LEVANTAMENTO DE MÉDIOS E GRANDES MAMÍFEROS EM … · bioma Mata Atlântica é o segundo em termos...
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DANIEL PAULO DE SOUZA PIRES
LEVANTAMENTO DE MÉDIOS E GRANDES MAMÍFEROS
EM ÁREA DO DOMÍNIO MATA ATLÂNTICA LOCALIZADA
NO MORRO DO COCO, VIAMÃO-RS
CANOAS, 2009
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DANIEL PAULO DE SOUZA PIRES
LEVANTAMENTO DE MÉDIOS E GRANDES MAMÍFEROS
EM ÁREA DO DOMÍNIO MATA ATLÂNTICA LOCALIZADA
NO MORRO DO COCO, VIAMÃO-RS
Trabalho de conclusão apresentado para a
banca examinadora do curso de Ciências
Biológicas do Centro Universitário La Salle –
UNILASALLE, como exigência parcial para
a obtenção do grau de Bacharel em Ciências
Biológicas, sob orientação da Profª. Dra.
Cristina Vargas Cademartori.
CANOAS, 2009
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TERMO DE APROVAÇÃO
DANIEL PAULO DE SOUZA PIRES
LEVANTAMENTO DE MÉDIOS E GRANDES MAMÍFEROS EM
ÁREA DO DOMÍNIO MATA ATLÂNTICA LOCALIZADA NO
MORRO DO COCO, VIAMÃO-RS
Trabalho de conclusão aprovado como requisito parcial para a obtenção do grau de
Bacharel em Ciências Biológicas do Centro Universitário La Salle- Unilasalle, pela
seguinte avaliadora:
Profª. Dra. Cristina Vargas Cademartori
UNILASALLE
Canoas, 3 de julho de 2009
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AGRADECIMENTOS
São tantas as pessoas a agradecer. Assim, vou começar pela aquela que foi de maior
importância para a conclusão de meus estudos. Obrigado Dona Lena, mãe querida que
sempre me incentivou e me apoiou nas horas mais difíceis da jornada acadêmica. Você foi
meu principal alicerce para seguir em frente, agradeço do fundo do meu coração.
Não poderia seguir adiante sem dizer um muito obrigado a minha namorada Michele
que me aturou e aguentou todo esse tempo, quem me conhece sabe que isso não é fácil!
Mimi muito obrigado por tudo e por estar sempre ao meu lado.
É bom lembrar dos membros da minha família, minhas tias queridas que sempre se
esforçaram bastante para que eu tivesse uma boa formação, Tia Dete e Tia Ledi, vocês são
demais. Agradeço aos meus primos Marco, Breno, Marcelo, Eliane e Guilherme pelas
horas infinitas de diversão na praia. Aos amigos lá de casa que sempre nos ajudaram, a
Dulce, Dora, Fernando e os amigos muito próximos que sempre me ajudaram quando eu
pedi.
A mais amigos, que não são poucos, vão meu abraço e obrigado. Ao Zotts que
sempre esteve presente, grande companhia, valeu irmão pelas risadas e por compartilhar as
mais diversas situações. Aos grandes amigos da faculdade: Tiagão, pela sua força e ajuda;
ao Everton, pelas conversas intelectuais; ao Jeison, por compartilhar alegrias; ao Sinue, por
se seu entusiasmo e seu grande bom humor; valeu caras! Ainda há muitos a quem
agradecer. À Cristiane Bueno, pelo companheirismo; à Susana, pela força; à Roberta e
Cristiane Mendonça, pelo carinho; ao Diogenes, Aline e Marcel, pela companhia no campo
e nas idéias. Um agradecimento a todos os meus colegas que sempre me ajudaram ou que
pelo menos me fizeram rir durante o semestre.
Dentre os meus professores, agradeço ao Eduardo Forneck, por abrir as portas da
ecologia em minha cabeça e pelas grandes oportunidades de aprendizado. Ao Piva, por
mostrar que a biologia não é tão séria. À Rosane Vera Marques, por compartilhar a paixão
pelos mamíferos, pelas incontáveis histórias maravilhosas e, finalmente, pelo seu incrível
bom humor nas saídas de campo. Ao Fernando Ramos, por mostrar que não precisa ser
biólogo para apreciar e entender o mundo natural, sem falar nas piadas impagáveis... Hehe.
Existe uma pessoa singular no meio da minha vida acadêmica, uma professora, um
mestre, um guia científico a qual serei grato eternamente. Muito Obrigado Profa. Dra.
Cristina, ou Cris, como é mais conhecida. Agradeço-a por me apresentar o maravilhoso
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mundo da mastofauna, por me ensinar como ser uma pessoa e um cientista melhor, sem
você não teria conseguido. Cris, valeu mesmo.
Por fim, não menos importante, agradeço ao Unilasalle, ao grande apoio do CNPq e
ao pessoal do Morro do Coco, Sr. Edemar, sua esposa e filhas. Ao Irmãos Lassalistas e a
todas as pessoas do projeto que ajudaram, meu abraço e muito obrigado a todos!
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RESUMO
O conhecimento da mastofauna da Mata Atlântica é insuficiente. Este trabalho teve como
objetivo estimar a riqueza e a frequência de uso na borda e interior de mata, por espécies de
mamíferos de médio e grande porte, em uma área de floresta localizada no Morro do Coco. A
metodologia consistiu de entrevistas com moradores locais, censos visuais e parcelas de areia.
Aplicou-se o teste t com correção de Welch para averiguar a existência de diferenças
significativas entre as parcelas do interior e borda de mata. O estudo transcorreu de julho de
2008 a maio de 2009, com saídas mensais de três dias. O esforço amostral totalizou 60 horas e
6,6 km percorridos nos censos, e 300 parcelas de areia. Foram registradas 16 espécies. A
metodologia de rastros apreendeu 42% dos registros. O maior número de registros foi na
primavera. A espécie mais frequente no Morro do Coco foi Alouatta guariba (28%), seguida por
Didelphis albiventris (25%). A espécie mais visualizada foi A. guariba, com 72% dos
avistamentos. Dez espécies foram registradas no interior de mata e 13 na borda. A maior riqueza
encontrada na borda está relacionada à ocorrência exclusiva de três espécies de hábitos
aquáticos: Hydrochoerus hydrochaeris, Lontra longicaudis e Myocastor coypus. A frequência de
uso do interior de mata, significativamente maior do que na borda (t = 2,45, gl = 13; p = 0,0306),
foi de 60%, refletindo o elevado número de registros de A. guariba e D. albiventris.
Palavras-chave: mamíferos de médio e grande porte, Domínio Mata Atlântica, sul do Brasil
ABSTRACT
The knowledge about the Atlantic Forest mammals is still poor. The aim of this study was to
estimate the species richness of medium and large mammals as well as the frequency of use of a
forest edge and a forest interior in an area of the Atlantic Forest Domain, southern Brazil. The
methods comprised interviews with local residents, visual censuses and sand plots. Unpaired t
test with Welch correction was performed to compare data from the interior and that from the
edge of the forest. The surveys were carried out on a monthly basis, during three days, from July
2008 to May 2009. Censuses sampling effort totalized 60 hours and 6,6 km, while sand plots
summed 300. Sixteen species were registered. The mammal tracks reached 42% of the records.
The highest number of records was on spring. The most common species in the Morro do Coco
was Alouatta guariba (28%), followed by Didelphis albiventris (25%). The species commonly
distinguished by sight was A. guariba, with 72% of the records. Ten species were detected in the
forest and 13 on the edge. The greater species richness found on the edge is related to the
restricted occurrence of three semiaquatic species: Hydrochoerus hydrochaeris, Lontra
longicaudis and Myocastor coypus. The frequency of use of the interior of the forest was 60%,
greater than on the edge (t = 2,45, gl = 13; p = 0,0306), because of the higher number of records
of A. guariba and D. albiventris.
Key words: medium and large mammals, Atlantic Forest Domain, Southern Brazil
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................08
1.1 A Mata Atlântica .............................................................................................................11
1.2 Fragmentação de Habitats............................................................................................... 16
1.3 Efeitos da Fragmentação de Habitats nos Mamíferos......................................................18
1.4 Médios e Grandes Mamíferos: Caracterização e Métodos de Estudo .............................20
1.5 Estudos sobre a Mastofauna de Médio e Grande Porte no Brasil....................................22
2 MATERIAL E MÉTODOS............................................................................................. 25
2.1 Área de Estudo.................................................................................................................25
2.2 Área de Amostragem .......................................................................................................27
2.3 Procedimento e Esforço de Amostragem.........................................................................28
2.4 Análise dos Dados............................................................................................................30
3 RESULTADOS .................................................................................................................31
4 DISCUSSÃO .....................................................................................................................37
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................44
6 REFERÊNCIAS................................................................................................................45
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1 INTRODUÇÃO
Atualmente, a busca por ações conservacionistas tem levado pesquisadores de todo o
mundo a conhecer e discutir os principais impactos ambientais ocasionados pelas ações
desenfreadas da humanidade, e também a achar formas de enfrentar e reduzir a perda de
biodiversidade. Um dos principais impactos gerados pelas ações antrópicas é a perda e redução
de habitats, um dos fatores de diminuição das espécies da fauna mundial (PRIMACK,
RODRIGUES, 2001). A biodiversidade sofre mais pressão nos países subdesenvolvidos, onde
existe maior densidade demográfica e as necessidades econômicas são muito grandes,
ocasionando, então, intensa busca por recursos naturais em áreas importantes para a conservação
(PRIMACK, RODRIGUES, 2001), quadro que também se aplica ao Brasil.
Redford (1992) faz menção ao surgimento de florestas vazias nas regiões tropicais. O autor
ressalta também que muitos fragmentos, apesar de serem registrados em imagens de satélites,
estão com suas funções ecológicas comprometidas devido à ausência da fauna. Preservar
somente a vegetação das florestas tropicais não é suficiente para a manutenção da fauna silvestre
nessas regiões. São de extrema importância ações que impliquem na proteção dessa fauna, como
o controle da caça e da pesca, do comércio ilegal da fauna silvestre e a proteção dos habitats
desses animais.
Sabe-se que para conservar um ecossistema e utilizá-lo de maneira sustentável é necessária
a realização de inventários de fauna (PRIMACK, RODRIGUES, 2001; CULLEN Jr. et al., 2006;
ROCHA et al., 2006). Dados sobre abundância e distribuição são muito importantes para a
avaliação do status de conservação de um táxon (IUCN, 2009), sendo que uma das dificuldades
para essa avaliação, em nível nacional, é a escassez de dados publicados sobre composição e
abundância das espécies em níveis locais e regionais.
Para desenvolver estratégias efetivas para a conservação das áreas naturais, é de extrema
importância que se obtenha conhecimento básico sobre taxonomia, história natural e ecologia das
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espécies. Além disso, são necessários estudos que permitam conhecer as respostas individuais
das espécies e das comunidades, frente à modificação da paisagem que ocorre pela fragmentação
de habitats. Em outras palavras, é necessário saber como os diferentes táxons respondem às
alterações no ambiente onde vivem. Esses estudos são cada vez mais importantes nas regiões
neotropicais, onde as ameaças tornam-se maiores a cada dia. Segundo IBAMA (2008), o
levantamento e o monitoramento da riqueza de espécies é um dos principais métodos usados no
manejo e na conservação de áreas protegidas. Alguns grupos de animais podem ser usados como
indicadores da qualidade ambiental, uma vez que características como presença/ausência,
abundância e sucesso reprodutivo de algumas espécies podem indicar a sustentabilidade
ambiental de uma área (CARVALHO Jr., LUZ, 2008).
