1Reiss 18,12;

Ezequiel 3,12,14).

O significado de xwr é amplo e pode exibir um vasto campo de sentidos. Para

o Antigo Testamento, xwr “espírito” é uma força dinamizadora, criativa, semelhante

ao vento que está em constante movimento (Isaías 32,2; 41,16; 57,13). É uma força que

tem poder energizador capaz de colocar em movimento outras coisas (Is 17,13), algo

que o ser humano sente, ouve seu barulho, mas não o vê (2Reis 3,17; Eclesiástico 11,4)

e nem pode retê-lo (Eclesiástico 8,8).

A raiz do verbo !tn tem uma variedade de variantes. As duas principais são:

“dar” e “colocar”[136]. O significado principal expressa uma ação que põe em

movimento outra coisa ou pessoa. Seria como dar ânimo, coragem, apoio para que

alguém esteja em condições para exercer uma função. Neste sentido, Javé deu o seu

espírito a seu povo para desempenhar a tarefa com alegria e criatividade. Javé deu

condições, coragem e sabedoria ao povo para não frac assar na missão. O sufixo

pronominal que acompanha o substantivo xiwr “espírito” garante que o espírito

colocado sobre o “povo eleito” é de Javé.[137]

Resumindo, a frase apresenta um ritual da unção. Baseamo-nos nos pressupostos

apresentados de que o grupo do Dêutero-Isaías, faz uma releitura do passado,

[136] C. J. Labuschagne !tn “Dar”, em Ernst Jenni e Claus Westermann (editores), Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento, vol.2, col.159-189. [137] Rainer Albertz e Claus Westermann, xwr “Espíritu”, em Ernst Jenni e Claus Westermann (editores), Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento, vol.2, col.945.

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resgatando os conceitos tradicionais que marcaram a vida do povo de Israel, e os re-

atualizam dentro de uma nova situação, devolvendo- lhes os sentidos originais. É de se

pensar que Javé ao escolher e consagrar o db[ `eBeD , aprova o sistema

comunitário e reprova o sistema da monarquia que colocava todo o povo ao seu serviço

do rei. Por Javé coloca o seu espírito sobre o povo e não sobre o rei. Recupera o sentido

original coletivo da unção. Israel é o povo eleito escolhido por Javé desde o Egito. Este

povo tem a missão de ser povo eleito de Deus. Javé escolheu uma vez para sempre sua

palavra não falha. O povo é que vai fazer sair justiça com o “espírito de sabedoria e

inteligência, espírito de conselho e fortaleza, espírito de conhecimento e de temos de

Javé” (Isaías 11,2). O povo será o protagonista e sujeito da sua história. [138] Diante deste

panorama, a missão não será passiva, ela tem o dinamismo de Javé expresso no seu

Espírito.

Na quinta frase, Javé revela a missão que o seu db[ `eBeD vai

desempenhar: ayci(Ay ~yIïAGl; jP'Þv.mi “direito para as

nações fará sair”. A frase parece ser conclusiva e decisiva para a compreensão da

estrofe. Começando a frase final da estrofe com uma palavra de significado tão amplo

como jpvm “direito”, pode-se pensar que a estrofe vai ter uma conclusão com

chave de ouro. Esta maneira de falar, direta, pode estar indicando que não há muito

tempo para se perder em detalhes. O tempo chegou. Não se pode mais esperar por isso

“eis (é) o meu db[ `eBeD vai fazer sair direito para as nações”. Isto é urgente. Por

isso:

“Consolai, consolai meu povo,

diz o vosso Deus,

falai ao coração de Jerusalém e dizei-lhe em alta voz

[138] Veja mais em Rainer Albertz e Claus Westermann, xwr “Espíritu”, em Ernst Jenni e Claus Westermann (editores), Diccionário teológico manual del Antiguo Testamento , vol.2, col.914-947.

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que seu serviço está cumprido,

que sua iniqüidade já foi expiada,

que ela recebeu da mão de Javé paga dobrada

por todos os seus pecados.” ( Isaías 40,1-2)

A missão acontece num clima de alegria e de urgência. O povo que esteve

submetido à exploração no cativeiro, já pagou até dobrado seu pecado. Tem o direito de

sair com honra e alegria o quanto antes desta situação.

O substantivo do jpvm vem da raiz jpv. Significa: “julgar”, “punir”,

“dar sentença”. [139] Devemos, porém, compreender este “julgar” não como o tomamos

atualmente, isto é, como ‘pronunciar um julgamento, uma sentença’, mas como todas as

ações de um processo para fazer sair o direito e a justiça. [140] O significado do conceito

flutua simultaneamente entre “direito” e “julgamento”, “sentença”. Mas o ponto central

repousa claramente no reino da justiça, que surge através do julgamento e da lei.[141]

A significação central do conteúdo da palavra jpvm poderá nos ajudar a

indicar o caminho para a compreensão da mensagem. Além do vasto campo de uso, há

falta de objetividade e clareza do significado da palavra jpvm. Ela ainda pode

mudar de significado, dependendo do contexto. Ocorre com freqüência no Antigo

Testamento e no Dêutero-Isaías, evocando questões jurídicas, religiosas, políticas,

sociais e culturais. É utilizada também pelos profetas contra as autoridades, “por acaso

não cabe a vós conhecer o jpvm “direito”, a vós que odiais o bem e fazei o mal, (...)

vós que arrancais a pele e a carne de seus ossos?” (Miqueias 3,1-2). “Eles não respeitam

os órfãos e não fazem direito aos pobres” (Jeremias 5,28). Percebe-se neste caso que o

[139] Nelson Kirst, Nelson Kilpp, Milton Schwantes, Acir Raymann e Rudi Zimmer, Dicionário hebraico-português & aramaico-português, p.259. [140] Léon Epsztein, Justiça social no Antigo Oriente Médio e o povo da Bíblia, São Paulo, Paulinas, 1990, p.61 (207p.). [141] B. Johnson, jP'Þv.mi, jp,v, jwpv., em G. Johnnes Botterwek, Helmer Ringgren e Heinz Josef Fabry (editores), Dictionary of the Old Testament, Michigan, Eerdmans, vol.9, 2001, p.87-88.

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jpvm “direito” tem suas raízes no verbo “julgar”. Este julgar que não é apenas

pronunciamento de uma sentença, mas um julgamento que reivindica o

restabelecimento de uma ordem desfeita. [142] Sobretudo o direito vale nas relações

sociais entre pobres e ricos, escravos e senhores. A expressão jpvm ayci(Ay “ fazer sair direito” tende a relacionar-se para fora, com o bem comum como direito de

todos. Torna-se uma chave de leitura para o nosso texto. Javé assume a causa do

escravo para desmascarar os sistemas de opressão que se sustentam nas falsas

ideologias.

Para Hans G. Kippenberg[143], jpvm foi gestado na experiência tribal de

Israel, onde o bem-estar e a defesa da vida eram tarefa e compromisso de todos.[144] No

início, a palavra jpvm estava relacionada com a lei básica da vida. Aos poucos, o

conceito evoluiu e passou do significado ético e religioso, para o político e jurídico.

Nas línguas semíticas, jpvm “direito” aparece como algo obrigatório e

necessário para a vida. [145] jpvm é fruto de um jpv “julgar”, comprometido

com a justiça e a ordem desfeita. Não deve ser tomado como um conceito abstrato, e

sim como uma opção concreta profundamente ligada à vida. [146]

O substantivo jpvm ocorre sem artigo, seguido do substantivo

~yIïAGl “para as nações” e da forma verbal ayci(Ay que foi traduzido

por “fazer sair direito”, mas também tem outros significados como: “levar para fora”,

[142] B. Johnson, jP'Þv.mi, jp,v,,, jwpv., em G. Johnnes

Botterwek, Helmer Ringgren e Heinz Josef Fabry (editores), Dictionary of the Old

Testament,vol.9, p.88. [143] Hans G.Kippenberg, Religião e formação de classes na antiga Judéia , São Paulo, Paulinas, 1988, (173p.). [144] Hans G.Kippenberg, Religião e formação de classes na antiga Judéia , p.23-39. [145] H. Brunner, “Gerechtigkeit als Fundament des Thrones”, em Vetus Testamentum , Leider, E.J.Brill, vol.8, 1958, p. 426-428. [146] Gerard Liedke, jpv “Juzjar”, em Ernst Jenni Claus Westermann (editores), Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento,vol.2, col.1258

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“fazer surgir”, “produzir”[147]. O verbo está no imperfeito. Visa a uma ação, a um

projeto de vida e bem estar para todo o ser humano. O significado profundo do sentido

de jpvm pode nos ajudar entender melhoro conteúdo da missão do escravo eleito por

Javé e o Antigo Testamento. No contexto, a terceira frase da primeira estrofe parece não

designar uma ação jurídica, mas um direito que sai de Javé através da ação do seu

escravo eleito. Para o entendimento da questão, cito um texto paralelo:

“Atende-me, povo meu, dá-me ouvidos, gente minha!

Porque de mim sairá uma lei,

Farei meu direito com a luz entre os povos.

Breve chegará minha justiça, surgirá minha salvação.” (Isaías 51,4-5; veja

Salmo 37,6)

Esta intervenção de Javé na história através do seu db[`eBeD para salvar a vida dos

pobres marginalizados, que está sendo ameaçada, aproxima-se também do seguinte

texto:

“Javé julgará as nações

Corrigirá muitos povos.

Estes quebrarão as suas espadas, transformando-as em relhas,

E suas lanças, em foices.

Uma nação não levantará mais a espada a outra,

E nem se aprenderá mais a fazer guerra.” (Isaías 2,4)

[147] Nelson Kirst, Nelson Kilpp, Milton Schwantes, Acir Raymann e Rudi Zimmer, Dicionário hebraico-português & aramaico-português, p.92.

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Trata-se de uma ação divina construtiva para humanizar a vida do ser humano

que está correndo risco. O substantivo ~yIïAG está prefixado pela preposição l

“para”. Ela está indicando uma direção, o destino do jpvm. É como se fosse o

endereço, os destinatários da missão. É uma conclusão pensada com atenção a partir da

realidade, para que o sentido do conteúdo central e seu significado estejam ancorados

numa experiência profunda de Deus na vida do povo. Com isso, a conclusão da frase é

decisiva para a compreensão da estrofe. O conteúdo dos substantivos da frase final

indica que a conclusão da estrofe é em alto estilo assim como foi à abertura. As frases

anteriores prepararam o chão para o lançamento da pedra fundamental que é a missão e

os seus destinatários. O jpvm acolheu positivamente o sentido dos pressupostos das

frases anteriores ancorando a missão do povo em Javé.

O substantivo ~yIïAG; foi traduzido por “nações”. O significado e o

sentido designam as “nações estrangeiras” que abandonaram sua pátria. No plural a

palavra ~yIïwG “nações” passou a ser um sinônimo para designar os

estrangeiros não circuncidados, gentios e pagãos.[148] Mas resta-nos algumas

interrogações na identificação dos ~yIïwG “nações”. Na época havia judaítas

exilados na Babilônia, no Egito, na Assíria e os que ficaram nos territórios da Palestina,

viviam sob a opressão de povos estrangeiros. Neste caso sempre é um risco definir o

sentido da palavra a partir dos dicionários ou concordâncias, seria melhor estudar o

contexto de onde surgiu o texto. O sentido mais próximo do contexto do exílio da

palavra ~yIïwG “nações”. Visto que o Dêutero-Isaías trabalha com perspectivas

missionárias universais, contempladas nos v.3 e 4 do nosso texto.

O verbo ayci(y “fazer sair”, “levar para fora” indica um movimento de

dentro para fora criando novas expectativas. Encontra-se aqui no hifil imperfeito da

terceira pessoa masculino do singular. Neste caso não se refere à ação criadora de Deus,

mas designa a vontade de Deus na ação do seu db[ `eBeD. O verbo acy

[148] R. Martin-Achard, ywG “Pueblo”, em Ernst Jenni e Claus Westermann (editores), Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento , vol.1, col.538-588.

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“sair” tem se tornado um verbo de salvação e libertação de grande importância. [149]

Sintoniza-se com o êxodo, a saída do Egito (Êxodo 13-16), e a saída da Babilônia

(Isaías 48,20; 52,11-12; 55,12). Indica que a missão é fazer sair, avançar para fora, neste

caso ao encontro dos estrangeiros marginalizados. Serão eles os beneficiados do

“direito” de Javé, um “benefício” não abstrato, mas concreto, no sentido de vida plena,

de paz, onde nada falta, relacionado a concórdia, segurança, solidariedade e paz que

Javé fixou com o seu `eBeD eleito desde a libertação do Egito. O conteúdo do “direito”

que o `eBeD fará sair no desempenho da sua missão, tem as exigências de Javé que

diz: “eu sou Javé, exerço o amor, o direito e a justiça sobre a terra” (Jeremias 9,23). É

como se fosse uma revolução divina no campo da salvação. Deus quer salvar não

apenas os judaítas, mas também os outros povos e nações. E este é o conteúdo e a

novidade da frase final da primeira estrofe.

O `eBeD tem que fazer sair o “direito para nas nações”. Esta é a sua tarefa, a sua

missão. Os beneficiados são os que vivem em paises estrangeiros, considerados pagãos,

sem Deus, sem direito e sem justiça. O conteúdo do “direito” está ligado diretamente

com a vida do migrante e com a ação do `eBeD - não é teoria , mas são práticas

concretas de solidariedade.

Resumindo, a frase final da primeira estrofe do v.1 apresenta a missão do db[

`eBeD o conteúdo da missão e os seus beneficiados.

