Letramento

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 Letramento no Brasil 1 INTRODUÇÃO  A lfabetiz ação e L etramento Tendo a educação como ponto de partida e pensando na questão do não- acesso como fator de estigmatização e conseqüentemente de discriminação, encontra-se no letramento uma forma de expressar variações nas nuances da desigualdade. Na busca por tecer algo novo, mesmo que estes conceitos já venham sendo abordados de longa data, nada impede que se olhe para eles de outra perspectiva, sem deixar de valorizar as contribuições de tantos autores que, acreditamos, também movidos pela paixão, teceram estes conceitos ao seu modo no decurso da história. No que tange à educação, a definição conceitual requer um refinamento que só foi possível ser realizado a partir de estudos recentes desenvolvidos por alguns pesquisadores interessados em aprofundar a definição de alfabetização. Esta, ao longo do século XX, aparece geralmente associada ao processo de escolarização, e o fato de não atingi-la resulta no estigma de fracasso, classificando os analfabetos no já desgastado rol de excluídos. Como o conc eito de letramento é rel ativamente novo e m português e só foi incluído no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa em 2001. O alfabetizado nomeia aquele que apenas aprendeu a ler e a escrever, não aquele que adquiriu o estado ou a condição de quem se apropriou da leitura e da escrita, incorporando as práticas sociais que as demandam.

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    INTRODUO

    Alfabetizao e Letramento

    Tendo a educao como ponto de partida e pensando na questo do no-

    acesso como fator de estigmatizao e conseqentemente de discriminao,

    encontra-se no letramento uma forma de expressar variaes nas nuances da

    desigualdade.

    Na busca por tecer algo novo, mesmo que estes conceitos j venham sendo

    abordados de longa data, nada impede que se olhe para eles de outra

    perspectiva, sem deixar de valorizar as contribuies de tantos autores que,

    acreditamos, tambm movidos pela paixo, teceram estes conceitos ao seu

    modo no decurso da histria.

    No que tange educao, a definio conceitual requer um refinamento que s

    foi possvel ser realizado a partir de estudos recentes desenvolvidos por alguns

    pesquisadores interessados em aprofundar a definio de alfabetizao. Esta,

    ao longo do sculo XX, aparece geralmente associada ao processo de

    escolarizao, e o fato de no atingi-la resulta no estigma de fracasso,

    classificando os analfabetos no j desgastado rol de excludos.

    Como o conceito de letramento relativamente novo em portugus e s foi

    includo no Dicionrio Houaiss da Lngua Portuguesa em 2001. O alfabetizado

    nomeia aquele que apenas aprendeu a ler e a escrever, no aquele que

    adquiriu o estado ou a condio de quem se apropriou da leitura e da escrita,

    incorporando as prticas sociais que as demandam.

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    O termo corresponderia a literacy, em ingls, e literacia, em portugus europeu,

    e vai para alm da aprendizagem bsica da leitura e da escrita, ou seja, do

    domnio da tcnica, mas compreende a aquisio de habilidades,

    conhecimentos e atitudes necessrios ao uso efetivo e competente da leitura e

    da escrita nas prticas sociais que envolvem a lngua escrita.

    Neste caso, alfabetizar seria um processo de representao de fonemas em

    grafemas (escrever) e de grafemas em fonemas (ler).

    Assim o sendo, formulamos a questo:

    Ser a prtica da leitura uma condio para a melhor participao social e para

    a empregabillidade?.

    Reformulamos essa questo assentando-a nos nveis de letramento:

    Ser que quanto mais letrado/a maior o acesso a ocupaes remuneradas?

    Existem diferenas de acesso dependentes do gnero e da raa?

    Quais pessoas estariam entre as que menos ganham, ou entre as que mais

    ganham?

    Antes de responder a estas questes, devemos nos aprofundar um pouco mais

    acerca do letramento e podemos subdividi-lo em duas formas: 1 diz respeito a

    polticas educacionais e culturais, metodologias de ensino e seleo de

    contedos, que define como processo de letramento, este sempre associado a

    uma ao; 2 se refere ao estado de letramento, ou condio, e est

    diretamente relacionada capacidade objetiva de uma pessoa ou grupo social.

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    Desdobrando essa classificao e analisando o letramento como processo,

    devemos considera dois aspectos: o primeiro o de esse poder estar

    associado escolarizao ou poder ocorrer em funo de aes socioculturais

    (como mdia, imprensa, indstria do entretenimento, servios pblicos etc.), e o

    segundo o de letramento estar relacionado com a percepo da ordem

    escrita, de seus usos e objetos, bem como de aes que uma pessoa ou grupo

    de pessoas faz com base em conhecimentos e artefatos da cultura escrita.

    Essa forma de classificar o letramento sugere uma multiplicidade de nveis e

    graus, diferentemente do conceito de alfabetizado, que indica uma condio,

    ou a pessoa ou no .

    Deve-se estabelecer uma diferenciao entre a dimenso individual e a

    dimenso grupal do letramento. A avaliao dessas dimenses implicaria

    condies metodolgicas bastante complexas para a sua mensurao.

    Entretanto, uma importante contribuio nessa perspectiva reside na

    afirmao de que o conhecimento um produto social e que aquilo que uma

    pessoa sabe e efetivamente faz se circunscreve nas condies histricas

    objetivas em que ela se encontra.

    No que tange empregabilidade, devemos referenciar o discurso corrente que

    estabelece uma relao direta entre a baixa qualificao individual e as

    dificuldades associadas leitura e escrita como elementos de excluso e

    baixa produtividade.

    Devemos considerar o letramento em um nvel distinto da alfabetizao, pois

    no devemos considera-lo como um fim em si mesmo - crtica que nos parece

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    bastante salutar em momentos como o atual quando os jornais do grande

    espao a manchetes que indicam o nmero de pessoas alfabetizadas no ano

    passado. Essas manchetes no questionam a diferena entre o conhecimento

    da tcnica de ler e escrever e a capacidade de interpretar as informaes ou

    expressar-se por meio da escrita. Contudo, o fato mais alarmante,

    considerando que muitos brasileiros nem atingem o ensino superior, apenas

    5% daqueles que concluem o ensino mdio estarem aptos leitura e

    interpretao de um texto.

    Destarte, podemos estabelecer uma diferena conceitual entre ensino de

    qualidade e educao de qualidade, sendo que no ensino organiza-se uma

    srie de atividades didticas para ajudar os alunos a compreender reas

    especficas do conhecimento (cincias, histria, matemtica). Na educao o

    foco, alm de ensinar, ajudar a integrar ensino e vida, conhecimento e tica,

    reflexo e ao, a ter uma viso de totalidade. Educar ajudar a integrar todas

    as dimenses da vida, a encontrar nosso caminho intelectual, emocional,

    profissional, que nos realize e que contribua para modificar a sociedade que

    temos. A avaliao do ensino mostra-nos se aprendemos alguns contedos e

    habilidades. Os resultados da educao aparecem a longo prazo.

    Acreditamos que os programas atualmente em desenvolvimento preocupam-se

    muito mais com a transmisso de contedos e habilidades (para mostrarem

    resultados imediatos) do que com a educao, nesta concepo (cujos

    resultados s iro aparecer a longo prazo).

    Estarmos necessitando de polticas que permitam o acesso, mas que tenham

    em vista a educao, o letramento, e no apenas o acesso ao mero

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    conhecimento de tcnicas, que, inclusive, se no forem utilizadas com

    frequncia, podem ser facilmente esquecidas.