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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Ramon de Vasconcelos Negócio Lex sportiva Da autonomia jurídica ao diálogo transconstitucional MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Ramon de Vasconcelos Negócio

Lex sportiva

Da autonomia jurídica ao diálogo transconstitucional

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Ramon de Vasconcelos Negócio

Lex sportiva

Da autonomia jurídica ao diálogo transconstitucional

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do título de MESTRE

em Direito Constitucional, sob a orientação

da Prof. Dr. Marcelo da Costa Pinto Neves.

SÃO PAULO

2011

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BANCA EXAMINADORA

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Para meus pais,

Francisco Negócio (in memorian) e Lucimarlene Costa.

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RESUMO

Autor: Ramon de Vasconcelos Negócio

Título: Lex sportiva: da autonomia jurídica ao diálogo transconstitucional

Este trabalho pretende estudar o funcionamento da autonomia jurídica da lex sportiva e o seu

limite diante de outra ordem, quando presente um problema jurídico (especialmente

constitucional) comum a ambas. Após esta análise, procurar-se-ão as possibilidades de

entrelaçamento construtivo de ordens, o que permitirá novas percepções a respeito de

questões tipicamente constitucionais. Partindo das Federações Internacionais, será mostrado

que a globalidade do direito desportivo e sua forma vinculativa independem do contexto

olímpico. Contudo, com o Movimento Olímpico, a Agência Mundial Antidoping e, sobretudo,

o Tribunal Arbitral do Esporte, foi possível estabelecer maior harmonização global da ordem

jurídico-desportiva. Essa globalidade não raramente conflitou com outras ordens, o que exigia

o entrelaçamento proporcionado, destacadamente, pelos princípios constitucionais da

igualdade e da liberdade. A documentação consultada – composta por casos jurídicos,

Estatutos e legislações (nacionais, internacionais e transnacionais) – contribuiu também para

dar nova compreensão com relação à “soberania”, ao “acesso aos procedimentos

constitucionais” e à “nacionalidade”, que não apenas se limitarão ao âmbito nacional, como

também transnacional.

Palavras-chave: Lex sportiva; autonomia jurídica; transconstitucionalismo; soberania.

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ABSTRACT

Author: Ramon de Vasconcelos Negócio

Title: Lex sportiva: from the legal autonomy to the transconstitutional dialogue.

This work intends to study the lex sportiva’s legal autonomy operation and its limits against

another order, when there is a legal problem (specially constitutional) which is common to

both of them. Right after this analysis, one will search for the possibilities of constructive

interlacements orders, which will allow new perceptions according to typically constitutional

questions. From the International Federations, it will be shown that the sportive law and its

binding form are independent from the olympic context. However, together with the

Olympic Movement, the World Anti-Doping Agency and the Court of Arbitration for Sport,

it was possible to establish a bigger global legal- sportive order harmonization. This global

characteristic is not rarely conflicting with other orders, which demanded the proper

interlacement of, prominently, equality and freedom constitutional principles. The

documentation analyzed – composed by legal cases, Statutes and legislations (national,

international and transnational) – contributed also to give a new comprehension regarding

“sovereignty”, “constitutional procedures access” and “nationality”, which will not only be

limited to the national scope, but also transnational.

Keywords: Lex sportiva; legal autonomy; transconstitutionalism; sovereignty.

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AGRADECIMENTOS

Ao CNPq, pela bolsa de estudos que viabilizou a vida em São Paulo.

Sou imensamente grato ao “rei dos mestres”, Professor Marcelo Neves. Não seria

novidade falar da sua capacidade acadêmica e de suas contribuições enquanto orientador e

professor. Por isso, agradeço por ter me aceito como orientando. Minha gratidão também se

estende à sua paciência (o que inclui a Elvira) por me receber em sua residência. Agradeço,

ainda mais, pela postura humilde nas conversas extra-acadêmicas, que envolviam música

(Cartola e Noel), cinema, teatro, política etc. Uma relação horizontal como essa só pode ser

proporcionada por alguém que “aprendeu sem se ensinar...”.

Meus agradecimentos aos professores Rodrigo Mendes, que participou da minha banca

de qualificação, sendo sempre educado em suas críticas e solícito ao indicar soluções; e ao

professor Roberto Dias, que não só participou da minha qualificação como também

presenciou toda minha vida acadêmica em São Paulo, incluindo os tempos de especialização.

Sou muito grato por sua disponibilidade no exterior para adquirir importante livro para este

trabalho.

À professora Maria Garcia, pela crença no meu potencial e pelas valiosas lições de vida.

Agradeço ao professor Luiz Alberto David Araujo, por orientar meu primeiro projeto de

mestrado. Aos professores Renato Mehanna, Luiz Guilherme e Derly Barreto, pelos

incentivos em ingressar no mundo acadêmico. Aos amigos Hélio Silveira e Imre Horst, que,

além de prestativos colegas de estudo, me foram verdadeiros mestres na vida.

Existem pessoas que, durante essa jornada, mereceriam um texto próprio. Nesse

parágrafo, reservo espaço para as pessoas que tiveram importância no campo da amizade e da

academia de forma misturada. Foi sempre importante escutar os vários conselhos, nem

sempre seguidos, do André Barros, que me amenizou o solitário segundo semestre de 2009.

Ao Octaviano Arruda, pelos cafés, pelas provocações acadêmicas e pelos debates esportivos.

Nossas conversas fizeram com que Luhmann e futebol pudessem ter o mesmo espaço. Entre

loucuras e mensagens cifradas, agradeço ao Maurício Palma pela companhia nos incertos

caminhos percorridos, que transformava um quarteirão em dez. Há, contudo, uma certeza

inquestionável: a fidelidade em nossa amizade. Com relação ao Rodrigo Cipriano, “amigo” é

uma qualidade muito fraca para definir sua importância. Posso afirmar, hoje, que ele é quase

um irmão. A gratidão – enquanto insurgência da gratuidade do dom, “da recusa a qualquer

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exigência de reciprocidade” – é o sentimento que mais descreve a minha história com todos

esses amigos.

Conheci alguns grandes camaradas nessa jornada acadêmica, como o Pedro Henrique e

a galera do grupo de estudos, que foram responsáveis por encontros divertidos,

destacadamente, em bares da cidade. Agradeço, ao mesmo tempo em que peço desculpas, ao

Rui e Rafael (da PUC) e a Siméia por escutarem várias perguntas repetidas quanto a prazos e

agendamentos com o orientador. Agradeço ao Wesley (vulgo Werlim) por resolver em meu

nome burocracias na PUC, sem falar das nossas conversas no condomínio onde abrigava

nossos “flats”. É impossível esquecer o amigo Hallison, que, apesar de acreditar em justiça

enquanto prática, foi uma referência acadêmica. Ao Leonardo Sabino, minha eterna dívida

pela estadia e amizade proporcionada nos meus últimos e queridos meses em São Paulo (sim,

é possível ter saudade de São Paulo).

Sou grato aos amigos de Fortaleza, especialmente ao Filipe Jorge Ignácio Souto Maior

Moura Nogueira, Lucas Jereissati – por terem lido extratos do meu texto – e Rafael Maia –

que não só leu como também concedeu uma parte considerável da bibliografia. Acrescento

ainda os amigos Dionir Lima, Mariana Dionísio e Ticiana Nobre, que foram grandes

camaradas nas conversas da madrugada, e Nairo Régis, Thiago Alves e Tiago Gondim pelo

companheirismo nos intervalos da minha escrita. Ao Afonso Lima, por ter dado força em um

dos momentos mais críticos da minha estadia em São Paulo. Agradeço aos professores

Gustavo Liberato, por ter sido meu primeiro orientador e exemplo acadêmico, e ao professor

Evanilson, que, sem seus ensinamentos, esta dissertação seria impossível de ser feita. Aos da

minha cidade, por fim, agradeço a todos que compreenderam que, nas minhas promessas não

cumpridas de que eu ligaria para combinar algum evento social, havia um sincero “indireto

afetivo”, cujo efeito era mostrar que, mesmo na minha ausência, existia um carinho por todos.

Sou grato à minha mãe, dona Luci, que, com toques paternos e maternos, me deu

coragem para seguir a vida acadêmica. Ao meu tio Weyne, pelo apoio a nossa família. À tia

Elen, pela estadia em Brasília e por ter adquirido importante fonte bibliográfica.

Ao meu amor, Aline Medeiros, agradeço pelo calor das horas frias, pela companhia na

cidade solitária, pelas brincadeiras nas horas erradas, pelas discussões nas horas corretas, pelo

passado, pelo presente e, principalmente, pelo futuro. Minha gratidão, portanto, é por me ter

sido sempre necessária.

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Por fim, sou grato ao Pablo e à Deborah por terem proporcionado o meu último

combustível para terminar este trabalho: meu sobrinho José Hugo (Zé Uguim).

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..........................................................................................................................1

1 DA VONTADE DE PERFORMANCE À FEDERAÇÃO INTERNACIONAL.................5

1.1 Vontade de performance e Direito como características do esporte...................................5

1.2 A Federação Internacional como resultante das vontades nacionais................................12

1.2.1 Características da federação e da confederação.....................................................12

1.2.2 “Federação” Internacional?...................................................................................15

1.3 A produção jurídica nas Federações Internacionais ........................................................20

1.3.1 Autorregulação.........................................................................................................22

1.3.2 Autoadministração...................................................................................................23

1.3.3 Julgamento de suas próprias causas........................................................................24

2 O MOVIMENTO OLÍMPICO............................................................................................27

2.1 Origem..............................................................................................................................27

2.2 Comitê Olímpico Internacional........................................................................................28

2.2.1 Papel central............................................................................................................30

2.2.2 Organização interna do COI e seus mecanismos regulatórios................................34

2.3 Jogos Olímpicos e Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos (COJO)...........................37

2.4 Federações Internacionais e Comitês Olímpicos Nacionais: autonomia e função...........40

3 AGÊNCIA MUNDIAL ANTIDOPING.............................................................................44

3.1 Origem..............................................................................................................................44

3.2 Código Mundial Antidoping e sua aplicabilidade............................................................47

3.3 Função e composição da AMA.........................................................................................50

3.4 Reconhecimento internacional e a previsão do TAS como órgão julgador......................53

4 TRIBUNAL ARBITRAL DO ESPORTE: O CENTRO DA ORDEM DESPORTIVA....56

4.1 Origem e organização.......................................................................................................56

4.2 O Tribunal como centro da ordem jurídico-desportiva e a eficácia de suas decisões......60

4.3 Padrões interpretativos próprios.......................................................................................67

4.4 Princípios gerais de direito revisitados.............................................................................74

5 LIMITES DA AUTONOMIA JURÍDICA E O TRANSCONSTITUCIONALISMO.......80

5.1 O transconstitucionalismo................................................................................................81

5.2 A ordem internacional e a lex sportiva.............................................................................85

5.3 O país sede como limitador da Lex sportiva.....................................................................88

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5.4 Autonomia da lex sportiva perante as ordens nacionais...................................................93

5.5 A força do direito comunitário.......................................................................................102

6 A SOBERANIA JURÍDICA: DA LOCALIZAÇÃO À DESLOCALIZAÇÃO..............111

6.1 Soberania jurídica...........................................................................................................111

6.2 Cidadania e o acesso aos procedimentos constitucionais...............................................118

6.3 Nacionalidade e um terceiro critério...............................................................................123

CONCLUSÃO........................................................................................................................126

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................................129

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ABREVIATURAS

ACNO: Associação dos Comitês Olímpicos Nacionais

AIBA: Associação Internacional de Boxe Amador

ASOIF: Associação das Federações Internacionais Olímpicas de esporte de verão

AIWF: Associação das Federações Internacionais Olímpicas de inverno

AMA (ou WADA): Agência Mundial Antidoping

CAAD: Comissão de Apelação e Arbitragem do Desporte

CMA: Código Mundial Antidoping

CNCDD: Comitê Nacional de Competição e Disciplina Desportiva

COI: Comitê Olímpico Internacional

COJO: Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos

CON: Comitê Olímpico Nacional

FEI: Federação Eqüestre Internacional

FFC: Federação Francesa de Ciclismo

FI: Federação Internacional

FIA: Federação Internacional de Automobilismo

FIBA: Federação Internacional de Basquete

FIFA: Federação Internacional de Futebol e Associação

FIG: Federação Internacional de Ginástica

FIJ: Federação Internacional de Judô

FILA: Féderation Internationale de Luttes Associées

FINA: Federação Internacional de Natação

FMF: Federação Mexicana de Futebol

FN: Federação Nacional

IAAF: Federação Internacional de Atletismo

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ICAS: Conselho Internacional de Arbitragem em matéria de Esporte

IIHF: Federação Internacional de Hóquei no Gelo

ISU: International Skating Union

ITU: International Triathlon Union

LDIP: Lei Federal sobre Direito Internacional Privado

RFEC: Real Federação Espanhola de Ciclismo

TAS: Tribunal Arbitral do Esporte

TF: Tribunal Federal (suíço)

TJCE: Tribunal de Justiça das Comunidades Européias

UCI: União Ciclista Internacional

UEFA: União Européia de Futebol e Associação

UNESCO: United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization

WFK: Federação Mundial de Karatê

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INTRODUÇÃO

Enquanto aguardava o resultado final de uma acusação por doping – por alto teor de

testosterona exógena – em 2006 no troféu José Finkel, a atleta Rebeca Gusmão conquistou

duas medalhas de ouro nos jogos Pan-Americanos de 2007, realizados no Rio de Janeiro.

Após a condenação pela Federação Internacional de Natação (FINA) – que resultou na

suspensão da atleta – as amostras coletadas no Pan-Americano mostraram dois DNA‟s

diferentes; isto é, uma das amostras não correspondia ao seu DNA. Em face disso, o

Ministério Público entrou com uma denúncia contra a atleta por falsidade ideológica, mesmo

havendo um recurso da atleta sendo julgado junto ao Tribunal Arbitral do Esporte (TAS), a

última instância esportiva. A atleta foi inocentada na ordem jurídica brasileira, mas foi

considerada culpada pela ordem desportiva1.

Situações como essa ocorrem com certa freqüência, mas, com a mesma freqüência,

passam despercebidas, inclusive, nos meios acadêmicos jurídicos. A riqueza do caso

proporciona a inversão de uma lógica de enxergar os problemas jurídicos: ao invés de se

investigar o direito a partir da teoria geral clássica para entender as ordens jurídicas, estuda-se

a ordem jurídica transnacional para entender as mudanças na Teoria Geral do Direito. Na

atual conjuntura, essa é, possivelmente, a melhor forma de se entender a lex sportiva.

No final do século XIX e início do século XX, o esporte tornava-se uma atividade de

pretensão globalizante. Havia uma intenção de unir todos os povos, deixando de lado toda e

qualquer diferença entre eles. A idéia de retornar a um passado, isto é, ao significado olímpico

que existia na Grécia Antiga, servia como argumento fundamental para essa união. Se isso

não aconteceu, pelo menos serviu como um germe para trazer autonomia e estabilizar regras

do jogo em boa parte do mundo. O contexto atual nada se parece com aquele discurso antigo.

A autonomia do esporte – o respeito às regras do jogo – ganha novos atores que tentam influir

no discurso que meramente busca a performance: contratos publicitários e de direitos de

transmissão, salários de atletas, venda de produtos esportivos etc. O esporte, como atividade

completamente globalizada e meio que gera bilhões de dólares anuais, também configura um

1 Sentença nº 2008/A/1572; 2008/A/1632; 2008/A/1659, de 13 de novembro de 2009 – Gusmão c/ FINA.

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forte instrumento de política internacional de reconhecimento e afirmação de um país. Dessa

forma, a autonomia do esporte requer órgãos que possam defendê-la de intromissões de outros

sistemas sociais, desenvolvendo um Direito com critérios próprios para a resolução de

conflitos.

Atuando de forma mais independente desde 1993, o TAS desenvolveu padrões

interpretativos de decisão que vão desde a não-intervenção nas regras do jogo até o banimento

de atletas. O crescimento da complexidade nos julgados esportivos é resultado de uma maior

complexidade de problemas lá desenvolvidos, como no caso do doping: atletas,

independentemente de idade e sexo, podem ser proibidos, por um órgão não-estatal, de

exercer sua atividade remuneratória, se recorrentes no uso do doping. Esse fato vai tocar em

várias áreas do saber jurídico. Desde já, o fenômeno do direito desportivo transnacional – lex

sportiva – merece maiores considerações pelas doutrinas de Teoria Geral de Direito e Direito

Internacional, da mesma forma ela merece considerações do Direito Constitucional. Os

problemas constitucionais, nesse contexto, emancipam-se do Estado para ganhar novas

aplicações de Tribunais fora do plano estatal. O poder de vinculação da lex sportiva – ordem

jurídica sem Constituição – aos seus atores traz uma nova visão no que tange à soberania

jurídica do Estado, principalmente quando a decisão dela se sobrepõe a algum órgão estatal.

De forma dependente, outras situações aparecem, como a limitação ao Poder Judiciário e a

nova significação à nacionalidade e à cidadania.

Tão importante quanto identificar esses problemas constitucionais é estabelecer os

limites da lex sportiva. Muitas vezes, notar-se-á que a justificativa da ordem transnacional em

se declarar competente para decidir eficazmente é de caráter constitucional, principalmente,

quando confrontadas com ordens estatais. Contudo, a lex sportiva não se encontra isolada no

sistema jurídico em relação a outras ordens. É importante verificar as situações que exigem

estabelecer os limites e possibilidades para o diálogo quando mais de uma ordem encontra-se,

especialmente, envolvida em problemas constitucionais. Mesmo que fragilmente, o sistema

jurídico exige maior consistência e integração de seus atores constitucionalmente envolvidos.

Diante dessas notas introdutórias, buscar-se-á, pois, desenvolver pesquisa que responda

aos seguintes questionamentos:

1 Como a lex sportiva desenvolve sua autonomia jurídica?

2 Quais são os limites da lex sportiva frente a outras ordens?

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3

3 Que tipo de problemas jurídicos, especialmente constitucionais, aparecem,

simultaneamente, à lex sportiva a à outra ordem jurídica, exigindo o entrelaçamento delas?

4 Quais problemas constitucionais passam a ganhar novas perspectivas a partir da lex

sportiva?

No primeiro capítulo, serão tratadas as características das Federações Internacionais.

Partir-se-á das características do esporte, ressaltando que a vontade de performance e o direito

são características intrínsecas desta atividade. Posteriormente, serão analisados os aspectos

federativos desta organização, mostrando que também existem atributos de confederação. Por

fim, estudar-se-á como essas organizações produzem direito na autorregulação,

autoadministração e no julgamento de suas próprias causas.

No segundo capítulo, o Movimento Olímpico será objeto de investigação. Ao examinar

com atenção sua origem, será facilitada a compreensão de como foi possível a construção de

uma instituição que se tornou global em função de sua grandiosa competição. Serão estudadas

as características do Comitê Olímpico Internacional: seu papel central administrativo diante

de outras instituições desportivas; e sua organização interna, isto é, como são eleitos seus

representantes e como funcionam seus mecanismos regulatórios. Associado ao Movimento

Olímpico, estudar-se-á também o Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos, que servirá como

entidade que intermedeia os interesses estatais da cidade sede e do COI sobre os Jogos

Olímpicos. Finalizando o tema relacionado ao Movimento, serão estudadas a autonomia e

função das Federações Internacionais e os Comitês Olímpicos Nacionais dentro do contexto

olímpico.

Após ter sido analisado o Movimento, notar-se-á este tem o importante papel de

harmonizar o direito desportivo transnacional. O que reforça tal afirmativa é a imposição do

Código Mundial Antidoping, sob a fiscalização da Agência Mundial Antidoping. Tomando

por base as primeiras legislações antidopings e suas difíceis execuções em âmbito global, o

terceiro capítulo terá a finalidade de examinar a aplicabilidade do CMA e a função e

composição da AMA, enquanto instrumentos que possibilitaram um discurso harmonizado

mundialmente. Neste capítulo, mostrar-se-á a importância do reconhecimento internacional da

Agência e seu Código, mas sem nunca lhe tirar a proeminência transnacional, também em

razão da previsão recursal junto ao Tribunal Arbitral do Esporte.

O quarto capítulo trata da elaboração do Tribunal Arbitral do Esporte (TAS). Será visto

nele a contribuição para a identificação de uma diferenciação interna da ordem jurídico-

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esportiva transnacional, declarando a licitude e ilicitude na ordem desportiva, sob o amparo de

um programa próprio. Com participação de várias legislações esportivas, estudar-se-á como,

diante de tantas diferenças, o Tribunal produz jurisprudência e padrões interpretativos. Da

mesma forma, serão investigados os usos dados aos princípios gerais de direito pelo TAS.

Serão examinadas, também, como suas decisões possuem eficácia transterritorial. Associado

aos capítulos anteriores, o quarto terá a pretensão de mostrar o funcionamento estrutural da

lex sportiva. Restará, então, compreender como esse funcionamento se dará ao conflitar com

outra ordem.

O quinto capítulo examinará os limites da ordem desportiva em face das outras ordens

jurídicas. Dando preferência aos conflitos de ordem constitucional, estudar-se-á o

transconstitucionalismo, que servirá tanto como identificação problemas constitucionais

comuns a mais de uma ordem, quanto uma proposta que tenta tornar praticável os vínculos

construtivos horizontalizados, possibilitando o aprendizado e influência recíproca entre

ordens jurídicas. Nesse contexto, será analisado o comportamento da lex sportiva diante das

ordens nacionais, internacional e comunitária, sempre procurando identificar até que ponto

suas decisões conseguirão ser eficazes diante de outra ordem.

O sexto capítulo buscará identificar alguns problemas constitucionais que ganharão

novas perspectivas a partir da lex sportiva. O debate a respeito da soberania jurídica será

revisitado com o intuito de se localizar criticamente, e a partir de casos, onde fica a soberania

da ordem jurídico-desportiva transnacional no contexto atual. A partir disso, verificar-se-á

como o acesso aos procedimentos constitucionais, enquanto característica da cidadania,

tomará outros rumos, inclusive, deslocalizados. Finalmente, a nacionalidade, também ligada

ao novo ponto de vista sobre soberania, será mostrada como ela pode ser objeto de um

terceiro critério: o transnacional.

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1 DA VONTADE DE PERFORMANCE À FEDERAÇÃO

INTERNACIONAL

O primeiro componente a ser estudado, dentro de um contexto jurídico-esportivo, é a

Federação Internacional. Ela controla, inicialmente, todas as competições internacionais que

digam respeito ao seu respectivo esporte. A partir dessa informação, cabe, preliminarmente,

fazer duas observações a respeito dos objetivos deste capítulo: a primeira é que se terá a

preocupação de mostrar que existe uma produção jurídica inicial, a começar da estrutura da

Federação Internacional; a segunda trata de evidenciar, como preocupação maior, a coerência

do funcionamento das Federações, originado por uma solidariedade interna, que permite

admitir ou punir membros. Foram estudados nove Estatutos das mais diversas Federações

Internacionais. A escolha de cada Estatuto teve por base a relevância mundial do esporte, o

reconhecimento olímpico e a existência (quando existiu) de mais de um órgão regulador do

mesmo esporte. Para ser mais específico, a FIFA e a FIA, enquanto FI‟s de grande relevância

mundial, seja pelo espaço midiático, seja pelo número de Federações Nacionais federalizadas

(a primeira é reconhecida pelo COI, a segunda, não); FIG, FIJ, IAAF, FIBA, FINA

(vinculadas ao Movimento Olímpico, representadas nos Jogos Olímpicos de Verão) e a IIHF

(representada nos Jogos Olímpicos de Inverno); e a WFK (como uma representante dentre

várias sobre o esporte Caratê, mas que ainda não possui reconhecimento do Movimento

Olímpico). Através de seus Estatutos, pretendeu-se apresentar algumas semelhanças na forma

das Federações manterem sua solidariedade. É evidente que existirão diferenças profundas em

várias legislações. Sabe-se que é impossível estudar todas as Federações Internacionais. Por

isso, justifica-se, de antemão, que o capítulo tem o intuito dar um olhar geral a essas

Federações, na tentativa de mostrar que existe uma lex sportiva anterior ao contexto olímpico.

1.1 Vontade de performance e Direito como características do esporte

Aos quarenta e um minutos do segundo tempo, na final do campeonato carioca de

futebol de 1978, Zico cobra o escanteio, quando, de surpresa, o zagueiro do Flamengo,

Rondinelli, cabeceia a bola marcando o gol do título. O defensor rubro-negro não utilizou as

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mãos ou empurrou qualquer adversário para conseguir êxito no seu feito por um motivo

óbvio: as regras do jogo proíbem tal conduta.

O exemplo acima pode soar banal, mas pode servir para compreender inicialmente o

funcionamento de uma estrutura que possui regras, árbitros e sanções. É que “existe uma

gratuidade essencial à atividade esportiva”, isto é, “não responde a alguma utilidade que lhe

seja exterior para pressupor regras”. Isso permite dissipar a aparência do arbitrário, ou do sem

sentido. Aos praticantes, árbitros – cuja presença se deve para assegurar o respeito às regras –

e espectadores, pressupõe o conhecimento dessas regras2, ou seja, é necessário nutrir

expectativas normativas de um determinado comportamento esportivo.

Antes de adentrar na estrutura jurídica do esporte, é fundamental exprimir que existe

uma característica que motiva a organização esportiva e a produção de regras: a performance.

A performance é o produto mais característico da atividade esportiva, porque, ao contrário de

outras atividades humanas, como o trabalho, não produz bens ou serviços. Porém, se o

trabalho visa produzir algo, o esporte visa produzir performance. A vontade de performance é

o que transforma em ato; é o que coloca o esporte em movimento. A sua motivação pode ser

um recorde a ser batido ou uma valoração maior de uma performance comparada à de outro

atleta3.

Para uma melhor caracterização do esporte, é possível fazer uma comparação deste os

comportamentos do cotidiano. Contrariamente ao comportamento ordinário, a performance,

como medida de valor esportivo, é valorizada em razão dos obstáculos. No cotidiano, busca-

se não chegar perto de obstáculos para concluir mais rápido seu objetivo. No esporte, o

obstáculo é um componente próprio da atividade ao qual o atleta se opõe deliberadamente4.

A vontade de performance, acompanhada de seus obstáculos, é concretizada nas

competições. É na competição o espaço onde se pode afirmar superioridade sobre o

adversário5. Com isso, já é possível diferenciar o esporte da mera atividade física. Se, por

exemplo, é possível realizar uma competição de futebol, não é possível realizar uma

competição da simples caminhada na praia. Esta não possui, primariamente, a vontade de

performance, tornando impossível verificar um comparativo entre atletas, que, somado à

2 Simon, 1990, pp. 1-2.

3 Ibidem, pp. 20 e 22-23.

4 Ibidem, pp. 21-22.

5 Ibidem, pp. 23-25.

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ausência de espaço para a concretização performática, confirma a falta de caracterização desta

atividade como esporte.

Para que seja possível a realização da competição, é necessário que haja previamente

um acordo das vontades competitivas. Apresenta-se como um acordo contratual que é

formado pela troca das vontades dos competidores, que se reúnem para definir as regras da

disputa. Sua execução, que é o desenrolar da competição, deve possuir correspondência com

as condições fixadas previamente pelas “partes”. Mais do que para prevenir ou encerrar um

conflito, o acordo das vontades competitivas elabora, como singularidade, o conceito de

conflito. Ou seja, a competição é o resultado de um consenso para que se possa desenvolver a

concorrência6.

Ao contrário das guerras, a concorrência nas competições se caracteriza em não haver

formas destrutivas de eliminação do adversário, mesmo nas mais agressivas. O caráter

pacífico é outra condição intrínseca do esporte, porque, sem ela, haveria a destruição do

sentido de rivalidade competitiva7. Nessa condição, afirma Simon:

[...] a competição combina nela esses dois elementos aparentemente contraditórios,

mas absolutamente recíprocos um ao outro, a cooperação e a oposição, não somente

o afrontamento dos adversários não destrói o pacto inicial, mas é precisamente na

oposição mesma que este se realiza.8

No esporte, o paradoxo da relação entre cooperação e oposição serve como combustível

para a inexistência das conquistas definitivas, eis que um vitorioso jamais será um

proprietário de um título, mas um detentor provisório. Isso é possível porque, uma vez

derrotado, o adversário terá outra chance de vencer em uma próxima competição. A

reprodução desse paradoxo contribui na perpetuação das competições9.

Além da contribuição da relação entre cooperação e oposição, cabe destacar que a

perpetuação das competições depende da institucionalização das vontades competitivas10

. É

necessário criar órgãos pelos quais defenderão essa perpetuação da competição e suas regras,

resultadas de acordos de vontades competitivas. Portanto, para que exista esporte, é necessário

que haja direito. Não se nega que a produção de performances gere uma apreciação estética.

Além da performance ser um fim em si mesma, isso pode aproximar o esporte da arte11

.

6 Ibidem, pp. 26-27.

7 Ibidem, p. 28. O Estatuto da FIBA assegura, em seu art. 4º, C, a busca por um esporte justo e competitivo.

8 Ibidem, p. 27.

9 Ibidem, p. 29.

10 Ibidem, p. 31.

11 Welsch, 2005, pp. 137 e 145.

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8

Contudo, o ponto importante que vai diferenciar o esporte da arte é a presença do direito.

Apesar de regular a performance (e não determiná-la)12

, o direito aparece no esporte como um

elemento necessário, o que não se verifica necessariamente na arte. A atividade esportiva se

desenvolve efetivamente em aplicação de uma regulamentação, adotada pelas instituições

responsáveis de cada esporte. O meio esportivo é de caráter jurídico na medida em que boa

parte dos gestos esportivos se qualifica pela relação com alguma regulamentação técnica. Isso

permite afirmar que no esporte a regra de Direito reveste-se de um aspecto original, “em que

as regras do jogo, próprias de cada esporte, conferem direitos e deveres relativos ao

desenvolvimento da prova. Assim, toda infração incorre uma sanção”13

.

Diante desse aspecto jurídico constituinte do esporte, torna-se necessário explicar as

funções do direito, para, desde já, afastar a possibilidade de redução destas ao enquadramento

hierárquico das Constituições estatais14

. O direito possui dimensões para que o

comportamento social, em um mundo altamente complexo e contingente, exija a “realização

de reduções que possibilitem expectativas comportamentais recíprocas e que são orientadas a

partir das expectativas sobre tais expectativas”. A dimensão temporal estabiliza as estruturas

de expectativas contra frustrações através da normatização, o que, frente à crescente

complexidade social, “pressupõe uma diferenciação entre expectativas cognitivas (disposição

à assimilação) e normativas, além da disponibilidade de mecanismos eficientes para o

processamento de desapontamentos”. Na dimensão social, “essas estruturas podem ser

institucionalizadas, ou seja apoiadas sobre o consenso esperado a partir de terceiros”. Na

dimensão prática, “essas estruturas de expectativas podem ser fixadas externamente através

de um sentido idêntico, compondo uma inter-relação de confirmações e limitações

recíprocas15

”.

Em razão dessas três dimensões, que devem ser consideradas em conjunto, é possível

afirmar que se criam possibilidades de para que exista uma generalização de expectativas:

Dessa forma a normatização dá continuidade a uma expectativa, independentemente

do fato de que ela de tempos em tempos venha a ser frustrada. Através da

institucionalização o consenso geral é suposto, independentemente do fato de não

existir uma aprovação individual. A identificação garante unidade e a inter-

dependência do sentido, independentemente das diferenças objetivas entre as

expectativas. Dessa forma a generalização gera uma imunização simbólica das

12

Ibidem, p. 146. 13

Latty, 2007, p. 25. 14

Com o mesmo propósito de afastamento, Teubner, 1997a, p. 157. 15

Luhmann, 1983, p. 109.

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9

expectativas contra outras possibilidades; sua função apóia o necessário processo de

redução ao possibilitar uma indiferença inofensiva16

(grifos do autor).

O direito, assim, não se apresenta, primariamente, como um ordenamento coativo, mas

como um alívio para as expectativas, isto é, “na disponibilidade de caminhos

congruentemente generalizados para as expectativas, significando uma eficiente indiferença

inofensiva contra outras possibilidades, que reduz consideravelmente o risco da expectativa

contrafática”17

. Portanto, em razão do que acima foi exposto, a função do direito deve ser

definido como “estrutura de um sistema social que se baseia na generalização congruente de

expectativas comportamentais normativas18

” (grifos do autor).

O direito existente no esporte não pode ser comparado com um mero costume. O

conhecido exemplo de costumes praticados na Igreja, como o de não entrar com chapéu no

recinto, não pode ser igualado ao estabelecimento de regras esportivas. É certo que somente a

especificação da função do direito não é suficiente para mostrar que há direito no esporte19

.

Este depende de estrutura. É fundamental apontar para o código que orienta o direito. Ao

distinguir os lados opostos que o do código do direito promove, nota-se que eles se

caracterizarão pela diferença lícito/ilícito (um valor positivo, quando o assunto coincide com

as normas do sistema; um valor negativo, quando infringe as normas do sistema20

). Este

código binário, sob a forma da biestabilidade, garante que o sistema pode ligar suas operações

seguintes, tanto na declaração de licitude, quanto na ilicitude21

. Dessa forma, o código utiliza

ambas as possibilidades para confirmar a si mesmo, rechaçando código de outros sistemas

funcionais22

. Contudo, o código em si não oferece nenhuma possibilidade de adaptação do

sistema ao ambiente e não produz informação23

. A solução para este problema é a formação

de uma distinção interna entre codificação e programação, sendo o primeiro condição de

possibilidade de condicionamentos que “regulam qual de ambos os valores se aplicará

adequadamente”, enquanto que o segundo serve como critério de determinação dos valores do

código binário24

, isto é, há o preenchimento da codificação com conteúdo. Relacionado com a

função de estabilização de expectativas, os programas dão direção semântica, determinando

16

Ibidem, p. 110. 17

Ibidem, p. 115. 18

Ibidem, p. 121. 19

Mendes, 2010, p. 79, a respeito da insuficiência da explicação do direito somente a partir da função. 20

Luhmann, 2005, p. 236. 21

Ibidem. 22

Ibidem, p. 238. 23

Ibidem, p. 246. 24

Ibidem, p. 248.

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10

de antemão o comportamento aceitável juridicamente, mas, ao mesmo tempo, condicionado

por um código25

.

No campo do jogo do esporte, essa óptica sobre o direito se confirma. Não somente no

plano funcional da estabilização de expectativas, como também a declaração de uma

“licitude/ilicitude” dos atos de campo. No âmbito esportivo, existem regras institucionalizadas

através de códigos, que determinam ao juiz (ou comissão julgadora) qual é o comportamento

dentro do campo de jogo que é permitido ou não. Exemplificando, um juiz de futebol não

pode declarar que houve falta sem que haja uma correspondência com as regras

institucionalizadas em seu código desportivo. Não há, portanto, arbitrariedade na validação

das regras. Da mesma forma, elas não podem ser consideradas meros convencionalismos

sociais. A presença do direito – não somente reduzida à sua função – no esporte é marcante a

tal ponto que, sem ela, o esporte seria impraticável. Vale ressaltar, por fim, que esta presença

é necessária, mas não pode ser comparada à complexidade de uma ordem jurídica estatal, por

exemplo. No campo, ao contrário das ordens estatais, as decisões são tomadas sem uma

profunda discussão do fato, isto é, sem uma densa operacionalização do contraditório (por

mais que as tecnologias tenham aumentado, gerando maior espaço para contestação/reforma

da decisão tomada, como é o caso no tênis). Isso, porém, não representa que não haja direito

no esporte, senão um direito menos complexo.

O esporte – enquanto movimento unitário e coerente – só consegue assegurar sua

concretização nas contínuas e regulares competições através da unificação de regras

esportivas institucionalizadas, que são criadas, observadas, aplicadas e executadas por

instituições específicas para isso26

. Além da garantia de permitir o jogo pacífico, quando, por

exemplo, codificam o fair-play, as instituições devem garantir da mesma forma a igualdade

esportiva e a incerteza do resultado final. A igualdade esportiva é a garantia inicial de que

todos os atletas terão as mesmas condições de conquistar a vitória, permitindo a

“confrontação equilibrada das forças que dá plenamente seu sentido à comparação das

performances”27

. É possível que algum atleta, em razão da qualificação, consiga uma melhor

posição no momento da competição, o que lhe facilitaria a vitória. Todavia, essa condição

benéfica só pode ser conquistada em função de uma condição jurídica inicial igualitária. Sem

igualdade esportiva, dificilmente poderia vislumbrar a incerteza do resultado final. Este

25

Ibidem, p. 251, 256 e 258. 26

Simon, 1990, p. 3-4. 27

Ibidem, p. 89.

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11

aspecto, que deve ser garantido pelas instituições, permite que não haja a intromissão de

outros elementos estranhos ao esporte que garantam a certeza do resultado. Fica mais fácil de

ser vislumbrada quando se tomam medidas em que dois clubes de futebol diferentes não

podem ter o mesmo dono ao disputarem o mesmo campeonato28

.

Inicialmente, as instituições esportivas começam no âmbito territorial. São geralmente

oriundos da reunião de clubes locais, que formam uma federação para organizar eventos. Essa

instituição pode tomar corpo, crescendo em dimensões nacionais, quando somadas às outras

instituições localizadas que tratam da mesma matéria. O resultado desse processo é a

Federação Nacional. As regras ganham domínio nacional, sendo cumpridas pela totalidade de

seus membros, dada a solidariedade necessária para se fazer parte desse contexto. Ou seja,

para que se possa participar de competições nacionais, os membros terão de cumprir as regras

formuladas pelas instituições do mesmo âmbito29

.

Essa mesma lógica também servirá para a construção de Federações Internacionais

esportivas (FI), que servirão de mote para a construção de uma solidariedade transnacional.

Esta, para se afastar de um contexto politizado ou meramente localizado, terá como formação

uma produção privada na institucionalização de regras e órgãos. Isso tudo para garantir que a

identificação de sentido global das regras esportivas possa ser realizada nas competições

internacionais, tendo em vista que existirão órgãos que produzirão e resguardarão as regras,

aplicando sanções aos que tentarem burlá-las. É possível, nesse sentido, que as ordens

desportivas enxerguem os programas jurídicos de forma diferente do Estado. Tudo isso para

que, de fato, se possa garantir a igualdade e a incerteza do resultado final nas competições.

Nesse sentido, Teubner afirma:

Nos regimes privados globais, ocorre uma eficaz autodesconstrução do direito,

capaz de tornar simplesmente ineficazes os princípios básicos do direito estatal, a

saber: a dedução da validade das normas jurídicas a partir de um modelo hierárquico

de fontes normativas, a legitimação do direito por uma constituição politicamente

posta, o processo legislativo em instâncias parlamentares, a segurança conferida por

instituições, processos e princípios do Estado de direito e a garantia de espaços de

liberdades individuais pelos direitos fundamentais politicamente conquistados30

.

Com o processo de globalização do esporte, globalizou-se, também, o seu Direito31

.

Seria impossível dissociar o Direito do esporte, dado que, para o esporte ser o que é, é

28

Cf. Sentença nº 98/200, de 20 de agosto de 1999 – AEK Athens and SK Slavia Prague c/ Union of European

Football Associations (UEFA). 29

Latty, 2007, p. 50. 30

Teubner, 2005, p. 111. 31

De forma semelhante, Teubner, 2005, p. 108-09.

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12

necessário que possua direito em sua constituição. Com o crescimento da complexidade do

esporte, muito em função de interesses diversos sobre a matéria (farmacêuticos, médicos,

políticos, econômicos etc.), as instituições esportivas se viram compelidas a criar uma carga

argumentativa mais forte. Assim, para garantir a solidariedade interna no plano transnacional

esportivo, foi organizada uma lex sportiva que fosse além das regras do jogo para que pudesse

garantir a manutenção de aspectos fundamentais em face de atores externos, como a

autonomia do esporte global, a igualdade e a incerteza do resultado final.

O termo lex sportiva pode ser considerado como o direito transnacional esportivo. Não

se deve limitar seu campo a só jurisprudência do Tribunal Arbitral do Esporte, pois o

fenômeno engloba regras e decisões de outras organizações esportivas transnacionais. Através

da lex sportiva, não se quer reforçar um discurso “independente” para inventar uma

autonomia do direito transnacional esportivo desligada de influências de outras ordens

jurídicas. Também é condenável a postura oposta, que, ao negar a existência ou minimizar a

eficácia jurídica da lex sportiva, comparam-na a “um contra-poder dos Direitos estatais”. A

idéia, aqui, é entender como a noção de direito transnacional consegue ser aplicada no campo

esportivo32

.

Para que a compreensão de direito transnacional possa ser compreendida, é essencial

estudar a estrutura organizacional da lex sportiva, seu funcionamento e como se processa a

unidade, resultante da solidariedade interna dos componentes da ordem. A seguir, o primeiro

ator a ser focado nessa estrutura transnacional será as Federações Internacionais.

1.2 A Federação Internacional como resultante das vontades nacionais

As Federações Internacionais esportivas (FI) são fruto da reunião das vontades

nacionais competitivas. É possível notar que a afirmativa anterior possui uma proximidade

com o conceito de federalismo, tão estudada pela Teoria Geral do Estado. Porém, no caso

esportivo, não haverá uma pureza do conceito federalista nessas instituições esportivas,

havendo proximidades também com o conceito de confederação. Sob o olhar desta, um estudo

geral sobre federação e confederação facilitará o conhecimento das FI‟s.

1.2.1 Características da federação e da confederação

A federação “é uma união permanente, baseada no livre convênio, e ao serviço de uma

estrutura comum da auto-conservação de todos os membros, mediante a qual se altera o total

32

Latty, 2007, pp. 36-39.

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13

status político de cada um dos membros em atenção ao fim comum”33

, representando uma

ausência no direito de secessão. Dessa forma, não se terá uma união de Estados soberanos, eis

que, dentro de uma óptica federalista, a soberania é única do Estado Federal. Há, assim, o

nascimento de um novo Estado e, conseqüentemente (em regra), uma nova cidadania e

nacionalidade com o advento da Federação34

.

Por não se falar em soberania dos entes federativos, falar-se-á, no plano interno, de

autonomia destes. Essa autonomia há de estar prevista na Constituição do país, de forma

oposta ao que ocorre na confederação, em que os poderes são expressos em um tratado.

Delineiam-se, na Constituição, todas as competências que cada ente terá (repartição de

competências). A necessidade de divisão constitucional das competências é importante para

“determinar as atribuições e impedir a sua mudança ao bel-prazer dos mesmos”35

.

Para a manutenção e reforço da descentralização, mostra-se necessário que as

competências estejam descritas para o real exercício da autonomia que cada ente possui. A

respeito da definição de autonomia, Baracho entende que “A autonomia constitui uma

pluralidade de ordenamentos. Por isso, sua mais elevada realização, no domínio da forma do

Estado, encontra naquela pluralidade inconfundível36

”. Essa autonomia necessária aos entes

federativos dividir-se-á em política, legislativa, administrativa e financeira.

A autonomia política refere-se ao autogoverno, e a legislativa, à liberdade de se

produzir leis conforme as necessidades locais, regionais ou nacionais. Já a autonomia

administrativa “permite que as comunidades federadas conservem, cada uma, certa

independência, que lhes permite efetuar a gestão de seus negócios37

”. Todas sempre hão de

respeitar os ditames da Constituição. Não adianta, contudo, o ente federativo possuir

competências nominalmente se não possui meios para colocá-los em prática. Sendo assim, os

tributos são as representações maiores da efetividade da autonomia financeira.

Os doutrinadores colocam como sustentáculo do federalismo, além da autonomia, o

princípio da participação38

. Pode a participação ser direta ou indireta. A primeira prevê

participação do ente federativo, além da União, no processo revisional da Constituição. Em

sentido mais amplo, Zippelius expressa:

33

Schmitt, 2003, p. 348. 34

Dallari, 2005, p. 260. 35

Liberato, 2005, p. 310. 36

Baracho, 1986, p. 50. 37

Ibidem. 38

Ibidem.