Sintetizando, o estudo da primeira estrofe nos ajudou a entender que o db[

`eBeD apresentado, eleito e consagrado é uma nova liderança na sua condição de

“escravo”, livre para desempenhar a missão. A missão é fazer sair “direito” às nações

marginalizadas e exploradas no exercício da justiça.

A segunda idéia é a identificação do db[ `eBeD; considerando o contexto de

onde surgiu o texto e os pressupostos que giram em torno desta palavra, é viável

traduzi- lo por “povo”. Isto é: povo exilado, explorado, mas eleito para liderar a

construção de um mundo novo, baseado na solidariedade, no direito e na justiça. Quanto

[149] Veja mais em Ernst Jenni aci(y “Salir”, em Ernst Jenni e Claus Westermann (editores), Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento , vol.1, col.1039-1047.

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ao conteúdo da missão, devido ás suas perspectivas, levam-nos a pensar que não sejam

decisões jurídicas, mas instruções baseadas na lei que garante a benevolência de Javé

para com seu povo.[150]

Acreditamos, pois, ser conveniente reorganizar a primeira estrofe do v.1 da

seguinte forma:

Eis (é) meu escravo.

Sustento-o

Meu eleito compraz-se minha vida

Pus meu espírito sobre ele

Direito para as nações fará sair.

2.7.2 O modo de agir do`eBeD. - Segunda estrofe (v.2-4a)

No v.2, a realização da missão divina realizada pelo`eBeD é descrita em

negações, mas o final de cada frase é concluída positivamente como no v.1. Porém, as

“nações” não são mais citadas nos v.2-4a. As três primeiras frases referem-se ao modo

de atuação do `eBeD: “não gritará” e “não clamará” e “não fará ouvir a voz dele na rua”.

Realizará sua tarefa, em silêncio, sem gritaria. A quarta e a quinta frases falam que o

`eBeD “não quebrará a cana rachada” e “não apagará o pavio vacilante”. Não será

violento com os fracos, ao fazer sair dir eito na terra. Respeitará os que estão correndo

risco de vida. A sétima e a oitava frases revelam a disposição, a coragem e a

perspectivas da missão do eBeD de Javé. Ele não vai desistir e nem vai fugir da tarefa.

São como garantias de que a missão tem tudo para dar certo. Por isso merece confiança.

Vejamos, pois o conteúdo da segunda estrofe, v.2-4a.

[150] Jörg Jeremias, jpvm im ersten Gottesknechtslied (Jes XLII), em Vetus Testamentum , Leiden, E. J. Brill, vol.22,1972, p.34-35 (p.31-42).

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96

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`jP'(v.mi ayciîAy tm,Þa/l,

hh,k.yI al

#Wrêy" al{åw

Não gritará

E não levantará

E não fará ouvir do lado de fora a voz dele.

Cana rachada não quebrará

E pavio vacilante não apagará.

Para fidelidade fará sair direito

Não desistirá

E não se quebrará

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Percebemos que a estrofe é composta por oito frases e nove formas verbais. O

conteúdo destas frases move-se em torno do “modo operante”, ou seja, o modo de agir

do `eBeD para desempenhar a tarefa que lhe foi confiada. O teor da primeira frase é:

q[;Þc.yI al{ï “não gritará”. Começa com um advérbio de negação que

acompanha o verbo fazendo um contraponto ao modo operante do eBeD. Remetamos à

estrofe anterior, lá onde aparece o `eBeD que recebeu a tarefa de desempenhar uma

grande missão. O advérbio al{ï “não” ocorre sete vezes nesta estrofe, precedendo

as formas verbais, sempre acompanhando os verbos relacionados ao modo de agir do

`eBeD. O advérbio é usado no sentido enfático como sendo uma ordem [151]: “não

gritará”, “não clamará”, “não fará ouvir”, “não quebrará”, “não apagará”, “não

desistirá”, “não se quebrará”. Este estilo remete à frase de abertura da primeira estrofe,

mantendo o mesmo tom exclamativo, direto com frases curtas e palavras repetidas.

Na primeira frase, a raiz do verbo q[c “gritar”[152] designa uma manifestação

sonora. O verbo “gritar” no hifil designa uma situação de angústia, de dor que clama por

auxílio. Aparece com clareza nos gritos de socorro dos israelitas escravizados pelos

capatazes egípcios (Êxodo 2,23). Os gritos de dor dos israelitas explorados pelos

assírios e babilônios têm a mesma característica dos clamores por justiça do tempo dos

egípcios. [153]

A Septuaginta[154] traduziu o verbo q[c por boa,o “gritar forte”[155].Com

seus substantivos, corresponde exatamente ao significado do hebraico: ruído, grito de

queixa, grito de socorro.

O verbo “gritar” indica uma expressão sonora produzida pela voz humana

individual ou coletiva. Expressa situações de necessidades vitais que causam

sofrimento, angústia e desespero; “Moisés gritou a Javé por causa das rãs que enviou ao

[151] Andrew Bowlig, al “Não”, em R. Laaird Harris, Gleson L. Archer Jr., Bruce K. Waltke (editore), Dicionário interrnacional de teologia do Antigo Testamento , p.1064. [152] Nelson Kirst, Nelson Kilpp, Milton Schwantes, Acir Raymann e Rudi Zimmer, Dicionário hebraico-português & aramaico-português, p.207. [153] Rainer Albertz, q[Þc “Gritar”, em Ernst Jenni e Claus Westermann (editores), Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento , vol.2, col.716. [154] Septuaginta, p.797. [155] Carlo Rusconi, Dicionáriio do grego do Novo Testamento, p.100.

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Faraó” (Êxodo 8,8). São gritos que clamam por ajuda, auxílio ou socorro: “Quando

Faraó se aproximou dos israelitas, eles tiveram medo e clamaram a Javé” (Êxodo 14,10;

cf 15,25; 17,4).[156] Mesmo em situações de risco, quando o `eBeD de Javé for

maltratado, violentado, machucado ou torturado, ele não gritará. Certamente, realizará

sua tarefa em silêncio.[157]

É um jeito de agir diferente das lideranças e dirigentes vigentes, o `eBeD de Javé

fará sair o direito às nações sem violência, sem gritos de queixa. Mesmo sendo

maltratado, não levantará a voz para pedir auxílio.

A segunda frase é afy alw “e não levantará”. A frase começa com a

conjunção w “e” prefixada ao advérbio de negação em forte sintonia temática com a

frase anterior. Retoma o estilo de frase curta com o verbo conjugado no mesmo tempo e

pessoa da frase que antecede. A raiz do verbo afn tem as seguintes significações:

“levantar”, “carregar”, “levar embora”[158].

O sentido do verbo “levantar” pode estar relacionado à força física ou espiritual.

Relacionado à força física, levantar ou erguer designa um gesto, como erguer as mãos,

os olhos, a cabeça, a voz. Expressa também um movimento afetivo com os prazeres do

amor (Gêneses 39,7), ânsia por Javé (Salmo 121,1; 123,1).

O verbo afn está no qal imperfeito, terceira pessoa do masculino singular e

foi traduzido por “levantará”. Está relacionado à força física e o efeito é violento. Por

exemplo: se relacionarmos o verbo ao gesto de levantar a voz, teríamos um grito de

terror. Levantar a mão para bater ou julgar é violência. “Eu levanto a minha mão para o

céu, e juro” (Deuterônomio 32,40). Levantar armas é sinal de morte. Na ação militar o

verbo afn tem um vasto campo de uso e significados: “levaram embora os filhos

para o serviço militar, levaram embora o povo para o exílio”. No qal , o verbo adquire

um significado específico do âmbito militar, designando a mobilização das tropas do

[156] Rainer Albertz, q[Þc “Gritar”, em Ernst Jenni e Claus Westermann (editores), Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento , vol.2, col.721. [157] Mais informações, Karl Elliger, Jesaja 2, p.109. [158] Nelson Kirst, Nelson Kilpp, Milton Schwantes, Acir Raymann e Rudi Zimmer, Dicionário hebraico-português & aramaico-português, p.161.

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exército. Com freqüência, o verbo designa um gesto como: levantar as mãos, no sentido

de agressividade, de violência, de hostilidade. [159] Aqui há uma proximidade com a ação

dos militares que levantam a mão para bater, ferir e matar. Neste caso o sentido do

verbo afn é de violência física e joga a ação para o futuro.

O verbo afn às vezes aparece como expressão idiomática. Com freqüência

usa-se o verbo conjugado no qal para designar “levantar a voz”. A frase é uma

expressão elíptica. Falta-lhe o objeto, neste caso seria a “mão” ou a “voz”. Dentro do

texto, em que ela se encontra, é uma expressão idiomática. Subentende-se o substantivo

no verbo.[160] Para facilitar a compreensão da frase, sintonizando com o verbo da frase

anterior, acrescentamos a palavra “voz”, na tradução para o português e assinalamos o

acréscimo chamando atenção do leitor.

A Septuaginta e a Vulgata traduzem o verbo afn por “gritar”,

subentendendo “voz” no próprio verbo. Baseado nos pressupostos apresentados,

optamos traduzir a frase afy alw por “e não levantará a voz”. A temática da

não-violência dá seqüência, ligando através da frase que se segue.

Tecnicamente, é difícil a compreensão exata do sentido do v. 2, mas no sentido

comum quer dizer “gritar alto”. Frisa os sofrimentos e a resistência que o `eBeD tem

que enfrentar no desempenho da sua tarefa. Faz ligação com v.4ª, onde realça a

resistência, a firmeza e a perseverança do `eBeD. Em relação com o v. 1, onde o

“direito” não tem impedimento de ser proclamado, no v.2, o `eBeD agirá

silenciosamente. No v.2 parece que a missão vai acontecer de uma forma diferente.[161]

Em suma, o `eBeD não bramirá, nem erguerá as mãos com violência. O seu

comportamento será discreto, silencioso, terno, manso e solidário.

[159] Fritz Stolz, aFn “Levantar, llevar”, em Ernst Jenni e Claus Westermann (editores), Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento , vol.2, col.149-159. [160] Fritz Stolz, aFn “Levantar, llevar”,em Ernst Jenni e Claus Westermann (editores), Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento , vol.2, col.153-154 [161] Jörg Jeremias, jpvm im ersten Gottesknechtslied (Jes XLII), em Vetus Testamentum , Leiden, E.J.Brill, vol.22,1972, p.35-36.

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Terceira frase é Al*Aq #WxßB; [:ymiîv.y:-

al{)w> “e não fará ouvir na rua a voz dele”. A frase começa com uma conjunção

w> ”e” dando continuação às frases anteriores na mesma temática. O verbo está no

hifil imperfeito, terceira pessoa do masculino singular, ligado ao advérbio por um hífen,

remetendo ao modo operante que o `eBeD de Javé utilizará em seu trabalho. O verbo

indica o futuro, sem possibilidade de identificar com exatidão a data da ação. O

substantivo que segue ao verbo está acompanhado de uma preposição e um artigo.

Definem o local onde a voz do `eBeD não vai ser ouvida, “do lado de fora”, ou seja: “na

rua”[162]. A missão será silenciosa. Mas por que o `eBeD de Javé não precisa mais

gritar? Será que ele está impedido de exercer seu trabalho como os profetas anteriores

quando proclamavam a desgraça? Comparando com Isaías 40,9 e 52,7-8, onde

encontramos os gritos dos mensageiros que anunciam a realeza e a salvação de Javé, a

missão do`eBeD de Javé tem outro modo de agir: “não gritará”, “não clamará” e “não

fará ouvir na rua a voz dele”. Pode-se pensar que o conteúdo da missão é do`eBeD, seja

diferente, mas com o mesmo o objetivo, e por isso que o modo de agir deve ser outro.

Se compararmos o modo procedente do `eBeD de Javé, com o modo de agir de Ciro,

seriam duas maneiras de agir opostas: O eBeD silencioso e Ciro barulhento, o dois não

deixam de ser libertadores e salvíficos.

O último substantivo da frase vem acompanhado de um sufixo, na terceira

pessoa do masculino singular, sintonizando com os verbos das frases anteriores que se

encontram na terceira pessoa do masculino singular, remetendo ao `eBeD de Javé da

estrofe anterior (v.1). O sufixo pronominal A “dele” segue o substantivo l*Aq

“voz”. Indica que a voz do `eBeD de Javé não será ouvida na rua.

Todas as frases do v.2 iniciam a primeira parte com um “não” categórico,

considerando que na segunda e terceira frase tem uma conjunção inicial que fazem as

ligações entre as frases. Mas os advérbios de negação marcam negativamente o início

das frases. Na segunda parte das frases, concluem positivamente sintonizando a missão

do`eBeD ..

[162] Nelson Kirst, Nelson Kilpp, Milton Schwantes, Acir Raymann e Rudi Zimmer, Dicionário hebraico-português & aramaico-português, p.65.

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A neutralidade categórica dos advérbios de negação que acompanham os verbos

do v.2, não expressam a altura exata da voz. Simplesmente, afirmam que o líder `eBeD

de Javé “não clamará, nem levantará ‘voz’ e não fará ouvir a voz do lado de fora”. Mas,

nas reviravoltas dos verbos acompanhados pelos advérbios de negação que fazem o

contraponto da ação, ressaltam o sentido positivo do modo operante que sintoniza com a

temática expressa na primeira estrofe do v.1. Não dá para pensar uma coisa sem a outra:

missão e modo concreto de agir do líder `eBeD no desempenho da missão. O conteúdo

da missão e o modo operante do líder eBeD se completam. Assim, o v.2 também pensa

que a missão não se desenvolverá como uma gritaria pelas ruas, mas também não pode

se falar de uma paciência histórica, incansável do eBeD, que nunca se desespera e nem

pedirá ajuda, mesmo com aquele que está totalmente excluído e rejeitado.