A importância da biodiversidade brasileira é pouco conhecida. Segundo Graipel (2008),
talvez por esse motivo se assista passivamente à ameaça de extinção de espécies da fauna
silvestre. A extinção de uma espécie em uma região altera as relações entre as espécies
sobreviventes, gerando desequilíbrios ecológicos que afetam a qualidade ambiental e muitas
vezes trazendo prejuízo direto à população humana, dificultando o controle de pragas, reduzindo
os níveis de produção agrícola, alterando também os valores estéticos da natureza e
comprometendo os processos de regeneração das florestas em áreas naturais (ALMEIDA, 1998).
Muitos desses problemas poderiam ser evitados com o conhecimento da fauna e o planejamento
de áreas naturais associadas a ambientes urbanos, o que ajudaria a manter a biodiversidade e a
elevar a qualidade de vida da população.
Estima-se que as florestas tropicais ocupem 7% do território mundial e que mais da metade
da fauna do planeta viva nelas (TOWNSEND et al., 2006). A maneira como estão sendo
destruídas as florestas torna eminente o perigo de que sejam perdidas linhagens de muitas
espécies já descritas e muitas desconhecidas pela ciência.
A Mata Atlântica foi o bioma mais afetado pela ocupação do território nacional. Mesmo
assim, o conhecimento da sociedade sobre a fauna desse bioma é insuficiente. Animais
extraordinários vivem nas matas de muitos parques e reservas, inclusive próximos às cidades. O
bioma Mata Atlântica é o segundo em termos de diversidade de mamíferos, mas possui um
número significativamente maior de espécies (total de endêmicas) do que o esperado dado a sua
área (COSTA et al., 2001).
Sabe-se que a Mata Atlântica é a segunda maior floresta tropical do continente americano.
No passado, cobria cerca de 1,5 milhões de km2 (com 92% desta área no Brasil), penetrava até o
leste do Paraguai e nordeste da Argentina. Hoje cobre menos de 100.000 km2, cerca de 7% da
10
área original. Possui mais de 8.000 espécies endêmicas de plantas vasculares, anfíbios, répteis,
aves e mamíferos, e é um dos 25 hotspots mundiais; portanto, uma área rica em biodiversidade e
com alto grau de ameaça (TABARELLI et al., 2005; TONHASCA, 2005). No Rio Grande do
Sul, o bioma originalmente ocupava 112.027 km2 do estado; hoje encontra-se reduzido a
7.496,67 km2
(MARCUZZO et al., 1998).
Os mamíferos são um grupo representativo da fauna tropical. As espécies de mamíferos
respondem de maneira diferente às alterações nos seus habitats, sendo que algumas comunidades
são mais sensíveis do que outras às perturbações ambientais ao longo do tempo. Os mamíferos
são especialmente afetados pela perda e alteração de habitats, por serem componentes
importantes dos ecossistemas terrestres tanto em termos de biomassa como pelos vários níveis
ocupados em cadeias tróficas, além de desempenharem papel essencial à manutenção e
regeneração das florestas tropicais através da dispersão de sementes e predação de plântulas
(REDFORD, EISENBERG, 1992; SILVA, 1994; TONHASCA, 2005; CARVALHO Jr., LUZ,
2008).
A fauna de mamíferos do Rio Grande do Sul é expressiva, graças a sua privilegiada
posição fisiográfica. As 141 espécies já registradas perfazem, aproximadamente, 35% do total de
mamíferos conhecidos no Brasil. No entanto, muitos aspectos ecológicos e biológicos dos
mamíferos de médio e grande porte são ainda hoje pouco entendidos. Isso se deve a seus hábitos
noturnos e esquivos e à baixa densidade de suas populações, o que os torna difíceis de observar e
estudar (SILVA, 1994).
Avaliar os impactos das diferentes formas de uso da terra sobre a diversidade é
fundamental para entendermos e desenvolvermos as melhores formas de utilização dos recursos
naturais, conciliando, assim, o desenvolvimento socioeconômico com a conservação da natureza.
Portanto, visando à conservação e à manutenção dos processos naturais constituintes de florestas
no estado do Rio Grande do Sul, este trabalho teve como objetivo principal conhecer as espécies
de mamíferos de médio e grande porte ocorrentes em um remanescente do Domínio Mata
Atlântica da Região Metropolitana de Porto Alegre.
Teve-se, como objetivos específicos:
a) conhecer a riqueza de mamíferos de médio e grande porte no Morro do
Coco;
b) comparar a riqueza de mamíferos de médio e grande porte nos ambientes
de interior e borda de mata da área estudada;
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c) determinar a freqüência de ocorrência das espécies de mamíferos de
médio e grande porte em cada um desses ambientes.
1.1 A Mata Atlântica
No decurso do tempo geológico houve, sucessivamente, grandes transgressões marinhas
alagando vastos espaços continentais; variações climáticas acentuadas, com fases de glaciação;
ocorrência de climas e condições edáficas que permitiram o desenvolvimento de floras
exuberantes, propiciando a constituição de depósitos de carvão e o crescimento de florestas
extensas, algumas hoje com seus restos petrificados; desertificação de áreas imensas; gigantescos
derrames de lava e outras manifestações repetidas de vulcanismo intenso; movimentos tectônicos
e desnivelamentos gerando grandes falhas geológicas; e formas caprichosas de erosão, que
levaram à formação de cavernas, "canions", quedas d'água e algumas das paisagens brasileiras
mais espetaculares (CÂMARA, 2000; AB’SABER, 2005).
A Mata Atlântica estende-se por 27 graus de latitude, de 3°S a 30°S. Em altitude, varia
do nível do mar até elevações maiores que 2.700m (LAGOS, MULLER, 2007). As condições
físicas na Floresta Atlântica variam muito, dependendo do local estudado. Assim, apesar de a
região estar submetida a um clima geral, há microclimas muito diversos e que variam de cima
para baixo nos diversos estratos. Os teores de oxigênio, luz, umidade e temperatura são bem
diferentes dependendo da camada considerada. Os climas atualmente variam de regimes
subúmidos com estações secas, no nordeste, até ambientes de pluviosidade extrema, em alguns
locais da Serra do Mar. Segundo Tonhasca Jr. (2005), dependendo do local e época do ano, a
Mata Atlântica pode ser fresca ou opressivamente quente. A umidade é alta, com chuvas
frequentes, e fontes de água são encontradas por toda a parte. A presença de umidade é uma das
características marcantes do bioma.
Conforme Tabarelli et al. (2005), o bioma é extremamente heterogêneo, sua composição
cobre um amplo rol de zonas climáticas e formações vegetacionais, tropicais e subtropicais, pois
junto abrange formações mistas de araucária ao sul, com distintas dominâncias de lauráceas, e
florestas decíduas e semidecíduas no interior. Várias formações se encontram e fazem
associações com este bioma, como mangues, restingas, formações campestres de altitude e brejos
(florestas úmidas que resultam das precipitações em meio a formações semi-áridas no nordeste
brasileiro).
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O conceito de Mata Atlântica tem sido objeto de diversas controvérsias, principalmente
quanto à sua definição e delimitação. Isso se deve em parte aos vários sistemas de classificação
da vegetação baseados em diferentes parâmetros abióticos e fisionômicos, inadequados a uma
representação cartográfica da totalidade desse complexo vegetacional (CONAMA, 2003). De
acordo com Marcuzzo et al. (1998), considerando as inter-relações entre os diferentes tipos de
vegetação, pesquisadores e cientistas evidenciam hoje um novo conceito de Mata Atlântica. Até
bem pouco tempo atrás, pensava-se que ela incluísse somente as florestas que ficavam junto ao
litoral do Brasil. Contudo, a Mata Atlântica engloba um conjunto de formações florestais e
ecossistemas associados, que se estendem do Rio Grande do Norte até o Rio Grande do Sul. A
área de Domínio Mata Atlântica abrange um conjunto de diferentes paisagens, incluindo
formações vegetais contínuas, propiciando uma concepção geral e integrada deste bioma e,
ainda, um corredor de vida silvestre.
Pelo menos cinco áreas de endemismo podem ser reconhecidas com base na distribuição
de vertebrados terrestres e plantas, todas no Brasil: Brejos Nordestinos, Pernambuco, Bahia
central, costa da Bahia e serra do mar (TABARELLI et al., 2005).
A biota da Mata Atlântica é extremamente diversificada (COSTA, 2000; TABARELLI et
al., 2005; LAGOS, MULLER, 2007). Mesmo com extensas áreas ainda pouco conhecidas do
ponto de vista biológico, acredita-se que a região abrigue de 1 a 8 % da biodiversidade mundial.
A Mata Atlântica está isolada dos dois outros grandes blocos de florestas sulamericanas: a
Floresta Amazônica e as florestas andinas, que são separadas por dois biomas de vegetação
aberta, a Caatinga e o Cerrado. Esse isolamento resultou na evolução de uma biota única, com
numerosas espécies endêmicas (COSTA, 1997; AB’SABER, 2005; LAGOS, MULLER, 2007).
Assim, as formações situadas mais ao norte têm, segundo alguns especialistas, mais de 50% de
suas espécies arbóreas diferenciadas daquelas situadas ao sul. Nessa região, a floresta já toma
características de mata subtropical com o aparecimento de largas extensões em que há o domínio
da Araucaria angustifolia (COSTA, 2001). As árvores do bioma são naturalmente mais
evidentes; no entanto, epífitas, arbustos, plantas herbáceas e lianas são grupos igualmente
abundantes e importantes neste tipo de floresta tropical (TONHASCA Jr., 2005).
A ocupação original da Floresta Atlântica ocorreu sobre zonas de ecótonos, por
propiciarem mais facilmente a aquisição, sobretudo, de proteína animal de grandes herbívoros.
Tais zonas de ocupação foram principalmente as planícies fluviomarinhas, ao longo de cursos
d’água, conforme evidências arqueológicas de materiais coletados nessas áreas (COSTA, 2001;
PIANCA, 2001). O bioma, na época do descobrimento, era uma cobertura florestal praticamente
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contínua e muito diversificada em sua constituição fitofisionômica e florística. Essa imensa
floresta heterogênea ocupava uma superfície superior a 1.000.000 km2 somente no Brasil
(CÂMARA, 2000). O ritmo acelerado de degradação da Mata Atlântica promoveu riqueza
econômica ao país, através da exploração de Pau-brasil e de outras espécies vegetais,
contribuindo com quase a metade de toda a produção madeireira do Brasil até o ano de 1970. As
plantações de café, cana-de-açúcar e banana foram atividades geradoras de desmatamentos
durante muito tempo; hoje em dia, o desmatamento ocorre principalmente por causa da
especulação imobiliária, exploração agropecuária, extrativismo e comércio ilegais de madeira e
animais silvestres (CÂMARA, 2000). Segundo Tonhasca Jr. (2005), o lucro à custa da Mata
Atlântica é obtido muitas vezes através da falta de inibição de indústrias poluidoras que não
cumprem as medidas preventivas e mitigadoras de suas ações prejudiciais.