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14

Na mesma direção aponta também a reivindicação democrática de, através de uma

descentralização política e democrática, assegurar ao indivíduo a maior participação

possível na formação da vontade comunitária e na regulação das tarefas públicas. As

oportunidades de uma participação democrática e responsabilidade cívica do

indivíduo são tanto maiores quanto mais poder de decisão for depositado nos níveis

organizativos mais baixos39

.

Outro elemento importante do federalismo é a delimitação territorial do ente. A

delimitação territorial está intimamente ligada ao exercício da autonomia e até onde ela pode

ser exercida. Pode soar óbvio o presente aspecto, porém, ao se falar de intervenção federal, o

caráter territorial soa necessário. Nessa perspectiva, destaca-se:

Se garante, pois, dentro da Federação o status quo político. No sentido da existência

política. A isto corresponde também normalmente a garantia do status territorial.

Não pode ser privado nenhum membro federal, contra sua vontade, de uma parte de

seu território, e muito menos pode ser suprimido contra sua vontade em sua

existência política. Não quer dizer-se com isso que toda garantia da existência

política ou de um status de possessão territorial signifique já um pacto federal.

Porém, o contrário, a toda Federação corresponde essa garantia, que resulta tanto da

finalidade de auto-conservação como do conceito de permanência, essencial à

Federação (grifos originais)40

.

A existência de um Tribunal Constitucional é também requisito importante para a

consecução de uma federação. Há a necessidade de um órgão neutro que atue nos conflitos de

competência entre os diversos entes federativos41

, sendo necessário o controle de

constitucionalidade.

Existe a exigência da previsão da intervenção para a manutenção da federação. É uma

medida excepcional, pois, por meio dela, um dos entes federativos fica autorizado a intervir

em outro, suspendendo-lhe a autonomia de que gozava, nos termos da Constituição42

. Isso

ocorre quando há algum ato desrespeitoso à conservação da Federação. Exemplo típico é a

luta pela separação de um Estado-membro, na luta por sua soberania.

Não é possível determinar com critérios absolutos se um país é ou não uma Federação,

pois esta é uma construção social e histórica43

. Já se foi mostrado que, em vários países

unitários, há mais descentralização regionalizada que em alguns países que se proclamam

federais44

. Além disso, se todos os critérios fossem tidos como absolutos, seria impossível

encontrar uma federação no mundo. Não significa, porém, que não se possam abstrair

algumas características comuns ou ideais que se vislumbrem a construção de uma federação.

39

Zippelius, 1997, p. 506. 40

Schmitt, 2003, p. 350. 41

Tavares, 2007, p. 963. 42

Ibidem, p. 964. 43

Bercovici, 2003, p. 146 44

Pontes de Miranda, 1960, pp. 177-179.

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15

Ao contrário da federação, a confederação “é a aliança de dois ou mais Estados

soberanos que, mesmo unidos para a consecução de objetivos comuns, conservam a liberdade

de se autogovernarem”45

. A confederação liga-se a fins, enquanto que a federação é uma

realização estrutural. Ela nasce de um tratado entre Estados independentes e ainda soberanos

que “deferem ao órgão central algumas atribuições, tendo em vista a defesa comum, a

segurança de suas liberdades, a manutenção do bem-estar de seus habitantes etc.”46

Há uma permanente relação jurídica internacional, cujos Estados são independentes e

não dão origem a um novo Estado. A confederação apenas cria “um sistema de coordenação

de vontades políticas, cuja base contratual assenta visivelmente sobre uma limitação

consentida da soberania de cada Estado-membro para consecução de fins comuns”47

. Na

confederação, não se fala em cidadania ou nacionalidade distinta das já existentes, visto que

não se possui, nesse caso, território próprio. É uma simples união. Com isso, há de se

reconhecer o direito de secessão, eis que cada Estado possui soberania, matéria intacta em

uma Confederação. Tem-se o direito de denunciar o tratado ou retirar-se da Confederação48

.

Nessa união de Estados soberanos existe um corpo deliberante denominado Dieta. É

composto por embaixadores e Chefes de Estados, que, por maioria, podem vetar decisões,

além de diminuir ou aumentar os poderes dessa união de Estados. Vale ressaltar que todas

essas modificações hão de passar pelo crivo dos governos dos Estados componentes49

. Por ter

caráter eminentemente internacional, as ações unitárias expressam-se, em regra, na política

externa, ditadas pelas razões que justificam a sua existência.

Essas características, comuns em estudos doutrinários, têm grande importância como

elemento crítico das federações e confederações ou como base comparativa de institutos que

conservam sua unidade fundamentada em elementos de teorias sobre as duas. É o caso da FI,

que absorve características de ambos os institutos.

1.2.2 “Federação” Internacional?

As Federações Internacionais constituem agrupamentos de organizações nacionais

esportivas. Da mesma forma que uma federação, convive-se com a combinação entre

liberdade de ação dos associados e unidade da união entre eles. Significa que existe uma

45

Carrazza, 2005, p. 130. 46

Ibidem. 47

Bonavides, 2006, p. 179. 48

Ibidem, p. 180. 49

Ibidem, pp. 180-81.

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tentativa eterna de conciliar as tendências contraditórias entre a autonomia dos entes e a

hierarquização da comunidade global que agrupa todas as unidades elementares50

. Essa

construção federativa será possível por três motivos: o monopólio sobre o tema esportivo; o

controle sobre a competição internacional; e a coerência interna das regulamentações

federativas.

Os Estatutos das FI‟s apresentam os objetivos fundamentais da união entre os membros.

Entre os objetivos estatuídos está a afirmação de que a FI é responsável pela regulação,

fiscalização, aplicação e execução das regras que englobam o mundo no que tange à sua

matéria esportiva, conforme expressa o artigo 4.1, do Estatuto da Federação Internacional de

Basquete (FIBA)51

. O aspecto de fiscalização do cumprimento das regras é comum em

praticamente todas as FI‟s, mesmo que não expressas em Estatuto. O artigo 3.6 da Federação

Internacional de Atletismo (IAAF) afirma que é obrigação desta “supervisionar e fazer

cumprir as obrigações dos membros”, servindo, como será mais à frente analisado, de

condição para a participação do contexto esportivo específico. Existem objetivos secundários,

como “melhorar a qualidade do ensino de Judô” ou “promover e encorajar o desenvolvimento

de relações internacionais”52

. O que de mais importante há nos objetivos principais das FI‟s é

a afirmação de que possui o domínio global em sua matéria, “pois, sem a existência de um

poder capaz de estabelecer e de impor uma regulamentação se aplicando a todos os países

interessados, não seria possível dar na prática esportiva uma dimensão universal”53

. Portanto,

na FI, é possível enxergar uma característica com respeito a fins, aproximando-se dos

atributos das confederações

O monopólio federal é condição lógica da organização do sistema esportivo no que diz

respeito a uma vontade unitária54

. As razões da manutenção no tempo do monopólio federal

se devem à vontade de independência, notadamente em face dos poderes públicos, e por “um

tipo de mentalidade de „primeiro ocupante‟ na constituição das disciplinas, cujos responsáveis

federais atuais se sentem herdeiros”. Para os dias atuais, essa explicação ainda é digna de

registro, mas não é sustentável por si só. A razão de sua manutenção “reside nos mecanismos

50

Latty, 2007, p. 123. 51

No mesmo sentido, está previsto nos artigos 2º da AIBA, da FIFA e da IIHF, artigo 5º da FINA, artigo 3.5 da

IAAF. 52

Artigo 2º da FIJ, e C-5.3 da FINA. 53

Simon, 1990, p. 46. 54

Cf. Silance, 1998, p. 16.

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internos que seu funcionamento prova eficácia”55

. Vale ressaltar que o monopólio sobre a

matéria esportiva tem sido diluído. A criação de federações esportivas profissionais tem feito

migrar atletas de uma federação à outra. É o caso do boxe, cuja matéria esportiva é regulada

por mais de uma Federação Internacional. No caso, a Associação Internacional de Boxe

Olímpico (AIBA) divide atenção com outras Federações, como a World Professional Boxing

Federation. Da mesma maneira, a FIBA por muitos anos recusou a participação em suas

competições de atletas que jogassem na NBA. A criação de Federações profissionais

esportivas se deve ao crescimento de interesses econômicos na matéria. A migração de atletas

se dá, muitas vezes, por razões econômicas, não mais técnicas. Além disso, por situação como

essa, corre-se o risco de o entretenimento ser mais importante que a performance e suas

regras, resultando na “espetacularização” do esporte, provocando mudanças no jogo para, em

nome da estética, satisfazer quem “consome” o esporte.

O controle das competições é o fator principal que permite a manutenção da unidade e

coerência interna das FI‟s. Os interesses de Federações Nacionais (FN) e atletas girarão em

torno de uma competição, representados pelas vontades competitivas. Quanto mais FI‟s

controlarem algum esporte mundialmente, mais opções de competições e regramentos

federativos um atleta poderá se submeter. A conseqüência do reagrupamento das vontades

competitivas é a separação entre a instância federal e seus diferentes membros. A federação

aparecerá pelos seus efeitos, pelos seus poderes, pela autoridade manifesta sobre a disciplina

esportiva, “como um „ser‟ distinto e superior às individualidades e grupos que ela emana”.

Assim como na teoria clássica do federalismo, a reunião dessas vontades competitivas faz

nascer uma entidade distinta dos órgãos que a compõem: a Federação Internacional. Ela

aparece como a estrutura ideal de resolução do paradoxo do acordo das vontades

competitivas, porque representa este conjunto de vontades sobre uma mesma disciplina,

sendo, ao mesmo tempo, parte integrante do sistema competitivo da qual constitui peça

essencial. Representa a vontade coletiva e unitária das competições, assegurando o

funcionamento delas56

. Porém, essas funções exercidas pela FI só poderão se concretizar caso

haja previsão em um Estatuto federal.

Nesse processo de traçar paralelos entre as características do federalismo (e da

confederação) e as FI‟s, depara-se com as semelhanças entre a Constituição e os Estatutos

federais. Se a Constituição é fundamento escrito da unidade federativa, o Estatuto serve como

55

Simon, 1990, pp. 57-58. 56

Ibidem, pp. 40-42.

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representação da união entre vontades nacionais esportivas. Não se quer, contudo, afirmar que

o Estatuto de uma FI seja uma “Constituição civil”57

, mas uma regulamentação de caráter

privado que possui características parecidas com algumas funções exercidas por uma

Constituição Federal. Assim como esta, existe uma preocupação por parte dos Estatutos em

manter a unidade federativa. Para tanto, porém, existem instrumentos regulatórios que

prevêem critérios de admissão e exclusão de seus membros58

, gerando uma situação paradoxal

no âmbito de uma dita federação: para manter sua unidade estrutural, usa de meios típicos de

uma confederação.

A admissão como membros das associações esportivas nacionais é fruto da

representação, a título esportivo, do conjunto dos praticantes, de dirigentes, de treinadores etc.

da disciplina esportiva nacional59

. A conseqüência “do reconhecimento é o de dar à FN a

qualidade para representar a disciplina considerada sobre o território nacional”60

. A

admissão, submetida ao reconhecimento da FI, requer a obediência ao Estatuto, gerando

algumas obrigações, que, descumpridas, podem gerar a exclusão do membro. Se em uma

federação comum existe o instituto da intervenção federal como elemento garantidor da

unidade, nas FI‟s existe a exclusão de um membro como instrumento protetor da unidade. Na

intervenção federal, há, provisoriamente, a suspensão de autonomia do membro, assim como

a sua capacidade representativa na Federação. A exclusão do membro tem objetivo

semelhante, mas lida com a perda de autonomia e capacidade representativa, não com sua

suspensão. Isso, como afirmado, aproxima-se de uma característica de confederação ao invés

de federação. O artigo 15 do Estatuto da FIFA exprime bem esse instrumento de manutenção

da unidade quando prevê a possibilidade de expulsão de algum membro que não cumpre com

suas obrigações financeiras (o que garante, em parte, a autonomia financeira da FI em relação

a outros órgãos estranhos à organização); do membro que viola o Estatuto, regulações ou

decisões; ou quando se perde o status de uma associação representativa do futebol em seu

país. Cria-se a expectativa de que todos os membros da Federação Nacional seguirão o

Estatuto. A expulsão torna-se a pena mais forte para quem foge dessa expectativa, garantindo

a submissão ao direito transnacional da FI‟s. Ou seja, da mesma forma que as regulações da

57

Teubner, 2005, pp. 123-24. 58

Isso não significa que as Constituições possuam critérios de admissão ou exclusão de membros. O que se quer

ressaltar é a função de manutenção da unidade como característica constitucional, a partir do momento em que

há a união de membros federativos. 59

Simon, 1990, p. 35. Artigo 6 do Estatuto da AIBA; artigo 6.1 da FIBA; e artigo 3 da FIA. 60

Ibidem, p. 59.

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“União” encontram ressonância nos outros membros federativos, as regulações das FI‟s

encontram ressonância nas FN‟s.

As regras das FI‟s não têm por destinatários apenas as FN‟s. Elas visam algo maior e

mais importante: atingir diretamente os atletas em qualquer lugar do mundo. Afiliando-se a

uma FN, um atleta encontra-se, por efeito cascata (pela simples afiliação de sua FN à FI),

submetido aos regulamentos da FI61

. Vale ressaltar que o atleta não tem opção de não se filiar

a uma FN, eis que a filiação é uma imposição por parte das FI‟s, subordinando à deliberação

das licenças para a disputa de uma competição internacional. Por um lado, a licença dá o

direito de competir; por outro, o dever de se submeter ao poder federal62

.

Embora haja um grande poder das FI‟s em face das FN‟s, estas ainda possuem espaço

de autonomia, compreendendo certa liberdade na organização das entidades federadas. Isso,

porém, é variável entre as FI‟s quando se compara o Estatuto da FINA com o da FIBA. O

artigo C-8 da FINA pouco fala sobre as liberdades das FN‟s. Ao contrário, o Estatuto da

FIBA prevê em seu artigo 7º, além da participação nas políticas internacionais, a possibilidade

de administrar suas próprias competições, que, de forma geral, é o principal exercício de

autonomia que uma FN pode ter. No âmbito geral, as Federações Internacionais tendem ao

centralismo. Uma das possíveis razões para isso é o forte poder da maioria dos esportes

globalizados, cuja popularidade contribui no enquadramento estrito do exercício das

competências de seus membros nacionais. A pressão exercida sobre as FN‟s conhece uma

intensidade que restringe a sua autonomia63

. Isso, contudo, não representa, necessariamente,

uma hierarquização entre legislações. A sobreposição da legislação transnacional tende a

acontecer em casos de envolvimento de competições internacionais, ao passo que nas

competições nacionais o exercício da autonomia das FN‟s permite que as regras nacionais

tenham maior voz perante as outras.

Mesmo diante desse centralismo, as FI‟s e FN‟s são regidas por repartições verticais e

horizontais. Estas ocorrem quando, por exemplo, se tem em vista a regulamentação da

organização das competições nacionais (FN) e internacionais (FI). Existe, ao mesmo tempo,

um compartilhamento vertical na implementação de regras transnacionais no respeito das

formas e procedimentos ou aplicação direta das regras antidoping transnacionais64

. Cabe

61

Latty, 2007, pp. 85 e 125-128. 62

Simon, 1990, p. 35 e 109-115. 63

Latty, 2007, p. 129-133; e Simon, 1990, p. 43. 64

Latty, 2007, p. 137; e artigo 4º do Estatuto da AIBA.

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ressaltar que existe uma preocupação com a autonomia dos entes nacionais por parte das FI‟s,

principalmente com relação a atores estranhos ao esporte. O artigo 17 do Estatuto da FIFA

prevê que os membros devem agir de forma independente, excluindo a influência de terceiros.

O sucesso dos ditames transnacionais está ligado à autonomia que uma FN deve exercer sobre

terceiros estranhos, pois só assim as regras de uma FI serão concretizadas no plano nacional.

Assim, a FN se impõe às autoridades públicas como o interlocutor representativo da

disciplina65

.

O principal ponto que se propôs trabalhar no presente tópico foi o paralelo da unidade

estrutural do federalismo, somada às finalidades de uma confederação, e a unidade das FI‟s,

com sua “soberania”, espaço de autonomia dos entes federativos membros e finalidades

esportivas. Existem outras características que servem como paralelo, principalmente, na teoria

federativa, mas que, por razões metodológicas, serão discutidas no tópico seguinte. Tais

características referem-se à autorregulação, autoadministração e ao julgamento de suas

próprias causas, que poderiam ser discutidas no plano da autonomia “política” e

“administrativa”. Porém, elas também são características da produção jurídica nas FI‟s.

Assim, o próximo tópico pode ser encarado também como extensão desse paralelo.

1.3 A produção jurídica nas Federações Internacionais

A lex sportiva, como toda ordem jurídica, visa regrar comportamentos e estabelecer as

condições para que isso possa ocorrer. Pôde-se verificar que há uma vasta compreensão

normativa em razão da matéria, limitada pelas metas perseguidas pelas FI‟s; em razão da

pessoa, visando FN‟s, clubes e atletas; em razão do lugar, que, apesar das ordens

transnacionais não serem fundadas na territorialidade, as FN correspondem os espaços

territoriais onde se concretiza o direito transnacional66

. Existe uma estrutura que possibilita

prever quais comportamentos devem ser regrados e a forma pela qual devem sê-los. Abre-se

espaço para aproximar tal estrutura com os estudos de Kelsen e Hart. Não se pretende igualar

o que foi o estudado pelos autores. Pretende-se, a partir das FI‟s, mostrar o fenômeno da lex

sportiva – embora em um contexto de multiplicidade de identidades do direito para além do

Estado67

– pode ser compreendido dentro de uma revisitação da perspectiva tradicional do

direito.

65

Simon, 1990, p. 59-60. 66

Latty, 2007, pp. 146-152. 67

Teubner, 1997b, p. 766.

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Hart afirma que o caráter autovinculativo da legislação tem de acrescentar a noção de

regra que defina o que tem de ser feito para legislar, diferenciando os legisladores na

qualidade de oficial e pessoa68

. Existem, assim, regras de cunho primário, que impõem

deveres; e de cunho secundário, que asseguram a aplicação daquela, atribuindo poderes e

garantindo a criação ou alteração de deveres e obrigações69

. A forma mais simples de remédio

para a incerteza das regras primárias é a “regra de reconhecimento”, especificando aspectos

de uma regra do grupo que deve ser apoiada pela pressão social que a exerce. O crucial é o

reconhecimento do texto dotado de autoridade, que pode ter sido oriundo de legislação ou,

até, por decisão judicial. Além disso, um critério de superioridade serve como solução em

possível conflito de critério de identificação. Um texto dotado de autoridade, além de um

sistema, traz a idéia de validade jurídica70

. Já as “regras de alteração” são remédios que

evitam o caráter estático das regras primárias e conferem poder de criação de novas regras,

especificando quem legisla e o seu processo71

. A “regra de julgamento”, por sua vez, atribui

poderes e um estatuto especial às declarações judiciais, tornando-as regras de

reconhecimento72

. Essas regras estão no centro do sistema jurídico e contribuem para uma a

apreciação de comportamentos, mas, por si só, não iluminam todos os problemas73

.

Em Kelsen, a norma jurídica é válida por ser criada por outra norma superior, que, em

uma escala, chega à norma fundamental, formando uma unidade74

. A Constituição, nível mais

alto no Direito nacional, no sentido formal (não é essencial e é característica das Constituições

escritas), é um conjunto de normas que pode ser modificado apenas com prescrições

especiais; no sentido material (essencial e, no caso do Direito consuetudinário, não há

diferença das leis ordinárias e constitucionais), são as regras que regulam a criação de outras

normas jurídicas gerais75

. Em Kelsen, as “fontes” de Direito não apenas designam métodos de

criação de Direito, mas caracterizam o fundamento de validade do Direito e o fundamento

final. A “fonte” do Direito está sempre no próprio Direito76

. Destarte, a criação de Direito é a

sua própria aplicação (inclusive na função judicial), pois a criação de uma norma é

“aplicação” na criação de outra – fazendo da primeira Constituição ser considerada aplicação

68

Hart, 1994, 98-99. 69

Ibidem, p. 91. 70

Ibidem, p. 104-105. 71

Ibidem, p. 105-106. 72

Ibidem, p. 106-107. 73

Ibidem, p. 109. 74

Kelsen, 2000, p. 181. 75

Ibidem, p. 182-183. 76

Ibidem, p. 191-192.

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da norma fundamental77

. A decisão judicial é constitutiva não só quando ordena uma sanção,

mas por averiguar os fatos condicionantes da sanção, passando a existir dentro da esfera

jurídica. Nesse caso, apenas a confirmação pelo órgão competente tem relevância jurídica78

.

O Estatuto tem a função de ser o nível mais alto na estrutura da FI que condiciona todas

as outras regulações. O artigo 17.3 do estatuto da Federação Mundial de Caratê (WFK) afirma

que todas as regras ou regulações devem ser conformes aos princípios do Estatuto. Assim

como a maioria das Constituições, o Estatuto precisa de quorum especial para que possa ser

modificado. O artigo 26.1 do Estatuto da Federação Internacional de Judô prevê o quorum

especial de dois terços das FN‟s para que possa ser aprovada uma modificação. Se

anteriormente foi possível verificar a existência de regras no âmbito “primário” ou “formal”,

será igualmente verificável a existência de regras “secundárias” ou “materiais” nos Estatutos

federais, principalmente na previsão de órgãos e condições para se criar, administrar e julgar

tais regras.

1.3.1 Autorregulação

Comumente conhecido como “Congresso” entre as FI‟s, o órgão que regula a FI tem

como composição membros, em especial, as FN‟s79

. Seu principal poder é adotar regras

técnicas (regras do jogo) para o desenvolvimento das competições80

. Compete também ao

Congresso adotar e modificar o Estatuto federal; decidir a introdução de novas competições e,

em alguns casos, determinar o país cede de competições internacionais; aprovar as contas e

votar o orçamento; aprovar a agenda de governo; eleger o Presidente; nomear os membros de

determinadas comissões; examinar e aprovar os relatórios; ratificar decisões; decidir pela

expulsão dos membros; e declarar a dissolução da administração81

. Não cabe aqui afirmar que

existe democracia nas estruturas de federações esportivas82

. Contudo, vale ressaltar que as

FN‟s, dentro dessa dinâmica institucional, conseguem trazer questões localizadas do

desenvolvimento esportivo que merecem modificações no plano global. Quando, por

exemplo, uma FN procura demonstrar os males à saúde de se jogar em lugares de altitude

elevada, tenta modificar a regulamentação global do esporte. Assim, a FN representa

transnacionalmente os interesses daqueles que a apóiam: Federações locais, clubes e atletas. É

77

Ibidem, p. 193-194. 78

Ibidem, p. 196-199. 79

Conforme exprime o artigo 5.11 do Estatuto do IAAF. 80

Latty, 2007, pp. 59 e 75. 81

Nesse sentido, artigo 14 do Estatuto da FIBA. 82

Sobre uma releitura da democracia, Cf. Neves, 2008, pp. 136-157.

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como se um parlamentar trouxesse ao debate questões necessárias de modificação da

legislação, conforme o interesse daqueles que votaram nele.

Há uma semelhança com a estrutura legislativa parlamentarista. O estabelecimento do

governo depende da base parlamentar, em que os grupos políticos necessitam organizar-se de

forma mais coesa, em razão da existência de uma condição indispensável para a manutenção

ou conquista de poder83

. A possibilidade de o Parlamento destituir o Gabinete ou destituir

ministros demonstra bem essa idéia. Nessa estrutura, é possível afirmar que o Legislativo

no sistema parlamentarista ocupa posição sobranceira de poder, legislando e

fiscalizando a ação do Estado, governando efetivamente, ao passo que no

presidencialismo é ele presidente quem conduz por determinação popular a ação do

Estado. O Presidente da República não é deposto a não ser por impeachment84

.

É comum que o papel regulatório, assim como no parlamentarismo, se divida com a

função Executiva da FI, não só limitada à Presidência, mas somada às comissões

especializadas. Mesmo quando sua competência só é consultiva, elas são trazidas a uma

competência regulamentar própria85

. O artigo 15 do Estatuto da FIBA prevê que o Comitê

Central regulará a transferência de jogadores e técnicos, além de aprovar qualquer regulação

referente à matéria. Quantitativamente, o direito federal transnacional provém, de maneira

geral, de fontes derivadas dos órgãos executivos, incluindo as comissões especializadas.

É visível que há uma produção endógena às FI‟s, autônoma de fontes externas.

Internamente, é visível a presença de modos organizados e hierarquizados na formação do

direito86

, que parte do Estatuto. Desse modo, mais do que prever quem e como se deve

produzir regras próprias, o Estatuto determina como elas devem ser administradas.

1.3.2 Autoadministração

A função executiva é responsável pelo controle e pela supervisão das atividades da FI,

por toda a gestão de disputa, pela política geral e pela política esportiva da FI; é o órgão que a

governa. Por isso, o executivo detém poderes compreendidos em matéria regulamentar ou

disciplinar, poder de gestão de finanças, de organização do Congresso e de executar decisões

tomadas pelas FI‟s87

. Além de presidir as reuniões dos principais órgãos da FI, o Presidente

83

Figueiredo, 1987, pp. 188-192. 84

Ibidem, p. 193. 85

Latty, 2007, p. 78. 86

Ibidem, p. 81. 87

Latty, 2007, pp. 61-62; e artigos C-17.12 do Estatuto da FINA, 15 e 16.6 da FIBA, 7º da IAAF, 37 e 38 da

AIBA.

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representa-a legalmente, seja frente à Justiça, seja nas relações comerciais88

. Isso permite, por

exemplo, a manutenção da independência econômica em função da utilização e venda dos

direitos de transmissão do esporte agregado à imagem da FI.

Uma importância em especial da função executiva das FI‟s é o controle da matéria

esportiva nas competições. A competição é uma atividade submetida ao controle do seu

desenvolvimento até o fim das provas. Um vasto campo de aplicação dos controles é fundado

na natureza própria das competições que necessita uma observação contínua da organização e

do desenvolvimento dos reencontros. O controle assegura a universalidade das performances

e a credibilidade dos resultados89

, muito em função de ser ele quem registra o resultado das

melhores performances e os recordes.

Os comitês são órgãos importantes para o auxílio das funções administrativas.

Geralmente, as FI‟s comportam comitês jurídicos, médicos, de finanças, de marketing, uma

ou muitas comissões técnicas. A função dos comitês é, antes de tudo, consultiva, mas que

podem também auxiliar o comitê executivo no exercício de suas funções90

, como expresso no

artigo 21.4 do Estatuto da FIFA. Esses comitês conseguem filtrar, institucionalmente, valores

de outras esferas do saber para que o esporte possa melhor adequar-se às modificações

sociais. Isso é verificável quando as ciências médicas comprovam que o uso de determinada

substância pode falsear o rendimento de um atleta ou prejudicar sua saúde.

Existem Comitês que não se ligam estritamente às funções consultivas da função

Executiva. Sua característica principal é julgar as causas, geralmente, em última instância

interna das FI‟s. Isso significa que existem órgãos que se assemelham à função Judicial, mas

que nem sempre serão independentes de interesses diversos dos juridicamente estabelecidos.

1.3.3 Julgamento de suas próprias causas

Existe uma intensidade repressiva no mundo esportivo que se explica pela

multiplicidade e a precisão das regras esportivas. Ela permite a igualdade dos competidores e

a autenticidade das performances. O respeito à regra deve ser absoluto, sendo seu desrespeito

sistematicamente sancionado. Nessa estrutura que é composta por funções Executivas e

Legislativas, há espaço para instâncias disciplinares federais, merecendo o nome de Justiça

88

Ibidem, pp. 62-63. 89

Simon, 1990, p. 139-141. 90

Latty, 2007, pp. 64-65.

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desportiva91

. Um dos fatores que reforça tal denominação é a possibilidade de afastar a

participação das Cortes ordinárias (estatais) nas decisões tomadas pelas FI‟s. O artigo 64.2 da

FIFA proíbe qualquer recurso a essas Cortes, a não ser que as regulações prevejam tal

possibilidade. Para que isso possa se realizar, o artigo 64.3 determina que os membros devem

estipular tal proibição em seu Estatuto ou regulações que abranjam as ligas e seus membros,

clubes, jogadores, árbitros e outros dirigentes, devendo impor sanções aos seus componentes,

caso não seja respeitada essa previsão.

Encontra-se, em algumas FI‟s, espaço grande para decidir sobre litígios esportivos,

quando, em seu artigo 29.1 do Estatuto da FIJ, prevê a competência de seu Tribunal de

Arbitragem para julgar as lides resultantes de conflitos entre seus membros; de índole

desportiva; ou para dar sua interpretação sobre a aplicação das regras desportivas ou

estatutárias decretadas pela FIJ. A composição do mesmo Tribunal é desvinculada da relação

com os órgãos Administrativos ou Legislativos, sendo apenas vinculado ao reconhecido saber

jurídico, conforme prevê o artigo 29.2. Recorrentemente, encontra-se nos Estatutos a previsão

de que o Tribunal Arbitral do Esporte (TAS)92

tomará a decisão final, em especial, para

questões disciplinares.

A função de julgar suas próprias causas é, por vezes, divida entre órgãos que compõem

as outras funções. O artigo 15, “e” e “m”, do Estatuto da FIBA, prevê que o órgão Executivo

é o responsável para suspender uma FN e de resolver disputas relacionadas a competições

internacionais, assim como o Congresso é responsável por decidir a expulsão de um membro,

conforme o artigo 14, podendo ser encarado como um sistema primitivo de checks and

balances93

. Esse sistema pode ser encarado positivamente na estrutura desportiva, mas o não

cumprimento das regras disciplinares por parte da FI, em razão de motivos que não são

jurídicos, é um ponto negativo para a consistência do próprio Direito, assim como um

desrespeito ao princípio da igualdade. O caso a seguir mostra bem isso.

O cubano Javier Sotomayor sustentou o recorde mundial de salto em altura por ser o

único homem a saltar oito pés. Em 1992, tornou-se um ícone em seu país por conquistar a

medalha de ouro nas Olimpíadas de Barcelona. Atualmente, é também um membro da

Comissão de Atletas da IAAF, dado o exemplo em excelência que fora o atleta. Todavia,

91

Simon, 1990, pp. 149-152. 92

Em capítulo especialmente dedicado ao TAS, mostrará como é o funcionamento desse instituto, com sua

independência e autonomia. 93

Latty, 2007, p. 83.

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mesmo com o brilhantismo que foi sua carreira, após sua vitória nos Jogos Pan-americanos,

Sotomayor testou positivo para cocaína. Ele negou o uso. A força de sua imagem fez com que

o Presidente cubano, Fidel Castro, sugerisse que alguém quis manchar o programa esportivo

do país. A Turma decisória nacional livrou-o das acusações. A Turma de arbitragem da IAAF

julgou e afastou os argumentos levantados pela Federação Cubana de Atletismo (FCA) – que

incluíam argumentos procedimentais, alegações de amostras corrompidas, e um ataque na

credibilidade do laboratório de Montreal – sustentando que foram “meros argumentos sem

nenhuma prova”. A Turma concluiu que Sotomayor se dopou e, reformando a decisão da

Turma decisória da FCA, tornou-o inelegível para competir por dois anos. O Conselho da

IAAF, órgão responsável por funções administrativas, reduziu a suspensão para 1 ano de

inelegibilidade, e Javier competiu nos Jogos Olímpicos de Sidney, conquistando medalha de

prata. A anulação da decisão da Turma arbitral invocou artigo de regulamento que permitia

um atleta ser reintegrado de uma punição quando ocorressem circunstâncias excepcionais. O

presidente da IAAF, Lamine Diack, disse que acreditava que o atleta merecia um maior

suporte e que poderia dar-lhe a possibilidade de competir novamente, por se tratar de um ser

humano que podia errar. A base para a redução parece ter sido seu histórico limpo de drogas e

trabalhos humanitários. Alguns afirmaram que a decisão da IAAF ia de encontro com suas

próprias regras, pois prevê que apenas verdadeiras circunstâncias excepcionais poderão

justificar qualquer redução94

. Apesar da importância de Sotomayor, não era justificável afastá-

lo de alguma pena, enquanto que outros atletas eram punidos sob o cometimento da mesma

infração.

Situações, como a narrada, são cada vez mais excepcionais por causa de ações da

Agência Mundial Antidoping (AMA ou WADA) e por julgamentos do Tribunal Arbitral do

Esporte, que são autônomos e afastados das influências não-jurídicas das FI‟s. Para que essa

estrutura pudesse lograr êxito junto às FI‟s, houve uma luta por parte do Comitê Olímpico

Internacional (COI) com o intuito de centralizar o debate jurídico-desportivo, através da

condição de participação da principal competição internacional do mundo: as Olimpíadas.

Portanto, antes de estudar os dois primeiros institutos, é fundamental o estudo mais

aprofundado do Movimento Olímpico.

94

Caso analisado por McLaren, 2001, pp. 387-388.

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2 O MOVIMENTO OLÍMPICO

Em torno da administração da maior competição esportiva do mundo, encontra-se o

Movimento Olímpico. É ele quem vinculará uma porção de atores, atribuindo-lhes

responsabilidades, sob observação e reconhecimento do COI. Contudo, o papel mais

importante do Movimento é estreitar as possibilidades de discussão de problemas jurídico-

desportivos. O presente capítulo terá como objetivo investigar a origem, os órgãos e

legislação que coordena o Movimento Olímpico.

2.1 Origem

Nascido no século XIX, Pierre de Coubertin, aristocrata francês, buscou melhorar o

sistema educacional de seu país. Para isso, fez viagens à Grã-Bretanha, Estados Unidos e

Canadá para entender seus métodos educacionais. Fascinou-se com o modo enfático dado à

educação física como um importante fator de desenvolvimento global e, especialmente, ficou

encantado com os empreendimentos atléticos que supostamente melhorariam o espírito das

pessoas95

.

Coubertin tratou de estudar a Grécia antiga e os seus Jogos Olímpicos, acreditando em

ensinamentos similares, simbolizada pelos dizeres conhecidos “uma mente sã em um corpo

são”. Apaixonou-se pela idéia dos antigos Jogos Olímpicos e, por isso, passou desenvolver

um movimento que pudesse enfatizar esportes internacionais em um grande festival

retrospectivo: os Jogos Olímpicos modernos. Publicamente, sugeriu pela primeira vez a idéia

dos Jogos Olímpicos modernos em um encontro de signatários do esporte em Sorbonne em

1892, mas nada veio dali. Nesse encontro, todavia, proferiu seu apelo comparando a

competição entre atletas estrangeiros com o livre comércio do futuro: um mundo único que

abriria espaço para a paz. Em 1894, ele promoveu outra conferência, em que Coubertin

tornou a discutir a ressurreição dos Jogos Olímpicos. Encontrou ressonância entre os

candidatos, e os Jogos Olímpicos modernos, sob a organização do Comitê Olímpico

95

Mallon e Buchanan, 2006, p. XCIV.

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28

Internacional (COI), começaram dois anos depois em Atenas, Grécia, tendo sido um

sucesso96

.

Nascia ali o Movimento Olímpico, juntamente com seus valores, isto é, o “Olimpismo

moderno”. É possível reconhecer a centralidade dos Jogos em qualquer narrativa relacionada

aos esportes internacionais pela simbologia da união entre países, mas afastando o

envolvimento primariamente político e militar destes. O sentido de “mundo único” carrega a

ideia de troca cultural pacífica entre nações e ganha contornos “desterritorializados”. Tal

característica faz empresas transnacionais, junto com os órgãos de imprensa, associarem-se

para difundir os Jogos e serem difundidos através deles97

. Da mesma forma, os Estados tiram

algum proveito quando vendem e fortalecem sua imagem pelo esporte, ou, simplesmente,

como demonstração de aceitação na comunidade internacional98

. Porém, essas participações

empresariais e estatais possuem limites que a Carta Olímpica estabelecerá, justamente para

afirmar sua autonomia.

Adotada pela primeira vez em 1908, a Carta Olímpica prevê, nos Princípios

fundamentais, que o Olimpismo “é uma filosofia de vida, exaltando e combinando em um

conjunto equilibrado das qualidades do corpo, da vontade e do espírito”, tendo como base os

princípios éticos fundamentais universais. O Movimento Olímpico será definido como “a

ação concertada, organizada, universal e permanente, exercida sob a autoridade suprema do

COI, de todos os indivíduos e entidades inspiradas pelos valores do Olimpismo”99

, tendo seu

ponto culminante os Jogos Olímpicos. Para pertencer ao Movimento, exige-se que se respeite

a Carta Olímpica e o reconhecimento do COI. Pode-se concluir que o aspecto institucionalista

do Movimento corresponde a um reagrupamento das organizações esportivas sob a autoridade

do COI100

. Passa-se a dar maior atenção aos principais atores componentes desse

reagrupamento.

2.2 Comitê Olímpico Internacional

O primeiro e principal órgão do Movimento Olímpico a ser analisado é o COI. Antes de

estudar sua autoridade interna junto aos outros membros do Movimento, procura-se entender

como essa organização se apresenta externamente, ou seja, o seu valor jurídico junto ao

96

Ibidem, pp. XCIV-XCVI; Cf. Raber, 1998, p. 79. 97

Tomlinson, 2005, pp. 43-46. 98

Allison e Monnington, 2005, pp. 5-6. 99

Cf. Nuzman, 2007, p. 52. 100

Latty, 2007, pp. 161-169.

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direito estatal e internacional. Embora o direito internacional seja primariamente concernido

nas organizações internacionais de governo, as Organizações Não Governamentais (ONG‟s)

são parte importante do quadro internacional, tendo algumas reconhecido status legal sob

algum arranjo internacional. A personalidade legal internacional envolve a capacidade de

realizar atos no plano internacional101

, o que permite um reconhecimento internacional à

transnacionalidade, como no caso do COI.

Embora o COI tenha feito alterações em sua Carta Olímpica, em 1991, que o

definissem como uma ONG com status de uma pessoa legal, o Conselho Federal Suíço, o

mais alto órgão executivo do país, publicou em setembro de 1981 um decreto afirmando,

nacionalmente, seu status de pessoa internacional. O Conselho Federal decidiu expressamente

reconhecer a importância e a vocação universal do COI no esporte, beneficiando-lhe, através

de estatuto especial, dos direitos e liberdades do direito suíço também pelo fato de que está

estabelecido no país desde 1915. A defesa que o decreto do Conselho Federal fez às funções

do COI, como organização de atividade universal, reforçou a submissão de atores nacionais e

atletas que participam das competições sob os regramentos do Comitê102

.

Em 1982, o COI procurou reconhecimento mundial quando pediu às Nações Unidas

para aceitar sua personalidade internacional. Havia o receio que ações internacionais

prejudicassem o Movimento Olímpico. Uma das propostas primárias da Declaração foi

explicitar que as Regras da Carta Olímpica constituiriam regras de direito internacional. As

Nações Unidas demonstraram uma tendência para confirmar o caráter legal e internacional da

Carta Olímpica, transformando o COI como uma ONG capaz de estabelecer regras jurídicas

no âmbito internacional. Todavia, as autoridades olímpicas deixaram de lado o plano em

1983. Aparentemente, o COI temia que o clima político daquele ano causasse sua perda de

controle, uma vez que alcançaria o terreno da Assembléia Geral, incorrendo no risco de tornar

o esporte como figura secundária em face de questões políticas internacionais. Diante dessas

dificuldades de reconhecimento internacional, o COI se viu na obrigação de olhar para si

mesmo, isto é, reforçando a solidariedade interna entre os membros para garantir a

universalidade de seus regramentos103

. Esse instrumento era a Carta Olímpica. Com ela,

consolidava o sucesso de sua condição jurídica (exceto no plano internacional), eis que há o

reconhecimento do país sede, Suíça, e da própria instituição se nomeando uma ONG, sem fins

101

Ettinger, 1992, pp. 101-102. 102

Ibidem, pp. 102-104. 103

Ibidem, pp. 108-109.

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lucrativos, de duração ilimitada104

. O sucesso, contudo, no reconhecimento de sua autonomia

não fecha os olhos para o fato de que o COI não é um instituto igual à Cruz Vermelha, pois

não contém cláusulas garantindo a inviolabilidade de seus locais e arquivos. Não se beneficia,

também, de imunidade de jurisdição e execução, nem mesmo para os seus dirigentes105

. Isso

mostra que, apesar da autonomia, ela não se configura autárquica, necessitando de um diálogo

com a ordem sede. Mesmo nesse contexto, a Carta Olímpica ainda é a principal força sobre

seus principais atores esportivos.

A introdução da Carta Olímpica expressa sua autodenominação como a

[...]codificação dos Princípios fundamentais do Olimpismo, das regras e dos Textos

de aplicação adotados pelo Comitê Olímpico Internacional (COI). Ela rege a

organização, as ações e o funcionamento do Movimento Olímpico e fixa as

condições da celebração dos Jogos Olímpicos. Por essência, a Carta Olímpica tem

três objetivos principais: a) A Carta Olímpica, como um instrumento básico de uma

natureza constitucional, fixa e recorda os princípios fundamentais e os valores

essenciais do Olimpismo; b) A Carta olímpica serve igualmente de estatuto ao

Comitê Internacional Olímpico; c) Além disso, a Carta Olímpica define os direitos e

as obrigações recíprocas das três principais partes constitutivas do Movimento

Olímpico, seja o Comitê Internacional Olímpico, as Federações Internacionais e os

Comitês Olímpicos Nacionais, assim como os Comitês de organização dos Jogos

Olímpicos, que devem todos se conformar à Carta Olímpica.

Da mesma forma que os Estatutos das FI‟s, a Carta Olímpica possui suas regras

primárias e secundárias. A Carta não só fixa regras de pretensão hierárquica maior (tendo em

vista a participação nos Jogos) como também estabelece os critérios para modificar-se e criar

novos regramentos. No que toca à possibilidade de alterar seus ditames consagrados na Carta,

ela possui um quorum especial de dois terços para que seus princípios fundamentais ou as

Regras da Carta ou em outros casos previstos nela possam ser modificados106

. A Carta

Olímpica, como uma fonte legítima de determinação das funções e condições de existência de

todos os membros, estabelece o COI como o responsável por fortalecer a unidade e proteger a

independência do Movimento Olímpico107

. Para exercer tal responsabilidade, o COI

coordenará através de suas decisões, que em boa parte são definitivas, e reconhecerá os

membros ou candidatos que visem a participar do Movimento Olímpico108

.

2.2.1 Papel central

104

Regra 15.1 da Carta Olímpica. 105

Latty, 2007, 438-439. 106

Ibidem, pp. 195-196; e Regra 18.6 da Carta Olímpica. 107

Regra 2.3 da Carta Olímpica. 108

Regra 15.4 da Carta Olímpica.

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O prestígio dos Jogos reuniu a maior parte do movimento esportivo, favorecendo a

criação de comitês nacionais olímpicos e reagrupando, sob a “autoridade suprema” do COI109

,

as FI‟s e outras instituições transnacionais de cunho esportivo. O COI exerce uma vasta

competência, em prol da integração no Movimento através do reconhecimento, porque não é

suficiente para uma organização se ocupar do esporte, nem mesmo proclamar sua anexação ao

ideal olímpico, para fazer parte do Movimento e, assim, participar de uma competição

olímpica. É o reconhecimento oficial pelo COI que lhe permite integrar os membros em um

conjunto organizado110

.

O reconhecimento do COI encontra-se no 6º Princípio Fundamental da Carta Olímpica,

tal como na Regra 3.1, que condiciona o pertencimento ao Movimento à aceitação. Os

Comitês Olímpicos Nacionais (CON) e as FI‟s são os principais órgãos a serem reconhecidos

pelo COI, pois são eles que vinculam os outros possíveis reconhecidos no Movimento, como

as associações continentais ou mundiais de CON‟s e, também, árbitros e atletas111

. Dessa

forma, o respeito à Carta, primeira condição de reconhecimento do COI112

, supõe

conformidade dos Estatutos federais e dos CON‟s (que também devem ter status de pessoa

jurídica), o que, conseqüentemente, vincula diretamente outros membros, árbitros e atletas.

