LES COMPTES RENDUS Laurinda ABREU , Igreja, caridade e ...lusotopie.sciencespobordeaux.fr/Comptes...

49
© Koninklijke Brill NV, Leiden, 2009 Lusotopie XVI (1), 193-241 Also available online – brill.nl LES COMPTES RENDUS Laurinda ABREU (ed.), Igreja, caridade e assistência na península Ibérica (sécs. XVI-XVIII), Lisboa, Edições Colibri/Évora, Cidehus-Universidade de Évora, 2005, 322 p., ISBN : 972-772-447-7. De fundamentação bíblica, lastreado numa longa tradição teológica e doutrinária, o amor cristão (ágape, charitas) deve ser ativo, objetivado constantemente : assim como o corpo sem alma é morto, assim também a fé sem obras é morta (Epístola de São Tiago 2, 26). Entendida como elemento norteador da fé enquanto experiência individual, a caridade assumiu ao longo da história da cristandade uma função social premente. Na esteira de um discurso religioso cada vez mais sensível aos pobres e diante da explosão da miséria, sobretudo urbana, desde ns da Idade Média, as monar- quias européias procuraram, cada uma a seu modo, organizar seus respectivos sistemas assistenciais. No caso ibérico, tiveram em comum o esforço régio de melhor sistematização da administração hospitalar, o papel destacado das elites locais e, a partir do Concílio de Trento (1545-1563), uma viragem signicativa na importância dada ao ato misericordioso. A ação pastoral tridentina encarregou- se de inar o valor imaginativo das boas obras entre os católicos, rearmando a importância da doutrina do purgatório e atraindo para as instituições pias a administração de uma incontável quantidade de legados. Exemplo paradigmático deste movimento pode ser encontrado, para o caso português, nas Santas Casas de Misericórdia cuja primeira congênere foi criada em 1498, em Lisboa. Essas confrarias desde o início tiveram no apoio régio sua grande força : gradativamente a Coroa portuguesa orquestrou um processo de homogeneização hospitalar eliminando os pequenos estabelecimentos pios e repas- sando para as Misericórdias a administração de antigas instituições. Trento coroou, portanto, um movimento anterior de homogeneização que, em sua essência, foi marcadamente leigo, mas contou com o apoio ativo da Igreja. O livro Igreja, caridade e assistência na península ibérica (sécs. XVI-XVIII) organizado por Laurinda Abreu, professora do departamento de História da Universidade de Évora, traz um apanhado das mais recentes discussões que têm ocupado a historiograa ibérica sobre a assistência durante a Época Moderna. Se durante muito tempo a historiograa sobrevalorizou o papel de quase exclusividade das instituições no exercício da caridade, este livro traz uma série de « outras » formas de assistência que nada tinham de episódicas ou ocasionais. Este é um dos prin- cipais pontos de conexão entre os artigos do livro : a idéia da complexicação das práticas assistenciais para além do exclusivismo das instituições hospitalares. A historiograa portuguesa sobre assistência que, desde o início da década de 1990 passa por um profundo processo de renovação, esteve muito marcada pelo papel das Misericórdias, aprofundando-se de maneira signicativa nos campos de atuação da irmandade, nas suas formas de seleção, suas relações com a Coroa e na sua atração sobre as elites locais. O caráter essencialmente laico dessas confrarias,

Transcript of LES COMPTES RENDUS Laurinda ABREU , Igreja, caridade e ...lusotopie.sciencespobordeaux.fr/Comptes...

© Koninklijke Brill NV, Leiden, 2009 Lusotopie XVI (1), 193-241Also available online – brill.nl

LES COMPTES RENDUS

Laurinda ABREU (ed.), Igreja, caridade e assistência na península Ibérica (sécs. XVI-XVIII), Lisboa, Edições Colibri/Évora, Cidehus-Universidade de Évora, 2005, 322 p., ISBN : 972-772-447-7.

