Leyla Perrone-Moisés. Roland Barthes: o saber com sabor
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. L Y
PERRONE MOISES
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Roland
B RTHES
S BER COM S BOR
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Roland
B RTHES
LEYL
PERRONE MOISS
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opyright
Leyla Perrone Moiss
Capa diagramao
:
Moema
Cavalcanti
Caricaturas
:
Em lio Darniani
Rev/sa o:
Herc
tio e
Lourenzi
Jos E. Gugelmin
editora
brasiliense
01223
r
general
so
paulo
brasil
.a
jardim 16
-
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7/111
INDI E
Captulo
Biografemas
. . . . . . . . .
Captulo
Mitologias . . . . . . .
20
Captulo
A nova
cr t ica .
. . . . . . . . . . . . . . . . .
3
aptulo 4
O semilogo . . . . . a . . . . . . .
40
Captulo
5
Escritura
prazer
. . . . . . . .
49
Captulo
6
Amor
poder . . . . . . . . . . . . . . . .
60
Captulo
7
O Mestre
anarquista
.
. .
. . . . . . . .
.
69
Captulo 8
Anamneses . . . . . . . . . . .
88
Cronologia
. . . . . . . . . 102
I
ndicaco
Bibliografica
. . . . . . . . . . . . . 106
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"Meu
mestre,
meu mestre, perdido to
cedo
Revejo-o na sombra
que
sou
em
mim, na mem6ria que conservo do que
sou
de
morto.
Aivaro
de
Campos
-
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A B R E V I A T U R A S
Usarei as seguintes abreviaes (entre parnteses, as edies
francesas
a
que
remeto
:
SF
L
(Sade, Fourier
oyola,
eu
i 1
97
1
R
B/
R Roland
Barthes par
Ro/and Barthes
Seu i
. 1975)
M (Mythalogies, Seuil,
1957
C Essais critiques Seu I,
1
964
C V
Critique
et Vrite,
Seuil, 1966
(Leon Inaugurale, Col
ge de
France. 1977
G V
( L e
grain
de
/a
voix,
Seui
I,
1
981
D Z L edegr z e I criture, Seuil, 1972
ES (L Empire
des
signes, Flammarion, 1980
FDA Fragrnents
d un discours amoureux
Par t Seu i
I,
1977
AS
( Au sminaire , L Arc
nP 56, Aix-en-Provence,
1974
E IP ( crivains, Intellec tuels , Professeurs .
Te/
Que/
no 47,
Paris,
Seuil, 1971
-
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CAPITULO 1
BIOGR FEM S
Se
eu
fosse
escritor
e
morto
como
eu
gostaria
que
minha
vida se reduzisse,
pelos
cuidados de
um
bigrafo
amistoso e desenvolto,
a
alguns
pormenores, a alguns gostos, a algumas inflexes,
digamos:
'biografemas',
cuja distino e mobilidade
poderiam viajar
fora
de
qualquer destino
e
vir
tocar,
como
tomos
epicuristas,
algum corpo
futuro
prometido a mesma dispersof' (SFL p 14 .
De Sade, Barthes gostava de
lembrar
os punhos
de
renda branca; de
Fourier, os v sos
de flores
entre
os quais
caiu
morto; de Loyola, os belos olhos
espanhis.
B iografemas, pequenas unidades
biogr-
ficas, ndices e um corpo
perdido agora
recupe-
rvel
como
um
simples plural
de
encantos .
A
vida no
como
destino ou epopia,
mas como texto
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B I O G R A FEM A S
r~manesco, um
canto
descontinuo
de
amabili-
dades .
Em
Roland Barthes p r Roland Barthes
ele
reuniu
alguns autobiografemas, que
chamou
e
anamneses: tem branas de
infnci
fixadas como
breves haicais: o
defeito
na loua de um tijela;
um
morcego
rechaado
pela famlia, armada
de
pinas; o
c nto do
jardim onde
se enterravam
ninhadas
indesejveis
de
gatos;
o
sabor
insosso
de
um
caf
com
leite
claro;
etc.
Se o texto que agora escrevo fosse apenas um
tex to e prazer, bigrafa amistosa e desenvolta
eu
continuaria nessa
linha acrescentando
s anamneses
de Barthes
minhas anamneses a
seu
respeito.
To
fictcias
umas como as outras, porque os biogra-
fem s pertencem o
c mpo
do imaginrio afetivo.
u
falaria ento de seus
calmos olhos azuis,
o
charuto pendurado no c nto da boca dando
ao
rosto um
ricto ps-guerra (vejam-se
as
fotos
de
Camus, Malraux, Prvert).
Falaria
de seu jeito
e
mal-estar n vida,
sempre
suspenso ent re
a
iminncia de
um
divertimento
e
a
recorrncia do
tdio,
entre o impulso socialidade
bondosa e a
conscincia
de um
irremedivel
solido.
Mas
devo ser
aqui
uma
bigrafa
informativa.
Alis, prprio sabor dos
biografemas
depende
de
uma prvia informao.
Os
punhos
de Sade e
os vasos de Fourier
so contrapontos de
suas
vidas-obras,
o
insignificante
que
a
memria
seleciona,
ludicamente,
dentro de um
conjunto
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R O L A N D
BARTHES
ma
ior. Recoloquernos, pois
os biografemas
barthesianos
no
contexto
de
uma
existncia
narrvel.
Roland Barthes
nasceu
no dia 2 de novembro
- d e
191
5,
em Cherburgo, porto
do
Canal da Mancha.
Seu
pai Louis Barthes,
segundo-tenente
da Marinha,
morreu
numa
batalha naval da
Guerra
de 14, quando
Roland tinha onze meses
Seguiu-se uma
infncia
tranquila em
Baiona, no
sul
da
Frana,
dentro
de
urna fam
ia
burguesa
privada
de
pai, empobrecida,
protestante, respeitosa das
convenes
e
extrema-
mente afetuosa. De
um segun o
casamento da
me nasceu outro filho. Em 1924 mudaram-se
para Paris, onde Roland prosseguiu seus estudos
no Liceu
Montaigne
e
no Liceu
Louis-le-Grand.
Em
1934
foi
acometido
de tuberculose
e passou
um
ano
em tratamento, nos Pirineus. De volta
Paris,
licenciou-se
em
Letras
Clssicas
e
participou,
como ator,
de
um grupo de
teatro
antigo. Tornou-se
professor secundrio e redigiu
um trabalho
univer-
sitrio sobre
a
tragdia
grega. Em
1941
teve
uma
recada
da
tuberculose;
passou
os
cinco
anos
seguintes
em sanatrios.
Finalmente
restabelecido,
em 1948 partiu
para
o
estrangeiro
como professor
universitrio
Bucareste
e Alexandria).
De
952
a
1959
foi
pesquisador o
C N R S
Centro Nacional
de Pesquisas Cient
[ficas), em
lexicologia
e
sociologia.
Nesse per iodo, publicou
trs
livros
e
vrios
artigos,
em
especial
sobre
teatro. A partir
de
1962, tornou-se orientador
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B I O G R A FEM A S
de
pesquisas
na
Escola
Prtica de
Altos Estudos
da
Sorbona.
Publicou
mais
alguns livros
de crtica
literria, que
provocaram
uma
inesperada e intensa
imitao em Rayrnond Picard, mestre
poderoso
e
tradicionalista da velha Sorbona. Seguiu-se uma
polmica em torno da nova
crtica assim
batizada
por Picard
-
esse
deb te tornou Roland
Barthes
conhecido
por
um largo pblico.
Suas
aulas
comearam a atrair
ouvintes
cada vez
mais
numerosos.
os anos seguintes, o movimento
estruturalista
nas
vrias cincias
do homem
ocupou
as
atenes da
universidade
e at mesmo dos meios
de comunicao de massa. Barthes foi considerado
como
um dos papas o
estruturalismo, papel
confortvel
mas
para
ele
insuportvel,
como
qualquer papel) que abandonou
em
1973, com
a
publicao de um livro
reivindicando
o prazer,
o corpo,
o
individualismo e
o diletantismo
contra
a
cincia , os modelos abstratos, a
objetividade
e
o
rigor universitrios. Novas
polmicas
que,
como
a anterior, reforaram o
prestgio
de
Barthes.
Cada
vez
m is
solicitado,
tambm
no
exterior, tinha
passado
um temporada
nos Estados
Unidos 66),
outra
no
Marrocos
69-70); fez
tambm
uma viagem ao
Japo
69),
outra
China 74) (achou o Japo
fascinante e
a China sem graa).
Em
1977, Barthes tomou posse d nova cadeira
de
Semiologia
Literria
no
Colgio
de
Frana,
ins-
tituio
acima e
fora da
universidade,
local
onde
12
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R O L A ND BARTHES
os
mais ilustres
professores
franceses
de todas
as
especial
idades
oferecem cursos l
ivres
e
abertos
ao
grande pblico. Era
uma faanha para
algum que
nunca escreveu um
verdadeiro
trabalho cientfico
e jamais
defendeu
qualquer tese universitria.
Em 1978 perdeu a me, em companhia de
quem
sempre vivera. Estava
no
auge
de seu prestgio;
suas
aulas
atraam multides, os veiculos de massa
o
requ
isi
tavam
constantemente, seus I ivros
tinham
sido traduzidos em
numerosas I
nguas.
