LETRAS PÁG. 4 PEPETELA SE O PASSADO NÃO TIVESSE … · Com o jazzó`ilo Jerónimo Belo em pal-co,...

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PEPETELA SE O PASSADO NÃO TIVESSE ASAS PÁG. 4 LETRAS NDAKA EVOCA AFRICANIDADE NO PALÁCIO DE FERRO PÁG. 7 ARTES PAPÁ WEMBA RUMBA DE SOL E DE ORVALHO 9 a 22 de Maio de 2016 | Nº 108 | Ano V Director: José Luís Mendonça Kz 50,00 ECO DE ANGOLA PÁG. 3

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PEPETELASE O PASSADO

NÃO TIVESSE ASAS

PÁG. 4LETRAS

NDAKA EVOCA AFRICANIDADE

NO PALÁCIO DE FERRO

PÁG. 7ARTES

PAPÁ WEMBARUMBA DE SOL E DE ORVALHO

9 a 22 de Maio de 2016 | Nº 108 | Ano V Director: José Luís Mendonça • Kz 50,00

ECO DE ANGOLA PÁG. 3

2 | ARTE POÉTICA 9 a 22 de Maio de 2016 | Cultura

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CulturaJornal Angolano de Artes e LetrasUm jornal comprometido com a dimensão cultural do desenvolvimento

Nº 108 /Ano V/ 9 a 22 de Maio de 2016

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Director e Editor-chefe:José Luís MendonçaSecretária:Ilda RosaAssistente Editorial:Coimbra Adolfo (Matadi Makola)Fotografia:Paulino Damião (Cinquenta)Arte e Paginação:Sandu CaleiaJorge de SousaAlberto Bumba Sócrates SimónsEdição online: Adão de Sousa

Colaboram neste número:Angola: Januário Marimbala, Lito Silva, Luciano Ca-nhanga, Rúbio Praia, Sangwangongo Malaquias, SekeIa Bindo

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O jornal Cultura aceita para publicação artigos literário-científicos e re-censões bibliográficas. Os manuscritos apresentados devem ser originais.Todos os autores que apresentarem os seus artigos para publicação aojornal Cultura assumem o compromisso de não apresentar esses mesmosartigos a outros órgãos. Após análise do Conselho Editorial, as contribui-ções serão avaliadas e, em caso de não publicação, os pareceres serãocomunicados aos autores.

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Poema de Sangwangongo MalaquiasA ROTA DA LIBERDADEOlhai os contratadosque partem amarradospela estrada do Norteaté às portas da morte

(Monangamba! Monangambé!

Txipale Ngunaya é eh)Xaluinda foi no contratoe nunca mais regressounem vivo nem mortonem livre nem escravo(Monangamba! Monangambé!

Txipale Ngunaya é eh)Xaluinda era o tocadorno contrato foi arrastadomãos amarradas ao cafénão podem tocar tambor

Conselho de Administração

António José Ribeiro

(presidente)

Administradores Executivos

Victor Manuel Branco Silva Carvalho

Eduardo João Francisco Minvu

Mateus Francisco João dos Santos Júnior

Catarina Vieira Dias da Cunha

António Ferreira Gonçalves

Carlos Alberto da Costa Faro Molares D’Abril

Administradores Não Executivos

Olímpio de Sousa e Silva

Engrácia Manuela Francisco Bernardo

(Monangamba! Monangambé!

Txipale Ngunaya é eh)Thumba chora desesperadamenteXaluinda se perdeu no Nortepior do que as penas da morteé chorar para todo o sempre(Monangamba! Monangambé!

Thumba hymathwa ilela é eh)Vão maneando as ancasos tambores estão a chegara revolta é no solo sagrado da Rota Agostinho Neto

(Sem liberdade até a verdade é infeliz:

Thumba, canta uma trova de amor!)

Com o jazzófilo Jerónimo Belo em pal-co, comemorou-se dia 29 de Abril emLuanda o Dia Mundial do Jazz. Jazz que aUNESCO elevou a símbolo de união dospovos, culturas e músicas de diferentes la-titudes. Jazz que reuniu dezenas de ka-luandas (inclusive a ministra da Cultura,Carolina Cerqueira), em torno de músicosangolanos, cubanos e israelitas. Como é que se começa um concerto dejazz? Um som de saxofone, um tinido deviola baixo, um toque onírico do tecla-do... como quem não quer a coisa. Ditamedas afinações... o chapéu branco ao con-trário na cabeça de Pop Show; o lenço nacabeça de N’Sheriff; dois chapéus pretoscom Ilia Kushner, saxo, e Terinho Mum-banda, teclas; e o Tubarão careca na ba-teria. É com estas cabeças que a bandaAtéjazz faz jazz. Uma bateria, duas violas,um saxo e um órgão. E é sempre, sempre,uma viagem que nos diz o saxo. Com marem baixo. E ondas de espuma magnética.Sting. An Englishman in New York. Beyourself, no matter what they say. PopShow, a suar através do cachecol branco.Também não é preciso ser assim tão no-vaiorquino em Luanda.

Sobre o cartaz sonhado pela paleta deAntónio Ole, Pop Show marcou a memó-ria da noite com solos a provocar na ban-da uma coordenação disjuntiva de acor-des. Paradoxo de pássaros instrumentais.Que faz do jazz uma casa grande de tantadiversidade musical, sem espaços para(des)habit(u)armo-nos do eterno rumordos metais do mundo.Pop Show fez a viola solo desovar pás-saros metálicos na planície do nosso des-lumbramento. Pop Show canta. E o saxoapanha-lhes as sementes de múcua.

Homenagens da noite do jazz em Luan-da: ao Prince, ao ZAN, ao Joaquim Trinda-de (Kinito) e depois Irina Vasconcelos selembrou de um dos maiores da músicaafricana – Papá Wemba.Irina Vasconcelos que entrou a desa-fiar as fronteiras universais do jazz. O jazzcomo matéria floral – pólen melódico – deuma abelha musical.Finalmente um jazz em português.Canções de afrodizer, o cheiro da terramolhada pela chuva da memória. Com Iri-na Vasconcelos começa a infância do jazz

angolano. Ali a nossa alma se preen-cheu desse instrumental de seiva e solpoente (Giyora Arbiser - Saxofone eNana Hermenegildo - Percussão, eDrackson Lendário - Baixo), no meiodo qual Irina de tranças, voava a cons-truir uma árvore de jazz.RECADO PARA O JEJÉ BELO: já não ficámos pa-

ra ver o Mário Garnacho Quarteto, nem o FilipeMukenga, foi uma pena, mas já era meia noitequando a Irina acabou e quem mora a 40 km docentro tem outras arritmias para descontar notempo até casa.

JOSÉ LUÍS MENDONÇAOs grandes da África também morem demalária. E é tempo de os governos de Áfri-ca criarem a vacina que os países indus-trializados não criam. A vacina da medici-na tradicional. Porque Papá Wemba eramuito novo para nos deixar. Papá Wemba.Galáxia cantante de sol e de orvalho, umacombinação emocionante de acordes vo-cais, como em Maria Valência ou Maman,música dedicada à sua mãe, carpideiraprofissional. Wemba passou a sua infância

observando a mãe cantar nos funerais. "Sea minha Mãe ainda estivesse viva, eu seriarico em palavras e rico em melodias", dizPapá Wemba no seu site oficial.Angola homenageou Papá Wemba. Emnota de condolências pela morte do artis-ta, ocorrida a 24 de Abril em Abidjan, Ca-rolina Cerqueira, ministra da Cultura, des-creve Papá Wemba como quem deixa umamarca indelével na herança musical daÁfrica Central. Papá Wemba influenciouvárias gerações de artistas do Continentee do Mundo, pelo seu estilo original e so-fisticado, tendo firmado uma trajectória

artística ímpar marcada pela criação e ex-pansão do estilo zaiko langa langa, uma fu-são da dança latina e africana, que inspi-rou muitos jovens músicos congoleses econquistou audiência em todo mundo.Nascido Jules Shungu Wembadio PeneKikumba em 14 de Junho de 1949, na re-gião de Kasai da República Democráticado Congo (então conhecida como CongoBelga), Papá Wemba, também conhecidocomo o "Rei do Rumba Rock", é um dosmúsicos mais extravagantes e cosmopoli-tas da África. Ele emigrou da sua terra na-tal, para se tornar um dos artistas doworld music mais bem sucedidos interna-cionalmente no final dos anos 80 e iníciodos anos 90. Por muito tempo um herói noseu país natal com as bandas Zaiko LangaLanga, Isifi Lokole e Yoka Lokole, Wembaalcançou o estatuto de superstar com suabanda Viva La Musica. Depois de algumtempo na Europa, Wemba vira o olhar pa-ra a aclamação internacional, e conse-guiu-o com o grupo Molokai Internatio-nal. Sempre cantando na sua língua nativa,garantiu uma audiência global.Wemba é membro da etnia Tetela e foicriado como um descendente directo deuma longa linhagem de chefes guerreirosBatetela. Mais tarde, ganhou o estatuto dechefe guerreiro Tetela de anciãos do clãpor sua contribuição à música e cultura. Asua família se mudou para a capital congo-lesa de Kinshasa, quando ele tinha seis

anos. Após a morte de seu pai em 1966,Wemba juntou-se ao coro de Igreja Católi-ca Romana de St. Joseph. Desistiu de músi-ca religiosa, quando deixou a igreja, masrecorda-a como uma influência.Wemba fundou seu próprio grupo, Zai-ko Langa Langa, que se tornou uma dasbandas mais populares da juventude danação do movimento Rumba-rock.Zaiko Langa Langa é uma das mani-festações-chave da Nova Vaga Congole-sa: uma coligação nebulosa de 20 músi-cos que actualizaram profundamente oSoukous pela infusão com uma quaseelectrizante energia.Apelidado de "King of Rumba", PapaWemba foi um dos primeiros partícipes edifusor do influente do "Soukous" na ban-da Zaiko Langa Langa, criada em Dezem-bro de 1969, em Kinshasa, juntamentecom os seus pares Nyoka Longo Jossart,Manuaku Pepe Felly, Evoloko Lay Lay, Bi-mi Ombale , Teddy Sukami , ZamuanganaEnock , Mavuela Simeão, Clã Petrole e ou-tros músicos congoleses.A inovação introduzida consistiu criarum som muito mais provocante e mais jo-vem. ZLL – uma contracção da expressão“Zaire dos Nossos Antepassados” – gerouuma verdadeira família de descendentes,o chamado "Clã Langa Langa”, que incluiPapa Wemba, Bozi Boizana, e os gruposZaiko, WaWa, Langa Langa Stars, ChocStars, Anti-Choc, e muitos outros.