Portanto, estes também estão submetidos à aprovação do COI, mesmo que a aceitação do

compromisso não tenha sido feita diretamente por eles113

.

A Carta Olímpica exige que se respeitem os Princípios Fundamentais como forma de

reconhecimento. O respeito aos princípios éticos universais, por mais que possa soar abstrato

ou tendencioso com a exclusividade de valores ocidentais, possui alguma capacidade de se

concretizar, quando associada à proibição de qualquer forma de discriminação114

. Foi assim

que ocorreu quando o COI retirou o reconhecimento do CON da África do Sul e países que

permitiram contatos esportivos (como a Nova Zelândia) em razão da discriminação racial

institucionalizada115

. Enquanto durou o Apartheid, não houve o reconhecimento do COI. É

curioso que temas como esse possui em olhar específico no âmbito do direito internacional. A

“Convenção internacional sobre a eliminação de todas as formas discriminação racial”, de

1968, trata desse tema entre Estados. Contudo, no âmbito esportivo, é necessária a regulação

109

3º Princípio Fundamental do Olimpismo. 110

Latty, 2007, p. 169 e 174. 111

Nesse sentido, Regra 3.2. 112

Regra 1.2, 2.5 e 26 da Carta Olímpica. 113

Latty, 2007, p. 175 e 181; Regra 3.2 da Carta. 114

1º e 5º Princípio fundamental e Regra 2.10 da Carta Olímpica; Chappelet e Kubler-Mabbott, 2008, p. 52 115

Allison e Monnington, 2005, p. 6.

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interna como legitimadora de tais ações por parte do COI, enfocando o fim de políticas

discriminatórias.

Por mais que existam Tratados que fundamentem os Direitos Humanos, na tentativa de

construir uma semântica globalizada, verifica-se que existem múltiplas visões sobre o mesmo

tema em diferentes ordens. A semântica dos direitos humanos possui múltiplos usos em

função da multiplicidade de atores participantes. O debate universalismo versus relativismo

dos direitos humanos perde um pouco seu foco nesse novo contexto116

. Não que ele deixe de

existir, eis que é ainda válido em um mesmo território, onde existam múltiplas culturas

regidas por um mesmo ordenamento117

. O que se quer deixar claro é que existem outros atores

além do Estado que tratam de problemas semelhantes a eles, assim como possuem capacidade

de fundar novos direitos humanos, quando na Carta Olímpica se apregoa, em seu 4º Princípio

Fundamental, que “a prática do esporte é um direito humano[...]”. Nessas situações, a ordem

desportiva parece afirmar-se como ordem autônoma, ao passo que não fecha os olhos para

problemas comuns da sociedade mundial118

.

Ao mesmo tempo em que os Princípios Fundamentais da Carta Olímpica podem

restringir a participação de um país em razão de sua política discriminatória, o COI não aceita

a intromissão política e econômica nos assuntos esportivos de cada membro. O 5º Princípio

Fundamental estabelece que a organização, a administração e a gestão do esporte devem ser

controladas pelas organizações esportivas independentemente. O suporte dessa interpretação é

a Regra 28.6 da Carta que dispõe que os CON‟s devem preservar sua autonomia e resistir a

todas as pressões. Podem, até, cumprir as ordens sem que, todavia, se restrinjam às pressões

de ordem política, jurídica, religiosa ou econômica que impeçam de se conformar à Carta

Olímpica. Existiram alguns exemplos mais antigos de grande intromissão política na esfera

esportiva, como foi o caso da União Soviética119

.

O COI se obriga a só reconhecer uma só FI por esporte e um CON por país120

, o que

contribui em grande parte a assegurar o monopólio das ditas organizações. O valor das

116

Em outra vertente sobre o universalismo dos direitos humanos, Cf. Parekh, 1999, pp. 150 e 158. 117

Como a proibição do uso de qualquer símbolo religioso nas escolas públicas francesas. 118

No capítulo cinco, ter-se-á uma visão mais detida das limitações impostas do direito internacional sobre a

ordem transnacional esportiva. 119

Latty, 2007, pp. 176-178. 120

Os critérios de reconhecimento de representação nacional nas competições internacionais não são,

necessariamente, seguidas conforme o critério do COI. Enquanto que nas Olimpíadas existe a participação do

Reino Unido, na Copa do Mundo de futebol, competição organizada pela FIFA, pode haver a participação do

País de Gales, Irlanda do Norte, Escócia e Inglaterra. Vale ressaltar que existem situações políticas que

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Olimpíadas contribui para que só uma FI ou um CON reconhecido possa agir em seu

propósito. Caso haja um segundo ator que lide com a matéria de um desses membros e não

seja reconhecido pelo COI, dificilmente ele conseguirá algum espaço de relevância no plano

mundial121

, como também não obterá êxito na produção de concorrência sobre o assunto122

.

Isso fica claro quando se tem, como exemplo, a Federação Mundial de Caratê (WKF), que

não é a única a se intitular como organização mundial de Caratê123

. O artigo 1.9 de seu

estatuto expressa que “a WFK fará todos os esforços possíveis para que o Caratê seja aceito

nos Jogos Olímpicos e todos os outros Jogos do ciclo Olímpico”. Tais “esforços” parecem

buscar maior credibilidade em comparação com outras FI‟s de mesmo esporte.

Em razão do poder sobre os seus membros, o COI conseguiu forçar a implementação

do Código Mundial Antidoping (CMA) em 2004 a todos, em especial as Federações

Internacionais, sob condição de reconhecimento. A Regra 44 da Carta Olímpica afirma que o

Código Mundial é obrigatório a todo o conjunto do Movimento Olímpico, tornando-se um

fator importante para o combate uniforme e universal ao doping. Nesse sentido, conforme a

Regra 59 da Carta, a submissão dos membros às decisões do Tribunal Arbitral do Esporte

(TAS) 124

, no que se refere às lides relacionadas aos Jogos Olímpicos (JO), é também ligada à

condição de reconhecimento125

. Reforça essa perspectiva o fato de que o “Texto de Aplicação

da Regra 45”, 6º ponto, da Carta exprime que, para participar dos Jogos, o participante deve

reconhecer a jurisdição do TAS. Nesse contexto, o participante é representação nacional do

CON, da mesma forma que é representação esportiva da FI. Essa vinculação direta do atleta

ao COI demonstra um caráter contratual dessa relação, em que se elege foro desvinculado do

Estado126

. Demonstra, também e acima de tudo, a importância do COI na construção de uma

lex sportiva harmonizada, independentemente de esporte ou nacionalidade127

.

Mesmo que o pretendente a membro preencha todas as condições, o reconhecimento

procede de um ato discricionário do COI, não sendo, inclusive, suscetível a recurso128

. A

influenciam no reconhecimento de um país. Com o fim da Iugoslávia, Montenegro foi reconhecido pelo COI em

2008. 121

Exceto no caso de alguma Federação esportiva profissional, como as que tratam do boxe profissional. 122

Latty, 2007, p. 179; Chappelet e Kubler-Mabbott, 2008, p. 26. 123

Há também Federações que tentam se diferenciar pela matéria (Shotokan ou tradicional) ou pela tentativa de

governar mundialmente, como a Associação Internacional de Caratê (IKA). 124

Mais detalhes sobre a Agência Mundial Antidoping e o TAS nos próximos capítulos. 125

Latty, 2007, pp. 176-181. 126

Nesse caso, assemelha-se com a lex mercatoria. 127

Foster, 2005, p. 61. O importante papel do COI na uniformização da legislação e de decisão dos litígios não

exclui do conceito de lex sportiva das FI‟s que não participam desse contexto olímpico. 128

Latty, 2007, p. 181.

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Regra 3ª e seus incisos são claros na terminologia de que o COI “pode” reconhecer, não

significando que “reconhecerá”. O reconhecimento pode ser, segundo Regra 3.6, provisória

ou definitiva, não garantindo, todavia, participação nos Jogos. Independentemente de qual

seja a modalidade do reconhecimento, a investidura esportiva amplia o número de obrigações

e direitos a serem considerados por seus membros. Ou seja, mesmo antes do reconhecimento,

o pretendente a membro precisa se condicionar aos ditames do COI antecipadamente, abrindo

mão de parte de sua autonomia.

No capítulo primeiro, foi possível notar que as FI‟s têm uma existência independente do

COI para ser eficaz. De maneira contrária, os CON‟s só existem como tais se houver

reconhecimento pelo COI. A autoproclamação não possui nenhum sentido no plano Olímpico,

pois isso não lhe dá direito de participar em uma competição organizada pelo COI129

. Pode-se

concluir que, na sua função principal de harmonizar as mais diversas regulações em direção

de um Movimento esportivo, o COI necessita de órgãos que elaborarão e julgarão tais regras.

Internamente, ele possuirá alguns órgãos que exercerão parte da função regulatória.

2.2.2 Organização interna do COI e seus mecanismos regulatórios

A composição do COI é formada por um sistema de pessoas julgadas qualificadas pelos

membros já estabelecidos. Anteriormente, o COI foi composto por uma maioria de

aristocratas, escolhidos por Coubertin para assegurar o prestígio e a independência financeira

da instituição. Por mais de um século, o COI viveu uma situação particular de ser central na

organização, mas ter muito pouca representação do seu conjunto, isto é, o Movimento

Olímpico. Havia um número grande da representação de ex-atletas, em detrimento da

representação de dirigentes das organizações reconhecidas. Após a perda de prestígio

internacional, causada por corrupção na seleção de Salt Lake City em 1998 para sediar os

Jogos Olímpicos de Inverno, o COI promoveu algumas mudanças na sua composição, dando

maior participação às suas organizações componentes. Maior, mas ainda não adequada.

Segundo a Regra 16, especificamente no ponto 1.1, o “número de membros do COI não pode

exceder um total de 115” representantes. O ponto 1.1.1 prevê membros cuja qualidade não

está ligada a uma função ou posição específica, não podendo exceder um total de 70

representantes. O restante é composto por atletas ativos, que não excedem 15 representantes

(ponto 1.1.2); Presidentes ou pessoas que ocupem função executiva ou dirigente do mais alto

nível dentro da FI, de associações de FI ou de outras organizações reconhecidas pelo COI, não

129

Ibidem, pp. 184-185

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ultrapassando 15 (ponto 1.1.3); e de presidentes ou pessoas que ocupem uma função executiva

ou dirigente no mais alto nível do CON, ou de associações mundiais ou continentais do CON

que representem um país cada, não ultrapassando 15 membros. Essa composição ainda aponta

para uma maioria significativa de membros desvinculados das organizações representativas

do Movimento, o que deixa de lado os aspectos esportivos em função de interesses outros130

.

Vale ressaltar que cada membro será eleito para um mandato de oito anos, podendo ser

reeleito para um ou mais períodos iguais, como representante na Assembléia Geral131

. Isso

dificulta a renovação principalmente de atores desvinculados das FI‟s e CON‟s, dada a

desvinculação de representatividade externa aos outros órgãos esportivos. A baixa presença

de representantes da FI‟s e CON‟s significa uma baixa resposta adequada no plano esportivo

daqueles que tratam materialmente ou localizadamente o Movimento Olímpico. Portanto, esta

estrutura não possui justificativa plausível para se manter, eis que é sobrevivente de um

passado que não possui as mesmas justificativas para sobreviver no presente, isto é, a

necessidade de financiamento externo ao esporte. Esses membros têm a importante função de,

conforme Regra 16.2, participar da Assembléia Geral; dos trabalhos das comissões do COI

em que foi nomeada; e controlar em seu país ou na organização que representa no Movimento

a aplicação dos programas do COI. Nessa estrutura representativa, formam-se, internamente,

os órgãos componentes do COI.

A Assembléia Geral é o órgão supremo do COI, tendo suas reuniões solicitadas pelo

Presidente ou, pelo menos, um terço de seus membros. Compete à Assembléia Geral adotar e

modificar a Carta; eleger os membros do COI, o Presidente de Honra, os Membros

Honorários e os Membros de Honra; eleger a cidade sede dos Jogos Olímpicos; eleger o

Presidente, Vice-Presidente e todos os demais membros; aprovar o relatório e as contas anuais

do COI; nomear os auditores do COI; decidir sobre a concessão ou retirada do

reconhecimento definitivo de um CON, das associações de CON, das FI‟s, das associações de

FI‟s e de outras organizações; excluir membros; resolver e decidir todas as outras questões

que são atribuídas pela lei ou pela Carta132

. Portanto, a função primária da Assembléia é

legislar, mas, secundariamente, fiscalizar e decidir sobre causas relacionadas a outros

membros, quando retira da FI o direito de promover o esporte nos Jogos, ou quando retira o

130

Latty, 2007, pp. 188-90. 131

Regra 16.1.7 da Carta Olímpica 132

Nuzman, 2007, p. 54; e Regra 18 e incisos.

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direito de organizar os Jogos Olímpicos133

. O órgão, assim, é o registro mais próximo de

representação dos membros.

Composto pelo Presidente, quatro Vice-Presidentes e por dez outros membros, a função

do Comitê Executivo é assegurar a boa aplicação do direito, tendo como missão controlar o

respeito à Carta134

. Isso ocorre, por exemplo, quando examina a conformidade dos estatutos

das organizações com a Carta ou quando envia um relatório de mudança da legislação135

. Esse

órgão exerce função fiscalizatória quando estabelece e supervisiona a admissão e a seleção

dos candidatos a organizadores dos Jogos Olímpicos136

. Ele também resolve algumas lides

como previsto na Regra 42.2, no que se refere à determinação do país que um concorrente

pode representar nos Jogos137

. Ele é também um órgão que aplica sanções, como a retirada de

uma disciplina esportiva; a suspensão ou a retirada do reconhecimento provisório de um

CON, FI ou qualquer outra organização participante do Movimento138

.

O Comitê de Ética do COI está encarregado da definição e atualização de um quadro de

princípios éticos, incluindo um Código de Ética fundado sobre os valores e princípios

defendidos na Carta Olímpica. Ele também investiga denúncias de violação destes princípios

éticos e as violações do Código de Ética, podendo propor as sanções para o Comitê Executivo

do COI139

. Portanto, o Comitê de Ética do COI não detém poder de sanção, sendo de

competência da Assembléia Geral140

. Depois das denúncias de corrupção dos seus membros

na seleção de Salt Lake City para sediar os Jogos Olímpicos de Inverno, o Comitê de Ética

ganhou maior importância, quando passou proibir o recebimento de remuneração ou presentes

por parte de seus integrantes; defender a transparência do uso de suas verbas; e proibir a

revelação de informação confidencial validada pelos interessados olímpicos141

.

Eleito pela Assembléia Geral, sob votação secreta, por oito anos, renovável uma vez

por mais quatro, o Presidente do COI tem como responsabilidade representar a instituição

permanentemente sobre todas as suas atividades. Essa atividade é de grande importância para

afirmar e defender a autonomia do Movimento Olímpico, pois é ele quem vai negociar com

133

Regra 23.1.2 e 1.6. 134

Regra 19.3.1 da Carta Olímpica. 135

Regra 19.3.2 e 3.4 da Carta Olímpica. 136

Regra 19.3.6 da Carta Olímpica. 137

Latty, 2007, pp. 203-204; e Nuzman, 2007, p. 54. 138

Regra 23.1.2-1.8 da Carta Olímpica. 139

Regra 22 da Carta Olímpica. 140

Latty, 2007, p. 205. 141

Chappelet e Kubler-Mabbott, 2008, p. 159-60.

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chefes de Estado ou empresas as condições para a ocorrência dos Jogos ou as transmissões

dos eventos esportivos. Além disso, suas ações servem como representação junto às

instituições internacionais, como a UNESCO142

. Pode-se defender que sua atividade evita a

politização do esporte, da mesma forma que limita a sua espetacularização diante de

interesses midiáticos. O Presidente também tem o poder de criar comissões permanentes ou

temporárias, estabelecendo seus termos sempre que for necessário. Elas terão a função de

aconselhar a Assembléia, o Comitê Executivo e o Presidente para casos que lhes dão razão de

existir, como questões jurídicas143

.

Após ter analisado a estrutura interna do COI, é importante estudar mais

especificamente como funcionam os principais componentes do Movimento, ou seja, as FI‟s,

CON‟s e Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos (COJO). No capítulo anterior, ficou claro

que as Federações Nacionais tinham como obrigação garantir a concretização das regras

transnacionais estabelecidas pelas FI‟s, sob o risco de não haver o reconhecimento mundial

para a participação em competições esportivas. O mesmo raciocínio servirá no contexto

Olímpico para os seus membros.

2.3 Jogos Olímpicos e Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos (COJO)

Os Jogos Olímpicos144

são competições entre atletas, em provas individuais ou por

equipes, e não entre países. Aqui é possível entender que existe uma pretensão de não se

encarar os Jogos como uma afirmação política sobre outro Estado – como ocorreu em 1936

nos Jogos de Berlim e nos confrontos entre EUA e União Soviética durante a guerra fria145

.

Isso também significa que os Jogos dizem respeito somente aos atletas, excluindo a

participação das soberanias dos países, juntamente com suas legislações sobre temas comuns,

como, por exemplo, o doping. Os Jogos podem ser objeto de conflito entre soberanias, quando

Estados ameaçam boicotar os Jogos. Tal fato rondou recentemente os Jogos de Pequim em

2008, na ocasião em que, dados os problemas diplomáticos entre China e Tibete,

representantes de Estados condicionaram tal fato à sua presença na abertura das Olimpíadas.

O argumento levantado era de que a China não respeitava os Direitos Humanos,

principalmente, dos cidadãos tibetanos. Esse conflito mostra que as Olimpíadas servem como

142

No próximo capítulo, isso vai ficar mais claro na ação do Presidente do COI para construir a Agência

Mundial Antidoping. 143

Nuzman, 2007, pp. 54-55; Regras 20 e 21 da Carta Olímpica. 144

Inclui também os Jogos Olímpicos de Inverno, praticado na neve ou no gelo, como expressa a Regra 6.2 da

Carta. 145

Chappelet e Kubler-Mabbott, 2008, p. 79.

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objeto de um conflito entre as legislações esportivas e internacionais, tendo os Estados de se

posicionar diante disso146

. Por isso, os Jogos afastam os Estados e reúnem atletas selecionados

por seus CON‟s respectivos147

, cujas inscrições foram aceitas pelo COI, sendo a direção

técnica coordenada pelas FI‟s constituídas148

. Nesse âmbito conflituoso, é compreensível que

a participação dos Jogos esteja condicionada à aceitação do Código Mundial Antidoping

(CMA) e ao respeito ao espírito do Fair-Play e à não-violência149

.

Participar dos Jogos é o principal efeito do reconhecimento do COI. No contexto

olímpico, a maioria das legislações e organizações gira em torno das Olimpíadas. As sanções

mais pesadas têm como objeto limitar ou excluir a participação no evento. Conseqüentemente,

os Jogos são garantidos pela concretização de boa parte dos programas e critérios

estabelecidos na legislação olímpica, sendo em função deles que se mantém a solidariedade

interna e a autonomia perante atores externos. Qualquer tentativa de intervenção estatal na

autonomia do Movimento, por via de seu Comitê Olímpico Nacional, serve como causa de

exclusão do CON na participação dos Jogos, excluindo, conseqüentemente, a representação

do país.

Apesar de o COI exercer um poder além de seu território sede, as competições precisam

se realizar em algum espaço físico. A eleição da cidade a se realizar a competição é

prerrogativa da Assembléia Geral, seguindo o procedimento criado pelo Comitê Executivo150

.

Dado o crescente número de candidaturas, o COI foi obrigado a elaborar um rigoroso

procedimento. Antes de tudo, exigem um dossiê dos candidatos, baseado em detalhadas

especificações e organizado em vinte capítulos151

. Cada cidade candidata fornecerá garantias

financeiras ao Comitê Executivo, que determinará se as garantias devem ser fornecidas

somente pela cidade ou por todo poder público, incluindo o poder regional e nacional, ou por

terceiros, como a participação de empresas152

. A escolha das cidades sedes é comparável ao

procedimento licitatório. Nessa comparação, são invertidos os papéis: enquanto no processo

146

Latty, 2008, pp. 16-18. 147

Na verdade, de acordo com a Regra 28.3 da Carta, os CON‟s são obrigados (não é uma opção) a enviar atletas

a participar dos Jogos, afastando a possibilidade de boicote. 148

Regra 6.1 da Carta Olímpica. 149

Regra 41 da Carta Olímpica. 150

Regra 34, pontos 1 e 2 da Carta. 151

Chappelet e Kubler-Mabbott, 2008, p. 86. 152

Texto de aplicação da Regra 34, ponto 2.4 da Carta Olímpica.

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licitatório o Estado chama o particular para fazer uma obra, são entidades privadas que

chamam os Poderes Públicos para apresentar a melhor proposta para sediar os Jogos153

.

Não basta, porém, somente a garantia financeira para a eleição da cidade sede, mas

também a garantia que a autonomia dos órgãos e a legislação transnacional serão respeitadas,

independentemente das previsões legais nacionais. Para que isso possa ocorrer, o governo

nacional da cidade sede se submeterá a um instrumento legal vinculante, pelo qual o dito

governo aceitará e garantirá que o país e suas autoridades públicas cumprirão e respeitarão a

Carta Olímpica154

. Após a escolha da cidade, assinarão o contrato da Cidade sede, todas as

partes envolvidas155

, especialmente, COI, CON e Poderes Públicos. A assinatura do contrato

obrigará a criação de um órgão temporário, isto é, o Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos

(COJO), que fiscalizará o cumprimento das obrigações estabelecidas entre COI e cidade sede.

Portanto, a organização dos Jogos é confiada pelo COI ao CON do país da cidade sede, assim

como a própria cidade sede. O CON será responsável para estabelecer o COJO que, desde seu

início, prestará contas ao Comitê Executivo do COI156

.

A autonomia dos COJO tem limites previstos pela Carta: o COJO deve ser dotado da

personalidade jurídica (Texto de Aplicação da Regra 36.1); seu órgão executivo é composto

por membros do COI do país concernido (nacionais que foram eleitos membros do COI), o

presidente e o secretário geral do CON e ao menos um representante designado pela cidade

sede (Texto de Aplicação da Regra 36.2). O COJO tem a obrigação de conduzir todas suas

atividades conformes à Carta olímpica, ao contrato concluído entre o CIO, o CON e a cidade

sede, da mesma forma que todo outro regulamento ou instrução do Comitê Executivo do COI

(Texto de Aplicação da Regra 36.3). O COI tem como poder, para garantir o respeito à Carta,

a possibilidade de retirar a organização dos Jogos, sem prejuízo de reparação de todo dano

153

Na reportagem de Daniela Pinheiro para a revista Piauí, nº44, de maio de 2010, pp. 42-49, o poder das

instituições esportivas sobre os Estados que organizarão eventos esportivos é tão grande, que eles muitas vezes

vão de encontro com suas próprias Constituições e planejamentos urbanos para desenvolver uma competição aos

moldes da Federação Internacional ou do COI. A África do Sul serviu de exemplo, quando sacrificou parte da

maior reserva natural do continente para construir um estádio para a Copa do Mundo de futebol. Havia o

interesse inicial para que se construísse nas imediações de uma região humilde, com o intuito de revigorá-la, mas

foi logo barrado tal projeto, sob a ameaça de não mais organizar esse evento. Se submeter a tal poder, que impõe

gastos que dificilmente são recuperados no próprio evento, é explicável sob o aspecto imaterial de que o Estado

consegue se promover internacionalmente ou desconstruir uma imagem estabelecida, além de levantar o orgulho

nacional ou local da população. Foi assim que a China conseguiu se apresentar ao mundo como um país aberto

ao capitalismo, e foi dessa maneira que a Alemanha pôde se mostrar como um país aberto à diferença entre

culturas através da Copa do Mundo de futebol de 2006. 154

Regra 34.3 da Carta Olímpica. 155

Texto de Aplicação da Regra 34, ponto 3.3, da Carta Olímpica. 156

Regra 36 da Carta Olímpica.

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causado (Regra 23.1.6 e 37.2)157

. A esse respeito, vale ressaltar que o CON, o COJO e a

cidade sede são conjunta e solidariamente responsáveis por todos os contratos individuais ou

coletivos relacionados à organização dos Jogos, sendo que o COI não possui nenhuma

responsabilidade financeira (Regra 37.1).

Compreendida a importante função dos Jogos e de seu Comitê na harmonização da

legislação desportiva mundial e na vinculação de seus atores, cabe agora estudar o papel de

seus dois principais componentes: CON e FI.

2.4 Federações Internacionais e Comitês Olímpicos Nacionais: autonomia e

função

A missão do CON é desenvolver, promover e proteger o Movimento Olímpico em seu

país, o que inclui a promoção do esporte e dos valores consagrados pela Carta Olímpica. A

principal característica dos CON‟s é ter competência exclusiva de representar seu país nos

Jogos Olímpicos e nas competições compostas por vários esportes regionais, continentais ou

mundiais patrocinados pelo COI158

. Segundo a Carta, em sua Regra 31.1, a expressão “país”

significa “um Estado independente reconhecido pela comunidade internacional”, o que, na

prática, são aqueles reconhecidos pelas Nações Unidas159

. O CON também é obrigado a

assegurar a Carta Olímpica, como, igualmente, deve adotar e aplicar o Código Mundial

Antidoping160

. O CON possui um curioso duplo papel: é a representação nacional em

competições mundiais, ao mesmo tempo em que é a representação transnacional nos

territórios nacionais. Nesse raciocínio, é aceitável que ele seja o responsável por decidir sobre

a inscrição dos atletas propostos por suas FN‟s respectivas. Tal seleção pode, inclusive, não

ser fundada somente em performances esportivas, mas também em função da atitude de servir

de exemplo para os jovens atletas de seu país161

. Daí que se pode afirmar que há uma

importante posição em transferir o atleta como sujeito de direitos e obrigações nacionais para

se tornar sujeito de direitos e obrigações transnacionais olímpicas. A obrigatoriedade dos

CON‟s em participar dos eventos como representação nacional e de proteção da legislação

157

Latty, 2007, p. 230. 158

Chappelet e Kubler-Mabbott, 2008, p. 49; e Regra 28, pontos 1 e 3 da Carta Olímpica. A jurisdição territorial

de um CON deve coincidir com os limites do seu país no qual se estabelece e tem sua sede, conforme previsto na

Regra 29.5 da Carta Olímpica. 159

Ibidem. 160

Regra 28, pontos 2.2 e 2.6, da Carta Olímpica. 161

Ponto 2.2.1 do Texto de Aplicação das Regras 28 e 29 da Carta Olímpica.

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transnacional contribui para a continuidade do evento esportivo, que agrega todos os

diferentes atores, sem que tenham a pretensão de aniquilação do adversário.

Com o intuito de cumprir sua missão, o CON pode desenvolver uma relação

harmoniosa com órgãos governamentais (e não-governamentais), não se associando a

nenhuma atividade contrária à Carta. Essa relação é condicionada a não responder a pressões

políticas, religiosas ou econômicas que possam impedir de se conformar à Carta162

. Portanto,

os CON‟s devem se preservar autônomos frente a outros atores. Isso não quer dizer que a

relação entre CON e Estado seja igual em todos os países. Em países como Áustria,

Dinamarca e Alemanha, a “configuração missionária” trata o movimento esportivo como

voluntário, com largo espaço de autonomia e pouca participação do Estado. Na “configuração

burocrática”, as autoridades públicas predominam em países como França, Grécia e Finlândia.

Na “empresarial”, só diz respeito a interessados privados, como na Grã-Bretanha. Por fim, a

“configuração social” compreende o movimento esportivo com agentes sociais, com

autonomia, mas com certa participação do Estado, como na Holanda e, apesar da

configuração privada, no Brasil163

.

Em uma possível candidatura para ser sede das Olimpíadas, o CON é o responsável

exclusivo pela escolha de sua cidade candidata164

. Por mais que haja a contribuição do Estado

na assinatura do contrato com o COI, a competência para selecionar a candidata à cidade sede

para os Jogos é do CON, o que reforça a postura de instituição autônoma frente ao Estado.

Todavia, a autonomia frente o COI é limitada pela Carta Olímpica.

A Carta prevê que a composição do CON são todos os membros do COI de seu país

(tendo o direito de voto nas assembléias gerais do CON, somado ao fato de que devem ser

membros do órgão executivo); todas as FN‟s ligadas à FI, que se encontra no programa dos

Jogos Olímpicos, ou seus representantes (sendo estes a maioria votante); e dos atletas ativos

ou antigos que participaram dos Jogos165

. É surpreendente notar que a exigência de uma

significativa representação esportiva das FN‟s dentro dos CON‟s não é semelhante à

162

Regra 28, pontos 5 e 6, da Carta Olímpica. 163

Chappelet ; Bousigne; Cohen, 2008, p. 12. No caso brasileiro, existe a autonomia, mas o Estado contribui

com algumas participações financeiras, mais claramente com a destinação social da arrecadação da Mega-Sena,

com 1,7% para o COB. 164

Regra 28.4 da Carta Olímpica. 165

Regra 29, pontos 1.1-1.3 e 3, da Carta Olímpica. Esta Regra coloca como obrigatória a participação destes

membros, mas a Carta, na Regra 29, pontos 2.1 e 2.2, permite o reconhecimento de outros membros, mas não é

obrigatória.

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representação das FI‟s junto ao COI. Ou seja, há uma preocupação com a representação das

FN‟s no plano territorial, ao mesmo tempo em que subjuga as FI‟s no plano mundial.

Somada às indicações de quem deve compor a FN, a Carta limita ainda mais qualquer

possibilidade de haver diferenças internas entre os CON‟s, ao uniformizar a forma de

reconhecimento através das condições impostas pelo Texto de Aplicação das Regras 28 e 29

da Carta. O CON deve provar que as FN‟s membros exercem atividade esportiva específica,

real e durável em seu país e no plano internacional, nas ocasiões em que organizam e

participam de competições. Um CON não reconhecerá mais de uma FN por esporte, regida

por uma FI membro do COI. Cada CON deve possuir ao menos cinco FN com esportes

inclusos no programa dos Jogos166

. Além disso, como já afirmado anteriormente, o estatuto do

CON candidato deve ser aprovado previamente pelo Comitê Executivo do COI, sendo seu

estatuto conforme a Carta. Esta prevalece sobre o estatuto em caso de dúvida ou conflito167

. A

necessidade de reconhecimento para a sua existência e a grande limitação da Carta Olímpica

sobre os assuntos olímpicos nacionais fazem do CON uma entidade mais parecida com um

órgão de representação territorial do COI do que de um membro autônomo federativo.

As disposições da Carta atestam a menor autonomia dos CON‟s comparada às FI‟s. O

conjunto destas organizações se move livremente em torno de si, desde que elas respeitem o

direito olímpico. Toda transgressão deverá ser repreendida pelo COI168

. A Regra 26 dispõe

que o COI pode reconhecer as organizações internacionais não governamentais que

administrem um ou mais esportes no plano mundial, e que compreendam as organizações que

administram esses esportes no nível mundial. Não há um número que precise às FI‟s a

quantidade e sua representatividade geográfica que devam atender para serem dadas como

organizações169

. O fundamental é compreender que as FI‟s são a representação esportiva do

Movimento Olímpico170

.

As FI‟s têm poderes “monopolistas” sobre as FN‟s afiliadas. Sem reconhecimento da

FN, um atleta não pode participar de uma competição. A FN, conforme Regra 30 da Carta,

tem de ser filiada, simultaneamente, ao respectivo CON de seu país. Essa dupla afiliação nem

sempre é automática: as FI‟s tendem a aceitar o maior número de FN‟s possíveis para

aumentar sua cobertura geográfica, enquanto que os CON‟s preferem restringir o número de

166

Ponto 1.1.2 do Texto de Aplicação das Regras 28 e 29. 167

Ponto 1.1.3 do Texto de Aplicação das Regras 28 e 29. 168

Latty, 2007, p. 232 169

Ibidem, pp. 179-80. 170

Chappelet e Kubler-Mabbott, 2008, p. 59.

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FN‟s por questões particulares (como o direito de voto) e econômicas (divisão de subsídios

governamentais)171

. O papel das FI‟s no Movimento é estabelecer e implementar regras

relativas à prática de seus esporte, assegurando o desenvolvimento em todo o mundo. Elas são

responsáveis pela admissão de atletas para a participação nos Jogos, assumindo a

responsabilidade do controle e da direção técnica de seu esporte nesse evento172

.

Cada vez que uma FI tenta ser membro do Movimento Olímpico, mais ela tende a abrir

mão de sua autonomia. É esse sacrifício que faz haver uma tendência centralizadora na ordem

desportiva. Isso não é ruim, porque possibilita uma coerência maior entre os esportes. Ainda

existem duas instituições que contribuirão com esse papel de dar coerência ao Movimento

Olímpico: o TAS e a AMA. O primeiro se apresenta como um órgão julgador de boa parte

dos litígios; e a segunda tem como função fiscalizar se há o cumprimento do Código Mundial

Antidoping. Embora nasçam no espaço olímpico, ambos vão além, agindo em instituições

esportivas que não se encontram ligadas ao COI, ao mesmo tempo em que contribuem com a

harmonização da lex sportiva. Por isso, merecem capítulos próprios.

171

Ibidem, p. 70. 172

Regra 27 e 47, e seus pontos, da Carta Olímpica.

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3 AGÊNCIA MUNDIAL ANTIDOPING

A luta contra o doping possui olhares e discursos diferentes sobre o tema. O presente

capítulo possui, primordialmente, um: o jurídico. Mesmo ele possui diversas maneiras de ser

analisado, como, por exemplo, os fatos que são incididos por regras antidopings. Aqui, não é

este o caso. O principal enfoque do capítulo é entender como foi possível elaborar uma

instituição autônoma de combate ao doping e o seu papel no fortalecimento da solidariedade

interna da lex sportiva. O doping teve início, espaço e atores que o determinaram como

problema social. Então, é importante verificar a origem do problema para entender a

construção da Agência Mundial Antidoping.

3.1 Origem

O uso de substâncias para melhorar performances deve ser mais antigo que o próprio

esporte. Há tempos, milhões de pessoas tomam uma grande variedade de pílulas para

melhorar desempenhos cotidianos. Contudo, na esfera esportiva, isso não ocorre. O Doping –

definição contemporânea para aplicação ilegal de estimulantes que visem ao aumento de

rendimento – começou a emergir como um problema durante a década de 50. A criação de

uma Comissão Médica se deu um ano depois pelo COI da morte de um ciclista dinamarquês

em 1960, nos Jogos de Roma, muito embora tenha permanecido inativa durante alguns anos.

Após a morte de outro ciclista em 1967 na Volta da França, o Príncipe Alexandre de Mérode,

membro do COI da Bélgica, foi indicado como o responsável pela Comissão Médica que

tentaria manter da lisura da competição. Foram elaborados princípios que protegessem a

saúde do atleta, a defesa ética do esporte e a igualdade entre os atletas173

. Ele começou seu

trabalho em 1968 nos Jogos Olímpicos de Inverno de Grenoble e nos Jogos da Cidade do

México. Transformou o COI na primeira entidade a intervir no problema do doping em nível

global. Todavia, essas medidas se restringiam ao período dos Jogos, não acompanhando o

crescimento das substâncias desenvolvidas a cada nova edição. Além disso, não havia o

devido acompanhamento das instituições desportivas na punição das novas substâncias. O

clamor olímpico no combate ao doping proporcionou a difusão da ideia entre as FI‟s. Muitas

173

Boyes, 2001, p. 168.

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começaram a seguir o exemplo do COI em suas próprias competições gradualmente, mas com

muita relutância interna, dada a crença que o teste arranhava a imagem da instituição quando

o controle era positivo174

. Alguns países, de forma independente, começaram a estudar o

problema e produziram leis sobre o assunto, como a Áustria (1962), Bélgica (1965), França

(1965), Itália (1971) e Turquia (1971). Em 1966, o Conselho da Europa adotou Resolução

contra o Doping, denunciando o uso de medicação para o melhoramento de performance. No

ano de 1978, em uma Conferência de Ministros do Esporte, elaboraram-se algumas

recomendações para o combate antidoping. Quase que simultaneamente, algumas das maiores

FI‟s, tais como a IAAF, também começaram a implementar o controle antidoping. Em 1981,

no Congresso Olímpico em Baden-Baden, os atletas convidados idealizaram uma sanção

extremamente séria (e, conforme será visto, ainda perdura) para aqueles que se dopam, isto é,

a desqualificação para a vida175

.

Em 1984, o Conselho da Europa, em razão das diversas leis estatais que regulavam

sobre o doping, adotou uma Carta Antidoping para o Esporte baseado nos resultados obtidos

pela administração do Príncipe de Mérode. Houve, pela primeira vez (mesmo que modesta) a

cooperação entre o Movimento Olímpico e governos europeus. A Carta foi então reconhecida

pela Associação Geral das Federações Internacionais Esportivas, a Associação do Comitê

Olímpico Europeu, Comissão Européia, Organização Mundial da Saúde e a UNESCO. Com a

pretensão de tornar essa parceria em um status legal além do território europeu, em Junho de

1988, todos esses esforços levaram à adoção de uma Carta Antidoping Internacional, durante

conferência realizada em Ottawa, numa parceria co-presidida pelo governo canadense e o

COI. Em outubro do mesmo ano, uma resolução foi adotada na segunda Conferência

Internacional de Ministros e Altos Funcionários Responsáveis pela Educação Física e Esporte

organizada pela UNESCO, recomendando que a Carta Antidoping fosse aplicada pelos seus

Estados membros176

.

Em 1989, o Conselho da Europa converteu a Carta Antidoping, que era um conjunto de

intenções, em uma Convenção (que perdura ainda hoje), sendo progressivamente ratificada

pela maioria dos seus estados membros, inclusive os da Europa oriental. Outros Estados além

da Europa se juntaram, tal como Austrália, Canadá e Tunísia. Todo esse esforço se dava com

174

Segundo Boyes (2001, p. 169), algumas Federações Internacionais mais fortes, como FIFA e IAAF

conseguiram aplicar regras próprias sobre o doping, diferentes das regras do COI. 175

Chappelet e Kubler-Mabbott, 2008, pp. 132-133. 176

Ibidem, pp. 133-134.

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o intuito de harmonizar a legislação antidoping. Todavia, o grande problema nesses institutos

em frear o doping, outra vez, era a rapidez da elaboração de técnicas e drogas para o

melhoramento de performances. A ciência, com sua técnica, era mais rápida que os poderes

públicos, com suas medidas políticas, transformando ineficazes as medidas estatais nesse

combate177

.

Na década de 90, o COI, na tentativa de unificar o sistema de penalidades aplicadas

pelas FI‟s, começou a desenvolver uma rede de laboratórios cadastrados para o controle

antidoping ao redor do mundo. Essa rede de laboratórios limitava a possibilidade da produção

de provas, não aceitando como fato qualquer exame feito por outro sem credenciamento. Essa

década ficou marcada pela tentativa de afastamento da participação estatal, pois países como

Rússia e China pareciam facilitar o acesso ao doping. Com o escândalo do esquema de doping

na Volta da França em 1998, somado ao problema da corrupção na eleição da cidade de Salt

Lake City para abrigar os Jogos, o COI foi alvo de ataques governamentais quanto à sua lisura

em resolver problemas esportivo-disciplinares. Então, resolveu tratar do problema com mais

veemência, mas envolvendo diálogo. Promoveu uma conferência formada pelo Movimento

Olímpico, governos e outras organizações intragovernos. Esse grupo criou a “Declaração de

Lausanne”, que colocava como pontos fundamentais a criação de uma lista de substâncias

proibidas e a criação de uma agência internacional independente que resolveria tais problemas

relativos ao doping. Tal agência seria financiada e estruturada por esse grupo. Assim, foi

criada a Agência Mundial Antidoping (AMA ou WADA) no dia 10 de novembro de 1999178

.

O período que antecede a AMA mostra que existiam alguns discursos jurídicos que

tentavam supremacia no confronto com outros. Havia um discurso de cunho independente que

almejava a não participação estatal nas questões esportivas, da mesma maneira que havia uma

idéia estatal de que o doping estava ligado a um problema de saúde, devendo ser controlada e

punida pelo próprio Estado179

. A criação da AMA foi um passo importante para o diálogo

entre poder público e organizações esportivas, fazendo com que a igualdade esportiva e a

saúde dos atletas fossem reguladas por um órgão que legitimaria o poder transnacional do

TAS. Isso evitava a estatatização da igualdade esportiva, em que haveria a amenização da

pena e a utilização de premissas jurídicas diversas da esportiva considerando a cidadania de

seu atleta. Evitava, da mesma maneira, a “esportização” da saúde do cidadão-atleta,

177

Ibidem. 178

Ibidem, pp. 134-36. 179

Foster, 2001, pp. 183-184.

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reconhecendo que o Estado tem interesse tão primário na matéria quanto à ordem desportiva.

A AMA, portanto, pode ser considerada como o órgão que harmoniza poder público e

privado, da mesma forma que harmoniza a lex sportiva em um conjunto além do contexto

Olímpico180

.

Por um lado, a criação da AMA é promissora no processo de harmonização do direito

desportivo – o que não significa que não existam legislações estatais que punam

territorialmente, inclusive com banimento, atletas pegos no exame antidoping, como é o caso

da China; por outro, pode ser a representação do último suspiro de um moribundo: a luta

contra o doping tem se mostrado de difícil, senão impossível, vitória. A AMA já admite que

não consegue acompanhar a velocidade com que os fraudadores se apropriam das novidades

farmacêuticas. A promessa do “doping genético” faz crer que a batalha está perdida por

antecipação. Há quem acredite que a melhor forma de manter a igualdade esportiva é a

liberação de todas as substâncias dopantes sob supervisão médica181

. Se isso ocorrer, será

difícil sustentar a pertinência da AMA. Tudo isso ainda são hipóteses. Porém, não se devem

fechar os olhos para um horizonte tão incerto.

3.2 Código Mundial Antidoping e sua aplicabilidade

A declaração de Lausanne comporta seis parágrafos sobre a educação, a prevenção e os

direitos dos atletas; sanções; Agência Internacional Antidoping; responsabilidades do COI,

FI‟s, CON‟s e TAS. O ponto, porém, principal dessa declaração é a previsão de que seria

elaborado um código mundial antidoping. O Código “é aceito como base na luta contra o

doping que é definida como o uso de artifício, seja de substância ou método, potencialmente

perigosos a saúde/ ou capaz de melhorar sua performance, ou a presença no corpo do atleta de

uma substância, ou a determinação do uso de um método na lista anexada pelo Código

Antidoping do Movimento Olímpico”, sendo aplicado aos “atletas, treinadores, instrutores,

dirigentes” e para qualquer um da área da saúde que trate ou participe dos treinamentos ou da

organização sob a estrutura do Movimento Olímpico (§ 2º).

O Código Antidoping do Movimento Olímpico foi ratificado pela 109ª Sessão do COI,

entrando em vigor no dia 1º de janeiro de 2000. Não se diferenciava do código antidoping do

Movimento Olímpico. Apenas atualizava-o. Ainda não era o que se conhece por “Código

Mundial Antidoping”, mas serviu de “guia interpretativo” para a Turma arbitral do TAS,

180

Latty, 2007, p. 362. 181

Em reportagem disponível no sítio da revista Piauí, edição 23, o jornalista Dorrit Harazim traz mais detalhes

dos grandes desafios da condenação por doping.

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48

apesar da não aceitação de determinadas FI‟s182

. Somente no dia 5 de março de 2003,

aprovado por unanimidade pelo Conselho de fundação da AMA, foi aprovado o Código

Mundial Antidoping (CMA), aceito como o fundamento contra o doping no esporte de escala

mundial183

. O CMA foi dividido em quatro partes. Na primeira, contém provisões

relacionadas ao controle antidoping. A expressão “doping control” cobre toda parte do

processo que determina se o doping ocorreu, incluindo os resultados, audiências e recursos.