A missão do novo líder eleito assemelha-se com a missão de Javé. Vejamos no

texto que segue:

“Atende-me, povo meu, dá-me ouvidos, gente minha!

Porque de mim sairá uma lei,

Farei brilhar meu direito como luz entre os povos.

Breve chegará minha justiça, surgirá minha salvação.

Meu braço executará o julgamento sobre os povos.

Em mim as ilhas esperarão.

Na força do meu braço porão a sua confiança”. (Isaías 51,4-5)

No texto acima encontramos uma diferença entre o modo de agir do `eBeD com

o modo de Javé. O eleito “não fará ouvir a voz dele na rua”, enquanto Javé pede ao

povo escutar. Pode-se pensar até que o modo de agir do eBeD seria nas reuniões com o

povo, sentado à mesa ou num circulo ensinando, instruindo os desorientados e

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confirmando o ensinamento através do exemplo e do seu próprio testemunho de

vida.[163]

No v.2 não aparecem os beneficiados como no v.1. Dá a impressão de que o v.1

é, independente, do v.2. Pode-se dizer que cada estrofe exprime em si exclamações

independentes, mas, como vimos acima, estão profundamente interligadas entre si.

Era de se esperar que a mensagem do v.1 fosse proclamada no v.2, mas isto não

aconteceu. O `eBeD de Javé reagiu não de acordo com o esperado. A expectativa era

que ele gritasse como os profetas anteriores, mas ao contrário, este é um `eBeD

silencioso. Em sua ação será discreto e modesto exteriormente. As próximas frases

poderão nos dar mais informações sobre o seu modo agir. Faz parte do estilo do

Dêutero-Isaías não adiantar algo que revele o pensamento final. Com isso faz o leitor

refletir. Ver exegese no segundo capítulo.

A quarta frase tem o seguinte teor: rABêv.yI al{å ‘#Wcr"

hn<Üq' “cana rachada não quebrará”. Começa diretamente com o substantivo

hnq “cana”, “junco”, “canudo”, “caule”. [164] Como substantivo, “cana” ou “junco”,

está relacionado às plantas de pouca resistência do pântano. Qualquer vento as dobram.

O sentido genérico de “cana” é amplo e dependendo do uso, poderá mudar de

significado. A “cana” poderia ser um objeto de representação dos condenados

publicamente à morte. O condenado recebia uma cana e segurava-a na mão direita,

como um sinal de um homem livre; no entanto, não temos estas representações no

Antigo Testamento, somente em Mateus 27,28. A “cana” ou o “junco” estão

relacionados mais com o Egito do que com a Palestina. “Quando o Egito foi provado

por Javé, se revelou como uma cana rachada” (Ezequiel 29,6-7). “Israel confiava no

apoio da cana rachada que era o Egito” (Isaías 36,6). O Egito como uma nação

estrangeira estaria entre os beneficiados da missão do v.1.[165]

[163] Bernhard Duhm, Das Buch Jesaja, p.285. [164] Nelson Kirst, Nelson Kilpp, Milton Schwantes, Acir Raymann e Rudi Zimmer, Dicionário hebraico-português & aramaico-português, p.215. [165] Leonard J. Coppes, hn<Üq' “Junco”, em R. Laird Harris, Gleaso L. Archer Jr. e Bruce K. Waltke (editores), Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p.1353-1354.

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O verbo #wcr foi traduzido por “rachada”. Está no qal particípio passivo

masculino singular. Refere-se à cana de um modo impessoal. O significado do verbo

também é amplo, mas o sentido expressa um gesto de violência e opressão que rachou,

despedaçou e maltratou a cana. Por natureza, a cana é frágil. Esmagada, a situação fica

pior. Perde a resistência e facilmente pode ser manipulada. Uma vez trituradas, as fibras

que lhe davam resistência, nunca mais serão as mesmas. A cana torna-se eternamente

dependente. Não consegue mais se manter em pé por si mesma. Esmagada, a cana

torna-se impotente e está condenada a viver curvada sobre si mesma. Ela não perde

apenas a resistência, perde também o prestígio e o valor comercial. Cana rachada revela

uma imagem de sofrimento e impotência. A imagem é de fraqueza e humilhação.

A raiz do verbo #cr significa “quebrar”, “esmagar”, “estraçalhar”. [166] As

passagens bíblicas paralelas (2Reis 23,12; Amós 4,1; 1Samuel 12,3) revelam uma

situação de violência, opressão e exploração. Está no qal imperfeito, da terceira do

masculino singular. Refere-se ao modo de agir do eleito. O sentido da ação do verbo

expressa uma violência brutal. Não só tem sentido de “quebrar”, mas de “despedaçar”,

“destroçar”, “estraçalhar” a vítima. O advérbio de negação reverte o sentido do

negativo, positivando num contraponto o modo de agir do `eBeD de Javé. Ele não

utilizará métodos violentos para fazer sair direito ao pobre esmagado pela opressão. Ele

tratará a “cana rachada” com carinho, ternura e compaixão. Respeitará a vida com

gestos de amor e solidariedade. Em sua missão não quebrará a cana rachada, mas saberá

reaproveitá-la dentro de um novo sistema humanizador.

A quinta frase é hN"B<+k;y> al{å hh'Þke

hT'îv.piW “e pavio vacilante não apagará”. Ela começa com a conjunção w “e”, prefixada ao substantivo, sintonizando a temática da frase anterior. O substantivo

htvp significa “pavio”, “linho” ou “mecha”. [167] O adjetivo “vacilante” qualifica o

substantivo “pavio”. Revela uma imagem neutra, mas deprimente e de um significado

profundo. A imagem é de uma luz que está se apagando, sem brilho, sem beleza e sem

valor. O problema deve ser a falta de óleo, mas a frase não a revela. Apenas apresenta a [166] Luwig Koeler e Walter Baumgartner, Lexicon in Veteris Testamenti libros, p.908. [167] Nelson Kirst, Nelson Kilpp, Milton Schwantes, Acir Raymann e Rudi Zimmer, Dicionário hebraico-português & aramaico-português, p.200.

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imagem de uma luz se apagando. A situação é de risco. A falta de óleo que lhe dá

energia para manter acesa a chama e fazê-la brilhar poderá ser a causa. Faltando óleo, a

chama vai morrendo por si. Para manter-se aceso, o pavio depende do óleo. Não só

depende do óleo, depende de alguém que o reabasteça. Por si só não conseguirá se

abastecer. Vacilante é sinal de fraqueza; é risco de vida; ela está prestes a se apagar. É

uma situação de desespero e agonia porque a vida da lâmpada está em risco. Estas

imagens da lâmpada vacilante e a cana rachada têm algo em comum: as duas estão em

sintonia e apontam para a mesma realidade concreta.

Na raiz do adjetivo hhk tem o verbo hhk “vacilar”, “desanimar”,

“temer”.[168] As passagens bíblicas correspondentes nos revelam uma situação de

enfraquecimento e esgotamento das forças vitais. “Isaac tornou-se velho e seus olhos se

enfraqueceram a ponto de não mais enxergar” (Gêneses 2,1; Deuteronômio 34,7).

Na segunda parte da frase encontramos um advérbio de negação que faz a

inversão do sentido negativo da primeira parte e conclui a frase positivamente:

hnbky al “não apagará”. A raíz do verbo hbk é “extinguir”, “apagar”. [169] O

significado do verbo tem a ver com fogo e com o ato de extinguir o fogo. No nosso

caso, refere-se ao pavio ou à lâmpada. O ato concreto de apagar o fogo não é tão forte

quanto a imagem simbólica que expressa. Mas o significado simbólico por si mesmo

não é o suficiente. A imagem do pavio vacilante que o eBeD de Javé não apagará pode

referir-se ao povo exilado, desanimado, cansado e sem esperança. Mas também pode

estar se referindo aos antepassados. Agora com ele em sua nova missão vai ser

diferente. Terá mais cuidado, mais empenho e coragem para defender os pobres e

marginalizados.

Haverá uma ruptura com o passado de Israel. É um novo momento histórico.

Coisas novas estão sendo anunciadas (Isaías 42,9; 48,6). Essa imagem totalmente nova

está presente em todo o conteúdo dos nossos versos, e de modo especial aqui no v.3,

quando testa o modo de ação do`eBeD de Javé. É um desafio para ele trabalhar a cana

rachada e o pavio vacilante, para que a cana não se rompa e o pavio não se apague.

[168] Luwig Koeler e Walter Baumgartner, Lexicon in Veteris Testamenti Libros, , p.424. [169] Nelson Kirst, Nelson Kilpp, Milton Schwantes, Acir Raymann e Rudi Zimmer, Dicionário hebraico-português & aramaico-português, p.98.

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A liderança eleita, sustentada e ungida pelo espírito de Javé, vai retomar a sua

missão de “povo eleito”, interrompida pelo sistema monárquico. O caniço rachado e o

pavio vacilante poderiam simbolizar a ameaça da quebra da tradição do povo eleito em

relação à sua missão. A situação em que o povo eleito se encontra no final é de cana

rachada e pavio vacilante. É possível fazer esta ligação por causa da imagem que revela

o texto do v.3.

A imagem da cana rachada e do pavio vacilante, dificilmente, significam o

objeto concreto indicado. O sentido simbólico seria o mais viável para a interpretação

do v.3. Embora o sentido material também expresse uma situação de dependência e de

fragilidade, os símbolos, ligados a uma situação concreta da vida de um povo,

expressam ainda mais necessidades como o desespero, sofrimento e aflição. Diante

desta situação é que o`eBeD de Javé desempenhará sua missão. Ele não quebrará a cana

apesar dela estar rachada e não apagará a luz que está quase morrendo. Certamente

acrescentará óleo à lâmpada, para que ela volte a brilhar. E cuidará para a cana rachada

a não romper. Seu comportamento é de ternura e carinho para com os fracos. Não

assoprará a vida que está se apagando. Com gestos de bondade e solidariedade vai

poupá-la. A missão do eBeD de Javé fará sair para os presos a liberdade, para os tristes

o consolo, para os empobrecidos e famintos a partilha e a solidariedade, para os

pecadores o perdão, para os marginalizados a integração, para os explorados a justiça e

o direito e para todos a paz e a salvação. A missão do `eBeD de Javé, tem semelhança

com missão do profeta:

“O Espírito do Senhor Javé está sobre mim

Porque Javé me ungiu;

Enviou-me para anunciar a boa nova aos pobres,

A curar os quebrantados de coração

E a proclamar a liberdade aos cativos

A libertação aos presos,

A proclamar uma ano aceitável a Javé” (Isaías 61,1-2)

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A sexta frase tem o seguinte conteúdo: jP'(v.mi ayciîAy

tm,Þa/l, “para a fidelidade, fará sair o direito”. Esta frase começa com a

preposição l “para” que expressa a direção de alguma coisa.[170] A direção é para fora,

combinando com o movimento do verbo ayciîAy “fazer ”, “levar para fora”. [171]

A preposição está ligada ao substantivo feminino tma, que foi traduzido por

fidelidade. Mas a raiz da palavra aceita outras designações como: “firmeza”,

“confiança”, “verdade”, “fidelidade” e “constância”. [172] A Septuaginta traduziu tma

por avlh,qeian aletheia. As versões latinas e européias às vezes a traduzem por

“verdade” e outras por “fidelidade”. De fato, o sentido em hebraico de “verdade” anda

bem próximo da “fidelidade”. Tanto uma quanto a outra, sugere a idéia de

“estabilidade”, “firmeza” ou “fidelidade”, aquilo em que se pode confiar

fidedignamente porque é verdadeiro, vem de Deus. “As sendas de Javé são todas amor e

verdade” (Salmo 25,10; 40,11.12; 57,4.11; 61,8). Passagens bíblicas onde a palavra

tma foi traduzida por fidelidade: “o pai dá a conhecer aos filhos a tua fidelidade”

(Isaías 38,19). [173]

O substantivo tma “fidelidade” aparece uma única vez nos versos do nosso

texto. Ele não está indicando o comportamento do escravo de Javé, mas a qualidade do

conteúdo da missão que está nesta frase. O conceito é rico em significados bíblicos

relacionados com a fé e com as qualidades de Javé. Na raiz está a idéia de certeza,

firmeza e confiança. O substantivo dentro do conteúdo da frase pode assinalar três

idéias: que a missão é exigente, autêntica e por isso merece crédito.

[170] Nelson Kirst, Nelson Kilpp, Milton Schwantes, Acir Raymann e Rudi Zimmer, Dicionário hebraico-português & aramaico-português, p.107. [171] Nelson Kirst, Nelson Kilpp, Milton Schwantes, Acir Raymann e Rudi Zimmer, Dicionário hebraico-português & aramaico-português, p.107. [172] Nelson Kirst, Nelson Kilpp, Milton Schwantes, Acir Raymann e Rudi Zimmer, Dicionário hebraico-português & aramaico-português, p.92. [173] Nelson Kirst, Nelson Kilpp, Milton Schwantes, Acir Raymann e Rudi Zimmer, Dicionário hebraico-português & aramaico-português, p.14.

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O verbo e o substantivo jpvm ayciîwy “fará sair direito”

completam o sentido da frase. Remetem para a primeira estrofe do v.1, de onde se

repete o mesmo verbo com o substantivo. Há também sintonia com o v.4, onde ocorre o

mesmo substantivo “direito” ai em paralelo com hrwt “instrução”.