Irina e Jejé Belo Pop Show e banda

ECO DE ANGOLA| 3Cultura | 9 a 22 de Maio de 2016

JAZZ REÚNE KALUANDAS EM TORNODE MÚSICOS ANGOLANOS, CUBANOS E ISRAELITASJOSÉ LUÍS MENDONÇA

PAPÁ WEMBARUMBA DE SOL E DE ORVALHO

4 | LETRAS 9 a 22 de Maio de 2016 | Cultura

Os artistas são mesmo complica-dos. Os artistas precisam de solidão.mesmo se não o reclamam. Disse es-tas palavras o escritor Pepetela, nopassado dia 5 de Maio em Luanda,ao apresentar o seu romance maisrecente Se o Passado não TivesseAsas. O início da sua prelecção foiuma homenagem pública à esposaque ali se encontrava no Camões,Centro Cultural Português, a abarro-tar de almas que, por não caberemno auditório Pepetela, ficaram nohall de exposições numa cavaqueirade bom gosto e bom tom.

Homenagem singela à Mena, emquem o autor busca inspiração,pois que traz para casa muitas estó-rias do meio. Mena leva essas estó-rias, fofocas, mujimbos que são umretrato da nossa sociedade e quedepois dão corpo aos romances. Is-to porque Pepetela isola-se. Sobre-tudo dessas coisas terríveis que sãoos telemóveis. “E a Mena conseguecriar um ambiente para que eu pos-sa escrever tranquilamente”, dissePepetela. E disse mais: “Eu gostoque seja o livro que se apresenta asi próprio”. Por isso leu duas passa-gens da obra, uma que se enquadrana primeira parte do livro, que co-bre o espaço temporal desde 1995até à actualidade e outra que fazparte de metade do livro que vai de2012 até aos nossos dias, metadesessas que existem em paralelo naspáginas da narrativa.Com a mestria própria de um dosnomes maiores da literatura angolanae de língua portuguesa, PEPETELAvolta a surpreender, no estilo, na for-ma e na substância das coisas, no seuúltimo romance “SE O PASSADO NÃOTIVESSE ASAS”. Com a lâmina afiadada sua ironia (não raras vezes a raiar osarcasmo), com a sensibilidade dogrande criador que é, com a perspicá-cia de observador atento do mundoque o rodeia, com o conhecimentoprofundo da história do país, da qualfoi, e é, sujeito activo e com um senti-do de solidariedade, próprio de quemtem uma história de vida ao serviço decausas, PEPETELA regressa com oprofundo humanismo que trespassatoda a sua obra.Uma história, cuja narrativa alter-na dois períodos temporais distintos.Um tempo mais recuado, de guerra(1995) e um tempo mais próximo(2012), de paz consolidada e cresci-mento económico. Dois tempos, quemarcam a história de vida dos perso-nagens, heróis anónimos, sobrevi-ventes da guerra passada, mas tam-bém sobreviventes das múltiplascontradições que caracterizam a so-ciedade actual do país.

Nas 400 páginas de SE O PASSADONÃO TIVESSE ASAS, PEPETELA fazuma incursão em temas que evocamum passado tenebroso ainda muitofresco na memória colectiva e temasactuais, particularmente ligados àsidiossincrasias da Luanda dos dias dehoje. Da Ilha do Cabo a Luanda Sul(Nova Luanda ou Talatona). De umaforma crua, chocante, algumas vezescruel, mas também profundamentecomovente, viaja com os “meninos derua”, que proliferam na Ilha de Luanda,filhos, enteados e órfãos de guerra,que cheiram gasolina, cheiram a mar,lutam e matam a fome a catar conten-tores de lixo, e se organizam em “gru-pos” (que recolhem comida em con-junto e depois repartem) ou “bandos”(que roubam, violam e matam), quedominam as ruas, impondo leis cruéis,na flor de uma idade a que chamam da“inocência”. “(...) Mas a fome era de-mais. Ficaram parados a olhar para oscomensais. Himba de cabeça inclinada,naquele jeito de pedir com os olhos queaprendeu com a vida (...)”. “(...) Clientesbem nutridos não podem ver criançasmiseráveis e com fome, isso incomoda(...)”. “(...) Os miúdos sentaram na som-bra da casuarina, se dividiram a comi-da, escondendo a ansiedade de engolirtudo de uma vez. Afinal, eles tinham ti-do educação, em casa, não eram ani-mais (...)”. “(...) Era mais o tempo emque sentiam fome do que o tempo emque se esqueciam. Fome de pobre é aúnica constante desta vida, pensou,muito filosoficamente, Himba (...)”. (....)Luanda é dura de viver, Nguimbi semalma, como se diz, mas tem um ímanpoderoso que suga as pessoas para si edela não deixa escapar(...)”. “(...) Embora naquele meio fosse di-fícil fugir ao destino”, como vaticinavaa Tia Isabel, a esperança não morria,alimentada pela capacidade de so-nhar. “as ondas se trançam umas nasoutras, fazem novelos. Que se ligam eentrelaçam, como a vida das pessoas.Era só uma questão de olhar. O mar ti-nha novelos, novelos de mar.(...)”.

“(...) Himba nunca ia absolutamentetranquila, tinha medo de encontraruma ponta do passado. Só serenavaquando deparava com a senhora boadas trancinhas ou o Mariano. Então opassado começava a fazer música,perdia os tons de roxo violento, vol-teava entre os lilases e amarelos damúsica (...)”. “(...) Uma alma sensível, procuran-do, não o sentido da vida em si, mas osentido da beleza do mundo. Para lá dadesagregação do mundo, ou nessamesma desagregação, ele descobriaencanto, era quase um milagre” ““(...) Era o ano de 2002. A paz desdo-brou a sua manta sobre o país....e aspessoas voltaram a sonhar”.

PRÉMIO CAMÕESPEPETELA (Artur Carlos MaurícioPestana dos Santos) nasceu em Ben-guela, em 1941. Licenciou-se em So-ciologia, em Argel, durante o exílio.Foi guerrilheiro do MPLA, político egovernante. Foi Professor da Univer-sidade Agostinho Neto, em Luanda.Tem sido dirigente de associações,designadamente da União dos Escri-tores Angolanos e da AssociaçãoCultural e Recreativa Chá de Caxin-de. Recebeu o Prémio Camões 1997,confirmando o lugar de destaqueque ocupa na literatura lusófona.

PEPETELASE O PASSADO NÃO TIVESSE ASAS

Pepetela, entre o editor e a directora do Camões, Teresa Mateus.

Foi lançada em Luanda, no Centro Cultural Português, a 4 de Maio a colectâ-nea de poesia de J.A S. LOPITO FEIJÓO K, ReuniVersos Doutrinários.A obra é uma colecção de poemas que Lopito Feijóo publicou ao longo dos úl-timos 35 anos (de 1979 a 2015), com alguns inéditos. Segundo o autor, a esco-lha dos poemas obedeceu ao gosto dos leitores, manifestado por vários meios,designadamente pela internet. A apresentação da obra esteve a cargo da Professora Fátima Fernandes, dou-torada em Literatura Portuguesa e Professora na Faculdade de Letras da UAN ena Universidade Lusíada, e também escritora, e pelo conceituado escritor, poetae jornalista António Fonseca, realizador e apresentador do programa ANTOLO-GIA da RN e Prémio Nacional de Jornalismo na categoria rádio em 2011. LOPITO FEIJÓ com esta obra quer prestar homenagem a todos os escritoresque integraram a “geração 80”, a que o escritor e crítico literário Luís Kamdjim-bo chama “geração das incertezas”. Foi aqui que germinou o movimento asso-ciativo Brigada Jovem da Literatura, como uma tribuna juvenil de debate sobretemas associados à literatura, da qual LOPITO FEIJÓ foi um dos principais fun-dadores. QUEM É LOPITO FEIJÓO?“E quem é Lopito Feijóo?”, pergunta Fátima Fernandes, na sua apresentação.”Nenhuma resposta pode ser completa, mas temos uma óptima proposta logo noprimeiro poema deste livro, Ousada Auto Grafia (p. 17-19):Ousada auto grafiaEm tempos engraxei sapatos botas e sandáliasalimentei-me de restos ratos arrotos e katatusandei andrajoso roto e descalçofiz recensões escrevi contos e crónicas

proferi palestras profícuas e prelecçõestornei-me Mestre querido contestado e detestado eamado. Circulei engarrafado sem taxa e sem acçãocurti escolas seminários e até universidades

(...)

vomitei pássaros voandoli panfletos secretos li poluídos jornaissigo infeliz feliz mentede mente vivo salvo(…)

- Requerimentista nunca fui em razão da cal & grafiafiz-me representativo aqui com a pinta tipo-gráfica no papelporque a cima de tudo: A POESIA! Este poema é de 1979; a evolução do autor e da sua “auto grafia” são visíveisem todos os poemas do livro.

Este e todos os poemas deixam já perceber uma das características mais no-tórias de Lopito Feijóo: a forma irreverente e de absoluta maestria, de absolutaperícia, com que brinca com os sons, os significados e a própria grafia/imagemvisual das palavras e dos versos, dividindo-as, muitas vezes, em duas ou três pa-lavras, ligadas à primeira, triplicando e mesmo multiplicando os seus significa-dos, num autêntico fogo-de-artifício poético. Esta é uma poesia complexa, ri-quíssima. A poesia “lopitiana” é cheia de sentidos, por vezes não apreensíveisnuma primeira leitura. E agora que sabemos um pouco sobre o Lopito, vejamos, então, que livro é este. Este livro já foi apresentado em Portugal e no Brasil e espera-se há quase umano pelo seu lançamento em Angola… Esta é, finalmente, a concretização daocasião que se aguardava com ansiedade, já que o Lopito Feijóo é, muito sim-plesmente, um dos maiores poetas angolanos da actualidade.”HISTORIAL DA BJLNas suas notas para apresentação do livro de Lopito Feijó, António Fonse-ca, tece que “A Brigada Jovem de Literatura de Angola, com muitos secretaria-dos e até Deputados nasce muito depois, creio que em 1984/85. Não é a con-tinuação da Brigada Jovem de Literatura que, na verdade, eram várias Briga-das que dialogavam e cooperavam entre si e nenhuma se subordinava ou per-tencia a outra. Tornou-se pois num movimento em torno das letras, com vá-rias correntes e pontos de vista. Pode dizer-se que, depois da União dos Es-critores Angolanos, terá sido o primeiro espaço de conversa ou discussãoplural, nascido sob o signo “ ASPIRAÇÃO”. É só lembrar que o primeiro títulopublicado, da autoria de Fernando Couto, em papel de jornal, foi “ A esta ju-ventude um canto angustiado…”.Aproveito para corrigir uma inverdade que li numa Sebenta Sobre Literatura,publicada pela Universidade Aberta, de Lisboa, creio, da autoria do Professor Pi-res Laranjeira em que se diz que a Brigada dependia dos dinheiros do Estado ( “(…) a Brigada, dependente sempre doapoio estatal(…)”. Tal não é verdade. Oúnico dinheiro que a Brigada Jovem deLiteratura recebeu foi o do Prémio No-ma, atribuído ao autor do livro Sobrevi-ver em Tarrafal de Santiago, na Feira deFrankfurt, o Poeta António Jacinto, as-sim como o valor do Prémio Lotus, aomesmo atribuído pela Associação deEscritores Afro-Asiáticos.”Falando “apenas do homem, o Lopi-to Feijó Katetebula… (...) pode-se di-zer é um poeta visionário e doutriná-rio, cujo caminho se anunciou nos idosanos oitenta, numa época em que apoesia e a literatura queriam fazerparte do nosso quotidiano e uma novasafra de autores procurava rumos ecaminhos diferentes daqueles da ge-ração da Mensagem e do Movimentodos Novos Intelectuais de Angola.”