Em
fevereiro
de 80 ao sair do Colgio de Frana, foi atropelado
por
uma
caminhonete,
sofrendo
graves
ferimentos
no
peito; desde a tuberculose da
juventude,
este
era
exatamente
seu
ponto
mais
frgil.
Faleceu
um
ms
depois
na
unidade de
terapia
intensiva
do
Hospital
Piti-Salptrire.
Foi
enterrado
em
Baiona, como su
me,
numa
cerimnia
oficiada
por
um
pastor
protest nte
e assistida por alguns
amigos
Em
Roland arthes por
Roland
Barthes aps
t r alinhado os dados principais de sua vida
ele
acrescentou, entre
parnteses: (Uma vida:
estudos,
doenas,
nomeaes.
E
o
resto?
Os encontros,
as
amizades,
os amores, as viagens, as leituras, os
prazeres,
os medos, as
crenas,
os gozos, as felici-
dades, as
indignaes,
as
tristezas:
em uma
s
palavra:
as ressonncias?
o
texto
mas
no
na obra.)
E
essa
distino
entre
texto
e obra
que
me
vai
permit ir
retomar,
prazei
rosamente,
os biografemas.
-
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obr de Barthes conjunto de seus livros,
atravs
dos
quais
se
pode
segui
r
a
evoluo
(os
deslo-
camentos)
de
suas idias tericas
e crticas.
O
t xto
de Barthes
est
nas entrelinhas
desse discurso falsa-
mente
acadmico,
n s
conotaes de seu lxico,
nas vibraes de seus arranjos
frsicos, nas
tonali-
dades de sua
enunciao
inconfundvel: em sua
escritura. E
quando se teve
a
sorte de
conhecer
Roland
Barthes em
pessoa,
esse
texto
se
entrelaa
a u m o u t r o texto , de anamneses: cenas
a que
se assistiu ou
que
nos contaram, fragmentos de
suas
falas,
indissoluvelrnente
ligadas ao timbre particular
de sua voz
grave e pausada.
Pedacinhos
de u
vitral
que projetam luzes
mveis
e
intermitentes
sobre
a
'figura acabada
e n tida
d
obra.
Esse
texto
de
anamneses,
cujas
unidades
so
biografemas,
no preceder,
aqui, ao
sobrevo da
obra barthesiana.
Porque no se
trata de
proceder
como
nos manuais literrios tradicionais, colocando
sucessivamente o homem e a obra ,
segundo
a
boa lgica positivista da
causa
efeito. Trata-se
de ressaltar
na
obra o
texto,
de mostrar como este
ilumina
aquela
com
seus
intermitentes
fulgores;
e de indicar
a
circulao permanente de temas e
tons, entre a
obra
pessoa
do escritor Barthes
que
conheci. Esse Barthes
que
conheci
no
pode
ser
s no uma
viso de Barthes, um leitura
conjunta
de sua
obra e
de
seu corpo vivo; uma
fico,
na
medida
em
que
sou
eu
quem
seleciona,
ordena e escreve essa leitura. m tipo de leitura
-
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ROL ND
B A R T H E S
que
Barthes,
o terico,
encorajava, cujo caminho
ele
indicava.
O biografema,
segun o
ele,
nunca
uma verdade
objetiva: O biografema nada mais do que uma
anamnese
factcia:
a que eu empresto ao
autor
que
amo (RB/RB,
p. 114).
A
biografemtica
cincia do biografema teria como objeto
pormenores isolados,
que comporiam
uma biografia
descontnua;
essa
biografia diferiria
da
biografia-
destino,
onde tudo
se
liga, fazendo entido.
O
biografema
o detalhe insignificante,
fosco;
a
narrativa
e a personagem no grau zero, meras
virtual idades
de
significao. Por
seu
aspecto
sensual,
o biografema convida
o
leitor a fantasmar; a compor,
com
esses fragmentos, um
outro texto que , ao
mesmo
tempo,
do
autor
amado
e
dele mesmo
leitor.
biografia
f ctu l contnua e
Barthes,
que
resumi acima,
j impele
a
procurar outras coisas,
na medida em que
seu destino nada tem de herico,
de conseqente ou de instrutivo.
E
isso porque
o
modo discreto
como
Barthes viveu e
comunicou
esses
f tos coincide, perfeitamente, com sua
repugnncia
pelo tipo de imaginrio
que preside
s
biograf as-destino.
O primeiro
fato trgico
a perda prematura
do pai
no
trouxe conseqincias espetaculares
(como
na vida de
Baudelaire
por exemplo). A
psicologia
no
pode dizer que ele ficou
revoltado ,
nem a
psicanlise
pode afirmar, om
segurana,
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B I O G R A FEM A S
que esse fato explica seu apego a
me
e/ou seu
homossexuaIismo.
Embora
morto
tragicamente,
o
pai deixou
uma lembrana leve: O
pai, morto
muito
cedo
(na guerra),
no
estava preso a nenhum
discurso
da lembrana
ou do sacrifcio.
Por
interm-
dio da
me, sua memria, jamais opressiva,
apenas
roava a
infncia,
com uma gratificaco quase
silenciosa
RBIRB,
p. 19 .
A
infncia
comum
(passada
no na
pobreza,
mas
apenas no
aperto )
os estudos
normais no
permitem qualquer
ilao. A juventude poderia
ter
sido magnificada
pela experincia histrica
da
2a
Guerra
Mundial;
mas, nesse
momento,
Barthes
estava tuberculoso. Em vez da Guerra da
Ocupao
da Resistncia, que
seus
contemporneos viveram
intensamente,
ele teve ento a experincia
da
vida
reclusa
comunitria: o silncio, as leituras, as
amizades, o
sofrimento
obscuro. Barthes no deu
a essa doena
nenhum
sentido
de
purgao
ou e
fortalecimento de carter.
Apenas observou
que
teve
uma
doena
retro,
historicamente superada
pelos
antibiticos: Doena indolor,
inconsistente
doena
limpa
sem
cheiros,
sem 'isso'; ela no tinha
outras marcas
a
o ser seu tempo, interminvel,
o tabu social
do
contagio; quanto ao mais,
estava-se
doente ou
curado,
abstratamente, por
um
puro
decreto
do mdico R IRB, p. 39 .
Depois,
ele se tornou escritor. Seria esse seu
destino,
para
onde
tudo
se
encaminharia
e
que
tudo justificaria? Mas o escritor, enquanto perso-
-
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ROLAND B A R T H E S
nagem,
tambm desmistificado por ele como
um
fantasma : Com
certeza no
h
mais nenhum
adolescente ue
tenha este fantasma : ser escritor
De
que
contemporneo querer copiar, no a obra,
m s as
prticas, as
posturas,
aquele
modo
de
passear
pelo rnuildo
com
uma caderneta
no bolso
e uma
fr se
na
cabea (assim eu
via
Gide
circu-
lando d
Rssia ao
Congo,
lendo
seus
clssicos e
escrevendo
seus
apontamentos
no
vago-restaurante,
enqu nto esper v
os
pratos; assim
eu
o
vi
real-
mente, num dia
de
1939 no fundo da
cervejaria
Luttia comendo
uma
pera e
lendo i im l ivro)?
Pois quilo que o fantasma impe e o escritor t a l
como podemos v-lo em seu
dirio ntimo, e o
escritor menos sua obra: form suprema do sagrado:
a
marca
e
vazio
( R B I R B ,
p.
81 .
O
escritor
foi sistematicamente dessacralizado por Barthes:
aquele
que
trabalha em casa e , por isso, visto
pelos
outros
como
um
desocupado
e/ou aferninado;
ser
escritor no
uma uno,
uma
funo; ser
escritor tr b lh r para
nada,
pois
a
escritura
tem por f im
ela
mesma.
O
engajamento
pol
itico
podia
ser
a
justificativa
m ior de sua vida. Profundamente
tico,
Barthes
no se esquecia de que tudo pol tico.
Entretanto
no
acreditava que
a ao poltica do escritor
estivesse em
seu
engajamento pessoal,
mas
em
seu
poder de deslocar as
linguagens
de
seus
centros
de poder.
O que
aborrecia no
comportamento
poltico,
como
no
das
vanguardas artsticas,
era
-
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B I O G R A FEM A S
a jactncia ,
a
arrogncia e a
rnilitncia
dos
que defendem certezas.
A
essa espcie
de
triunfo da boa
conscincia
p l tica' ou esttica),
ele preferia a posio
instvel
do sujeito impuro ,
fora de qualquer poder,
mais
subversivo do que
revolucionrio.
Vem entretanto a glria , e esta o
entedia.
Os grandes
pblicos
o
assustam,
a
televiso
o
mortifica,
as
viagens
o
cansam.
E
os
pequenos
acessos de
vaidade que o acometem acabam por
mortific-lo ainda mais: alm
da
certeza de
um
engano
o
outro ( o desconhecimento
em que
se
funda todo prestgio pblico),
a
auto irriso: por
quem
estou-me tomando?