Entre 1985 e 1990, foram cortadas na Mata Atlântica 1.200.000.000 de árvores. Apesar
disso, a Mata Atlântica conserva sua importância em termos biológicos. De um total estimado de
mais de 1800 espécies de vertebrados terrestres, aproximadamente 660 (36 %) são endêmicas ao
bioma. Focando-se alguns grupos particulares, nota-se que 18 (80 %) das 24 espécies e
subespécies de primatas, e 57 (64%) dos 87 táxons de roedores são exclusivos do bioma
(PAGLIA et al., 2004) .
Devido à grande devastação dessa mata, várias espécies estão ameaçadas de extinção, fora
aquelas que já se extinguiram; metade das espécies vivas hoje poderá estar extinta até o final do
próximo século. As listas oficiais e globais mostram que pelo menos 367 espécies de árvores e
arbustos, 104 espécies de aves, 35 de mamíferos, três de répteis e uma de anfíbio da Mata
Atlântica estão ameaçadas. Segundo Lagos et al. (2007), o bioma apresenta 151 espécies de
árvores e arbustos, 362 espécies de aves, 113 de mamíferos, 18 de répteis e 16 anfíbios
ameaçados em plano nacional. Como qualquer ecossistema natural, a principal ameaça é a
redução do habitat de um grande número de espécies endêmicas (PRIMACK, 2001).
Hoje em dia, devido à crítica situação de sua área, às frágeis condições de seus fragmentos
remanescentes e ao perigo de extinção, este bioma não pode ser superexplorado. Embora, mesmo
assim, possa gerar renda sustentável através da pesca, extrativismo e turismo, a Mata Atlântica
deve ser valorizada pela sua importância econômica indireta e pelos seus benefícios sociais
(TONHASCA Jr., 2005).
Conservar os ecossistemas que fazem parte da Mata Atlântica é muito importante para o
ser humano, já que eles prestam diversos serviços ecológicos, atuando como reguladores do
fluxo dos mananciais hídricos, comportando as nascentes de rios essenciais para o abastecimento
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de muitas cidades, atuando no controle do clima e na retenção e fertilidade do solo, evitando o
assoreamento de leitos fluviais, fornecendo proteção de escarpas e encostas de serras, além de
garantir o fornecimento de diversos produtos como madeira, remédios e alimentos (CÂMARA,
2000; DOTTA, 2005). Segundo Lagos et al. (2007), um grande número da população brasileira
vive nesse hotspot, desenvolvendo muitas atividades econômicas que necessitam desses
ecossistemas sadios, mediante a exploração de plantas e animais silvestres para alimentação,
combustível, vestuário, medicamentos e abrigo. Conforme Câmara (2000), mais de cem milhões
de pessoas vivem e dependem dos recursos naturais do rico solo original da Mata Atlântica.
Mesmo com a grande umidade que o caracteriza, o território já apresenta problemas no
abastecimento de água.
O Decreto Federal N. 99.547 de 25 de setembro de 1990 estabeleceu a intocabilidade da
Floresta Atlântica, proibindo completamente a exploração de seus espécimes vegetais. No
entanto, apresentou uma série de lacunas, destacando-se o fato de não ter definido o conceito de
“Mata Atlântica”, levando unicamente à proteção das Florestas Ombrófilas, e também pelo fato
de ignorar os problemas sociais gerados a populações tradicionais ao proibir toda e qualquer
exploração de recursos naturais (DOTTA, 2005; CONAMA, 2007).
A partir de 1993, a Floresta Atlântica tornou-se o primeiro domínio brasileiro a ser
declarado pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura) como Reserva da Biosfera, contemplando uma área de 29 milhões de hectares. Passou a
ser, desde então, uma região especialmente protegida, fazendo parte de uma rede internacional
de intercâmbio e cooperação que visa à conservação da biodiversidade no mundo por meio de
uma relação equilibrada entre o homem e a natureza (MAB-UNESCO, 2000; DOTTA, 2005;
TONHASCA Jr., 2005; CONAMA, 2007).
A Floresta Atlântica é protegida pelo Código Florestal, considerado como uma das mais
importantes leis de proteção ao meio ambiente no país, instituído pela Lei Federal N. 4.771/65.
Conta com o título de Patrimônio Nacional, fato declarado na Constituição Federal de 1998 (Art.
225, Enciso 4), bem como de Patrimônio Natural da Humanidade, concedido pela UNESCO
(MAB-UNESCO, 2000; DOTTA, 2005).
Apesar da bem elaborada legislação brasileira, crimes e violações ambientais são
largamente ignorados, as ações repressivas são pouco efetivas e, quando há punição, esta, via de
regra, é pouco rigorosa e insuficiente para desencorajar futuros abusos. Dessa forma, a Mata
Atlântica torna-se um bem de acesso irrestrito cuja exploração excessiva e predatória a levou à
beira do colapso. A tragédia da destruição deste importante bioma só será evitada quando a
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sociedade for educada a respeito de sua importância, dos riscos e custos decorrentes do seu
desaparecimento (TONHASCA Jr., 2005).
O território do Rio Grande do Sul constitui uma área de encontro de florestas. Em
momentos distintos, no passado, o território foi ocupado por floras provenientes de regiões muito
diferentes. Na formação vegetacional do estado, tiveram grande influência a flora austral
(Patagônica), a flora andina e a flora tropical (BACKES, 1981; BACKES, 1999; RAMBO,
2005). Segundo Backes (1999), esse encontro de floras de origens distintas numa área
relativamente pequena (menos de 200.000 km2), constituiu um dos fenômenos mais
significativos sob o ponto de vista da fitogeografia e da própria ecologia. Desse encontro,
resultaram numerosos pontos de contato, características intermediárias e sistemas totalmente
novos que constituem áreas de tensão ecológica. Todos esses processos de formação das
fitofisionomias estão ligados diretamente com os regimes climáticos que dominaram, em épocas
distintas, toda a região sul do continente. O período atual é um regime climático
predominantemente quente e úmido, que propicia o desenvolvimento de formações de caráter
tropical. Segundo Marcuzzo et al. (2000), a identidade natural das terras gaúchas é marcada pela
subtropicalidade, com ausência de estação seca e bom nível de precipitações, relevo de fortes
desníveis e a presença predominante de uma área de campos e outra de florestas. As florestas
cobriam 40% do estado do Rio Grande do Sul, e os campos, grande parte da área restante.
O período mais intenso de exploração de madeira e abertura de áreas para a agricultura foi
de 1945 a 1970. Especialmente na década de 50, o Rio Grande do Sul foi pólo exportador de
madeira nativa, principalmente araucária, conhecida como pinheiro brasileiro. A partir da década
de 60, a ampliação das fronteiras agrícolas foi a responsável pela drástica redução das florestas
nativas, especialmente as florestas estacionais da região do Alto Uruguai. Hoje, os
remanescentes florestais continuam sofrendo pressões para dar lugar à agricultura, pela extração
de madeira para lenha, construção de estradas, pontes, gasodutos, barragens e, também, devido à
expansão urbana (MARCUZZO et al., 2000).
Quase todos os ecossistemas integrantes do Domínio Mata Atlântica estão representados
no território gaúcho: a Floresta Ombrófila Densa, localizada na faixa costeira do litoral e nas
encostas de Osório a Torres; a Floresta Ombrófila Mista e os Campos de Altitude na região do
Planalto, com seus capões de araucárias (Araucaria angustifolia) e pinheiro bravo (Podocarpus
lambertii); as Florestas Estacionais Deciduais e Semideciduais, que perdem suas folhas,
dependendo da estação, na encosta sul da Serra Geral e região do Alto Uruguai; e a vegetação de
restinga, presente na maior parte do litoral gaúcho, quase sempre acompanhada de dunas, lagoas
16
e banhados. No passado, a paisagem do litoral também era caracterizada pela presença de
palmares, que são os campos com butiazais, atualmente em vias de extinção (MARCUZZO et
al., 1998). Há muitas espécies que somente podem ser encontradas em algumas regiões. Outras
são originárias de uma determinada região, mas se disseminaram para outras áreas. A paineira
(Chorisia speciosa), a canafístula (Peltophorum debium) e o alecrim (Holocalyx balanade), por
exemplo, são nativas da Floresta Estacional Decidual, localizada no Alto Uruguai. Já a grápia
(Apuleia leiocarpia), a cabriúva (Myrocarpus frondosus) e o ipê-roxo (Tabebuia avellanedae)
estão presentes no Alto Uruguai e também na encosta sul da Serra Geral (MARCUZZO et al.,
1998).
Segundo a FEPAM (2009), no estado do Rio Grande do Sul, a Mata Atlântica ocupava
39,7% do território, estando hoje reduzida a 2,69%, o que corresponde a 7.496 km2. A Mata
Atlântica, além de abrigar inúmeras espécies da fauna e da flora, raras ou ameaçadas de extinção,
garante a regularidade dos mananciais de água que abastecem as cidades. O território do Rio
Grande do Sul representa o limite meridional da Mata Atlântica brasileira (FEPAM, 2009).
1.2 Fragmentação de Habitats
Segundo Primack e Rodrigues (2001), quando um habitat é destruído, fragmentos de
habitat geralmente são deixados para trás. Esses fragmentos são frequentemente isolados uns dos
outros por uma paisagem altamente modificada ou degradada. Além de estarem sendo
destruídos, os habitats que anteriormente ocupavam áreas extensas e contínuas estão sendo
divididos em pequenos pedaços pelas estradas, campos, cidades, e por um grande número de
outras atividades humanas como o cultivo de grãos e criação de gado. Conforme Câmara (2000),
a extrema fragmentação das florestas, restringindo muitas porções residuais a áreas de poucos
hectares, a extração seletiva de madeira, que reduz a densidade da cobertura florestal e altera sua
composição florística, e os sucessivos desmatamentos, seguidos de várias gradações de sucessão
vegetal, tornam quase impossível definir o que é ou não vegetação primária e determinar os
fragmentos restantes das diversas formações primitivas.
O efeito mais significativo da fragmentação é a redução do número de espécies
(TONHASCA Jr., 2005). Para as espécies de animais, a fragmentação de habitats pode ameaçar
sua existência, limitando sua dispersão e colonização (PRIMACK, RODRIGUES, 2001). Várias
espécies de pássaros, mamíferos e insetos não atravessam faixas estreitas de ambiente aberto
pelo perigo de predação, afetando a dispersão de sementes de frutos carnosos e sementes
17
aderentes. Dessa forma, fragmentos isolados não são colonizados por espécies nativas que
potencialmente viveriam ali, por consequência, diminuindo as populações do habitat e reduzindo
as espécies no fragmento com o passar do tempo (PRIMACK, RODRIGUES, 2001; BROWN,
LOMOLINO, 2006).
Outro aspecto negativo da fragmentação de habitat é a redução da disponibilidade de
alimentos a animais nativos. Muitas espécies de animais, sendo solitárias ou sociais, têm a
necessidade de se mover livremente na área para ter acesso a recursos, que estão disponíveis
sazonalmente ou dispersos pelo ambiente, como frutos, sementes, matéria vegetal e água
(PRIMACK, RODRIGUES, 2001). A redução de recursos para os animais pode representar
aumento na competição e consequente aumento na mortalidade (TOWNSEND et al., 2006).