De fundamentação bíblica, lastreado numa longa tradição teológica e doutrinária, o amor cristão (ágape, charitas) deve ser ativo, objetivado constantemente : assim como o corpo sem alma é morto, assim também a fé sem obras é morta (Epístola de São Tiago 2, 26). Entendida como elemento norteador da fé enquanto experiência individual, a caridade assumiu ao longo da história da cristandade uma função social premente.

Na esteira de um discurso religioso cada vez mais sensível aos pobres e diante da explosão da miséria, sobretudo urbana, desde fins da Idade Média, as monar-quias européias procuraram, cada uma a seu modo, organizar seus respectivos sistemas assistenciais. No caso ibérico, tiveram em comum o esforço régio de melhor sistematização da administração hospitalar, o papel destacado das elites locais e, a partir do Concílio de Trento (1545-1563), uma viragem significativa na importância dada ao ato misericordioso. A ação pastoral tridentina encarregou-se de inflar o valor imaginativo das boas obras entre os católicos, reafirmando a importância da doutrina do purgatório e atraindo para as instituições pias a administração de uma incontável quantidade de legados.

Exemplo paradigmático deste movimento pode ser encontrado, para o caso português, nas Santas Casas de Misericórdia cuja primeira congênere foi criada em 1498, em Lisboa. Essas confrarias desde o início tiveram no apoio régio sua grande força : gradativamente a Coroa portuguesa orquestrou um processo de homogeneização hospitalar eliminando os pequenos estabelecimentos pios e repas-sando para as Misericórdias a administração de antigas instituições. Trento coroou, portanto, um movimento anterior de homogeneização que, em sua essência, foi marcadamente leigo, mas contou com o apoio ativo da Igreja.

O livro Igreja, caridade e assistência na península ibérica (sécs. XVI-XVIII) organizado por Laurinda Abreu, professora do departamento de História da Universidade de Évora, traz um apanhado das mais recentes discussões que têm ocupado a historiografia ibérica sobre a assistência durante a Época Moderna. Se durante muito tempo a historiografia sobrevalorizou o papel de quase exclusividade das instituições no exercício da caridade, este livro traz uma série de « outras » formas de assistência que nada tinham de episódicas ou ocasionais. Este é um dos prin-cipais pontos de conexão entre os artigos do livro : a idéia da complexificação das práticas assistenciais para além do exclusivismo das instituições hospitalares.

A historiografia portuguesa sobre assistência que, desde o início da década de 1990 passa por um profundo processo de renovação, esteve muito marcada pelo papel das Misericórdias, aprofundando-se de maneira significativa nos campos de atuação da irmandade, nas suas formas de seleção, suas relações com a Coroa e na sua atração sobre as elites locais. O caráter essencialmente laico dessas confrarias,

194 les comptes rendus

sua preponderância na assistência de Portugal continental, suas isenções e privilé-gios, acabaram por criar uma visão exageradamente institucionalizada da assistên-cia. Em que pese a inquestionável importância das Misericórdias no contexto português e ultramarino1, a historiografia tem procurado valorizar ações de alívio à pobreza que correram, às vezes em paralelo, às vezes complementarmente. Assim, tanto na historiografia portuguesa, quanto na espanhola, aspectos muitas vezes negligenciados – como a caridade individual, a misericórdia espiritual ou, mesmo, o papel da Igreja – ganham espaço, fornecendo uma visão menos estru-tural, mais complexa, atenta às especificidades de cada experiência histórica.

O livro é dividido em três seções. A primeira, Igreja e assistência na Idade Moderna : discursos e práticas, procura qualificar melhor as linhas gerais dos discursos e práti-cas do clero. Sensíveis às outras formas de caridade, os artigos procuram demon-strar igualmente uma visão mais alargada de pobreza, que era, ao mesmo tempo, material e espiritual. É nesse sentido que deve ser entendido o privilégio dado pelos jesuítas à ação missionária e à misericórdia espiritual (doutrinação, admin-istração dos sacramentos, ajudar a bem morrer, ação missionária).