As organizações que podem aceitar o Código são referidas como Signatários ou organizações

antidoping. A segunda parte refere-se às funções educativas e de pesquisa dos signatários. A

terceira parte prevê as responsabilidades dos signatários e indivíduos vinculados ao Código. A

quarta parte contém disposições relativas à forma como os signatários aceitam e aplicam o

CMA, como a observância com a operação do Código será monitorada pela AMA, as

conseqüências da não observância e o processo pelo qual o Código será monitorado e

modificado, além de critérios interpretativos do CMA184

. Os propósitos do código são

“proteger o direito fundamental do atleta em participar de atividades livres do doping,

fomentando a saúde e garantir desta forma a eqüidade e a igualdade no esporte para todos os

atletas”; e “velar pela harmonização, a coordenação e a eficácia dos programas contra o

doping no nível internacional e nacional com respeito à detecção, dissuasão e prevenção do

doping”185

.

A Introdução do CMA explicita que todas as disposições são obrigatórias, devendo ser

cumprida por todas as organizações ligadas à AMA, não substituindo ou eliminando a adoção

de regras mais específicas sobre o tema. O Código acaba admitindo que os Estados podem

manifestar-se através de leis que proíbam ações, no âmbito penal, que sirvam, por exemplo,

de tráfico de substâncias proibidas no jogo. Ainda no ponto introdutório do Código, as normas

antidopings definem as condições para se praticar o esporte, sendo condição de participação

de alguma competição a aceitação do CMA. Cada signatário deverá garantir que seus

membros sejam informados das normas antidopings vigentes pelas organizações esportivas

correspondentes.

182

Latty, 2007, pp. 377-383. 183

Ibidem, p. 387; e no capítulo “Propósito, âmbito de aplicação e organização do programa mundial antidoping

e do código” e subtítulo “O Código” do CMA. 184

David, 2008, pp. 41-42. 185

Capítulo “Propósito, âmbito de aplicação e organização do programa mundial antidoping e do Código” do

CMA.

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49

O artigo 1º e 2º definem o doping, além de obrigar o atleta ou outra pessoa envolvida no

meio a conhecer as substâncias e métodos proibidos que se encontram na lista. A partir de oito

situações diferentes, o doping é definido pela “presença de uma substância proibida ou de

seus metabólitos ou marcadores na amostra de um atleta” (art. 2.1); “uso ou tentativa de uso

por parte de um atleta de uma substância proibida ou de um uso proibido” (art. 2.2); “a

negativa ou resistência, sem justificação válida, a uma coleta de amostra” que segue as

normas antidoping aplicáveis, “ou evitar qualquer coleta de amostras” (art. 2.3); “transgressão

dos requisitos sobre a disponibilidade do atleta para a realização de controles fora de

competição” (art. 2.4); “falsificação ou tentativa de falsificação de qualquer parte do

procedimento de controle do doping” (art. 2.5); “posse de substâncias proibidas e métodos

proibidos” (art. 2.6); “tráfico ou tentativa de tráfico de qualquer substância proibida ou

método proibido” (art. 2.7); “administração ou tentativa de administração durante a

competição a um atleta” (art. 2.8).

Todas essas previsões que definem o doping, lista de substâncias (art. 4º),

procedimentos (art. 5º ao 9º) e sanções (art. 10 ao 12), são aplicáveis aos seus signatários,

sendo os principais o COI, as FI‟s, CON‟s, organizações nacionais antidoping, comitês

organizadores de competições e a AMA. A lista de substâncias é publicada tantas vezes

quanto necessária e ao menos uma vez por ano, entrando em vigor para cada entidade

participante três meses após a publicação186

. O CMA reafirma, em seu procedimento, que a

análise da presença de substância proibida somente poderá ser efetuada por laboratórios

credenciados pela AMA. De certa forma, tal disposição veio apenas consagrar o que já tinha

sido decidido pelo TAS: a não aceitação de método divergente de um outro laboratório que

questione a certeza dos resultados obtidos pela metodologia dos credenciados. Afastava, com

isso, a argumentação de presunção de inocência187

. O Código também traz princípios para a

realização de um “julgamento justo”. “Uma audiência em prazo razoável”, “um tribunal de

especialistas justo e imparcial”, “o direito de ser representado por um advogado” e o “direito a

uma decisão fundamentada” são alguns desses princípios que condicionam os procedimentos

arbitrais188

.

186

Artigo 4.1 do CMA. 187

JDI, 2003, pp. 329-337, com extratos e comentários de Gérald Simon. Sentença nº 2002/A/358. – 24 de

setembro de 2002. – União ciclista internacional (UCI) c/ Z. e Real federação espanhola de ciclismo (RFEC). 188

Artigo 8.1 do CMA.

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50

As determinações do código ou qualquer recomendação da AMA necessita que o

Código seja previamente aceito nas legislações internas ou Estatutos que legitimem seu poder.

Não há aplicação direta sem que exista aceitação dos seus signatários189

, o que mostra a

ausência do efeito cascata das regulações das FI‟s sobre seus membros e atletas, já que neste

último caso não precisa a declaração de aceitação da regulamentação para que tenha de ser

eficaz globalmente.

O artigo 20 estabelece as funções e responsabilidades a esses signatários. De forma

geral, as responsabilidades são quase todas comuns entre todos os que adotam o CMA, como

a adoção e aplicação de “políticas e normas antidoping” nas competições internacionais (art.

20.1.1 e 2.3.1). O CMA condiciona o reconhecimento ou financiamento de instituições

subordinadas e componentes dos seus signatários (o COI aos CON‟s e FI‟s; as FI‟s às FN‟s e

atletas), sempre sob o pretexto de participação nas competições190

. Todos esses participantes

estão sob a fiscalização da AMA. O que poderia ser um mero órgão do Movimento Olímpico

subordinado ao COI, a AMA vai além, demonstrando que o problema do doping no contexto

desportivo terá a participação de Estados em um problema comum, colocando todos (Estados

e atores privados desportivos) sob sua fiscalização. Isto representará a autonomia do instituto,

como se verá a seguir.

3.3 Função e composição da AMA

A AMA é uma fundação de direito privado que segue os artigos 80 a 89 do Código

Civil Suíço, tendo como sede a cidade de Lausanne. Isso não impede de ter outras sedes ou de

se mudar de sua origem em algum momento, desde que haja um acordo com a autoridade de

supervisão191

. A composição interna da AMA é uma de suas características mais

interessantes. O órgão de decisão suprema é o Conselho da Fundação, que é composto

igualmente por representantes do Movimento Olímpico e dos Governos, possuindo não mais

que 40 membros (são 38 atualmente), eleitos para um período de três anos, com a

possibilidade de serem reeleitos por um mesmo período. Além de órgão decisório, o Conselho

serve como fiscalizador do Comitê Executivo, órgão de decisão política, semelhante à

estrutura parlamentarista. O Conselho de Fundação é constituído, no máximo, por 18

membros do Movimento Olímpico, sendo que, desses, ao menos quatro serão atletas. Outros

18 membros são indicados por organizações intergovernamentais, autoridades públicas ou

189

Latty, 2007, p. 394. 190

Artigos 20.1.2 e 20.3.2 do CMA. 191

Artigos 1º e 2º do Estatuto da AMA.

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outro órgão público envolvido na luta contra o doping. O restante dos membros será indicado

pelo Conselho de Fundação, mediante proposta paritária entre Movimento Olímpico e

autoridades públicas. Os membros do Movimento Olímpico são indicados da seguinte forma:

quatro representantes do COI; quatro da Associação dos Comitês Olímpicos Nacionais; três

da Associação das Federações Internacionais Olímpicas de Verão; um da Sportaccord; um da

Associação das Federações Internacionais Olímpicas de Esportes de Inverno; quatro da

Comissão de Atletas do COI; um do Comitê Internacional Paraolímpico. A escolha dos

representantes governamentais é feita pelo Grupo Consultivo Intergovernamental

Internacional Antidoping no Esporte, criado em 1999, que escolhe três representantes da

África, quatro da América, quatro da Ásia, dois da Oceania e cinco da Europa, em que três

são designados pela União Européia e dois pelo Conselho da Europa192

.

O Conselho da Fundação é auto-organizado. Tem como função eleger entre seus

membros, ou fora de sua própria estrutura, um Presidente e Vice-Presidente por um período

de três anos, sendo de posição voluntária e alterna entre governo e Movimento Olímpico. Eles

são eleitos por maioria absoluta dos membros presentes. Depois de eleitos, estes se tornam

membros do Conselho193

. Além de terem o poder de eleger seu Presidente, o Conselho tem o

poder inalienável de propor, principalmente, emendas ao Estatuto, nomear o órgão de

fiscalização do Conselho e nomear o Comitê Executivo194

. O artigo 4º do Estatuto da AMA

determina como principais objetivos do Conselho: estabelecer, adaptar, modificar e atualizar a

lista de substâncias e métodos proibidos na prática esportiva (inciso 3º); desenvolver,

harmonizar e unificar padrões técnicos de procedimentos de análise e equipamentos,

incluindo a homologação de laboratórios, criando um laboratório de referência (inciso 5º);

promover regras harmonizadas, procedimentos disciplinares, sanções e outros sentidos de

combate ao doping no esporte, contribuindo para a sua unificação (inciso 6°).

Possuindo doze membros e escolhidos pelo Conselho, o Comitê Executivo é também

composto de forma igual entre Movimento Olímpico e Governo (cinco membros

representantes de cada um, mais o Presidente e Vice). O Comitê é competente para tomar

qualquer decisão que não seja reservada ao Conselho de Fundação, o que representa que ele é

responsável pela direção da gestão prática, da implementação das atividades e da

192

Artigo 6º e incisos do Estatuto da AMA; Artigo 2º da Declaração de Copenhague; Chappelet e Kubler-

Mabbott, 2008, pp.136-142. Cf. http://www.wada-ama.org/en/About-WADA/Governance/ 193

Artigo 7º do Estatuto da AMA. 194

Artigo 9º do Estatuto da AMA.

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administração dos fundos da Agência. Por fim, vale ressaltar que o Presidente e Vice da AMA

possuem o mesmo cargo no Comitê195

.

O fenômeno da AMA apresenta uma nova feição à lex sportiva, na medida em que ela

não é concebida sem qualquer participação do Estado. A AMA sai da esfera da autorregulação

do Movimento Olímpico para a “corregulação” na luta antidoping196

. O procedimento de

revisão do Código confirma, passando por uma consulta das organizações esportivas e dos

governos (art. 23.6.2 do CMA), antes a aprovação de emendas por uma maioria de dois terços

do Conselho de Fundação da AMA, contanto que dentro do setor público e do Movimento

olímpico uma maioria seja favorável (Art. 23.6.3). O CMA não pode prosseguir sem

encontrar a aceitação majoritária das forças do Movimento olímpico e dos poderes

públicos197

. A participação comum na produção normativa da Agência se justifica a partir do

momento em que o problema do doping ultrapassou os limites da igualdade no esporte para

atingir questões de saúde, protegida pelo Estado. A AMA pode ser encarada como uma

Parceria Público-Privada (PPP) de âmbito global. Existe uma diferença fundamental com o

conceito tradicional de PPP: ao invés de haver a “privatização” do serviço público, há

“hibridização” de um serviço privado, no que se refere à igualdade esportiva, e de um serviço

público, no que tange à saúde dos atletas. Com isso, a AMA, com sua singularidade, consegue

implementar em âmbito público interesses eminentemente esportivos, como a preservação e

proteção do espírito esportivo; da mesma maneira que implementa no âmbito privado direitos

estatalmente protegidos, como os direitos fundamentais do atleta, a proporcionalidade das

sanções e imparcialidade nos julgamentos198

. Parece haver uma forma nova de produzir

critério jurídico em que participação igualitária na regulação do doping lhe dá um caráter

misto, refletindo nos âmbitos públicos e privados que envolvem o esporte199

. Ainda assim, sua

aparência não é contrária ao verdadeiro direito transnacional, posto que sua corregulação, por

vezes, vai de encontro com a legislação nacional ou internacional, prevalecendo sobre ambas

em conflitos esportivos.

O artigo 20.7 do CMA prevê as funções e responsabilidades da AMA. Diferentemente

do Estatuto desta, o Código generaliza a responsabilidade da Agência como um todo, não

relatando a responsabilidade de seus órgãos internos (Conselho de Fundação ou Comitê

195

Artigo 11 do Estatuto da AMA; Latty, 2007, p. 285. 196

Latty, 2007, p. 393. 197

Ibidem, p. 390. 198

Casini, 2009, p. 437 e 445. 199

Ibidem, p. 439.

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Executivo). Por isso que a visão prévia do Estatuto contribui para saber quem, internamente, é

o responsável pelas atribuições previstas no CMA. Os incisos desse artigo (1º ao 8º)

expressam as seguintes responsabilidades da AMA: adotar e por em práticas políticas e

procedimentos que atendam ao disposto no Código; verificar se os signatários do Código

estão cumprindo seus ditames; aprovar as normas internacionais aplicáveis para a execução

do CMA; credenciar laboratórios; desenvolver e aprovar modelos de boas práticas; fomentar e

coordenar a investigação antidoping; organizar um programa eficaz de observadores

independentes; realizar controles antidopings autorizadas por outras organizações antidopings

e colaborar com agências e organizações nacionais e internacionais relacionadas, facilitando

as investigações.

Em síntese, a AMA possui, após a entrada em vigor do Código, cinco objetivos:

implementar, apoiar, fiscalizar e monitorar a observância do CMA; educar e informar os

signatários do CMA, governos, atletas e o pessoal de apoio sobre os perigos e conseqüências

do uso do doping; conduzir, coordenar e apoiar um efetivo programa científico, laboratorial e

pesquisa da mais alta qualidade; aumentar a capacidade das organizações antidoping para

implementar regras e programas antidoping e assegurar a observância com o Código; ser uma

organização mundial que incorpora atividades que refletem padrões internacionais da melhor

prática200

. Portanto, é possível concluir que a AMA é um órgão que intermedeia o controle

estatal da saúde e a garantia de igualdade esportiva, sob a égide da co-regulação prevista no

CMA.

Após a compreensão interna de como se compõe a AMA, é fundamental entender o

argumento internacional para a aceitação da instituição, assim como a assimilação da

transnacionalidade de sua jurisdição desportiva. Isto servirá como uma introdução

compreensiva da convivência entre lex sportiva e ordens jurídicas estatais.

3.4 Reconhecimento internacional e a previsão do TAS como órgão

julgador

A declaração de Lausanne, de 4 de fevereiro de 1999, foi o primeiro instrumento

internacional que propunha a corregulação no combate ao doping. Tinha-se em vista uma

parceria que incluiria a criação da AMA, do CMA e de uma política conjunta para a educação

200

Chappelet e Kubler-Mabbott, 2008, p. 147.

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e prevenção contra o doping. A criação desses institutos foi apenas a concretização dessa

declaração, mas ainda faltava uma maior publicidade dessa parceria no âmbito internacional.

A convenção internacional contra o doping no esporte adotado em 19 de outubro de

2005 pela Conferência geral da UNESCO oficializou, sob uma forma juridicamente

obrigatória, o engajamento dos Estados em favor do CMA. Pela Convenção, os Estados-Parte

se obrigam a adotar as medidas que sejam conformes aos princípios do CMA no nível

nacional e internacional (art. 3º, § 1), o que não impede que os Estados-Parte de adotarem

medidas adicionais ou complementares ao Código (art. 4º, § 1) . A Convenção coloca os

Estados sob a autoridade do CMA, dando um caráter inédito ao seu instrumento. Se

compreendermos que o CMA não é obrigatório, ao menos não faltam instrumentos jurídicos

que lhe faça produzir efeitos201

. O artigo 22 do CMA reforça a idéia de que os governos

devem respeitar o Código ao afirmar que está coberto pela ratificação e promulgação da

Convenção da UNESCO, ao mesmo tempo em que se autodenomina como um “documento

independente e autônomo, e não com referência a leis ou estatutos existentes no países dos

signatários ou governos” (art. 24.3). Até o fim de 2007, a Convenção foi ratificada por 74

membros (fora as 191 assinaturas). Desde 1º de janeiro de 2010, aceitação da Convenção

ganhou um reforço, já que, para uma cidade ou país poder se candidatar a ser sede de um

campeonato mundial ou dos Jogos Olímpicos, há a condição prévia de aceitação da

Convenção202

. Isso tende a mostrar a influência das organizações esportivas sobre os Estados

na produção normativa de suas leis.

A Convenção abre espaço para que as instituições esportivas atuem (ou mesmo sejam

auxiliadas) nos territórios de cada país, com o intuito de fazer o controle antidoping (art. 12,

“a” ao “c”), assim como reconhecer os procedimentos de controle e gestão de resultados por

parte dos laboratórios credenciados pela AMA (art. 16, “g”). A Convenção também prevê o

financiamento em conjunto da AMA, isto é, 50% das obrigações para os Estados e 50% para

as organizações esportivas (art. 15).

O ponto inovador da Convenção é, de fato, acatar o Código Mundial Antidoping, o que,

em si, carrega uma conseqüência inédita: a aceitação da jurisdição do Tribunal Arbitral do

Esporte, conforme exposto no artigo 22.3 do CMA. As decisões que imputem punição relativa

ao doping estão sujeitas a recurso junto ao TAS, desde que tenham se esgotado todas as

201

Latty, 2007, p. 398. 202

Chappelet e Kubler-Mabbott, 2008, p. 146 ; art. 20.1.8 do CMA.

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formas de revisão de tal punição, mas que não se estende à AMA, que pode recorrer em

qualquer momento203

. Nem todas as FI‟s aceitaram o CMA. A FIA informou à AMA que

implementaria todos os aspectos, mas não poderia aceitar as disposições relativas ao recurso

junto ao TAS204

. Isso, contudo, não retira do TAS o poder de abrir um novo tipo de

contencioso na arbitragem esportiva205

, impondo, sob proteção de instrumentos

internacionais, suas decisões independentemente de territorialidade. De certa forma, a

corregulação na luta contra o doping reforçou ainda mais a transnacionalidade da lex sportiva,

dando maior eficácia às decisões transnacionais provindas do centro de sua ordem, isto é, do

TAS. Essa ideia fica ainda mais evidente quando se verifica a aplicação do CMA pelo

Tribunal, mesmo quando conflitam com ordens alheias ao contexto esportivo206

.

O Programa mundial antidoping e a previsão de que o TAS é o órgão julgador de seus

litígios se aproximam ainda mais da uniformização e harmonização dos programas e boas

práticas antidoping no nível nacional e internacional, suprimindo disparidades que

prejudicariam a eficácia da luta antidoping entre as diversas ordens jurídicas207

. Resta analisar

como o TAS se apresenta como alternativa possível para resolver litígios desportivos e

produzir padrões interpretativos de forma independente.

203

Artigos 13.1 e 13.1.1 do CMA. 204

Latty, 2007, pp. 395-396. 205

Ibidem, p. 399. 206

Sentenças como a nº 2006/A/1119. – União ciclista internacional (UCI) c/ L. e Real Federación Española de

Ciclismo (RFEC) demonstram bem essa nova conjuntura proporcionada pelo CMA. Mais à frente, essa decisão

será analisada sob a ótica do transconstitucionalismo. 207

Latty, 2007, pp. 399-400.

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4 TRIBUNAL ARBITRAL DO ESPORTE: O CENTRO DA

ORDEM DESPORTIVA

O presente capítulo busca entender qual é a posição do Tribunal Arbitral do Esporte no

contexto da lex sportiva. A partir da compreensão da localidade do Tribunal, poder-se-á

entender como é possível a concretização das normas jurídicas oriundas de suas decisões.

Haverá a elaboração de uma jurisprudência que possibilitará a construção de padrões

interpretativos próprios. Estes, ao lado da utilização de princípios gerais de direito, servirão

como institutos de afirmação da autonomia da ordem. Portanto, uma idéia mais profunda do

que é a lex sportiva passa pela obrigatoriedade de entender o que é o TAS.

4.1 Origem e organização

Em função da ausência de uma autoridade independente que pudesse julgar causas entre

atores esportivos de mais de uma nação, habilitada a tomar decisões vinculantes, encorajou as

mais altas instâncias a olhar sobre a questão da resolução dos litígios esportivos. Após a

eleição de Juan Antonio Samaranch para presidência do COI, foi emitida a idéia de instituir

uma jurisdição específica para o esporte em 1981, tendo o Juiz Kéba Mbaye, membro do COI

e então juiz da Corte Internacional de Justiça de Haia, como diretor de um grupo de trabalho

encarregado de preparar o estatuto desse que se tornaria o “Tribunal Arbitral do Esporte”

(TAS). Além de criar uma autoridade especializada, capaz de decidir os litígios

internacionais, ofereceu-se um procedimento rápido e flexível conforme a exigência

esportiva, além de pouco oneroso. Tal instituto incluía previamente uma tentativa de

conciliação prévia. Apesar do intuito global, a jurisdição do TAS não se imporia aos atletas ou

às federações, senão estaria à livre disposição das partes. Em 1983, o COI aprovou

oficialmente o estatuto do TAS que entrou em vigor em 30 de junho de 1984, tornando-se

operacional desde essa data208

.

O primeiro Estatuto do TAS estabelecia a sua composição em sessenta membros

designados pelo COI, as FI‟s, os CON‟s e o Presidente do COI (15 membros cada). O

208

Reeb, 2001, p. 235; Karaquillo, 2004, 108 Cf. Mclaren, 2002.

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Presidente do COI designava os membros dos organismos mencionados. Porém, a

modificação de Estatuto e os gastos para funcionamento do TAS eram suportados pelo COI,

exceto pelos litígios contratuais de caráter pecuniário. Isso mostra que a existência deste

órgão era condicionada ao suporte do COI. Havia apenas um procedimento contencioso que

independia de natureza e acompanhava a convenção de arbitragem. O procedimento arbitral

era iniciado em caso de falha na tentativa da primeira conciliação entre as partes209

.

A contar de 1991-1994, vários eventos foram importantes na aceleração para a aceitação

global do TAS. Em 1991, a publicação do Guia de arbitragem colocou nos estatutos de

entidades esportivas cláusula que excluía todo recurso em qualquer tribunal ordinário. Essa

cláusula criava um procedimento recursal diferente para os litígios provindos de decisões

tomadas pelas sociedades esportivas. Com a aparição da cláusula de recurso arbitral, as suas

decisões, que até aquele momento tratavam de temas como nacionalidade dos atletas,

contratos de trabalho, cessão de direitos de retransmissão televisionado, patrocínio ou de

concessão de licença, ganhou maior complexidade com os numerosos recursos relativos ao

doping, dado que exigiu a construção de critérios únicos para a aplicação em casos de

esportes diversos, forçando a busca de coerência interpretativa independentemente de qual FI

regulasse o caso210

.

Caminhando a passos lentos, o TAS passou por sua primeira provação no que se refere

à sua autonomia em fevereiro de 1992, quando um cavaleiro de nome Elmar Gündel recorreu

de decisão da Federação Eqüestre Internacional (FEI), que afirmava a ocorrência de doping

no cavalo do atleta. Com a decisão, houve a desqualificação, suspensão e uma multa ao

cavaleiro. A decisão recursal reduziu a suspensão de três meses para um. Ainda insatisfeito

com a decisão, o cavaleiro recorreu junto ao Tribunal Federal suíço, contestando, antes de

tudo, a validade da sentença, eis que foi tomada por um tribunal que não preenchia as

condições de imparcialidade e de independência, requeridas para ser considerado um

verdadeiro tribunal arbitral. O Tribunal Federal (TF) reconheceu ao TAS a qualidade de

verdadeiro tribunal arbitral. Reconheceu também sua autonomia e independência na medida

em que, por não ser um órgão da FEI e não receber instruções desta, ele apenas colocava à sua

disposição três árbitros dos sessenta membros que o compõe. Contudo, o TF destacou as

209

Reeb, 2001, p. 236. 210

Reeb, 2001, p. 236; Karaquillo, 2004, pp. 109-110.

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estreitas ligações que existem entre o TAS e o COI (acima mencionadas), o que traria sérios

problemas à independência do TAS quando o COI fosse parte211

.

Essa decisão do caso Gündel foi responsável por uma importante reforma do TAS,

forçando o acatamento das recomendações do Tribunal Federal e, consequentemente,

tornando-o independente do COI. No dia 22 de novembro de 1994, a reforma do TAS

consolidou-se no “Código de Arbitragem em matéria de Esporte”. Com a proposta de

substituir o COI no financiamento e gestão do TAS, a reforma fazia nascer o “Conselho

Internacional de Arbitragem em matéria de Esporte” (ICAS). A reforma criou, também, duas

turmas de arbitragem (ordinária e recursal), determinando claramente a separação entre os

litígios julgados pelo TAS, isto é, enquanto instância única e recursal212

. A partir “Convenção

de Paris” (instrumento, anterior ao Código, assinado pelas principais instituições esportivas

globais que possibilitava a criação do ICAS), assegurou-se os direitos das partes frente ao

TAS, assim como a nomeação dos primeiros membros do ICAS. Isso permitiu que a quase

totalidade das FI‟s e dos CON‟s inserissem uma cláusula de arbitragem em seus estatutos

delegando poderes ao TAS213

. Ainda houve algumas FI‟s bastante representativas que

resistiram por algum tempo, como a IAAF. Entretanto, mesmo esta, em 2001, passou a acatar

as decisões do TAS214

.

O Código de Arbitragem é dividido em duas partes: o Estatuto dos órgãos concorrendo

no regulamento dos litígios em matéria de esporte (art. S1 a S26) e o Regulamento de

procedimento (art. R27 a R69)215

. O artigo S1 explicita que os dois órgãos responsáveis por

garantir o respeito ao Código são o ICAS e o TAS, o que faz com que estes julguem e

coordenem os litígios de órgãos esportivos, na medida em que seus Estatutos ou regulamentos

aceitem tal jurisdição. O mesmo artigo afirma que a sede do TAS e do ICAS é em Lausanne,

dando abertura para que a autonomia seja parcialmente delimitada por regulações suíças216

.

O art. S2 coloca o ICAS como protetor dos direitos das partes e da independência do

Tribunal, posto que também assegura a administração e o financiamento do TAS. O ICAS

possui vinte membros especializados em questões jurídico-desportivas. São indicados da

seguinte forma: quatro dos membros são pelas FI‟s – três pela Associação das Federações

211

Reeb, 2001, p. 237; Anderson, 2000, pp. 123-125. 212

Reeb, 2001, p. 237; Kane, 2003, p. 616 213

Reeb, 2001, pp. 237-238. 214

Mclaren, 2002, p. 102. 215

Reeb, 2001, p. 238. 216

No próximo capítulo, isso será desenvolvido mais especificamente.

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Internacionais Olímpicas de esporte de verão (ASOIF) e um pela Associação das Federações

Internacionais Olímpicas de Inverno (AIWF); quatro pela Associação dos Comitês Olímpicos

Nacionais (ACNO); quatro são indicados pelo COI; quatro são designados pelos doze

membros acima listados do ICAS, que visem assegurar os interesses dos atletas; quatro, pelos

dezesseis acima listados, que sejam independentes das autoridades acima. Ao serem

designados, os membros do ICAS devem se declarar independentes, exercendo suas funções

com objetividade dentro de um mandato de quatro anos, renovável por mais quatro (art. S5).

Acrescenta-se que eles não podem intervir procedimento frente ao TAS, tanto como árbitro ou

como conselheiro de uma parte217

.

O ICAS exerce funções enumeradas no artigo S6 tais como a indicação da lista dos

árbitros e mediadores e administração financeira do TAS. Certas funções podem ser

delegadas, mas outras não, como, por exemplo, a modificação do Código de arbitragem em

matéria de esporte, só pode ser pelo ICAS reunido em pleno e, mais precisamente, por uma

maioria de dois terços de seus membros (art. S6.1 e S8). O ICAS elege seu Presidente –

também o Presidente do TAS (art. S9) – assim como seus dois vice-presidentes, o Presidente

da Turma da arbitragem ordinária, o Presidente da Turma arbitral de recurso e os suplentes

dessas duas últimas218

.

São cento e cinquenta árbitros, no mínimo, que estão a serviço para auxiliar o exercício

das funções do TAS (art. S13), com a ajuda da secretaria do TAS, dirigido pelo Secretário

geral. O TAS possui duas Turmas: uma “Turma de arbitragem ordinária”, para os litígios

submetidos ao TAS em qualidade de instância única; e uma “Turma arbitral de recurso”, para

os litígios de decisão tomados em última instância pelas organizações esportivas (art. S3),

sendo dirigida por um Presidente de cada Turma, podendo ser chamado a tomar posição sobre

requisição de medidas provisórias ou de efeito suspensivo e intervir na constituição das

Turmas de árbitros (art. R37)219

.

Os árbitros do TAS possuem um mandato de quatro anos, renovável por mais quatro

pelo ICAS (art. S13). Os árbitros do TAS são nomeados sobre proposição do COI, das FI‟s,

dos CON‟s, do próprio ICAS e outras figuras esportivas importantes dispostas no art. S14. As

Turmas do TAS são compostas seja por um só árbitro, seja por três, dependendo da

complexidade do caso (art. R40.1). Todos os árbitros são obrigados a manter de

217

Reeb, 2001, p. 238. 218

Ibidem. 219

Ibidem, p. 239.

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confidencialidade, não devendo revelar alguma informação relacionada às partes, ao litígio ou

ao procedimento, salvo se todas as partes consentem ou se o Presidente da Turma decide (art.

R43)220

. A institucionalização de arbitragem permite uniformizar procedimentos e

desenvolver uma jurisprudência harmoniosa perante conflitos esportivos comuns221

.

Existem dois tipos de litígios, em geral, que são submetidos ao TAS: os litígios de

natureza comercial e os litígios de natureza disciplinar. Os primeiros reagrupam

essencialmente os litígios que conduzem a execução de contratos. Essas questões ditas

comerciais, na maioria dos casos, são tratadas pelo TAS na qualidade de instância única; os

disciplinares representam o segundo grupo de litígios submetidos ao TAS222

. Os casos

disciplinares apresentam-se ao TAS na forma recursal, eis que são oriundos de condenações

anteriores que partem dos outros membros esportivos.

Existem três escritórios descentralizados ligados ao TAS, criados pelo ICAS, sendo dois

deles responsáveis em receber e notificar todos os atos procedimentais, facilitando o acesso ao

TAS pelas partes domiciliadas na Oceania ou na América, e um que também julga causas

relativas às lides esportivas. Em relação a esta, desde 1996, por criação do ICAS, há uma

Turma ad hoc do TAS, que decide em 24 horas, e sem recurso, os litígios referentes aos Jogos

Olímpicos através de um procedimento especial elaborado para essa ocasião223

. Essa Turma

ad hoc é composta por dois co-presidentes e doze árbitros presentes na vila olímpica durante

toda a duração dos Jogos. Essa boa idéia fez com que a Union Européenne de Football

Association (UEFA) solicitasse ao TAS a criação de uma turma ad hoc por ocasião do

Campeonato Europeu de Futebol. O sucesso dessas Turmas ad hoc contribuíram em dar

publicidade ao TAS perante a outros atores esportivos, mesmo fora do contexto olímpico. Isso

constitui uma etapa importante para o TAS, na perspectiva de fortalecer ainda mais sua

pertinência na família esportiva e independência perante o COI224

. Diante do exposto sobre a

organização do TAS, resta entender como esse órgão, enquanto centro da ordem jurídico-

desportiva, consegue dar eficácia às suas decisões em tal estrutura.

4.2 O Tribunal como centro da ordem jurídico-desportiva e a eficácia de

suas decisões

220

Ibidem; Kane, 2003, pp. 617-618. 221

Latty, 2007, p. 262-263. 222

Reeb, 2001, pp. 239-240. 223

Cf. sentença nº 02/005 – 18 de fevereiro de 2002 – T. Billington c/ Federação Internacional de Bobsleigh e

Toboggaining (FIBT). JDI, 2003, pp. 276-286, com extratos e comentários de Éric Loquin 224

Reeb, 2001, p. 240.

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61

Para que possa haver uma diferenciação de um sistema social em relação a outro, é

necessário que exista o desenvolvimento simultâneo de uma diferenciação interna. Nesse

sentido, o sistema jurídico não é exceção. O termo “diferenciação interna” se entende como

“forma pela qual as relações entre os sistemas parciais (subsistemas) expressam a ordem do

sistema total”225

. A diferenciação interna também expressa tudo aquilo que pertence ao

sistema o que é seu entorno, sendo restringidas pelas disposições que ordenam as relações

entre os sistemas226

. Portanto, é importante saber qual é o posicionamento dos tribunais no

sistema jurídico, obtendo uma primeira referência na distinção legislação/jurisprudência –

distinção que serve para a autodescrição do sistema227

. Por muitos anos, as idéias de soberania

jurídica e soberania política se fundiam, mas tal concepção cedeu lugar para a diferenciação

entre legislar e julgar228

. A partir disso, o juiz aplica as leis, obedecendo as recomendações do

legislador. Este, ao mesmo tempo, não tem noção de como as novas leis se integrariam no

conjunto das premissas de decisão dos tribunais. Isso permite uma relação circular em que o

juiz deve procurar entender o que foi intentado pelo legislador ao observar o mundo, e,

simultaneamente, o legislador deve imaginar como a lei deverá ser trabalhada pelos

tribunais229

. A vinculação à lei se volta a si mesma quando se torna objeto de interpretação

dos tribunais, decidindo até que ponto podem resolver os casos a partir de sua interpretação, o

que estabelece os limites do próprio Direito na denegação de justiça e na exigência de que

devem decidir sobre todos os casos que lhes sejam apresentados230

. Gera-se a tríade produtora

do direito na necessidade de que se decida e a liberdade que surge ao buscar razões para

chegar a uma decisão, que resultam restringidas pelos pontos de vista da justiça. Quanto mais

legislação, mais competência judicial231

. A conseqüência disto se apresenta na relação circular

entre legislar e julgar: restrição recíproca do espaço de decisão232

.

Nota-se que há uma hierarquia entrelaçada entre julgar e legislar, ou seja, não existe a

sobreposição de um sobre o outro, mas uma relação de circularidade. Trazendo a reflexão da

separação do Poderes para o contexto da lex sportiva, “O procedimento jurisdicional deve

cumprir e aplicar a lei, mas é através dele que o texto legal toma um sentido normativo”. A

partir disso, “a própria validade daquilo a que se subordina a jurisdição depende da definição

225

Luhmann, 2005, p. 359. 226

Ibidem, p. 360. 227

Ibidem, p. 361. 228

Ibidem, p. 363. No último capítulo, o tema “soberania” será objeto de maior estudo. 229

Ibidem, p. 364. 230

Ibidem, p. 365. 231

Ibidem, p. 366. 232

Ibidem, p. 367.

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62

jurisdicional”233

. Assim, a legislação esportiva (Estatutos, CMA, Carta Olímpica, contratos,

etc.) determina que o TAS é competente em aplicar suas disposições. Ao mesmo tempo, o

TAS está condicionado a aplicar a legislação a partir do que se encontra nela.

Essa relação de circularidade entre legislar e julgar contribui para a compreensão dos

limites da própria ordem. O TAS já proferiu sentença que afastava a possibilidade de se

aplicar o processo investigatório de outra ordem, tendo em vista à sanção de um atleta. Na

sentença nº 2007/O/1381, de 23 de novembro de 2007 – Real Federação Espanhola de

Ciclismo (RFEC) & V. c/ União Ciclista Internacional (UCI)234

, depois de uma operação

organizada pela guarda civil espanhola que visava combate ao doping, que terminou na prisão

de um médico próximo de ciclistas profissionais, um ciclista espanhol contestou um

procedimento disciplinar contra ele, diligenciado pela UCI, em razão de que certas peças da

instrução penal mostravam que o corredor estava ligado aos atos de doping. Embora a

Federação Espanhola de Ciclismo recusasse a abertura do procedimento – invocando que a

justiça espanhola proibira o uso de um dossiê penal com fins administrativos, a UCI decidiu

proibir a participação do ciclista nos campeonatos mundiais. A RFEC e o atleta contestaram

essa decisão junto ao TAS, alegando que, em primeiro lugar, a medida proibitiva só pode ser

tomada em razão de procedimento disciplinar aberto pela FN e, em segundo lugar, não foi

respeitado o direito de ser ouvido do atleta. A UCI argumentou que a sua regulamentação

condiciona a abertura de instrução desde a recepção de um relatório de análise, de um dossiê

de outra organização antidoping ou de outra peça ou informação de uma possível violação

antidoping, possibilitando que a FI pudesse proibir a participação do atleta em competições

mundiais. O TAS, por sua vez, decidiu que as federações devem agir no quadro de seus

regulamentos e que as decisões contrárias à regulamentação federal devem ser anuladas,

fundamentando-se no princípio geral da legalidade235

. Destarte, anula-se toda e qualquer

sanção disciplinar pronunciada com ausência de texto. O TAS afirmou que a decisão tomada

pela UCI feria, também, o princípio da igualdade, já que esta não existe na ilegalidade. Por

fim, “o conceito de impor as sanções disciplinares sobre a base de uma suspeita, que vai mais

longe que a admissão de uma responsabilidade objetiva, deve ser manuseado com muita

233

Neves, 2008, p. 191. 234

JDI, 2009, pp. 218-239, com extratos e comentários de Éric Loquin. Em sentido semelhante, sentença nº

2002/A/379 e 2002/A/382 – de 24 de junho de 2002. JDI, 2003, pp. 321-328, com extratos e comentários de

Gérald Simon. 235

Em tópico específico se analisará com maior profundidade o princípio da igualdade na lex sportiva.

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63

prudência”236

, isto é, a reputação das provas mundiais e a serenidade da competição são

menores que os direitos fundamentais do atleta.

Essa decisão do TAS, como não poderia deixar de ser, é rica em detalhes que

mereceriam tópicos próprios, como, por exemplo, o conflito entre direitos fundamentais do

atleta e a serenidade da competição. Porém, neste momento, restringe-se, apenas, a mostrar

que os limites de sua decisão estão em sua periferia, ou seja, da legislação possível

encontradas nas regulamentações das FI‟s, especialmente. Além de decretar o que é

validamente jurídico nessa decisão, o TAS delimita as possibilidades de regulamentação das

FI‟s, assim como as FI‟s delimitam as possibilidade de decisão do TAS.

A finalidade do ato de decidir pode ser encarada como a absorção de insegurança, que

“transforma incompatibilidades indecidíveis em alternativas decidíveis”: não se elimina o

conflito, criando harmonia e consenso, mas transforma o conflito, absorvendo sua

insegurança. Ao contrário do Legislativo, existe um abrandamento das conseqüências das

decisões do Judiciário237

. A decisão judicial filtra das relações sociais conflitivas os aspectos

jurídicos, tornando-se um exercício controlado, que domestica as relações sociais de poder, o

que diminui a carga emocional da violência do direito, indo além da vingança, para uma força

simbólica de ameaça, como representação socialmente esperada238

. Aqui, a função de filtrar as

relações conflitivas é muito mais restrita, dado que envolve apenas atores esportivos. Mesmo

assim, as legislações que se encontram na periferia determinam qual problema exige a solução

do Tribunal enquanto centro da ordem.

O ponto de vista semiótico do ordenamento jurídico contribui para enxergar em que

contexto da centralidade do TAS na lex sportiva se encontra. Não se quer promover uma

mistura entre teorias com a introdução do pensamento semiótico, mas sim dar um enfoque

diverso que mostre como é possível a centralidade do TAS. No aspecto sintático, cujo

interesse é nas as interconexões entre signos normativos, o TAS, por exemplo, em sua

sentença nº 2002/O/373, de 18 de dezembro de 2003, C.O.A. & B. Scott c/ COI, reconhece

que a Carta Olímpica é o parâmetro hierárquico superior das regras administradas pelo

COI239

. A dimensão semântica “diz respeito à relação entre o signo normativo e sua

236

JDI, 2009, p. 231. 237

Ferraz Jr., 2008, pp. 289-290. 238

Ibidem, pp. 322-23. 239

Comentários em Latty, 2007, p. 200. O mesmo raciocínio para os conflitos entre FN e FI, prevalecendo a

última, conforme expõe sentença nº 2002/A/401 – de 10/01/2003 – IAAF c/ USATF. JDI, 2004, pp. 318-336,

com extratos e comentários de Dominique Hascher.

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significação (aspecto conotativo), ou à relação entre o signo normativo e os objetos ou

situações objetivas a que se refere (aspecto denotativo)”240

. Por fim, a “pragmática evidencia

o relacionamento dos signos normativos com os seus utentes, ou seja, os emitentes e

destinatários das mensagens normativas, revelando o aspecto discursivo-dialógico da

linguagem jurídica”241

. Em relação a esses dois últimos aspectos, toda e qualquer decisão do

TAS, referente a situações previstas em legislação competente, trará conseqüências

especificamente aos atores do contexto da lex sportiva (árbitros, atletas, treinadores, clubes,

patrocinadores etc.) e não mais que eles. Mais do que decidir, o TAS se apresenta como um

estruturador da lex sportiva242

.

O TAS é encarado com seriedade, porque suas decisões tornam as regulações eficazes,

isto é, possui capacidade de produzir os efeitos que são próprios das regulações243

, o que

significa que é possível verificar a observância, aplicabilidade, exigibilidade ou

executoriedade da norma jurídica244

. Deixando de lado a observância para fixar-se nos outros

aspectos da eficácia da norma, “a execução em sentido estrito consiste numa atividade

impositiva de fato”, ao mesmo tempo em que “a aplicação normativa pode ser conceituada

como a criação de uma norma concreta a partir da fixação do significado de um texto

normativo abstrato em relação a um caso determinado”, acrescentando “não só a produção da

„norma de decisão‟ (individual) do caso, mas também a produção da „norma jurídica‟ (geral)

aplicável ao caso”245

. O TAS está inserido nessa totalidade da concretização das normas

jurídico-desportivas. Cabe, então, compreender como funciona o processo de concretização

das normas a partir de Müller, mas alertando que se irá além do plano estatal e constitucional

da metódica estruturante.

Nessa teoria, o teor literal é aquilo que serve para a formulação do programa da norma.

Ao mesmo tempo, o âmbito da norma é o recorte da realidade social na sua estrutura básica,

que o programa criou para si como âmbito de regulamentação. O âmbito da norma apresenta

componentes gerados ou não pelo direito, sendo um nexo formulado em termos de

possibilidade real de elementos estruturais destacados da realidade social pelo programa da

240

Neves, 1998, pp. 21-22. 241

Ibidem. Tal aspecto será melhor visto no próximo tópico, em que se perceberá a construção de padrões

interpretativos construídos pelo TAS. 242

Para maiores explicações a respeito da relação entre semiótica e validade da decisão, Cf. Ferraz Jr., 2006, pp.

93-112. 243

Carvalho, 2006, 54-61. 244

Neves, 2007, p. 43. 245

Ibidem, p. 45.

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65

norma. A normatividade, por sua vez, designa a qualidade dinâmica de uma norma, tanto para

ordenar a realidade, quanto para ser condicionada por ela. Dessa forma, afirma-se que o teor

literal não é tudo na construção da norma, pois o conteúdo depende, também, da realidade,

colocando os elementos “normativos” e “empíricos” em interdependência e em igual

hierarquia246

.

O esforço da metódica é interligar a ciência jurídica com a teoria da comunicação, que

faz da decisão uma orientação futura de atuação. Os fatores tipológicos da estrutura da norma

e das condições distintas da concretização são: a peculiaridade do âmbito material; a

confiabilidade do texto da norma na formulação do programa da norma; a prescrição do

programa da norma formulado no teor literal da prescrição por ocasião do âmbito da norma do

âmbito material; o grau e o estado do tratamento de uma área de regulamentação dentro e fora

da ciência e da práxis jurídicas; a posição normativa da prescrição jurídica a ser

concretizada247

. No que se refere à interpretação do teor literal, ela é um dos mais importantes

elementos, mas é só um elemento. Ela contribui a “pré-compreensão” da ciência jurídica e do

fato da concretização estar referida ao caso. Assim, não se pode reduzir o papel da

concretização a um procedimento meramente cognitivo, pois a normatividade comprova-se na

regulamentação de questões jurídicas concretas, sendo exigida somente no processo de tais

regulamentações e só com isso adquire eficácia. Acrescenta-se que só se interpreta uma

norma porque ela deve ser aplicada a um caso. Portanto, a norma jurídica (núcleo

materialmente circunstritível da ordem normativa) não está concluída substancialmente. Ela é

concretizada com a norma de decisão no caso individual248

.