No v.1 os beneficiados da missão serão as “nações”, enquanto no v.3 os

receptores serão chamados de “cana rachada” e “pavio vacilante”. São duas imagens

que se relacionam com Israel do exílio e o da diáspora.

A forma verbal aycwy que acompanha o substantivo jpvm foi traduzido

por “fazer sair” e remete a temática da saída da escravidão do Egito (Êxodo 13,3),

sintonizada com saída do cativeiro da Babilônia (Isaías 48,20; 52,11-12; 55,12-13). O

“fazer sair”, expressa a vontade de Javé de querer salvar o povo explorado e

marginalizado. A preposição inicial da frase l “para” indica a direção para fora,

combinando com a qualidade, o dinamismo e o conteúdo da missão. O Dêutero-Isaías

usa a palavra acy mas em todos eles aparece o mesmo sentido de “sair” “formar”,

“modelar”, dar forma a um objeto: “Deus modelou a terra e a fez”. (Is 45,18). Pode

indicar também a ação humana. “O ferreiro faz o machado na brasa, trabalha o martelo,

fá-lo com a força do seu braço” (Isaías 44,12; 54,17). Será deste jeito que o `eBeD vai

fazer sair o “direito” para os que não tem.

Sétima frase hh,k.yI alo “não desistirá”. A frase começa com o

advérbio de negação al “não”. Num tom categórico, o advérbio de negação realça o

modo de ação do `eBeD presente no verbo. A raiz do verbo hhk é “tornar-se

inexpressivo”, “ser tímido”. [174] Está no qal imperfeito, terceira pessoa do masculino

singular e foi traduzido por “desistirá”. Utilizamos este termo por entender que o verbo

se refere diretamente à atuação do `eBeD. O sentido do verbo expressa uma idéia de

desânimo, enfraquecimento e esgotamento de vigor como em (Deuteronômio 30,7;

Gêneses 27,1). Com a inversão feita pelo advérbio de negação, ele adquire um sentido

de firmeza, resistência, perseverança do`eBeD. Diante dos desafios e obstáculos, ele não [174] Luwig Koeler e Walter Baumgartner, Lexicon in Veteris Testamenti Libros, p.66-67.

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abandonará a luta. Silencioso, teimoso, não abandonará a missão. Seguirá seu caminho

até alcançar o objetivo proposto. Com coragem e discernimento, desempenhará sua

função e habilidade. O Espírito de Javé estará atuando nele, o sustentará e o capacitará

para que no exercício do direito devolva ao marginalizado e empobrecido o que lhe é de

direito.

A oitava frase é a seguinte: #Wrêy" al{åw “e não quebrará”. A frase

começa com a conjunção w “e” conectando com a temática da frase anterior. Na raiz do

verbo #cr tem uma espectro de sentidos: “quebrar”, “despedaçar”, “esmagar”,

“oprimir”[175], expressando um sentido s força demolidora. “Ouvi esta palavra vacas de

Basã (...) que oprimis os fracos, e esmagais os indigentes”(Am 4,1). Numa outra

passagem que tem um sentido semelhante é “o rei os demoliu, quebrou os altares e

lançou suas cinzas no Vale do Cedron” (2Reis 24,12). O verbo está no qal imperfeito da

terceira pessoa do singular e foi traduzido por “quebrará”. Expressa uma ação que não

aconteceu ainda e nem está ac ontecendo, mas que poderá acontecer no futuro, sem

previsão de data.

A Septuaginta[176] (LXX) traduziu o verbo #Wrêy por qrausqh,setai

“quebrará”, a Vulgata[177] traduziu por turbulentus “turbulento”, Antiguo Testamento –

Interlineal hebreo-español por “desmayará”[178], Bíblia de Jerusalém por

“desacorçoará”, a Bíblia Tradução Ecumênica (TEB) por “se vergará”, a Bíblia de

Estudo Almeida e a Peregrino por “quebrará”.

Como percebemos, o verbo tem uma grande flexibilidade, mas o sentido move-

se em torno do modo de ação do `eBeD. Ele não recuará no desempenho da sua função.

Com firmeza, calma e perseverança vai vencendo os obstáculos até que implante o

direito na terra, porque esta é a vontade de Javé. São oito verbos no imperfeito,

indicando o modo de agir do `eBeD, sete dos quais estão ligados a sete advérbios de

negação que fazem à inversão do sentido dos verbos, positivando-os. O número sete tem

[175] Nelson Kirst, Nelson Kilpp, Milton Schwantes, Acir Raymann e Rudi Zimmer, Dicionário hebraico-português & aramaico-português, p.99. [176] Septuagnta, p.797. [177] Biblia Sacra - Vulgatam Versionem, p.1139. [178] Antiguo Testamento interlineal hebreo-español, Libros proféticos, Barcelona, Editorial Clie, 2002, vol.4, p.134 (876p.).

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um significado no contexto do judaico: indica a perfeição. Neste sentido, podemos

concluir que o comportamento do `eBeD será totalmente novo.

Resumidamente, o `eBeD será uma liderança comunitária, totalmente nova e

agirá sem violência com os empobrecidos. A partir de uma experiência concreta de

sofrimento o `eBeD propõe um novo projeto de vida, com base no direito e na

igualdade. A sua ação provocará ruptura e fará surgir um novo jeito de pensar e de agir

a partir da solidariedade e da não violência. A dinamização deste novo modo de agir

remete ao sistema tribal, onde a vida e o bem comum eram compromissos de todos. A

natureza da ação desta nova liderança eleita traz dentro de si a ação libertadora e a luta

pela justiça e o direito dos oprimidos e marginalizados. Essa ação não deve ser

considerada abstrata, mas será o modo concreto de agir do povo eleito que fará sur gir o

direito para os que estão correndo risco de vida. Usará de mansuetude no desempenho

de sua missão com os pobres e indefesos. Ele “não clamará, nem gritará , fará ouvir sua

voz na rua; não esmagará a cana quebrada, nem apagará o pavio vacilante” (Isaí as 42,2-

3); não será violento e nem agressivo; agirá discretamente em silêncio, com firmeza,

humildade e solidariedade, até fazer sair direito aos povos e às nações.

Reorganizamos as frases da segunda estrofe da seguinte forma:

Não gritará

E não levantar á “a voz”

E não fará ouvir na rua a voz dele.

Cana rachada não quebrará

E pavio vacilante não apagará.

Para fidelidade fará sair o direito

Não desistirá

E não recuará.

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No próximo bloco, estudaremos o conteúdo da terceira estrofe. Como foi

apontado, seção referente ao estilo, a estrofe é formada por duas frases.

2.7.3 Perspectivas universais da missão do`eBeD - Terceira estrofe (v.4b-4c)

Vejamos a terceira estrofe. A missão do eBeD é abrangente. Na primeira estrofe

inclui as nações que vivem em terras estrangeiras, os gentios e os pagãos excluídos da

salvação de Deus; a segunda estrofe abrange de modo especial os pobres e

enfraquecidos; e a terceira beneficia a terra toda, até os lugares mais distantes.

jP'_v.mi

#r,a'ÞB'

~yfiîy"-d[;.

p

`Wlyxe(y:y> ~yYIïai Atßr'Atl.W

Até implantar na terra direito

e pela instrução dele ilhas aguardam.

Como visto na introdução, a frase jP'_v.mi #r,a'ÞB'

~yfiîy"-d[;. “até implantar na terra direito” começa com a preposição

d[ ligada por um maqqef “hífen” ao verbo ~yfy foi traduzida por “até”. Designa

distância ou proximidade no sentido de tempo e espaço. Exemplos são: “até que”, ou

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“enquanto que”. [179] Esta preposição marca o início de uma frase totalmente

independente da anterior. Introduz um novo pensamento autônomo, do mesmo jeito que

a introdução inicial do v.1 e v.2. Assim como a abertura inicial foi solene, marcada pela

partícula de interjeição “eis”, a preposição “até” também introduz uma finalização digna

de um voto de louvor ao autor. Ela aparece no início da frase, seguida pelo verbo

~yfy que se encontra no qal imperfeito, terceira pessoa do masculino singular,

traduzido por “implantar”. A raiz verbal ~yf tem o significado de “pôr”, “colocar”,

“depositar”. [180] Ocorre com freqüência no Antigo Testamento quase sempre

relacionadas ao sentido de colocar (Gêneses 2,8; 32,2; Êxodo 4,11; Is 10,6).

O verbo está acompanhado pela preposição “até” e cria um clima de expectativa

em torno do objetivo da missão, que é fazer com que haja “direito” na terra. A

preposição “até” tem a função de indicar o tempo que não foi determinado para que a

missão do`eBeD faça surgir o “direito”. Este verbo já não está se refer indo à ação.

Indica a própria ação na prática. O verbo “implantar” está ligado ao substantivo #ra

“terra” pela preposição b “em” indicando o endereço e o destinatário do “direito”.

Percebemos que mudou o verbo ayciîAy “fazer sair” dos versos que

acompanhavam o jpvm “direito”. Passou de ayciîAy “fazer sair” para

~yf “implantar”. Juntamente com o verbo, mudaram também os beneficiados da

missão. No v.1 eram “as nações”, no v.3, “cana rachada” e “pavio vacilante”, aqui no

v.4 foram substituídos pela “terra”.

O conceito #ra “terra” tem um sentido amplo e pode designar toda a

superfície da terra, como também o território de um país. [181] O significado de #ra

pode expressar a extensão do solo do planeta onde vivem as plantas, os homens e

animais. É uma perspectiva mundial para indicar que a glória de Javé será anunciada em

[179] Nelson Kirst, Nelson Kilpp, Milton Schwantes, Acir Raymann e Rudi Zimmer, Dicionário hebraico-português & aramaico-português, p.173. [180] Luwig Koeler e Walter Baumgartner, Lexicon in Veteris Testamenti libros, p.920-921. [181] Hans H. Schmid, #ra “Tierra, país”, em Ernst Jenni e Claus Westermann (editores), Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento , vol.1, col.343-354.

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“toda a carne” (Is 40,5). Neste sentido, terra constitui o espaço habitado. A dimensão da

missão abrangerá a terra. Não se diz como e nem de que forma. Se tomarmos a terra

onde habita, estariam incluídas as nações. “A bondade de Javé na terra dos viventes”

(Salmo 27,13; Amós 2,10).[182] No fundo são duas coisas ambivalentes. A perspectiva

mundial deutero-isaiânica se faz presente nas duas realidades. Apontam para além

fronteiras. Mas não podemos es quecer que a terra para o povo judaíta é vida (Êxodo

23,10). Pode estar se referindo à terra de Judá e Israel tomadas pelos estrangeiros e que

por direito pertence ao povo exilado. É na terra o lugar para a liderança popular

implantar viver a lei da vida com todo o povo.

O substantivo jpvm “direito” está aparecendo pela terceira vez no texto,

fazendo uma ligação interna das três estrofes. Está em sintonia com a terra, mas em

paralelo com hrwt “instrução”. O conteúdo do jpvm “direito” tem algo a ver

com a hrwt “instrução”. Leva-nos a pensar que o conteúdo do jpvm “direito”

na primeira instância esteja relacionado com a lei, a fé e a vida. Essa instrução que o

líder `eBeD implantará em toda a terra será como justo estatuto das justas reivindicações

de Deus para com seu povo. O paralelo entre jpvm “direito” e hrwt

“instrução” sintonizam fortemente duas frases finais.

A última frase é Wlyxe(y:y> ~yYIïai

Atßr'Atl.W “e pela instrução dele ilhas aguardam”. Começa com a

conjunção w “e” que liga com a frase anterior e a preposição l que expressa uma

direção. O sufixo pronominal “dele” indica que a hrwt “instrução” pertence ao lider

`eBeD .. Ele é possuidor da hrwt “instrução”. Daria para pensar que o povo quando

saiu do Egito, no monte Sinai, recebeu a lei. Por isso a “instrução dele” pode estar se

referindo a lei de Deus que Moisés como o líder e representante do povo de Deus

recebeu. Pode-se tratar também de uma comunicação oral, que o `eBeD povo eleito

recebeu de Javé como fonte de sabedoria e vida: “ouvi-me vós que conheceis a justiça,

povo que tens a minha lei no coração” (Isaías 51,7). A liderança eleita já tem em seu

[182] Luwig Koeler e Walter Baumgartner, Lexicon in Veteris Testamenti Libros, p.89.

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coração as instrução que recebeu de Javé para oferecê-la aos habitantes da terra. O

sufixo pronominal indica que hrwt “instrução” pertence ao `eBeD, mas o `eBeD

pertence a Javé, logo o conteúdo da “instrução” que todas as nações e povos esperam é

divino, como diz a passagem:

“porque de mim sairá uma lei,

farei brilhar meu direito como luz entre os povos.

Breve chegará minha justiça, surgirá minha salvação.

Meu braço executará o julgamento sobre os povos.

Em mim as ilhas aguardarão”. (Isaías 51,4-5)

A instrução é específica para as pessoas e não para animais, aves e outros

viventes como em Levítico 11,46. A liderança eleita recebeu esse ensinamento e deve,

como missão, levar esse conteúdo de sabedoria de vida como uma decisão para todos os

habitantes do mundo. O efeito dessa orientação provocará rupturas no sistema

monárquico.

As ilhas que representam os lugares mais distantes da terra, locais de mais difícil

acesso, estão aguardando pela sua instrução. Elas também serão contempladas pela

missão do povo eleito.[183] Aqui aparecem também os desafios para desempenhar a

missão em todos os lugares.

