Letramento Racial

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[Relacionar ao fato de AC ser um filme sobre o beneficiário do patriarcalismo, não sobre uma mulher – tema usual de obras feministas/ de uma pesquisa/ objeto e não sujeiti/ o “outro” – aqui há o esforço de colocar o homem em questão – o olhar produz o outro/ necessidade de um letramento sexual/genérico” 'Quase toda pessoa branca é racista, mesmo que não queira', diz psicóloga com tese sobre branquitude José Tadeu Arantes | Agência FAPESP | São Paulo - 04/03/2015 - 06h00 Para Lia Vainer Schucman, doutora em Psicologia pela USP, 'ser racista é um aprendizado' que pode ser 'desaprendido' com o reconhecimento dos privilégios de ser branco e com vigilância para evitar legitimação e reprodução do racismo Mídia Ninja Manifestante em ato "Somos todas Cláudia", em março de 2014 em Brasília, em protesto contra a morte de Cláudia da Silva Ferreira no RJ O racismo é crime no Brasil, previsto pela Constituição Federal, nos termos do Artigo 5º, Inciso XLII. “A prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”, diz o texto. No entanto, ao longo do ano passado, manifestações abertas de racismo multiplicaram- se nas redes sociais e nos espaços públicos, pondo em xeque a cômoda ideia da “democracia racial” brasileira. Esse racismo estava encoberto e veio à superfície? Ou foi acirrado recentemente?

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[Relacionar ao fato de AC ser um filme sobre o beneficirio do patriarcalismo, no sobre uma mulher tema usual de obras feministas/ de uma pesquisa/ objeto e no sujeiti/ o outro aqui h o esforo de colocar o homem em questo o olhar produz o outro/ necessidade de um letramento sexual/genrico

'Quase toda pessoa branca racista, mesmo que no queira', diz psicloga com tese sobre branquitude

Jos Tadeu Arantes | Agncia FAPESP | So Paulo - 04/03/2015 - 06h00

Para Lia Vainer Schucman, doutora em Psicologia pela USP, 'ser racista um aprendizado' que pode ser 'desaprendido' com o reconhecimento dos privilgios de ser branco e com vigilncia para evitar legitimao e reproduo do racismo

Mdia Ninja

Manifestante em ato "Somos todas Cludia", em maro de 2014 em Braslia, em protesto contra a morte de Cludia da Silva Ferreira no RJ

O racismo crime no Brasil, previsto pela Constituio Federal, nos termos do Artigo 5, Inciso XLII. A prtica do racismo constitui crime inafianvel e imprescritvel, sujeito pena de recluso, nos termos da lei, diz o texto. No entanto, ao longo do ano passado, manifestaes abertas de racismo multiplicaram-se nas redes sociais e nos espaos pblicos, pondo em xeque a cmoda ideia da democracia racial brasileira. Esse racismo estava encoberto e veio superfcie? Ou foi acirrado recentemente?

Perguntas como essas preenchem o dia a dia de Lia Vainer Schucman, doutora em Psicologia Social pela Universidade de So Paulo (USP) que atualmente conclui um ps-doutorado com a pesquisa Famlias inter-raciais: estudo psicossocial das hierarquias raciais em dinmicas familiares, apoiada pela FAPESP.

Tambm com o suporte financeiro da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo, sua tese de doutorado foi recentemente publicada em livro, com o ttulo "Entre o encardido, o branco e o branqussimo: branquitude, hierarquia e poder na cidade de So Paulo", pela editora Annablume.

Descendente de famlia judaica, Schucman ouviu muitos relatos de perseguies movidas pelo racismo. Fui socializada em um lar em que qualquer forma de preconceito e discriminao era totalmente intolervel e automaticamente associada aos horrores passados pela minha famlia na Segunda Guerra Mundial, escreveu.

Algumas linhas adiante, porm, reconheceu que essa formao no a eximiu de um racismo mais sutil, que, de seu ponto de vista, perpassa a sociedade inteira: Nosso racismo nunca impediu que convivssemos com negros ou que tivssemos relaes de amizade e/ou amorosas com eles. No entanto, muitas vezes essas eram relaes em que os brancos se sentiam quase como fazendo caridade ou favor de se relacionarem com os negros.