A
pergunta
Voc
tem
o sentimento de escrever para a posteridade? ,
respondeu
Francamente
no
(entrevista
em
Le
Nouvel Observateor, 1
11 77).
Por tuda
isso, tinha razo quando
disse um dia
que,
se tivesse de
escolher
uma
divisa,
adotaria
esta,
de Valry: Nem
um deus ousaria
tomar
por
divisa:
Eu decepciono . A
vida
de Barthes decepciona:
ou, pelo
menos ele
fez tudo para que seu
relato
decepcionasse.
Tudo
o
que
ia
fazer
um
sentido
maior, dar uma
moral
da histria. um explicao
dos fatos posteriores ou uma concluso dos
anteriores,
foi
desmontado por ele
mesmo:
a
doena, vocao a
misso,
a glria. Barthes
atenuou, sutil e
tenazmente,
sua autobiografia;
e frequentemente deu a
seus fragmentos
auto-
narrativos
um
leve
tom
de
farsa.
omo
quando
18
-
7/25/2019 Leyla Perrone-Moiss. Roland Barthes: o saber com sabor
21/111
R O L A N Q
B A R T H E S
contou
que fez
com a costela
que
lhe
haviam
extra
ido
em
1945
num
pneumatrax:
lancei
a costeleta
sua
gaze do alto d o balco.
como
se estivesse
dispersando romanticamente minhas
prprias cinzas, na
rua Servandoni. onde algum
cachorro deve ter vindo farej-las ( R B I R B , p. 65 .
E omo que de encomenda, sua
morte tambm
teve algo de irnico: atropelado por um caminho-
n t
de
tinturaria,
em
frente
do
Colgio
de
Frana.
az
sentido?
No.
Mas
esse
fato final vibra com
uma
virtualidade
de
sentido; convida
um
inter-
pretao
simblica, que f ica
porm suspensa.
-
7/25/2019 Leyla Perrone-Moiss. Roland Barthes: o saber com sabor
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MITOLOGI S
No comeo dos
anos
50
Barthes publicou, em
vrias revistas, crnicas
sobre
determ inados aspectos
d atualidade francesa.
m 1957 esses textos
foram
reunidbs
em livro, sob ttulo de Mythofogies
Mitologias).
O m to
a i
entendido em
seu
sentido corrente
de
falsa
evidncia,
de
mentira
aceita por
um
comunidade
Os
mitos que at ra am a ateno
de Barthes eram certas representaes da vida
cotidiana, menores e aparentemente inocentes:
uma notcia de jornal sobre as farn l
ias reais
europias,
um
texto
qualquer de
publicidade,
espetculos esportivos ou
erticos
(a luta livre
ou
o strep-tease),
fotografias
de
atores
ou
de
polticos, nfim tudo que ocupa o pblico
2
-
7/25/2019 Leyla Perrone-Moiss. Roland Barthes: o saber com sabor
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ROLAIVD B A R TH ES
mdio
em
suas horas de lazer.
Por
que um
intelectual refinado
e j
especiali
zado como
Barthes, que naquele momento
pesquisador do CNRS, critico teatral de vanguarda
e autor de
u livro
dif icil como Le
degr zero
de
I cr:
tur
O rau
zero da escritura), se interessaria
por assuntos to
corriqueiros, andinos
e pouco
culturais ? Por impacincia, como ele mesmo
explicou depois.
Porque
algo
o
incomoda
profun-
damente
no
modo
como
esses
mitos
se veiculavam,
na confuso entre Natureza e Histria
sobre a
qual
eles
se
instalavam.
O prprio desses
discursos
(fossem
eles
verbais ou
icnicos)
era apresentarem-
se om uma aparncia
de
naturalidade absoluta,
como
aquilo que simplesmente assim , que
senso
comum
no
discute
mas
apenas
aceita.
Barthes resolveu ento observar de perto esses
mitos, dedicar-lhes uma total ateno,
justamente
aquela ateno excessiva
que
eles
no podem
suportar, na
medid
em que se destinam a um
consumo desatento
e, por
isso, conivente.
Partindo ento e
observaes
quase
bvias,
ele
vai estabelecendo relaes
insuspeitas
para o
consumidor desprevenido, at que a
notcia,
o
espetakulo, a
imagem se
revelem,
de
repente, como
algo diferente daquilo que pareciam
ser.
NO artigo Os romanos no
cinema ,
ele comea
por
observar, como um
simples dado,
que
todos
os
atores
do
Jlio
Csar
de Mankiewicz
usam
franjinha e suam
muito.
Por qu? (e
a
que l
-
7/25/2019 Leyla Perrone-Moiss. Roland Barthes: o saber com sabor
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MITOLOGIAS
j abandona
a atitude do espectador comum,
simplesmente
receptivo).
A
franjin ha,
observa
ele,
funciona
como
reclame de romanidade ; compe
uma testa
romana
cuja exiguidade indicia o
direito,
a
virtude e
a
conquistarf. Quanto ao suor
(de vaselina) que b nh indistintamente os rostos
dos homens do povo, dos soldados, dos
patrcios,
um
sinal da
moralidade romana.
Todos
suam,
combinando
economicamente
num
nico
signo,
a
intensidade
da
emoo
e trabalho
rduo o
pensamento; pois, para
um
povo de
homens de
negcios,
pensar uma
operao violenta,
cata-
clismica, da qual suor 6 o menor dos signos
M, p. 28 .S um
homem
no sua, no
filme
Csar
a vitima, que no
sabe
de
nada
e por isso
no
sofre.
Interpretados os
signos,
resta saber
omo
eles
funcionam nessa linguagem, que t ipo de c6digo
esse
onde
eles aparecem. Revela-se ento o
interesse
geral das observaes
iniciais sobre
as
franjinhas e o suor. Barthes
aponta a duplicidade
do signo,
prpria
do espetculo burgus: a
se
confundem
signo
e
significado,
sem
optar
nem
pelo
irrealismo
artstico, nem por um realismo
documen-
tal; mantm-se um sistema de
signos
bastardo, um
falso realismo que se apresenta como natural.
Em
Saponceos
e detergentes , ele examina a
retric da
publicidade
desses produtos,
mostrando
que ela se apia
sobre
mito
vertical
da profun-
didade
( lavar
profundamente )
e
o
mito
hori-
zontal da espuma
(luxo de1 icado, espiritual ).
-
7/25/2019 Leyla Perrone-Moiss. Roland Barthes: o saber com sabor
25/111
ROL ND B RTHES
No s sai impun
da
leitura de Mitologias, sa-se pelo
menos,
desconfiado daquilo
que
s
consome
como informao ou
lazer no
fensivos.
-
7/25/2019 Leyla Perrone-Moiss. Roland Barthes: o saber com sabor
26/111
MITOLOGIAS
E conclui: O importante mascarar a funo
abrasiva
do
detergente
sob
imagem
deliciosa
de
uma
substncia ao
mesmo tempo
profunda
e
area,
que pode reger
a ordem
molecular
do tec ido
sem atac-lo
Toda
essa retrica para
que
o consumidor
colabore om os trustes
muI inacionais.
Em outros artigos, ele
explora
os
mitos
alimen-
tares
dos
franceses.
Em
O
vinho
o
leite ,
esmiua
modo
como os franceses
vem esses
dois
l quidos:
qualquer
francs
aceita
o
carter benfico dessas
bebidas, sem saber
t
que ponto suas virtudes
esto arraigadas
em
associaes
inconscientes
sem fundamento
real.
O vinho associado
ao
sangue, I
quido
denso vital,
dotado
de
poderes
de
transmutao:
transforma
o fraco
em
forte
o
silencioso
em tagarela,
o
intelectual em popular
etc.
Aspectos
mticos
que ocultam simplesmente
o alcoolismo
do francs mdio estimulado
pelo
capitalismo metropolitano
colonial. O contrrio
do vinho, segundo Barthes,
no
gua, mas
o
leite, cosmtico reparador ,
infantil e
inocente. Mas para
francs, o
leite
uma
substncia
extica , consumida nos filmes
americanos;
o autenticamente nacional continua
sendo o
vinho.
J O bife om batatas
fritas .
este tambm
esconde,
sob
a aparente obviedade, um conjunto
de
m tos
inconscientes,
com
inquietantes
impl
i
caes
xenfobas. O bife as batatas fritas torna-
-
7/25/2019 Leyla Perrone-Moiss. Roland Barthes: o saber com sabor
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ROLAND B A R T H E S
ram-se sinais alimentares da f rancidade . Assim,
os
jornais
notici r m
que,
depois
do
armistcio
na
Indochina,
o General de Castries
pediu
batatas
fritas .
Nada
inocente esse pedido, pois as batatas
fritas funcion m a como comida nostlgica e
patritica .
Assim,
implacvel em sua
ateno
e hilariante
em suas
observaes,
Barthes vai percorrendo os
aspectos
aparentemente
mais
bvios
insignificantes
do dia-a-dia francs, para mostrar em
que
imagin-
rios
eles
se
ancoram. O Tour
de France campeo-
nato
de
ciclismo a epopia
nacional
narrada por
hom6ricos comentadores esportivos. O
famoso
Guide Bleu e
turismo
age sobre
as
imaginaes
insistindo sobre o pitoresco das elevaes s6
as
montanhas
so
pitorescas,
sobre
as
plancies
no h grande coisa
a dizer,
so
apenas
frteis ),
e as particularidades dos habitantes transformados
em tipos .