Em síntese, a terceira estrofe, na minha opinião, significa que o “direito” que o

povo eleito deve implantar na terra é a vontade de Javé, que possibilitará a salvação de

todos os povos, inclusive dos mais distantes. A ação do `eBeD vai na contramão do

poder oficial. Sua força não nasce da violência, mas do amor, da partilha, da ternura e

da solidariedade com os mais empobrecidos. Para descrever o modo de agir do `eBeD, o

grupo de Dêutero-Isaías utiliza de sete atitudes revolucionárias que garantem uma

[183] Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio – História e teologia do povo do Deus no século 6º a.C. p.104.

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ruptura total com a ação dos reis e lideranças existentes. É um novo jeito de agir que

surpreende os que pensam a paz, direito e a justiça a partir da violência. É o novo que

surge a partir de uma tomada de consciência libertadora que tinha sido negada ao povo.

É o povo assumindo sua missão a partir de uma nova práxis libertadora.

A reorganização da última ficou da seguinte forma:

Até implantar na terra direito

e pela instrução dele as ilhas aguardam

Resumidamente, os v.1-4 apresentam três estrofes coesas entre si. Na primeira

estrofe o v.1, Javé apresenta o s eu `eBeD, como uma nova liderança, garante-lhe apoio e

o envia. Sua missão é fazer sair direito para as nações. As nações beneficiadas foram

identificadas como sendo os pagãos e os gentios que vivem fora dos seus países, em

terras estrangeiras. Elas serão as primeiras privilegiadas da missão. A segunda estrofe,

v.2-4a, apresenta o modo de agir que o líder eBeD utilizará para fazer sair o direito aos

que estão correndo risco de vida. Ele agirá discretamente, em silêncio, com bondade e

mansuetude. Não será violento, mas será solidário com os pobres enfraquecidos, “cana

rachada” e “pavio vacilante”. O seu modo de agir é novo, oposto do rei e diferente dos

profetas anteriores. Outra qualidade desta nova liderança é a fidelidade à missão. Ela

não desistirá até estabelecer o direito na terra. Todos os lugares, até os mais distantes e

de difícil acesso, “ilhas”, serão contemplados. É uma perspectiva ousada, em tempos

que não havia Meios de Comunicações eficientes, pensar numa tarefa deste porte, quase

inviável. Mas deve estar embutida nesta expressão a vontade de Javé para todos os

povos.

Terminando a análise exegética de Isaías 42,1-4, propomos em seguida, fazer

uma releitura de todo o estudo, para então darmos seguimento à conclusão.

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3. PERSPECTIVAS HERMENÊUTICAS.

Para a hermenêutica, propomos a releitura dos resultados realçados pela exegese

do capítulo 2, situando-os no contexto do capítulo 1 e refundindo-os dentro das

experiências de fé e luta do mundo atual. Partindo dos pressupostos que o sofrimento do

cativeiro babilônico expressou na poesia do Dêutero-Isaías, continua ecoando em

nossos dias, este presente capítulo que quer fazer um elo entre o ontem e o hoje, numa

tentativa de atualização da mensagem bíblica.

3.1 Javé habita entre os pobres

Abrindo o capítulo 42 do livro de Isaías lemos:

“eis (é) o meu escravo,

sustento-o,

meu eleito se compraz minha vida,

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coloquei o meu espírito sobre ele,

direito para as nações fará sair” (Isaías42,1).

Na análise do conteúdo do (v.1), foi visto que o texto não revela quem é o

apresentador, supõe-se que seja Javé, o mesmo da unidade anterior e posterior. É ele o

falante do começo ao fim no discurso de apresentação do seu `eBeD. Os espectadores

estão no anonimato, o mesmo acontece com o `eBeD. O texto não revela sua

identidade, mas as qualidades atribuídas a ele; tudo indica ser o povo judaíta exilado na

Babilônia (41,8-10; 42,1; 45,4).

Mas para melhor entendermos como aconteceu esse despertar do povo no exílio,

é bom retomar a história que envolve Israel desde o início. É uma história que começou

desde os patriarcas. Há um caminho percorrido, uma aliança, uma promessa de Deus

feita a seu povo eleito. Javé escolheu um povo de trabalhadores simples, analfabetos,

explorados no Egito e fez dele o seu povo, libertando-o da escravidão (Êxodo 6,7). [184]

Depois de quase cinqüenta anos no exílio, muitos dos exilados já tinham

morrido, outros envelhecido e muitos dos que tinham nascido na Babilônia pouco se

interessavam por Javé, por ser um Deus que tinha fracassado perante os deuses

babilônicos. As promessas do Deus da terra, da descendência, caíram pelo chão. A

destruição de Jerusalém e o exílio que nunca mais chegava ao fim, levaram o povo e até

as lideranças, a mergulhar numa grande crise de fé. Não tinha mais sentido acreditar

num Deus derrotado como era o caso de Javé. A humilhação era grande. Muitos judaítas

aderiram aos costumes e à religião dos babilônicos.

No meio desta situação, um grupo de cantores, formados por pessoas simples do

povo, faz uma releitura da história, desde Abraão, passando pela experiência do Egito,

para encontrar uma resposta à destruição de Jerusalém e ao exílio. Nesta releitura da

histórica, resgata a imagem de um Deus poderoso, cheio de bondade e solidário com o

seu o povo. Um Deus que no passado libertou o povo da escravidão do Egito (Êxodo

3,7-8). Um Deus que se revelou dizendo: “eu sou Javé; este é o meu nome” (Isaías

42,8). Um Deus fiel, poderoso, companheiro dos pobres, trabalhadores que lutam contra

[184] Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio – História de teologia do povo de Deus no século 6º a.C. São Leopoldo, Oikos, p.118 (142p.).

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a opressão, desde o Egito até na Palestina. Um Deus libertador e pastor (Is 40,1). Um

Deus compassivo e consolador dos aflitos (Isaías 49,13; 52,9); um Deus poderoso

(Isaías 40,12-26), criador de todas as coisas (Isaías 45,11-13,18; 48,12-16; 42,5). Ele

perdoa os pecados (Isaías 55,7; 43,25; 44,22); modelou Israel desde o ventre materno

como um oleiro (Isaías 44,2; 49,5); perdoa por amor (Isaías 43,25; 44,22; 55,7). É um

Deus que ama (Isaías 43,4), um Deus justo e comprometido com a história (Isaías

41,21; 42,13; 43,15; 44,6; 45,13; 48,3-6). Esse Deus está disposto a libertar o povo da

escravidão da Babilônia (Isaías 43,16-21).

Outras imagens se encontram nos capítulos 40-55 de Isaías. Destacamos

algumas para mostrar a base de onde tudo começou. Foi uma revolução naquela época

em que se pensava que a derrota de um povo era a derrota do seu deus. A queda de

Jerusalém, longe de ser um sinal de fraqueza de Javé, tornou-se a maior prova de sua

força. Provou a veracidade do anúncio dos profetas que anunciaram que o exílio estava

perto. Israel é testemunha, “as minhas testemunhas: sois vós, diz Javé ... vós que sois o

servo que escolhi, a fim de que saibais e creiais em mim e que possais compreender que

eu sou” (Isaías 43,10). Embora surdos e cegos aos acontecimentos históricos (Isaías

42,18), os exilados são testemunhas do poder de Javé.

O grupo do Dêutero-Isaías quer convencer os exilados a acreditar que Javé é fiel

e que jamais abandonou o seu povo. “Eu sou o vosso Deus” (Isaías 41,11.13; cf. Êxodo

20,2; Deuteronômio 5,6). Israel é fruto de um gesto de amor de Javé. Libertou o povo

da escravidão do Egito e o conduziu como um rebanho no deserto (Salmo 78,52-53).

Javé tornou-se uma autêntica fonte da identidade para Israel. Em Javé estão os

elementos básicos da missão e da organização do povo. As memorizações dos grandes

eventos fizeram os exilados a tomarem consciência de sua missão histórica. [185]

Como foi visto no contexto, o grupo profético dos cantores percebeu que a

monarquia foi desastrosa para o povo de Israel. Ela fez o povo voltar à escravidão e à

opressão, piores que a do Egito (Êxodo 1,11). À luz desta descoberta, o grupo começa a

anunciar um Deus que ama a justiça e o direito. Este Deus ama a igualdade, a partilha e

a solidariedade. Ele é um Deus tão misericordioso que é capaz de perdoar os pecados

[185] Conferência dos Religiosos do Brasil, A leitura orante da Bíblia, São Paulo, Loyola, vol.1, 5ª edição, 1997, p.75 (79.).

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dos exilados. Diante de uma situação de crise de identidade brota a esperança e o povo

começa a sonhar na libertação:

“Eu sou o que apaga tuas transgressões por amor de mim,

e já não me lembro dos teus pecados” (Isaías 43,25).

Esta disposição de Javé perdoar e salvar vem dele mesmo, da sua iniciativa “por

causa de mim mesmo” (Isaías 42,21; 48,11). Esse amor misericordioso de Javé superou

a vontade de abandonar o seu povo (Isaías 54,7-10). A mensagem do Dêutero-Isaías

convoca os exilados à conversão a Javé que é “rico em perdão” (Isaías 55,7). E não é

uma mudança a partir da força e do poder, mas a partir da fé em Javé.

Este novo jeito de refletir faz entender que o culpado pela destruição de

Jerusalém, do templo e o exílio, não foi Javé, mas foram os dirigentes o povo. Era falso

o deus, que abençoava o rei, protegia o Estado e exigia o tributo do povo. Nessa

perspectiva, o exílio foi um momento de provação e de renovação do conceito de Javé.

Foi no sofrimento que o povo conseguiu redescobrir sua identidade e sua missão de

povo de Deus.

Pode-se dizer também que o exílio ajudou o povo a fazer uma revisão do

conceito de Javé. Foi uma revisão que partiu da liderança popular. Descobriu-se que o

exílio não era tinha como causa a fraqueza de Javé, mas sim a ação dos dirigentes que

agiram contra a lei de Javé. Essa lei era como um manual de vida que Javé deu para que

seu povo pudesse viver bem e com segurança, um mapa estratégico para orientar as

relações sociais, sem que houvesse injustiça e exploração entre eles. Mas a monarquia

trocou o manual de Javé pelo manual do rei que orientava o povo em favor dos seus

interesses. Com este manual desapareceram a solidariedade, igualdade, a justiça e a paz.

Elas foram substituídas pela ganância, violência e exploração. O povo já tinha feito essa

experiência no Egito e Javé o libertou. Agora, os exilados na Babilônia, são aqueles que

defendem o sistema da monarquia. Eles não tinham experiência de um Javé libertador.

Graças ao grupo dos cantores que guardaram em suas memórias a história de fé em

Javé, o povo é lembrado que justamente a monarquia causou sua ida para o exílio. A

ganância e a corrupção das lideranças no sistema pré-estatal levaram os dirigentes a

optar pela alternativa de um rei (1Samuel 8,1-9).

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Esta opção custou caro para o povo. Javé havia sido torçado por um rei; a lei que

garantia a vida, a paz e a solidariedade, pelas leis do rei, que explora o povo para

sustentar o Estado. Essa troca da justiça pela injustiça, da partilha pela ganância, foi a

causa da destruição de Jerusalém e do exílio. Dentro deste contexto é que devemos ler a

imagem de Javé que o grupo do Dêutero-Isaías quer resgatar para os exilados.

Pode-se dizer que o exílio foi uma lição de vida para os judaítas. Foi um

momento de crise produtiva e criativa, onde o grupo refletiu e descobriu que a

monarquia foi a desgraça da vida do povo.

Como vimos no contexto, os judaítas deportados e exilados na Babilônia eram

defensores do sistema da monarquia. Não era apenas o rei, mas toda a elite política,

econômica, militar e religiosa. Eles defendiam o sistema condenado pelos profetas,

porque eles mesmos sustentavam-se da exploração dos trabalhadores. Por isso Javé os

castigou levando-os para o exílio. Na mentalidade da época, as catástrofes causadas

pelas guerras, terremotos, tempestades e outros elementos, eram atribuídas à ira de

Deus. O grupo do Dêutero-Isaías também pensa assim quando diz que o pecado dos

dirigentes é que levou o povo para o exílio. Mas foi preciso levá-los para o exílio para

que pudessem conhecer quem é Javé e o seu poder (Isaías 44,22; 55,6-7).

Pode-se dizer que a imagem errada de deus pode levar o povo à escravidão.

Exemplos não faltam de povos que foram submetidos à escravidão em nome de Deus.

Não precisamos ir longe para encontramos seitas e igrejas que comercializam deus,

vendendo favores, bênçãos e proteção, por meio de ritos e sacrifícios. Este tipo de deus

se assemelha ao cupim que vai roendo por dentro a vida do povo. Na hora em que

menos se espera, surge a ruína; e o sonho poderá resultar num pesadelo. Um deus que

abençoa os exploradores não pode ser o Deus libertador que se dedica a seu povo por

amor (Isaías 49,14). O deus que compactua com o sistema de exploração é um deus

falso, impotente, sem força para libertar (Isaías52,2). A fé num deus assim faz mal ao

povo. A desgraça é certa. A experiência do povo de Israel nos mostra que em Deus

estão os elementos básicos para a organização da vida de um povo.[186]

[186] Conferência dos Religiosos do Brasil, A leitura orante da Bíblia, São Paulo, Loyola, vol.1, 5ª edição, 1997, p.75 (79.).

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No mundo da modernidade em que endeusamos o lucro a qualquer custo e

exaltamos aqueles que sabem racionalizar a economia fazendo dela o motor da história.

O Dêutero-Isaías não optou por este caminho, mas nos propõe uma alternativa baseada

no direito e na solidariedade para a construção de um mundo mais fraterno.