A relação de complementaridade entre Igreja e instituições de assistência fica clara na atuação dos bispos e prelados de Madri. Foi em torno do fortalecimento das paróquias e confrarias que se desenvolveu o sistema de auxílio à pobreza. A presença incisiva de membros do clero deu persistência ao controle eclesiástico da assistência fazendo com que até meados do século XVII as medidas secularizantes tivessem pouco efeito nas instituições madrilenhas.

No mesmo sentido, a Igreja granadina participou ativamente na formação da rede assistencial na esteira da criação das dioceses a partir de 1492. Mesmo onerada pela utilização dos dízimos, a Igreja, juntamente com o Estado, estabel-eceu uma relação de benefício mútuo : o Estado poderia se utilizar da presença mais eficaz da Igreja nas comunidades locais e a Igreja justificava-se socialmente capitalizando ações de misericórdia. Embora a fundação dos hospitais fosse real, a administração recaía sobre clero. Esta faceta da realidade granadina, embora não possa ser generalizada de forma irrestrita, é emblemática da diversidade de relações entre Estado e Igreja.

O artigo de Alberto Marcos Martin ratifica o papel central da Igreja na difusão de uma idéia conservadora de pobreza, mantenedora da hierarquia social. Seu papel na defesa das desigualdades entre pobres e ricos contrastava, segundo o autor, com o seu desempenho secundário nas instituições de auxílio material. Nesse sentido, Martin destoa das conclusões gerais dos artigos do livro. Mesmo que, em termos relativos, a preponderância das instituições leigas seja um dado inquestion-ável, o papel da Igreja parece mais complexo do que o apresentado. Para além do auxílio material, que, diga-se, era compreendido como um dos aspectos – nem sempre o mais importante –, há que considerar que a caridade espiritual é tam-bém um dado inescapável. Uma análise em conjunto de aspectos tão intimamente ligados pode oferecer caminhos profícuos para o entendimento de um fenômeno

1 As melhores sínteses do papel estrutural das Misericórdias num contexto imperial estão em I. dos Guimarães SÁ, Quando o rico se faz pobr e : Misericórdias, caridade e poder no império português, Lisboa, CNCDP, 1997. Da mesma autora, As Misericórdias Portuguesas de D. Manoel a Pombal, Lisboa, Livros Horizonte, 2001.

les comptes rendus 195

multifacetado. As pesquisas parecem demonstrar uma espécie de « especialização » entre as esferas leiga e eclesiástica que atuaram de forma complementar, em detrimento de qualquer visão exclusivista.

A segunda parte do livro : Redes urbanas de apoio social : a intervenção dos prelados pós-tridentinos procura, como o título já denuncia, delinear a ação pastoral do clero logo após o Concílio de Trento. Esta seção investiga de que modo as disposições tridentinas foram aplicadas e internalizadas pelo clero.

O ideal de ação dos eclesiásticos é vislumbrado nos vários sermões de exéquias dos bispos, feitos ao gosto tridentino, repletos de ações exemplares. Embora ideali-zados, os discursos das exéquias não deixaram de se respaldar também em ações efetivas de auxílio material. A atuação do Cardeal Infante Dom Henrique aparece com um lugar privilegiado para análise do repertório de ações caritativas caras ao prelado português, que neste caso em especial, em virtude de sua posição política privilegiada, apresenta um espectro de ações mais alargado, destacando-se a importância dada a ação pastoral e os auxílios a estudantes pobres.