Parece haver atualmente um recrudescimento de expresses do racismo. Esse racismo estava reprimido ou est sendo acirrado?

Lia Vainer Schucman o chamado medo branco. Falo disso em um captulo do livro. Enquanto os negros se encontravam em uma posio subalterna, o racismo existia, mas no assumia formas to ostensivas, porque os negros no disputavam com os brancos o acesso aos bens pblicos e a outras posies na sociedade coisas que os brancos consideravam suas por merecimento. Porm, quando as lutas dos movimentos sociais negros produziram certas conquistas, alguns brancos passaram a se sentir ameaados. Isso foi claramente perceptvel nas entrevistas que fiz. Era comum, por exemplo, os entrevistados brancos considerarem as cotas para negros nas universidades como privilgios. Mas no lhes ocorria pensar que o lugar que antes ocupavam com exclusividade fosse um privilgio. Havia uma ideia embutida de merecimento. No meu livro, h a foto de uma escola do bairro do Limo, em So Paulo, com a pichao Vamos cuidar de nossas crianas brancas em um muro. Isso foi motivado pelo fato de a escola ter decidido fazer, naquele ano, uma festa junina com motivos negros, motivos de origem africana. E alguns pais se revoltaram com isso, sem levar em conta que o currculo oficial, adotado como se fosse um currculo genericamente humano, , na verdade, pautado pela histria e por valores europeus, valores que expressam a supremacia branca. Essa pichao, que expressa um ponto de vista racista, foi uma reao conquista dos negros, no sentido de terem sua histria e suas realizaes reconhecidas.

A mudana de mentalidade um processo muito mais longo e difcil do que a conquista de direitos e a adoo de polticas pblicas afirmativas?

Sim. Parte do meu doutoramento foi feita nos Estados Unidos, na Universidade da Califrnia. L, recebi a orientao da afro-americana France Winddance Twine, que fez uma pesquisa com brancos que interagiam com negros no dia a dia, procurando entender como esses brancos se relacionavam com sua branquitude. Ela formulou o conceito de racial literacy, que eu traduzi, em meu livro, por letramento racial. O letramento racial uma forma de responder individualmente s tenses raciais. Ao lado de respostas coletivas, na forma de cotas e polticas pblicas, ele busca reeducar o indivduo em uma perspectiva antirracista. A ideia subjacente a de que quase todo branco racista, mesmo que no queira, porque o racismo um dado estrutural de nossa formao social. Por exemplo, um jovem estuda arquitetura em uma das melhores universidades brasileiras e, depois de formado, projeta um banheiro de empregada com o chuveiro em cima do vaso sanitrio. Ele no gostaria de usar um banheiro desses. Mas projeta esse banheiro para a empregada como se isso fosse a coisa mais natural do mundo. Veja, ele no est aderindo ideologia escravista ao fazer isso. Ele est simplesmente reproduzindo um racismo de fundo que perpassa todo o nosso sistema educacional e toda a nossa cultura. Ento, se ser racista um aprendizado, se ns aprendemos desde cedo a ser racistas em nossa sociedade, o letramento racial a proposta de um desaprendizado.

E como o letramento racial funciona?