Nesta perspectiva, a mensagem do Dêutero-Isaías é desconcertante e atraente;

“Ah! todos que tendes sede, vinde à água. Vós, os que não tendes dinheiro, vinde,

comprai e comei, sem dinheiro e sem pagar, vinho e leite” (Isaías 52,1). Explica-se

porque muitos, mesmo no exí lio, não aderiram à mensagem e outros a interpretaram de

acordo com os seus interesses. Mas qual é a força propulsora que conduz a nossa

história?

Desde a descoberta, nosso continente sempre foi palco de grandes sofrimentos e

de catástrofes: o tráfico de escravos nos imundos e desumanos porões de navios

negreiros, os massacres dos indígenas, as ditaduras silenciadoras de líderes populares.

Tudo feito em nome do deus da ordem e da segurança. Um deus defensor do Estado e

protetor dos ricos. Um deus que abençoava a luxúria dos ricos com o sangue dos pobres

escravizados.

O que não falta é semelhança da nossa época com a época dos judaítas do 8º ao

6º século. As catástrofes atuais são o pão nosso de cada dia daqueles tempos: guerras,

terremotos, tornados, enchentes, fome, epidemias, desemprego, violência, etc. Não

seriam sinais de alerta? Deus quer o compromisso do povo com a vida ameaçada, com

gestos de solidariedade, de partilha, de perdão para a construção de um mundo mais

fraterno e solidário.

3.2 Direito para os gentios

No capítulo 2, referente ao conteúdo, vimos que o autor dos v.1-4 repetiu três

vezes a palavra jpvm para falar da missão do `eBeD. Este título é dado a Israel em

(41,8-10; cf. 44,1.2.21; 45,4; 48,20; 49,3), com as mesmas características de 42,1 e tudo

indica que seja o mesmo personagem anônimo que aparece em 42,1, é Israel. As

tarefas a ele atribuídas assemelham -se às dos juízes do passado (Jeremias 3,10) e

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primeiros reis (1Samuel 9,117; cf. 10,9-10) e Davi (1Samuel 16,12-13). Podemos

compar ar também com Isaías 11,1-2.

No contexto do capítulo 2, vimos que esse Israel está desanimado e abatido. Mas

Javé o apresenta como sendo o eleito para desempenhar uma missão. Mesmo com

algumas incoerências nos versos que seguem o nosso texto, podemos dizer que Javé

está falando para os exilados da Babilônia, considerando-o seu povo eleito.

Os v.1-4 se referem também aos israelitas que estão dispersos por outras nações.

Pode-se até pensar num Israel em dois sentidos: o Israel exilado na Babilônia e o Israel

emigrado para outras nações. O grupo exilado na Babilônia está se organizando para

regressar para Jerusalém. Certamente está pensando que os outros dispersos em outras

nações também regressarão e juntos formarão um novo povo eleito.

No capítulo do contexto, foi mencionada a destruição de Samaria, reino do Norte

e as deportações e emigrações deram início à desintegração do povo e à perda da

identidade. A eleição do `eBeD de Javé pode ter a intenção de resgatar a identidade e a

missão de Israel como povo eleito de Deus. Seria um resgate das raízes históricas da fé

em Javé.

De outro lado, encontramos, porém, perspectivas missionárias. O título `eBeD

remete a uma tarefa destinada ao rei - igual a um “escravo” -, mas vem a questão: que

Deus é este que precisa de escravos? Voltamos ao capítulo dois onde vimos que o título

`eBeD no Dêutero-Isaías aparece como um título honorífico. Neste sentido é que temos

que entender o`eBeD eleito por Javé para “fazer sair o direito para as nações”. Para isto

Javé colocou o seu Espírito sobre o `eBeD. Este sobre, não é nele, mas sobre ele como

se fosse uma proteção divina. “pus sobre ele o meu Espírito” (v.1c). Há uma

semelhança com (Isaías 11,1-2; 61,1). O Espírito de Javé capacitará o `eBeD para que

ele possa desempenhar a missão com êxito. A palavra jpvm “direito” contém o

conteúdo da missão. O termo que foi traduzido por “direito”, mas tem um significado

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amplo como “juízo”, “direito”, “justiça”, “decisão”. Indica uma ação de quem tem

poder para restituir uma ordem desfeita. .[187]

Como vimos no capítulo referente à exegese, a palavra jpvm, “direito” ocorre

três vezes nos v.1-4, indicando a missão do `eBeD “escravo”. No v.1 o jpvm

“direito” tem como os beneficiários os migrantes que vivem no exterior, chamados de

gentios. No v.4b o “direito” ocorre em paralelo com a toráh “instrução” e que as ilhas

estão aguardando a “instrução” do o `eBeD. Podemos pensar que todo o Israel

espalhado entre outras nações e as próprias nações serão beneficiadas pela missão do

`eBeD. É uma missão de âmbito universal que engloba toda a humanidade. Vai até os

extremos da terra, aos lugares mais distantes, representados pelas ilhas.

No v.3c, o jpvm mishpat “direito” está acompanhada com a palavra le’emet

que foi traduzida por “para fidelidade”. Esta fórmula expressa uma finalidade. [188]

Como foi assinalado no capítulo dois, referente ao conteúdo, o modo de agir do

líder `eBeD está expresso nos v.2.3a-3b e 4a de forma negativa. Este modo operante do

`eBeD é novo. O líder eleito vai considerar os restos, o lixo humano produzido por um

sistema político, econômico, social e religioso opressor, que não valoriza a vida das

pessoas. Os desprezados pelo sistema, serão beneficiados pela missão. O eleito será

apoiado e foi fortalecido com o Espírito de Javé para desempenhar com eficiência a

tarefa de fazer sair o direito aos oprimidos e marginalizados. Ele será perseverante, não

vai recuar e nem vacilará. Com firmeza e tenacidade não desistirá “até implantar o

direito na terra” (v.4).

No capítulo dois foi dito também que a palavra jpvm “direito” expressa a

missão do `eBeD. Ela ocorre três vezes nos v.1.3 e 4. Para melhor abordarmos a

questão, seguiremos o caminho proposto por Jörg Jeremias. [189] Na sua opinião cada

[187] B. Johnson, jpvm,em G. Johannes Botterweck, Helmer Ringgren e Heinz Josef Fabry, Theological Dictionary of the Old Testament, Michigan, Eerdmans, vol 4, 1981, p.86-98 (728p.). [188] Veja capítulo 2 referente ao conteúdo. [189] Jörg Jeremias jpvm, im ersten Gottesknechtslied (Jes XLII), Vetus Testamentum , Leiden, E. J. Brill, vol.2, 1972, p.31-42.

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jpvm “direito” deve ser pensado independentemente, dentro de cada estrofe e, ao

mesmo tempo, interligada estreitamente entre as demais.[190]

No v.1 primeira estrofe, depois da apresentação e preparação do `eBeD se lê:

“direito para as nações fará sair” (Isaías 42,1d). Esta é a missão que o `eBeD recebeu.

Resta descobrir quem são estas “nações” que serão beneficiadas pela missão.

Na tradução do texto v.1e, a palavra ~yIïAG ‘goim’ em hebraico foi

traduzida por “nações”. E no capítulo referente ao conteúdo, foi visto que a palavra

~yIïAG ‘goim’ significa aqueles ou aquelas que vivem em terras alheias:

migrantes, deportados, foragidos e deslocados e outros. Os motivos da migração podem

ser: políticos, econômicos, sociais e religiosos. As pessoas que viviam em terras

estrangeiras eram denominadas de pagãos, sem Deus.

No capítulo dois, referente ao conteúdo, falávamos que os judaítas têm a terra

como um dom de Deus e a que vida depende dela. Para eles, viver numa terra

estrangeira é o mesmo que viver longe Deus. É estar privado daquilo que é vital para a

vida. Ser exilado é sinônimo de ser excluído por Deus. Uma pessoa sem-terra, seria o

mesmo que um indivíduo sem Deus, logo sem chances de salvação. Viver em terra

alheia é estar condenado ao desprezo e a exploração. O chão estrangeiro é impuro,

impróprio para celebrar o culto a Deus. O culto a Deus tinha um único lugar: Jerusalém

e no templo. O templo era a morada de Javé. A reforma de Josias em 622 determinou

que o templo de Jerusalém fosse o único lugar de adoração a Javé. Qualquer sacrifício a

Deus fora do templo era proibido.[191]

Os v.1-4 referem-se também aos israelitas que estão dispersos em outras nações.

Pode-se pensar num Israel em dois sentidos: Israel exilado na Babilônia,e Israel

disperso em outras nações. O grupo exilado na Babilônia está organizando o seu

regressar para Jerusalém. Certamente estão pensando que os outros também regressarão

e juntos formarão um novo povo eleito.

[190] Jörg Jeremias jpvm, im ersten Gottesknechtslied (Jes XLII), Vetus Testamentum , p. 33. [191] Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio – História e teologia do povo de Deus no século 6º a.C., p.77-78.

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As deportações e emigrações mencionadas no capítulo 2, que tiveram início com

a destruição de Samaria em 772, foi o começo da desintegração do povo e a perda da

identidade. A eleição do `eBeD de Javé pode ter a intenção de resgatar a identidade e a

missão de Israel como povo eleito de Deus. Seria um resgate das raízes históricas.

O relatório da OIM (Organização Internacional da Migração)[192] de 2005

apontou que havia 175 milhões de pessoas que vivem fora dos seus países de origem.

Isto significa que de cada 35 pessoas, uma mora no exterior. Isso corresponde a 2,9% da

população mundial.

Enquanto a América do Norte e a Europa estão tendo saldos positivos de

migrantes, países como o México, Cuba, Bolívia, Colômbia, Bulgária, Polônia, Índia,

Brasil tiveram saldo migratório negativo nestas últimas décadas. Estes últimos países

são classificados como países de emigração. Segundo a ONU (Organização das Nações

Unidas), 63% dos migrantes residem em países desenvolvidos, economicamente ricos.

De acordo com os dados da CEPAL (Comissão Econômica para América

Latina) de 2004”[193], a migração da América Latina é oriunda da própria região. No

século 19 a 20, mais de onze milhões de europeus chegaram à América Latina em busca

de mercados e trabalho. Os motivos migratórios da América Latina devem-se às

seguintes tendências: raízes históricas comuns, mercado de trabalho e melhores

condições de vida.

A migração não é um problema atual, mas vem desde os primórdios, deixando

marcas profundas na história. Eu mesmo tenho experiência das migrações, faço parte da

terceira geração de uma família de migrantes. Meus antepassados vieram da Itália e

foram assentados em colônias agrícolas no interior do Rio Grande do Sul. De lá,

migramos por vários Estados brasileiros. Portanto, sou filho da migração. Como

missionário, trabalhei dez anos fora do país, como migrante. Com o que aprendi, posso

dizer que a migração empobrece a população: ela vai tirando as raízes, destruindo os

laços familiares, culturais e religiosos.

[192] Relatório da OIM, 2005, (disponível em: htpp://www.un.org/esa/analysis/wess). [193] Comissão econômica para América Latina e Caribe. Panorama Social de América Latina 2004. Disponível em: http:// www,eclac.cl

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Na visão dos judaítas, os que viviam fora do seu país eram vistos como pagãos,

excluídos de Deus e sem direito à salvação. O Estado podia cobrar deles o imposto e

fazê-los trabalhar. No v.1 diz que a missão do eleito de Javé é “fazer sair direito para as

nações”. O que significa, atualmente, fazer sair direito hoje para quem vive numa terra

alheia?

Se pudéssemos dizer o que é fazer sair direito para um desenraizado de sua terra,

diríamos que o sonho do migrante é encontrar acolhida, hospitalidade e solidariedade.

São valores que apontam para a partilha e a igualdade. No fundo, o Dêutero-Isaías

aponta para uma nova sociedade, totalmente oposta à da Babilônia que discriminava e

explorava os migrantes. Este projeto humanizador requer de todos empenho e

honestidade, para que com gestos de solidariedade todos tenham o direito de viver

dignamente. Não se trata apenas do direito de ter condições materiais, mas de ser

valorizado como pessoa humana.

3.3 Novo jeito de fazer surgir o direito.

Na segunda estrofe, lemos: “Não gritará e não levantará, e não fará ouvir a voz

dele na rua, cana rachada não quebrará e pavio vacilante não apagará, não desistirá e

não se quebrará” v.2.3a-3b e 4a. São sete advébios de negação que fazem a inversão da

situação para indicar o modo de agir do `eBeD que fará sair direito para “cana rachada”

e “pavio vacilante”. Numa linguagem metafórica, indica que a maneira de agir do

`eBeD será nova e totalmente oposta à maneira de agir do rei: não será violento e nem

usará da força para fazer sair direito aos pobres e enfraquecidos. Ele usará de

mansuetude, de ternura e compaixão à semelhança de Javé que diz: “Tu, és precioso aos

meus olhos, és honrado e eu te amo” (Isaías 43,4).

Para descrever a situação dos pobres e oprimidos, o grupo do Dêutero-Isaías

utiliza duas metáforas: “cana rachada” e “pavio vacilante”. Numa outra passagem o

grupo dá mais pistas da situação do povo exilado:

“este povo foi despojado e saqueado,

todos eles estão presos em cavernas,

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estão retidos em calabouços.

Foram submetidos ao saque,

e não há quem os liberte,

foram levados como despojos

e não há quem reclame sua devolução” (Isaías 42,22).

É uma humilhação, de abandonado, de opressão, um povo sem esperança,

desorganizado, sem iniciativa e cansado. Um povo frustrado, com vergonha da sua

própria situação. [194] É uma situação de dependência total. Mas o eBeD de Javé cuidará

para que eles não sejam extintos. Eles serão tratados com carinhos e bondade. Mesmo

estando correndo risco de vida, eles serão salvos e a vida lhes será poupada.