As pesquisas de Laurinda Abreu propõem um avanço importante na reconstrução dos projetos assistenciais e na identificação do pensamento social coevo. Este último, talvez um dos aspectos mais obscuros da historiografia ibérica : em que medida, um pensamento social sobre a pobreza pôde direcionar os rumos da assistência em Espanha e Portugal ? Laurinda Abreu apresenta interessantes cons-tatações sobre a influência de pensadores como Miguel de Giginta e Cristóbal Pérez de Herrera nas diretrizes do arcebispo português D. Teotônio de Bragança. A influência dos pensadores espanhóis em Portugal só não teria ido mais longe, para o caso eborese, em virtude da crise política que se seguiu à morte de D. Henrique em 1580. De toda forma, é possível perceber tentativas mais incisivas no controle de pobres como, por exemplo, os projetos para criação de uma casa de reclusão, a primeira que se tem notícia.

A relação institucional entre Misericórdias e os arcebispados foi também reto-mada. Marta Lobo traz um importante artigo sobre a criação da Santa Casa de Misericórdia de Viana da Foz do Lima mostrando as tensões advindas da inserção e efetivação dos privilégios da irmandade. O papel decisivo dos arcebispos de Braga na sedimentação da Misericórdia de Viana da Foz de Lima mostra como eram complexas e ricas as relações do universo assistencial. Marta Lobo não « naturaliza » a preeminência das Misericórdias nas comunidades locais e assim fornece um painel histórico descontínuo, atento às especificidades.

A última parte do livro sobre os Recolhimentos modernos traz discussões sobre instituições que educavam formalmente mulheres, e tinham um importante papel no controle moral, funcionando como propagadoras de um ideal de bom com-portamento. Os recolhimentos especializavam-se conforme o alvo da caridade ; assim, houve estabelecimentos para órfãs, donzelas e prostitutas. Altamente sele-tivos, como adverte Maria de Fátima Reis num excelente texto, os recolhimentos « repunham a ordem social pela normalização dos comportamentos ». Também explorada nos demais artigos, essa visão hierárquica e exemplar que os recolhi-mentos modernos difundiram, sobretudo a partir de Trento, reafirmava as expec-tativas sociais em torno do papel feminino. Entretanto, o discurso afastava-se, em larga medida, da vivência cotidiana de grande parte das populações. A moral feminina foi um ideal a ser perseguido, mas é preciso avançar nas explicações

196 les comptes rendus

sobre o papel dessas instituições, porque, dada sua representatividade (com recol-himentos, muitas vezes, ociosos), parece um pouco exagerada, a idéia de um rigoroso « controle social ».

Estes são alguns dos muitos aspectos aprofundados nos artigos que compõem este livro fundamental. Os avanços historiográficos são notáveis, abrindo um novo flanco nas interpretações sobre a assistência moderna. Algo que poderia enriquecer ainda mais as discussões seriam trabalhos sobre as áreas coloniais de dois dos maiores impérios dos séculos XVI-XVIII. A análise dos sistemas assistenciais estab-elecidos no ultramar pode contribuir, inclusive, para uma melhor visão de conjunto dos sistemas vigentes na própria Península Ibérica. As áreas coloniais, partes integrantes dos impérios espanhol e português, apresentaram uma institucionaliza-ção (eclesiástica e assistencial) muitas vezes incipiente, uma formação social absolu-tamente original, marcada pela miscigenação, embaralhando relações de hierarquia numa realidade nova e específica.

Outubro de 2007, Renato Franco

Carmen BALLESTEROS & Mery RUAH (eds), Os Judeos Sefarditas entre Portugal, Espanha e Marrocos, Lisbon, Edições Colibri, 2004, 276 p., ISBN-13 : 978-9727724857 (for the Associação Portuguesa de Estudos Judaicos and the University of Evora).