LETRAS | 5Cultura |9 a 22 de Maio de 2016REUNIVERSOS DOUTRINÁRIOS DE LOPITO FEIJÓO

A. Fonseca, Lopito Feijóo, Teresa Mateus e F. Fernandes no Camões

No âmbito das comemorações doDia da Língua Portuguesa e da CulturaCPLP, O Centro Cultural Português/Ca-mões organizou uma sessão culturalcom MÚSICA e POESIA e de lançamen-to da PALAVRA DO ANO EM ANGOLA ,numa parceria com a Plural Editores.A iniciativa PALAVRA DO ANO, pro-movida pela Plural Editores em An-gola, tem por objectivo sublinhar ariqueza e o dinamismo criativo daLíngua Portuguesa, património vivoe precioso comum aos mais de 250milhões de pessoas que nela se ex-pressam em vários continentes. APALAVRA DO ANO procura valorizara importância das palavras, e dosseus significados, na produção indi-vidual e social dos sentidos, com que

se vai interpretando e construindo aprópria vida, chamando a atenção pa-ra a importância que as palavras têm no nosso quotidiano. A partir das zero horas de dia 5 deMaio, Dia da Língua Portuguesa e da Cultura na CPLP, todos os angolanos po-derão participar neste concurso, suge-rindo, através do site www.palavradoa-no.co.ao, a(s) palavras(s) candidatas àeleição da PALAVRA DO ANO 2016.Até final de Novembro, todos osangolanos, através do site referido,poderão sugerir a(s) palavra(s) quequiserem. No dia 1 de Novembro aPlural Editores anunciará as 10 pala-vras mais votadas, candidatas à PA-LAVRA DO ANO 2016. A partir daí, se-rá iniciado o processo de selecção,dentre as 10 palavras mais votadas,através da votação do público, até dia31 de Dezembro. No princípio de Ja-neiro de 2017, será feito o anúnciooficial da PALAVRA DO ANO, eleitapor todos os participantes.

PRÉMIO LITERÁRIO UCCLA

PALAVRA DO ANO EM ANGOLA

“ERA UMA VEZ UM HOMEM”, DE JOÃO AZAMBUJAPROSA EM CONSONÂNCIA COM A NOSSA ÉPOCAA obra vencedora do “Prémio Lite-rário UCCLA - Novos Talentos, NovasObras em Língua Portuguesa” foi atri-buída a “Era uma vez um Homem” deJoão Nuno Rodrigues Pacheco Guima-rães Azambuja, de Portugal. O anúnciofoi feito dia 5 de Maio - Dia da Língua eda Cultura Portuguesa - pelo Secretá-rio-geral da UCCLA, Vitor Ramalho. Face à qualidade das obras apresen-tadas, o júri decidiu atribuir duasMenções Honrosas, uma em prosa eoutra em poesia, a:- “Ausência” de Ana Beatriz Leal Sa-raiva, do Brasil;- “Memórias Fósseis” de Wesley d’Almeida, do Brasil.Na ocasião, Vitor Ramalho afirmouque perante a grande adesão de candi-daturas “tivemos a noção exacta deque a língua portuguesa é aquela quemaior produção vai ter no mundo, en-tre as cinco línguas mais faladas, e quetem a singularidade de ser uma línguamaterna” pois “estávamos longe deprever que este concurso acabaria porser o maior que, até hoje, teve em ter-mos de candidaturas”.Obra PremiadaUma Vez Um Homem, de João NunoAzambuja surpreende-nos pela extre-ma acutilância com que João NunoAzambuja nos faz entrar no universoconvulso e violento de um eu que, aolongo de uma semana, irá revelar, pôrem papel, toda a dor e desencanto, to-da a ironia e vontade de viver que aprópria existência arrasta consigo. Aintersecção de planos vários (interio-ridade, exterioridade, passado, pre-sente e sonho projectado para um por-vir equívoco, que se sabe irrealizável),o léxico brutal em diversos momentos,assim como a capacidade de escrever

estados de consciência que ocorremcomo fluxos ininterruptos de senti-mentos díspares, desejo e suicídio, re-pulsa e compaixão, amor e desencan-to, tudo parece ser convocado para pá-ginas onde encontramos uma prosaperfeitamente em consonância com anossa época.Menções Honrosas

MENÇÃO HONROSA PROSAAusência, de Ana Beatriz Leal Sarai-va. Como a própria epígrafe revela: avida «é uma história contada por umidiota, cheia de som e fúria, que signi-fica nada». Shakespeare não está aquicomo simples nota culturalista de al-guém que se lança na aventura de es-crever contos. Ausência é um livroque, da frase às imagens, tem momen-tos de grande virtuosismo verbal. Odiscurso em primeira pessoa – um su-jeito a braços com a maior derrocadainterior – onde as personagens, no-

mes de mulheres, falam do corpo e doamor, do sexo e da sua impossível e aomesmo tempo inescapável presençana definição do próprio feminino. MENÇÃO HONROSA POESIAMemórias Fósseis, de Wesley d’Al-meida. «Enxerga a flor / com toda a tuaretina / Apalpe-a / com toda pálpebratua. / Assiste – nas pupilas - / todo oseu desabrochar. / Pois não se sabequando / a cegueira da candura anoi-tece. / Nem / se o fruto a / manhã se-rá». É este um dos poemas de Memó-rias Fósseis, conjunto de poemas on-de o tom narrativo e a dicção intimis-ta se misturam equilibradamente pa-ra inquirir das «memórias fósseis» deum eu que se encontra dividido entrepassado, presente e futuro e queragarrar o dia como pretendia Caeiro,uma das vozes presentes na dicção deWesley d’Almeida. Diálogo de geraçõesEste prémio literário UCCLA teveuma grande afluência de candidatu-ras, sendo 722 autores concorrentes,

que candidataram 865 obras (dasmaiores afluências em concursos lite-rários no mundo da CPLP).Quanto à diversidade e abrangên-cia, notou-se uma participação plenados países lusófonos (com grande re-presentação do Brasil) e o alargamen-to a outras nacionalidades (candidata-ram-se autores de Espanha, Itália e Ca-nadá, que escrevem em Português).Quanto ao género, cerca de um ter-ço (281) são mulheres e 441 homens.Foi um sucesso no seu objectivo depromover jovens escritores (pois 44candidatos têm dos 16 aos 20 anos,sendo que entre os 20 e os 40 anoshouve 362 candidatos).Por outro lado, verificou-se um diá-logo de gerações, que atraiu ao con-curso 72 escritores seniores, com ida-des entre os 60 e os 90 anos.O júri foi constituído pelos escrito-res António Carlos Secchin, InocênciaMata, José Luís Mendonça, José PiresLaranjeira, José Augusto Bernardes,Fernando Pinto do Amaral; João PintoSousa, da Editora A Bela e o Monstro, eRui Lourido, da UCCLA.

Victor Ramalho, secretário-geral da UCCLA

Autor premiado João Azambuja

6 | LETRAS 9 a 22 de Maio de 2016 | Cultura

ARTES | 7Cultura | 9 a 22 de Maio de 2016

RÚBIO PRAIA

O músico angolano conhecidopela sua cabaça (Olukwembo)lança o seu álbum de estreia no fi-nal deste ano, disse o artista aoCultura, na véspera do concerto,dia 30 de Abril. Na madrugada dodia 1 de Maio, Fernando Alvim, umdos responsáveis máximos daFundação Sindika Dokolo, subiuao palco para garantir apoio aocantor do Lobito. Acresce que, nomesmo local onde esteve o jovemlobitanga, esteve sábado passado,7 de Maio, Filipe Mukenga . As en-tradas são gratuitas e tem todosos sábados, no piano, o mestreJoão Moreira...Eram cerca de 22:30 do dia 30 deAbril quando mais de 100 pessoasque aguardavam pelo músico NdakaYo Wiñi, termo umbundo que tradu-zido para português significa “A vozdo povo”, começaram a sentir osacordes da banda que suporta o ar-tista que em línguas nacionais inter-preta o género lundongo (cançõesde roda do Sul de Angola) fundindocom os estilos como sungura, afro-soul, kilapanga, jazz, blues, funk,bossanova e reggae.E volvidos cinco minutos a voz deAdriano Xavier Docas, nome do BIdeste pesquisador de ritmos, essen-cialmente africanos, ecoava pelo am-plo espaço onde estava montado opalco 1, negro e as cadeiras brancas noPalácio de Ferro. Ndaka vai chegando ao palco a passo,no fundo tocava um instrumento execu-tado pelo percussionista Dalú Rogée e,

ambos imitavam sons de pássarosnuma floresta, envolvente.Trajado de roupa africana, o artistanatural do Lobito, herdeiro do Oluk-wembo (cabaça com a função de bebe-douro), postou-se no luando na partedianteira do palco, com as suas sandá-lias pretas, de borracha reciclada, aspessoas aplaudiam-no efusivamente,até que este começou a interpretarCimboto, o primeiro de 15 temas.A música que abriu o concerto nar-ra a história de um sapo, no fundo éuma canção proverbial que retrata ainfluência dos outros animais na vidadas pessoas, ou seja “a água do rio on-de tem sapos é imprópria para consu-mo humano, mas às vezes ignoramosestes avisos da natureza e vamos be-ber o líquido da vida em condições im-próprias”, contou o músico ao Cultura,na véspera do espectáculo, enquantoaquecia a voz no camarim.Cabaça guarda mistérioContinua por desvendar que líqui-do Ndaka sorve da sua cabaça. “Estacabaça (Olukwembo), é uma heran-ça que me foi dada pela minha avó,isto representa a minha ancestrali-dade, quem irá tentar contra mim senão tenho grandes posses”?, ironi-zou o músico.Houve quem tivesse dito, entre opúblico, que Yo Wiñi leva vantagenssobre outros músicos. “Ele pode‘olear’ as cordas vocais com este líqui-do que tem no Olukwembo”, que aliásé o título do álbum que sai no final des-te ano e, que tinha como título prová-vel ‘Ovitua’ (Costumes), mas tudo écoisa do passado.