um conjunto de prticas, baseado em cinco fundamentos. O primeiro o reconhecimento da branquitude. Ou seja, o indivduo reconhece que a condio de branco lhe confere privilgios. O segundo o entendimento de que o racismo um problema atual e no apenas um legado histrico. Esse legado histrico se legitima e se reproduz todos os dias e, se o indivduo no for vigilante, ele acabar contribuindo para essa legitimao e reproduo. o mesmo que acontece em relao ao machismo. Seja homem ou mulher, se a pessoa no for vigilante, ela acabar contribuindo para a legitimao e reproduo do machismo. O terceiro o entendimento de que as identidades raciais so aprendidas. Elas so o resultado de prticas sociais. O quarto tomar posse de uma gramtica e de um vocabulrio racial. No Brasil, evitamos chamar o negro de negro. Como se isso fosse um xingamento e como se evitar essa palavra pudesse esconder o racismo. Para combat-lo, temos de ser capazes de falar de raa abertamente, sem subterfgios. O quinto a capacidade de interpretar os cdigos e prticas racializadas. Isso significa perceber quando algo uma expresso de racismo e no tentar camuflar, dizendo que foi um mal-entendido. o caso daquele casal branco do Rio de Janeiro que foi comprar um carro levando junto o filho negro adotado. E o vendedor enxotou a criana, que considerou um menino de rua. Depois, o vendedor ou algum da loja tentou se desculpar, dizendo que havia sido um mal-entendido. No, no foi um mal-entendido. Foi uma expresso pura e simples de racismo.

Esses cinco fundamentos permitiriam construir uma individualidade antirracista?

Sim. semelhante a uma alfabetizao. Da a palavra letramento. Foi essa perspectiva de uma alfabetizao antirracista que me fez eleger, como tema do ps-doutoramento, as famlias inter-raciais. Porque o racismo da sociedade se reproduz de vrias maneiras dentro das famlias, inclusive das famlias inter-raciais.

D um exemplo.

Em uma famlia inter-racial, comum que o filho de pele mais clara seja beneficiado com a possibilidade de estudar, enquanto seus irmos de pele mais escura apenas trabalham. Os pais acham que o mais claro ter melhores oportunidades, ento investem em sua educao, mesmo que no possam dar a mesma condio para os outros filhos. H toda uma hierarquia na sociedade que se reproduz no interior das famlias, em brancos e negros. A sociedade constri significados sobre as coisas, e as pessoas, de uma maneira ou de outra, introjetam esses significados.

No seu livro, voc se coloca dentro da pesquisa, no vendo o tema de fora, com uma pretensa objetividade, mas questionando o seu prprio ponto de vista. Como escolheu e desenvolveu o tema?

Quando iniciei meu doutoramento, em 2008, a ideia era pesquisar o racismo. Eu queria entender, do ponto de vista psicolgico, como o negro introjetava o racismo. Mas, ao cursar disciplinas da ps-graduao na USP, alguns colegas, militantes dos movimentos negros, me disseram que estava na hora de olhar outras coisas. O que eles estavam afirmando era que o negro constitua sempre o tema do pesquisador branco, como se o negro fosse objeto e no sujeito, e como se o negro fosse sempre o outro. Eles me fizeram perceber que, ao estudar o negro, ao estudar o indgena, o que o pesquisador branco faz , mais uma vez, produzir o outro. Decidi, ento, colocar o branco em questo.

De que maneira sua pesquisa evoluiu a partir da?

Comecei com um estudo mais terico dos conceitos de raa, construdos no sculo XIX. Um desses conceitos trazia a ideia de que o fentipo determinava todo um modo de ser: moral, intelectual, esttico, civilizatrio. Ento, peguei essas quatro variveis moral, intelectual, esttica e civilizatria e busquei perceber como elas apareciam na fala das pessoas brancas. Ou seja, como essa ideia de raa, construda no sculo XIX, continuava operando na construo das identidades. E constatei que elas apareciam na fala dos sujeitos o tempo todo. Por exemplo, entrevistei um vigilante noturno branco e perguntei a ele: O que ser branco, para voc? E ele respondeu: Para mim, isso tem a ver com atitude. Eu sou trabalhador, eu vivo bem. Essa ideia fictcia, da superioridade branca, est quase sempre presente na fala dos entrevistados.

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Mdia Ninja

Ato "Somos todas Cludia", em maro de 2014 em Braslia, em protesto contra a morte de Cludia da Silva Ferreira no RJ

Quando voc se aproximou do tema?