Para a construção da norma de decisão, a norma jurídica não deve se descolar do caso

jurídico, nem o contrário. Os dois fornecem de forma complementar os elementos necessários

à decisão jurídica. Isso reforça a idéia de que a norma só faz sentido com vistas a um caso a

ser solucionado. Daí a se afirmar que a concretização da norma jurídica em norma de decisão

e do conjunto de fatos, juridicamente ainda não decidido, em caso jurídico decidido devem

comprovar a convergência material de ambos, publicá-la e fundamentá-la. Nesse contexto, a

concretização não é “reelaboração” de valorações legislativas. É fundamental o papel da pré-

compreensão jurídica, pois a dogmática, a teoria e a metódica do direito devem disponibilizar

fundamentos para os meios especificamente jurídicos desse caráter de pré-julgamento e pré-

246

Müller, 2000, pp. 53-58. 247

Ibidem, pp. 58-60. 248

Ibidem, pp. 61-62.

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compreensão normativa e materialmente referida do universo jurídico, colocando uma nova

perspectiva à teoria clássica das fontes249

. Além do caráter atualizador, fornecedor de critérios

e efetivador da concretização, ela assegura a garantia da legalidade e a preservação da

legitimidade de que é aceito o conteúdo como correto pelos atores sociais envolvidos, que só

podem ser mantidas pela ordem. A metódica estruturante serve como elo de compreensão da

concretização estruturada e as tarefas das funções individuais da práxis jurídica, o que permite

falar em elementos do processo de concretização, não em “estágios” de interpretação250

.

Para que esse processo de concretização possa ocorrer, existe na lex sportiva uma rede

atores esportivos completamente vinculados às decisões do TAS, por causa das regulações

que condicionam à participação na vida esportiva. O art. R27 do Código de Arbitragem

expressa que o procedimento arbitral se aplica quando as partes convencionam se submeter ao

TAS um litígio relativo ao esporte, fruto de uma cláusula arbitral inserida em um contrato ou

um regulamento de uma convenção de arbitragem ulterior ou dizem respeito a uma decisão

tomada por algum órgão esportivo, quando previsto em seus estatutos a convenção particular

recursal de arbitragem. Com relação a esta última parte, referente à previsão recursal, ela está

mais detalhada no art. R47, que prevê que a parte que pretende recorrer tem de esgotar todos

os recursos antes de se dirigir ao TAS. Cabe ressaltar que, segundo o art. R37, após a

homologação do recurso, o TAS é a única autoridade competente para ordenar medidas

provisórias e de proteção. A jurisprudência suíça basicamente reconhece a exclusividade do

TAS, podendo este, inclusive, requerer a assistência de um juiz suíço para impor alguma

medida provisória e protetiva, caso as partes não cumpram voluntariamente, conforme

expresso, em legislação suíça, no artigo 183(2) da Lei federal sobre o direito internacional251

.

Esses artigos mencionados do Código de Arbitragem contribuem para que haja um efeito

cascata das decisões do TAS, possibilitando que do fenômeno da deslocalização da decisão

do TAS se chegue à concretização multilocalizada das várias FN‟s252

.

A sentença nº 2005/A/952 – Cole c/ FAPL 24 – de 24 de janeiro de 2006253

demonstra

essa necessidade para que haja eficácia nas decisões do TAS. Um jogador de futebol

profissional inglês, Ashley Cole, sob contrato com o Arsenal FC, teve um encontro com

representantes do Chelsea, tendo em vista a negociação de um contrato de trabalho com este

249

Ibidem, pp. 63-66. 250

Ibidem, pp. 68-70. 251

Vetter, 2008, pp. 5-6. 252

Em sentido próximo, Latty, 2007, p. 523. 253

JDI, 2007, pp. 202-207, com extratos e comentários de Éric Loquin.

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clube. O jogador violou as disposições da regra K5 do regulamento da Football Association

Premier League (FAPL), que proíbe qualquer jogador, sob contrato, de negociar com outro

clube. O jogador foi sancionado pela Comissão de disciplina da liga, aplicando-lhe uma

multa, que foi reduzida posteriormente. Ainda insatisfeito com a multa, o jogador recorreu

desta última decisão junto ao TAS. Contudo, à época, TAS afirmou que

O estatuto da FIFA não contém regras obrigando uma federação nacional ou uma

liga a reconhecer um direito de recorrer de suas decisões junto ao TAS. Os artigos

59-61 do estatuto da FIFA e a circular da FIFA de 12 de dezembro de 2002 não

podem ser interpretados como prevendo qualquer direito de recurso254

.

No momento do recurso, o estatuto e os regulamentos da FALP não faziam nenhuma

referência à possibilidade de um recurso de suas decisões junto ao TAS. Nem mesmo os

regulamentos da FIFA obrigavam à FALP a se submeter ao TAS. Após o recebimento da

causa, mas antes da decisão do Tribunal, a FIFA emendou seu estatuto reconhecendo a

jurisdição do TAS, com aplicação a partir de 1º de dezembro de 2005. Para situações como

esta, o TAS aplica o princípio do “perpetuatio fori”, que determina que a jurisdição

competente é determinada no momento em que a demanda é proposta. Desse caso, pode-se

concluir que as decisões do TAS só são eficazes com o reconhecimento de seus atores

esportivos, especificamente, com o reconhecimento do TAS em sua legislação. Contudo, um

atleta licenciado por uma FI para participar de prova internacional não pode alegar que não

aceitou cláusula de atribuição de competência do TAS. Isso mostra que existe cláusula de

arbitragem por referência no âmbito do Tribunal Arbitral do Esporte, isto é, “a cláusula

inserida em um documento não assinado pelo atleta (regulamento federal) ao qual retorna um

documento assinado pelo atleta, a licença federal”255

. Mais do que eficazes, as decisões do

TAS produzem algo igualmente importante na afirmação de sua autonomia: o

desenvolvimento de padrões interpretativos, a partir de seus precedentes.

4.3 Padrões interpretativos próprios

Toda decisão tem sempre relação com uma alternativa, em que há um ou mais caminhos

elegíveis – alguns, resultados de acontecimentos e de subseqüentes decisões que nasceram de

uma primeira decisão. Estas decisões subseqüentes são previsíveis dentro de margem muito

restrita256

. Essa margem de previsibilidade das decisões vai abrir espaço para a construção de

254

Ibidem, p. 202. 255

Sentença nº 2002/A/431 – de 2 de maio de 2003 – Union Cycliste Internationale c/ Fédération française de

cyclisme. JDI, 2005, pp. 1309-1312, com extratos e comentários de Éric Loquin. 256

Luhmann, 2005, p. 369.

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uma jurisprudência, mesmo em Tribunais arbitrais. A questão é importante para a criação de

padrões interpretativos ou princípios gerais de direito formulados por tais Tribunais257

.

A jurisprudência arbitral apresenta singularidades que a distinguem da jurisprudência

judiciária estatal. A jurisprudência arbitral se exprime fora de quase toda autoridade

reguladora, não sendo submetidas ao poder de revisão de mérito do juiz estatal. Segundo

Loquin, nem mesmo a Convenção de Nova York e as legislações estatais sobre a arbitragem

internacional permitem ao juiz revisar as questões de fundo da sentença258

.

Ao contrário da lex mercatoria259

, a jurisprudência TAS se mostra homogênea e

próspera, dada presença de autoridades com posição monopolista, como as FI‟s, a AMA e o

COI, que regulam, orientam e impõem. Embora provindas de entidades privadas, essas regras,

muitas vezes, vão possuir características administrativa e, até, criminais260

. Mesmo havendo

uma compactação da rede de atores esportivos, os árbitros se vêem cada vez mais na

necessidade de utilizar os precedentes arbitrais com o intuito de dar coerência e

previsibilidade às soluções de casos semelhantes261

, o que, para a autora Kaufmann-Kohler,

isso está ligado à “obrigação moral” daqueles que decidem, possibilitando a construção de

precedentes262

. Discordo dessa análise, acreditando que esse fenômeno, sob o enfoque

jurídico, se deve à realização do princípio da igualdade, que, em tópico específico, será mais

bem analisado.

As fortes semelhanças dos diversos estatutos das FI‟s, somadas ao desenvolvimento das

normas centrais no Movimento olímpico e a criação do Código Mundial Antidoping, mostram

uma tendência à harmonização da lex sportiva, suscitando uma jurisprudência unitária, eis que

o TAS é trazido a se pronunciar sobre a validade das normas no conjunto de regras jurídico-

desportivas, o que trará a sensação de que há um teor global nas interpretações do TAS263

. A

tendência unitária da jurisprudência do TAS é reforçada pela utilização de padrões

interpretativos, oriundo de precedentes, que alimenta a consistência de sua ordem jurídica.

Serve, portanto, como critério jurídico de decisão, merecendo, por si só, maiores comentários.

Apesar de acreditar-se que o termo mais preciso é o de “critério”, em detrimento do termo

257

Em sentido semelhante, mas ligado à lex mercatoria, Loquin, 2009, p. 153. 258

Ibidem, p. 155. 259

Ibidem, p. 161-162. 260

Kaufmann-Kohler, 2007, p. 376. 261

Loquin, 2009, p. 164. 262

Kaufmann-Kohler, 2007, p. 374-375. 263

Latty, 2007, p. 267.

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“fonte”, ainda assim parece ser importante debater que a jurisprudência e seus padrões

interpretativos servem como fundamento uma decisão (ao contrário do que pensa Ferraz Jr.).

Para Ferraz Jr.264

, a consistência e completude do ordenamento apontam para o

problema dos centros produtores de normas e sua unidade, pois é possível afirmar que existem

conflitos normativos. Isso tudo é escondido nas discussões das fontes do direito. Formou-se

uma concepção de fontes formais e materiais do direito, trazendo um critério para os centros

produtores do direito e sistematizava-os coerentemente, mas dificultava a tarefa de ter o

ordenamento como unidade. Atualmente, a expressão fonte do direito exige critérios para a

qualificação jurídica de condutas sociais. A teoria das fontes mostra-se como reguladora do

aparecimento contínuo e plural de normas de comportamento, gerando regras estruturais.

Assim, a dogmática analítica utiliza o termo fonte para descrever os modos de formação das

normas jurídicas. O autor coloca como fontes formais a Constituição, legislação, Tratados

Internacionais, etc., mas a jurisprudência no sistema romanístico caracteriza-se por não

vincular juízes inferiores aos superiores, nem mesmo às suas próprias decisões – apesar de

não se negar as interpretações uniformes, ou em casos de lacunas (formando norma). O autor

julga que ela nesse sistema não chega a ser fonte do direito.

Não se ignora a importância das “fontes formais” como critérios e programas do sistema

jurídico. Porém, conforme Alf Ross265

demonstra, as fontes do direito são aquelas que

oferecem relevância argumentativa no processo decisório da autoridade. A diferença entre

fontes formais e materiais não é, sempre, tão nítida, o que reforça a ideia de que o termo

adequado é o de “critérios”, pois o que se valerá é a estrutura que se põe ao convencimento.

Em razão disso, a jurisprudência é um forte critério do direito, principalmente, desportivo,

quando, a partir dela, se busca “congruência com outras soluções no interior do sistema”266

.

A sentença nº 2004/A/605 – Pamesa Valencia c/ Euroleague Basketball – de 12 de maio

de 2005267

reflete bem a construção da jurisprudência arbitral e o seu uso como critério. Ela é

oriunda de um recurso contra uma decisão da Euroleague em razão da recusa de um clube em

jogar em Israel, em função do momento político, em março de 2004. A condenação foi com a

derrota de 0 a 20 e a indenização dos organizadores da competição responsáveis pela partida

não jogada, assim como o pagamento de multa prevista em regulamento disciplinar. Essa

264

Ferraz Jr.,2008, pp. 190-214. 265

Ross, 2003, pp. 101-134 266

Neves, 2008, p. 208. 267

JDI, 2007, pp. 250-254, com extratos e comentários de Dominique Hascher.

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sentença retorna a um problema idêntico tratado na decisão nº 2002/A/388 – Ulker Sport c/

Euroleague – de 10 de setembro de 2002268

. Trazendo os argumentos desta decisão, o TAS

afirmou:

É lamentável que no mundo moderno muitos lugares de tempos em tempos tornam

focos de crise aguda... Terrorismo é a praga da nossa época... Nessa medida, o

Recurso levantou uma matéria de importância geral no mundo esportivo... Mas, se

possível, o esporte, como a vida, deve seguir em frente. Apesar da violência em

Israel, não há exemplo de atletas sendo alvos ou vítimas. Outros times visitaram

Israel no tempo da questão e retornaram ilesos269

.

Como não houve, por parte do recorrente, uma “justificativa adequada”, o TAS manteve

a decisão punitiva da Euroleague. Conseqüentemente, desta sentença, conclui-se que

prevalece a utilização dos precedentes, o que favorece a harmonização das soluções jurídico-

desportivas270

. Essa congruência de precedentes proporciona a construção e reutilização de

padrões interpretativos do TAS.

O fair play, como um padrão interpretativo, foi criado a partir de legislações esportivas.

Dado o crescimento da complexidade das competições e a dificuldade de garantia de

honestidade da competição, criou-se, em forma de princípio, o fair play, que abarcaria

situações mais amplas que as regras jurídicas poderiam inicialmente imaginar. Porém,

somente com as decisões do TAS que o princípio saiu da abstração e ganhou forma em função

dos novos casos que apareciam. Ou seja, o princípio precisava se tornar uma regra para que

pudesse se concretizar. Depois de percorrido esse caminho, foi possível verificar a construção

do padrão interpretativo a respeito do fair play. A sentença da Turma ad hoc (JO Nagano

1998) 004-005, de 18 de fevereiro de 1998 – CON da República Tcheca, CON da Suécia e S.

c/ Federação Internacional de Hockey sobre o Gelo (IIHF)271

ilustra como foi possível regrar

sobre tal princípio.

Esta sentença refere-se à presença de um jogador na equipe nacional sueca de hockey

sobre o gelo, que perdera, em 1995, a nacionalidade sueca, resultado da sua naturalização

americana. A lei sueca não admite nessa hipótese a dupla nacionalidade. Esse jogador

participara dos três primeiros jogos disputados pela seleção sueca, com duas vitórias de sua

equipe. Ao tomar conhecimento do fato, a IIHF decidiu eliminar o jogador da competição,

268

Tal sentença está disponível no JDI, 2004, pp. 336-340, com extratos e comentários de Dominique Hascher. 269

JDI, 2007, p. 252. 270

Em posicionamento semelhante, a sentença da Turma ad hoc de 5 de fevereiro de 2002 – S. Prusis c/ COI e

Federação Internacional de Bobsleigh e de Luge. JDI, 2003, pp. 263-271, com extratos e comentários de Éric

Loquin. 271

JDI, 2001, pp. 259-268, com extratos e comentários de Éric Loquin.

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71

mas não penalizou a equipe sueca. O Comitê Olímpico Tcheco, e não os CON‟s das equipes

que foram batidas pela equipe sueca, contestou tal decisão. O argumento levantado foi que a

equipe tcheca esperava enfrentar nas quartas-de-final do torneio um adversário menos capaz,

e que isso seria possível, caso a equipe sueca fosse sancionada pela perda de seus dois

primeiros jogos. A demanda do Comitê tcheco fundava-se no artigo 204(7) do regulamento do

IIHF, que prevê que, se a não-qualificação de um ou mais jogadores é demonstrada no curso

do campeonato, os jogos realizados com os jogadores devem ser considerados como perdidos.

Contudo, a perda dos jogos vencidos pela equipe sueca traria conseqüências à competição

Olímpica272

. Nessa complicada situação, o TAS recorreu ao princípio do fair play:

Com relação ao Comitê Olímpico tcheco, este está singularmente mal fundado em

insistir sobre a aplicação de uma regra nas circunstâncias em que sua equipe não foi

ao menos afetada pela infração, não tendo mesmo jogado na divisão da Suécia. A

equipe tcheca deseja ser tratada como aqueles que alcançaram um resultado melhor

nas partidas da primeira rodada, enquanto que a Rússia [classificada em primeiro no

grupo da República Tcheca e que não questionou a decisão da IIHF] seria privada

dos frutos de sua vitória. A Turma estima que essa atitude contraria o ideal olímpico

do fair play273

.

Ponderando que a equipe tcheca não foi, nem de perto, a maior prejudicada, o TAS

coloca à frente o princípio do fair play ligado ao “ideal olímpico”. O princípio é oriundo da

Carta Olímpica e afirmado como norma fundamental que rege as provas olímpicas. Tal

princípio permite rejeitar a interpretação estrita do regulamento da IIHF, descartando esta

regra para as competições olímpicas, pois falsearia a sinceridade dos resultados finais e uma

melhor adequação. No direito esportivo, é fraudulento utilizar uma regra para obter um

resultado que fira o princípio do fair play. No caso, havia um paradoxo: uma regra destinada a

assegurar a sinceridade das competições estava servindo de argumento perverso que falsearia

os resultados adquiridos no campo de jogo pelas equipes não culpadas274

. O TAS preferiu

afastar a regra, aplicando o princípio. Em conseqüência disso, criou um padrão

interpretativo275

.

A responsabilidade estrita é outra criação interpretativa do TAS. Ao contrário do fair

play, a responsabilidade estrita não possuía, inicialmente, um correspondente legal específico

que a justificasse. Posteriormente, algumas FI‟s consagraram-no em suas legislações, mas foi

no CMA que possibilitou maior visibilidade e contribuição na uniformidade276

. A sentença nº

272

Ibidem, pp. 266-267. 273

Ibidem, p. 265. 274

Ibidem, pp. 267-268. 275

Cf. Foster, 2005, pp. 4-5. 276

Artigo 2.1 do CMA.

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72

95/141, de 22 de abril de 1996 – C. c/ Federação Internacional de Natação Amadora

(FINA)277

expõe como funciona esse instrumento. Depois de um exame antidoping, foi

encontrada no corpo da nadadora C. substância proibida na legislação da FINA. Já na

legislação previa que “a só presença do produto proibido no corpo do atleta constituía uma

violação da proibição do doping e que [...] a só absorção de estimulantes justificava uma

sanção imediata”278

. A consagração da responsabilidade estrita afasta a existência de culpa do

atleta para que a pena seja aplicada. A recorrente criticou esse sistema de responsabilidade

sem culpa. Todavia, o TAS afirmou que a aplicação literal do princípio geral Nulla poena sine

culpa “poderia ter conseqüências nefastas sobre a eficácia das medidas antidoping”, pois as

“federações esportivas deveriam provar o caráter intencional do ato (vontade de se dopar para

melhorar performances) para poder aplicar sanção”279

. Nessa situação, o TAS acredita que a

responsabilidade estrita deve prevalecer, principalmente, quando a igualdade esportiva está

em jogo. Para o Tribunal, C. não reuniu o conjunto de provas formais que pudesse reverter a

presunção de culpa. Porém, o recurso foi parcialmente aceito, porque a sanção pronunciada

não é proporcional às circunstâncias da causa, tendo em vista os depoimentos que apontam

para uma excelente moralidade e comportamento exemplar da atleta. Assim, a pena da atleta

foi reduzida de dois anos de suspensão para a possibilidade imediata de competir a partir da

sentença280

. Nota-se que, mesmo excluindo a análise da existência de culpa, não é automática

a aplicação da pena sob o argumento da responsabilidade estrita281

.

A responsabilidade estrita é encarada como fundamental para que se concretize a

igualdade esportiva. O resguardo desta é grande o suficiente para reinterpretar a presunção de

inocência. Na sentença nº 98/214, de 17 de março de 1999 – B. c/ Federação Internacional de

Judô (FIJ)282

, o TAS assim se pronunciou sobre o tema:

Todo atleta se beneficia da presunção da inocência até que a presença de uma

substância proibida em seu organismo seja encontrada. A prova dessa presença

incumbe à organização esportiva responsável do controle antidoping. Segundo a

jurisprudência constante do TAS, o sistema da responsabilidade objetiva deve

prevalecer quando a igualdade esportiva está em jogo. A presença de uma substância

proibida no corpo do atleta tem duas conseqüências. A primeira, é que o atleta está

desqualificado da competição à ocasião da qual o controle antidoping teve seu lugar.

Essa sanção intervém pela igualdade esportiva em face de outros atletas que

277

JDI, 2001, pp. 282-291, com extratos e comentários de Gérald Simon. 278

Ibidem, p. 283. 279

Ibidem, p. 286. 280

Ibidem, p. 288. 281

Sobre temática semelhante e que reforça a ausência de penas automáticas, Cf. sentença nº 00/011 Andreea

Raducan c/ Comitê Olímpico Internacional, de 28 de setembro de 2000, da divisão ad hoc do TAS. 282

JDI, 2002, pp. 336-340, com extratos e comentários de Gérald Simon.

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participaram da competição. A segunda conseqüência é que a presença da substância

proibida influencia uma presunção de culpabilidade que pode ser revertido pelo

atleta.283

Assim como na presunção de inocência, na sentença nº 2001/A/317 A. c/ Fédération

Internationale de Luttes Associées (FILA), de 9 de julho de 2001, o TAS afasta também a

aplicação do princípio geral in dubio pro reo sob o argumento de que “as relações entre

Federação Internacional e atleta são de natureza civil e não deixa espaço para a aplicação de

princípios de direito penal”. Afastar a aplicação deste princípio é possível na ordem

desportiva, mas não sob esse argumento, eis que o próprio TAS utiliza vários dos princípios

gerais do direito penal para justificar sua decisão, como mais à frente se demonstrará. O que

se quer deixar claro, apesar desta argumentação, é que o in dubio pro reo é desconsiderado,

também, em função da igualdade esportiva, ou seja, a igualdade de chances para vencer uma

competição.

O TAS é capaz de auto-limitar sua competência em julgar quando estabelece a não-

intervenção nas decisões dos esportes oficiais, dando outro sentido, assim, ao controle sobre

as “regras do jogo”. Apesar de defender que essas regras são meramente técnicas e não

jurídicas, esse é o pressuposto para não intervir nas decisões tomadas no campo de jogo. A

sentença da Turma ad hoc do TAS (JO Atlanta 1996) nº 006, de 1º de agosto de 1996 – M. c/

Associação Internacional de Boxe Amador (AIBA) 284

– relata o caso do atleta que se dirigiu

ao TAS para requerer a vitória no ringue. Alegou que foi atingido por golpes baixos por outro

atleta na competição de boxe dos Jogos Olímpicos. Trazendo elementos da doutrina, do

direito comparado esportivo e da própria jurisprudência, o TAS afirmou que se controlasse as

regras do jogo estaria no campo do arbitrário ou do ilegal. Nesse contexto, o TAS justificou:

No caso, a decisão do árbitro, confirmada pela AIBA, é uma decisão puramente

técnica [...]. A aplicação dessa regulamentação não pode ser revista pela Turma ad

hoc. Essa limitação é particularmente importante que, longe do curso da ação, a

Turma ad hoc é pior localizada para decidir que o árbitro do campo ou os juizes de

ringue; a limitação sub-mencionada deve se fixar às decisões ou normas técnicas; ela

não se aplica quando tais decisões são tomadas em violação da lei, as

regulamentações sociais ou dos princípios gerais do direito, que não é o caso em

espécie285

.

Como o atleta não comprovou má-fé ou abuso dos árbitros, o TAS rejeitou seu recurso.

Em decisão semelhante, a sentença nº 02/007, de 23 de fevereiro de 2002 – Comitê Olímpico

283

Ibidem, p. 336. 284

JDI, 2001, pp. 268-282, com extratos e comentários de Gérald Simon. 285

Ibidem, p. 270.

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Coreano c/ International Skating Union (ISU)286

– o TAS rejeitou a idéia de assistir o vídeo

demonstrando que houve erro ou abuso do árbitro, sob o risco de embarcar em uma revisão

puramente técnica do campo de jogo. Para o Tribunal, o erro faz parte do jogo, seja pelos

atletas ou por juízes. Porém, nem todo erro pode ser revisto, não dando abertura para que o

atleta conteste uma decisão porque ele concorda ou não com o juiz287

.

Em decisão diferente sobre o mesmo tema, a sentença nº A/340, de 19 de março de

2002 – S. c/ Federação Internacional de Ginástica (FIG)288

– trata do caso em que foram dadas

notas desproporcionais às performances apresentadas. O relatório que apresentava essa

aplicação absurda de notas foi confirmado por testemunhas, além de ter sido objeto de críticas

da imprensa especializada. A recorrente fazia parte do júri que foi punido pela Federação

Internacional. Descartando o princípio da presunção de inocência, o TAS considerou que

houve abuso por parte do júri e que a recorrente administrou condenavelmente a prova e não

observou as obrigações decorrentes do código de pontos da FIG. Com isso, o recurso foi

rejeitado.

Foram apresentados alguns dos principais preceitos interpretativos construídos pelo

TAS. Foi possível notar que os mais diversos esportes, regidos pelos mais diversos Estatutos,

possuíram observações semelhantes levando em conta problemas jurídico-desportivos

comuns. Contudo, o TAS faz uso de outro instrumento que possibilita uma maior

harmonização da lex sportiva sem sair do contexto jurídico: os princípios gerais de direito.

4.4 Princípios gerais de direito revisitados

Constituindo reminiscência do direito natural, os princípios gerais de direito

apresentam-se como regras estruturais do sistema jurídico. São na verdade máximas que se

consolidaram nas ordens jurídicas do ocidente, podendo ser compostas por vezes princípios e

regras. Adquirindo o caráter de norma geral, os princípios gerais, em sua forma indefinida,

colaboram na coesão entre normas como um todo. Contribuem com a imperatividade total do

sistema e servem de metalinguagem para as demais fontes289

. Os princípios gerais são

constituídos de regras preexistentes, de origem expressa ou induzida das diversas ordens

jurídicas, principalmente em casos de omissão ou lacunas da lei. No primeiro caso, trata-se de

286

JDI, 2003, pp. 303-308, com extratos e comentários de Gérald Simon. 287

Ibidem, p. 306. 288

Ibidem, pp. 308-321, com extratos e comentários de Gérald Simon. 289

Ferraz Jr., 2008, p. 213; Neves, 2010, p. 9. Em Bobbio, 1999, p. 158, existe uma diferença com o autor

mencionado. Apesar de considerar uma norma geral, afirma que os princípios gerais se apresentam como

normas, o que no primeiro não é admitido.

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autointegração; no segundo, heterointegração. Na proposta de estruturar, a sua utilização

recorrente reforça a construção de uma jurisprudência arbitral290

. Além disso, o que tornam os

princípios gerais de direito um ponto interessante de estudo sob a óptica da lex sportiva é o

fato de serem utilizados a partir da heterointegração, mas sempre com toques transformadores

da sua utilização original.

Uma parte importante dos princípios gerais de direito declarados pelo TAS demonstra

forte inspiração nas ordens estatai. Todavia, na maior partes das decisões, os princípios gerais

aplicados pelo TAS não são tirados de uma ordem estatal identificada. Certas Turmas

demonstram que o princípio “é compartilhado por uma pluralidade de ordens jurídicas

nacionais, o que justifica sua aplicação ao esporte internacional”291

. Na decisão nº 98/200, de

20 de agosto de 1999 – AEK Athens e SK Slavia Prague c/ Union of European Football

Associations (UEFA)292

, o Tribunal afirma que, “dado o caráter transnacional das

competições esportivas, os efeitos da conduta e os atos das Federações Internacionais se

fazem sentir em toda a comunidade esportiva de vários países”. Os atos das FI‟s não podem se

reduzir a sua própria legislação e aos condicionamentos jurídicos dos países sedes. Portanto,

os princípios gerais de direito, “elaborados a partir da leitura de um denominador comparativo

ou comum de várias ordens jurídicas nacionais”, tornam mais consistente a argumentação

jurídica na lex sportiva, servindo, também, como elemento de conexão com as outras ordens.

O processo de abstração do princípio sucede a consideração de sua própria ordem. Ou

seja, ela deve ser capaz de ser adaptável à ordem transnacional desportiva, sendo compatível

com as necessidades desta. Isso explica a postura do TAS em recusar a aplicação do princípio

geral de direito da nulla poena sine culpa. O princípio precisa de adaptação à ordem,

ganhando, por vezes, novas significações não pensadas inicialmente. É o caso dos princípios

gerais oriundos de matérias penais das ordens estatais, que, na lex sportiva, ganha outro modo

de ser observado, isto é, se desnacionaliza e se adapta ao ambiente transnacional293

. Essa

transposição parece mais uma “irritação jurídica”, pois

Institutos jurídicos não podem ser simplesmente retirados de um contexto e

introduzidos em outros, como se faz com a transferência de uma peça de uma

máquina para outra. Institutos jurídicos são tecidos delicados, que devem ser

290

Loquin, 2009, pp. 173 e 174. 291

Latty, 2007, 305-306. 292

Com extratos e comentários de Latty, 2007, p. 306. 293

Latty, 2007, pp. 310-311.

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plantados com muita cautela e ser cuidados em seu novo ambiente com bastante

zelo294

.

Quando um instituto estrangeiro à ordem esportiva é imposta para promover uma

mudança, “ela atua como uma irritação, uma dolorosa perturbação do mecanismo jurídico que

redunda numa cadeia de novos e inesperados acontecimentos”295

. Diante dessa irritação,

compreende-se porque se busca adequar na ordem transnacional desportiva, por exemplo, o

doping aos princípios gerais de direito referentes a matérias penais, aproximando tal ato a uma

postura criminal. Porém, ao mesmo tempo, esta conduta induz a princípios gerais que

estruturarão maiores possibilidades de defesa ao autor.

A sentença da Turma ad hoc (JO Nagano 1998) 002, de 12 de fevereiro de 1998 – R. c/

Comitê Olímpico Internacional (COI)296

– faz bom uso da utilização do princípio da

legalidade. Após ter sido descoberta a utilização de maconha na urina de um atleta, a

comissão executiva do COI, com indicação da comissão médica, decidiu retirar a medalha de

ouro que tinha sido atribuída na prova de que o atleta participara. O atleta recorreu da decisão,

alegando que não havia base legal para a imposição de tal pena. O TAS acatou a interpretação

do recorrente. Afirmou que reconhecia que, do ponto de vista médico e ético, o uso de

maconha é uma preocupação social séria, mas que “não é um tribunal penal e não pode nem

promulgar, nem aplicar as leis penais”. Assim, “o TAS deve decidir sob o contexto do direito

esportivo, não podendo inventar proibições ou sanções quando elas não existem”297

.

Em situação e esporte diversos, mas com argumentação parecida, o TAS, em decisão nº

2009/A/1935, de 12 de novembro de 2009 – Federação Real Marroquina de Futebol c/

FIFA298

– reforçou a legalidade da estrutura esportiva ao declarar a necessidade princípio da

nulla poena sine lege. Nas eliminatórias da Copa do Mundo de futebol, um jogador da

seleção do Togo recebeu dois cartões amarelos em duas partidas seguidas. A FIFA confirmou

à FN que o atleta estava suspenso automaticamente do jogo seguinte contra o Gabão. No

entanto, o jogador participou deste jogo e de mais outro, contra Marrocos. A Federação

marroquina reclamou que, como ele não cumprira sua punição, deveria cumprir no jogo entre

Marrocos x Togo, concluindo que esta seleção deveria perder esse jogo pelo placar de 3x0. A

294

Teubner, 2005, p. 156. 295

Ibidem, p. 157. 296

JDI, 2001, pp. 291-297, com extratos e comentários de Gérald Simon. Em sentido semelhante, JDI, 2002, pp.

335-340, com extratos e comentários de Gérald Simon da decisão nº 99/A/230, de 20 de dezembro de 1999 – B.

c/ Federação Internacional de Judô (FIJ). 297

Ibidem, p. 291. 298

JDI, 2010, pp. 260-278, com extratos e comentários de Éric Loquin.

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FIFA informou que não aplicava a suspensão ao jogo seguinte por falta de previsão legal.

Diante da negativa da FIFA em dar-lhe os pontos da partida, a Federação marroquina recorreu

ao TAS299

. Não entrando no mérito se os cartões amarelos eram ou não justificáveis (regras

do jogo), o TAS se fixou na questão se o jogador era qualificável para o jogo contra

Marrocos300

. Para preservar os direitos elementares do indivíduo perseguido disciplinarmente,

o TAS considera importante o princípio da nulla poena sine lege, sendo impossível considerar

uma sanção aplicável fundando-se em um artigo que não prevê expressamente ou indica a

data à qual essa hipotética suspensão deve ser realizada301

. Com isso, rejeitou o recurso

proposto pela FN marroquina.

A sentença nº 2000/A/289, de 12 de janeiro de 2001 – União Ciclista Internacional

(UCI) c/ C. & Federação Francesa de Ciclismo (FFC) retrata a utilização do princípio geral do

lex mitior. Antes de terem sido criados a AMA e o CMA, a UCI criou um regulamento

antidoping, que compreendia a lista de substâncias, métodos e as provas esportivas que iriam

ser objeto do exame antidoping. O atleta C., francês, havia declarado em entrevista, em abril

de 2000, que fez uso de substâncias proibidas, inclusive, em competição de 1996, quando foi

campeão mundial. Sua confissão, segundo ele, tinha o intuito de chamar a atenção para o

fenômeno do doping. Em maio de 2000, o presidente da comissão antidoping da FI pediu à

Federação francesa que abrisse um processo disciplinar contra C., nos termos da legislação da

FI. Em junho, a Federação Francesa condenou a um ano acompanhado de sursis, uma multa e

a desqualificação de seu título mundial. Em agosto de 2000, a UCI recorreu do sursis

concedido a C. por causa de sua violação ao regulamento da FI. Contudo, segundo o TAS, o

regulamento da época da infração deveria ser aplicado, pois era mais benéfico ao atleta. No

caso, isso configurava a aplicação do princípio da lex mitior:

Segundo esse princípio, igualmente aplicado em matéria penal e regularmente

adotado pelo TAS segundo uma jurisprudência constante, a autoridade encarregada

de sancionar deve aplicar lei nova, se esta é mais favorável ao réu, mesmo quando os

fatos incriminados tenham ocorrido antes da entrada em vigor.

A aplicação desse princípio teve em vista “o caráter quase penal das sanções

disciplinares que elas permitem infligir”. Assim, o TAS decidiu diminuir o prazo de

suspensão, mas com três meses de sursis, e manteve as outras penas de multa e

desqualificação do título vencido. É possível notar que, em determinados momentos, o TAS

299

Ibidem, p. 261. 300

Ibidem, p. 276. 301

Ibidem, p. 278.

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se aproxima do direito penal, apesar de se afirmar como um Tribunal não-penal – o que é

verdade – mas sem negar as proximidades entre as sanções disciplinares e o direito penal.

O TAS até admite o princípio do non bis in idem, mas os casos relatados não serviram

de aplicação ao princípio. Na decisão nº 2004/A/ 549, de 27 de maio de 2004 – D. & Real

Federacion Española de Gimnasia c/ Fédération Internationale de Gymnastique (FIG), o atleta

recorrente achava que estava sendo punido no mesmo período duas vezes, pela Federação

Nacional e a FI. Afirmou que tal fato incorria no princípio mencionado. Todavia, o TAS

afirmou que o princípio não poderia vingar no caso, considerando que as sanções que lhe

foram aplicadas tinham um objeto diferente. Não havia a punição duas vezes pelo mesmo

fato, senão por fatos diferentes que incorriam em sanções semelhantes.

Apesar de, em determinadas circunstâncias, o TAS afastar o princípio do in dubio pro

reo, como acima demonstrado, o Tribunal é capaz de recorrer ao mesmo princípio para

justificar a inocência do recorrente. A decisão nº 98/222, de 9 de agosto de 1998 – B. c/

International Triathlon Union (ITU) – descreve o caso em que o atleta foi punido pela FI,

porque foi encontrado em seu organismo substâncias proibidas. Porém, foram encontradas

baixas concentrações da substância, encontrando-se no âmbito da incerteza científica, isto é,

na “zona cinza”, podendo ser também de produção endógena. Não negando a

responsabilidade estrita como elemento importante para a lex sportiva, nesses casos de

incerteza, faz-se valer do princípio in dubio pro reo, principalmente, porque a outra parte deve

provar os fatos alegados com certeza. A aplicação do tal princípio, quando o caso se encontra

na “zona cinza”, não colidia com as disposições legais da época.

Decorrente da responsabilidade estrita, o TAS interpreta o princípio da

proporcionalidade de forma a negar que todas as condutas possuam a mesma pena. Na

sentença nº 97/180, de 14 de janeiro de 1999 – P. & consortes c/ Federação Internacional de

Natação Amadora (FINA)302

, apesar de ter confirmado a pena da FINA aos nadadores que

foram pegos no exame antidoping, o TAS afirmou que “a sanção pode ser atenuada

proporcionalmente às circunstâncias do caso concreto”303

. Embora haja previsão legal que

limite a possibilidade de aplicação da pena, o Tribunal pode, em função do caso concreto,

aplicar pena menor que a prevista, como ocorrido na sentença nº 95/141, de 22 de abril de

302

JDI, 2002, pp. 340-342, com extratos e comentários de Gérald Simon. 303

Ibidem, p. 341.

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1996 – C. c/ Federação Internacional de Natação Amadora (FINA). Tal postura obrigou

mudanças na legislação antidoping, chegando a influenciar o CMA posteriormente304

.

Existem outros princípios gerais que são comuns a mais matérias, não se reduzindo à

estrutura penal305

. O TAS declarou o respeito aos direitos de defesa a toda pessoa que sofreu

sanção, em especial, o direito de ser ouvido306

(“a comissão jurídica da FEI violou o princípio

jurídico geral previsto pelo Estatuto, do direito de ser ouvido”), o direito de apresentar

testemunhas307

(“[a recusa de testemunhas] não é, em si, constitutiva de uma violação dos

direitos de defesa, desde que a recusa em ouvir testemunhas não tenha sido arbitrária e seja

objetivamente justificada”) e a igualdade das partes308

(“É permitido demandar se, nessas

circunstâncias, o princípio da igualdade das partes foi respeitado”).

Nota-se que os princípios gerais de direito cumprem seu papel de estruturação e

conexão entre ordens, eis que é comum a quase todas elas. Vários desses princípios

encontram-se, atualmente, previstos nas mais diversas Constituições. Nesse processo de

conexão entre ordens, nem sempre os princípios gerais de direito serão suficientes para

justificar uma decisão, quando esta conflitar com outra ordem. Nesse sentido, existirão

problemas jurídicos de característica constitucional comuns a diversas ordens, mas com

soluções diversas para esses mesmos problemas. A lex sportiva, em algumas situações,

precisará se afirmar perante outras ordens, através da eficácia de suas decisões, configurando

um problema constitucional relativo à soberania jurídica. Problemas como esse possibilitarão

a verificação de quais são os limites da autonomia da ordem desportiva. Nesse contexto, o

transconstitucionalismo aparece como um promotor da horizontalização do debate.

304

Cf. artigo 10 e 11 do CMA. 305

Cf. Latty, 2007, pp. 319-323. 306

Sentença nº 91/53, de 15 de janeiro de 1992 – G. c/ FEI, com extratos de Latty, 2007, p. 318. 307

Sentença nº 2000/A/290, de 2 de fevereiro de 2001 – A. Xavier & Everton F.C. c/ UEFA, com extratos de

Latty, 2007, p. 318. 308

Ibidem, p. 319.

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5 LIMITES DA AUTONOMIA JURÍDICA E O

TRANSCONSTITUCIONALISMO

Nos capítulos anteriores, foi mostrado como é possível a lex sportiva regular-se,

administrar-se e julgar suas causas. Notou-se que toda a estrutura condiciona a participação

ou não de seus membros nas competições esportivas organizadas pelas FI‟s. Mesmo nas

causas em que o TAS flerta em construir um direito trabalhista peculiar ao direito

desportivo309

, o pano de fundo que as compõem é a participação nas competições. Porém,

questões como essa tocam outras ordens jurídicas, que podem julgar-se competentes para a

resolução de tais lides, mostrando que a “autonomia de uma ordem jurídica não significa

nulamente uma autarquia absoluta”310

. Refletir sobre as possíveis relações entre ordens, diante

de problemas jurídicos comuns, é entender os limites da autonomia de uma ordem311

.

O simples fato de a ordem desportiva se encontrar assentada em algum país impõe que

esta se condicione a algumas regulamentações nacionais. Ao mesmo tempo, esses

condicionamentos não podem inutilizar a lex sportiva, a ponto de negar a existência de uma

outra forma de pensar o próprio direito. Verifica-se que é fundamental que haja o diálogo

entre soberanias jurídicas, com a perspectiva de que exista uma horizontalização entre ordens.

Da mesma forma, nota-se que, ao se falar de soberania, se entra em outra esfera do debate que

traz à tona aspectos constitucionais. Apesar de ser uma ordem privada, boa parte da afirmação

da autonomia da lex sportiva vai tangenciar problemas constitucionais.

O presente capítulo tem por objeto estabelecer os limites da autonomia da lex sportiva

quando confrontada com estruturas jurídicas diversas, isto é, a ordem nacional, do país sede,

internacional e comunitária. Para a melhor compreensão de seus limites, será objeto desse

capítulo, sempre que possível, a transformação de conceitos constitucionais operada pela lex

sportiva. Do mesmo modo, identificar-se-ão os problemas de ordem transconstitucional e as

309

Cf. sentença nº 2008/O/1643, de 15 de junho de 2009 – Vladimir Gusev c/ Olympus SARL – JDI, 2010, pp.

251-260, com extratos e comentários de Dominique Hascher. 310

Latty, 2007, p. 416. 311

Ibidem.

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81

possibilidades de entrelaçamento entre ordens para sua solução. Para que isto seja

compreensível, inicia-se esclarecendo o que é o transconstitucionalismo.

5.1 O transconstitucionalismo

Problemas de direitos fundamentais (e humanos) e de controle e limitação do poder têm

se tornado cada vez mais relevantes para mais de uma ordem, incluindo, também, as que não

possuem participação do Estado. Esses problemas chamam as ordens para se manifestar,

“implicando uma relação transversal permanente entre ordens jurídicas em torno de

problemas constitucionais comuns”. Apesar de ter origem no Estado, o direito constitucional

mostra que cada vez mais se emancipa dele, “tendo em vista que outras ordens jurídicas estão

envolvidas diretamente na solução dos problemas constitucionais básicos, prevalecendo, em

muitos casos, contra a orientação das respectivas ordens estatais”312

.

Em seu trabalho Transconstitucionalismo, Marcelo Neves trata desses problemas,

partindo do nascimento da sociedade moderna enquanto sociedade mundial, o que implica a

desvinculação da formação social das organizações políticas territoriais e, conseqüentemente,

ultrapassando fronteiras territoriais313

. O que reforça esta idéia é a capacidade de

determinados sistemas não dependerem da segmentação territorial, como, por exemplo, a

economia. A política, ao contrário, depende desta segmentação, porque suas decisões,

coletivamente vinculantes, dependem de seus processos que se desenvolvem no plano

regional314

. Uma sociedade moderna multicêntrica, espelhada nos mais diferentes modos de

comunicação com pretensão de autonomia, necessita de mecanismos que possibilitem

“vínculos construtivos de aprendizados e influência recíproca entre as diversas esferas

sociais”315

.

O autor percebe que o conceito de “razão transversal”, proposto por Welsch, tem espaço

na construção de vínculos construtivos. Diferentemente do acoplamento estrutural (mas sem

negar afinidade), há uma “complexidade preordenada” de um sistema posto à disposição do

outro de forma acessível, possibilitando o “intercâmbio construtivo de experiências entre

racionalidades parciais diversas”316

. Fala-se, portanto, de uma razão que “está envolvida com

entrelaçamentos que lhe servem como „pontes de transição‟ entre heterogêneos”317

. Essa

312

Neves, 2009, p. XXI. 313

Ibidem, p. 26. 314

Ibidem, pp. 30-31. 315

Ibidem, pp. 34-35. 316

Ibidem, pp. 37-38. 317

Ibidem, p. 39.