This elegantly written and meticulously researched collection of papers on Jewish history in French, Spanish and Portuguese was presented to a conference in the old city of Evora in 1999 and published five years later. The first solid evidence of a Jewish presence on Lusitanian territory dates from AD 482 when a seven-branch ritual candelabra was pictured on stone. For the next thousand years Jews were an important and integral part of both Muslim and later Christian Portuguese society. They had significant connections with the equally ancient Jewish commu-nities across the narrows in Morocco. They had synagogues and burial grounds in the three main cities of Evora, Lisbon and Santarem. The rabbi of Santarem was an important figure at the royal court as brilliantly illustrated in Nuno Gonçalves’ six panels painted in 1445 at the beatification of Prince Fernando and later placed on the alter of the church of São Vicente. Before that date, however, the popular north European antagonism to Jews, a nation accused of killing the Christian God, was reaching the Spanish kingdoms and even seeping into Portugal. In 1361 Pedro I thought it prudent to require Jews to live in segregated city zones. In Evora, the site of whose great synagogue one of the editors of this volume has identified and partially excavated, the Jewish quarter was a prominent and well-protected suburb near the city’s main Lisbon gate. Social and economic sta-tus were not enough, however, to protect Evora’s Jews from the crises that followed 1480 and in 1505 the great synagogue was burnt to the ground as the ashen timbers of the excavation confirm.

An influx of asylum-seekers from Spain began in 1480 and initially brought professional skills and economic benefits, though the first hiccough in the Portuguese welcome occurred as early as 1487. By 1492, 20,000 households had crossed the frontiers from the east and the housing crisis was such that Jews were being

les comptes rendus 197

uncomfortably billeted in Christian quarters of Evora. Riots and other disorders broke out not only in Evora but also in Lisbon and Oporto. João II, under pres-sure to Christianise the refugee population as quickly as possible, too the Machiavellian decision to separate children under the age of 14 from their parents and send them to Alvaro de Caminho’s tropical island off the coast of Nigeria where they could be Christianised while at the same time providing free forced labour to clear the land for sugar plantations. The cruelty was compounded by hunger, disease and eventually death among many of the 2000 captive children and many churchmen were deeply shocked by this mode of conversion. Two years later King João died and the plague hit Portugal once again.

The new king, Manuel I, was expected to marry his elder brother’s Spanish widow, Eleanor. She was much afeared, however, and thought that the plague was God’s punishment on Portugal for allowing heretics who had been purged from her Spanish homeland to enter her future husband’s domains. Manuel was trapped. The Jews were industrious and educated and they brought a new dynamism to Portugal which he could not afford to alienate. He considered that it should be possible, with carrot and stick, to persuade the immigrants to embrace Christianity, become assimilated and help his kingdom to prosper. Any who were reluctant to do so could be offered a free passage to Morocco and would be given ten months’ grace to prepare to leave the king’s realm. The royal privy council was seriously divided over the wisdom of the royal proposal. Many pointed out that although England and France were expelling Jews rather than converting and assimilating them, other Catholic kingdoms, including the Papal States, were not condemning Jews to a permanent heretical life by deporting them to the heathen kingdoms of Islam. The royal decree nevertheless settled for conversion or emigration as the policy and was dated 5 December 1496.

Try as he might Manuel I had only limited success in retaining a community of cristãos novos as the converts were now dubbed. Converted Jews were permitted to enter the universities but were banned from using the Hebrew alphabet and their synagogue schools and libraries were closed. Discrimination between old and new Christians was in theory abolished but ‘new’ Christians wanting to marry were required to find ‘old’ Christian grooms or brides. Pressure to convert and conform rose steadily after Manuel’s death and in 1536 Pope Paul III decreed the establishment of a Portuguese court of inquisition, though such was the royal desire to retain Jewish wealth and skill that no inquisition case was presented to the tribunal for the next ten years. And still converted Portuguese subjects travelled to Morocco, or emigrated to Morocco, to practice their old religious rites. There they became merchants who exchanged pepper for sugar, goldsmiths responsible for the minting of the coins of the realm, diplomats skilled in bridging the gap between Muslim and Christian kings. Portuguese in Morocco became impor-tant arms manufacturers making lances, crossbows and muskets. They helped Morocco and Portugal collaborate in keeping the Ottomans out of the western Mediterranean. Fez, like Evora before it, developed a thriving ‘ghetto’ though, like Evora, it has not immune from the plague and in 1558 no less than 1,640 Portuguese died in the Fez epidemic.