Na graduao, obtive bolsa de iniciao cientfica para estudar preconceito e esteretipo. Eu j tinha uma herana familiar nesse sentido, porque minha av materna judia, sobrevivente de campo de concentrao, uma pessoa de esquerda. Na casa dela, h vrios retratos de parentes mortos em campo de concentrao. Ento, o antirracismo, a conscincia daquilo que o racismo capaz de fazer, sempre foi algo muito presente na minha formao. Fiz o mestrado com um estudo sobre identidade judaica. E o que mais me marcou foi entrevistar pessoas que no seguiam a religio, no tinham nada a ver com o judasmo, mas no conseguiam deixar de ser judias. Eu perguntava: Mas por que voc no consegue deixar de ser judeu?. E a resposta era: Porque os outros me veem como judeu. A questo do olhar do outro ou de como o olhar produz o outro tornou-se um subtema bem forte em minha pesquisa. E continuou sendo.

Voc o retomou e desenvolveu no doutorado?

Sim. Percebi que s possvel o branco se enxergar como branco, isto , ter uma noo dos privilgios que o fato de ser branco lhe proporciona, quando ele convive com os negros. Percebi, na convivncia com meus colegas de ps-graduao negros, que, se eu comparecesse a alguma reunio dos movimentos sociais negros e me pronunciasse contra o racismo, at nisso eu teria privilgio, pois o fato de ser branca e antirracista me dava um status especial. Meus colegas eram muito crticos e at isso eles me apontavam.

Como voc lidou com isso?

Eu procurava no ser reativa. Mesmo que, s vezes, a crtica fosse pesada e at mesmo agressiva, eu tentava entender e assimilar. Tinha uma abertura muito grande. Alm disso, sempre tive uma ideia muito clara sobre o meu papel: se sou branca e estou trabalhando ou me aproximando do movimento negro, no posso pretender ser protagonista. O protagonismo negro. O meu papel estar junto; no pretender estar frente. Esta uma considerao muito clara para mim, que continua orientando minha participao.

Voc fez muitas entrevistas qualitativas, levantando trajetrias de vidas das pessoas. Lembra-se de alguma especialmente marcante?

Entrevistei desde quatrocentes que ainda vivem da renda de suas fazendas, isto , que ainda vivem do que seus antepassados ganharam com a escravido, at mendigos da Praa da S. Ao entrevistar pessoas to diferentes, mas todas brancas, minha inteno era saber se havia uma caracterstica prpria da branquitude, algo capaz de perpassar as classes sociais. Um mendigo de rua me disse algo muito forte. Quando perguntei O que ser branco, para voc?, ele me respondeu: Eu posso entrar no banheiro do shopping e meu colega preto no. Isso foi muito impactante: na extrema pobreza, a condio de ser branco ainda lhe dava um privilgio. Outra entrevista marcante foi com uma quatrocentona, porque os valores dela eram muito diferentes daqueles do imigrante, mesmo do imigrante rico.

Quais eram as diferenas?

Os imigrantes desfrutaram de vrios privilgios no Brasil, porque a imigrao foi incentivada e patrocinada pelo governo. E a entrada de imigrantes brancos estava em sintonia com uma poltica de embranquecimento do pas. Mas, para ascenderem econmica e socialmente, os imigrantes foram, de fato, muito trabalhadores. Isso ficou marcado em sua autoimagem. Claro que h excees, mas, regra geral, o imigrante considera que conseguiu subir na vida devido ao seu mrito. A ideia do mrito muito forte para ele. Porm, ele no consegue perceber que, ao lado do mrito, sua ascenso tambm foi favorecida pelo privilgio da branquitude. Porque o negro tambm est trabalhando h sculos no Brasil e no conseguiu ascender da mesma forma. Ento, no caso dos imigrantes, a branquitude fica camuflada na autoimagem. No caso dos quatrocentes no. Eles tm perfeita conscincia de seus privilgios, porque nunca trabalharam. A ideia forte, neste caso, a de herana. E, se podem desfrutar de uma herana, foi porque os escravos negros trabalharam para seus antepassados. Ento a ideia de ser branco e dos privilgios que isso traz est muito presente em sua viso de si mesmos.