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82

perspectiva pode ser compreendida na Constituição do Estado com suas racionalidades já

processadas, isto é, na política, a democracia, e no direito, o princípio da igualdade318

.

Após uma delimitação semântica do termo “Constituição”, o autor contrapõe com uma

iniciativa inflacionária deste, não concordando com a utilização, sobretudo, na condição

transnacional do termo. Colocando como exemplo a lex mercatoria, o autor salienta que esta

ordem encontra uma autonomia deficiente diante de processos econômicos globais,

proporcionando fenômenos tipicamente de um “direito corrupto”. É, antes de tudo, um

instrumento econômico a serviço da eficiência do sistema. Portanto, defende que é mais

adequado compreender os entrelaçamentos que existem entre ordens jurídicas diante dos

diferentes tratamentos aos problemas constitucionais na sociedade mundial319

. Para tanto, o

autor reconhece que existe a “proliferação de ordens jurídicas diferenciadas, subordinadas ao

mesmo código binário, isto é, „lícito/ilícito‟, mas com diversos programas e critérios”,

resultando uma “diferenciação no interior do sistema jurídico” 320

. A multiplicação de relações

entre essas ordens ganha maior relevância quando se nota a existência de “pontes de

transição” desenvolvidas a partir dos respectivos juízes e tribunais321

. Daí que o centro de uma

ordem jurídica (os juízes e tribunais) servirá, nessa situação, como periferia de outro,

desenvolvendo uma relação de aprendizado, sem que haja “o primado definitivo de uma das

ordens, uma ultima ratio jurídica” 322

.

É oportuno abrir um breve parêntese sobre o último parágrafo. Concorda-se com essa

observação sobre Constituição que o autor traz à tona, mas fazem-se, aqui, algumas ressalvas

no que toca à lex sportiva. A Constituição é delimitada pelo acoplamento de dois sistemas,

sendo que a política não se encontra presente na esfera esportiva. A idéia de que a lex sportiva

é um instrumento esportivo a serviço da eficiência do sistema, incorrendo no risco de

corrupção do direito, é mais facilmente verificável nas estruturas federativas ou nos órgãos de

decisão do COI, conforme notado em caso relatado no primeiro capítulo. Contudo, com a

criação do TAS, somada à utilização de padrões interpretativos próprios e de princípios gerais

de direito, foram mitigados os interesses da performance, da estética e do potencial

econômico-midiático em face do direito desportivo. Não se percebe no TAS a utilização de

interesses fora do plano jurídico que justifiquem suas decisões.

318

Ibidem, p. 62. 319

Ibidem, p. 113. 320

Ibidem, pp. 115-116. 321

Ibidem, pp. 116-117. 322

Ibidem, p. 117.

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83

Retornando à visão de que um tribunal pode servir de critério para outro, o autor não

nega que essa “conversação” possui um caráter virtual de disputa sobre o objeto ao qual

incide, não havendo uma cooperação permanente, dada as perspectivas jurídicas diversas323

.

Ele também ressalta que o entrelaçamento não é reduzido na relação entre tribunais (apesar de

ser o principal), eis que a incorporação de sentidos normativos de outras ordens pode ser

constatada na relação informal “entre legislativo, governo e administrações de diversos

países”. Contudo, no que diz respeito ao transconstitucionalismo, o que importa é a

“conversação constitucional”, não cabendo falar de hierarquia estrutural entre ordens, senão

de “incorporação recíproca de conteúdos”, implicando uma “releitura de sentido à luz da

ordem receptora”. Esse aspecto assemelha-se com o fenômeno da “irritação”, tratada por

Teubner ao se receber conteúdo de ordem alheia324

, havendo desarticulação e articulação do

sentido estrangeiro em relação à ordem receptora, sendo possível o contrário325

. Nesse

contexto, ao citarem-se reciprocamente, as cortes vão se dispor ao aprendizado construtivo326

.

Neves expõe que o constitucionalismo – enquanto respostas para a efetivação de direitos

e garantias fundamentais, assim como a limitação e controle do poder estatal – ganhou

contornos normativos e transterritoriais que levam à “necessidade de abertura do

constitucionalismo para além do Estado”327

, deixando “de ser um privilégio do direito

constitucional do Estado, passando a ser enfrentado legitimamente por outras ordens jurídicas,

pois passaram a apresentar-se como relevantes para essas”328

. Assim, no

transconstitucionalismo, o importante é identificar “que os problemas constitucionais surgem

em diversas ordens jurídicas, exigindo soluções fundadas no entrelaçamento entre elas” 329

.

Tendo como base o código binário lícito/ilícito comum a todas as ordens jurídicas, o

aprendizado transconstitucional entre as ordens possibilita afirmar que existe uma abertura

normativa, que “pode ocorrer em face da solução de casos jurídicos nos quais duas (ou mais)

ordens estejam envolvidas”330

. Não há a negação dos programas e critérios próprios. O que

323

Ibidem, pp. 117-118. 324

Em capítulo passado, foi estudado este fenômeno sob o enfoque dos princípios gerais de direito. 325

Neves, 2009, p. 118. 326

Ibidem, p. 119. 327

Ibidem, p. 120. 328

Ibidem. 329

Ibidem, p. 121. 330

Ibidem, pp. 126.

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ocorre, à luz do problema, é que “os conteúdos normativos se transformam no processo

concretizador, possibilitando o convívio construtivo entre ordens”331

.

Diante do contexto apresentado, o autor afirma que o que caracteriza o

transconstitucionalismo, enquanto entrelaçamento que serve à racionalidade transversal332

, “é,

portanto, ser um constitucionalismo relativo a (soluções de) problemas jurídico-

constitucionais que se apresentam simultaneamente a diversas ordens” 333

. Quando questões

constitucionais se submetem “ao tratamento jurídico concreto, perpassando ordens jurídicas

diversas, a „conversação‟ constitucional é indispensável”334

, mas sempre tendo a necessidade,

para o desenvolvimento pleno, da presença, em cada ordem, de princípios e regras que levem

a sério os problemas básicos do constitucionalismo335

.

Ao projetar uma metodologia ao transconstitucionalismo, Neves expõe que seu início

encontra-se na “dupla contingência”, sobretudo entre tribunais336

, em que uma ordem conta

com a possibilidade de que a ação de outra seja diversa daquela que projetou e vice-versa337

.

Uma das mais importantes conseqüências da dupla-contingência é o surgimento da confiança

ou desconfiança338

. Nessa situação, uma ordem, pela impossibilidade de enxergar bem um

problema, tem a possibilidade de vivenciar o relato privilegiado de outra. Para que isso

ocorra, a ordem, primeiramente, deve considerar sua identidade para não incorrer no risco de

perder a diferença com seu ambiente. Quando confrontadas com problemas constitucionais

comuns a diversas ordens, “impõe-se que seja considerada a alteridade”339

, inclusive as que

não se abrem ao diálogo340

. Este, portanto, é o ponto de partida do transconstitucionalismo341

.

Após a explicação do significado do transconstitucionalismo no contexto jurídico

contemporâneo, cabe localizar os limites da autonomia da lex sportiva, quando confrontada,

especialmente, com problemas constitucionais comuns a mais de uma ordem. O primeiro

passo é investigar esses limites diante do contexto da ordem internacional.

5.2 A ordem internacional e a lex sportiva

331

Ibidem. 332

Ibidem, p. 130. 333

Ibidem, p. 129. 334

Ibidem. 335

Ibidem, p. 130. 336

Ibidem, p. 270. 337

Ibidem, p. 271. 338

Ibidem, p. 272. 339

Ibidem, p. 272. 340

Ibidem, p. 276. 341

Ibidem, p. 275.

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De certa forma, as relações entre lex sportiva e direito internacional possuem certa

estabilidade. Não é marca registrada a interferência entre ordens. A criação da AMA, do

CMA e a Convenção da UNESCO, de 2005, que reforçava a luta contra o doping, servem

como ilustração dessa relação, de certa forma, harmoniosa. Todavia, existem episódios

pontuais em que a ordem desportiva foi limitada por determinação de órgãos internacionais,

assim como ordem desportiva já se deparou com questões relativas às Convenções

Internacionais.

A década de 90 ficou marcada pelo conflito armado na antiga Iugoslávia. A tentativa de

determinadas regiões se tornarem independentes foi motivo de uma guerra que resultou em

intervenção internacional. A Resolução 757 (1992) do Conselho de Segurança das Nações

Unidas recordava a “responsabilidade primária pela Carta das Nações Unidas para a

manutenção da paz e segurança”342

, decidindo, em seu § 8º, que os Estados membros tomarão

“as medidas necessárias para impedir a participação em eventos esportivos sob sua cobertura

territorial de pessoas ou grupos que representem a República Federativa da Iugoslávia”343

.

As organizações esportivas não foram mencionadas nessa resolução, o que induz a crer

que a ordem desportiva não seria atingida. Porém, o que mais importa na ordem desportiva

são suas competições, que sempre serão territorializadas. Ao proibir a expressão nacional de

determinado país em um evento esportivo, a resolução limitou a autonomia da lex sportiva

sobre seus atores.

À época, existiam duas competições de grande escalão que teriam a participação efetiva

da antiga Iugoslávia: Eurocopa de futebol e as Olimpíadas. A FIFA e a UEFA (União das

Federações Européias de Futebol) resolveram voluntariamente suspender a federação daquele

país344

. O COI, por sua vez, resolveu buscar outra solução. Como os Jogos seriam realizados

em Barcelona, as autoridades espanholas eram obrigadas a impedir a participação desses

atletas, recusando acesso em seu território. A fim de garantir a universalidade dos Jogos, o

COI se baseou no que é hoje a Regra 6.1 da Carta Olímpica (“Os Jogos Olímpicos são

competições entre atletas [...] e não entre países”) para criar uma equipe independente

formada por atletas Iugoslavos, Macedônios e da ex-União Soviética345

. Foi dessa forma que

342

Resolução nº 757, p. 14. 343

Comentários sobre essa resolução, Latty, 2007, pp. 666-669. 344

Ibidem, p. 667. 345

Ibidem, p. 668.

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o COI conseguiu garantir a participação desses atletas sem que houvesse maiores estragos da

ordem internacional.

As questões constitucionais ficam mais como pano de fundo diante dessa situação. A

Resolução declara as penas em função do desrespeito da antiga Iugoslávia em não permitir

acesso à ajuda humanitária, como previa a Resolução 752 (1992). Havia uma discussão que

enveredava para o desrespeito dos direitos humanos, mas o Conselho de Segurança não levou

em consideração a soberania e a nacionalidade segundo a ordem desportiva. Por um lado,

embora os atores sejam apenas os países vinculados ao Conselho, tomar uma decisão de

representatividade esportiva, sem ter em conta a ordem jurídica desta, é desprezar a

alteridade; por outro, a ordem desportiva, por parte do COI, conseguiu reinterpretar as

obrigações internacionais para que os atletas não se prejudicassem. É interessante notar que a

ordem desportiva vai dar novos significados ao sentido de nacionalidade num âmbito que

também envolve o contexto internacional346

. Este primeiro exemplo merece destaque, mas se

reconhece que ele fica mais no plano político, ricocheteando questões jurídicas. O caso que

mostraremos a seguir terá um ambiente eminentemente jurídico, isto é, o TAS que julgará

sobre um assunto que diz respeito também a direitos humanos.

No caso nº 2008/A/1480, de 16 de maio de 2008 – Pistorius c/ IAAF – uma importante

questão constitucional foi tratada com relação às pessoas com deficiência. O atleta Oscar

Pistorius, cidadão sul-africano e competidor dos 100, 200 e 400 metros rasos, recorreu de

decisão tomada pela IAAF que o proibira de competir contra atletas sem deficiência. Ele não

possuía ambas as pernas e utilizava duas próteses, que, segundo a IAAF na Regra 144.2(e),

lhe fazia ter maiores vantagens com relação aos seus adversários. O caso mostra que o atleta

vinha em uma crescente em seus resultados a ponto de conseguir tempos próximos de atletas

de níveis olímpicos sem deficiência, o que o credenciava a deixar de competir com as pessoas

com deficiência. Sob a alegação de que se beneficiava das próteses, o Conselho da IAAF

resolveu proibi-lo de competir.

No recurso, algumas questões foram levantadas, mas o que chama a atenção foi ter sido

levado à discussão a “Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência”. O recorrente

alegou que a IAAF negara seus direitos humanos fundamentais, incluindo os princípios e

valores olímpicos. Tendo como base para a resolução de conflitos o regulamento da IAAF e,

para as questões de fundo, a ordem jurídica de Mônaco (país sede da IAAF), a Turma

346

No próximo capítulo, o tema será retomado.

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verificou se Convenção era ou não aplicável ao caso. Ela verificou que a Convenção não foi

ratificada e promulgada em legislação do Principado. Embora, de início, já afastasse a

aplicação da Convenção, o TAS fez questão de analisar se as previsões da Convenção

poderiam ser aplicadas ao caso, tomando como exemplo o artigo 30.5, que dispõe que os

Estados Partes deverão encorajar e promover a participação das pessoas com deficiência nas

atividades em todos os níveis com vista a permitir-lhes participar em igualdade de condições

às atividades esportivas. A Turma interpreta a Convenção como se ela requeresse que um

atleta, como o recorrente, fosse permitido a competir nas mesmas condições que outros

atletas, sendo esta a questão a ser decidida. Ou seja, se ele está ou não competindo em uma

base igual com outros atletas que não utilizam a sua prótese. Assim, conforme declarou, se a

Turma decidisse que o atleta ganhava alguma vantagem sobre os outros competidores, a

Convenção não o assistiria no presente caso.

O TAS acatou o recurso do atleta. Porém, o argumento foi de que a IAAF, sendo a

responsável pelo ônus da prova, não conseguiu demonstrar que aquela prótese desigualava as

condições entre competidores. A Turma deixou em aberto a questão, caso alguma nova

pesquisa conseguisse provar que ele era beneficiado desigualmente. A Turma rejeitou a

argumentação baseada na discriminação ilegal. Sobre este fato, existe um ponto de discussão

com potencial conflitivo constitucional.

A igualdade de acesso das pessoas com deficiência possui uma das características do

princípio constitucional da igualdade. Este princípio possui duas perspectivas inseparáveis,

sendo uma referente “à neutralização de desigualdades fácticas na consideração jurídico-

política de pessoas e grupos”347

e outra em que “procedimentos constitucionais apresentem-se

como sensíveis ao convívio dos diferentes e, dessa maneira, possibilitem-lhes um tratamento

jurídico-político igualitário”348

. A Convenção no artigo 30.5 prevê que “Para que as pessoas

com deficiência participem, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de

atividades recreativas, esportivas e de lazer, os Estados Partes tomarão medidas apropriadas

[...]”. Esta perspectiva de igualdade da Convenção, mais ligada à segunda perspectiva do

princípio, “concerne ao direito a ser tratado como um igual ou ao direito de igual respeito e

consideração”349

.

347

Neves, 2008, p. 170. 348

Ibidem. 349

Ibidem, p. 171.

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Nesse caso, sob o ponto de vista da lex sportiva, pode-se verificar que essa noção do

princípio da igualdade apresentada pela Convenção ganha uma nova significação. A

igualdade esportiva tem o sentido de que todos os atletas terão a mesma chance de conquistar

a vitória, sendo, a melhor performance, a premiada. A “igualdade de oportunidades” referida

na Convenção ganha o sentido de “mesma chance de conquistar a vitória” no direito

desportivo. Assim, “o direito de ser um igual”, no âmbito internacional, só possui concretude

na esfera esportiva se visada a igualdade de chances na competição. A condição de pessoa

com deficiência não é encarada da mesma maneira que um “atleta com deficiência” no plano

esportivo. Portanto, o TAS nota que esse conceito precisa de uma adequação conforme sua

ordem, tendo em vista a coerência que se encontra ao redor de seus eventos, mesmo que isso

acarrete novos olhares sobre o direito constitucional350

.

Verificou-se nesse tópico que os limites da lex sportiva, quando diante da ordem

internacional, não tendem a ser conflitantes. No máximo, é possível notar uma forma de

aprendizado a partir de conceitos alheios à periferia do TAS. Não se encontram conflitos entre

tribunais internacionais e o TAS. A forma mais completa de verificação de problemas e

formas de aprendizado transconstitucionais está quando mais de um tribunal se depara com

problemas constitucionais comuns. Se isto, até o momento, é algo raro no plano internacional,

no contexto estatal e supranacional isso, é comum e conflitante.

5.3 O país sede como limitador da Lex sportiva

O país sede do TAS, do COI e de algumas FI‟s é a Suíça. A necessidade de se

estabelecer em algum território faz com que estas organizações se condicionem a alguns

dispositivos legais estatais. Estas condições possibilitam, em certos casos, a intervenção

estatal em alguma decisão da ordem desportiva. Neste tópico, estes dispositivos e exemplos

de intervenção serão focados, tendo como base a Suíça.

O artigo 23 da Constituição suíça é o primeiro dispositivo a estabelecer que a “liberdade

de associação está garantida”, acrescentando que toda “pessoa tem o direito de criar

associações, de aderir ou de pertencer e participar das atividades associativas”. O artigo 60,1

do Código civil suíço reforça esta idéia de autonomia de atividades associativas em seu

território quando prevê que as “associações políticas, religiosas, científicas, artísticas, de

beneficência, de recreação ou outros, que não têm uma meta econômica, adquirem a

350

No capítulo 6º, investigaremos o fenômeno da “dupla cidadania”. Situações como a desse caso refletem bem

esse fenômeno, isto é, a presença de uma cidadania esportiva, que é além da estatal.

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89

personalidade desde que elas exprimam em seus estatutos a vontade de serem organizadas

corporativamente”.

A associações não possuem autonomia absoluta. O artigo 75 do código civil expressa

que “Todo societário é autorizado por lei a se dirigir à Justiça em um mês a contar do dia em

tomou conhecimento, das decisões aos quais não aderiu e que violam as disposições legais ou

estatutárias”. Delimitando, agora, para as associações de âmbito internacional, mais

especificamente “o tribunal arbitral que se encontre na Suíça” (art. 176,1 da Lei Federal sobre

Direito Internacional Privado - LDIP), o artigo 190,2 fixa algumas condições para que suas

decisões sejam questionadas judicialmente. Essas condições são possíveis quando o “árbitro

foi irregularmente designado ou o tribunal arbitral foi irregularmente composto”, “quando o

tribunal é declarado incompetente”, “quando o tribunal arbitral decidiu além das alegações ou

quando omitiu de se pronunciar sobre um dos pontos da demanda”, “quando a igualdade das

partes ou seu direito de ser ouvido em procedimento contraditório não foi respeitado”, ou, por

fim, “quando a sentença está incompatível com a ordem pública”. O artigo 192,1 acrescenta

que se as partes “não têm domicílio, nem residência habitual, nem estabelecimento na Suíça,

podem, por uma declaração expressa na convenção de arbitragem ou um acordo escrito

ulterior, excluir todo recurso contra as sentenças do tribunal arbitral” (grifo meu).

Esses preceitos citados estão protegidos pelo artigo 29 da Constituição suíça, que, em

seu inciso 1º e 2º, expõe, respectivamente, que “Toda pessoa tem o direito – em um

procedimento judiciário ou administrativo – que sua causa seja tratada igualmente e julgada

em um prazo razoável” e “As partes têm o direito de ser ouvidas”. Contudo, mesmo havendo

essa soma entre a previsão constitucional e a Lei federal suíça, o estatuto do TAS não prevê

nenhuma possibilidade de recurso aos tribunais suíços, excluindo até as exceções

mencionadas anteriormente em legislação nacional, pois o artigo R46 exprime que

A sentença notificada pela Secretaria do TAS é definitiva e executória. Ela não é

suscetível de nenhum recurso na medida em que as partes não têm nem domicílio,

nem residência habitual, nem estabelecimento na Suíça e renunciaram

expressamente ao recurso na convenção de arbitragem ou em um acordo concluído

ulteriormente, notadamente no início do processo.

O Tribunal Federal Suíço, considerando seu ordenamento, foi importante na

modificação das regras do TAS, conforme mostrado no capítulo passado. A decisão

mencionada351

também foi importante em declarar, pela primeira vez, o ponto de vista do

Tribunal Federal sobre a lex sportiva, quando afirmou que um controle jurídico livre e

351

BGE 119 II 271 – GÜDEL c/ Federação Eqüestre Internacional e Tribunal Arbitral do Esporte.

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independente “pode ser confiado a um tribunal arbitral, desde que esse tribunal constitua uma

verdadeira autoridade judiciária e não o simples órgão da associação interessada no destino do

litígio”. Com relação ao caso (mas fazendo algumas restrições), o Tribunal Federal

reconheceu essa qualidade de autoridade judiciária do TAS. Porém, foi na decisão 129 III

445 – A e B c/ COI, Federação Internacional de Esqui e TAS – que o Tribunal Federal

reconheceu a total independência do TAS frente a todos os seus atores, podendo as decisões

tomadas por esse órgão ser “consideradas como verdadeiras sentenças, assimiláveis aos

julgamentos de um tribunal estatal”. Afirmou, também, que o “sistema da lista de árbitros

satisfazia às exigências constitucionais de independência e de imparcialidade aplicáveis aos

tribunais arbitrais”. Dessa forma, o Tribunal Federal, mais do que reconhecer a independência

da ordem e a eficácia de suas decisões, traz uma nova maneira de se interpretar o princípio

constitucional da acessibilidade à Justiça. Apesar de reconhecer a autonomia do TAS, isso não

significa que o Tribunal Federal fecha os olhos para decisões que sigam o caminho diverso de

suas disposições constitucionais.

A decisão BGE 133 III 235 – Cañas c/ ATP Tour e Tribunal Arbitral do Esporte – foi a

primeira que anulou uma decisão do TAS. No caso, o atleta, no dia 21 de fevereiro de 2005,

forneceu uma amostra de urina, que revelou a presença de substância proibida. Embora o

atleta alegasse que a substância em seu corpo era fruto de um remédio que combatia gripe, o

TAS decidiu pela suspensão por 15 meses, perda dos resultados obtidos e restituição de seus

ganhos financeiros oriundos do torneio. No dia 22 de junho de 2006, Cañas interpôs um

recurso de direito público, no sentido de obter uma sentença que anulasse a decisão do TAS,

reclamando que fora violado o seu direito de ser ouvido. Em resposta, o TAS afirmou que o

atleta renunciara ao direito de recorrer. Apoiando-se em decisão anterior do Tribunal Federal,

Cañas afirmou que a vontade de renunciar deve ser feita por ato expresso.

O Tribunal Federal considerou que a renúncia era ineficaz porque teria sido assinada

sob coação, na acepção da jurisprudência construída a partir da Convenção para a Proteção

dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. O Tribunal afirmou também que a

“pseudo-renúncia” de um jogador consagraria uma distorção ao art. 192 da LDIP. Por fim, em

matéria de luta contra o doping, a única maneira de aplicar o artigo 192 LDIP, respeitando o

princípio da igualdade, consistiria em negar todo alcance a uma renúncia antecipada ao

recurso. Para o Tribunal, isso ocorre porque o atleta, que deseja participar de uma competição

organizada sob o controle de uma FI, só logrará êxito se aceitar previamente cláusula arbitral

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prevista em Estatuto. Sendo essa sua profissão, o atleta está obrigado a aceitar essa cláusula.

Além disso, por não possuir domicílio, residência ou estabelecimento na Suíça, há a exclusão

da possibilidade recursal das decisões do TAS. Portanto, um dos pontos decisivos para a

questão era saber se o atleta poderia se recusar a assinar a declaração de renúncia recursal

contra eventuais sentenças do TAS, conservando a possibilidade de se inscrever nas

competições organizadas pela Federação esportiva. O Tribunal Federal reconhece que “nada

impediria os jogadores e organizadores de criarem um circuito paralelo a este da ATP”.

Contudo, isso não significa que o atleta teria outra opção, senão a de excluir o recurso contra

decisões do TAS. Como a ATP reúne todos os melhores jogadores de tênis profissionais

masculinos e as mais lucrativas competições, ficaria difícil imaginar que o atleta teria outra

opção.

A título principal, o atleta alegou que foi violado seu direito de ser ouvido, pois o TAS

não teria examinado certos argumentos pertinentes e essenciais para tomar a decisão. O

Tribunal Federal estende o direito ao domínio da arbitragem internacional, incluindo a

esportiva. Entende que o direito de ser ouvido é violado quando, por inadvertência ou mal-

entendido, o tribunal arbitral não leva em consideração os fatos alegados, argumentos, provas

e ofertas de prova apresentadas por uma das partes e importante para a decisão. Foi esta a

atitude do TAS alegada pelo atleta recorrente. O TAS podia demonstrar que os elementos

omitidos não eram pertinentes para resolver o caso concreto, não havendo violação do direito

de ser ouvido, mesmo no sentido constitucional do termo. No caso, o recorrente disse que o

TAS não analisou o argumento de que não houve culpa de sua parte na ingestão do

medicamento, sendo, inclusive, prejudicial à sua performance o uso do remédio. Para o atleta,

levar em consideração tais questões poderia modificar o resultado do julgado.

Levando em consideração que esse era o único meio recursal do atleta (excluindo o

argumento de que não era domiciliado no país), somada à ausência de menção do conjunto de

circunstâncias que levaram o TAS a aplicar o princípio da proporcionalidade nos quinze

meses de suspensão, o Tribunal Federal entendeu que a Turma arbitral descartou

implicitamente os argumentos subsidiários do recorrente. Dessa forma, decidiu pela anulação

da sentença arbitral.

Essa decisão merece algumas considerações no âmbito transconstitucional. O Tribunal

Federal reconhece que o TAS é um verdadeiro tribunal, o que reorienta a perspectiva do

princípio constitucional do acesso à Justiça. Por conseqüência disso, o Tribunal suíço admite

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a soberania das suas decisões, logo, a autonomia de sua ordem. Todavia, para garantir que sua

decisão seja definitiva, a ordem desportiva exclui a possibilidade recursal em outra ordem.

Esta atitude, verificada no caso, desrespeitou previsões constitucionais do direito de ser

ouvido e de direitos humanos. Dessa forma, não significa que o TAS é a ultima ratio em

assuntos que tocam a constitucionalidade. O TAS não pode, assim, privar do acesso à Justiça

suíça. A anulação da sentença do TAS pode parecer que a ordem suíça não teve em

consideração a ordem desportiva. De fato, é difícil para o Tribunal suíço entender o princípio

da responsabilidade estrita, aplicada aos casos de doping no esporte. Nele, o argumento do

atleta de que não teve culpa no doping é afastado recorrentemente pelos precedentes arbitrais.

Essa é a forma que a lex sportiva tem de garantir a igualdade esportiva. Todavia, a decisão do

Tribunal Federal não é revisora, senão rescisória, o que mostra um comportamento de

contenção de si próprio. É evidente que houve uma interferência no modo de agir do TAS,

mas a revisão não invade o mérito do TAS em perceber o direito. Marcelo Neves, a esse

respeito, considera:

E, mesmo nos casos em que o Tribunal Federal Suíço insista em assumir

competência revisora ou rescisória contrariando as normas reguladoras do TAS,

resta às instituições do direito esportivo transnacional transferir a sua sede para um

país que se disponha a admitir a autonomia da ordem jurídica transnacional dos

esportes. Esse poder de mobilidade das entidades jurídico-esportivas

“deslocalizadas”, junto com sua competência para excluir determinados Estados das

competições ou torneios internacionais, torna a respectiva ordem jurídica

transnacional “soberana” perante os Estados e, portanto, em concorrência com as

ordens jurídicas estatais, levando à emergência de problemas transconstitucionais352

.

De fato, no dia em que não for conveniente à lex sportiva manter-se fixada em um país,

nada obsta que ela transfira sua sede para algum país que aceite com maior liberdade sua

autonomia. O COI foi exemplo de situação semelhante a essa quando, por conveniência,

transferiu sua sede para um país neutro. Ele tinha a sede na França, mas, ao anunciar que os

Jogos Olímpicos seriam realizados em Berlim, em 1916, preferiu se mudar para a Suíça.

Considerava que havia fortes conflitos políticos provenientes da Primeira Guerra Mundial

entre França e Alemanha, sendo, assim, conveniente evitar qualquer chance de politizar os

assuntos esportivos353

.

A concretização “multilocalizada” da lex sportiva também gera conflitos de

características transconstitucionais com outras ordens. Tais conflitos são mais numerosos que

os exemplos do país sede, sem, contudo, serem menos importantes. Cabe, portanto, em

352

Neves, 2009, p. 206. 353

Latty, 2007, p. 427.

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93

próximo tópico analisar esses conflitos e soluções, principalmente, transconstitucionais entre

ordens estatais e lex sportiva, o que, por conseqüência, explicitam os limites da autonomia

desta.

5.4 Autonomia da lex sportiva perante as ordens nacionais

Embora existam países que vêem no esporte valores merecedores de seu controle, as

regras transnacionais do direito desportivo se sobrepõem, em regra, ao controle estatal quando

estão envolvidas medidas disciplinares que visam ao bom desenvolvimento da competição

internacional. Tais medidas podem tocar em questões como nacionalidade354

, contratos

trabalhistas, saúde, além de questões econômicas, como a comercialização do esporte355

.

Todas essas questões, em um primeiro contato, remetem a assuntos essencialmente

constitucionais.

Isso se realiza porque os Estados não possuem o controle sobre as competições

esportivas internacionais. Assim sendo, as ordens esportivas, deslocalizadas, conseguem

desvincular um representante de um país da participação de uma prova, independentemente da

manifestação contrária da ordem estatal. Um dos poucos casos em que o direito desportivo

sofreu várias conseqüências da ordem estatal é o de Reynolds c/ IAAF356

. Após uma

competição em Monte Carlo em agosto de 1990, Harry “Butch” Reynolds testou positivo por

haver traços de uma substância proibida pela IAAF. O atleta foi suspenso por dois anos das

competições internacionais, sendo impossibilitado de competir nos Jogos Olímpicos de 92. O

órgão nacional dos EUA de atletismo, chamado de Congresso de Atletismo, ofereceu uma

audiência para Reynolds. Como não obteve êxito em todas as esferas administrativas e

arbitrais americanas, Reynolds acionou o Distrito do Sul de Ohio, alegando que houve quebra

contratual do devido processo, difamação e interferência nas relações negociais. Reynolds

pediu uma indenização pelos danos sofridos e uma autorização temporária para competir em

solo americano. A IAAF negou que a Corte distrital tivesse jurisdição e não compareceu à

audiência. Reynolds obteve sentença favorável em primeira instância. Diante disso, a IAAF

ameaçou impedir a participação dos Jogos daqueles atletas que competissem com Reynolds

nas provas em solo americano. Posteriormente, o Comitê Olímpico norte-americano fez um

acordo para que isso não ocorresse. Porém, a IAAF não queria permitir a participação do

354

Esse tema será melhor explorado no próximo capítulo. 355

Latty, 2007, pp. 423-424. 356

Sentença de 17 de maio, da Corte de apelação, 6º Circuito, com extratos e comentários de Bitting, 2008, pp.

660-662.

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atleta nos Jogos e, então, acrescentou mais dois anos de suspensão como penalidade por

competir nos EUA357

.

Na ação de danos monetários, a IAAF se recusou a aparecer novamente. A Corte de

Ohio condenou a IAAF a 27,4 milhões de dólares de danos morais, em que mais de 20

milhões eram a título punitivo, estimando que a FI agiu de má-fé e com espírito de vingança

contra Reynolds. Quando Reynolds começou um processo de penhora em 1993 contra os

patrocinadores americanos da IAAF e em função de lei inglesa que permitia demandar as

reparações pecuniárias ao presidente da IAAF, a FI finalmente apareceu perante a Corte

distrital para argüir a falta de jurisdição. Quatro anos depois, a sentença final concordou com

o argumento de falta de jurisdição e dispensou do pagamento da multa358

. Em função desse

processo, a IAAF resolveu mudar de sede para Mônaco, o que reforça o exemplo do tópico

anterior sobre a conveniência de estar em um país sede. Portanto, é possível afirmar a

“organização pode tirar proveito da concorrência das soberanias estatais para encontrar uma

terra de acolhimento mais hospitaleiro”359

, induzindo ao fenômeno da “mundialização”. A

mudança de sede de um Estado para outro, sem nada mudar em suas estruturas ou seu

funcionamento360

, reforça o poder de sua transnacionalidade.

Como afirmado logo no início, a regra é que o direito transnacional esportivo prevaleça

sobre a ordem nacional. A Sentença nº 2005/A/983 e nº 2005/A/984, de 12 de julho de 2006 –

Club Atlético Peñarol c/ Carlos Heber Suarez, Cristian Gabriel Rodriguez Barroti e Paris

Saint-Germain361

– expressa essa predominância. No caso, dois jogadores de futebol

uruguaios firmaram contrato de trabalho com o Peñarol, clube de futebol, submetidos ao

Estatuto do Jogador de futebol uruguaio. Os jogadores se recusaram a assinar os contratos

propostos pelo clube, o que, na legislação uruguaia, permitia ao empregador prolongar

unilateralmente o contrato de trabalho dos jogadores sem troca de condições financeiras do

contrato. Privados de seus salários e da liberdade de treinar em seu clube, os jogadores foram

considerados “rebeldes”, na forma da lei uruguaia, pelo recorrente por se recusarem a assinar

os contratos362

. Embora ainda existisse o conflito com o Peñarol, os jogadores assinaram um

contrato de trabalho com o clube francês Paris Saint-Germain. A Federação uruguaia recusou

357

Ibidem. 358

Ibidem. 359

Latty, 2007, 473. 360

Ibidem. 361

JDI, 2010, pp. 200-225, com extratos e comentários de Éric Loquin. 362

Ibidem, p. 204.

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liberar o certificado internacional de transferência dos dois jogadores, considerando-os ainda

ligados ao Peñarol. Este recorreu ao órgão competente da FIFA para que os jogadores não

fossem registrados, mas ela, ao contrário, autorizou o registro em seu novo clube. Foi, então,

que o Peñarol se viu obrigado a recorrer ao TAS em duas causas conjuntas, sob o argumento

de que os contratos de trabalho dos jogadores declarados rebeldes ainda estavam em vigor,

dado que foram renovados unilateralmente363

.

Sobre o direito a se aplicar, o TAS admite que pode ser utilizado o direito suíço, em

especial a Lei de direito internacional privado (LDIP), com o motivo de que o litígio é

internacional e a sede da arbitragem é a Suíça. O art. 176,1 declara que a lei é aplicável desde

que uma das partes, ao menos, não tenha, no momento da arbitragem, nem seu domicílio ou

residência habitual na Suíça. O TAS lembra que o art. 187 da mesma lei estabelece que a

decisão seja tomada segundo as regras de direito escolhidas pelas partes, mas que, na sua

falta, a decisão será tomada segundo as regras de direito, cuja causa apresenta as ligações

mais estreitas. Portanto, o TAS resumiu que as regras aplicáveis ao caso era, a título principal,

o Regulamento da FIFA; a título supletivo, as disposições do direito suíço; em complemento,

as normas nacionais, cujo Regulamento da FIFA faz referência. A Turma arbitral ressalta que

o esporte é um fenômeno que transcende fronteiras, sendo indispensável que as regras que

regem o esporte tenham um caráter uniforme e largamente coerente no mundo inteiro364

.

Assim, “a meta do regulamento da FIFA é de instaurar as regras uniformes valendo para

todos os casos de transferência internacionais e aos quais o conjunto de atores da família do

futebol é submetido”365

. Não é concebível que as “regras nacionais possam afetar as partes

não submetidas ao direito desse país”, só podendo encontrar aplicação se conformes às regras

da FIFA, nunca contrários366

.

O TAS afirma que a incompatibilidade do sistema uruguaio com os princípios do

Regulamento da FIFA “decorre da possibilidade reservada ao clube de transformar de

maneira obrigatória uma relação contratual inicial de curta duração em uma relação muito

longa de duração”367

, isto é, prolongar o contrato de um jogador com as adaptações de salário

até que ele atinja 27 anos não é compatível com o Regulamento da FIFA, que prevê duração

363

Ibidem, pp. 205-206. 364

Ibidem, pp. 207-212. 365

Ibidem, p. 200, (grifo meu, tendo como propósito discutir mais a frente o princípio da igualdade). 366

Ibidem. 367

Ibidem.

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máxima de cinco anos368

. Além disso, o sistema uruguaio de prolongamento unilateral é

contrário aos princípios fundamentais do direito suíço do trabalho, pois as regras uruguaias

beneficiam o clube de tal maneira que o jogador não possui nenhuma forma de escapar desta

regulamentação. Um sistema deste tipo, por proporcionar ao trabalhador a arbitrariedade do

empregador, “é imoral e incompatível com os valores fundamentais da ordem jurídica

suíça”369

. Ao rotular o jogador de rebelde, impossibilitando a discussão de um salário e o

exercício seu ofício, constitui tal atitude como rescisão contratual de fato dessa relação

trabalhista por ato do clube. O mecanismo da “rebelião” é “inaceitável e aberrante”, indo de

encontro com os princípios mais fundamentais da ordem jurídica suíça370

. Portanto, diante

dessas conclusões, o TAS rejeitou o recurso do clube recorrente, confirmando a decisão da

FIFA371

.

Fica evidente, nessa decisão, que o TAS busca estabelecer critérios para que haja

coerência nas relações de trabalho envolvendo a lex sportiva. Ao fazer referência a três ordens

diferentes, verifica-se o envolvimento delas em problemas constitucionais da autonomia

contratual e de direitos sociais. Apesar de haver a primazia do direito transnacional esportivo,

o TAS não se limitou apenas a justificar sua decisão através do princípio constitucional da

igualdade, como também trouxe da ordem suíça soluções para um problema jurídico que

limitava a liberdade do atleta. Foi dessa forma que o Tribunal justificou a impossibilidade de

implementar a regulação trabalhista nacional uruguaia ao caso, ao mesmo tempo em que deu

novos significados aos direitos sociais do trabalho, a partir de outras ordens. Partindo do

pressuposto que há a primazia da ordem transnacional e, simultaneamente, a liberdade da

ordem de se transferir de território quando lhe for conveniente, cabe enxergar tal forma de

solução, agregando o direito suíço, uma maneira importante de integração entre ordens para a

identificação e solução de problemas relativos aos direitos sociais.

Quando existem conflitos entre a lex sportiva e outra ordem, é comum o TAS se

manifestar em prol da ordem desportiva através do princípio constitucional da igualdade.

Além da perspectiva do igual acesso, o princípio da igualdade exige que os casos sejam

tratados igualmente. Isso se liga à regularidade da aplicação normativa, isto é, do princípio da

legalidade372

. A legalidade, aqui, não significa aplicação da lei no sentido estatal, senão no

368

Ibidem. 369

Ibidem, p. 201. 370

Ibidem. 371

Ibidem, p. 220. 372

Neves, 2008, p. 169.

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sentido da aplicação dos regulamentos privados (e do CMA) dos atores esportivos. Cabe,

portanto, ao TAS aplicá-los regularmente aos casos iguais. Não foi exceção a sentença nº

2006/A/1119, de 10 de dezembro de 2006 – União Ciclista Internacional (UCI) c/ L. e Real

Federação Espanhola de Ciclismo (RFEC)373

.

Após exame antidoping positivo realizado por um laboratório credenciado pela AMA, a

UCI condenou o atleta e, em seguida, determinou, com base nesses dados, que a Federação

espanhola seguisse procedimento disciplinar, nos termos de seu regulamento antidoping. Por

intermédio do Comitê Nacional de Competição e Disciplina Desportiva (CNCDD) – órgão

disciplinar nacional constituído por lei –, o ciclista profissional teve o benefício da dúvida

concedido, porque, segundo o órgão, o processo estava incompleto por não se conformar a

todas as exigências legais aplicáveis, o que não garantiria totalmente o resultado. Pela

previsão existente no CMA, a UCI recorreu ao TAS com o intuito de reverter tal decisão. O

atleta sustentava que o TAS era incompetente, pois o direito espanhol prevê que, em casos de

recursos, a competência é do CNCDD, cujas decisões podem ser objeto de um recurso frente

um tribunal administrativo espanhol. Em lei espanhola, também era proibido sustentar recurso

à arbitragem em matéria de doping. Recorrer ao TAS, segundo o atleta, contrariava o direito

inalienável de acesso à Justiça, reconhecido em sua Constituição374

. Soma-se a isso o fato de

que ele alegava não ter consentido a se submeter à arbitragem do TAS.

O TAS afirmou que somente as autoridades internacionais podem gerir juridicamente

suas competições esportivas, pois tende a submeter todos os atletas a um tratamento

igualitário, assegurando que certas FN‟s não sejam passivas em face das violações cometidas

por seus atletas. A ordem jurídico-esportiva tem por objetivo assegurar o respeito à

sinceridade das competições e a igualdade dos competidores. Foi, então, que o TAS justificou

a eficácia da própria ordem a partir do princípio constitucional da igualdade, pois se confiasse

às “leis nacionais o cuidado de reger as condições nas quais se devem desenvolver as

competições internacionais terminaria em um sistema incoerente e inigualitário”375

. Se isso

ocorresse, haveria uma corrida pela legislação menos repressiva no que se refere ao doping.

Para que isso não ocorra, é necessário que uma mesma disciplina esportiva seja submetida às

mesmas regras para todos os que participam dos eventos esportivos. O TAS não negará a

soberania nacional, mas delimita-a ao próprio território. Se houvesse, em detrimento da

373

JDI, 2008, pp. 234-258, com extratos e comentários de Éric Loquin; e de Neves, 2009, pp. 198-201. 374

JDI, 2008, p. 236. 375

Ibidem, p. 233 e 242; Neves, 2009, 199.

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autoridade esportiva, a interferência estatal nas competições internacionais, isso seria,

teoricamente, concebível. Contudo, tal comportamento contrariaria a luta contra o doping,

além de poder resultar na exclusão do país nas competições internacionais376

.

O TAS rejeitou o argumento constitucional do atleta de que havia o desrespeito ao

direito inalienável de acesso à Justiça e aos tribunais, porque ele se declarava competente,

enquanto autoridade transnacional, a julgar tais causas. O Tribunal afirmou que há uma

relação de complementaridade entre ordens, dado que um mesmo comportamento pode ser

sancionado penalmente, sem que leve a uma sanção do ciclista de nível internacional. Da

mesma maneira, um atleta pode ser excluído, mas não ser sancionado penalmente. Tal postura

acaba sendo coerente com duas decisões do próprio Tribunal, quando, na sentença nº

2007/O/1381, de 23 de novembro de 2007 – Real Federação espanhola de Ciclismo & V. c/

União ciclista internacional (UCI)377

–, a FI tentou utilizar processo penal para suspender

atleta, assim como a decisão nº 2008/A/1572 ; /1632 ; /1659, de 13 de novembro de 2009 –

Gusmão c/ FINA – em que a atleta queria ser absolvida esportivamente, após ter sido

absolvida penalmente.

A sentença rejeitou o recurso da UCI, acatando as argumentações contrárias ao

procedimento irregular que o atleta levantou. Porém, é fundamental, para efeito de

transconstitucionalismo, entender como foi articulado o conflito entre os princípios da

soberania e do acesso à Justiça, de um lado, e do princípio da igualdade, de outro. Se no

recurso o atleta alega que o TAS não é competente em decorrência das normas constitucionais

de seu país, gera-se uma colisão entre princípios constitucionais de ordens diversas. Ao

mesmo tempo, ao afirmar que existem esferas diversas para tratar do mesmo tema, o TAS se

dispõe a enxergar que o doping pode ser punido por outras ordens, sem que fira sua soberania.