As fotos
dos
candidatos
politicos
em campanha
( fotogenia
eleitoral ) revelam obedecer a cdigos
su
blirninares
muito
precisos: e
frente realismo,
franqueza;
de
trs-quartos
olhar
perdido
no
futuro, perseguio tirnica do ideal.
Nos
inocentes
conselhos astrolgicos dos jornais ( Astrologia ),
Barthes
l o
moralismo e o conformismo
dos
astros, que sempre aconselham coragem, pacincia,
prudncia, bom humor
Os astros jornal
sticos
nunca
postulam uma derrubada da ordem vigente; separam
convencionalmente
trabalho ,
fam
l a ,
corao ;
-
7/25/2019 Leyla Perrone-Moiss. Roland Barthes: o saber com sabor
28/111
MITOLOGIA S
acompanham
o
ritmo da
semana
laboriosa, respei-
tosos
para
com
o
status
social
e
os horrios
patronais
(M., p.
187 .
A leitura
de
Mitologias diverte e
subverte.
o
se
sai
impune
desse livro:
sai-se,
pelo menos,
desconfiado daquilo que se consome omo 'infor-
mao ou
lazer inofensivos; ou, como me disse
algum a quem
recomendei
essa leitura, com a
sensa~o
de
ter
ficado
mais
inteligente.
Note-se
bem: no mais culto, mas
mentalmente mais
gil.
As itologias so, realmente,
uma ginstica
ou um
estimulante da inteligncia.
O que particular, no trabalho
de desmistificao
efetuado por Barthes,
decorre
de
seu
ponto de
partida o mito
para ele
fala
linguagem
forma
o
se
trata,
para
ele,
de
atacar
idias
com
idias;
por
exemplo: mostrar que tal
atitude diante
dos
negros racista e
que no se
deve ser racista;
ou
que aquilo que se iz e determinado produto
falso, e
portanto
no
devemos compr-lo. Trata-se
de mostrar embuste na prpria forma da mensagem
que, desmontada,
revela
sua artificialidade. Ora,
a
eficcia
da
mensagem
ideolgica
reside
justa-
mente no fato
de
ela
se
apresentar
como
transpa-
rente, sem nenhuma
inteno.
Apontar o arranjo
oculto
de
suas
formas naturais
fazer
desmoro-
nar
no ato
as
idias que ela veicula.
A
linguagem da
mitologia
burguesa
insidiosa
porque
ela
se apresenta
como
geral, annima e
eterna; mostrar
que
ela particular,
que t em
uma
-
7/25/2019 Leyla Perrone-Moiss. Roland Barthes: o saber com sabor
29/111
ROLAND B A R T H E S
fonte precisa,
que
historicamente
datada (ligada
aos interesses
de
uma
classe
em
determinado
momento)
um modo
eficiente
de destru
i-Ia. Ao
desmontar
essas mensagens
inocentes , Barthes
ps
a
nu
certas constantes do
imaginrio pequeno-
burgus, indicando o
exato
lugar dessas
constantes
na ideologia
dominante. Mais tarde,
ele
observaria
que
a expresso ideologia
dominante
redundante,
pois
a
ideologia,
no
sentido de
representao
falsa
do real, emana da
classe dominante;
e os
dominados
s6
o so
por uma
carncia
de linguagem prpria,
que os obriga a engolir e a
adotar,
sem saber, a
ideologia
dominante.
Desmistificar esses mitos era pois uma tarefa
poltica. Entretanto, Barthes
comentou mais
tarde
O
propsito
das
itologias
no
poltico,
mas ideolgico'' Te / Que/, nQ 47 p. 96).
De
fato,
seria poltico
se visasse
a derrubada
de
certas
posies para ubstitu -Ias por outras; apenas
ideolgico porque
consiste
em
apontar
o logro
sem propor, em troca, uma verdade.
Como
sempre,
Barthes
assumiu
essa
tarefa
sem
nenhu
ma gr ndiloqunci
demaggica.
Desmistif car
essas representaes,
disse ele,
no uma
operao
olmpica
(M, p.
8).
O desmistificador
no est
acima e
a
salvo dessa gelia geral da
cultura
de
massa; est dentro dela, procurando apenas ter
uma
viso
mais crtica do que a do simples consu-
midor.
A
arma
do
desmistificador no
o
antema
ou
a
censura, mas
o humor;
foice
(e
no martelo)
-
7/25/2019 Leyla Perrone-Moiss. Roland Barthes: o saber com sabor
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A NOVA CR~TICA
O sculo X V I I (Luis X I V , Versalhes, o Classi-
cismo) a
cultura
francesa
em
seu
momento
de
glria;
nesse sculo de florescimento
artstico, o
teatro foi o gnero maior
nesse teatro,
as
tragdias
de Racine ocupam
o
lugar
de
honra.
Desde o sculo XVII, Racine tem
sido venerado
como
um
monumento
nacional,
como
o
exemplo
mais
acabado
do gnio f rancs , capaz de apresentar
as paixes mais violentas
com clareza,
equil ibrio
e nobreza.
Geraes sucessivas
assistiram
s
represen-
taes de Fedra u
Ifignia
como s cerimnias
religiosas
da
tribo, e decoraram
os
alexandrinos
racinianos como
fbrmulas rituais.
Em
1963
Barthes
publicou
u
livrinho intitulado
discretamente ur
Racine (Sobre Racine .
Ningum
-
7/25/2019 Leyla Perrone-Moiss. Roland Barthes: o saber com sabor
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ROLAND B A R T H E S
podia imaginar o que esse livrinho iria
desencadear
Nada
mais
nada
menos
do
que
um
amplo
debate
sobre a crtica literria, implicando perguntas
fundamentais como: o
que
a l iteratura? como
deve
ser lida e ensinada? qual
a
funo
do
cr t ico?
quais os
seus
deveres
e
direitos?
Tudo
comeou
com a
irritao
da
parte
e
certos
criticos, que logo transformou-se em
indignao
e
explodiu
em
ofensas,
num
crescendo
que
durou
dois anos.
m
1965
algum se tornou o porta-voz
dos ofendidos. Raymond
Picard,
professor titular
da Sorbona
autor de
extensa tese sobre
Racine,
publicou nto
u
rn panfleto Nouvelle critique,
noovelfe
imposture
Nova crtica,
nova impostura ,
onde
Barthes
era chamado de
"esc
roque intelectual
.
que
ser
que Barthes
tinha
ousado
fazer
com
Racine?
Dizer
que este no
era to
bom
quanto
se pensava? No Como qualquer outro Barthes
achava Racine admirvel. Barthes tinha
apenas
lido Racine de um modo
pouco cannico, e falado
dele
com uma linguagem
inusitada.
Para se
compreender
a diferena,
vou
dar apenas
alguns exemplos.
Na
tragdia
Fedra,
a
jovem
Arcia
ama
o
casto
Hiplito. Nada mais normal como
explica Picard: "A atitude de
rcia
clara.
Ela
ama
Hiplito e, para
justificar-se, ela
observa que
tem
todas as
razes para preferir, por exemplo,
a
um
vulgar conquistador, um
heri
altivo que
nunca caiu nas fraquezas do amor".
O
que diz
Barthes?
"Arcia
quer
fazer
explodir
em
Hip
ito
-
7/25/2019 Leyla Perrone-Moiss. Roland Barthes: o saber com sabor
32/111
o
segredo de sua virgindade, como se
faz saltar
uma
carapaa .
Em Britannicus, Nero
o
tirano que
se sabe,
arrastado por seus maus instintos e por uma sede
sanguinria de
poder.
Pelo menos
que
dizem
todos os manuais de literatura, confirmando os
manuais
de
Histria Geral
e as verses
de Hollywood.
Barthes
o
vai dizer
o
contrrio. Para ele,
Nero
est
diante
de
duas
alternativas:
o
Bem ou
o
Mal,
a luz ou a .sombra.
udo
bem. Mas a surgem
formulaes
um
tanto raras: A jorn d trgica
tem a solenidade e uma experincia qumica
.
)
Como um
colorante que de repente
purpura
ou escurece a substncia testada, em Nero o Mal
vai
fixar-se . Em
vez de fa la r da
louca ambio
de
Nero,
Barthes
diz
que ele
quer
ocupar
trono
para cortar o corto umbilical
que
o une me
e conquistar u
espao autnomo ; e
que seu
desespero final
o de um
homem
condenado
a
envelhecer
sem t e r nascido .
E assim
por diante.
Onde Picard e todos os autores
de
manuais
falam de
prncipe
orgulhoso
e
genero-
so ,
de
caracteres
viris ,
Barthes
vai
falar
de
figuras
do Pai
e
da
Lei ;
onde eles dizem que o heri
perscruta
seu aliado , Barthes diz que
ele
emprega
esforcos
imensos para l r o parceiro ,
cuja
carne
a esperana
de uma
significao objetiva , e
cujos olhos so a ltima instncia da verdade .