H alguma peculiaridade que voc poderia destacar em seu processo de pesquisa?

Uma peculiaridade que no separo o que poderia ser chamado de trabalho de campo daquilo que vivo no dia a dia. Na tese de doutorado, inclu muitas falas informais, de pessoas com as quais eu interagia. Foi o caso de uma que, quando soube que eu pesquisava brancos, afirmou: Que bom! Porque agora s se fala de negros. Durante quatro anos, eu registrei entrevistas e conversas do dia a dia. Eu ficava o tempo todo registrando. Eu s pensava nisso.

Isso a afetou pessoalmente?

Quando se comea a pensar insistentemente nestas coisas, voc vai ficando muito irritada. J no consegue conviver com a cidade. Porque a cidade de So Paulo tem uma geografia da raa: h lugares que s tm brancos. Quando entrava em um lugar desses, eu comeava a me sentir mal. Eu me sentia colaborando com o apartheid da nossa sociedade.

Como voc aborda a questo das cotas raciais?

Na maioria dos casos, a oposio s cotas no decorre de nenhum critrio racional. Tive a demonstrao disso em minha pesquisa. Quando perguntei voc acha que tem privilgios pelo fato de ser branco (ou branca)?, meus 40 entrevistados responderam que sim. Uma empregada domstica disse: Minha patroa preconceituosa. Se eu fosse negra, no teria este emprego. Um jovem falou: O pai da minha namorada racista. Talvez eu no pudesse namorar com a filha dele se fosse negro. E por a foi. Imediatamente em seguida, perguntei: Voc a favor das cotas? Dos 40 entrevistados, 37 responderam: No. Somos todos iguais. Esses 37 tinham acabado de dizer que possuam privilgios. E, agora, negavam as cotas, com o argumento de que elas privilegiavam os negros. um posicionamento totalmente irracional. Por isso, eu uso a expresso medo branco. E um discurso fragmentado. S um discurso fragmentado pode acomodar o fato de a pessoa admitir que tem privilgios e, em seguida, dizer que todos somos iguais.

Qual o foco de sua pesquisa atual, com famlias inter-raciais?

Tento entender como os afetos podem legitimar o racismo e como podem tambm ajudar a desconstru-lo. A partir de uma enquete mais ampla, em que entrevistei todos os membros de vrias famlias, escolhi algumas famlias, com as quais estou fazendo um trabalho quase etnogrfico h cerca de um ano. Vou dar um exemplo. Em uma dessas famlias, o pai negro e afirma que no existe racismo no Brasil. Quando ele est presente, todos os membros da famlia parecem concordar com seu ponto de vista. Mas, se ele sai da sala por algum motivo, as pessoas aproveitam para dizer o que no tm coragem de falar em sua presena. A filha, que branca, disse que, por vrias vezes, viu seu pai ser discriminado por racismo. Acredito que, para ele, seja muito difcil admitir isso. H todo um jogo de ambivalncias, que eu tento interpretar.

*Nota explicativa: A palavra branquitude, que a pesquisadora utiliza criticamente em seu livro, no est dicionarizada. um neologismo empregado em contraposio a negritude. O conceito de negritude foi forjado durante a luta anticolonialista dos povos africanos, no sculo 20, e utilizado, principalmente pelo poeta e poltico senegals Lopold Sdar Senghor (1906 2001), para resgatar e exaltar as culturas, tradies e caractersticas identitrias da frica, que haviam sido subjugadas pelo colonialismo. J o conceito de branquitude, sem ser identificado por esse nome, comeou a ser construdo durante a expanso colonial europeia, a partir dos sculos 16 e 17, mas principalmente no sculo 19, para justificar ideologicamente a dominao, pelos europeus, das populaes ancestrais da Amrica, da frica, da sia e da Oceania. Nesse processo, a identidade branca, definida pela cor da pele e outros traos fenotpicos, foi estabelecida como norma e padro humano, sendo os outros grupos apresentados como marginais, desviantes ou inferiores.

Entrevista original publicada no site da Agncia FAPESP.