A fragmentação de habitats também aumenta drasticamente o efeito de borda (PRIMACK,
RODRIGUES, 2001; TOWSEND et al., 2003). O microambiente na borda de um fragmento é
muito diferente daquele no interior da floresta. Aumentos na temperatura, níveis de luz, umidade
e vento contribuem para a predominância de espécies vegetais mais generalistas que tomam o
lugar das espécies de interior de mata. Grupos de animais tolerantes à sombra e sensíveis à
umidade são rapidamente eliminados, levando a mudanças na composição da comunidade.
O efeito de borda em fragmentos de florestas tropicais amplia a sua destruição para além
dos valores de cobertura vegetal. Os impactos são variados, como o aumento da incidência de
incêndios devido à baixa umidade e muito vento. O fragmento fica mais vulnerável à invasão de
espécies exóticas e espécies nativas ruderais, colocando populações de animais nativos em
contato com animais domésticos e aumentando, assim, a possibilidade de contato com doenças
que não existiam no fragmento até então. Doenças estas que têm, muitas vezes, potencial para
atingir pessoas que entrem em contado com esses animais. (PRIMACK, RODRIGUES, 2001)
A paisagem da Mata Atlântica foi radicalmente alterada e o que resta está distribuído em
dezenas de milhares de pequenos fragmentos (TABARELLI, 2000; TONHASCA Jr., 2005;
LAGOS, 2007). Devido à fragmentação, inúmeras espécies de plantas, aves, mamíferos, répteis e
anfíbios da Mata Atlântica estão oficialmente ameaçadas de extinção. Algumas estão ameaçadas
apenas no bioma, outras em todo o Brasil e outras em nível global (LAGOS, 2007; BRASIL,
2009).
De acordo com Tonhasca Jr. (2005), estudos empíricos e teóricos demonstram a
importância de manter a integridade dos últimos grandes remanescentes de Mata Atlântica para a
conservação das espécies. Ainda faltam estudos ecológicos de campo que permitam identificar a
dinâmica dos ecossistemas, o inter-relacionamento das várias espécies, aquelas que são mais
18
vulneráveis, os efeitos cascata da redução ou eliminação das espécies-chaves, e as verdadeiras
consequências cumulativas de influências negativas diversas, tais como fragmentação de
habitats, caça, poluição, presença ou ausência de espécies exóticas, redução de fontes de
alimentação, entre outras (CÂMARA, 2000).
1.3 Efeitos da Fragmentação de Habitats nos Mamíferos
Atualmente, a principal causa que leva ao declínio das populações de mamíferos é a perda
e fragmentação de habitats, ocasionada principalmente pelo progresso desordenado e
crescimento das atividades humanas (COSTA et al., 2005). A fragmentação crítica da Mata
Atlântica faz com que o bioma possua poucas áreas capazes de sustentar populações de
mamíferos de médio e grande porte (REIS et al., 2006). A maioria absoluta das espécies (88,4%)
está ameaçada pela destruição de habitats e pelo desmatamento (73,9%), fatores que são mais
intensos no Cerrado, na Mata Atlântica e na Caatinga, mas obviamente não estão restritos a esses
biomas. Caça e perseguição aparecem a seguir, afetando 53,6% e 23,2% das espécies,
respectivamente. A lista de espécies ameaçadas divulgada pelo Ministério do Meio Ambiente em
2008 contém 69 espécies de mamíferos, 10,6% do total encontrado no país, sendo que a maioria
se encontra na Mata Atlântica (BRASIL, 2003; CHIARELLO et al., 2008). Conforme a IUCN
(2006), 38% dos mamíferos ameaçados ocorrem no bioma Mata Atlântica.
Os atributos espaciais, características e elementos da paisagem indicam se há ou não
espécies em determinada área. A fragmentação de habitats e consequente destruição da
conectividade íntima entre vegetais e mamíferos pode gerar a desestruturação de ambas as
comunidades, além de afetar a área mínima que uma espécie pode suportar. A densidade de
animais está ligada diretamente à capacidade de adaptação aos habitats e à disponibilidade de
alimento. (PRIMACK, RODRIGUES, 2001; TOWNSEND et al., 2006; DOTTA, 2005;
GONÇALVES, 2006)
Segundo Graipel (2008), quando um ecossistema sofre desequilíbrio ecológico, ocorre não
só o desaparecimento ou redução da abundância de espécies situadas no topo da cadeia alimentar
(carnívoros maiores), mas também o aumento populacional de espécies pouco seletivas quanto
ao uso do habitat e à dieta (generalistas). Espécies generalistas com alta capacidade de dispersão,
adaptação, mobilidade, hábeis para o uso de habitats e itens alimentares são favorecidas pela
fragmentação, enquanto que espécies mais exigentes, com alto requerimento individual de área,
baixa abundância, alta flutuação populacional, baixo potencial reprodutivo, baixo poder de
19
dispersão e forte especialização tendem a desaparecer, mostrando-se mais sensíveis à
fragmentação e ao efeito de borda (PRIMACK, RODRIGUES, 2001; TOWNSEND et al., 2006;
DOTTA, 2005).
Os predadores tendem a ocupar grandes áreas de vida (TOWNSEND et al., 2006), o que
leva a respostas mais sensíveis à fragmentação de habitats, e estão entre as espécies que se
apresentam em baixas densidades. Alguns estudos indicam, ainda, que predadores atuam como
espécies-chave, já que mamíferos como pacas, cutias e porcos-do-mato seriam mantidos sob
controle através da predação (PRIMACK, RODRIGUES, 2001; TOWNSEND et al., 2006;
DOTTA, 2005; TONHASCA Jr., 2005).
Algumas espécies estão associadas a um impacto negativo ou adverso ao ambiente. Elas
podem causar danos para o homem, uma vez que muitas delas podem se alimentar da lavoura ou
até mesmo de alguns animais domésticos ou de criação. É importante ressaltar que muitas dessas
situações são causadas pela alteração intensa do ambiente natural desses animais numa
determinada região (CARVALHO Jr., LUZ, 2005).
Destaca-se também a redução de animais frugívoros, já que estes necessitam de grandes
áreas de vida para buscar alimentos, que geralmente se encontram distribuídos (espacial e,
algumas vezes, sazonalmente) em manchas; e de herbívoros que ficam restritos a pequenos
espaços, terminando por não manter populações reprodutivamente viáveis, além de sofrerem
pressão de caça (PRIMACK, RODRIGUES, 2001; TOWNSEND et al., 2006; DOTTA, 2005).
De acordo com Tonhasca Jr. (2005), a pressão exercida pela caça de mamíferos de médio e
grande porte pode resultar em um número excepcionalmente alto de frutos e sementes
apodrecendo no chão, o que aumentaria, em tese, a taxa de sobrevivência das plântulas. A
redução das taxas de mortalidade das plântulas, a primeira vista, pode parecer benéfica para a
floresta, mas é pouco provável que mudanças na composição e estrutura da vegetação sejam
benéficas em longo prazo. Dentre os esperados efeitos negativos, estão a diminuição do alcance
dos propágulos, o aumento de pequenos roedores e a consequente redução no tamanho médio das
sementes destruídas, a vulnerabilidade de algumas sementes a insetos onde antes tais sementes
eram dispersadas e predadas por mamíferos. Tudo isso pode levar ao empobrecimento da
comunidade de árvores e à diminuição da diversidade vegetal. Destaca, ainda, o autor, como
exemplos, os mamíferos de grande porte, tais como a onça-pintada e a anta, que são sensíveis à
fragmentação, pois necessitam grandes áreas para forrageamento. Além disso, espécies com
baixa densidade populacional, como é o caso da onça pintada, tendem a desaparecer. Fragmentos
de florestas de tamanho insuficiente ou isolados, como tem ocorrido em boa parte da Mata
20
Atlântica, não possibilitam a preservação das espécies que necessitam de grandes extensões de
habitat para manter populações viáveis em longo prazo.
1.4 Médios e Grandes Mamíferos: Caracterização e Métodos de Estudo
Carvalho Jr. e Luz et al. (2008) resumem bem quem são os elementos da mastofauna. Os
mamíferos, juntamente com os insetos, são os animais mais adaptados aos ambientes existentes
na Terra. Entre os mamíferos, há uma variação muito grande de tamanho corporal, alimentação,
tipos de hábitos, comportamento social e outras preferências, que possibilitam a esses animais
viverem nos mais diversos ambientes. Há mamíferos vivendo tanto nas áreas extremamente
geladas, como os pólos norte e sul, como nas diferentes florestas, montanhas, desertos, rios,
mares, abaixo do nível do solo e até mesmo voadores. Esses animais são tão diversos que podem
apresentar, desde poucos centímetros de comprimento e algumas gramas de peso, como o
musaranho (encontrado na América do Norte, Europa, norte da África e oeste da Ásia), até mais
de 30m de comprimento e cerca de 120 toneladas, como a baleia-azul, o maior ser vivo do
planeta (POUGH et al., 1999).
Os mamíferos são divididos em três grupos que diferem segundo as respostas a pressões
evolutivas diferentes: os Prototheria ou Monotremata, que sobrevivem como cerca de seis
espécies isoladas na Austrália e Nova Guiné, e estão agrupados em duas linhagens, a das
équidnas e a dos ornitorrincos; os Methateria ou Marsupialia, que compreendem cerca de 250
espécies e estão restritos à região Australiana e ao Novo Mundo; os Eutheria ou Placentaria, que
incluem a maioria dos mamíferos, com cerca de 3800 espécies (POUGH et al., 1999).
A mastofauna, do ponto de vista ecomorfológico, pode ser agrupada de quatro formas:
pequenos mamíferos voadores e não voadores, médios e grandes mamíferos. Segundo Almeida
et al. (1998), todos eles exercem influência importante na dinâmica das florestas tropicais e são
bons indicadores tanto de alterações locais do habitat como de alterações da paisagem.
O Brasil é o líder em biodiversidade de mamíferos, com mais de 530 espécies descritas,
sendo que existem ainda muitas espécies novas a serem descobertas e catalogadas (COSTA et
al., 2005).
Os médios e grandes mamíferos exercem papel fundamental na dinâmica das florestas. As
espécies frugívoras ou herbívoras, como antas, veados, porcos-do-mato e roedores de grande
porte auxiliam na manutenção da diversidade de árvores das florestas, através da dispersão e
predação de sementes, e da predação de plântulas, ao passo que os carnívoros regulam as
21
populações de herbívoros e frugívoros (KAGEYAMA, 2003; SANTOS, 2004). Segundo
Tonhasca Jr. (2005), os herbívoros que se alimentam de propágulos ou plântulas têm o potencial
de moldar a futura composição e fisionomia da floresta tropical. O levantamento da fauna de
mamíferos de médio e grande porte, por consequência, é de extrema importância, pois nele
reside o meio de reconhecimento das espécies ocorrentes em determinada área, além da
possibilidade de descobrir espécies raras ou endêmicas (PARDINI et al., 2006), bem como de
identificar as funções que desempenham na comunidade.