Onde qualquer um
pode
reconhecer um harm
(cenrio
e
Bajazet ,
Barthes
v
um
habitat
-
7/25/2019 Leyla Perrone-Moiss. Roland Barthes: o saber com sabor
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R O L A N D BARTHES
eunucide, elstico e pleno como a gua .
Era
demais
para
Picard e
companhia.
Picard
acusa
Barthes
e pedantismo
e de imoralidade
sexuali-
dade obsessiva, desenfreada, c
inica .
Acusa-o de
subjetivisrno. de interpretaes abusivas.
Para
Picard,
se Racine
cria personagens apaixonadas,
simples-
mente
porque Racine estava apaixonado quando
escreveu
as tragdias; se ele trata da luta pelo poder,
porqu
ele
tinha
problemas
desse
tipo
na
corte
de
Luis XI V.
Barthes
teria sado dessa
objetividade
ao falar
de ambigidades
sexuais,
e
rivalidades
da
horda
primitiva, de
incestos e
assassinatos
do pai,
etc
Segundo Picard, Barthes
queria escandalizar
e
fazer sucesso com
suas
formulaes
estranhas.
Picard arranjou logo numerosos
aliados.
o mesmo
tom
exaltado do mestre sorbonista, outros publi-
caram
artigos
falando em
levar
Barthes ao
reforma-
trio , ao
pelourinho ,
ao
cadafalso , em
torcer-
lhe
o pescoo ou cortar-lhe
a cabea e
brandi-la .
Alguns, como
Jean
Cau, manifestaram
o
desejo
de
beijar Picard
por ter
escrito
aquela
denncia.
o
jornal
a
roix
detlarava,
satisfeito:
E
uma
execuo .
Parecia realmente
a volta aos bons
velhos tempos inquisitoriais,
quando
o
tribunal
da Sorbona
interrogava
e condenava os jesutas
(sculo
X V I ) , os
jansenistas (sculo X V I I ) e
os
filsofos
(sculo
X V I
) .
Por
que
t nto furor
e
tanto interesse o pblico?
Seria
um
perigo
terrivel
para
a
lngua,
para
a
cultura
e os bons costumes
franceses, aceitar
que
Barthes
-
7/25/2019 Leyla Perrone-Moiss. Roland Barthes: o saber com sabor
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A
NOVA
C R ~ T I C A
f l sse
de
habitat
eunucide
ou de
imaginao
descensional ?
O prprio
Barthes encarregou-se
de responder,
num
tom espantosamente
tranquilo,
em ritique
e t
Vrite.
Crtica e Verdade).
que
tinha sido
violado por ele era um
tabu
de linguagem:
tratar
Racine como
uma
linguagem sobrepondo a seu
texto, explicitamente, outra
linguagem;
o que,
naqueles
anos,
comeava
a
ser
designado pelo
termo brbaro
proposto
por
um russo
(Jkobson)
a
metalinguagem. Atravs
dessa
infrao maior, Barthes tinha posto
em discusso
e em crise alguns
mitos indiscutveis
(j se viu um
mito discutvel ?) como o Bom Gosto.
a
Razo,
a Clareza (de que todos os seres humanos seriam
dotados,
mas
os franceses
mais); a
objetividade,
a
verdade
histrica, a hierarquia dos discursos.
Em um artigo
de 63, Barthes j
havia detectado
a existncia de duas criticas na Frana ( Les deux
critiques ,
n Essais
crit iques): u m a universitria ,
baseada na
histria e na psicologia do
sculo X I
X;
outra
interpretativa
ou
ideolgica ,
baseada
nas filosofias
e
nas
cincias
humanas
do
sculo
XX.
A
primeira,
herdeira
do historiador Lanson e
do
crtico biogrfico
Sa
inte-Beuve,
examinava os
fatos
om objetividade , estabelecendo
entre
eles relaes de causa e efeito. Assim, um de
seus
grandes objetivos era detectar as fontes das obras,
nas
circunstncias histricas
ou
individuais,
ou
nas obras anteriores. Cr i'tica
de erudio,
consistia
-
7/25/2019 Leyla Perrone-Moiss. Roland Barthes: o saber com sabor
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R O L A N D
B A R T H E S
em
cercar a
obra com um aparato
de
leitura, s m
entretanto interpret-la, a
no
ser om o
simples
bom senso
u
om
tranqilas
noes
de psicologia.
Esse tipo
de
crtica,
segundo
Barthes, considera
a
obra literria
como um dado, omo o bvio;
nunca se pergunta o
que
a
literatura, por
que
se escreve,
por
que
se
l por que escrita e leitura
variam
conforme
as pocas. valor de determinadas
obras
tambm
para essa
cr t ica
indiscutivel:
so grandes autores aqueles que j esto
reconhecidos
omo
ta l
e
s
esto
reconhecidos os
mortos).
A
segunda crtica,
que
surgia
como
um
conjunto
forte naquele momento, pretendia interpretar as
obras
luz de algum dos movimentos de
idias
contemporneos:
existencial ismo,
marxismo, psica-
nlise,
fenomenologia;
utilizava
mtodos
novos
das
cincias humanas;
aceitava o relativisrno his-
trico
de qu lquer
interpretao.
Que
a
crit ica
universitria resistisse a
essa
crtica
nova era
muito compreensivel tratava-se de uma questo
de
ensino.
A
Universidade
sempre
resiste ao
novo,
defende a
repetio,
a
reproduo de uma ideologia.
Por outro
lado,
ela
prefere
a
erudio
segura
experimentao duvidosa, omo um meio de
garantir o poder da corporao professional pela
dificuldade
e pela lentido que a erudio exige.
Barthes no
era o
primeiro
nem nico
crt ico
l
iterrio francs
a
enveredar por
cam inhos novos.
Antes dele Bachelard, Blanchot,
Sartre (e
at
mesmo
Mauron,
um
sorbonista
respeitado) j
-
7/25/2019 Leyla Perrone-Moiss. Roland Barthes: o saber com sabor
36/111
A
NOVA C R ~ T I C A
haviam recorrido a
psicanlise
para examinar
a
literatura.
E,
no
mesmo
momento em
que Barthes
escrevia
seu inslito Racine outros crticos
estavam renovando sua
disciplina luz de outros
saberes:
Lucien
Goldman, socilogo marxista;
Georges
Poulet,
Jean-Pierre
Richard
e
Jean
Starobinski, que
analisavam
os temas das obras,
detectando
estruturas
profundas e lendo-as como
f
igu
ras.
a
verdade,
era imprprio chamar apenas
a
velha
critica
de universitria ; porque a
nova
crtica
tambm
era
obra
de
universitrios,
e as
escaramuas
entre
as duas
indicavam
apenas
duas
grandes
correntes no
ensino da I
iteratura.
A
repercusso
do
debate Picard-Barthes
se devia a um
sentimento
e
mal estar
no ensino em
geral,
mal-estar
que
logo faria explodir a
universidade francesa,
na
revoluo de maio de 1968. Nem
preciso dizer
que
o
conservadorismo dos velhos sorbonistas,
com relao literatura,
era tambm
um
conser-
vadorismo pol tico; e que os
novos
crticos
eram,
em
geral,
de
esquerda
(um dos
ataques
de
Picard
a
Barthes
consistia
em
cham-lo
de
o
progressista
Barthes ).
A exploso
violenta
de
maio de
68
evidenciaria o
fato
de
as
crises
na
educao serem
sempre
sintomas
de uma doena
social
muito mais
ampla.
Se, nesse
mal-estar
relativo
ao ensino
da literatura,
Barthes foi o precipitador
involuntrio
da
crise,
isso
se
devia
ao radicalismo tanto
e
suas
posies
-
7/25/2019 Leyla Perrone-Moiss. Roland Barthes: o saber com sabor
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ROL ND
BART HE S
crticas quanto de seu
estilo, que
mesmo os
simpa-
tizantes caracterizavam
como
precioso ;
um
estilo
cheio de imagens
inesperadas, de
termos tcnicos
e cientficos. de neologismos criados
por
ele.
O
radicalismo de suas posies de seu estilo se
devia
a
uma
nica
e mesma
causa:
Barthes, mais
do que
qualquer
outro
novo
crtico .
misturava
dois gneros que sempre
tinham
sido distintos:
a
crtica
literria
(linguagem segunda,
submissa
linguagem
primeira da obra) e a criao literria
(linguagem autnoma, que tem por referncia e
por
f im
ela mesma).
Picard tinha razo quando
acusava Barthes
de
no ser objetivo ;
de fato,
para
ele
a obra literria sempre foi u
pretexto
para,
a
partir dela,
criar
uma nova obra. Tal prtica
realmente
esc p
aos
objetivos didticos
da
crit ica
literria que,
como qualquer ensino, visa
a trans-
misso e
um
saber
e
no a criao de um novo
objeto.
No artigo Ecrivains et crivants ( Escritores
e escreventes ), de 1960
Barthes
j distinguia os
que escrevem s6
bre
alguma
coisa
(os
escreventes )
daqueles
que
escrevem,
ponto
final
(os escritoresf').