Um conselheiro natoNo concerto de duas horas, Ndakapropôs a reflexão e foi explicando,em síntese a moral de cada letra.“Neste tema Vendamba, música evo-cativa, canto os problemas que vãoacontecendo no Mundo, porque viuma criança a ser apedrejada, emvirtude de pender sobre ela uma acu-sação de feitiçaria”.Em Vakaile a proposta do ex-ban-queiro vai no sentido de se evitar osconflitos geracionais. “A mente hu-mana não tem género. Os conflitosdevem ser evitados”, foi uma das fra-ses fortes do autor da música promo-cional Njolela.O músico afecto à Kisanji ProduçõesLda., que trabalha com Nsangu Nzan-za (guitarra), Kris Kasinjombela (bai-xo), Dalú Rogée (percussão), MoisésLubanzadio (teclas) e Jackson Nsaka(baterista) deixou várias mensagens.No tema Ombembwa, Ndaka apela apreservação da paz. “Temos de contri-buir para manter a paz”. Por um lado,se aborda a circuncisão, por outro, tiraum som, enquanto investigador, damandíbula de burro, as pessoas ficamextasiadas com o arrojo do artista. Com o último tema da noite, Ukolo,Adriano Xavier Dokas disse que “to-dos nós nascemos com uma corda aopescoço e que, a nossa conduta definese ela se aperta ou fica folgada”. Ressonância Magnética Cultural chegou a LuandaCimboto, Lombolola, Vakaile, Om-bembwa, Tchove tchove, Ndikalikenda,Olukwembo, Pasuka, Sandombuwa,

Ukolo e Njolela são alguns dos temascom que Ndaka ‘extasiou’ o públicoque assistiu o espectáculo na noitede sábado transacto, 30, no Paláciode Ferro.“Este repertório é uma réplica doque foi a minha actuação em Nitéroi,no Brasil, no dia 15 de Abril último. Foiuma experiência muito boa. Tive o pri-vilégio de saber mais sobre os direitosde autor e conexos, ou seja, saber maissobre os meus direitos”, asseverou. O músico contou que houve muitareciprocidade e que o povo brasileiro,apesar de não entender em termosdas línguas africanas interpretadas, sereviu na melodia do cantor, não fosse amúsica uma linguagem universal.Pianista João Moreira está na III Trienal de LuandaO espectáculo de Ndaka Yo Wiñiem Luanda, enquadra-se no âmbitoda III Trienal de Luanda, cujo tema é“Da escravatura ao Fim do Apart-heid” com um vasto programa multi-cultural de terça a domingo, até No-vembro deste ano. No interior e na parte de trás do Pa-lácio de Ferro várias propostas artísti-cas estão à disposição de quem acorreàquele espaço. Para além das performances de dis-tintos músicos e agrupamentos musi-cais, há também a exibição de vídeos, o“Projecto Kutonoka” que exalta os rit-mos africanos, aos sábados, com o exí-mio pianista João Moreira, a projecçãode vídeos sobre os artistas contempo-râneos angolanos e a exibição de más-caras tchokwé, entre outras realiza-ções culturais.

NDAKA YO WIÑI EVOCAAFRICANIDADE NO PALÁCIO DE FERRO

Ndaka no palco do Palácio de Ferro

A Companhia de Dança Contem-porânea de Angola apresentou noTeatro Municipal de Niterói, Brasil,nos dias 7 e 8 de Abril a peça“MpembaNyiMukundu”, a conviteda direcção do evento “Encontroscom África”.Fundada e dirigida pela bailarina ecoreógrafa Ana Clara Guerra Marques,A CDC criou uma linha de trabalhoque, dispensando as narrativas de es-truturação convencional, dá preferên-cia às propostas que confrontem o pú-blico com as suas próprias histórias,aspectos do seu quotidiano, das suasrealidades sociais, da sua condição decidadãos de universos que se cruzamnuma época em que as barreiras geo-gráficas e culturais são superadas pe-los recursos que nos disponibilizamas novas tecnologias. Estas mesmasque, conjuntamente com outras lin-guagens, passaram a integrar os dis-cursos artístico e estético da CDC An-gola, onde o corpo e o movimentoconstituem o elemento catalisador.A partir de estudos de investigaçãoefectuados em várias regiões de Ango-la foram propostos diferentes vocabu-lários e novas linguagens, no âmbitoda pesquisa e experimentação, apre-sentando outras possibilidades para arevitalização da cultura de raiz tradi-cional de que são produto as peças APropósito de Lweji (1991), Uma frasequalquer… e outras (frases) (1997),Peças para uma sombra iniciada e ou-tros rituais mais ou menos (2009) ePaisagens Propícias (2012/13) e

MpembaNyiMukundu (2014)Por outro lado, com Corpusná-gua(1992); Solidão (1992); 1 Morto &os Vivos (1992), 5 Estátuas para Ma-songi (1993) Introversão versus Ex-troversão (1995) ou Ogros… da Oratu-ra… e do Fantástico (2008), a CDC An-gola desloca a dança para espaços nãoconvencionais, introduzindo o públi-co a diferentes formas e conceitos deespectáculo. Para estas criações fazparcerias com alguns dos mais impor-tantes nomes da literatura e das artesplásticas angolanas, entre os quaisManuel Rui Monteiro, Artur PestanaPepetela, Frederico Ningi, Carlos Fer-reira, Jorge Gumbe, Mário Tendinha,Francisco Van-DúnemVan, MasongiAfonso, Zan de Andrade e António Ole.A utilização da dança como meio deintervenção e crítica social, expondo oHomem enquanto cidadão do mundoe protagonista da cena social angola-na, é a marca desta companhia, comorevelado nas peças Mea Culpa (1992);Imagem & Movimento (1993), Pal-mas, por Favor! (1994); Neste País...(1995), Agora não dá! ‘Tou a Bumbar...(1998), Os Quadros do Verso Vetusto(1999), O Homem que chorava sumode tomates (2011) e Solos para um DóMaior (2014).CONDIÇÃO DE SOBREVIVÊNCIAResponsável pela ruptura estética eformal da dança angolana e lutandodesde a sua criação contra os mais di-versos obstáculos decorrentes da suaexistência num terreno conservador,fortemente cunhado pela quase au-

sência de um movimento de criaçãode autor ao nível da dança e pratica-mente absorvido pelas danças popu-lares e recreativas urbanas, a CDC An-gola resiste numa condição de sobre-vivência sem qualquer tipo de apoioinstitucional. Todavia, o labor a que sededicou para lavrar esta terra e se-mear o novo não deixa de ser, apesarde todas as adversidades, um privilé-gio e um desafio que a História lhepropõe, transformando-se numa res-ponsabilidade à qual não pode renun-ciar. Consciente da importância da suamissão inovadora, esta companhianão desiste de apontar novos olharessobre a dança, tornando-se em 2009uma companhia de Dança Inclusivapela integração de bailarinos portado-res de deficiência física.Com dezenas de obras originaiscriadas desde a sua fundação, a CDCAngola apresentou mais de uma cen-tena de espectáculos em 15 países e30 cidades.FUNDADORALicenciada em Dança – Especialida-

de de Pedagogia, pela Escola Superiorde Dança de Lisboa do Instituto Poli-técnico de Lisboa, Ana Clara GuerraMarques é Mestre em PerformanceArtística – Dança com a tese«Sobre osAkixi a Kuhangana entre os Tucokwede Angola: A performance coreográfi-ca das máscaras de dança MwanaPh-wo e Cihongo», pela Faculdade de Mo-tricidade Humana da UniversidadeTécnica de Lisboa.É “Prémio Nacional de Cultura e Ar-tes” (2006) e prémio “Identidade” daUnião Nacional dos Artistas e Compo-sitores, possui os Diplomas de Honra ede Mérito do Ministério da Cultura deAngola e o “Diploma de Honra – Pilarda Dança” da UNAC e membro indivi-dual do Conselho Internacional deDança da UNESCO e Consultora da Mi-nistra da Cultura de Angola.Ana Clara publicou os livros “A Al-quimia da Dança” (1999), “A Compa-nhia de Dança Contemporânea de An-gola” (2003) e “Para uma História daDança em Angola – Entre a Escola e aCompanhia: Um Percurso pedagógi-co” (2008).

“Encontros com África” no BrasilCDC ANGOLA EM NITERÓI

Público presente no espectáculo da CDC Angola em Niterói

LEONARDO ZULLUN

LEONARDO ZULLUN

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Luanda Cosmopolita é Grande Prémio Pintura

Convergência Feminina é Grande Prémio EsculturaObra de Sozinho Lopes Obra de Dito

Grande Prémio ENSARTE XIII ediçãoLuanda Cosmopolita e Convergência Feminina

MATADI MAKOLAÂngelo de Carvalho e MaiomanaVua são Grande Prémio ENSARTE. Ân-gelo, o artista metódico, foi grandeprémio em pintura pela sua obra“Luanda Cosmopolita”, reflectindo demodo pictórico toda a complexidadeda apreendida noção de cidade e seusparadoxos. Era a sua noite, as sereiasdo seu Kwanza-Sul xinguilavam a seufavor e voltou ao pódio como prémioEspecial Província/Pintura pela suabucólica obra “Lá… nas bandas”. Maio-mona Vua, o artista das mãos afortu-nadas, foi grande prémio escultura pe-la sua obra “Convergência Feminina”,que retrata a delicadeza e verticalida-de da entidade feminina. Van, presidente da mesa júri, defineque a estética, conteúdo da obra e téc-nicas aplicadas valeram muito, sendoestes indicadores da decisão do júri,embora os membros sejam sempre li-vres de discutir e suprir dúvidas. Dosgrandes prémios, por exemplo, salien-ta que valeu-lhes por estarem enqua-drados dentro da contemporaneida-de, ligação aos nossos aspectos idios-sincráticos e universalismo, defen-

dendo que não podemos nos fecharapenas no nosso sítio, esquecendoque fazemos parte de um mundo que églobal. “Defender as nossas tradições,mas abertos ao mundo. As obras ti-nham que dialogar, não apenas con-nosco mas com o mundo”, baliza o ar-tista plástico Van. Detalha que nesta edição os crité-rios são os habituais, acrescido com aestratégia sugerida pelo curador, Mi-guel Gonçalves, de os membros do júrinão saberem, enquanto discutem oscritérios, o nome dos artistas que con-correm. Essa atitude, analisa Van, deuuma outra importância à concorrên-cia leal entre os participantes, apesarde que alguns artistas renomados têmum estilo próprio identificável, mes-mo que os quadros não venham assi-nados, recaindo a relevância para osartistas menos conhecidos. A gala da XIII edição do Prémio EN-SARTE foi acolhida no Centro CulturalBrasil-Angola, à baixa de Luanda, nanoite do dia 28 de Abril e abriu com aapresentação de um documentárioque, entre outros assuntos, procuroudar voz aos concorrentes da ediçãopassada, deixando clara as necessida-

des e anseios desta classe, ouvidas porindividualidades do Executivo angola-no sentadas na primeira fila, nomea-damente Bornito de Sousa, ministroda Administração do Território, Pin-da Simão, ministro da Educação,Adão do Nascimento, ministro do En-sino Superior, Jovelina Imperial, Vi-ce-Governadora de Luanda, CornélioCaley, secretário de Estado da Cultu-ra, e o anfitrião Manuel Gonçalves,Presidente do Conselho de Adminis-tração da ENSA, a mecenas. Falta de maior participação dos empresáriosPrestigiando a cultura angolana eos artistas, Cornélio Caley distingue oENSARTE pela ajuda no engrandeci-mento de uma forte área da cultura,que é, em todos os países do mundo,parte importante no forjamento daidentidade nacional. Para si, esta ini-ciativa deve ser vista como uma tarefatransversal, chamando todos os secto-res da sociedade, para que cada um seofereça à causa à sua maneira e, den-tro dos parâmetros da lei, contribuirpara estimular os artistas a fim de le-vantar o ego nacional e termos identi-

dade diante de outros países. Frisou que o ENSARTE já levou onome de Angola mais longe, e apela aque outras empresas, tanto públicascomo privadas, entrem também no jo-go da cultura, promovendo os seuscriadores em todas as suas varieda-des, dando asas ao sonho do artistaque comanda a vida.Um pouco antes, no momento emque proferiu as palavras de boas vin-das, Manuel Gonçalves já tinha leva-do os presentes a reflectirem sobre anecessidade de intervenção da clas-se económica na cultura, e apelou aoempresariado sobre a falta em me-nosprezar o dever de assistência àcultura, concluindo com esta fraseque sintetiza a sua nobre e necessá-ria preocupação: “Não podemos pen-sar numa dissociação entre desen-volvimento económico e desenvolvi-mento cultural”. Timothée Chaillou, o crítico de arte internacionalA presença de um crítico de arte in-ternacional veio conferir maior credi-bilidade e aceitação internacional aoENSARTE. Timothée Chaillou é fran-