Segundo Kasper et al. (2007a), os inventários mastofaunísticos permitem ações
conservacionistas, uma vez que os mamíferos se enquadram como espécies “guarda-chuva” e/ou
“chave” para a conservação do meio físico e biológico, sendo imprescindíveis para a indicação
de impactos ambientais de diferentes naturezas, além de contribuírem para a criação de áreas
protegidas e implementação de seus planos de manejo. Os pré-requisitos indispensáveis para se
desenvolver ações conservacionistas em uma determinada região, principalmente no que se
refere à sua biodiversidade, estão na dependência do conhecimento básico das espécies e de sua
distribuição espacial (SANTOS, 2003).
A conservação de comunidades biológicas intactas é o modo mais eficaz de preservação da
diversidade biológica como um todo. Segundo Reis et al. (2006), a diversidade biológica de
mamíferos ainda é pouco conhecida, podendo aumentar conforme os inventários sejam
intensificados. Espera-se que o aumento do número de espécies ocorra com o levantamento da
fauna em regiões pouco estudadas. Conforme Costa et al. (2005), no Brasil, poucas localidades
foram adequadamente inventariadas e listas locais de espécies são comumente incompletas. Essa
carência de conhecimento dificulta iniciativas de conservação e manejo, assim como análises
regionais.
O grau de ameaça e a importância ecológica dos mamíferos tornam evidente a necessidade
de se incluir informações sobre os mamíferos terrestres de médio e grande porte em inventários e
diagnósticos ambientais (CULLEN Jr. et al., 2003). Levantamentos de populações de animais de
médio e grande porte são raros, podendo não ser seguros pela utilização de métodos não
confiáveis. A maior dificuldade talvez seja a escolha de uma técnica de amostragem que se
aplique a várias espécies, mas que também seja viável em relação aos diferentes habitats, área de
vida e densidade de cada uma delas (DESBIEZ, TOMAZ, 2003).
A maioria dos mamíferos tem hábito noturno, o que torna muito difícil sua observação na
natureza, sendo os vestígios deixados (pegadas, fezes e outros) os meios mais eficazes para
detectar sua presença (SILVA, 1987; EMMONS, 1999). Pegadas, restos de repastos, abrigos,
22
tocas, ninhos, fezes e outros sinais reveladores da presença e das atividades de mamíferos são
facilmente encontrados. As pegadas são os sinais mais frequentemente encontrados e de
interpretação mais confiável, além de fornecerem uma identificação precisa, muitas vezes em
nível de espécie (BECKER, DALPONTE, 1999). Embora haja vários trabalhos utilizando o
censo visual como técnica de levantamento da mastofauna, o uso de pegadas parece fornecer
respostas mais rápidas (BECKER, DALPONTE, 1999; SILVEIRA, 2005; CARVALHO Jr.;
LUZ, 2008).
A utilização de parcelas de areia (“armadilhas de pegadas”) no interior de ambientes
florestais é uma alternativa à baixa probabilidade de se visualizar rastros dos animais no chão,
devido à presença de serrapilheira. As parcelas de areia são eficientes no registro de pegadas.
Segundo Pardini et al. (2006), parcelas de areia são um método bastante adequado para
levantamentos rápidos, permitindo a utilização de informações seguras sobre a presença de
mamíferos de médio e grande porte, além de possibilitar a comparação entre áreas na realização
de diagnósticos ambientais.
1.5 Estudos sobre a Mastofauna de Médio e Grande Porte no Brasil
Apesar da maioria dos remanescentes de Mata Atlântica ser pequena e dos mamíferos de
maior porte estarem entre os grupos mais suscetíveis à extinção em paisagens fragmentadas, são
poucos os estudos que abordam este tema (PRIMACK, RODRIGUES, 2001). No Brasil, têm
sido realizados alguns trabalhos sobre a mastofauna de médio e grande porte, no intuito de
estimar a riqueza desses animais na Mata Atlântica. No entanto, ainda existe uma carência de
informações sobre distribuição e composição das espécies de mamíferos em remanescentes de
Mata Atlântica (NEGRÃO et al., 2006).
Prado et al. (2008) realizaram um levantamento de mamíferos de médio e grande porte em
fragmento de Mata Atlântica em Minas Gerais. Os autores mostram que apesar de impactado e
altamente antropizado, o fragmento pode apresentar uma riqueza considerável.
Dias et al. (2006) trabalharam com comunidades de mamíferos em Floresta Ombrófila
Mista no Paraná e ressaltam a importância dos remanescentes florestais para a conservação do
grupo taxonômico em questão. Os mesmos autores listam as espécies de interesse
conservacionista e mostram os principais impactos sobre a mastofauna do local de estudo.
Em estudo realizado na Floresta Estadual do Morro Grande, em São Paulo, Negrão et al.
(2006) constataram que a maioria dos mamíferos de médio e grande porte é formada por espécies
23
mais generalistas e menos sensíveis à presença humana. O autor ressalta que o fragmento não é
capaz de preservar a integridade da fauna de mamíferos de maior porte, devido ao alto grau de
antropização e à presença de animais domésticos.
Scoss et al. (2004) mostraram, em seu trabalho no Parque Estadual do Rio Doce, que o uso
de parcelas de areia para o estudo de médios e grandes mamíferos é eficiente para estimar a
riqueza de espécies florestais. Concluíram que este método pode ser útil para estudos de impacto
e diagnose ambiental, e planos de manejo, gerando informações e previsões importantes para o
manejo e a conservação de mamíferos.
Graipel et al. (2008) estudaram os mamíferos de vários remanescentes de Floresta
Atlântica em Santa Catarina, mostrando que a diversidade é alta e que, em sua maioria, as
espécies são desconhecidas pela população local. Ressaltam a necessidade de divulgação e
proteção da mastofauna como uma das formas de conservar a Floresta Atlântica.
Wallauer et al. (2000) realizaram um inventário de mamíferos na Floresta Nacional de Três
Barras, no município de Três Barras em Santa Catarina, ressaltando que a maior diversidade das
espécies está relacionada diretamente a ambientes florestais.
Graipel et al. (2000) inventariaram os mamíferos não voadores da ilha de Santa Catarina e
relataram a completa ausência de espécies de grande porte e a ausência parcial daquelas de
médio porte.
Em nível regional, têm sido realizados alguns poucos trabalhos sobre a riqueza de médios e
grandes mamíferos. Kasper et al. (2007a) estudaram os mamíferos do Parque Estadual do Turvo,
constatando a presença de muitas espécies raras e ameaçadas de extinção, e a necessidade
urgente de proteção do parque para a conservação das espécies de mamíferos de médio e grande
porte. Em 2007, Kasper et al. apresentaram uma lista de mamíferos do Vale do Taquari,
ressaltando que apesar de fragmentada e pouco conservada, a região apresenta uma riqueza de
espécies considerável.
Penter et al. (2008), em um dos poucos trabalhos realizados nos morros de Porto Alegre,
relacionaram os mamíferos do Morro Santana. Demonstraram que apesar de impactado e
altamente antropizado, ainda é possível encontrar uma riqueza razoável de mamíferos que
toleram as atividades humanas no local, sugerindo que o morro ainda se encontra em bom estado
de conservação.
Gonçalves (2006) avaliou a composição de mamíferos de médio e grande porte em
fragmentos de florestas e campos, abordando riqueza, frequência de ocorrência, abundância e
24
diversidade nas áreas de estudo. Seus resultados indicaram que os fragmentos florestais possuem
elevada riqueza, principalmente quando comparada à área de campo.
Mello (2005) investigou a mastofauna associada à Floresta Ombrófila Mista, plantação de
araucárias, pinheiro americano e eucalipto. Mostrou que a maioria dos mamíferos utiliza matas
nativas em relação a áreas plantadas, e ressaltou a importância da conservação dos
remanescentes de Floresta Atlântica para a conservação da mastofauna.
Cerveira (2005) estudou a dinâmica da mastofauna em manchas e florestas contínuas de
araucárias, demonstrando que os mamíferos utilizam áreas mais extensas para forragear.
Constatou que mamíferos mais generalistas podem ser encontrados em áreas menores com
presença do gado; no entanto, os carnívoros foram registrados somente em áreas continuas.
25
2 MATERIAL E MÉTODOS
2.1 A Área de Estudo
A área de estudo situa-se no Morro do Coco (Figura 1), um fragmento do Domínio Mata
Atlântica localizado na cidade de Viamão, Rio Grande do Sul, entre 30°16’15”S e 51°02’54”W,
a 50 km ao sul de Porto Alegre e a cerca de 15 km do farol de Itapuã. Tem forma alongada leste-
oeste, sendo que a ponta oeste se projeta no lago Guaíba. O Morro do Coco é assim denominado
devido à presença de Arescastrum romanzoffianum (o gerivá).
Os fatores climáticos e edáficos têm forte influência sobre a vegetação dessa área,
determinando a ocorrência de campo limpo, campo sujo, campo arbustivo, capões e matas
(BACKES, 1999). A formação vegetal do Morro do Coco é latifoliada tropical, em parte
primária, em parte secundária, contudo bem conservada. Segundo Knob (1978), o Morro do
Coco é algo singular em meio às dezenas de elevações ao sul de Porto Alegre, devido ao seu
matiz de um intenso verde-escuro e ao contorno superior da mata, que chama a atenção pela
presença das copas das árvores muito altas.
De acordo com Menegat et al. (1998), os morros da região metropolitana têm seus topos
cobertos por campos e seus vales cobertos por matas de desenvolvimento posterior aos campos,
que tendem a avançar sobre estes. Por causa da latitude, as encostas voltadas para o sul recebem
menos luz, são mais úmidas e exibem geralmente vegetação de maior porte, enquanto nas
encostas voltadas para o norte ocorre o oposto.
A mata do Morro do Coco não segue intacta em toda a sua extensão. Segundo Knob
(1978), a vegetação dos morros da Grande Porto Alegre já foi quase totalmente destruída ou
modificada. A vegetação do lado norte do Morro do Coco apresenta sinais de que já foi
removida, havendo vestígios, inclusive, de uma antiga habitação. Porém, em toda a extensão a
vegetação está novamente bem recuperada. O topo, bem como os lados sul e oeste, não dão
26
indícios de destruição sistemática. A presença de árvores como Eugenia pujens (guabiju) e
Erythroxylon argentinum (cocão), com diâmetros bastante grandes, indica que a mata não é
jovem. Backes (2001) acrescenta que a mata não é homogênea quanto a espécies e altura. Isso
indica vários tipos de habitats resultantes da constituição do substrato e demais elementos
abióticos. Com efeito, o solo, com exceção da margem do rio, é autóctone, sendo, portanto,
pouco profundo, de granulação grossa e de pouca argila. Em alguns lugares, a rocha aparece
desnuda ou coberta de apenas poucos centímetros de terra e húmus. Encontram-se também
muitos matacões, sobretudo de grande porte. Há quantidade relativamente grande de folhas em
decomposição espalhadas em toda a superfície do solo.
Figura 1 – Morro do Coco, Viamão, RS. Fonte: Google Maps (2009), Metroplan (2005).