Para os primeiros, a linguagem instrumento,
para
os
segundos
ela
meio
e
fim; para os primeiros,
escrever
falar
de alguma coisa, para os segundos
escrever
um
verbo
intransitivoff
(EC,
p. 149 ;
para
os
primeiros, interessa
um
p rqu (do mundo,
da
literatura), para os segundos s interessa o
como os primeiros buscam respostas
atravs da
-
7/25/2019 Leyla Perrone-Moiss. Roland Barthes: o saber com sabor
38/111
A
NOVA C R ~ T I C A ' *
linguagem,
os segundos
formul m
perguntas
na
e
nguagem.
Essa
distino
barthesiana
deslocava
consideravelmente
a
questo
do
engajamento
do escritor
que, desde Sartre, era um
ponto pacfico
para os crticos progressistas.
Barthes
afirmava
que o engajamento
do escritor
no com o mundo
ou
com
as idias,
mas com
a linguagem;
no trabalho
de linguagem d o
escritor,
o mundo e
as idias so
indiretamente
questionados, deslocados,
e
final-
mente transforrnados
No f im de Crtica e Verdade
Barthes
sai
para
for do
debate
velha crtica versus
nova
crtica .
No discute mais a propriedade
de
novos mtodos
ou novos vocbulos, mas coloca algo muito mais
polmico: o
direito de
o
discurso critico ser
um
discurso
artstico
autnomo,
que
nada tem
a ver
com qualquer verdade
mas
apenas
com
a
validade
que
um coerncia interna do
sistema.
Trata-se
de
afirmar
que o
desejo
do rti o
no tem
por
objeto a
obra
analisada,
mas
a
sua
prpria
linguagem (CV, p. 79 . a ltima palavra do livro
a
palavrachave
de toda a obra
barthesiana:
escritura.
(Veremos
isso
mais
de
perto
no
c ptulo
5.
Quanto
polmica
da
nova
crtica , hoje, vinte
anos
depois, ela
perdeu qualquer sentido. Ningum
precisa mais
defender
os direitos e
as
vantagens
de
urna crtica psicanaltica,
sociolgica,
temtica ou
I ngu stica; os termos tcnicos dessas discip inas
j
so moeda corrente at
na imprensa
de massa.
Esse
envel
hecimento
d polm
ca
demonstra
-
7/25/2019 Leyla Perrone-Moiss. Roland Barthes: o saber com sabor
39/111
ROL ND B A R T H E S
simplesmente que a Histbria assimilou a nova
cr t ica
e
esta,
como
o
prprio
Barthes previra,
seria apenas
um
momento
na histria das linguagens.
E como
ele
detestava acima
e tudo
a repetio,
a
institucional zao,
as
l
inguagens
que se coagu Iam
e
se estereotipam, seu
desejo de
escritor
f o i
mudando
e
objeto. Se a paixo pela linguagem
continuou
viva at o fim, a crtica
literria
foi,
'entretanto,
deixando
de
ser
um
objeto
desejvel para o escritor Barthes.
Nos ltimos tempos, ele no
escrevia
mais cr-
tica literria .
Dizia ler
pouco,
desordenadamente,
s
por prazer, e de preferncia os clssicos. s
tem s de
seus cursos passaram a
ser o amor ,
a
vida
em
comum ,
a
voz ,
a
fotografia ,
o
tempo
que
faz .
Os
textos literrios s habitavam
seu discurso aos
pedaos,
sem obedecer a nenhuma
hierarquia: tanto podia
ser
um verso
de
Heine, como
um
haicai de
Bash
ou
uma frase e algum romance
fora de moda.
E
essas referncias literrias eram
fragmentos de um texto
mais
amplo, que inclu
ia
o
cinema,
a
msica.
as
publicaes
de
massa,
uma
cena de rua
ou
um conversa de caf.
Sonhava com escrever um texto romanesco.
Se
algum viesse ento fa lar- lhe
de
metalinguagem
ou
de
sistema
de
signos ,
ele
apenas
sorriria, poli-
damente.
Esse
j era o jargo
dos
novos
Raymond
Picard, sacramentado em todas
as universidades
do
mundo.
-
7/25/2019 Leyla Perrone-Moiss. Roland Barthes: o saber com sabor
40/111
Os
anos
6 7 foram
um
perodo de
grande
produo terica no
campo das cincias do homem
Na Frana, enquanto a produo propriamente
literria comea a
estagnar,
a
ensa stica
conhecia
um enorme impulso. A
ltima
tentativa
de
reno-
vao literria o novo
romance tivera
vida
breve e
desembocara
numa
cansativa
repetio
de
receitas. O
interesse do pblico
leitor voltou-se
ento para
estudos
sobre
o
homem,
a
sociedade,
a l
inguagem.
s
mais instigantes
sugestes
tericas
e metodo
lgicas vindas
dos pontos
mais
diversos, foram
arrebanhadas pelos parisienses
e postas
em
movimento,
num
clima
animado
de
publicaes,
seminrios
e
debates
pblicos.
Experimentaram-se,
-
7/25/2019 Leyla Perrone-Moiss. Roland Barthes: o saber com sabor
41/111
R O L A N D
B A R TH ES
com
resu Itados brilhantes, casamentos inesperados
de
idias
e
mtodos:
marxismo
e
psicanlise,
lingu
stica
e
antropologia, etnologia e sociologia
de
massa
Depois
de um gerao
de
pensadores humani-
trios, ticos e polticos, como fora
dos existen-
cialistas
(Sartre,
Carnus,
Malraux),
surgia
uma
nova
gerao no uniforme
quanto faixa
etria)
caracterizada
por
um
saber
especializado,
tcnico;
uma gerao de mestres que no pretendiam ensinar
a
pensar
ou
a se
engajar , mas
a
decifrar
signos
estudar o
funcionamento de sistemas, desmontar
discursos, destacando
rr njos
formais e estruturas
subjacentes.
Era o
estruturalismo.
Foram
promovidos a grandes
mestres
do
estrutu-
ralismo:
Lvi-Strauss
na
antropologia
Lacan na
psicanlise;
oucault na
filosofia; Barthes na
in u
stica-potica.
Por
um fenmeno
tipicamente
francs, esses nomes-obras
foram
captados
pela
imprensa
de
massa
e pela televiso, de modo que
um
vasto
pblico familiarizou-se,
ento, com o
jargo
desses especialistas.
E
claro
que
havia
nisso
uma boa
dose de esnobismo.
Pais
centralizado
na
Capital, e
contando
com um
grande
nlimero
de
d iplomados desempregados ou mal empregados,
s
a
Frana
poderi
apresentar
ta l fenmeno de
demanda
cultural.
Os
rostos
dos
mestres tornaram-se familiares
para
os
espectadores
de
televiso
e
para
os
leitores
dos
grandes
hebdomadarios
franceses. Seus
sem
inrios
-
7/25/2019 Leyla Perrone-Moiss. Roland Barthes: o saber com sabor
42/111
se
transformaram
em
acontecimentos
mundanos,
em
shows
quase
to
concorridos
como
nossos
festivais de
msica popular. O
sucesso era tamanho
que
outras
estrelas ascendentes tambm comearam
a oferecer
shows
particulares:
Derrida, Deleuze,
Kristeva, Todorov,
Greimas,
Lyotad, Morin. Um
amigo
meu
chamava
essa
lista
de escapulrio :
quando
se
encontrava, num texto, um desses nomes,
os
outros
se seguiam obrigatoriamente, como as
contas de
um
tero.
Boa
parte do pblico desses seminrios era latino-
americano. Os maus momentos
por que
passavam,
sucessiva ou
concom itantemente, nossos
pa ses,
foravam ou convidavam
os latino-americanos
a
arribar
para
outras
plagas;
e
ir
para
Paris
era
um
espcie de
reflexo cultural.
ambm
no mesmo
momento floresciam
em
nossos pases os
cursos
de psgradu
ao
e,
por necessidade
profissional
ou
por
fatal
idade
histrica,
os latino-americanos
das reas human
sticas iam especial izar-se
em
Paris.
Houve um momento em que esses mestres pari-
sienses,
maiores
ou
menores, contavam
e
comparavam
o nmero
de
seus respectivos BrsiJiens ; era uma
espcie de teste de
popularidade. .
preciso dizer
que
o
que
se
discutia n ss s
semi-
nrios
parisienses
era realmente
interessante.
Descobriam-se e exploravam-se, ao mesmo tempo,
teorias
o
comeo do
sculo e
outras
contempo-
rneas:
a
lingstica
estrutural
de
Saussure
e
a
ingu istica
transf
ormacional de Chosmky; o forrna-
42
-
7/25/2019 Leyla Perrone-Moiss. Roland Barthes: o saber com sabor
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-
7/25/2019 Leyla Perrone-Moiss. Roland Barthes: o saber com sabor
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Como
quase todos em
Paris,
estavam
trabalhando
por uma cincia
geral
das
linguagens,
desenvolviam-se
pesquisas
minuciosas,
em
que
o contraste entre
o
aparato conceitual
e
metodolgico e a pequenez
do
objeto (do corpus ) seria cmico, no
fosse
a
seriedade
dos estudos. (Lembro-me que tive minha
primeira dvida sobre esse tipo de trabalho
quando
vi
um grupo
respeitvel de pesquisadores
dedicando
um
ano
de
trabalhos
intensos
a
decodificar,
sem
chegar
a grandes concluses, uma frase de publici-
dade, relativa a
uma graxa de
sapatos E porque
Barane
um creme
que
ela penetra to
profun-
damente o
couro . Senti
ento
um
certo desnimo
ao
pensar
o
que
aconteceria se o corpus fosse
um
verso
de Fernando Pessoa, ou mesmo de
Casimiro de Abreu.)