ARTES |9Cultura | 9 a 22 de Maio de 2016

cês e vem se aprofundando no estudodas artes plásticas africanas. Dele ouvimos que a França e a Áfri-ca criaram uma relação particularque, no ramo das artes plásticas, sefortificou ainda na década de oitenta,exactamente em 1986, no CentroPompidou, aquando da realização daexposição de arte africana, asiática eeuropeia intitulada “Os Mágicos daTerra”. Analisa esta exposição como oponto que marcou o interesse francêspela arte africana, estendendo-setambém para cidades como Londres eNova Iorque, enquanto as outras cida-des ainda continuavam cegas e cépti-cas à desenvoltura cultural de África. Aponta a exposição itinerante quese intitulou África-Remix, no mesmocentro, há mais de uma década, comooutro dado a relevar. Esta exposiçãofoi coordenada por um curador cama-ronês que mantinha fortes relaçõescom a Fundação Sindika Dokolo eapresentou também obras de AntónioOle, Paulo Kapela, Fernando Alvim eFranck Ludanji. Essa relação com áfri-ca continuou, revelando-se em parisna Fundação Cartier com a apresenta-ção da exposição Beauté Congo. Hoje, destaca, há um concurso emFrança que permite revelar a arte afri-cana contemporânea por via de umadoação financeira para que um artistaafricano possa primeiro expor no seupaís e depois em França. Envolve gale-

ristas franceses e artistas africanos.São os galeristas ou peritos em arteafricana que apresentam os artistasao corpo jurado, para daí fazer uma se-leção que distinga apenas um candi-dato. Ainda não teve a participação deum candidato angolano. O crítico francês vai editar uma co-lecção sobre a obra de um artista an-golano que se chama Franck Ludanji.Este africano representou Angolanuma exposição em França que con-tou com 54 artistas, representandocada um país africano. Esta exposi-ção denominou-se A Luz da África.Ludanji reside em França mas a famí-lia mora em Angola. Quanto ao que já viu de artes plásti-cas em Angola, tem interesse por Ed-son Chagas e Mangovo. No geral, teceque a qualidade das obras aumentoumuito ao longo dos anos. Mas, repara,é importante não permitir a coabita-ção de obras que se assemelham, quepermitam o cliché, porque a singulari-dade da obra é uma base a ser defendi-da pelo artista. Ângelo e MaiomonaPara Ângelo de Carvalho, são maisdois degraus conseguidos, e esperaconseguir mais, mas sem pisar em nin-guém. Tem levado um trabalho muitoaturado, de empenho total. Uma buscae investigação incessante sobre o quegosta de fazer. Vive no Sumbe, e é lá

onde faz toda a sua vida, onde tem oseu atelier. Vir a Luanda e ganhar umprémio distinto, sobretudo com umjúri internacional, é para o artistamais do que emoção: “É a responsabi-lidade de que podemos levar a nossaarte além-fronteiras, com toda a quali-dade. Sinceramente, este prémio temum valor especial e atribuo à minhamãe, filhos e amigos, que são a granderazão de ainda estar aqui. Porque hou-ve momentos em que foram eles queme davam dinheiro para ir ao Lobitoou outro local para comprar, um tudode tinta acrílica. Fomos batalhando eeste esforço foi agora recompensado”. Da franca análise que faz das artesplásticas, acredita que estão de para-béns, porque já apresentam obrascom alguma qualidade e limpeza,tanto formal como conceptual. Mas,por outro lado, não esconde que é de-sejo da classe que de houvesse umcasamento com a classe média ou ho-mens de negócio/empresários, queestão muito distantes da classe artís-tica. Esta separação, conclui Ângelo,vai fazendo com que a arte se afigurecomo o parente pobre no quadro dacultura angolana. Maiomona Vua começou logo des-tapando o problema da falta de in-tervenção dos empresários na cultu-ra que não seja a música, manifes-tando o desejo de mais empresas se-guirem o exemplo da ENSA, para fo-

mento das artes plásticas angolanas.Das boas novas do seu futuro, vaitraçando projectos, tanto em pintura,escultura e cerâmica. Tem planos defazer uma exposição ainda em Setem-bro deste ano. Premiações Ricardo Ângelo, pela sua obra“H2O=Vida”, que representa o valor daágua na vida humana, conseguiu o se-gundo lugar em pintura; Sozinho Lo-pes, pela sua excelente “Maxivi- A ini-ciação”, conseguiu o segundo lugar emescultura. Silvestre Panzo, pela sua An-gola 40 anos, foi Prémio Juventude emPintura, e Jelson Matias, pela tambémexcelente “A Maior Solidariedade”, Pré-mio Juventude em Escultura. O júri nãoclassificou nenhuma obra em escultu-ra para o Prémio Especial Província.Ricardo Ângelo, pela sua “H2O=Vida”volta ao pódio como Prémio AllianceFrançaise, que também não teve no-meado na categoria de escultura. AsMenções Honrosas foram atribuídasem pintura a Mário Nunes, pela suaobra “O Repouso das Musas”, a RenatoFialho, pela sua obra “Sai Balões”, a Ze-ca Nicolau, pela sua obra “Traços Cul-turais”, e em escultura a Pacheco Dito,pela sua não menos conseguida “Di-versidade e Relativismo Cultural”. Júri: Van, Marcela Costa,TimothéeChaillou, Paul Barascut (representanteda Alliance Française) e Augusto Mateus

Van, no púlpito, lendo a acta do juri a um público que contou com figuras distintas do Executivo angolano Manuel Gonçalves (em pé, segurando o cheque) e Maiomona (agachado, exibindo o galardão) posam para foto

Cornélio Caley entregando o galardão a Ângelo de CarvalhoCategoria escultura sem prémio Alliance Française Timothée Chaillou

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MATADI MAKOLACarlos Burity foi a estrela escolhidapela produtora Nova Energia para sero rosto cartaz da edição do Show doMês de 29 e 30 de Abril. No dia 29(sexta-feira) conseguiu proporcionaraos seus admiradores um dos concer-tos mais alegres e efusivos, tanto parasi como para a Nova Energia. Igual àsoutras vezes, não foi aos meios de co-municação onde semeou as suas pal-vras, deixou tudo por dizer em palco:expansivo, feliz nas suas circunstan-ciais frases cómicas, jovial na sua gin-ga e muito exigente para si mesmo naperícia como nos faz degustar o sem-ba, qualidades estas que se juntam auma indiscutível e indispensável dá-diva, a de intérprete excepcional. Amarca Carlos Burity, enquanto artista,fica vincada principalmente no feitiçosonoro como dá vida a músicas por sicantadas, saindo mais vivas, comgrande poder de persuasão e carisma.Em Burity fica um tanto anulada a car-ga melodramática da faceta nostálgi-ca do semba (de queixume, elegíaco, ese lhe assume um gosto do viver, o vi-vo amor da paixão ardente, cantadoscom as suas dores mas sem carga nos-tálgica. Burity é grave, mas não é tris-te, mesmo que seja um semba cuja te-mática verse situações tristes.O radialista Salú Gonçalves, quenessa noite se prestava como mestrede cerimónia, biografou que o primei-ro single de Burity sai ainda em 1974,onde inclui os temas “Ixi Iami” e “Re-cado”. Gravou, entre outras publica-

ções, os álbuns Carolina, Angolaritmo,Wanga, Giginda, Ilha de Luanda, Mas-semba, Zuela o Kidi, Paxi Iami e Mala-lanza. Acrescentamos, em resumo,que este tem no seu percurso momen-tos ímpares, chegando a partilhar pal-cos com contemporâneos como DavidZé, Artur Numes, Filipe Mukenga, An-dré Mingas, Elias Dyá Kimuezo e ou-tros grandes. E, na noite do dia 29 des-te Abril, abriu o espectáculo com duascanções que foram interpretadas porsi no projecto Canto Livre de Angolaem 1983, respectivamente “Monami”e “Tona Kiaxi”, em ambas aplaudido depé. Mas o prenúncio deste Maio Áfricaficou consagrado quando cantou “Áfri-ca” e “ Lamento de um Contratado”, emque traz no refrão a certeza de que opovo africano venceria. Estes temasilustram um Carlos Burity da músicaengajada e atento aos principais pro-blemas sociais do seu tempo de ebuli-ção artística. Depois, caindo para os tempos re-centes da kizomba, com o sucesso “TiaJoaquina” seduzia os presentes noRoyal Plaza a um passo de dança. Aplateia conteve-se, mas não resistiu damesma forma quando Burity cantou atambém recente “Ilha de Luanda”, quecantou com participação da cantoralatina que o acompanhava nos coros.Das mãos de Joãozinho Morgado, queo acompanhava nas congas, “SantoAntónio” saiu ao modo formal do sem-ba, seguindo-se “Te quero”, sucessoque dignifica o convicto espírito ro-mântico de Burity, que nestes dias ain-da vinca incontornável nas festas da

banda a sua “Canção Nostalgia” e“Amor que Doi e Castiga”. O sax, maisforte, chamou Sabú Guimarães, convi-dado, para interpretar os sucessos“Eme Ngo”, “Manuele” e “Kanguidima”. Voltou com todo o feitiço de “MuSanzala”, uma balada soul com arran-jos de jazz, quebrando a acalmia com“Paxi Iami”, “Makamba”, “Narciso”,“Uabite Boba”, “Minga”, “Malalanza” e“Onjala Yeya”, interpretações meritó-rias e que servem de pontos para aavaliação de gosto musical das três úl-

timas décadas. O tema “Zumbi dia Pa-pa”, profundo e desigual, fez calar, sen-tido, todo o Royal Plaza, tendo voltadoao rubro com o tema “Lolito”, que me-receu da parte do trio lírico uma aten-ção especial, refazendo-o numa mis-tura entre a música clássica ocidentale o canto kimbundu de Burity, a fechara variedade de facetas da versatilida-de musical deste artista angolano queagora conta com 45 anos de música,comemorados com este Show do Mês“Carlos Burity 4.5”.