27
O clima na região é do tipo Cfa, segundo a classificação de Koeppen, isto é, clima
subtropical com influência dominante da configuração territorial (C), com inverno fresco (f) e
temperatura mínima de 3°C registrada em junho e julho. O verão é quente, com máxima absoluta
de 41°C registrada em dezembro, e média do mês mais quente superior a 22°C (a). A média
mensal da evaporação é de 36,8mm/cm² e a precipitação anual fica em torno de 1.304mm. As
precipitações mais altas ocorrem nos meses de junho (145,8mm) e julho (161,1mm). Os ventos
predominantes são S/SO/O, com velocidade máxima registrada de 42km/h. (BACKES, 2000)
Com sua altitude de 136m, o Morro do Coco, geologicamente, é formado por granito róseo
com textura microcristalina (BACKES, 2000). Segundo Rambo (1994), a região que inclui o
Morro do Coco, assim como a maior parte do município de Viamão, faz parte da formação Serra
do Sudeste, abrangendo a porção montanhosa do estado, situada em continuação ao litoral, a
oeste das lagoas Mirim e dos Patos.
2.2 Áreas de Amostragem
A partir da análise da literatura, que distingue ambientes no Morro do Coco, e o posterior
reconhecimento da área de estudo através de caminhadas pela região, foram determinados dois
locais distintos para a realização das amostragens:
Área 1 – Interior de mata: a floresta do Morro do Coco é bastante heterogênea,
apresentando uma grande diversidade de habitats. Escolheu-se a encosta leste por ser próxima à
estrada e de fácil acesso nos primeiros metros. Ao subir o morro, constatam-se diferentes tipos
de habitats, variando entre florestas densas, áreas com clareiras e áreas com matacões, bem como
o incremento na complexidade vegetal.
Área 2 – Borda de mata: a borda de mata do Morro do Coco faz fronteira com o lago
Guaíba e com os campos de pastagem; constitui um ambiente diferente em relação ao interior da
mata. Escolheu-se a borda fronteiriça com o lago, pois esta representa o lado do morro que sofre
menos impacto antrópico, já que as bordas de campo sofrem a ação constante do gado, ovelhas e
outros animais rurais criados nas fazendas associadas ao morro. A beira da praia representa um
28
ambiente singular, onde mamíferos com hábitos semi-aquáticos, que dificilmente ocorrem em
interior de mata, podem ser registrados.
2.3 Procedimentos e Esforço de Amostragem
As amostragens foram realizadas mensalmente num período de 11 meses, de julho de 2008
a maio de 2009, exceto no mês de janeiro. O tempo de permanência no local foi de três dias,
totalizando um período de 33 dias de atividades campo.
Neste estudo, foram considerados mamíferos de médio e grande porte aqueles com peso
corporal acima de 1 kg quando adultos.
Para o rastreamento de pegadas, foram usadas dez parcelas de areia dispostas em
transecção em cada uma das áreas de amostragem, numa distância de 20m uma da outra. Tal
distância foi definida, buscando-se minimizar a chance de registro de um mesmo indivíduo em
parcelas diferentes. As parcelas de areia consistiram de molduras de madeira com tamanho de
50cm de comprimento x 50cm de largura x 5cm de altura, sem fundo (Figura 2). Essas molduras
foram colocadas no chão previamente limpo e preenchidas com areia fina para melhor registro
das pegadas. Na área 1, foram dispostas morro acima, sendo que a primeira parcela estava
posicionada a uma distância de dez metros da estrada principal. Na área 2, as parcelas foram
colocadas paralelamente à beira da praia, a uma distância de 10m da água. As parcelas foram
revisadas diariamente, umedecidas com um borrifador, aplainadas e, as que tiveram a isca
removida, esta foi substituída. A escolha de iscas para animais herbívoros (banana) e para
animais carnívoros (bacon) foi baseada em Cullen et al. (2006). Para aumentar a probabilidade
de captura de espécies diferentes nas áreas amostradas, alternaram-se os tipos de isca utilizados a
cada saída a campo; portanto, utilizou-se bacon numa transecção e banana na outra, invertendo-
se o tipo de isca nas transecções a cada mês. Os sítios amostrais foram estudados
simultaneamente, com censos diários e o mesmo esforço para os dois.
Além das parcelas de areia, o rastreamento de pegadas na beira da praia foi realizado
através de percursos a pé durante o dia e, eventualmente, à noite. O esforço despendido foi de
duas horas por dia, num total de 60 horas. A areia macia da praia proporciona um ótimo
substrato para registro de pegadas, dispensando o emprego das parcelas de areia.
Além dos rastros, os mamíferos foram evidenciados através de visualizações diretas ao
longo das mesmas transecções das armadilhas de areia. Foram realizadas caminhadas diárias,
totalizando um esforço de 30 horas e 6,6km para cada área.
29
Todas as pegadas encontradas foram identificadas com base na experiência prévia do
observador, em guias de campo (BECKER, DALPONTE, 1999; BORGES, TOMAZ, 2008;
CARVALHO Jr., LUZ, 2008) e consulta a especialistas. Sempre que possível foram tomadas
algumas medidas das pegadas, tais como: comprimento e largura totais, comprimento e largura
da palma para digitígrados, e comprimento e largura totais para ungulígrados, bem como o
comprimento total da passada (BECKER, DALPONTE, 1999).
As pegadas encontradas em boas condições foram fotografadas como forma de registro
permanente. Tal processo também auxiliou na identificação das espécies, principalmente
daquelas que apresentam características similares, como é o caso dos cervídeos e felinos.
Tanto o registro de pegadas quanto os registros visuais foram contabilizados por dia, ou
seja, espécie/dia. No entanto, para a análise comparativa dos ambientes, foram consideradas
apenas as parcelas de areia (cada parcela de areia representou uma unidade amostral).
Figura 2 – Parcelas de areia. A- Preparação da parcela, B – parcela iscada com bacon, C –
parcela iscada com banana. Foto: Autoria própria.
A
C B
30
2.4 Análise de Dados
A riqueza estimada foi obtida contando-se o número de espécies registrado em cada
ambiente. A partir da riqueza total, obteve-se a proporção de cada categoria trófica. A frequência
relativa das espécies encontradas no Morro do Coco e das espécies encontradas por ambiente foi
calculada pelo número de registros diários de cada espécie. Os cálculos foram efetuados por
meio do programa Microsoft Excel 2007.
O programa estatístico GraphPad Instat versão 3.01 foi utilizado na aplicação do teste t não
pareado com correção de Welch (para amostras com variâncias distintas). O teste foi aplicado
para averiguar a existência de diferenças significativas no número de registros de médios e
grandes mamíferos entre as parcelas do interior e borda de mata.
31
3 RESULTADOS
No período de onze meses foram registradas 16 espécies de mamíferos no Morro do Coco.
As espécies encontradas estão distribuídas em 14 famílias e oito ordens, conforme mostra a
tabela 1. Destas, sete espécies encontram-se ameaçadas de extinção no Rio Grande do Sul,
incluídas na categoria Vulnerável, conforme Fontana et al. (2003).
A curva acumulada de espécies não demonstrou tendência à estabilização, indicando que o
esforço amostral não foi suficiente para o registro de todas as espécies presentes no Morro do
Coco. Conseqüentemente, seria necessário ampliar o esforço para atingir o platô da curva nessa
área (Figura 3).
A metodologia que se mostrou mais eficiente foi a metodologia de rastros, que apreendeu
42% dos registros, seguida pelas entrevistas (38%) e visualizações (20%), conforme a figura 4. A
despeito do alto percentual obtido, vale ressaltar que a metodologia de entrevistas, neste caso, se
baseou somente em três moradores, que apesar de residirem no local, não costumam frequentar o
interior da mata nem as áreas mais afastadas de suas residências.
Considerando o total de registros, a espécie mais frequente no Morro do Coco foi Alouatta
guariba, com 28% das constatações, seguida por Didelphis albiventris, com 25%. As espécies
restantes contabilizam menos de 10% dos registros cada uma, de acordo com a tabela 2.
Nas parcelas de areia, a maior proporção de registros referiu-se a Didelphis albiventris,
conforme a tabela 3. Das espécies visualizadas, Alouatta guariba foi a mais representativa, com
69% dos avistamentos.
A diferença no número de registros obtidos no interior e borda de mata foi significativa (t =
2,45; gl = 13; p = 0,0306). Esse resultado pode estar relacionado com o elevado número de
registros de D. albiventris nas parcelas de areia de interior de mata. A maior frequência de uso de
habitat foi observada dentro da mata. Atribui-se esse resultado ao número elevado de registros de
A. guariba e D. albiventris.
32
Tabela 1- Médios e grandes mamíferos registrados no Morro do Coco, RS, de julho de 2008 a maio de
2009. V- Registro visual, R – registro por rastros, E- registro por entrevistas. * Espécies ameaçadas de
extinção no RS.
Ordem/Família
Espécie
Nome
Popular
Categoria
Trófica
Forma de Registro
V R E
DIDELPHIMORPHIA
Didelphidae
Didelphis albiventris (Lund, 1840)
Gambá-de-
orelha-branca
Onívoro
X
X
CINGULATA
Dasypodidae
Dasypus novemcinctus (Linnaeus,
1758)
Tatu-galinha
Insetívoro/
Onívoro
X
X
X
PRIMATES
Atelidae
Alouatta guariba (Cabrera, 1940) *
Bugio-ruivo
Folívoro/
Frugívoro
X
X
CARNIVORA
Canidae
Cerdocyon thous (Linnaeus, 1766)
Graxaim-do-
mato
Onívoro
Insetívoro/
Onívoro
Carnívoro
Carnívoro
X
X
Erethizontidae Sphiggurus villosus (Molina, 1782) Ouriço-
caixeiro
X X X
Felidae Puma yagouaroundi (É. Geoffory
Sain’t Hilaire, 1803) *
Gato-
mourisco
X
X
Leopardus pardalis (Linnaeus,
1758) *
Jaguatirica
X
Mustelidae Lontra longicaudis (Olfers, 1818) * Lontra Carnívoro X
Mephitidae Conepatus chinga (Molina, 1782) Zorrilho Carnívoro X
Procyonidae Procyon cancrivorus (G. Cuvier,
1798)
Mão-pelada Onívoro X
ARTIODACTYLA
Cervidae
Mazama gouazoupira (G. Fischer,
1814) *
Veado-
catingueiro
Frugívoro/
Herbívoro
X
RODENTIA
Myocastoridae
Myocastor coypus (Kerr, 1792)
Ratão-do-
banhado
Herbívoro
X
X
Dasyproctidae Dasyprocta azarae (Lichtenstein,
1823) *
Cutia Frugívoro/
Herbívoro
X
Caviidae Hydrochoerus hydrochaeris
(Linnaeus, 1766)
Capivara Herbívoro X X
XENARTHRA
Mirmecophagidae
Tamandua tetradactyla (Linnaeus,
1758) *
Tamanduá-
mirim
Mimercófago
X
X
LAGOMORPHA
Leporidae
Lepus europaeus (Pallas, 1778)
Lebre-
européia
Herbívoro
X
X
Foram definidas sete categorias tróficas, a partir das categorias estabelecidas pelos autores
Redford e Eisenberg (1992), Silva (1994) e Reis et al. (2006). As categorias tróficas dos animais
e a representação percentual das mesmas na comunidade são apresentadas na figura 5.
33
Figura 3 – Curva de tendência acumulada para o número de espécies de mamíferos de médio e
grande porte registrados no Morro do Coco de julho de 2008 a maio de 2009.
Figura 4 – Percentual de registros obtidos pelas distintas metodologias utilizadas para o
inventário dos médios e grandes mamíferos no Morro do Coco, RS, de julho de 2008 a maio de
2009.