O `eBeD não só se distinguirá dos demais pelo modo de agir, mas por sua

fidelidade à missão. A fidelidade indica que o compromisso assumido pelo `eBeD de

fazer sair direito para os ´cana rachada” e “pavio vacilante” é sério e autêntico. O eBeD

fará sair o direito com gestos de amor.

Convém que façamos, aqui também, uma ponte do exílio da Babilônia para os

exílios dos tempos atuais: quem são “c ana rachada” e “pavio vacilante”? Bastaria um

piscar de olhos para perceber situações semelhantes. No capítulo dois, referente ao

conteúdo, assinalamos que as metáforas “cana rachada” e “pavio vacilante” indicam

situações de pessoas que estão correndo risco de vida. Teríamos muitos exemplos, mas

queremos destacar a situação dos cortadores de cana, conhecidos como “bóia fria”.

Numa série de reportagens especiais, o Jornal da Globo[195] apresentou o setor

da produção de álcool e açúcar no Brasil. Mostrou os grandes investimentos no setor.

Usinas novas, carros com motores flex dão novas perspectivas para o setor interno e

externo do país. Mostrou também que a técnica, na mecanização da colheita da cana,

está colocando em risco o futuro de milhares de trabalhadores bóia- fria, cortadores de

cana. Uma das profissões mais antigas do Brasil está com os dias contados. Cada

[194] Carlos Mesters, A missão do povo que sofre – Tu és meu servo! p.33-40. [195] Vitor Luiz, Situação dos bóia-fria, Jornal da Globo, São Paulo, 2 e 3 de dezembro de 2004.

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máquina colhedora faz o trabalho de 80 trabalhadores. As máquinas já dispensaram

mais de trezentos mil trabalhadores. A perspectiva é que dentro de dez anos as

máquinas deverão dispensar todos os cortadores de cana.

Em defesa do etanol o governo federal ignora a situação precária à qual os

cortadores de cana são submetidos. Recentemente, comparou-se o cortador de cana com

uma balconista de loja. Dias antes do início da reunião da Organização das Nações

Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), que aconteceu entre os dias 2 e 5 de

junho de 2008, o nosso presidente comparou os cortadores de cana com os mineradores

de carvão europeus, historicamente submetidos à exploração para fornecer energia ao

desenvolvimento do capitalismo. O governo ignora o sofrimento e a escravidão dos

cortadores de cana em defesa do combustível etanol.[196]

Qual o futuro destes trabalhadores que ajudaram o Brasil a ser uma potência

internacional na produção de álcool e açúcar? De escravos passaram a ser mendigos de

rua. Estão sendo descartados como mercadoria de consumo. As máquinas substituem o

trabalho deles. Tiram-lhe o emprego que garantia as migalhas de pão para sobreviver e

joga-os na rua em nome do desenvolvimento. O pobre trabalhador não tem a quem

recorrer para se defender. Até o governo está a favor da exploração.

Os cortadores de cana são migrantes recrutados por uma espécie de empreiteiro

que faz a intermediação entre o usineiro e o trabalhador. Este indivíduo chamado de

“gato” é do local e da origem dos migrantes. Ele é alguém de confiança dos donos da

usina, para recrutar e classificar bons trabalhadores. Estes são aqueles e aquelas que não

reclamam que não reivindicam e que aceitam as condições de trabalho que lhes são

impostas. Quem desobedecer às ordens do “gato” será expulso do trabalho, sem direito

de ser contratado novamente para um novo trabalho. Geralmente o “gato” é quem

defende o patrão nas obrigações trabalhistas.[197]

Conforme o conteúdo do v.3, apresentado no capítulo dois, poderíamos dizer

que a situação destes trabalhadores traduz a situação da “cana rachada”. Eles andam

[196] Tatiana Merlino, Brasil de fato, São Paulo, 05 a 11 de junho de 2008, p.3. [197] Miralda Aparecida Menezes, Recrutamento de trabalhadores migrantes na cana-de-açúcar no estado de Pernambuco, em Travessia - Revisa do migrante, setembro a dezembro de 2001, n.11, p.12-16.

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curvados por causa da opressão e da exploração. Dependem do trabalho para sobreviver.

Como escravos não têm direito de reclamar dos seus direitos. São obrigados a se

submeter à lei da exploração e a competir com a produção das máquinas para

sobreviver.

Para traduzir a segunda metáfora do v.3, “pavio vacilante” que dá seqüência à

situação da “cana rachada”, foram escolhidos e entrevistados 5 moradores de rua. Três

homens e duas mulheres com a idade entre 28-37anos. Todos vivem no centro de São

Paulo. Um deles, Jorge Donizete Claro, nasceu em Jacareí, São Paulo, mecânico, pintor

e desenhista, após uns incidentes familiares, veio para São Paulo há seis anos.

Envolveu-se com drogas, foi preso, perdeu os documentos e nunca mais conseguiu um

novo emprego. Vive de esmola e é viciado em drogas e álcool.

Júlio César de Nascimento, nasceu em São Sebastião do Paraíso, Minas Gerais,

filho de camponês, trabalhava na lavoura de café e no corte de cana. Estudou até a

segunda série do nível básico. Veio para cortar cana no interior de São Paulo. Foi

despedido por seu chefe e, como teve vergonha de regressar para a terra natal, virou

mendigo de rua há 11 anos. É viciado em álcool e dorme em qualquer lugar. Recolhe

lixo e o vende para sobreviver.

Francisco Pereira Braga é nome fictício. Cearense, foi chefe de tráfico, fugiu da

polícia e faz 16 anos que vive com os moradores de rua, em São Paulo. Já teve oito

mulheres. No momento, vive sozinho. Deixou de ser traficante e passou a ser

consumidor de craque, por ser mais em conta. Encontra-se muito doente, mas não tem

dinheiro para se tratar.

A quarta entrevistada é Maria Fernandes de Andrade, pernambucana,

descendente indígena. Foi professora há mais de dez anos em Pernambuco. Casada, mãe

de quatro filhas, brigou com o marido, veio trabalhar em São Paulo. Como não

conseguiu emprego, há quinze anos mora na rua e não teve mais como pensar em voltar

para Pernambuco.

A última entrevistada é Georgina dos Santos Pereira. É nordestina, cortadora de

cana. Veio para São Paulo com um grupo de bóia fria em busca de uma vida melhor.

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Deixou seus filhos na Bahia com sua mãe e avó em 1997 e nunca mais regressou. Conta

sua história em forma de poesia:

“Sou do nordeste, filha do cabra da peste.

Tenho o nome do agreste

E uma história para te contar.

Sonhei com São Paulo desde menina.

E como uma boa nordestina,

Vim parar neste lugar.

Se foi destino eu não sei.

Ser feliz eu sempre sonhei.

Numa usina vim trabalhar.

Com meus amigos, com quem viajei,

Um dia e uma noite,

E quando acordei estava neste lugar.

Trabalhei mais três meses às vezes sem descansar.

Vendi a força de trabalho em troca de agasalho e comida pra me sustentar.

Mas quando a cana acabou o patrão nem pensou e me mandou passear.

Sem dinheiro para regressar o jeito foi morar com os amigos que encontrei.

Catei lixo e mendiguei para me sustentar.

Mas por causa das aparências ninguém quis me ajudar.

De mãe virei mendiga é dez anos que estou neste lugar

A casa é a rua e a cama um papelão

À vezes durmo na calçada e outras no chão

Acordo todo o dia com corpo dolorido com grito de gente me fazendo gozação.

Hoje já não vivo mais direito, durmo de qualquer jeito e não tenho direção.

Mas tenho esperança, este é o meu defeito:

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Um dia Deus vai dar um jeito e eu vou voltar pro sertão.[198]

São feições concretas de marginalizados que vivem amontoados em favelas,

cortiços, em baixo dos viadutos e das marquises. Que interpelam todo um sistema de

exploração. São trabalhadores e trabalhadoras, mães e pais de família que em nome do

progresso foram jogados no lixo.

O conteúdo da missão da primeira e segunda estrofe é o mesmo; as duas usam os

mesmos termos “fazer sair direito”. Os beneficiados podem ser diferentes, mas

compartilham da mesma sorte. É um povo explorado, machucado que necessita de

cuidado, de carinho, ternura e compaixão. “Eles não gritam e nem levantam a voz na

rua, não quebram a cana rachada e nem apagará o pavio vacilante” (42,2-3).

Machucados não machucam, oprimidos não oprimem, com risco de vida, não

desanimam de lutar.

Este povo jogado na rua, nos cortiços, debaixo dos viadutos é solidário entre si.

O estilo de vida que leva vai rompendo com os laços familiares e cria uma nova classe

de pessoas, de sobra social. É sobra, é lixo humano que cheira mal; é resto que vive dos

restos. A falta de alimentação, saúde, higiene, moradia vai degenerando a pessoa

humana. A solidão é compartilhada com solidariedade entre os que vivem nesta

situação, simbolizada pelo copo álcool, o cigarro, o cobertor e as drogas. A vida deste

povo representa a “cana racha” pela opressão e está correndo risco de vida semelhança

do “pavio vacilante”.

O motivo do aumento extraordinário de favelados, cortiçados é simples: quanto

maior o número de desempregados, mais baixo o salário e maior o lucro das empresas.

O sistema vigente vive do sangue dos pobres. Os órgãos governamentais são os

primeiros a arrancar o camponês da sua terra, forçando-o a migrar para a cidade. No

entanto, cada dia que passa crescem os moradores de rua.

No capítulo 2 falávamos que Javé escolheu o `eBeD como a nova liderança para

revelar seu amor aos excluídos pela sociedade. Ela “não esmagará a cana rachada e nem

[198] Georgina dos Santos Pereira, São Paulo, Praça da Sé, 07/06/2008.

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apagará o pavio vacilante” (v.3). Escolheu o `eBeD para chamar atenção dos fortes e

dizer a eles que não é com violência e opressão que se constrói um mundo de paz. Javé

escolheu o escravo, o trabalhador, para dizer aos intelectuais que o saber não é nada

quando não é partilhado e colocado a serviço de todos. É neste dinamismo que o eBeD

vai indicar o caminho certo para a construção de um mundo mais fraterno.

O novo modo de agir do `eBeD, traz dentro de si a semente da nova sociedade,

que é gestada no coração dos que acreditam na partilha e na solidariedade. O jeito de

agir rompe com o esquema da opressão. Inaugurará uma nova era sem mecanismos de

opressão. Para que isto aconteça, é necessário um jeito diferente de trabalhar com o

povo. É necessário acolher, sem medo, a todos esses que foram triturados pelo sistema e

que vivem no cativeiro do abandono. Somente o carinho, a ternura, a misericórdia

podem integrá-los novamente no tecido social, com direitos e justiça.

3.4 Todos os povos serão contemplados na missão do`eBeD

No capítulo referente ao conteúdo, foi visto que a missão do `eBeD aponta para

fora,entre os gentios que vivem em terras estrangeiras v.1. Nesta última estrofe, a

missão `eBeD de Javé engloba o mundo todo, como atestam as frases: “até implantar na

terra direito e pela instrução dele as ilhas aguardam” (v.4b e 4c). Numa passagem

semelhante diz:

“Atendei-me, povo meu, dá-me ouvidos, gente minha!

Porque de mim sairá uma lei,

farei brilhar meu direito como luz entre os povos.

Breve chegará minha justiça, surgirá minha salvação.

Meu braço executará o julgamento sobre os povos.

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Em mim as ilhas esperarão, na proteção de meu braço colocarão a sua

confiança”. (Isaías 51,4-5)

Não é difícil estabelecer um paralelo entre os dois textos e perceber que há uma

semelhança entre o agir de Javé e o agir do seu eBeD .. Este paralelo é interessante sob

diversos aspectos: uma vez em 42,6 e 49,6 o `eBeD é chamado a ser “luz das nações”;

na Babilônia o povo tinha o deus do sol que é “luz” para orientar a vida; os que estavam

esperando a libertação por parte de Javé, também esperavam que o`eBeD pudesse “ser

luz para as nações”. Através do seu `eBeD Javé estenderia seu reinado a todos

povos. .[199]

Voltando ao capítulo dois, referente ao conteúdo, foi visto também que as ilhas

representam os lugares mais distantes da terra. Elas também serão beneficiadas pela

missão do escravo. Para os antigos, a ilhas eram os locais de difícil acesso.[200]

No final v.4c a palavra “direito” está em paralelo com a palavra “instrução”. Ela

será o conteúdo da missão do `eBeD, que apareceu nos v.2-3 que é o “direito” aos

pobres e enfraquecidos. O mundo espera ansiosamente a partir o agir do `eBeD . É de se

pensar que a instrução do `eBeD se trata da vontade divina, que deseja a salvação para

todos os povos. Ligando o `eBeD a com a “instrução divina”, nos remete a figura de

Moisés, de modo que os dois se aproximam. Esta semelhança dá credibilidade e

confiança à mensagem que tem uma perspectiva universalista.[201]

A palavra de Javé garante êxito da missão. Ela é ativa e vai se cumprir. Assim

diz Javé:

“Como a chuva e a neve descem do céu

e para lá não voltam, sem terem regado a terra,

[199] Jörg Jeremias jpvm, im erten Gottesknechtslied (Jes XLII), Vetus Testamentum , p.39 [200] Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio - História e teologia do povo de Deus no século 6º a.C., p.104. [201] Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio - História e teologia do povo de Deus no século 6º a.C., p.103

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tornando-a fecunda e fazendo-a germinar,

dando semente ao semeador e pão ao que come,

tal ocorre com a palavra que sai da minha boca:

ela não volta para mim sem efeito;

sem ter cumprido o que eu quis

realizará o objetivo de sua missão” (Isaías 55,10-11).