Carlos Burity45 aNOs De MÚsICa

A sessão de lançamento da obra«Angola – O Nascimento de Uma Na-ção (volume III», uma obra única deuma grande importância histórica, de-correu no dia 26 de Abril no CentroCultural Português de Luanda/I. Ca-mões, com apresentação de TeresaMateus, directora do Centro, e do rea-lizador e coordenador Jorge António.O terceiro e último volume da série«Angola – O Nascimento de Uma Nação»chega às livrarias a 11 de Novembro, fe-chando assim a colecção com coordena-ção de Maria do Carmo Piçarra e JorgeAntónio, que teve início em 2013.Depois de «Cinema do Império» e«O Cinema da Libertação», dá-se se-guimento à série com «O Cinema daIndependência», lançando a questão:cinema angolano – um passado com ofuturo sempre adiado? O Volume IIImantém as suas características edito-riais, abordando vários temas e entre-vistando protagonistas da história.Historiadores e investigadores a pen-sarem essas questões: encontramos

neste último volume José MenaAbrantes, RosGray, Tatiana Levin, Ra-quel Sheffer, SarahMaldoror, Jorge An-tónio. No final, a grande novidade, o li-vro encera com 40 cartazes a cores defilmes que fizeram a história desde aindependência até aos dias de hoje. É uma «cinematografia de urgência»,a que fixa o nascimento de Angola. En-quanto núcleos pioneiros dãoforma¬ção em cinema, as principais li-nhas de solidariedade internacional atraduzir¬-se em colaborações cinema-tográficas são as mantidas com Cuba e oPartido Comunista Francês. Ruy Duartecres¬ce, entretanto, como realizadoratravés de um cinema da palavra, bus-cando uma «linha de equilíbrio» entredois dinamismos, o de um tempo mu-muíla num presente angolano. Sucede-se um longo impasse, pro¬vocado pelaguerra e falta de recursos. A revitaliza-ção que se vai vivendo em certos mo-mentos não basta para sus¬tentar opresente desta cinematografia, de cos-tas voltadas para a emergente produ-

ção amadora do «cinema da poei¬ra»que sonha com uma Angollywood. Biografia dos autoresMaria do Carmo Piçarra é jornalista,crítica de cinema e investigadora. Dou-torada em Ciências da Comunicaçãocom uma tese sobre cinema colonial epropaganda, é investigadora do Centrode Investigação de Media e Jornalismo efoi assessora da presidência do Institutode Cinema, Audiovisual e Multimédia.

Jorge António nasceu em Lisboa, a 8de Junho de 1966. Cedo se dedicou aocinema, desenvolvendo uma activida-de cine-clubista e realizando filmesamadores em Super 8. Formado pelaEscola Superior de Teatro e Cinema deLisboa especializou-se na área de Pro-dução (1988). Em Angola é, desde1995, produtor da Companhia de Dan-ça Contemporânea, com espectáculosem inúmeras cidades em países deÁfrica, Ásia, América, Europa.

angola – O Nascimento de Uma Nação (Vol. III)CINeMa De INDePeNDÊNCIa FeCHa a trILOGIa

Jorge António (à direita) à conversa com Eugénia Neto no dia da sessão de venda e autógrafos da obra no Camões

artes | 11Cultura | 9 a 22 de Maio de 2016

BREVE DESCRIÇÃOOs povos do Lubolo e da Kibala, mu-nicípios da província angolana doKwanza-Sul, consideram-se kisoko*por isso mesmo são pacíficos os actosmatrimoniais entre estes dois povosdo grupo ambundu.O acto matrimonial tem início com ogalanteio ou conquista (useka), sendonormalmente o homem quem toma ainiciativa ou os pais deste, podendoainda a família contrária propor omesmo à família do rapaz.Normalmente, é na transição entre aadolescência e juventude que começamos galanteios quando não se tratem deindivíduos já adultos e em segundasnúpcias. A idade biológica é irrelevante,falando mais a robustez física, atenden-do a maturidade precoce ou retardadados indivíduos. O desenvolvimento físi-co na mulher é factor de relevância.Regra geral, quando chega a pu-berdade, as raparigas juntam-se emcasa duma idosa para dormitar, pre-tensiosamente para dela cuidarem eretirarem lições, com realce à vidasexual e conjugal futura. É nesta kan-dumba (caserna) onde os adolescen-tes e jovens do sexo masculino sesentem mais à vontade para o desfi-lar de rosários.Ter um objecto de uso pessoal da jo-vem pretendida, um lenço, um pano,ou uma pulseira é considerado meiocaminho andado para o passo seguin-te. Porém, a sociedade/comunidade,que está sempre atenta, é quem apro-va ou reprova esta relação nascenteem que jogam preponderantementeos activos e passivos entre ambas asfamílias. Se reprovação não houver, opasso seguinte será a oferta à tia ouavó (paterna) da pretendida de umaporção de tabaco, um maço de cigar-ros ou um valor equivalente. A aceitação desta oferta será o selode que nada obsta o namoro entre osjovens, pasando à categoria seguite de“a mwibula” que siginifica estar ocu-pada ou pretendida.

KWIBULA (pretender ou buscar consentimento)O acto tem o significado exacto depretender a rapariga. Perguntar àsfamílias se nada obsta. A aceitação daboquilha de tabaco ou outro produtocorrespondente equivale à aceitaçãodo namoro por parte de quem o rece-be e que deverá comunicar aos paisda jovem. A família da rapariga deve, em se-guida, reunir e analisar os hábitos dorapaz e de sua ascendência, jogandopreponderantemente a amizade ouatritos que haja ou tenha havido entreambas, caso sejam de mesma aldeiaou de aldeias próximas. Ultrapassado favoravelmente estepasso, um emissário é enviado à partedo pretendente, comunicando-lhe aaceitação formal do namoro, passan-do o jovem a frequentar a casa dos so-gros, idem a jovem que se deve prestara alguns serviços domésticos em casada futura sogra. É o ensaio. São esses actos que ajudarão a de-

terminar se a futura nora é ou não ho-nesta e trabalhadora. Chegados a estepatamar a sociedade jamais permitirárelacionamentos paralelos, sobretudose praticados pala nubente, sendoqualquer acção desrespeitosa paracom ela passivel de uma multa pecu-niária e, às vezes, castigos físicos, dita-dos pelo soba da comunidade. Aqui, atraição feminina é considerada e puni-da mesmo na sua forma intencional.Sendo porém ao intruso, aquele quecobiçou a mulher/noiva alheia, aquem se imputa parte considerável daculpa. Ao lesado é dada a oportunida-de de contimuar ou abortar a relação,depois de recebida a multa.ULEMBA (alembamento)É o acto pelo qual a família do jo-vem formaliza o noivado através daentrega de bens à família da jovem.Não se trata de compra, como algunspodem pensar. É apenas um acto que valoriza anoiva e que sub entende o costume

e o respeito pelas tradições secula-res. Imitir-se de realizar o alemba-mento é o que se considera anoma-lia e nunca o contrário.Nas comunidades rurais mais re-cônditas a bebida mais usada é o ka-porroto ( bebida destilada). O noivo,ajudado pela família, deve juntar gar-rafões de kaporroto em número variá-vel, panos para a sogra, cobertor paraa avós, o dinheiro do alembamentoque acompanha a carta de pedido de-vidamente forrada em lenço branco efechada com alfinetes dourados. Nas comunidades mais ilumina-das o Kaporroto é substituido porgarrafões de vinho, wisky, caixas derefrigerantes e cerveja, cigarros, pe-ças de panos para a sogra, fato para osogro e outros bens. Há famílas queenviam uma lista de bens e outrasque são liberais. Geralmente a família do noivo é re-cebida em festa, abatendo-se um ani-mal quadrúpede doméstico e outroque é oferecido vivo à família da noivaem forma de dote.UWANA (a busca ouo casamento própriamente dito)A saída da mulher da casa de seuspais é o acto consumatório da uniãomatrimonial entre os nubentes. Pre-parada a casa em que viverá o novo ca-sal, a família do noivo envia um emis-sário à casa da família da noiva com amissão de a ir buscar. O emissário, um tio, uma tia, um ki-soko ou outro individuo de confiançaou amigo comum dos nubentes levaum garrafão de kaporroto, ou algumascaixas de cerveja e refrigerantes, de-pendendo do lugar e das posses. Deve munir-se de alguma pecúniade reserva para em caso de multasdevidas a atrasos na chagada ou gra-videz em casa dos pais. Recebido emfesta, apresenta o mahezo (conta omotivo da visita) e é acompanhadocom o bater de palmas à medida quediscorre o discurso. Uma tia, amiga ou sua representan-te acompanha a noiva ao seu novo lar.Esta vai normalmente de rosto enco-berto destapando o "véu" somente de-pois de apresentada pela acompa-nhante à sua nova família, os sogros. Manda a tradição que na primeiranoite ambas tias da noiva e do noivodevem confirmar a virgindade da ra-pariga através de lençóis novos ebrancos que ao raiar do sol são porelas recolhios devendo estar ensan-guentados, sinónimo de que houve de-floramento naquela noite nupcial.

USOÑONAACTO MATRIMONIAL ENTRE OS LUBOLU, KIBALA E OUTROS AMBUNDU DO K. SUL

LUCIANO CANHANGA

ILUSTRAÇÕES DE VAN

12| HISTÓRIA 9 a 22 de Maio de 2016 | Cultura

ATRIBULAÇÕES DO ENSINO SUPERIOR EM ANGOLA

DA ESCOLA DE MEDICINA EM LUANDA AOS ESTUDOS GERAIS UNIVERSITÁRIOSJANUÁRIO MARIMBALAO Ensino Superior nasceu em An-gola no ano de 1963, com a criaçãodos Estudos Gerais Universitários, nomeio de grande polémica que opôs oentão ministro do Ultramar, AdrianoMoreira, ao governador-geral, gene-ral Venâncio Deslandes.Silva Teles, no Congresso Colonialde 1924, propôs, sem êxito, a instau-ração do ensino superior nas coló-nias, integrado na Universidade Por-tuguesa. O bispo da Beira, D. Sebastiãode Resende, propôs a criação de estu-dos superiores em Moçambique. Nãofoi ouvido. Figuras como Norton deMatos e Vicente Ferreira empenha-ram-se na sua criação em Angola. Nãoconseguiram. Em Fevereiro de 1958, oProfessor Orlando Ribeiro propôs aoSenado da Universidade de Lisboa aextensão do ensino superior ao ultra-mar. Mais um falhanço.Em 4 de Fevereiro de 1961, explo-diu em Luanda a luta armada de liber-tação nacional. Em 15 de Março ocor-reu a grande insurreição em todo oNorte de Angola. O general VenâncioDeslandes foi nomeado governador-geral. Salazar incumbiu-o de enfren-tar os revoltosos. Quando conseguiutravar a revolta, propôs a Lisboa nego-ciações políticas com base na criaçãode governos em Angola e Moçambi-que exactamente com os mesmos po-deres do governo de Lisboa.