E
Barthes em tudo isso? Barthes
era
o estrutura-
lista literrio
mais
respeitado. O rigor estruturalista
coincidia
com um aspecto
de sua inteligncia
e
seu temperamento a habilidade em desmontar
as linguagens (que
ele
j
demonstrara, empirica-
mente,
nas
Mitologias ,
o gosto pelas
frmulas
e
classificaes,
a
atrao
pelas
palavras
novas
(as
novas
cincias
exigiam
a
criao e o uso
de
t rmos espec cos).
o
indiferente saber que
Barthes,
naquele
momento,
ocupava
um cargo de
direo na Escola Prtica de Altos
Estudos,
e que
ele levava muito a
srio
suas funes administrativas
e
didticas.
Dizem
que
nunca
quele
setor
da
universidade francesa esteve to bem organizado.
-
7/25/2019 Leyla Perrone-Moiss. Roland Barthes: o saber com sabor
45/111
R O L A N D B A R T H E S
Era lado sistemtico e tico de
sua
personalidade,
que
alguns
viam como sendo
seu
lado
protestante .
Em
1964,
ele
se
sentou, como
um
professor
consciencioso
e apl
icado, e redigiu uma apostila
Elementos de
Semiologia), onde resumia,
para
d
ivulgao, as teorias de Saussure.
A
semiologia
era a
cigncia
geral
dos
signos , que o
grande
lingista genebrino
deixara
esboada,
e
que os
franceses tentavam
agora
sistematizar e
levar adiante.
Esse
trabalhinho
de
Barthes,
ditado
pelo
zelo
didtico, talvez
tenha
sido o que mais prejudicou
o julgamento
de sua
obra, provocando
um
engano
que
prossegue
at hoje,
em certos
meios. Porque
esse trabalho necessrio,
til naquele momento
em que poucos
conheciam
Saussure, modesto porque
era
mera
compilao didtica
permitiu
aquilo
que os apressados
mais desejam:
colocar
uma
etiqueta nas pessoas inclassificvel
Barthes
ficou
sendo
ento,
para alguns,
o sernilogo ;
o
que
permitiu
que
lhe
imputassem, depois,
todas
as
limi-
taes, os usos
e
abusos
da
semiologia francesa .
Com
o
mesmo zelo
didtico,
ele
aceitou
f zer
um
balano
da
anlise
estrutural
da
narrativa ,
no
h str
ico n 8 da revista Communications. Tarefa
difcil, pois
consistia em d r um3 certa unificao
a pesquis s diversas e por vezes
contraditrias,
algumas promissoras, outras j mortas
de
nascena;
e de faz-lo
sem pretender
orientar essas pesquisas,
e sobretudo
sem
ferir
suscetibilidades.
ambm na
mesma
poca
ele resolveu levar
a
cabo
aquilo
que
-
7/25/2019 Leyla Perrone-Moiss. Roland Barthes: o saber com sabor
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seri
sua
tese de doutoramento um estudo
semiolgico o discurso
sobre
a moda,
nas
revistas
femininas.
Acabou
desistindo da
tese,
e
publicou
o estudo como livro : Systeme
de
la
mode
Sistema
d
moda .
Essa defesa e ilustrao do
estruturalismo
e da
semialogia, a que Barthes dedicou
in o ou
seis
nos
de
sua vida, geraram o mal-entendido de
que
falei acima. Todos viram que
l podia
ser
sistemtico, minucioso,
formal
izante. Poucos
viram
que
essa era apenas uma faceta de Barthes, e no
a predominante. A predominante, que obras anterio-
res
e posteriores demonstram, era a do indixiplinado-
indisciplinador, do ldico
para
quem as palavras
(mesmo as da cincia) eram objetos de prazer
sensual,
do
ctico
diante
de
sistemas
total
izantes
e totalitrios.
Se
examinarmos hoje seus textos estruturalistas ,
veremos que
a
subverso j est
a
inscrita. No
artigo
A
atividade
estruturalista
1963),
epois
de
exaltar
o aspecto ldico
do
estruturalismo (seu carter
de bricolage),
ele
termina anunciando o fim
do
movimento,
qu
a
Histria
superaria,
como
supera
qualquer
linguagem.
Na
Introduo anlise
estrutural das narrativas 1966), ele insiste no
provisrio das concluses.
assinala
o carter
exclusivamente
didtico
de sua
exposio,
e
sugere, numa nota,
tu o
o
qu no
diz a de
suas
dvidas: Tive
a
preocupao, nesta Introduo, de
atrapalhar o menos possvel
as
pesquisas em curso .
-
7/25/2019 Leyla Perrone-Moiss. Roland Barthes: o saber com sabor
47/111
ROLAND B A R T H E S
Tambem
contrariamente aos
estrutural
istas I
ite-
rrios
ortodoxos,
Barthes
nunca
se deteve na
descrio
das
formas por elas
mesmas, mas
sempre
insistiu no valor critico que podia ter a atividade
estruturalista: desvendar
o
intel igvel , buscar
o
modo e produo dos sentidos. Convencido
de que
a ideologia se cristaliza
em
formas,
conti-
nuava
acreditando
que anal
isar
o
agenciamento
dessas formas era um meio
de
desnudar idias,
aval ia r suas funes, critic-las, derrub-las.
Barthes tambm nunca esqueceu a Histria, como
alguns estruturalistas:
o
que lhe interessava no
era a permanncia captvel em gr ndes modelos
mas
as
sucessivas transformaes
das
l
inguagens.
Mas
o
estruturalismo
e
a
semiologia,
omo
modis-
mos irnperantes
naqueles anos, aplastavam
as
particularidades de
Barthes.
E o
mal-entendido
permitiu
que
numerosos
pesquisadores universi-
trios
de vrias
partes do
mundo acorressem a
seus seminrios em
busca
de uma cincia
dos
signos ou
de um
cincia da literatura de que
ele seria
o
patrono.
Como
um Macunama francs,
Barthes considerou ento
toda
a parafernl a
estruturalista
e
semiolgica
que ajudara a montar,
e declarou: Ai, que preguia. . .
Dez anos mais tarde, ele explicitaria
suas
razes
de
abandonar o projeto cient i f ico
da
semiologia.
A cincia, segundo ele
di fric (termo de
Nietzsche),
isto
,
indiferente
com
relao
a
seu
objeto. Ele havia pleiteado
uma
cincia semiolgica;
-
7/25/2019 Leyla Perrone-Moiss. Roland Barthes: o saber com sabor
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ela
veio
e era
triste:
A
cincia
semiolgica
no
evoluiu
bem:
muitas vezes ela no era mais
do
que
um murmrio de trabalhos indiferentes, que indife-
renciavam
o
objeto,
o
texto,
o
corpo ( R B I R B ,
p.
163 . O
corpus ,
n s anlises
semiolgicas,
era
apenas
um
imaginrio
cientfico
e
no,
como
ele
desejaria,
um
objeto com o qual o pesquisador
mantivesse
um
relao
amorosa .
Do
projeto
cientfico restou-lhe
ento
apenas uma
utopia:
de
uma cincia das diferenas ,
que
s poderia
ser um saber, e
no uma
cincia no sentido corrente
do termo.
Ao assumir,
em 77,
a Cadeira de
Semiologia
Literria
no
Colgio
de Frana, sua definio
dessa
disciplina 6
to
pessoal,
que nada
mais
t m
a
ver
om
aquela que se busc e j se impe como
cincia
positiva dos
signos
e
que
se desenvolve em
revistas,
associaes, universidades e
centros
de
estudos LI, p. 21) . E
uma
semiologia
neg tiv
(porque
ela
nega a estabilidade cientfica de seu
objeto, o signo) e
tiv (porque ela brinca com os
signos,
saboreia-os
como
fices)
Esvanecera-se
o
pretexto
semiolgico
em proveito do texto
do
escritor.
-
7/25/2019 Leyla Perrone-Moiss. Roland Barthes: o saber com sabor
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C PITULO
ESCRITUR
E PR ZER
Em
197 Barthes
subverte, na prtica,
o
estrutu-
ralismo.
Sua
anlise
de Sarrasine,
novela de
Balzac,
desenvolvida
num
curso
e
publicada depois
em
livro S/Z ) , retoma
aparentemente
a velha expli-
cao de texto , prtica tradicional no ensino da
l iteratura:
ele percorre o texto passo a passo, frase
a
frase,
palavra
por
palavra. as
o recorte
que
ele
vai
dando ao
texto,
e
as formas
que
sua
leitura
vai
de1
ineando
constituem uma
pratica nova da critica
literria. Essas
formas
no so estruturas achadas
no
texto,
mas invent d s
em
cima
dele. Esse duplo
aspecto
de
S/Z uma pretensa volta ao
passado
da
crit ica,
e um
avano
em direo
a
algo to novo
que destri o prprio conceito e crtica ope
sua
anlise
ao estruturalismo reinante.