Utilizando-se a metodologia de parcelas de areia e visualização, foram registradas, no
interior de mata, 10 espécies, enquanto na borda foram registradas 13 espécies, conforme a
tabela 4. O interior de mata apresentou menor riqueza que a borda. No entanto, a freqüência de
ocorrência de registros foi menor na borda, atingindo o percentual de 60% no interior de mata e
34
40% na borda. A espécie mais registrada pelas parcelas de areia, no interior e borda de mata, foi
D. albiventris, conforme a tabela 5. A espécie mais visualizada no interior e na borda de mata foi
A. guariba, com 94% e 48% dos avistamentos respectivamente.
Tabela 2 – Número e proporção de registros totais de médios e grandes mamíferos no Morro do
Coco, RS, de julho de 2008 a maio de 2009.
Espécie N° registros Proporção de registros totais
Alouatta guariba 30 0.28
Didelphis albiventris 27 0.25
Cerdocyon thous 8 0.07
Sphiggurus villosus 7 0.06
Hydrochoerus hidrochaeris 7 0.06
Procyon cancrivorous 5 0.04
Dasypus novemcinctus 4 0.04
Dasyprocta azarae 4 0.04
Lepus europaeus 4 0.04
Mazama guazoubira 3 0.03
Myocastor coypus 3 0.03
Conepatus chinga 2 0.02
Lontra longicaudis 2 0.02
Puma yagouarondi 1 0.01
Tamandua tetradactyla 1 0.01
Tabela 3 – Número e proporção de registros das espécies encontradas no Morro do Coco, RS, de
julho de 2008 a maio de 2009, de acordo com a metodologia utilizada.
Espécie Parcelas de Areia Avistamentos
N° Registros Proporção N° Registros Proporção
Alouatta guariba 1 0.01 29 0.69
Didelphis albiventris 27 0.42
Cerdocyon thous 8 0.12
Sphiggurus villosus 2 0.03 5 0.12
Hydrochoerus hidrochaeris 7 0.11
Procyon cancrivorous 5 0.07
Dasypus novemcinctus 3 0.05 1 0.02
Dasyprocta azarae 4 0.06
Lepus europaeus - 4 0.1
Mazama guazoubira 3 0.05
Myocastor coypus - 3 0.07
Conepatus chinga 2 0.03
Lontra longicaudis 2 0.03
Puma yagouarondi 1 0.01
Tamandua tetradactyla 1 0.01
35
Figura 5 - Representação percentual das categorias tróficas na comunidade de mamíferos
registrados no Morro do Coco, RS, de julho de 2008 a maio de 2009.
Tabela 4 – Número e proporção de registros de espécies de mamíferos de médio e grande porte
encontradas em interior e borda de mata no Morro do Coco, RS, de julho de 2008 a maio de
2009.
Espécie
Interior de mata Borda de Mata
N° Registros Proporção N° Registros Proporção
Alouatta guariba 24 0.38 6 0.13
Cerdocyon thous 3 0.05 5 0.11
Conepatus chinga 2 0.03
Dasyprocta azarae 3 0.05 1 0.02
Dasypus novemcinctus 3 0.05 1 0.02
Didelphis albiventris 16 0.25 11 0.24
Hydrochoerus hidrochaeris
7 0.16
Lepus europaeus
4 0.09
Lontra longicaudis
2 0.05
Mazama guazoubira 2 0.03 1 0.02
Myocastor coypus
3 0.07
Procyon cancrivorous 4 0.06 1 0.02
Puma yagouarondi
1 0.02
Sphiggurus villosus 5 0.08 2 0.05
Tamandua tetradactyla 1 0.02
36
Tabela 5 – Proporção de espécies registradas nas parcelas de areia e por visualização no interior e
borda de mata, no Morro do Coco, RS, de julho de 2008 a maio de 2009.
Parcelas de Areia Visualizações
Espécie Interior de
mata Borda de mata
Interior de
mata Borda de mata
Alouatta guariba 0.02 0.94 0.48
Cerdocyon thous 0.11 0.1
Conepatus chinga 0.04
Dasyprocta azarae 0.07 0.03
Dasypus novemcinctus 0.07 0.03
Didelphis albiventris 0.52 0.44
Hydrochoerus hydrochaeris 0.22
Lontra longicaudis 0.06
Mazama guazoubira 0.04 0.03
Procyon cancrivorous 0.09 0.03
Puma yagouarondi 0.03
Sphiggurus villosus 0.02 0.03 0.03 0.19
Tamandua tetradactyla 0.02 0.03
Lepus europaeus 0.19
Myocastor coypus 0.14
37
4 DISCUSSÃO
Um levantamento de mamíferos realizado no Morro Santana por Penter et al. (2008)
constatou a presença de 17 espécies de médios e grandes mamíferos, sendo grande parte
apreendida por entrevistas. Carucio et al. (2006) registraram somente quatro espécies de
mamíferos de médio e grande porte no Morro do Osso. As características bióticas e abióticas
desses morros são similares as do Morro do Coco; no entanto, os dois primeiros são muito mais
impactados do que o último, já que se encontram isolados e cercados pela malha urbana de Porto
Alegre. Kasper et al. (2007b), por sua vez, encontraram 28 espécies em seu estudo no Vale do
Taquari. No Parque Estadual do Turvo, Kasper et al. ( 2007a) registraram 29 espécies. A lista de
espécies do Parque Estadual de Itapuã compreende 21 espécies de médios e grandes mamíferos
(SÓ de CASTRO et al., 1996). Já Pedó et al.(2002) relataram 13 espécies na Reserva Biológica
do Lami. A riqueza de espécies no Morro do Coco não difere consideravelmente das regiões do
entorno e dos outros morros de Porto Alegre. No entanto, é perceptível a diferença em relação a
locais mais bem conservados e contínuos como o Parque Estadual do Turvo, onde o número de
médios e grandes mamíferos é maior.
Dentre as espécies autóctones, foi registrada a presença tanto de espécies ameaçadas
quanto de espécies amplamente distribuídas, tais como gambás, veados, graxains e bugios.
Dentre os mamíferos de médio e grande porte, o mais visualizado e frequente no Morro do Coco
foi Alouatta guariba clamitans. Endêmico de Mata Atlântica, A. guariba mostrou-se presente ao
longo de todo o tempo de estudo. Distribuídos por toda a região, podem ser ouvidos e
visualizados praticamente em qualquer parte da área de estudo. A maioria dos bugios foi
encontrada em cima das árvores, a uma altura de 7 a 15m, tal como descrito por Buss (2008), em
seu estudo no Parque Estadual de Itapuã. No entanto, alguns bugios foram observados
caminhando tanto no interior da mata como na borda, e obteve-se um registro de pegada em
parcela de areia. Segundo Peres (1997), a presença elevada de bugios em uma região é resultado
38
da ausência de caça e da oferta de uma boa quantidade de recursos alimentares em regiões bem
conservadas, tal como na área de estudo. Áraujo et al. (2008), entretanto, em pesquisa
desenvolvida em área impactada e com presença da caça, relatam que o bugio-ruivo foi também
o mais observado dentre as espécies de médios e grandes mamíferos.
Didelphis albiventris, a segunda espécie mais registrada, é muito bem distribuída pela
região, constatada praticamente em todos os dias de amostragem. A espécie é tão frequente que,
em um único dia de amostragem, foi registrada em todas as parcelas do interior de mata e,
segundo os moradores locais, é comum em suas casas. Em estudo no Parque Estadual do Turvo,
D. albiventris representou somente 3% do total de registros de rastros, sendo rara a ocorrência da
espécie no local (KASPER et al., 2007a). Kasper et al. (2007b) constataram, por sua vez, que as
espécies de gambá são os mamíferos mais frequentes no Vale do Taquari, sendo que D.
albiventris está presente em fragmentos menos conservados. No estudo de Negrão et al. (2006), a
espécie mais frequente foi Didelphis aurita. Penter et al. (2008) relatam que D. albiventris foi a
segunda espécie mais visualizada pelos entrevistados e mencionada como o animal mais comum
no Morro Santana.
Cerdocyon thous foi o único canídeo registrado pelos rastros e entrevistas com os
moradores, em ambas as áreas estudadas. Sua presença foi confirmada pelos moradores da
região, que a citam como uma espécie comum e com atividade também diurna. Segundo Ramos
Jr. (2003), é o canídeo mais comum do Brasil. Penter et al. (2008) relatam que C. thous é a
espécie de canídeo de maior ocorrência no Morro Santana. Também foi a mais representativa no
trabalho de Mello (2005), a mais abundante e frequente no estudo de Gonçalvez (2006) e a
espécie mais amostrada por Cerveira (2005). Já Scoss (2004) teve poucos registros da espécie em
seu estudo. Faria Correa (2004) relata que a espécie tem ampla distribuição e ocorrência no
Parque Estadual de Itapuã. Pedó et al. (2006) confirmam sua presença para o Lami. C. thous é
adaptado a regiões antropizadas e sofre com a pressão da caça; no entanto, não consta nas listas
de espécies ameaçadas de extinção (REDFORD et al., 1992; SILVA, 1994; REIS, 2006).
Os rastros da capivara (Hydrochoerus hydrochaeris) foram registrados somente na borda,
ao longo do estudo, e nos meses mais frios; posteriormente, os rastros reapareceram no final do
verão. Um dos fatores que condicionam a baixa ocorrência da espécie no verão é, possivelmente,
o aumento do número de pessoas que frequentam as praias do Lago Guaíba nos meses mais
quentes, contribuindo para afugentar a espécie. Os moradores narram que ocasionalmente as
capivaras atacam suas plantações de aipim que se localizam cerca de 200m da praia. Segundo
Tomazzi (2003), as capivaras não têm distribuição homogênea na Reserva do Lami, detendo-se a
39
áreas úmidas ou matas próximas a tais áreas, e que o tamanho de sua população é estável na
região. A espécie é de grande importância para a região do Lami, onde interage com vários
animais (TOMAZZONI et al., 2005). Penter et al. (2008) citam que a capivara, provavelmente,
está extinta no Morro Santana devido à perda de ambientes úmidos. Kasper et al. (2007b)
ressaltam que a população da espécie está aumentando no Vale do Taquari, devido ao número
alto de registros na área. Já no Turvo, há baixos registros da espécie (KASPER et al., 2007a).
A segunda espécie mais visualizada no decorrer do estudo Sphiggurus villosus, é
conhecida na região como ouriço ou porco espinho. Os moradores relatam sua presença nos
meses mais quentes, quando pode ser observada tanto no solo quanto no alto das árvores. A
maioria dos avistamentos foi durante a noite e compreendeu indivíduos solitários. Kasper et al.
(2007b) observaram que a espécie é bem comum no Vale do Taquari. S. villosus foi uma das
espécies mais visualizadas por Penter et al. (2008) no Morro Santana.
O tatu-galinha (Dasypus novemcinctus), apesar do baixo número de registros, é
considerado comum pelos moradores. D. novemcinctus é tido como de alta frequência no Morro
Santana (PENTER et al., 2008). No Vale do Taquari, é o tatu mais frequente e considerado um
dos animais com maior plasticidade ecológica da região, sendo, inclusive, encontrado em zonas
urbanas (KASPER et al., 2007b). Araújo et al. (2008) relatam que é uma das espécies mais
abundantes nas reservas de Mata Atlântica e também uma das mais caçadas. Dias e Mikich
(2006) citam que é uma das espécies mais atropeladas no Paraná. Já no Turvo essa espécie é
pouco encontrada (KASPER et al., 2007a).