Ao mesmo tempo, Deslandes publi-cou no Boletim Oficial o Diploma Legis-lativo número 3.235, de 21 de Abril de1962, que criava Centros de EstudosUniversitários em Luanda, Huambo,Benguela e Lubango. Adriano Moreira,ministro do Ultramar, reagiu mal e pe-diu um parecer à Junta Nacional de Edu-cação, que considerou inconstitucionalo diploma de Venâncio Deslandes. O go-vernador foi demitido por Salazar.Poucos dias depois da demissão dogovernador, Adriano Moreira assinouo Decreto-Lei número 44.530 de 21de Agosto de 1962, que criou o ensinosuperior em Angola, instaurando osEstudos Gerais Universitários, inte-

grados na Universidade Portuguesa.O Decreto-Lei foi publicado no Diáriodo Governo número 191, Primeira Sé-rie, de 21 de Agosto de 1962 e estabele-ce que o ensino superior em Angola criaos seguintes cursos: Ciências Pedagógi-cas, curso Médico-Cirúrgico, Engenha-ria Civil, de Minas, Mecânica, Electrotéc-nica e Químico-Industrial. No Huambo(Nova Lisboa) abriram os cursos deAgronomia, Silvicultura e Veterinária. Outros decretos tratam de porme-nores como o regime da nomeação dopessoal docente. Hoje ainda estão noactivo os primeiros médicos, enge-nheiros e professores formados nosEstudos Gerais Universitários. No ano

lectivo de 1963 começaram as aulas.Adriano Moreira foi um ministrodo Ultramar controverso. Criou o En-sino Superior e aboliu o Estatuto doIndigenato, que suportava um autên-tico regime de apartheid. A quase to-talidade das populações das colóniasnão tinha direito a Bilhete de Identi-dade e por isso milhões de angolanosnão podiam frequentar o ensino ofi-cial. Mas ao mesmo tempo assinou aPortaria 18.539, de 17 de Junho de1961, que reabriu o campo de concen-tração do Tarrafal, destinado aos pre-sos dos movimentos de libertação dascolónias. Salazar demitiu-o em 1963,por ser demasiado reformista.

Se se confirmar o defloramento,ambas tias ou suas representantesrejubilam-se, sendo motivo de orgu-lho das famílias por se ter cumpridoa norma tradicional da conservaçãoda virgindade até ao casamento. Hávezes, porém, em que tal acto nãopassa de uma simples "montagem"com a conivência de ambas tias. Pe-gam em uma galinha e escondem-nano quarto dos nubentes. À noite, sa-crificam-na e o sangue é usado parasujar os lençóis.A festa de despedida entre a famíliae as acompanhantes da noiva é rega-da de muito kaporroto, vinho e/ououtras bebidas, dependente dos hábi-tos de consumo, do local e das posses.Há famílias que fazem acompanhar asua filha de um dote (em retribuiçãoao recebido). Normalmente uma vacaou outro animal de médio porte, cujareprodução deverá ser seguida namesma bitola pelo novo casal. Estedote tem, porém, outros significadosimportantes a reter: 1- O apreço queos pais da noiva nutrem pelo genro; 2-Que não maltratem sua filha, poistambém têm posses, etc.

UKITA (a procriação)É o passo seguinte. Ambas famíliaspermanecem atentas à primeira gravi-dez da jovem, sendo motivo de preocu-pação se tal não acontecer nos primei-ros seis meses de casamento. São maisa vez as tias e avós que questionam pe-lo neto ao mesmo tempo que indagam"quem tem diferença" que deve ser ra-pidamente resolvida por via da medi-cina convencional e ou alternativa.Há familias que permitem o casa-mento entre primos até ao segundograu, porém, o requerente tem de in-terpor com um cabrito ou vaca, sen-do hábito as famílias discorrerem so-bre as respectivas árvores genealógi-cas até enésima geração para encon-trarem possíveis cruzamentos outronco comum.* Kisokoé termo em kimbundu quesignifica pessoa ou povos que man-têm um pacto secular de amizade,amor, fraternidade, relações igualitá-ria, privilegiadas ou íntimas. Entredois kisoko até a asneira passa des-percebida ou sem agravo.

Escola de regentes agrícolas do Tchivinguiro

HISTÓRIA | 13Cultura | 9 a 22 de Maio de 2016

14| história 9 a 22 de Maio de 2016 | Cultura

Escola de MedicinaA primeira escola de ensino supe-rior em Angola abriu em 11 de Setem-bro de 1791, na cidade de Luanda, poriniciativa da rainha D. Maria I, que umano antes nomeou físico-mor José Pin-to de Azeredo, com a obrigação de “cu-rar além do corpo militar daquele rei-no, os doentes do hospital da dita cida-de; e igualmente abrir escola de medi-cina para os que se queiram dedicar aoexercício e prática dela”.O documento régio refere que a Es-cola de Medicina deve funcionar noHospital Real (Misericórdia). Os alu-nos aprendiam Anatomia (cútis, mem-brana adiposa, músculos, ossos, arté-rias, veias, vasos linfáticos e sistemanervoso) e Fisiologia (nutrição rela-cionada com a digestão, circulação,respiração e excreção).Em 1794, foi aprovado o primeiromédico: João Manoel d’Abreu, queprestou provas de Anatomia, Fisio-logia, Química, Matéria Médica ePrática da Arte. O curso teve a dura-ção de três anos. José Pinto de Azeredo foi um cien-tista notável. Recomendamos viva-mente a leitura da sua obra “EnsaiosSobre Algumas Enfermidades de An-gola”, de 1799. E manuscritos muitoimportantes. O número 8486, que po-de ser consultado na Biblioteca Na-cional de Portugal (Lisboa), tem o tí-tulo “Matérias Variadas de Anato-mia”. Contém igualmente a Oração deSapiência que ele proferiu na abertu-ra da Escola de Medicina de Luanda.Existe nesta biblioteca também o ma-nuscrito 8484, que trata de plantas eremédios vegetais, química e medica-mentos de origem vegetal, animal,mineral e suas doses.O manuscrito 1126 de Azeredo estána Biblioteca Pública Municipal (Por-to). Tem o título “Tractado Anatómicodos Ossos, Vasos Lymphaticos e Glan-dulas”. O texto inclui uma exortaçãoaos estudantes de medicina.Primeiros serviços médicosA assistência médica era funda-mental na fase da ocupação militarportuguesa, que começou imediata-mente após a fundação de Luandapelo capitão-general Paulo Dias deNovais. As incursões armadas atra-vés do rio Cuanza, iniciadas em1580, justificaram o nascimento doprimeiro hospital. O padre BaltazarAfonso, em carta datada de 4 de Ju-lho de 1581, escreve que “no porto

de Cambambe estivemos oito meses,onde houve muitos doentes e mor-tos. Os portugueses mortos eram aoscentos, pretos, alguns 40. Ordeneique se fizesse um hospital neste ar-raial para os doentes no qual haviacontinuamente dez, doze interna-dos, e foi esta uma obra que até a es-tes gentios pareceu bem”O primeiro hospital em Angolanasceu na vila de Cambambe, desti-no permanente de civis e militaresportugueses, que procuravam asminas de prata. Só em 1594 chegoua Luanda o primeiro médico, Aleixod’Abreu, integrado na comitiva dogovernador João Furtado de Men-donça. Foi ele que encontrou remé-dio para o “Mal de Loanda” (escor-buto) que no século XVI dizimava apopulação da cidade. E escreveu umlivro sobre a matéria, mas em latim.Apesar da sua importância históri-ca e científica, nunca foi traduzidopara português.Só em 1621 Luanda voltou a terdireito a cuidados de saúde médicos.Até então imperavam os curandei-ros. Nesse ano chegam a Luanda o ci-rurgião João Correia de Sousa e o bo-ticário Manoel do Quintal. Esta pe-núria acabou com a construção doHospital da Misericórdia de Luanda(Hospital Real) em 1628. Em 1648,Salvador Correia de Sá e Benevidesnomeou João Pinto de Barros cirur-gião-mor da sua armada e do Reinode Angola. Em Dezembro de 1649Bernardo Pinto foi nomeado cirur-gião-mor de Benguela. Mas o primei-ro hospital na cidade de São Filipe,só abriu em 1674. Diagnósticos e terapêuticasO ano de 1670 foi muito importanteporque marcou a publicação do “Tra-tado das Queixas Endémicas e MaisFatais Nesta Conquista”, sem autor co-nhecido. Em 1675 nasceu o Hospitalda Misericórdia em Massangano.No ano de 1715 a situação era dra-mática. Só existia em Luanda um mé-dico: Manuel de Andrade Goes. Em1727, documentos consultados reve-lam que Luanda está sem médico por-que o Tribunal do Santo Ofício (Inqui-sição) perseguiu o físico Tomé Guer-reiro Camacho. Não há notícia da na-tureza do crime nem da sentença. Em 1765, o governador de Bengue-la, Sousa Coutinho, mandou construirum hospital, cuja administração foientregue à Irmandade de Nossa Se-nhora do Pópulo (Misericórdia). Es-ta unidade foi dotada com um cirur-gião, um boticário, um barbeiro e osenfermeiros necessários. Em Luan-da, nesta época, existiam dois médi-cos. Benguela vivia na mesma penú-ria. O resto de Angola era poucomais que paisagem.Prevenção das doençasO médico Francisco Damião Cosmepublicou, em 1766, uma obra comprescrições de higiene, sobretudo cui-dados com a alimentação, vestuário e

habitação. Um “tratado” de prevençãode doenças através de informação pa-ra a saúde. O texto ensina a evitar e tra-tar as doenças mais comuns na época.Receita o consumo abundante de ver-duras, cebola, alho, tomate e jindungo.Além da ingestão quotidiana de su-mos de laranja e limão.O manuscrito de 1770, do médicoPedro Augusto Ferreira, ensina os quese “internam pelos sertões” a cuida-rem da saúde. É um verdadeiro ma-nual de sobrevivência “no mato”. Eaconselha ao exercício físico quotidia-no, cuidados de higiene e “ivitar asgrandes paixoens da Alma”.Pedro Augusto Ferreira exige alimpeza das ruas e a inspecção dosaçougues (talhos) e das quitandas. Eafirma: “as ágoas para se apurarem,devem ferver”.Medicamentos sem eficáciaO governador D. Miguel António deMelo, em 1798, informou Lisboa queos medicamentos enviados para asboticas de Angola são “incapazes, ou-tros supérfluos, e outros tão mal pre-parados que chegam a Luanda semvirtude séria”.Em 1800, o governador mandou“desanexar” o Hospital Militar do Hos-pital Real (Misericórdia). Em 1805, Lis-boa ordenou que de Salvador da Baíafossem enviadas para Angola vacinascontra a varíola. Chegavam ao destino,deterioradas. Em 1883 foi inauguradoo Hospital Maria e esta unidade mar-cou o início em Luanda de um serviçode saúde geral e organizado.Os serviços de saúde eram tão pre-cários que em 1820, o governador da

Capitania de Benguela informou quemorreu o cirurgião-mor José JoaquimFerreira e “os habitantes da cidade fi-caram sem assistência médica”.Os serviços médicos em Angola nas-ceram oficialmente com o Decreto de 14de Setembro de 1844. No ano seguintefoi aprovado o Plano de Organização eRegulamento do Ensino Médico nasProvíncias Portuguesas d’África”. Só em1963 este decreto saiu da gaveta.O quadro do pessoal dos serviços desaúde em Angola, no último quartel doséculo XIX era o seguinte: um físico-mor, um cirurgião-mor, um cirurgiãode primeira classe, outro de segundaclasse e um farmacêutico. O quadroera reforçado com os cirurgiões mili-tares em comissão de serviço. Até 4 deFevereiro de 1961, o quadro não eramuito diferente, ainda que Angola ti-vesse crescido com as províncias doLeste, Centro e Sul, no início do séculoXX. Apenas em 1927 o actual mapa deAngola ficou definido. Em 1940, existiam os Círculos Sani-tários do Congo, Malanje, Bié, Bengue-la e Huíla, mais o Círculo Autónomo deLuanda. Em toda a colónia existiam 85delegados de Saúde. No Congo Português (hoje provín-cia do Uíje, Zaire e Cabinda) o quadroera o seguinte: Chefe dos Serviços Sa-nitários, médico Jacinto Vasconcelos,residente na vila do Uíje. Enfermei-ros estavam assim distribuídos: NaVila do Uíje, Alberto Domingos Nu-nes mais três auxiliares. Na Vila doSongo, Paulo Bunga e três auxiliares.Na Vila do Bembe, António Pereira daSilva mais três auxiliares. Na Vila doLucunga (incluía o Negage) Domin-gos Santos e um auxiliar.