Destarte, “a complementaridade e a tensão entre ordem jurídica transnacional e ordem jurídica

estatal manifestam-se simultaneamente em torno de problemas constitucionais, sem que

nenhuma das duas possa ter a priori a primazia, ou seja, seja detentora da ultima ratio”378

.

Por situação semelhante passam as FN‟s francesas que são, simultaneamente, órgãos de

representação das FI‟s e órgãos nacionais. Respondem, portanto, pela legislação nacional

francesa e a legislação transnacional das FI‟s. A sentença nº 2002/A/431, de 2 de maio de

376

Ibidem, p. 234; Neves, 2009, 199. 377

JDI, 2009, 218-239, com extratos e comentários de Éric Loquin. 378

Neves, 2009, pp. 200-201.

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2003 – UCI c/ R & Federação Francesa de Ciclismo (FFC)379

– mostra, mais uma vez, a

ordem desportiva diante de questões constitucionais. Um ciclista profissional foi solicitado na

França para um controle antidoping, na véspera de uma competição, por um inspetor e um

médico da UCI. O teste foi positivo, o que fez a UCI solicitar à FFC a instaurar procedimento

disciplinar contra o atleta. A FFC não condenou o atleta, porque as condições da imposição

feriam a ordem pública francesa. Além do fato de que “o artigo 3632 do Código francês de

saúde pública prevê que sobre o território francês os controles antidopings devem ser

efetuados pelo pedido do Ministro dos Esportes ou por uma FN aprovada ou pelo Conselho de

prevenção e de luta contra o doping”. Se uma FI quiser fazer o controle, deverá fazê-lo por

intermédio da FN. Qualquer ato operado de forma diferente é contrário ao direito francês. Tal

medida visava “proteger a liberdade individual fundamental dos atletas contra os controles

que não seriam diligenciados sobre o território francês pelas autoridades públicas francesas ou

as federações nacionais que são suas delegatárias”380

.

Preliminarmente, o TAS afirma sua competência no caso através da cláusula

compromissória por referência, o que vincula o atleta à sua decisão, além da vinculação

francesa à Declaração de Copenhague que visa a uniformização das regras antidoping. Os

árbitros afirmam que o problema do doping deve ser combatido em conjunto, não

separadamente embaraçando as regras do esporte internacional381

. A reserva da ordem pública

deve permitir que não se forneça proteção às situações que firam de maneira chocante os

princípios mais essenciais da ordem jurídica e os valores reconhecidos nos Estados de direito.

Portanto, recorrendo ao princípio da igualdade para garantir a homogeneidade da aplicação de

suas regras e tendo em vista que foi constatada a presença de quatro substâncias proibidas, o

TAS não notou uma violação da ordem pública invocada pela FFC a ponto de “ser uma

ameaça real e suficientemente grave que afete um dos interesses fundamentais da sociedade”.

Como o atleta era reincidente, o Tribunal reformou a decisão da FFC, aplicando-o a pena de

quatro anos de suspensão382

.

O TAS afastou qualquer argumento de que a ordem desportiva feriria as liberdades

individuais e a ordem pública francesa. A proteção da ordem pública não se sustentaria

meramente diante da nacionalidade do atleta e da entidade que controla o doping. Se a

379

JDI, 2005, pp. 1309-1312, com extratos e comentários de Éric Loquin. 380

Ibidem, 1309-1310. 381

Ibidem, p. 1311. 382

Ibidem, p. 1312.

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finalidade do Estado é preservar a saúde dos cidadãos franceses, a decisão da FFC não se

manteria diante da presença de quatro substâncias proibidas no organismo do atleta. As

argumentações de caráter constitucional levantadas pelo atleta não se confirmam diante da

necessidade da aplicação jurídica igualitária aos casos semelhantes. Diante do conflito inicial

em torno de tantos problemas constitucionais comuns às duas ordens, quais sejam o da

nacionalidade, liberdade, da ordem pública e igualdade, a situação requer o aprendizado e o

intercâmbio transconstitucional entre ambas as ordens, “especialmente quando a diversidade

de interpretação das normas de competência leve a uma colisão sobre o próprio órgão

legítimo para decidir”383

. O TAS não se limita a aplicar o princípio da igualdade: reinterpreta

o respeito à ordem pública com vistas ao seu propósito, afastando a visão meramente

nacionalizada. Em conseqüência de decisões como essa, o governo francês passou a aceitar

que as FI‟s fizessem os controles antidopings por ocasião das competições internacionais.

A sentença nº 2006/A/1149 e nº 2007/A/1211, de 16 de maio de 2007 – WADA c/

Federação Mexicana de Futebol (FMF)384

– remete ao caso de um jogador que participava do

campeonato mexicano de futebol, condenado por doping após uma análise realizado por um

laboratório credenciado pela AMA (WADA). Os resultados foram comunicados ao clube

empregador e à FMF, mas não ao atleta. O clube alegou que a função de notificar o resultado

do laboratório era da FMF. Sendo ele reincidente por fatos idênticos, a Comissão Disciplinar

da Federação Mexicana de Futebol, juntamente com seu órgão recursal ligado ao Ministério

dos Esportes mexicano – a Comissão de Apelação e Arbitragem do Desporte (CAAD) –,

decidiu não aplicar a sanção prevista no Código disciplinar da FIFA, que prevê o banimento

do atleta. Essa decisão foi fundada na ausência da notificação do resultado ao jogador, que foi

privado de verificar a análise da segunda amostra nas quarenta e oito horas após a

comunicação. Isso levaria à presunção absoluta de aceitação do resultado. A Comissão se

enganou ao acreditar que a amostra B fora destruída, o que impossibilitava retificar o erro

procedimental. Contudo, a amostra fora congelada e estava apta a ser analisada. A FIFA,

então, solicitou à AMA que recorresse ao TAS da decisão da FMF, conforme Regulamento da

FIFA. A AMA se dirigiu contra a FMF, requerendo ao TAS que banisse o atleta por toda

vida.

Apesar de o jogador afirmar que lei mexicana obrigava que o recurso fosse julgado pelo

CAAD, o TAS negou que a decisão tomada por este órgão fosse definitiva. Novamente, o

383

Neves, 2009, p. 201. 384

JDI, 2008, pp. 259-272, com extratos e comentários de Éric Loquin; e Neves, 2009, pp. 201-203.

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TAS afirma a coexistência entre autoridade nacional e internacional em matéria de doping,

justificando a prevalência da ordem desportiva nesses casos pelo princípio da igualdade. O

atleta apresentou uma análise negativa de resultado de um laboratório mexicano que não era

credenciado pela AMA. Argumentou que a dúvida criada deveria conduzir a uma absolvição.

O TAS desconsiderou tal prova, pois somente as análises realizadas pelos laboratórios

reconhecidos, que respeitam os protocolos instituídos, possuem valor probante para a lex

sportiva. Dada a reincidência no doping, o atleta foi banido do esporte por toda a vida.

Observa-se nesse caso “o problema potencial de uma colisão entre o princípio constitucional

da igualdade [...] e o princípio da ampla defesa, baseado na ordem interna do Estado de direito

e alegado de maneira implícita pelo jogador”385

. A situação, de fato, se enquadra no contexto

transconstitucional, exigindo conversação entre ordens.

Até aqui, foram observados alguns casos em que a lex sportiva demonstra sua

autonomia perante outras ordens, ao mesmo tempo em que reelabora conceitos constitucionais

quando questionada sua atuação. Observaram-se, também, conflitos entre ordens –

especialmente seus tribunais – diante de problemas jurídicos comuns, promovendo soluções

constitucionais diversas sobre estes. Sem negar a alteridade, isto é, a co-regulação de

problemas comuns, a lex sportiva possui uma justificativa forte, através do princípio da

igualdade, para impor suas decisões perante as estatais. Essas situações enquadram-se na

exigência de um entrelaçamento entre ordens visando à solução de problemas e aprendizado

constitucional, o que, de certa forma, não foi possível notar de forma ampla nos casos

estudados por meio da conversação entre tribunais. Levanta-se, então, a seguinte questão: em

que situação é possível verificar um entrelaçamento construtivo de ordens na solução de

problemas constitucionais comuns? Para que essa pergunta seja respondida, a ordem

supranacional entrará em cena.

5.5 A força do direito comunitário

A facilidade com que a lex sportiva conseguiu concretizar boa parte de suas decisões

nas mais diversas ordens territorialmente delimitadas não será encontrada no plano do direito

comunitário. Esta ordem possuirá grande força para influenciar modificações na ordem

esportiva, assim como possibilitará um novo olhar sobre problemas jurídicos. Isso ocorre

pelas seguintes razões:

385

Neves, 2009, p. 203.

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102

Comparando essa força do direito comunitário perante o direito esportivo

transnacional, observa-se que a União Européia tem uma postura de maior

autonomia perante as federações esportivas transnacionais do que os Estados, pois

não há federações esportivas no plano da Europa, cujo desenvolvimento e

manutenção sejam fatores relevantes de legitimação da União. Ao contrário, os

Estados, em cujo âmbito territorial as federações estão primariamente vinculadas às

federações transnacionais, tornam-se muito dependentes dessas para fins do

desenvolvimento dos desportos no plano interno, que é um dos fatores de

legitimação386

.

A força do direito da União Européia está longe de ser destrutivo para a ordem

desportiva. Ela “tem desempenhado um importante papel de intermediação

transconstitucional entre as ordens jurídicas estatais dos seus Estados-membros e a ordem

jurídica transnacional dos esportes”387

. A decisão C-415/93 do Tribunal de Justiça das

Comunidades Européias (TJCE), do caso Union royale belge des sociétés de football

association ASBL e outros c/ Jean-Marc Bosman e outros, exemplifica bem o funcionamento

de situações conflituosas entre ordem desportiva e comunitária.

Em maio de 1988, Jean-Marc Bosman, atleta belga, assinou um contrato com um clube

da primeira divisão belga, SA Royal Clube Liégeois (RC Liège). Seu contrato com o clube

garantiu um salário de 75 mil francos belgas por mês, até o dia 30 de junho de 1990. Em seu

contrato, foi acordado que ao término, natural ou prematuro, o clube poderia reter seu passe

(registro ou domínio). Qualquer transferência futura do jogador no fim de seu contrato deveria

ser regulado pelas regras da Associação Belga de Futebol. Em abril de 1990, dois meses antes

do fim do contrato, o clube ofereceu ao jogador um contrato de um ano de 30 mil Francos

Belgas. Bosman rejeitou os novos termos. Porém, com base no artigo 46 da Associação

Belga, sobre transferências de jogadores, o clube colocou-o na lista de “transferência

compulsória” pelo preço de mais de 11 milhões de Francos Belgas. Isso significava que se o

jogador e o clube interessado concordassem com o pagamento da transferência e da taxa, a

transferência poderia seguir mesmo sem aceitação do clube fornecedor. Entretanto, nenhum

clube se mostrou interessado no atleta. No dia 1º de junho, o período de transferência

compulsória chegou ao fim e o período em que o jogador pode ser negociado livremente, com

a concordância do clube fornecedor, começou. Bosman tentou definir sua própria saída do

clube, assinando contrato com um clube da segunda divisão francesa, a Union Sportive Du

Littoral de Dunkerque (US Dunkerque) que ofereceu ao jogador a quantia de 90 mil Francos

Belgas por mês. No dia 27 de julho de 1990, US Dunquerque e RC Liège acordaram por uma

transferência temporária do jogador por uma temporada, pelo pagamento de um milhão e

386

Ibidem, p. 244. 387

Ibidem.

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103

duzentos mil Francos Belgas, com a opção de contratá-lo em definitivo por quatro milhões e

oitocentos mil. O contrato entre jogador, clube belga e francês foram estabelecidos pelas

regras da Associação Belga. Com receio de que o clube francês não fosse solvente, o clube

belga não enviou o certificado internacional da Associação Belga. Com isso, os contratos

firmados ficaram sem efeito. No dia 31 de julho de 1990, RC Liège suspendeu Bosman,

impedindo-o de jogar durante toda a temporada388

.

No dia 8 de agosto de 1990, Bosman interpôs uma demanda ante o Tribunal de primeira

instância de Liège contra seu clube. Paralelamente à demanda principal, apresentou uma

demanda com relação a questões provisionais, que tinham por objeto, principalmente, proibir

que obstaculizassem a liberdade de contratação de seus serviços, o que levantava questão

prejudicial ao TJCE. No dia 9 de novembro, o juiz de medidas provisionais condenou ao

clube belga e sua federação a pagar ao atleta uma quantia de 30 mil Francos Belgas e os

ordenou a não obstaculizarem sua contratação. Além disso, levantou questão prejudicial ao

TJCE com relação à livre circulação de trabalhadores (antigo artigo 48 e atual artigo 39 do

Tratado que institui a Comunidade Européia). Apesar da condição suspensiva dada pelo juiz

das medidas provisionais, verificava-se que atleta foi objeto de boicote por parte de todos os

clubes europeus que poderiam contratá-lo.

No dia 28 de maio de 1991, a Corte de apelação de Liège revogou a medida provisional

do Tribunal de primeira instância de Liège na medida em que levantava questão prejudicial ao

TJCE (o que fez, também, este ser revogado). Isso não impediu que condenasse o clube a

pagar uma quantia mensal ao atleta e à Federação a colocar o atleta à disposição de qualquer

clube que quisesse obter seus serviços, sem que fosse obrigado a pagar nenhuma

compensação. Bosman, em 20 de agosto de 1991, pediu para que a União das Associações

Européias de Futebol (UEFA) participasse do litígio iniciado por ele contra o clube e a

Federação belga, dirigindo-se diretamente contra ela uma ação baseada na responsabilidade

na adoção dos regulamentos que o prejudicou. Em 9 de abril de 1992, Bosman modificou seu

pedido inicial, ampliando sua demanda contra a UEFA. Somado ao pedido de pagamento dos

prejuízos sofridos, solicitou que declarasse que não eram aplicáveis as regras da UEFA

relativas às transferências, nem as cláusulas de nacionalidade, o que servia de objeto de

invocação ao TJCE de questão prejudicial. A Corte de Apelação de Liège, após impugnação

das partes contrárias, admitiu as ações do atleta contra a UEFA e a Federação belga,

388

Cf. extratos e comentário em Parrish, 2003, pp. 92-98.

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principalmente no que se refere ao desrespeito aos (atuais) artigos 39 (livre circulação de

trabalhadores, abolindo qualquer discriminação em função da nacionalidade), 81 (proibição

de medidas que impeçam a liberdade de concorrência) e 82 (proibição de medidas tomadas

por empresas que explorem de forma abusiva uma posição dominante no mercado comum).

Para que o TJCE se pronunciasse, tais artigos do Tratado de Roma foram contextualizados

pela Corte de Apelação nas seguintes questões: um clube de futebol pode exigir e perceber o

pagamento de uma quantidade pecuniária com motivo da contratação de um de seus

jogadores, ao término de seu contrato, por parte de um novo clube empregador? As

associações ou federações esportivas nacionais e internacionais podem estabelecer em suas

regulamentações determinadas disposições que limitem o acesso dos jogadores estrangeiros

cidadãos da Comunidade Européia às competições que organizam? A primeira questão diz

respeito às regras de transferência da UEFA em que um clube vendedor pode receber uma

compensação pelo passe do jogador, justificado pelo fato de este ter se desenvolvido e

treinado no clube, mesmo que não esteja com contrato em vigor. A segunda se refere à

limitação do número de comunitários por clube pela regra do 3+2, isto é, os clubes não podem

ter mais que três não-nacionais e dois “assimilados”, que jogaram no país por cinco anos

consecutivos389

.

Diante das questões levantadas, o TJCE considerou que a prática do esporte está

regulada pela ordem comunitária, na medida em que constitui uma atividade econômica,

como nos casos dos jogadores de futebol profissionais ou semi-profissionais, pois efetuam

atividade que tem seus serviços retribuídos. Não é, assim, necessária a condição de empresa

do empregador para a aplicação dessas disposições. O Tribunal afirmou que as normas que

regem as relações econômicas entre os empresários de um setor estão incluídas no âmbito de

aplicação das disposições comunitárias relativas à livre circulação, quando afetam as

condições de emprego dos trabalhadores. Esse é o caso das regras de transferência de

jogadores entre clubes de futebol, pois as relações econômicas entre eles afetam, através da

obrigação imposta aos clubes empregadores de pagar compensações ao contratar um jogador

de outro clube, as possibilidades dos jogadores de encontrar um emprego. O TJCE admite a

autonomia das organizações privadas, mas não aceita que elas firam os limites do exercício do

direito de livre circulação, conferido pelo Tratado. Para o caso, não serve o argumento de que

as regras são “puramente internas e, por isto, não estão incluídas no âmbito do Direito

389

Parrish, 2003, p. 94.

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comunitário”. Portanto, a regra do “passe do atleta” fere o direito da livre circulação dos

jogadores que desejam exercer sua atividade em outro Estado-membro. Para o TJCE, não é

legítimo afirmar que tal regra seja o meio adequado a alcançar o equilíbrio financeiro e

desportivo entre os clubes e a busca de jogadores de talento e a formação de jovens jogadores,

porque isso não impede que os clubes mais ricos consigam os serviços dos melhores

jogadores, “nem que os meios econômicos disponíveis sejam um elemento decisivo na

competição esportiva e o equilíbrio entre os clubes se veja consideravelmente alterado por tal

fator”. Por fim, o Tribunal afirmou que a regra do “3+2” não respeita o princípio da proibição

da discriminação em razão da nacionalidade. Tal regra não pode ser considerada como

inerente ao esporte ou como manutenção da igualdade e a incerteza do resultado (como foi

alegado pelas partes contrárias), pois nada impede que os times com maior poder aquisitivo

contrate os melhores jogadores. Dessa forma, o TJCE decidiu acatar as reivindicações do

atleta e afastar a legislação desportiva.

O argumento esportivo reunia na igualdade de oportunidades e a incerteza do resultado

sua grande força. Tal perspectiva foi afastada pelo TJCE, que justificou a aplicação do

Tratado porque a legislação esportiva feria dois preceitos de característica constitucional: a

liberdade e a nacionalidade. A função do TJCE é fundamental no contexto esportivo para que

se garanta alguma possibilidade de relação transconstitucional, por causa do comportamento

da ordem esportiva em ignorar, no caso, uma sentença de tribunal estatal ao fazer com que os

clubes boicotassem a contratação do atleta. Para que a ordem estatal, que pensa diferente,

pudesse ter voz, a nacionalidade sai da esfera territorial do país para encorpar um sentido

europeu, o que permitia bater de frente com legislação esportiva contrária às regulações

europeias. A liberdade de circulação dos trabalhadores e a liberdade de concorrência também

terão papel importante, pois, somada à questão da nacionalidade, influirão nas ordens estatais

que estão fora do contexto europeu. Como exemplo, a Lei 9.615/98, conhecida popularmente

como “Lei Pelé”, pertence ao ordenamento brasileiro, tendo como principal objetivo instituir

o “passe livre”, ou seja, após o fim do contrato entre clube e jogador, este estará livre para

firmar contrato com qualquer outro time que esteja interessado em seus serviços.

O caso Bosman causou o efeito de suprimir as regras declaradas contrárias ao direito

comunitário pela Corte. A UEFA abriu mão de suas cláusulas de nacionalidade e de restrição

a jogadores estrangeiros. Neste último caso, alguns países possuem leis que restringem o

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número de jogadores estrangeiros, exceto os comunitários390

. No plano transnacional referente

a outros esportes, a FIBA aprendeu com a decisão e autorizou a livre circulação dos jogadores

no mundo inteiro391

. Todavia, por mais que os efeitos jurídicos da decisão do caso Bosman

tenham trazido aspectos positivos nas mais diferentes ordens jurídicas392

, cabe ressaltar um

perigo aparente: o direito comunitário europeu, limitado ao seu número de países, pode atuar

de forma imperial em todas as FN‟s393

, inclusive as que se encontram fora da Europa,

negando a autonomia da ordem desportiva. Esse risco é, de fato, aparente, pois, como se verá,

a ordem europeia admite a autonomia da lex sportiva.

A decisão C-51/96 e C-191/97, de 11 de abril de 2000 – Christelle Deliège c/ Liga

francófona de judô e disciplinas associadas (LFJ), Liga belga de judô (LBJ), União européia

de judô e François Pacquée (Presidente da LBJ) – relata o conflito entre, de um lado, as regras

esportivas que prevêem quotas nacionais nos processos de seleção das FN‟s para a

participação de torneios internacionais e, de outro, as regras da Comunidade Européia da livre

prestação de serviços e de concorrência aplicáveis às empresas. A atleta questionava que as

regras desportivas que limitavam o número de atletas por nação e as que impunham a

necessidade de autorização federal para a participação de competições individuais constituíam

entraves ao livre exercício de uma prestação de serviço de caráter econômico e à liberdade

profissional. As instituições desportivas discordavam da atleta ao expressar que não havia

entraves econômicos em suas regras, mas sim entraves objetivos que visavam a participação

do atleta com melhor performance.

Reconhecendo a importância social do esporte, o TJCE recordou que as disposições do

Tratado, no que tange à matéria da livre circulação de pessoas, não se opõem a

regulamentações ou práticas que excluam os jogadores estrangeiros da participação de

encontros desportivos, desde que não sejam por motivos econômicos, senão por razões

inerentes à natureza e ao contexto específico destes encontros, interessando exclusivamente

ao esporte. Dessa forma, as regras de seleção “não determinam as condições de acesso ao

mercado de trabalho de desportistas profissionais, nem incluem cláusulas de nacionalidade

que limitem o número de nacionais de outros Estados-Membros que podem participar numa

390

Latty, 2007, p. 723. 391

Ibidem, p. 728-729. 392

Em Latty, 2007, p. 730, o autor traz algumas das características negativas da visão econômica do esporte

oriundas dessa decisão, como a “multiplicação das transferências”, a “internacionalização das equipes locais”, a

“explosão dos salários”, etc. 393

Cf. Latty, 2007, p. 729.

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competição”. O Tribunal conclui que, embora as regras de seleção tenham por efeito limitar o

número de participantes num torneio, “tal limitação é inerente ao decurso de uma competição

desportiva internacional de alto nível, que implica forçosamente a adoção de certas regras

ou de certos critérios de seleção” (grifo meu). Portanto, tais regras são justificáveis ante a

restrição à livre prestação de serviços proibida pelo Tratado.

No caso C-176/96, de 13 de abril de 2000 – Jyri Lehtonen, Castors Canada Dry Namur-

Braine c/ Fédération royale belge des sociétés de basketball (FRBSB), com intervenção da

Liga Belga – o TJCE tomou decisão semelhante à anterior. Trata-se de um caso em que o

jogador de basquete que jogou por duas equipes diferentes em uma mesma temporada,

1995/1996. Por causa disso, a equipe belga, segundo time do atleta nesta temporada, foi

punida pela FRBSB, aplicando-lhe a derrota nas partidas em que o jogador fora inscrito,

conforme regulamentação esportiva da FIBA. O atleta, juntamente com o clube, recorreu ao

TJCE questionando o obstáculo à livre circulação de trabalhadores. O Tribunal justificou que

a fixação de prazos para as transferências de jogadores “pode responder ao objetivo de

garantir a regularidade das competições esportivas”, o que, sendo feito tardiamente, poderia

“alterar sensivelmente o valor desportivo de uma ou de outra equipe durante o campeonato,

pondo assim em causa a comparabilidade de resultados entre as equipes envolvidas neste

campeonato e [...] à boa realização do campeonato no seu conjunto”. Visando o princípio da

iguadade, a igualdade esportiva e a incerteza do resultado, o Tribunal abre exceção à regra

que proíbe obstáculos à livre circulação de trabalhadores, quando existem razões objetivas,

inerentes ao esporte, que justifique esta diferença de tratamento.

Quando o assunto é doping, o TJCE tem o mesmo posicionamento dos dois últimos

casos, conforme sentença C-519/04 P, de recurso de decisão do Tribunal de Primeira

Instância, de 18 de julho de 2006, dos atletas David Meca-Medina e Igor Majcen. O Tribunal

de Primeira Instância negou provimento ao recurso destinado a obter a anulação da decisão da

Comissão das Comunidades Européias. Esta rejeitou denúncia apresentada contra o COI e a

FINA em que se questionavam certas práticas relativas ao controle antidoping. Para os

recorrentes, essas práticas iriam de encontro às regras comunitárias de concorrência e de livre

prestação de serviços. Em decisão, o Tribunal afirmou que regulamentação antidoping tem

por objetivo “combater o doping, tendo em vista um desenrolar leal da competição

desportiva, e inclui a necessidade de assegurar a igualdade de oportunidades dos atletas, a

sua saúde, a integridade e a objetividade da competição, bem como os valores éticos no

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desporto” (grifo meu). O Tribunal afirmou que a limitação à concorrência é inerente ao bom

desenvolvimento da competição esportiva. O caráter repressivo da regulamentação antidoping

produz efeitos negativos na concorrência, quando “as sanções se revelem infundadas”,

podendo “levar à exclusão injustificada do atleta das competições e, como tal, falsear as

condições do exercício da atividade em causa”. Portanto, as regras antidopings devem

“limitar-se ao necessário para assegurar o bom desenrolar da competição”. Como não ficou

provado o caráter desproporcional da regulamentação antidoping, o Tribunal rejeitou recurso.

Os casos mencionados denunciam “uma confluência de problemas transconstitucionais

complexos”, implicando, muitas vezes, a “contenção de órgãos estatais competentes e a

expansão da competência e atuação de órgãos supranacionais e transnacionais em torno de

questões direta ou indiretamente constitucionais”394

. Os institutos europeus da “livre

circulação de trabalhadores, sem discriminação de nacionalidade”, da “proibição de medidas

que impeçam a liberdade de concorrência” e da “proibição de medidas que explorem de forma

abusiva uma posição dominante no mercado comum” se sobrepõem à lex sportiva; exceto em

ocasiões nas quais as regras inerentes da ordem desportiva possam vir a limitá-las. Mais do

que uma contenção da ordem supranacional, tal afirmativa revela uma postura que possibilita

um entrelaçamento construtivo com a lex sportiva. Assim, partindo da percepção do TJCE

sobre o problema da liberdade, o TAS irá se manifestar para a solução de caso específico.

A sentença nº 2004/A/708, de 11 de março de 2005 – Jogador X c/ FIFA e clube Z395

trata do caso em que um jogador profissional francês firmou contrato de trabalho em 2000

com um clube de mesma nacionalidade que expiraria na temporada de 2004/2005. No ano de

2002, as duas partes pactuaram pela prorrogação daquele contrato até o fim da temporada

2005/2006, prevendo um aumento salarial. As partes acordaram também que se uma das

partes decidisse colocar fim ao contrato ao término da temporada 2004/2005, em função de

uma transferência para outro clube, o atleta se beneficiaria de uma participação na

indenização de transferência. Contudo, tal disposição caducaria em caso de transferência do

jogador antes do término da temporada, salvo decisão unilateral do clube. Em junho de 2004,

a contragosto de seu clube, o atleta assinou um contrato de trabalho por quatro temporadas

com um clube estrangeiro, sem que houvesse uma compensação financeira ao time francês.

Este, então, recorreu à Turma interna da FIFA, que julga problemas de rescisão contratual

entre clube e jogador. A Turma afirmou que o jogador rompera unilateralmente seu contrato

394

Neves, 2009, p. 245. 395

JDI, 2005, pp. 1329-1337, com extratos e comentários de Éric Loquin.

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de trabalho sem justo motivo durante o período de estabilidade – período de três anos de

contrato aos jogadores que possuem até vinte oito anos, sendo proibidas as rupturas

unilaterais antes do fim das temporadas – definido pelo artigo 23 do Regulamento da FIFA de

2001, que regula a transferência de jogadores de futebol. Esse regulamento implementa um

regime obrigatório nas relações de trabalho entre os clubes e jogadores, tendo por finalidade

assegurar a estabilidade das relações contratuais, com vistas a se manter a lealdade e a

integridade das competições. A FIFA suspendeu o jogador da participação de competições

durante seis semanas. O jogador recorreu dessa decisão junto ao TAS, defendendo a tese de

que não estava no período de estabilidade previsto pelo Regulamento de 2001 da FIFA, pois o

período não se aplicava em caso de prorrogação de contrato, pois não era um novo contrato,

mas sim o antigo prorrogado. Para o jogador, transferir-se para outro clube não era irregular

nessa circunstância.

Apesar da relação ter se iniciado em 2000, os árbitros aplicaram o Regulamento de 2001

fundado em dois argumentos. O TAS lembrou que o TJCE considerara o Regulamento de

1997 contrário ao direito europeu, e que as partes previram expressamente a aplicação da

versão de 2001. Os árbitros também afirmaram:

[As limitações] à resilição unilateral do contrato de trabalho pode constituir um

entrave à liberdade de circulação dos jogadores, mas esse entrave pode ser

justificado por um objetivo legítimo reconhecido pelo TJCE no caso Lehtonen –

assegurar a estabilidade das equipes a fim de garantir a regularidade das

competições e a integridade do campeonato. (Grifos meus).

No presente caso, o TAS considera correta a aplicação da cláusula de estabilidade às

hipóteses de extensão da duração dos contratos de trabalho com respeito ao direito europeu,

sendo justificada pelo princípio da regularidade das competições e por ser uma medida

proporcional na relação entre o empecilho à livre circulação de trabalhadores e a legitimidade

da exceção inerente aos assuntos esportivos. Assim, o TAS considerou que a extensão da

duração de um contrato de jogador profissional faz automaticamente correr um novo período

de estabilidade para o jogador. Isso, conseqüentemente, fez o TAS rejeitar o recurso do atleta

e confirmar a decisão da FIFA.

O importante dessa decisão é a forma como se entrelaçou com a ordem supranacional.

A ordem desportiva não buscou dar uma “última palavra” quando envolvida num problema

constitucional da liberdade. Tentou buscar o diálogo com o TJCE, colocando este em sua

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periferia, o que fez emergir uma “fertilização constitucional cruzada”396

. Em torno de um

problema constitucional comum, foi reforçada a aplicação do princípio da igualdade.

Observa-se que ambas as ordens lidaram com “problemas substantivos e institucionais

comuns”397

, aprendendo “uns com os outros a partir de suas experiências e razões” e

cooperando “diretamente para resolver disputas específicas”398

. Essa cooperação só conseguiu

se realizar, porque foram reduzidas as assimetrias entre ordens399

, mesmo que em casos

determinados, para que se pudesse levar em consideração um diferente modo de pensar e agir

sobre o mesmo problema. Situações como essas apresentam o transconstitucionalismo como

uma interessante contribuição para integrar as ordens, em princípio fragmentadas, “sem que

leve a uma unidade hierárquica última”400

.

A “promoção de inclusão generalizada” do transconstitucionalismo – permitindo “a

redução da exclusão primária crescente, especialmente em relação ao direito, no contexto de

uma estrutura heterogênea e diferenciada de comunicações”401

– também vai permitir que os

conceitos jurídico-constitucionais ganhem novos significados a partir da ordem desportiva

transnacional. Há uma relação circular: não são somente os conceitos constitucionais que

servirão de critério para a ordem desportiva; os novos significados dados pela lex sportiva aos

conceitos constitucionais servirão de critério para os estudos em direito constitucional. Como

“o Estado deixou apenas de ser um locus privilegiado de solução de problemas

constitucionais”402

, merecerão maiores considerações as transformações constitucionais das

noções de “soberania”, “acesso à Justiça” (e aos procedimentos constitucionais enquanto

característica da cidadania) e “nacionalidade” promovidas pela lex sportiva.

396

Neves, 2009, p. 119, citando Slaughter, 2003, p. 194. 397

Slaughter, 2003, p. 193. 398

Ibidem. 399

Neves, 2009, p. 286. 400

Ibidem, p. 288. 401

Ibidem, p. 293. 402

Ibidem, p. 297.

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6 A SOBERANIA JURÍDICA: DA LOCALIZAÇÃO À

DESLOCALIZAÇÃO

O presente capítulo poderia ser apenas um tópico do capítulo anterior. O tema também

se encaixa em uma percepção transconstitucional. Contudo, este espaço, a partir de casos,

servirá para novas percepções constitucionais oriundas da temática “soberania”. Ao mostrar

que este tema tem nova contextualização, outros, como a nacionalidade, cidadania e acesso ao

judiciário, também terão. Os estudos constitucionais sobre esses temas deverão ter contornos

que obriguem um olhar para fora da própria ordem estatal para que se torne possível uma

melhor compreensão de outros atores, como são os relacionados ao esporte. Neste capítulo,

será dado, quando possível, um enfoque à ordem brasileira dentro dessa problemática. Vale

ressaltar que qualquer ordem poderia ser estudada diante desses problemas, mas a escolha da

ordem nacional como objeto preferencial, além de contribuir com os estudos em área

esportiva, mostra que o Brasil não está fora de uma discussão transnacional sobre o tema. É

interessante, de início, mostrar um pouco do debate envolvendo Kelsen e Schmitt para,

posteriormente, chegar a um conceito diferenciado de soberania, isto é, soberania jurídica.

6.1 Soberania jurídica

Para Schmitt, soberano é quem decide em um caso limítrofe, isto é, em um Estado de

exceção403

. É por isso que se discute que o conceito de soberania deve imaginar o que não

está descrito na ordem jurídica vigente, sendo, no máximo, descrito como “extrema

necessidade”, mas não como um pressuposto legal404

. Reforça, com essa postura, que a ordem

jurídica repousa em uma decisão e não em uma norma405

. A decisão nessa situação liberta-se

de qualquer vínculo normativo e “torna-se absoluta em sentido real”. No Estado de exceção,

há a suspensão do Direito em prol da autoconservação406

. O autor não nega a normalidade

fática, vendo até sua importância. Porém, é somente o soberano que decide, definitivamente,

sobre se tal situação “normal é realmente dominante”, tendo, portanto, o monopólio da última

403

Schmitt, 2006, p. 7. 404

Ibidem, p. 8. 405

Ibidem, pp. 10-11. 406

Ibidem, p. 13.

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112

decisão407

. A soberania estatal, juridicamente definida, ganha status de “monopólio

decisório”, havendo a tendência jurídico-estatal apenas de descrever que o “direito suspende a

si mesmo em um estado de exceção”408

. Consagra, portanto, que a vinculação do poder

supremo fático e jurídico é o “problema principal da soberania”409

. Assim, “a realidade

jurídica depende de quem decide, mas surge do aspecto juridicamente concreto”410

.

Kelsen, ao contrário de Schmitt, pensa que o Estado só pode ser considerado soberano

quando se tem a ordem jurídica como ponto de partida411

. Para o autor “apenas uma ordem

normativa pode ser „soberana‟, ou seja, uma autoridade suprema, o fundamento último de

validade das normas que um indivíduo está autorizado a emitir como „comandos‟ e que os

outros são obrigados a obedecer”412

. Isto significa que acima da ordem jurídica nacional não

há nenhuma outra413

. O poder factual não pode estabelecer o que deve-ser: o Estado enquanto

conceito jurídico está separado do Estado como conceito sociológico414

. A validade (objeto do

dever-ser) só pode ser derivada de uma norma acima, até a norma hipotética fundamental,

sendo o Estado dependente disto. Nesta óptica, “soberania” é apenas uma forma de dizer que

a ordem legal é válida415

.

Koskenniemi vê relevância no debate entre os dois autores quando expressa que a

rejeição total à ênfase realística de Schmitt faria a doutrina parecer utópica, falhando em dar

proteção aos Estados que assumiram liberdade e independência inicial; enquanto que a total

rejeição ao argumento kelseniano pareceria apologista ao falhar em distinguir entre a decisão

real e a decisão legítima, além de não conseguir proteger a igualdade de outros Estados e de

não explicar a restrição externa ao poder do Estado416

. Apesar de ver relevância ainda nesse

confronto teórico no âmbito estatal, o debate pode ganhar nova forma e ir além desse espaço

territorialmente definido. Para tanto o conceito de soberania tende a ser “reduzido à dimensão

normativo-jurídica, enquanto não-subordinação da ordem ou instituição jurídica”417

.

407

Ibidem, pp. 13-14. 408

Ibidem, p. 14. 409

Ibidem, p. 18. 410

Ibidem, p. 32. 411

Kelsen, 2000, p. 544. 412

Ibidem, p. 545. 413

Ibidem. 414

Koskenniemi, 2005, pp. 226-27. 415

Ibidem. 416

Ibidem, pp. 228. 417

Neves, 2008, p. 157.

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113

Isso ocorre em função da crescente inserção do Estado na ordem internacional,

supranacional e transnacional. Tais ordens conduziram a uma crise conceitual de soberania. O

foco inicial será entender os sentidos e funções que a soberania tomará com relação ao Estado

Democrático de Direito, sob óptica dos sistemas político e jurídico. Por um lado a soberania

será compreendida como “autonomia funcional condicionada e territorialmente determinada

do sistema político” como forma de proteção a outras interferências, como as religiosas,

estamentais e jurídico-positivas418

. Por outro lado, a soberania significará “a autonomia

operacional do sistema jurídico”419

. A Constituição poderá ser definida como “mecanismo da

soberania do Estado enquanto organização central ou centro de observação de dois sistemas

estruturalmente acoplados, a política e o direito”420

. Assim, a Constituição

institucionaliza a condicionalidade política da soberania ou da positividade jurídica

(o fato de que o estabelecimento e a alteração permanente e continuada do direito

dependem de decisões políticas) e a vinculação da política estatal soberana ao direito

(“lícito/ilícito” como segundo código do poder). Essa desparadoxização resulta

inclusive em “hierarquias entrelaçadas” na relação entre soberania política e

soberania jurídica do Estado.

Com a fragmentação do sistema jurídico em ordens para além dos territórios, isto é,

incluindo linhas setoriais da sociedade421

, a soberania, agora jurídica, não sentirá necessidade

de território para possuir sentido. Se assim o fosse, dificilmente seria explicada a eficácia das

decisões de ordens transnacionais. O pluralismo legal global, assim, nem sempre vai seguir

“fórmulas de unidade legal, nem de ideal teórico de uma norma hierárquica”422

. Da mesma

forma, também não será resultado de um pluralismo político423

, como mostram as ordens

jurídicas transnacionais. A soberania jurídica será global, fragmentada e, por vezes, autônoma

ao Estado. É assim que ocorre com a lex sportiva.

Foi visto durante este trabalho várias sentenças arbitrais, cuja eficácia se sobrepôs ou

conviveu em conjunto com outras decisões (geralmente estatais), sem que fossem sobrepostas

por estas. No Brasil, ocorreu uma situação que não se difere daquelas analisadas. Na

introdução deste trabalho, foi também vista parte da sentença nº 2008/A/1572 ; /1632 ; /1659.

– 13 de novembro de 2009. – Gusmão c/ FINA, que apresenta o exemplo de banimento de

uma atleta por toda a vida nas competições internacionais esportivas. Esta sentença vai

418

Ibidem, p. 159. 419

Ibidem, p. 160. 420

Ibidem, p. 161. 421

Teubner, 2004, p. 999. 422

Ibidem, p. 1003. 423

Ibidem, p. 1004.

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114

mostrar uma percepção diferente sobre o mesmo problema quando existem duas ordens

jurídicas soberanas interessadas: a lex sportiva e a ordem jurídica brasileira.

A atleta brasileira Rebecca Braga Gusmão era de nível internacional e afiliada à

Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA). A atleta recorreu de três decisões

da Turma de análise dos casos de Doping da FINA (DP), que determinou violação das regras

antidoping. Duas delas se referem à presença de uma substância proibida encontrada na

amostra coletada da atleta nos testes antidoping conduzidos em 25 e 26 de maio de 2006

(TAS/A/1632) e em 13 de julho de 2007 (TAS/A/1572), respectivamente. A terceira violação

de regra alegada refere-se à adulteração do controle conduzido em 12 de julho de 2007 e outro

conduzido em 18 de julho de 2007 (TAS/A/1659).

Durante o campeonato de natação em 2006 a atleta foi submetida a um teste feito pela

CBDA em 25 e 26 de maio de 2006. As amostras foram enviadas para um laboratório

credenciado pela AMA em Montreal, Canadá. A amostra do dia 26 de maio apresentou

resultado anormal, com testosterona de origem exógena. A FINA recomendou que a CBDA

prosseguisse no caso – mesmo após ter sido recomendado pela diretora médica que não havia

bases suficientes para sanção da atleta, a partir da primeira amostra. Em audiência perante a

CBDA em maio de 2007, a atleta confirmou que todas as amostras foram corretamente

coletadas e não houve nenhuma objeção sobre o procedimento. Tendo em conta o desacordo

entre CBDA e FINA sobre a interpretação dos resultados do laboratório, a Turma julgadora da

CBDA decidiu não suspender o Atleta. A FINA requereu ao laboratório a análise da amostra

B (contraprova), que confirmaram os resultados consistentes de testosterona de origem

exógena. Baseado nos resultados, a FINA requereu à CBDA que organizasse prontamente

uma audiência para considerar esse resultado adverso e para emitir uma decisão final o mais

rápido possível. Mesmo após a amostra B, a CBDA manteve sua posição, por ser impossível

assegurar que houve o doping, não podendo, assim, punir a atleta. A FINA recorreu ao TAS,

que se recusou em julgar, pois as próprias esferas da FINA não foram exauridas.

A FINA, através de sua Turma antidoping, promoveu uma audiência. A atleta nomeou o

Dra. de Castro para ser ouvido como testemunha especialista. Na sua decisão, a Turma

antidoping da FINA decidiu que a atleta cometeu uma violação na forma da presença de uma

substância proibida. De acordo com essa Turma a presença de testosterona exógena foi

provada de forma convincente, condenando a atleta a ser inelegível para competir por 2 anos,

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a partir do dia 17 de julho de 2008. A atleta recorreu junto ao TAS no dia 12 de agosto de

2008.

A atleta participou das competições de natação no Jogos Pan-Americanos do Rio de

Janeiro entre os dias 13 e 29 de julho. Na ocasião, ela foi submetida a dois testes antidoping

no dia 12 e 18 de julho de 2007, que deu razão ao recurso TAS/A/1659. As amostras foram

enviadas ao laboratório credenciado em Montreal, Canadá para a análise. No dia 30 de julho

de 2007, o laboratório constatou que as amostras possuíam testosterona de origem exógena.

Isso resultou no aviso da FINA que a atleta estaria provisoriamente suspensa a partir do dia 2

de novembro de 2007, no aguardo da audiência da Turma Antidoping da FINA. Após o

anúncio da punição, a atleta se apresentou a uma audiência junto à Turma Antidoping da

FINA, e no dia 12 de março, foi decidido que a atleta violou as regras antidoping, punindo-a

com 2 anos de inelegibilidade. Contudo, com o processo anterior correndo, essa poderia ser a

segunda punição, resultando na inelegibilidade para toda a vida, o que fez a Turma esperar o

resultado do processo anterior para pronunciar se a pena seria para toda a vida.

No Pan-Americano, a atleta disputou as provas dos 50 metros livre, 100 metros livre,

revezamento 4x100 livre e medley. Ela foi submetida a um teste fora da competição

conduzido pelo Comitê Organizador dos Jogos. As amostras enviadas ao laboratório,

credenciado pela AMA, atestaram negativos para as amostras coletadas no dia 12 de julho. O

laboratório informou que apesar de claras indicações de uma elevada alteração, eles evitaram

dar uma conclusão analítica adversa, mas sugeriu que uma avaliação mais profunda deveria

ser feita. Um observador internacional da AMA informou à FINA que as circunstâncias do

controle antidoping e os resultados dos testes dão origem a suspeitas em relação às amostras.

O observador requereu ao laboratório o perfil das amostras coletadas nos dias 12 e 18 de julho

de 2007, revelando ser de diferentes pessoas.

No dia 27 de outubro de 2007, o laboratório SONDA, credenciado pela Justiça

brasileira para examinar análises de DNA para a Polícia Federal, relatou à Comissão médica

da organização dos Jogos que as amostras eram de diferentes doadores. Uma audiência foi

realizada em 27 de julho de 2008, e no dia 3 de setembro de 2008, a Turma decidiu que ela

era inelegível por toda a vida em razão da segunda ofensa às regras antidoping.