Javé escolheu o seu `eBeD como alguém de confiança para que a missão não

falhe. Ele deverá instruir e ensinar o que é direito para a salvação de todos. Este

conteúdo vai de encontro ao desejo profundo dos povos e nações e à vontade de Javé.

Um direito que não é apenas de teorias jurídicas, mas uma práxis concr eta, baseada na

justiça, capaz de devolver o direito aos curvados pela injustiça e opressão. É um projeto

alternativo de uma sociedade sem injustiça e opressão, onde reinarão o direito e a

justiça, a igualdade e a solidariedade. Nesta sociedade Javé “saciará os famintos e

encherá de bens os pobres (Sl 107,9). “Tornará estúpidos os conselheiros da terra e

ferirá os juízes com loucura. Desmascarará os reis e os cingirá com uma corda. Fará

andar descalços os sacerdotes e lançará por terra os poderes opressores ” (Jô 12,17-19).

Sintetizando, podemos dizer que a missão do`eBeD é conscientizar o povo dos

seus direitos, começando com os que vivem em terras estrangeiras, escravizados e

marginalizados sem direito de justiça. E de um modo todo especial para os pobres

enfraquecidos que vivem no país de origem, empobrecidos a ponto de estarem correndo

risco de vida. E por fim, a missão do eBeD englobará a todos para que o sonho de Deus

aconteça, onde todos terão direito à uma vida digna sem opressão e sem violência.

3.5 Novo fermento na massa

A situação do cativeiro marcou a vida e na história do povo judaíta. A

comunidade exilada influenciada pelos valores culturais, políticos e religiosos corria

risco de perder sua identidade e que houvesse uma desintegração do povo eleito. O

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sistema político e econômico no final do exílio entrou em decadência e a inflação

galopante castigava o pobre. De um lado a fome ameaçava a vida e do outro, o sistema

cobrava do povo o imposto. Diante da situação, a maioria do povo deportado já tinha

morrido e os que restavam muitos já tinham perdido a esperança. Sem profetas, sem

templo, sem rei e sem terra, o povo estava entregue a sua própria sorte. Quando tudo

parecia estar perdido, Javé toma a iniciativa e apresenta o seu `eBeD como o protótipo

de um nova liderança, contradizendo toda e qualquer expectativa. E coloca sobre o

eleito o seu Espírito para liderar com eficácia a missão que vai fazer sair o direito as

nações. O `eBeD agirá com criatividade, sabedoria, humildade, paciência e

desempenhará a missão que fará surgir uma sociedade alternativa. Nesta os

empobrecidos, “cana rachada” e “pavio vacilante”, serão valorizados nas relações

sociais, políticas e religiosas. “São as coisas novas que estão acontecendo” (Isaías 42,9;

43,19). É Javé apontando para um novo rumo, um rumo alternativo, onde não haverá

mais nações dominando nações e nem reis com seus exércitos explorando o pobre

trabalhador. Dizer que Javé tomou iniciativa, apontou um novo caminho, não significa

que o povo deve acomodar-se; ao contrário, deve organizar-se para a caminhada. Foi

assim que aconteceu com os exilados na Babilônia. Muitos se acomodaram, adotaram a

religião e os deuses babilônicos. Assim, também hoje, muitos sofrem calados diante dos

problemas, buscam o mais cômodo, a religião que abençoa os seus interesses políticos,

econômicos e particulares. O que aconteceu com os judaítas, aconteceu com os

angolanos e acontece em todas as partes; quando as lideranças se corrompem, o povo é

que sofre.

Os exilados consideravam-se abandonados por Javé no cativeiro. Um grupo

deles, pessoas simples, começa a ler a situação sob outra ótica e se pergunta: será que

Javé quer a desgraça e a morte de seu povo? Será que Javé mudou o seu jeito de ser?

Voltando ao passado descobre que Javé nunca abandonou o povo, mas foi o povo que

abandonou Javé. Portanto, era hora de despertar e recomeçar tudo de novo, como em

Angola quando a guerra acabou. Vamos regressar para as nossas terras e recomeçar a

história como no passado, porque a vida continua, mas de um jeito diferente: Não

separados, mas unidos em Deus e com uma missão de paz. “Sem gritos e sem quebrar a

cana rachada e nem apagar o pavio vacilante” (Isaías 42 2-3).

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Refletindo sobre o passado, o povo do cativeiro descobriu que, desde o tempo da

monarquia, o sistema imposto pelos reis não traduzia o projeto de Javé. Para o projeto,

era necessária uma nova liderança, baseada no direito e na justiça. Uma liderança que

soubesse valorizar o marginalizado e o empobrecido, sem violência, mas com firmeza e

perseverança, até fazer surgir um mundo novo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na reta final deste trabalho queremos apresentar algumas conclusões a que nos

conduziu nosso estudo.

A ênfase da nossa pesquisa se concentra no conteúdo de Isaías 42,1-4. Iniciamos

o trabalho com a poesia “Vozes d’África” de Castro Alves, que clama a Deus perdão

por tanto sofrimento, causado pela escravidão. Ainda na introdução, foi apresentada

uma experiência vivida em situações de guerra, em Angola, durante algumas décadas,

fruto da ganância e do poder. Olhamos para o sofrimento de um povo faminto, sem ter a

quem recorrer e a luta para sobreviver nos assentamentos; deparamos-nos com o

assassinato das lideranças que não compactuavam com o sistema opressor. Comentamos

a dificuldade na formação de novos líderes, num país em guerra. Tudo isto teve por

meta preparar o chão e criar o ambiente para a reflexão do cântico do `eBeD, sofredor

de Javé do Dêutero-Isaías.

O primeiro capítulo do contexto nos aproximou do ambiente de violência,

opressão, instabilidade, e exploração do Antigo Oriente, fruto de guerras, invasões

militares, saques, deportações e vassalagens. Nações digladiando-se entre si, sem a

mínima consideração pela população. O povo só tinha direito de trabalhar para pagar

tributo e concertar os estragos feitos pelos militares. No cativeiro, porém, numa situação

opressora, surge uma nova liderança entre os oprimidos e descobre o caminho para a

libertação. E Javé, vai na frente providenciando o que for necessário para que a vida

vença a morte, a esperança, o desespero e a justiça, a opressão.

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Ainda no primeiro capítulo referente ao contexto, sondamos o terreno, o local e

o ambiente de onde surgiu o texto. Percebemos o surgimento dos impérios vencedores,

em sua prática de deportações das populações dominadas. A derrota militar significava

tornar -se escravo de uma nação, com deveres de pagamento das despesas da guerra,

semelhante a uma indenização que os derrotados tinham que pagar.

Foi visto também que na época do exílio não havia escravidão aos molde atuais.

A palavra `eBeD, que foi traduzida por “escravo”, mas ela apresenta uma grande

ambigüidade, pois costuma designar situações degradantes da humanidade e ao mesmo

tempo pode designar situações heróicas. A diferença está na situação que uma pessoa

impõe sua vontade a outra. Neste caso, quanto mais for à submissão e a exploração

maior será a degeneração do escravizado. No contexto dos judaítas exilados na

Babilônia, Javé apresenta o seu`eBeD como o eleito, consagrado e tem o apoio para

desempenha a missão. Javé converte o “escravo” a um herói livre e confia-lhe uma

missão sublime. Escolhido, o `eBeD liderará em silêncio e sem violência a tarefa entre

as nações. Essa missão tem o objetivo de beneficiar o empobrecido que está correndo

risco de vida “cana rachada e pavio vacilante” (Isaías 42,3).

Pode-se dizer que a vida comunitária e a fé em Javé, foram fatores que

garantiam o povo exilado a identidade de povo de Deus. As promessas da terra, do rei,

da lei, o templo, a cidade santa Jerusalém tinha ido à água baixo. Tudo pertência aos

estrangeiros. A cidade de Jerusalém e o templo tinham sido destruídos, o rei foi exilado

e morreu (Lamentações 5,16). A lei de Deus foi substituída pela lei do rei babilônico

(2,9). O povo que tinha sido libertado da escravidão do Egito, continua sendo escravo

dentro e fora da sua terra (5,4). A influência da religião babilônica levou os exilados a

mergulhar numa crise de fé. Desanimados com a situação, culpavam Javé pela

destruição de Jerusalém e o exílio. Os sentimentos eram de desanimo e humilhação.

Com o passar dos tempos muitos exilados assimilaram os costumes e a religião dos

babilônicos. Pensavam que Javé era um Deus fraco e por isso tinha sido derrotado pelos

deuses babilônicos. A crise política era lida na perspectiva religiosa. Muitos

abandonaram Javé e se voltaram para a religião dos deuses babilônicos. O profeta

Ezequiel foi exilado na primeira deportação¸ revolução na profecia. Foi o primeiro a

exercer sua atividade longe da terra e fora do templo de Jerusalém; atuou no início do

exílio. E diz que Javé está ligado ao povo e não à terra (Ezequiel 1,3; 3,,14). No final o

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Dêutero-Isaías profetiza o êxodo maior e mais esplendoroso daquele da saída do Egito.

Ele vai à fonte e resgata o sentido autêntico da ação libertadora de Javé. Numa

reinterpretação ousada, o grupo profético, representa a consciência do povo que confia

em Javé que escolheu e libertou o povo do Egito. A palavra de Deus não falha é como a

chuva e a neve que não voltam para o céu sem terem regado a terra (Isaías 55,10). Na

certeza de que Javé não falha o grupo profético vibra de alegria ao ver os

acontecimentos históricos a ação de Javé em favor do seu povo. elegeu `eBeD, e o

prepara para a missão entre os povos e nações. O grupo profético concebe na figura do

`eBeD, o pobre exilado e escravizado, como o protótipo do povo eleito por Javé, para

liderar a construção de um mundo novo baseado na justiça e no direito. “Eu Javé te

chamei para o serviço da justiça, tomei-te pela mão e te modelei e te pus como aliança

dos povos e luz para as nações, a fim de abrir os olhos aos cegos, a fim de soltar do

cárcere os presos e da prisão os que vivem nas trevas” (Isaías 42, 6-7). O objetivo da

missão é a salvação dos excluídos e marginalizados pela sociedade no exercício da

justiça para devolver o direito aos que não tem direito a vida.

Para indicar o novo modo de agir do `eBeD, foram utilizados sete advérbios de

negação. “Não gritará e não levantará, e não fará ouvir a voz dele na rua, cana rachada

não quebrará e pavio vacilante não apagará, não desistirá e não se quebrará” v.2.3a-3b e

4a. O número sete, indica a perfeição, quer dizer que a nova liderança eleita por Javé,

agirá de uma maneira totalmente nova para fazer sair o direito a “cana rachada” e

“pavio vacilante” (Isaías 42,3). Os advérbios de negação fazem a inversão da situação:

da violência para a não violência, da gritaria para o silêncio, da opressão para a

solidariedade, do medo e desânimo para a firmeza e perseverança. O `eBeD não será

violento com os pobres e enfraquecidos. Ele usará de mansuetude, de ternura e

compaixão a semelhança a de Javé que diz: “Tu, és precioso aos meus olhos, és honrado

e eu te amo” (Isaías 43,4).O `eBeD não só se distinguirá dos demais pelo modo de agir,

mas por sua fidelidade que indica que a missão é autêntica.

Trocando em miúdos, percebemos que o cântico do `eBeD está construído

dentro de um conflito entre dois projetos que têm bases diferentes. O primeiro é o

projeto da monarquia, que tem um rei na liderança. É um projeto opressor, baseado na

ganância, na violência e na opressão. Este projeto explora os trabalhadores estrangeiros

“nações” e “cana rachadas” e “pavios vacilantes”, empobrecidos através do

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tributarismo. É um projeto piramidal, bem estruturado, do qual o rei é a cabeça.O

segundo, é um projeto bom, tem as marcas tribais. Nele os pequenos trabalhadores do

campo não serão explorados. A liderança é do povo e o seu agir estará baseado na

justiça e no direito. Este projeto vem de fora do exílio e acrescenta a experiência de

Deus vivida pelo povo no deserto. O grupo do Dêutero-Isaías que resgatar o projeto de

Javé para que o povo volte a viver com dignidade e paz. Um dos critérios é viver a lei

dada por Javé como sendo o manual autêntico.

A missão do continua nos desafiando. Os pobres, oprimidos e marginalizados

aprenderam na escola do sofrimento o cominho da solidariedade e da igualdade. Eles

são os eleitos, `eBeD, os mestres na construção de um mundo mais fraterno e humano.

Eles têm muito a ensinar, como partilhar o pão com justiça e igualdade, para que

ninguém tenha necessidade de explorar o outro por ganância e ambição.

Hoje, mais do nunca, o povo anda confuso, os Meios de Comunicações Sociais,

mais omitem a verdade do que a revelam. Os mecanismos de empobrecimento do povo

são cada vez mais complexos e globalizados fazem com que os cativeiros atuais sejam

mais sutis e eficazes na exploração povo. Quando na realidade, metade do que

produzimos é para pagar os impostos ao Estado. Estamos sendo roubados, oficialmente,

em plena luz do dia. Somos livres para pensar e para trabalhar, mas não podemos

reclamar da exploração e da rapinagem. Continuamos exilados e explorados, vivendo na

ilusão de que um dia tudo vai mudar num passo toque de mágica. Precisamos de um

novo `eBeD, que conscientize o povo da situação e dos seus direitos na construção de

um mundo melhor.

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