Pintura de Neves e Sousa

BARRA DO KWANZA | 15Cultura | 9 a 22 de Maio de 2016O MUNDO CRIADO POR FETI E A SEREIA CHOYA

Feti foi o primeiro Homem do Universo. Num dia de tempestade, os céusda Babaeraforam rasgados por relâmpagos e tremendos trovões assustavamplantas, pedras e animais. Um relâmpago intenso caiu sobre um rochedo,que se fendeu. De repente o céu ficou limpo e junto ao pedregulho poisousuavemente o Homem.Na nascente do Cunene os animais pastavam placidamente e as águas cor-riam tranquilas. Feti tinha tudo o que desejava. Nada lhe faltava. Mas sentia-semuito só. Não se revia em ninguém, nenhum ser vivo ou inerte percebia a sualíngua. Estava só entre vidas que fervilhavam, dias azuis, noites brandas, sonsque mãos invisíveis faziam sair de instrumentos celestiais.Um dia, Feti resolveu ir caçar um hipopótamo para se abastecer de carne egordura. Foi descendo pela margem do rio Cunene sem nada encontrar. Esta-va à procura da presa quando decidiu banhar-se nas águas tranquilas. De re-pente, mesmo a seu lado, apareceu uma sereia. As gotas de água na sua pelenegra brilhavam como diamantes. Os seus olhos eram doces. Com uma vozmaviosa, saudou-o:- Feti, o que fazes no palácio do Rei das Águas?Feti ficou deslumbrado com o corpo, a voz, os doces olhos da sereia:- Como te chamas, filha do Rei das Águas?- Eu sou Choya e meu divino Pai deu-me permissão para falar contigo.Feti, com o corpo acariciado pela frescura da água do Cunene, inebriado pe-lo perfume da sereia, sentiu uma paixão ardente por aquela preciosidade deperfeição. LevouChoya para sua casa, no rochedo fendido pela tempestade. Foio primeiro casal da Humanidade. Alguns dias depois nasceu o filho, Galenge. Elogo a seguir, a filha, Bié, tão bela como a mãe. Nas margens do Cunene, Feti e Choya tiveram mil filhos e estes reproduzi-ram-se em milhões, que percorreram todos os caminhos do mundo desde amãe do rio Cunene até aos desertos de gelo. A versão de CaluqembeOutro mito sobre a Criação do Homem foi recolhido pelo investigador Al-fredHauenstein, na região de Caluquembe. Um dia Suku decidiu dar ao Universo um Mundo de pessoas. Foi ao rio Cune-ne e no rochedo que marcava o cume de uma colina verde, resolveu fazer a suacriação.Suku amoleceu o rochedo e depois tirou das suas entranhas quatro homens.Para povoarem a Terra decidiu dar-lhes poderes especiais. Ao primeiro deu opoder de lançar sobre a Humanidade o feitiço da má sorte.Uma vez senhor do seu poder, o feiticeiro partiu até aos confins da foz doCunene. Ao segundo homem, Suku deu o poder de adivinhador. Quando se sentiu tãopoderoso, ele percorreu todos os caminhos, adivinhando graças e desgraças. Suku deu ao terceiro homem o poder de curandeiro. E mal sentiu esse poder, an-dou por montanhas e chanas, enfrentando a morte e a doença das plantas, pedrasou bichos. Que pessoas ainda não existiam!Mas estavam mesmo quase a chegar.Ao quarto filho, Suku deu a arte de caçador. Mal sentiu o ímpeto de caçar,partiu para o mundo à procura de carne para alimentar todos os filhos daHumanidade que em breve nasceriam nas margens do Cunene e depois emtoda a Terra.Um dia, o caçador estava junto à margem do Cunene quando viu um corpoestranho levantar-se da água. Como não sabia o que era, atirou-se ao rio e coma habilidade de caçador amarrou aquele ser. Era uma bela sereia e foi a primei-ra mulher da Humanidade. O caçador levou-a para casa e fez dela sua compa-nheira. No dia seguinte nasceram três belas meninas.Uma menina casou com o feiticeiro do mal, outra com o adivinhador e a ou-tra com o curandeiro. Alguns dias depois o mundo estava repleto de seres hu-manos que se propagaram intensamente desde as margens do Cunene. O texto em umbundoAlfredHauenstein publicou este texto em umbundu (com a gramática usadana tradução da Bíblia) e que revela a tradição oral dos vimbundos de Calu-quembe, sobre a Criação do Homem. A peça tem um valor extraordinário e foipublicada no Boletim do Instituto de Angola, números 21/23, de 1965. Monsenhor Luís Keiling, que escreveu as suas memórias de 40 anos de vidamissionária em Angola, foi o primeiro a publicar a lenda de Feti e Choya. Assim nasceram os seres humanos:Sukuwalulikaomanuvatete. Alume vakuãlãvatundavesenje. Vasangaovom-bandaakuãlã. Watetewatambulaumbandawokuloa. Wavaliwowuwokutãhã.WatatuwatambulaununeWokusakulawakuãlãwa lingaukongo. Etekelimueu-kongowaendaokuyevakoneleyolui, yuwa linga ukongo.Etekelimueukongowaendaokuyevakoneleyolui, yuwamõlãcimuecilisenga-

vovava, wacikuata, wacikutalolondovikuendawacilimgisaupikawaye.Oco ukaiwatete. Eciukongowatiukakocilombocayewokuelayuwa linga ukai-waye. Kovasoyolonekewe mina yuwa cita. Omalavayeakaivatatuva linga akai-valumevatatuvakuavo.Muthu MuthanguZambi um dia decidiu criar o Mundo. Já tinha tudo planeado quando desco-briu que para a sua criação ser perfeita, tinha que colocar na Terra um ser quese distinguisse das pedras, plantas e dos bichos. Depois de muitos estudos en-controu a solução: era o Homem. Primeiro criou uma pedra mole e depois tirou lá de dentro Muthu Muthan-gu, o primeiro de todos os homens. Fascinado com a sua criação, resolveu levá-lo para a margem do Cassai, ogrande rio da vida criada, por criar, existente ou por existir.A pedra que gerou Muthu Muthangu ainda hoje está resguardada pela natu-reza, na margem do Cassai, perto do Alto Chicapa. Além do primeiro Homem, apedra do Cassai também gerou o império do MwataIânvua.A pedra tem duas faces: numa está gravado o pé descalço de um negro. Naoutra, o pé descalço de um branco, ambos filhos de Muthu Muthangu. Os dois homens um dia resolveram partir para norte e chegaram ao fim deÁfrica. Quando se fizeram ao mar, o homem negro sentiu muito frio e regres-sou ao Cassai. O homem branco atravessou o mar e chegou à Europa. O frio e asolidão amarguravam a sua vida. Tudo à sua volta era tristeza.Um dia o solitário filho de Muthu Muthangu encontrou uma mulher: Eva.Mas ela era pecadora, por isso teve que escondê-la. Os filhos do casal eram pe-cadores. Alguns tornaram-se ladrões e assassinos. As meninas nasciam mar-cadas pelo pecado da mãe. Então os homens resolveram que as mulheres ti-nham que ser afastadas da vida social e escondidas, o mais possível.E assim se fez. Mas aquele mundo estava cada vez mais pobre, tristíssimo esem sol. O filho de Muthu Muthangu resolveu regressar ao Cassai e pediu apoioao irmão. Ele respondeu:- Traz para cá toda a tua prole. Aqui tens água, frutos, Sol, Lua e estrelas. Te-mos a música dos tambores, as melodias do Txissanji. Há comida nas lavras.Desde que haja braços, há terra.O filho de Muthu Muthangu regressou à Europa e lá juntou todos os seusdescendentes que enveredaram pelo crime. Tinha um plano: conquistar o pa-raíso do Cassai e todos os outros paraísos africanos.Um dia, os seus descendentes ladrões e assassinos embarcaram para Áfri-ca e fizeram guerras mortíferas nos paraísos africanos. Escravizaram os ir-mãos. Alguns chegaram ao Cassai, mas nunca foram aceites como membrosda família, porque não sabiam quem era a mãe. E só os feiticeiros não respei-tam as mamãs.Esta lenda Tchokwe é citada por vários investigadores do império do Mwa-taIânvua e do Império Lunda-Tchokwe. A versão apresentada é livre.A criação de CongoUm dia Zambi decidiu melhorar a vida na Terra e enviou o seu filho Congopara criar o paraíso. Como não queria levantar suspeitas aos demónios, trans-formou-o em ombambi, uma alegre cabra do mato.Congo saiu do império celestial e visitou o Sol. Foi muito bem recebido e orei dos astros prometeu criar na Terra um clima ameno, sem muito calor nemfrio. O filho de Zambi ficou satisfeito com a visita e partiu para casa da Lua. Oencontro foi muito agradável e a rainha da noite prometeu fornecer luar à Ter-ra, para todo o sempre.Congo apreciou muito esta visita e foi às estrelas, que o cobriram de ouro eprata. Todas prometeram que dariam eternamente à Terra, a sua luz brilhante.Feliz com esta visita, partiu para a Terra e poisou suavemente numa lavra pertodo rio Lóvua. No terreiro da casa, uma mulher fazia no pilão farinha de milho.Quando ela viu ombambi ficou assustada e deu-lhe uma paulada na cabeça, par-tindo-lhe os chifres. O filho de Deus caiu fulminado. Congo estava morto. A mulher,com medo das consequências, fugiu para o rio, fingindo que tinha ido à água.Zambi nunca mais teve notícias de Congo e decidiu ir saber dele. O Sol disse-lhe que o tinha recebido bem. A Lua declarou-se enamorada de Congo e do seudisfarce de ombambi. As estrelas contaram como lhe teceram um manto de luze ouro. Deus então perguntou à Terra:- O que aconteceu ao meu filho Congo? A Terra disse que nada sabia.Zambi ficou irado e condenou a Terra à morte:- Que morram todos como Congo!Ainda hoje as comunidades do Cassai, quando oram, dizem: “Morremos co-mo Congo porque os chifres foram partidos”.

CONTO DE SEKE IA BINDO

16| BANDA DESENHADA 9 a 22 de Maio de 2016 | Cultura