Dasyprocta azarae foi registrada somente com a metodologia de parcelas de areia.
Cerveira (2005) apresentou resultados semelhantes, ao citar que a espécie só foi evidenciada nas
estações de pegadas. A cutia não é relatada pelos moradores do Morro do Coco; no entanto,
consta na lista de mamíferos de Itapuã (SÓ DE CASTRO et al., 1996). No Vale do Taquari é
considerada uma espécie rara (KASPER et al., 2007b). É um dos animais preferidos por
caçadores em alguns remanescentes de floresta no Paraná (DIAS, MIKICH, 2006). No Turvo,
Kasper et al. (2007a) demonstraram que D. azarae é uma das espécies mais abundantes.
Lepus europaeus, apesar de ser relatada como um animal comum na região pelos
moradores, foi avistada poucas vezes nas áreas de estudo. Pedó et al. (2002) relatam a espécie
para a Reserva Biológica do Lami, assim como Penter et al. (2008) confirmam sua presença no
Morro Santana. A lebre européia é uma espécie exótica com grande capacidade de adaptação,
ocupando tanto áreas abertas como florestas (REDFORD et al., 1992; SILVA, 1994; REIS,
2006).
40
Através das parcelas, exclusivamente, constatou-se a presença de uma espécie do gênero
Mazama, a qual não pode ser determinada somente pela análise dos rastros. Contudo, pelo tipo
de ambiente, estado de conservação e distribuição das espécies de cervídeos, considera-se
provável tratar-se de Mazama gouazoubira, espécie bem distribuída e adaptada, que pode utilizar
desde florestas, campos e capoeiras (REDFORD et al., 1992; SILVA, 1994; REIS, 2006).
Registrado somente no interior de mata, Procyon cancrivorous (mão-pelada) teve sua
presença confirmada no início e no final do estudo, deixando suas singulares pegadas nas
parcelas de areia e na beira da praia, resultado semelhante a Penter et al. (2008). Pedó et al.
(2002) confirmaram a espécie para a Reserva do Lami, assim como Só de Castro et al. (1996)
para Itapuã. No Vale do Taquari, o mão-pelada é bem comum, habitando, sobretudo, cursos
d’água (KASPER et al., 2007b). Já no Turvo Kasper (2007a) relatam que P. cancrivorous tem
abundância intermediária. Cerveira (2005) obteve poucos registros da espécie.
O zorrilho, C. chinga, teve somente três registros constatados através de rastros. Os
moradores relatam sua presença nos meses mais quentes, o que é confirmado pelas pegadas e
pelo odor forte e característico que pode ser sentido em vários lugares no interior da floresta. A
espécie ocorre no Lami (PEDÓ et al., 2002) e em Itapuã (SÓ DE CASTRO et al., 1996).
Caruccio (2006) diz que é uma das poucas espécies da mastofauna encontradas no Morro do
Osso.
Dentre os carnívoros, o único felino registrado foi Puma yagouaroundi, por meio de um
único registro em parcela de areia, na borda da mata junto à praia. Os moradores do local
relataram ter avistado o felídeo somente uma vez. Só de Castro et al. (1996) citam a presença da
espécie em Itapuã. Kasper et al. (2007a) mencionam um número baixo de registros no Turvo. As
pegadas dos felinos são muito semelhantes entre si, tanto nas dimensões como no formato; sendo
assim, a simples observação de poucas pegadas pode ser passível de erro (BECKER,
DALPONTE, 1999). Por conseqüência, considera-se importante confirmar a presença da espécie
com mais estudos no Morro do Coco. No Rio Grande do Sul, a espécie encontra-se como
vulnerável, sendo ameaçada principalmente pela destruição e fragmentação de habitats
(REDFORD et al., 1992; SILVA, 1994; REIS, 2006).
Leopardus pardalis foi registrada somente por entrevistas. Os moradores relataram sua
presença na estrada principal do Morro do Coco. Kasper et al. (2007a) relatam que a espécie é
uma das mais registradas no Parque Estadual do Turvo. A espécie tem baixos registros para o
Vale do Taquari (KASPER et al., 2007b).
41
Registrado visualmente, Myocastor coypus apareceu em grupos de três indivíduos em uma
área alagada sempre próximo à borda e durante o período da manhã. Moradores narraram avistar
até oito indivíduos durante o inverno. O ratão-do-banhado possui relatos antigos no Morro do
Osso (CARUCCIO, 2006), é listado por Pedó et al. (2002) no Lami e Só de Castro (1996) em
Itapuã. No Morro Santana foi constatado por meio de entrevistas (PENTER et al., 2008). Kasper
et al. (2007b) relatam que a espécie é amplamente distribuída no Vale do Taquari.
Os rastros da Lontra longicaudis foram encontrados na areia da praia próximos a peixes,
durante a noite, e nas parcelas de areia. Além disso, foram encontradas fezes com restos de
peixes nas rochas ao longo da praia. Brandt (2004) mostrou, em Itapuã, que as rochas são os
locais de maior deposição de fezes pelas lontras. Os moradores relatam com frequência a
presença desses animais na beira das praias da região. A espécie foi registrada tanto no Lami
(PEDÓ et al., 2002) quanto em Itapuã (SÓ DE CASTRO et. al., 1996). Kasper et al. (2007b)
destacam que a lontra ainda é comum no Vale do Taquari. No Turvo, a espécie tem baixa
ocorrência (KASPER et al., 2007a). Encontra-se vulnerável nos estados do Rio Grande do Sul,
Paraná e Minas Gerais. A principal ameaça é a redução de matas ciliares e a contaminação e uso
de cursos d’água para mineração, navegação, esportes náuticos sem controle, construção de
barragens para hidrelétricas e caça (REIS et al., 2006).
Tamandua tetradactyla foi registrado através das parcelas de areia. Algumas parcelas
estabelecidas no interior de mata tiveram as iscas atacadas por formigas, sendo que em duas
delas as formigas construíram um formigueiro, exatamente onde o tamanduá deixou o registro de
sua pegada. Os moradores relatam ter conhecimento da ocorrência da espécie desde cerca de
cinco anos atrás. Kasper et al. (2007b) afirmam que a espécie ainda é considerada relativamente
comum no Vale do Taquari. Por não haver registros consistentes de T. tetradactyla nas regiões
próximas ao Morro do Coco, é necessário que se despenda maior esforço em campo, visando a
confirmar os resultados obtidos neste estudo. O fogo, os atropelamentos rodoviários e a caça são
fatores que podem reduzir as populações locais desta espécie (REDFORD et al., 1992; SILVA,
1994 ; REIS, 2006).
A maior riqueza de espécies registrada na borda está relacionada à ocorrência exclusiva de
três espécies de hábitos aquáticos: H. hydrochaeris, L. longicaudis e M. coypus. Embora com
baixos registros, duas outras espécies foram registradas também unicamente na borda: P.
yagouaroundi e L. europaeus.
O alto número de registros de espécies generalistas, tais como D. albiventris, e o baixo
número de registros de animais especialistas são um indicativo de que o local sofre relativo
42
desequilíbrio e que sua composição florestal se encontra alterada (PRIMACK, RODRIGUES,
2001; KASPER et al., 2007a).
O grupo de carnívoros encontrado no Morro do Coco (P. yagouaroundi, L. longicaudis, C.
tinga e L. pardalis) representa o agrupamento trófico ambientalmente mais exigente. Porém, isto
não significa que o ambiente tem capacidade de sustentar ecologicamente estas espécies. Isso
pode ser atribuído ao seu número baixo de registros. No entanto, carnívoros tem grandes áreas de
vida e seria necessário um maior esforço amostral para se ter certeza de sua distribuição e
abundância no Morro do Coco.
As parcelas de areia mostraram-se efetivas para inventariar e estimar a riqueza de espécies
de mamíferos terrestres de médio e grande porte no Morro do Coco. A distribuição das parcelas
no ambiente e a distância entre elas apresentaram resultados satisfatórios. De fato, mamíferos
que deixavam pegadas em uma parcela não eram detectados nas parcelas mais próximas, com a
única exceção de Didelphis albiventris. Isso pode indicar que 20m pode ser uma distância
razoável para fornecer independência de registros entre parcelas em ambientes de mata densa e
relativa dificuldade de deslocamento.
As iscas utilizadas mostraram-se eficientes na atração de mamíferos de médio e grande
porte. No entanto, apresentaram efeitos negativos como resultado da atração de aves, pequenos
roedores e diversos invertebrados (especialmente formigas), que também consumiam as iscas,
interferindo nas amostragens, uma vez que não havia uniformidade entre as parcelas de areia
para a atração dos médios e grandes mamíferos.
Silveira (2005) atesta que as parcelas do tamanho de 50cm² levantam questionamentos.
Não é incomum encontrar parcelas sem iscas, sem, no entanto, haver qualquer registro de pegada
na areia da parcela. Isso pode estar relacionado com o fato de mamíferos de maior porte
conseguirem alcançar as iscas no centro das parcelas sem precisar pisar na areia. A área das
parcelas pode ter sido insuficiente para captar as pegadas de todos os animais que vieram a
consumir as iscas.
Outro problema encontrado foram as chuvas. Silveira (2005) e Cerveira (2005) depararam-
se com problema semelhante. As chuvas apagavam toda e qualquer pegada que os animais
pudessem ter deixado. A identificação das pegadas após um período de chuva rápido ou longo é
praticamente impossível.
Mesmo sendo um modo eficiente para levantamento da riqueza de espécies de médios e
grandes mamíferos, esta metodologia não é confiável para avaliar a abundância relativa das
espécies, pois o padrão de deslocamento, o tamanho das áreas de vida e outras características que
43
diferem grandemente entre as espécies de mamíferos terrestres impedem que se assegure a
premissa de que o número de pegadas e o número de indivíduos de uma área apresentem o
mesmo tipo de correlação em todas as espécies da comunidade. No entanto, as parcelas de areia
podem indicar a frequência de uso em ambientes diferentes para uma mesma espécie (PARDINI
et al., 2003).
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tomando como base o estudo realizado e seus estimadores, pode-se ter uma idéia
aproximada da situação dos mamíferos de médio e grande porte no Morro do Coco. Porém,
diante dos resultados e ponderações apresentados, observa-se a necessidade de se realizar mais
estudos quantitativos sobre as espécies encontradas no local.
O Morro do Coco vem sendo mantido preservado pelos Irmãos Lassalistas. Sendo assim,
essa região de mata nativa ainda conserva suas características de mata pluvial, servindo como
abrigo e ambiente natural para várias espécies de mamíferos e outros grupos da fauna que estão
ameaçados de extinção ou que já não existem mais na Região Metropolitana de Porto Alegre.
Preservar o Morro do Coco significa manter conservada a comunidade de médios e grande
mamíferos. Os resultados levam a crer que o local de estudo é capaz de preservar a integridade
da mastofauna, desde que se mantenha seu estágio avançado de regeneração da vegetação nativa.
Para isso, recomenda-se a elaboração de um plano de manejo a partir do qual as espécies de
mamíferos de médio e grande porte sejam monitoradas, e o estabelecimento de zonas prioritárias
para a conservação.
45
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