-
7/25/2019 Leyla Perrone-Moiss. Roland Barthes: o saber com sabor
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E S C R I T U R A P R A Z E R
O que antiestruturalista em S/Z, precisamente
a
estruturao. Como
ele
explicou
numa
entrevista,
sua inteno era
ultrapassar
o estatismo
da
semio-
Iogia,
que
pretendia encontrar estruturas-produtos
e
buscar outra coisa: a produtividade do texto.
A
produtividade
do texto
literrio
sua
capacidade
de
produzir sentidos
mltiplos e renovveis, que
mudam de leitura a leitura. Ler no seria, ento,
aplicar
modelos
prvios,
mas
criar
formas
nicas,
que so
form s virtuais do
texto
ativadas
pela
imaginao do leitor (GV, p. 80 .
Reagindo contra a indiferena d
semiologia
com
relao a seus objetos,
ele
reivindica a diferena:
Cada texto nico em sua diferena .
Cada
leitura
t mbm
unica em sua diferena:
No
creio
no desejo
que meu trabalho tenha o valor
de um
modelo cientfico
suscetvel
de ser aplicado a outros
textos .
Ligada a essa reivindicao de
liberd de crftica,
su rge a reivindicao
do
prazer, plenamente
ssum
id
no
livro que ele escreve
ento
sobre
o
Japo:
L Em pire
des
signes
O
mprio
dos
Signos .
Sob
um t i tu lo que parecia prometer uma
leitura
semiol-
gica do Japo
(do
espao urbano, das
prticas
sociais
e
art
sticas dos
japoneses),
desvendado
como
sistema
de signos,
o que
ele f z u texto de
puro
prazer
pessoal. Renunciando voluntariamente a qualquer
pretenso um
leitura
sistemtica, baseada
em
verdades
ingu
sticas,
histricas ou
sociolgicas,
Barthes
inventa
seu
prprio Japo;
um Japo
dese-
-
7/25/2019 Leyla Perrone-Moiss. Roland Barthes: o saber com sabor
51/111
ROLAND
B A R T H E S
jado sonhado, saboreado, transformado em texto
nico, texto barthesiano o mais prazeiroso
e
deslumbrante
de sua obra.
Essas subverses no
foram imediatamente
perce-
bidas pelos disc (pulos semiolgicos. Foi preciso que,
em
1973 Barthes publicasse e plaisir du texte
O
razer do tex to ,
para
que
a explicitao terica
de
seu
abandono
semiologia
pusesse
em
pnico
aqueles
que
pretendiam
abrigar-se
sombra
d
cincia
barthesiana.
No Prazer o texto,
Barthes assume
o
individual
contra o
univesal
do
modelo
estruturalista,
o
corpo contra o conceito o prazer contra a seriedade
acadmica, o ditetantismo
contra o cientif
icismo.
Distingue
o
prazer
do
gozo, ligando
o
primeiro
aos
textos
literrios
clssicos,
e
o segundo
aos
textos
radicais
da modernidade; os
primeiros
seriam legveis
recept
veis
e interpretveis segundo cdigos estveis
e conhecidos),
os
segun os escrip tveis, isto ,
suscitadores
de
uma
outra
escritura.
Dependendo
da leitura, certos
textos
antigos podem encaixar-
se na
segunda
categoria.
Prazer
o
texto
desagradou
a
muitos,
atraindo
protestos de c mpos diversos e mesmo
politicamente
opostos.
Os marxistas
acusaram
Barthes de
ser um
aristocrata, um individualista, um alienado;
os estru-
turalistas e serni6Iogos cobraram dele a
ausncia
de rigor
cientfico, o
abandono
do
mtodo.
Firmou-se ento em opinio
o
que antes era
suspeita:
no se
podia
confiar
em Barthes,
no
se
5
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E S C R I T U R A
E
P R A Z E R
podia
ser
barthesiano,
porque ele no parava
nunca
no
mesmo
lugar.
Para
escndalo
dos
que exigem
do
intelectual
seno uma estabilidade
ideolgica
pelo
menos
uma evoluo coerente
e lgica (justifi-
cada), verificou-se que Barthes se
desloc v
com
um +vontade despudorado. Ora, o deslocamento
barthesiano
era uma
ttica extremamente coerente
com suas convices fundamentais essas
perma-
nentes.
Barthes
no
acreditava
em
nenhuma
posio
de verdade ;
pelo
contrrio, achava
que qualquer
posio
que se
instala, que
toma
consistncia
e
se repete, torna-se uma posio ideolgica no
mau sentido: urna
posio
que pode ser
facilmente
recuperada
e
utilizada
pelo sistema dominante,
para
manter-se
ele
mesmo
imutvel.
Considerando
sempre
como
sua
inimiga
n?
1
a
Doxa
ou Opinio
dominante
(conceito colhido
em
Brecht ,
seu
campo
s
podia
ser o
do
paradoxo.
como a oxa est
sempre
recuperando qualquer
posio
paradoxal,
era preciso sempre deslocar-se
para continuar exercendo a
funo que,
segundo
ele, era a do escritor: uma
funo
crtica
e
utpica
Assim,
a semiologia tinha
sido para ele,
num
determinado
momento,
u
rn
instrumento de
critica
da
Doxa; mas no momento
em
que a semiologia
j
tinha virado
moda, repetio
de
receitas, boa
conscincia
cient
{fica ,
garantia
de
saber univer-
sitrio,
e
ele
mesmo corria o risco de ser fixado
como
modelo
de
mestre
a
imitar,
seu
impulso
e
sua
conscincia o levaram a
cair fora
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ROLAND BARTHES
Barthes no
era
pois
imitavel, fihvel. Todo o
debate
sobre
seu
direito
ou
no de
ser
to
individual,
to
pouco cient
(fico
ou to
pouco
militante,
cessaria
imediatamente se se reconhecesse o bvio: Barthes
no era
um pensador, era u escritor.
Seu
nico
valor
estvel
era
a
escritura. E o
que
afinal,
a
escritura? A
escritura
a escrita do escritor. Isso
pode parecer u n trusrno,
mas
se
nos reportarmos
d
ist
no
escrevncia/escritura
veremos
qu
no
o . A escritura aquela linguagem
nica, indireta,
auto-referencial e
au
tosuf iciente que caracteriza
o
tex to potico moderno.
De seu
primeiro
a seu
ltimo
texto,
era a escritura
que
Barthes perseguia, na prtica e
na teoria:
uma
teoria que,
parecendo pretender conceituar a
escri-
tura,
era ela
mesma
u m
discurso
escritural.
A
escri-
tura
isto:
a
cincia
dos gozos
da
linguagem,
s u
Kamasutra
(dessa cincia, h um
tratado:
a prpria
escritura) PT,
p. 14).
Apesar
W M r t o s deslocamentos que
se
efetuaram,
na obra de Barthes, com refernca conceituao
da escritura, os traos fundamentais dessa prtica
se
mantiveram
estveis.
A
escritura
no
se
confunde
com
o estilo.
O
estilo
um
conceito clssico, baseado
na distino entre forma e fundo e na idia tradi-
cional de
que
o pensamento precede linguagem:
o estilo e uma forma elegante, esttica,
de
revestir
u m conteiido. Um bom estilista aquele que
escreve
bem ,
qu
comunica
om habil dade
e
com
graa
suas
idias.
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ESC R ITU R A E P R A Z E R
Ora, a escritura no expresso. uma linguagem
enviezada
que, pretextando
falar
do
mundo,
remete
para
s i
mesma
como
referente e
como forma
particular de refratar o mundo. A escritura
questiona
o mundo, nunca oferece respostas; libera a signifi-
cao,
mas no
fixa
sentidos. Nela, o
sujeito
que
fala no preexistente e
pr-pensante,
no
est
centrado
num
lugar seguro
de
enunciao, mas
produz-se,
o
prprio
texto,
em
instncias
sempre
provisrias.
A
escritura
u mo o e
dizer
as
coisas.
uma
enu
nciao,
uma voz .
sse
modo de dizer
provm
do
mais ntimo e nico de
cada
escritor:
de seu corpo de seu inconsciente, de sua histria
pessoal;
o termo de uma metamorfose cega
e
obstinada,
partida
de
uma
infralinguagem
que
se
elabora no limite da
carne
e o mundo
( D Z ,
p. 12 .
Na escritura
no temos
idias ou, pensamentos;
temos idias-palavras, pensamento4 ras onde
a forma
no
exprime m s
faz
o contedo. A
escritura, diferentemente
do estilo, no se
presta
anlise tpica.
Podemos
mostrar
as
tcnicas
que
fazem
um
bom
estilo
m s no
podemos
isolar
aquilo
que
transforma um
bom
estilo
em
escritura.
Porque a escritura
uma
rajada forte
de
enuncia-
o .
m texto
escritura1 quando
nele ouvimos
a voz
nica
e
um corpo,
e a
recebemos
como um
gozo:
e
o gozo
inanalisvel,
irrecupervel
por
qualquer metalinguagem. Ele
sentido
como
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R O L N D B R T H E S
A escritura
question