A atleta alegou que devido à extrema diluição e degradação bacterial das amostras A,

elas deveriam ser dispensadas, pois afetaram o resultado. Portanto, o método utilizado não é

confiável a fim de estabelecer a presença de testosterona exógena. Além disso, a condição

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patológica da atleta explicaria a alteração. A atleta também alegou desvios procedimentais. As

análises não deviam ser conduzidas, porque a CBDA era a autoridade nacional responsável

pelas análises. Não houve um procedimento confidencial, porque o laboratório informou que

a terceira amostra A pertencia à mesma pessoa. A presença de testosterona não foi

suficientemente provada pelo laboratório e o ônus da prova retrocede à FINA. Com relação à

violação antidoping fora da competição, houve uma quebra de procedimento confidencial,

porque o laboratório realizou um teste sem a requisição especial da FINA. Conseqüentemente,

alguém provavelmente instruiu o laboratório a submeter as amostras da atleta. A cadeia de

custódia não foi mantida quando o laboratório foi mudado para um novo prédio. A atleta

sustentou que o laboratório de Montreal, quando analisou as amostras B, não era credenciado.

A atleta afirmou que o presidente do comitê médico dos Jogos fez demonstrações públicas

que o mostraram informado sobre os resultados positivos da análise das amostras, quebrando

o caráter confidencial. Por fim, foram submetidas cinco amostras durante os Jogos, quatro em

que foram testadas negativo pelo laboratório credenciado pela AMA, mas apenas a amostra

tomada no dia 13 de julho foi mandada pelo laboratório de Montreal e testado positivo. A

atleta afirmou que é nulo o resultado em razão do laboratório SONDA não ser credenciado

pela AMA. Além disso, o direito do atleta para uma análise da amostra B no laboratório

SONDA foi desrespeitado. A atleta alegou uma falta de informação sobre a alegação da

custódia quando as amostras foram enviadas ao laboratório SONDA. Por fim, a atleta alega

que a justiça penal brasileira, ao investigar um possível crime de falsidade ideológica, não

encontrou nenhuma culpa da atleta.

Analisando os méritos, a Turma do TAS concluiu que a análise é confiável e de origem

exógena da testosterona. Isso significa que a diluição e degradação bacterial não exclui a

aplicação da análise. Após consultar entendedor da área de análise de amostras, ficou

esclarecido que é comum serem informados que várias amostras pertençam ao mesmo doador,

o que explica o fato de o laboratório ser informado que as amostras foram da mesma pessoa,

mas não a identidade da pessoa. Não vendo nenhum problema procedimental, a Turma acatou

a tese de que ela cometeu uma violação a uma regra antidoping.

A Turma defendia que baseado em estudos científicos o método para diferenciar a

testosterona endógena e exógena é confiável. A contraprova é conclusiva em provar a

presença de substâncias proibidas. Os laboratórios credenciados são responsáveis na condução

de amostras e procedimentos custodiais de acordo com os padrões internacionais de análise.

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117

Todavia, essa presunção poderia ser refutada se fosse mostrado que um desvio realmente

ocorreu. Porém, a atleta fez meras alegações, ao invés de provar os desvios procedimentais,

pois não se verificou nenhuma comprovação que incidisse em desvios proibidos em legislação

especial. Nem mesmo houve, segundo o TAS, quebra de confiabilidade nas afirmações, eis

que a informação já havia sido publicada pela CBDA no dia 5 de novembro de 2007. O fato

das quatro amostras não confirmarem positividade, não significa que haveria impacto na

confiabilidade no resultado do laboratório de Montreal. Portanto, nessa situação, houve

violação às regras com a presença de substância proibida.

Em um laboratório credenciado da AMA, revelou-se que as amostras coletadas da

mesma atleta, em diferentes ocasiões, não foram da mesma pessoa. Investigações

concernentes de não-identificados doadores podem ser feitos por laboratórios não

credenciados. Em um conflito de interesses, a médica da CBDA era também responsável pelo

controle antidoping dos Jogos Pan-Americanos. A substituição da amostra da atleta por uma

amostra de uma pessoa diferente só poderia ocorrer com a participação dela. A atleta

confirmou que o procedimento foi normal. A presença da urina de outrem não podia ser

explicada por nenhum caminho que não fosse com a colaboração da atleta. O TAS decidiu

que houve adulteração do controle antidoping cometido pela atleta.

O TAS afirmou que as investigações da polícia brasileira não tem nenhum efeito

vinculante ou prejudicial. De acordo com o artigo R58 do código do TAS a Turma tem de

aplicar as regras da FINA, incluindo as regras e padrões de prova que a Turma aplica em sua

decisão. A Justiça brasileira, em carta enviada à Turma, afirmou que não existia evidência

suficiente para convicção para prosseguir com a acusação contra a atleta. A Turma não podia

aceitar a decisão da Justiça brasileira. Essa conclusão não colocou em questão a dita decisão.

A corte brasileira, sob o direito penal brasileiro, aplicou diferentes regras para se chegar a tal

conclusão.

Na soma de todas as sanções, a Turma decidiu a atleta deveria ser banida por toda a vida

do esporte. Nessa sentença, percebe-se a coexistência de duas soberanias jurídicas sobre o

mesmo problema. Embora houvesse uma decisão penal que inocentasse a atleta, o TAS fez

uso de sua soberania jurídica e não se viu vinculado ao que foi decidido pela Justiça brasileira.

Para tanto, não excluiu o que foi decidido como se fosse impertinente. Ele dividiu os planos

da matéria a serem decididas, ou seja, a Justiça brasileira até poderia condenar a atleta sob os

argumentos penais, mas não esportivos. Mesmo entendendo existir pertinência na decisão

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118

brasileira, o que reforça a soberania jurídica da lex sportiva é a possibilidade de aplicar uma

pena de caráter perpétuo à atleta, muito embora a Constituição brasileira, em seu art. 5º,

XLVII, “b”, a proíba. Ou seja, em razão de sua soberania jurídica, é fundamental aplicar a

legislação transnacional ainda que exista previsão constitucional contrária. Conclui-se que

antes de se buscar uma horizontalidade entre Estados, é fundamental encontrar uma relação

horizontal entre ordens jurídicas, dada as suas respectivas soberanias, que, de fato, não podem

ser ignoradas na eficácia de suas decisões.

6.2 Cidadania e o acesso aos procedimentos constitucionais

A cidadania possui vários significados. Ela é ambígua na sua conceituação. Neste

trabalho, a leitura que lhe será dada é a de “inclusão de toda a população na „prestação dos

sistemas sociais‟”424

. A cidadania está vinculada “à auto-referência dos sistemas político e

jurídico”425

, sendo ela “incompatível com ingerências bloqueantes e destrutivas de

particularismos políticos e econômicos na reprodução do Direito”426

.

Esse conceito tem como núcleo o princípio da igualdade enquanto “mecanismo jurídico-

político de inclusão social”, apresentando-se “em uma pluralidade de direitos reciprocamente

partilhados e exercitáveis contra o Estado”427

. A crescente constitucionalização de exigências

integrativas dos sistemas políticos e jurídicos na sociedade428

é fruto de três fases: o

surgimento da semântica de direitos humanos, orientado na construção e na ampliação

generalizada dos direitos de cidadania; o reconhecimento e incorporação estatal da semântica

dos direitos humanos em sua Constituição como direito fundamental; por fim, “a

concretização das normas constitucionais referentes aos direitos fundamentais”429

.

O fundamental à cidadania é o “acesso generalizado aos procedimentos

constitucionalmente estabelecidos e aos benefícios sistêmicos deles decorrentes nos diversos

setores da sociedade”430

. A cidadania deriva da esfera pública para os sistemas jurídico e

político, e retorna destes para aquela. Portanto, é possível afirmar:

[...] de um lado, a pluralidade de direitos que constitui a cidadania relaciona-se com

a diferenciação sistêmico-funcional da sociedade; de outro, com a heterogeneidade

424

Neves, 1994, p. 259. 425

Ibidem. 426

Ibidem. 427

Idem, 2008, p. 175. 428

Ibidem, p. 179. 429

Ibidem, p. 182. 430

Ibidem, p. 183.

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119

de expectativas, valores e interesses que circulam por diversas formas discursivas na

esfera pública e exigem tratamento equânime nos procedimentos constitucionais431

.

Uma das características da cidadania, especialmente no Brasil, é o acesso ao Judiciário.

Diante da ordem transnacional desportiva, ela não será mitigada, senão deslocado a um

tribunal desvinculado de qualquer Estado. Não somente sob esta óptica, a sentença nº

2007/A/1370 e 2007/A/1376, de 11 de setembro de 2008 – FIFA & WADA c/ Superior

Tribunal de Justiça & Confederação Brasileira de Futebol & Mr. Ricardo Lucas Dodô,

também contribuirá na compreensão da organização e funcionamento da ordem jurídico-

desportiva brasileira.

No dia 14 junho de 2007, o atleta Dodô foi selecionado para exame antidoping no

Campeonato Brasileiro de Futebol, após a partida entre Botafogo e Vasco da Gama. O teste

revelou a presença de substância proibida (Fenproporex), sendo um forte estimulante e

precursor da anfetamina. O jogador já havia sido testado antes e depois desse resultado,

sempre com resultados negativos. Após a amostra B (contraprova) confirmar a presença da

substância proibida, o STJD, em 9 de julho de 2007, suspendeu provisoriamente o atleta por

30 dias. O atleta e seu clube trouxeram um parecer do laboratório da USP comprovando que

havia a substância proibida em capsulas de café que o atleta alegava ter tomado. Embora isso

fosse confirmado, o laboratório não se responsabilizava pela origem do material analisado.

Tal substância foi indicada pelo médico, o que, por si só, não haveria de ter dúvidas sobre os

diversos produtos que regularmente são administrados por ele. Em 24 de Julho de 2007, a

Comissão Disciplinar lhe impôs uma suspensão de 120 dias, estatuindo que a explicação do

jogador era implausível, especialmente a luz dos fatos que nenhum outro jogador do Botafogo

foi testado positivo em qualquer outro jogo. O jogador recorreu ao STJD, que, no dia 2 de

agosto de 2007, decidiu por maioria que o argumento do jogador era válido, sendo ele vítima

de contaminação e que não fora negligente. Dessa forma, a decisão da Comissão de suspensão

do atleta foi reformada.

Após serem notificadas da decisão pela CBF, a FIFA e a AMA recorreram da decisão

do STJD junto ao TAS. A FIFA requereu suspensão imediata do atleta. O atleta contestou a

jurisdição do TAS e requereu que este decidisse preliminarmente. O atleta se opôs à FIFA

com relação à aplicação de medidas provisionais contra ele. Preliminarmente o TAS decidiu

que tinha jurisdição para regrar sobre o caso, como também não acatou o pedido de suspensão

provisória do atleta. Ainda antes da audiência, se manifestando por carta, o STJD confirmou

431

Ibidem, p. 185.

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sua posição e afirmou que o TAS não tinha jurisdição rationae personae sobre o tribunal

nacional, embora aceitando que tinha jurisdição rationae materiae sobre o caso.

Já na audiência, mesmo reconhecendo a independência do STJD, a FIFA e a AMA

reforçaram que o TAS tem jurisdição para julgar o caso, dado que em seu artigo 61 de seu

estatuto mais atualizado prevê essa possibilidade, sendo seus membros obrigados a

incorporarem em suas regulações as provisões de administração do doping e que, em caso de

exame positivo para a substância proibida, a primeira ofensa exige o cumprimento da pena de

2 anos de suspensão. De acordo com o CMA, o jogador não podia meramente alegar, sem

provas, que houve contaminação para se eximir da pena. A AMA não viu nenhuma indicação

da origem das capsulas de cafeína que foram submetidas a teste pelo laboratório da USP.

Além de não conhecer os padrões aplicados pela farmácia de manipulação, esta também nega

que tenha contaminado o produto. Entendendo que o jogador falhou em comprovar sua

inocência e confirmando que a culpa do jogador não foi insignificante (porque tal substância

melhora a performance e não foi mencionado o uso de qualquer suplemento ou medicamento

no exame antidoping), pediram para que o atleta fosse suspenso por dois anos do futebol.

A CBF mostrou falta de interesse na causa, pois não foi ela quem decidiu o caso do

Dodô, senão o STJD, que é um órgão externo independente. A CBF não seria afetada pela

decisão do TAS, ainda mais porque negou a jurisdição do TAS sobre casos envolvendo-a. O

STJD, por sua vez, argumentou que, apesar de considerar que existe jurisdição rationae

materiae sobre o caso, não há jurisdição rationae personae sobre si e que não deveria sido

convocado como uma parte nesse procedimento arbitral, porque não possui interesse legal na

disputa; não tem poder de aprovar ou alterar as regras e regulações da administração esportiva

brasileira; não tem poder de executar as penalidades que o TAS impõe; e sua decisão foi

expressa com base no Código Disciplinar da FIFA.

O atleta Dodô negou que o TAS tivesse jurisdição sobre seu caso. Afirmou que o

Código Brasileiro de Justiça Desportiva não menciona o TAS como um órgão recursal, mas

estabelece que a decisão do STJD são finais, vinculantes e não sujeitas a recurso. O jogador

ressaltou a independência do STJD, que não tem nenhuma conexão legal com a CBF

conforme previsto no artigo 217 da Constituição Brasileira, que garante o STJD como um

tribunal de esporte autônomo e independente, e a Lei Pelé. Alegou que não há previsão

recursal no estatuto da CBF e do STJD para a competência do TAS. Além disso, alegou que o

artigo 13 do CMA, no Brasil, não era efetiva no tempo da alegada ofensa de doping. Expôs

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que não teve culpa alguma na ingestão das capsulas, eis que ingeriu as capsulas indicadas pelo

médico da equipe; ele não questionou a origem das capsulas, pois havia utilizado dos serviços

da companhia durante dois anos. Foi demonstrado que existiu a contaminação através do

exame toxicológico no laboratório da USP. O atleta afirmou que a pena de dois anos é

desproporcional sob as circunstâncias dele, pois não houve culpa. Mesmo no caso de pouca

significância de culpa, em um pior cenário, a sanção máxima é de 360 dias, possivelmente

reduzida pela metade para o caso de preferência do Código Disciplinar da FIFA.

Para decidir definitivamente sua competência sobre todos os atores envolvidos, o TAS

afirmou que a CBF adere aos regulamentos da FIFA conforme seu próprio estatuto. O

Estatuto da FIFA prevê que, quando exauridos todos os recursos internos, a FIFA e a AMA

são competentes para recorrer ao TAS contra decisões envolvendo o doping adotados pelos

membros da FIFA. Isso torna a CBF legalmente ligada a uma decisão do TAS. Contudo,

tendo em vista o Direito brasileiro e as regras esportivas brasileiras, a Turma arbitral tem a

opinião que o STJD é um órgão de justiça que, embora independente em sua atividade de

julgar, deve ser considerado parte da estrutura organizacional da CBF. Ao observar o direito

brasileiro, observou-se que o artigo 217, §§ 1º e 2º, da CF menciona que a Justiça comum só

tem competência caso tenha exaurido todos os procedimentos. O art. 217 da CF não

especifica como os órgãos da justiça desportiva devem ser estruturados e nem se eles são

independentes e montados interna ou externamente a estrutura organizacional das federações

esportivas. O art. 217 deixa a regulação ordinária para tais detalhes ao direito ordinário.

Citando o art. 69-71 do estatuto da CBF e art. 23, I, da Lei Pelé, (“Os estatutos das entidades

de administração do desporto, elaborados de conformidade com esta Lei obrigatoriamente

regulamentar, no mínimo: I- instituição do Tribunal de Justiça Desportiva, nos termos desta

Lei”), o TAS entendeu que o STJD é um órgão de Justiça independente e autônomo. Nem por

isso o STJD não está obrigado a cumprir as regulações da FIFA de aplicação universal.

Citando o art. 50, §4º, da Lei Pelé (“compete às entidades de administração do desporto

promover o custeio do funcionamento dos órgãos da Justiça Desportiva que funcionem junto

a si”), a Turma notou que o art. 70, §1º, do Estatuto da CBF confere ao Presidente da CBF o

poder formal de nomear nove juízes do STJD. Conforme o art. 55 da Lei Pelé, tal nomeação é

feita sob indicação da CBF (dois juízes), pelos clubes participantes do campeonato

profissional de topo (dois juízes), pelos advogado do Brasil (dois juízes), pelos juízes (um

juiz) e pelos jogadores (dois juízes). Portanto, sete juízes de nove são designados pela própria

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CBF ou por órgãos ou indivíduos que operam sob olhar da CBF, sendo clubes, jogadores e

juízes. Segundo secretário geral da CBF, o STJD não tem sua própria personalidade legal. É

apenas um órgão da CBF. Tal como um órgão da CBF, o STJD não constitui um órgão

governamental. Apesar disso, o artigo 52 da Lei Pelé atribui autonomia organizacional e

independência nas tomadas de decisão da CBF para o STJD.

Embora admirado com a separação de funções na CBF que respeitavam os julgados do

STJD, isso não altera o fato de que este é instituído pelo Estatuto e dependente de

financiamento administrativo da Confederação Brasileira de Futebol. O TAS, ao contrário,

não depende da existência, por exemplo, do COI para existir: não depende financeiramente,

nem esportivamente, podendo existir somente com a presença de outras FI‟s. Dessa forma, o

TAS conclui que qualquer decisão do STJD deve ser considerada como decisão da CBF, o

que a torna responsável em face da FIFA, mesmo pelas decisões de seu Tribunal. A Turma

tem a opinião de que o STJD não tem nenhuma personalidade legal autônoma e não pode ser

considerada como demandada em um recurso arbitral ao TAS; consequentemente, a Turma

tem jurisdição rationae materiae sobre a decisão recorrida, mas não tem jurisdição rationae

personae contra o STJD.

É importante fazer uma reflexão sobre o que foi decidido sobre a jurisdição do TAS e a

jurisdição desportiva brasileira. A interpretação do TAS é acertada nesse ponto, eis que a

representação jurídica na Justiça comum de uma decisão do STJD é feita pela própria CBF.

Outro ponto que merece consideração sobre a Justiça desportiva brasileira é que, atualmente,

não há um só órgão responsável pelo julgamento de todos os esportes nacionais, mas sim de

forma fragmentada pelo esporte representado. A única coisa que dá algum parâmetro

procedimental, de âmbito nacional, a todos esses tribunais é o Código Brasileiro de Justiça

Desportiva – Resolução nº 29 do Conselho Nacional do Esporte; a Lei Pelé – Lei 9.615/98; e

a Constituição Federal. Isso implica que as mais diversas legislações transnacionais dos

diferentes esportes terão outros tipos de regras recursais que nem sempre seguirão os

parâmetros nacionais. Assim, o Código Brasileiro da Justiça Desportiva, conforme o próprio

TAS, só é relevante no nível nacional. Mesmo não sendo importante para a fundamentação de

sua competência, acrescenta o Tribunal Arbitral do Esporte que a Lei Pelé, em seu artigo 1º,

§1º, expressa que a prática desportiva é objeto das regulações nacionais e internacionais. É

também por isso que o TAS se afirmou competente a julgar o atleta, dado que ele é registrado

pela CBF e, ao assinar seu contrato, sabe explicitamente que se obriga a cumprir suas

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obrigações constantes no seu contrato de trabalho registrado na CBF e seus aditamentos, bem

como respeitar o regulamento dessa entidade.

Aplicando primariamente as regras esportivas internacionais e, subsidiariamente, as

regras nacionais, o TAS acatou as razões das entidades transnacionais e acrescentou que o

jogador é o responsável pela presença da substancia proibida em seu corpo, não sendo

necessária a comprovação de culpa ou intenção ou consciência de uso do jogador para

estabelecer uma violação antidoping. Como não foi mostrada a ausência de culpa ou culpa

insignificante, aplicou-se a pena de dois anos de suspensão ao atleta, não se estendendo aos

clubes pelos quais defendeu.

É de se concluir que o acesso generalizado aos procedimentos constitucionais, como

característica da cidadania, é deslocado à esfera transnacional, quando referente ao acesso ao

Judiciário. Esse deslocamento, uma verdadeira deslocalização, por um lado, limita o

conhecimento da Justiça comum de recursos oriundos da Justiça desportiva (art. 217, §1º) –

reforçada pela proibição das FI‟s – o que também dificulta a aplicação de preceitos

constitucionais aos casos nacionais; por outro lado, a deslocalização permite a garantia

constitucional, em âmbito global, da concretização multilocalizada do princípio da igualdade,

tendo em vista que os casos, principalmente disciplinares, terão considerações iguais. Se não

há uma transnacionalização da cidadania432

, seu caráter de acesso aos preceitos

constitucionais parece cada vez mais ganhar a qualidade de “espessuras insuspeitas”, ou, mais

especificamente, de materialidade não prevista em estudos tradicionais.

6.3 Nacionalidade e um terceiro critério

A nacionalidade é um tema que recebe considerações das ordens jurídicas nacionais, da

mesma forma como na ordem internacional (principalmente em temas que tocam na condição

do refugiado). Nas ordens nacionais, a nacionalidade vai se diferenciar da cidadania, posto

que esta absorverá, fundamentalmente, o direito de participação política, enquanto que aquela

se restringirá à ligação jurídica que a pessoa possui com o Estado, não necessariamente

incluindo a participação política. A determinação da nacionalidade válida para a participação

de eventos esportivos de grande porte tem sido um dos grandes desafios a serem enfrentados

pela lex sportiva. Nos últimos anos, foi possível presenciar uma crescente naturalização de

atletas que apenas visavam a participação em competições internacionais. Da mesma forma,

432

Mostrando uma tendência desse fenômeno (apesar de possuir uma visão diferente de cidadania),

BOSNIAK, 2000.

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havia interesse dos Estados em naturalizar atletas com o intuito de angariar melhores

resultados nas competições. Com tantas regras diferentes sobre o tema, era necessário ir mais

adiante do que as regras nacionais e internacionais para delimitar o espaço esportivo.

Na sentença da Turma ad hoc (J.O. Sydney) nº 00/001, de 13 de Setembro de 2000,

United States Olympic Committee (USOC) and USA Canoe/Kayak c/ International Olympic

Committee (COI), o atleta Angel Perez, que nascera em Havana e competiu por Cuba em

1992 nos Jogos Olímpicos de Barcelona, não retornou ao seu país após uma competição no

México em 1993. Ao fugir para os Estados Unidos, pediu asilo sob o direito norte-americano

e nunca retornou a Cuba desde então. Em 1994, casou-se com uma cidadã norte-americana,

com quem teve um filho em 1995. No mesmo ano, ganhou o status de “Estrangeiro residente”

nos EUA.

Respeitando as regras da FI de Canoagem, competiu pelos EUA no mundial de 1997,

1998 e 1999. Neste ano de 1999, o atleta obteve a cidadania norte-americana. Em agosto de

2000, Comitê Olímpico dos EUA requereu que o COI garantisse o direito de participação do

atleta nos Jogos Olímpicos de Sydney. O COI negou sob os seguintes argumentos: o atleta já

representou Cuba; foram menos de três anos desde que o atleta se tornou um nacional dos

EUA; e o CON de Cuba não concorda em reduzir o período de três anos referidos na

legislação da Carta Olímpica.

Os requerentes alegaram que a qualidade de “nacional” e “cidadão” poderiam ser

igualados como demonstrado pelo direito de imigração dos EUA, que definia um nacional

como um cidadão dos EUA, ou uma pessoa que, embora não fosse um cidadão dos EUA,

devia permanente fidelidade ao país. Os demandantes argüiram que desde que o atleta

abandonou seu país, seus direitos como um nacional cubano se tornaram nulos.

O TAS em suas considerações, afirmou que o demandante não provou que conseguiu o

status de nacional por um período de três anos: a condição de “estrangeiro residente” não é

suficiente para tal caracterização, pois ele somente obteve a condição de nacional após a

obtenção da cidadania em 1999. Afirmou que, em casos assim, o TAS deve olhar para além

dos dois direitos nacionais e decidir qual é a nacionalidade predominante. Embora perceba

que a distinção entre nacionalidade e cidadania é correta, o Tribunal declarou que apenas

ocorreu o estabelecimento de fato da nacionalidade, mas não jurídica. Trazendo para o

contexto transnacional, os demandantes não conseguiram provar que seus fundamentos foram

definidos pela Carta Olímpica, ou sob o direito internacional, ou sob a ordem norte-

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americana. A Turma não quis produzir uma regra nova, tendo em vista a existência de uma

regra clara. Acrescentou, por fim, que não existem argumentos de “justiça”, para ser derivado

da Carta Olímpica, como o reconhecimento que a prática do esporte é um direito humano

fundamental, que deveria ser sob tais circunstâncias ser criado um limite de tempo exterior de

inelegibilidade olímpica. Para o TAS, esse tipo de caso não merece uma readequação da regra

a partir de “valores” estabelecidos em Carta Olímpica.

Embora o tema não seja necessariamente constitucional em todas as nações, ele se

comporta sob o domínio da soberania jurídica. Esta permite a promoção de uma terceira via

desnacionalizada e deslocalizada no que se refere à determinação da nacionalidade. O intuito

disso não é negar os critérios das ordens estatais, mas permitir que um preceito fundamental

das ordens desportivas seja possível: a sinceridade das competições desportivas. A idéia,

portanto, é evitar que a competição esportiva seja um mero instrumento de promoção de

Estados “vencedores”, que, por vezes, compram a nacionalidade do atleta visando seu alto

padrão de performance esportiva. A deslocalização desses critérios não visa a medalha como

fruto do país que compra a nacionalidade de um atleta, senão como fruto do atleta,

representando regularmente o seu país.

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CONCLUSÃO

Este trabalho teve como intenção investigar a autonomia e limites da lex sportiva, da

mesma forma que focou nos problemas constitucionais comuns a esta ordem jurídica e outras,

exigindo o entrelaçamento entre elas. Partiu-se do princípio que a lex sportiva é uma ordem

transnacional que não possui a participação essencial do Estado, senão de atores privados que

ultrapassam os limites territoriais e vinculam aqueles que participam de sua lógica. O

interesse central que possibilita uma vinculação global é a possibilidade de participação em

eventos internacionais. São estes os responsáveis pelo nascimento das Federações

Internacionais. Estes organismos abrem o conceito de lex sportiva como instituições que

produzem normas jurídicas. Dessa forma, a lex sportiva não necessariamente está vinculada

ao Movimento Olímpico.

O Movimento Olímpico reúne vários atores esportivos em torno do principal evento

esportivo: as Olimpíadas. Neste trabalho, notou-se como o Comitê Olímpico Internacional faz

cumprir a Carta Olímpica, o que implica na aceitação ou não de FI‟s (representação esportiva)

e os Comitês Olímpicos Nacionais (representação nacional). Da mesma forma, o COI mantém

os atletas vinculados aos ditames olímpicos, pois, caso queiram participar dos Jogos, terão de

assinar declaração de que aceitam a legislação olímpica e os julgamentos do Tribunal Arbitral

do Esporte.

A Agência Mundial Antidoping, juntamente com o Código Mundial Antidoping,

participa de um âmbito maior que o olímpico, mas contribui com a harmonização da lex

sportiva. A harmonização não se confere somente no plano interno de sua ordem – isto é,

exigindo cumprimento das normas, fiscalização e exames antidoping em vários esportes –

como também no plano externo, utilizando da participação das ordens nacionais e

internacional, seja para haver uma conformação interna da legislação antidoping através de

Tratado Internacional, seja para participar como representante estatal (metade da estrutura),

regrando sobre a matéria. Isso permite a conformação de interesses transnacionais, nacionais e

internacional. Há, de um lado, a garantia da igualdade e sinceridade das competições, e, de

outro, a saúde dos atletas. A estrutura, porém, não dá oportunidade à politização da matéria,

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eis que o CMA, reforçado por todos os instrumentos internacionais que legitimam este

Código, exige que todas as questões referentes ao doping podem ser recorridas ao TAS.

A idéia de um órgão decisório central na esfera esportiva foi idealizada sob a

perspectiva de tornar possível um discurso autônomo e de âmbito internacional. Como o

contexto dos anos oitenta não permitia arriscar uma aceitação internacional do discurso

desportivo sem intervenção de agentes externos, o nascimento do Tribunal Arbitral do Esporte

se concretizou com apenas a aceitação dos órgãos desportivos, que, com o seu

desenvolvimento, aumentou o número de aceitações em função, principalmente, da condição

de participação nas competições internacionais. O ponto mais interessante do TAS foi a

produção de uma jurisprudência que possibilitou a construção de padrões interpretativos

próprios. Tudo isso tendo em vista a argumentos que valessem a todos os esportes,

possibilitando o fortalecimento da harmonização da lex sportiva. O poder de juridicidade do

Tribunal foi reforçado pela aplicação de princípios gerais de direito, mesmo que de forma

“irritada”, isto é, modificada para a aplicação de uso jurídico-desportivo. Mais do que um

órgão de decisão deslocalizado, o TAS é o responsável pelas decisões que terão

concretizações multilocalizadas.

A autonomia da lex sportiva não significa uma “autarquia”. Diante de problemas

jurídicos comuns a mais de uma ordem jurídica, foi mostrada a importância de diálogo entre

soberanias jurídicas, visando uma horizontalização entre ordens. Quando existe o

envolvimento de mais de uma ordem em algum problema de cunho constitucional, o

entrelaçamento entre elas é uma necessidade. Afirmando sua autonomia a partir de soluções

constitucionais (principalmente com o princípio da igualdade), a lex sportiva, mesmo sendo

uma ordem privada, se viu em uma rede constitucional que ultrapassava os limites territoriais.

Isso exigia uma prática transconstitucional de identificação e solução de problemas jurídicos.

A lex sportiva readequou em sua ordem certos direitos fundamentais, freando-os ou

reafirmando-os com vista a uma lógica própria de sua ordem. Se por vezes conseguiu se

afirmar diante das ordens nacionais, a ordem desportiva transnacional teve dificuldades com

relação à ordem comunitária. Em razão de sua não participação nas competições, torna-se

inviável receber a imposição das decisões do TAS. Nem por isso a ordem comunitária impôs

dependência à lex sportiva, dado que a ordem comunitária soube de sua importância ao

afirmar autonomia nas questões disciplinares. Assim, nota-se que a relação transconstitucional

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envolvendo a lex sportiva é uma rica fonte de compreensão das possibilidades de

horizontalidade entre estruturas jurídicas diversas.

Por fim, foi visto que a percepção sobre soberania enquanto estudo constitucional

merece uma divisão de sua observação, isto é, uma separação entre soberania política e

jurídica. Dessa forma, verificou-se que entender a soberania jurídica, como autonomia

operacional do sistema jurídico, permite dar um lugar coerente às ordens jurídicas na

sociedade mundial. Isso, igualmente, autoriza novos olhares a respeito de temas dependentes,

como o acesso ao Judiciário, a característica cidadã do acesso aos procedimentos

constitucionais e o critério de determinação da nacionalidade. Todos esses temas partem de

uma premissa localizada para chegar a uma conclusão deslocalizada. Portanto, reforça-se a

necessidade de como um terceiro critério, no caso, privado, pode ser relevante para a

determinação de temas originariamente estatais. A conceituação clássica desses temas não

permite a inserção de atores transnacionais. Ao compreender que os atores transnacionais

estão inseridos na solução desses problemas, os conceitos clássicos tendem a se readequar.

Este é apenas um ponto de partida para uma temática que ainda possuirá vários desafios

futuros. Algumas perguntas que poderão merecer maiores reflexões dos juristas: quem deverá

julgar causas futuras de corrupção em instituições transnacionais esportivas – como ocorreu

na escolha da cidade de Salt Lake City para sede das Olimpíadas de Inverno? Como fiscalizar,

julgar e executar ou, até mesmo, declarar nulidade dos contratos entre entidades desportivas e

Estados promoventes de um evento internacional? Como esclarecer os critérios de escolha de

uma cidade sede para um evento esportivo? São várias perguntas e poucas respostas. No fim,

o que resta preservar são a sinceridade e certo caráter lúdico das competições esportivas, sem

que isso bloqueie outras ordens. Sempre terão outros pontos de vista, outras decisões. O

enfoque não foi dar razão à lex sportiva, senão compreender suas razões de agir em face de

outras ordens. O jornalista Armando Nogueira afirma que “no esporte, como na vida, não

existem vitórias nem derrotas definitivas”. Tal frase pode servir como inspiração conclusiva

para afirmar que no direito, como na vida, não existem decisões últimas definitivas.

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- Turma ad hoc de 5 de fevereiro de 2002 – S. Prusis c/ COI e Federação Internacional de

Bobsleigh e de Luge, pp. 263-271, com extratos e comentários de Éric Loquin.

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134

- Sentença nº 02/005. – 18 de fevereiro de 2002. – T. billington c/ Federação Internacional de

Bobsleigh e Toboggaining (FIBT), com extratos e comentários de Éric Loquin, pp. 276-286.

- Sentença nº 02/007, de 23 de fevereiro de 2002 – Comitê Olímpico Coreano c/ International

Skating Union (ISU), pp. 303-308, com extratos e comentários de Gérald Simon.

- Sentença nº A/340, de 19 de março de 2002 – S. c/ Federação Internacional de Ginástica

(FIG), 308-321, com extratos e comentários de Gérald Simon.

- Sentença nº 2002/A/379 e 2002/A/382. – 24 de junho de 2002. – V. c/ Royale Ligue

Velocipédique Belge (RLVB) e União Ciclista Internacional (UCI) c/ V. e RLVB, com

extratos e comentários de Gérald Simon, pp. 321-328.

- Sentença nº 2002/A/358. – 24 de setembro de 2002. – União ciclista internacional (UCI) c/

Z. e Real federação espanhola de ciclismo (RFEC), com extratos e comentários de Gérald

Simon, pp. 329-337.

HASCHER, Dominique ; LOQUIN, Eric. “Tribunal Arbitral du Sport: Chronique des

sentences arbitrales”. In : Journal du Droit International Clunet, nº 1/2004. Paris :

LexisNexis/JurisClasseur, pp. 289-340 :

- Sentença nº 2002/A/401 – de 10/01/2003 – IAAF c/ USATF, pp. 318-336, com extratos e

comentários de Dominique Hascher.

- Sentença nº 2002/A/388 – Ulker Sport c/ Euroleague – de 10 de setembro de 2002, pp. 336-

340, com extratos e comentários de Dominique Hascher.

HASCHER, Dominique ; LOQUIN, Eric. “Tribunal Arbitral du Sport: Chronique des

sentences arbitrales”. In : Journal du Droit International Clunet, nº 4/2005. Paris :

LexisNexis/JurisClasseur, pp. 1301-1337:

- Sentença nº 2002/A/431 – de 2 de maio de 2003 – Union Cycliste Internationale c/

Fédération Française de Cyclisme, pp. 1309-1312, com extratos e comentários de Éric

Loquin.

- Sentença nº 2004/A/708, de 11 de março de 2005 – Jogador X c/ FIFA e clube Z, pp. 1329-

1337, com extratos e comentários de Éric Loquin.

HASCHER, Dominique ; LOQUIN, Eric. “Tribunal Arbitral du Sport: Chronique des

sentences arbitrales”. In : Journal du Droit International Clunet, nº 1/2007. Paris :

LexisNexis/JurisClasseur, pp. 191-254:

- Sentença nº 2005/A/952 – de 24 de janeiro de 2006 – Cole c/ FAPL 24, pp. 202-207, com

extratos e comentários de Éric Loquin.

- Sentença nº 2004/A/605 – de 12 de maio de 2005 – Pamesa Valencia c/ Euroleague

Basketball, pp. 250-254, com extratos e comentários de Dominique Hascher.

LOQUIN, Eric. “Tribunal Arbitral du Sport: Chronique des sentences arbitrales”. In : Journal

du Droit International Clunet, nº 1/2008. Paris : LexisNexis/JurisClasseur, pp. 233-309 :

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135

- Sentença nº 2006/A/1119, de 10 de dezembro de 2006 – União Ciclista Internacional (UCI)

c/ L. e Real Federação Espanhola de Ciclismo (RFEC), pp. 234-258, com extratos e

comentários de Éric Loquin; e de Neves, 2009, pp. 198-201.

- Sentença nº 2006/A/1149 e nº 2007/A/1211, de 16 de maio de 2007 – WADA c/ Federação

Mexicana de Futebol (FMF), pp. 259-272, com extratos e comentários de Éric Loquin; e

Neves, 2009, pp. 201-203.

HASCHER, Dominique ; LOQUIN, Eric. “Tribunal Arbitral du Sport: Chronique des

sentences arbitrales”. In : Journal du Droit International Clunet, nº 1/2009. Paris :

LexisNexis/JurisClasseur, pp. 217-331:

- Sentença nº 2007/O/1381 – 23 de novembro de 2007 – Real Federação espanhola de

Ciclismo & V. c/ União ciclista internacional (UCI), com extratos e comentários de Éric

Loquin, pp. 218-239.

HASCHER, Dominique ; LOQUIN, Eric. “Tribunal Arbitral du Sport: Chronique des

sentences arbitrales”. In : Journal du Droit International Clunet, nº 1/2010. Paris :

LexisNexis/JurisClasseur, pp. 199-278:

- Sentença nº 2005/A/983 e nº 2005/A/984, de 12 de julho de 2006 – Club Atlético Peñarol c/

Carlos Heber Suarez, Cristian Gabriel Rodriguez Barroti e Paris Saint-Germain, pp. 200-225,

com extratos e comentários de Éric Loquin.

- Sentença nº 2008/O/1643, de 15 de junho de 2009 – Vladimir Gusev c/ Olympus SARL, pp.

251-260, com extratos e comentários de Dominique Hascher.

- Sentença nº 2009/A/1935, de 12 de novembro de 2009 – Federação Real Marroquina de

Futebol c/ FIFA, pp. 260-278, com extratos e comentários de Érico Loquin.

Sentença nº 91/53, de 15 de janeiro de 1992 – G. c/ FEI, com extratos de Latty, 2007, p. 318.

Sentença nº 98/222, de 9 de agosto de 1998 – B. c/ International Triathlon Union (ITU).

Sentença nº 98/200, de 20 de agosto de 1999 – AEK Athens and SK Slavia Prague c/ Union

of European Football Associations (UEFA), com extratos e comentários de Latty, 2007, p.

306.

Sentença da Turma ad hoc (J.O. Sydney) nº 00/001, de 13 de Setembro de 2000, United

States Olympic Committee (USOC) and USA Canoe/Kayak c/ International Olympic

Committee (COI).

Sentença nº 00/011 Andreea Raducan c/ Comitê Olímpico Internacional, de 28 de setembro

de 2000, da divisão ad hoc do TAS.

Sentença nº 2000/A/289, de 12 de janeiro de 2001 – União Ciclista Internacional (UCI) c/ C.

& Federação Francesa de Ciclismo (FFC).

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Sentença nº 2000/A/290, de 2 de fevereiro de 2001 – A. Xavier & Everton F.C. c/ UEFA,

com extratos de Latty, 2007, p. 318.

Sentença nº 2001/A/317 A. c/ Fédération Internationale de Luttes Associées (FILA), de 9 de

julho de 2001.

Sentença nº 2002/O/373, de 18 de dezembro de 2003, C.O.A. & B. Scott c/ COI, com extratos

e comentários de Latty, 2007, p. 200.

Sentença nº 2004/A/ 549, de 27 de maio de 2004 – D. & Real Federacion Española de

Gimnasia c/ Fédération Internationale de Gymnastique (FIG).

Sentença nº 2008/A/1480, de 16 de maio de 2008 – Pistorius c/ IAAF.

Sentenças nº 2007/A/1370 e 2007/A/1376, de 11 de setembro de 2008 – FIFA & WADA c/

Superior Tribunal de Justiça & Confederação Brasileira de Futebol & Mr. Ricardo Lucas

Dodô.

Sentença nº 2008/A/1572; 2008/A/1632; 2008/A/1659, de 13 de novembro de 2009 – Gusmão

c/ FINA.

Tribunal Federal Suíço

Disponível no sítio http://www.bger.ch/fr/index/juridiction/jurisdiction-inherit-

template/jurisdiction-recht/jurisdiction-recht-leitentscheide1954.htm (visto no dia

18/09/2010):

BGE 119 II 271 – Güdel c/ Federação Equestre Internacional (FEI) e Tribunal Arbitral do

Esporte (TAS), de 15 de março de 1993.

BGE 129 III 445 – A e B c/ COI, Federação Internacional de Esqui e TAS.

BGE 133 III 235 – Cañas c/ ATP Tour e Tribunal Arbitral do Esporte.

Tribunal norte-americano:

Reynolds c/ IAAF, de 17 de maio, da Corte de apelação, 6º Circuito, com extratos e

comentários de Bitting, 2008, pp. 660-662.

Tribunal de Justiça das Comunidades Européias (TJCE):

Disponível no sítio http://curia.europa.eu/jcms/jcms/j_6/ (visto no dia 8 de outubro de 2010).

C-415/93 do Tribunal de Justiça das Comunidades Européias (TJCE), do caso Union royale

belge des sociétés de football association ASBL e outros c/ Jean-Marc Bosman e outros.

C-51/96 e C-191/97, de 11 de abril de 2000 – Christelle Deliège c/ Liga francófona de judô e

disciplinas associadas (LFJ), Liga belga de judô (LBJ), União européia de judô e François

Pacquée (Presidente da LBJ).

C-176/96, de 13 de abril de 2000 – Jyri Lehtonen, Castors Canada Dry Namur-Braine c/

Fédération royale belge des sociétés de basketball (FRBSB).

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C-519/04 P, de recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância, de 18 de julho de 2006,

dos atletas David Meca-Medina e Igor Majcen.

Dispositivos legais:

Legislação desportiva:

Estatutos das Federações Internacionais:

AIBA –www.aiba.org

FIA – disponível no sítio www.fia.com

FIBA – disponível no sítio www.fiba.com

FIFA – disponível no sítio www.fifa.com

FIJ – disponível no sítio www.intjudo.eu

FINA – disponível no sítio www.fina.org

IAAF - disponível no sítio www.iaaf.org/

IIHF – disponível no sítio www.iihf.com

WKF – disponível no sítio www.wkf.net

Comitê Olímpico Internacional:

Carta Olímpica – disponível no sítio www.olympic.org

Agência Mundial Antidoping:

Disponível no sítio http://www.wada-ama.org/en/World-Anti-Doping-Program/Sports-and-

Anti-Doping-Organizations/The-Code/

Código Mundial Antidoping.

Estatuto da Agência Mundial Antidoping.

Tribunal Arbitral do Esporte:

Disponível no sítio http://www.tas-cas.org/statutes (visto no dia 8 de outubro de 2010).

Estatuto dos litígios em matéria do esporte.

Legislação suíça:

Constituição Suíça – 1999 – disponível no sítio http://www.admin.ch/ch/f/rs/101/ (visto no

dia 17/09/2010).

Page 151: Lex sportiva - PUC-SP · que a globalidade do direito desportivo e sua forma vinculativa independem do contexto olímpico. Contudo, com o Movimento Olímpico, a Agência Mundial Antidoping

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Código Civil Suíço – disponível no sítio http://www.admin.ch/ch/f/rs/c210.html (visto no dia

8/10/2010).

Lei Federal sobre o direito internacional privado disponível no sítio

http://www.admin.ch/ch/f/rs/c291.html (visto no dia 8/10/2010).

Ordem internacional:

Conselho de segurança da ONU – disponível no sítio http://www.un.org/documents/scres.htm

(visto no dia 8 de outubro de 2010):

Resolução nº 757.

Resolução 752 (1992).

Declaração de Lausanne sobre o doping, de 1999 – disponível no sítio

http://www.sportunterricht.de/lksport/Declaration_e.html (visto no dia 12/07/2010).

Declaração de Copenhague sobre a criação da AMA – disponível no sítio www.wada-

ama.org/rtecontent/document/copenhagen_en.pdf (visto no dia 8/10/2010).

Convenção Internacional contra o Doping – disponível no sítio

http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001425/142594por.pdf (visto no dia 8/10/2010).