Much later, after the Lisbon revolutions of 1820 to 1851, the racial climate in Portugal lightened and some of the quarter of a million Jews who had settled in Morocco began once more to look for opportunities in their ancestral homelands.

198 les comptes rendus

Some took part in the building of a new Portuguese empire. José Bensaúde, whose parents hailed from Rabat and Casablanca, became a millionaire dealing in pine-apples, tobacco and tea on the Azores Islands before he died in 1922. Others wrote literature and played music. They all feature in this excellent book which demolishes once and for all the old idea that an Iron Curtain ran through the Mediterranean separating Christendom from Islam.

15 December 2007, David Birmingham

Lars BUUR, Steffen JENSEN & Finn STEPPUTAT (eds), The security-develop-ment nexus. Expressions of sovereignty in Southern Africa, Uppsala, Nordiska Afrikainstitutet / Cape Town, HSRC Press, 2007, 284 p., ISBN: 978-07969-21840-0 (paperback, HSRC Press) and ISBN: 978-91-7106-583-4 (paperback, Nordiska Afrikainstitutet).

This anthology is a timely contribution to the predicaments and complexities of the postcolonial state in Southern Africa, and especially commendable is the aspi-ration to analyze the intimate relationship between state/sovereignty and “develop-ment” in different national and empirical settings. It is timely in several senses, but primarily by virtue of its dual focus which establishes the foundation for a thorough examination of notions of, for example, the ‘community policing’ and a focus on the security sector, the outsourcing or privatization of justice, the re-territorialization of rural and urban space, the ongoing re-negotiations of citizenship etc. In all of Southern Africa these specific foci – and others equally interesting are also found in the anthology – represent political and social predicaments that should be of great concern to scholars from several disciplines. In Angola and Mozambique, what the editors call ‘the security-development nexus’ is, of course, known from the ways in which, for example, the relations between tradition and state are inti-mately linked to developmentalist notions of local democracy and the problems that arise from this in terms of conflation of cosmologies, potentially bifurcated citizenships, challenges to the legitimacy of the state etc.

The second reason it is timely is because of its theoretical orientation towards Agambenian notions of Homo sacer, exception and sovereignty. The anthology represents the application to the Southern African context of a theoretical development within the social sciences and political philosophy that is currently in vogue. The editors, however, refrains from a presentist argument, and in the introduction sets the tone of the approach by claiming that despite the radically increased political and social focus on security after 9/11, the linkages between security, development and the state/sovereignty must rather be seen as long-term in Southern Africa, as elsewhere. Focusing doubly on both institutional aspects and historical forma-tions of the notions ‘the securitization of development’ and, contrarily, ‘the devel-opmentization of security’, the introduction develops ideas (and relates to chapters in the anthology) that span from the ‘politics of policing’ and crime and the post-Apartheid re-ordering of development discourses to notions of internal enemies and frontiers, and to formations and re-formations of citizenship forms. Sketching out its theoretical landscape, the introduction relies both explicitly and implicitly

les comptes rendus 199

on numerous works by Giorgio Agamben (especially Homo Sacer, 1998 [1995]) and also earlier works by Finn Stepputat (especially Sovereign bodies, 2005, co-edited with Thomas B. Hansen). Retaining the notion of sovereignty as being profoundly linked to biopolitics in the (non-Foucauldian) sense of “. . . the exclusion of somebody from the political community . . .” (p. 15, italics retained), the editors contend this pro-duces a condition of ‘naked life’ (again an Agambenian notion) characterized by unprotected subjects onto which sovereign power will and need to inscribe its power. The editors project this unto the Southern African context and contend the that “. . . [s]overeign state violence as an overt expression of physical force and of structural violence through dispossession is therefore not an aberration, but rather an ever-present possibility and fairly common practice in contemporary African states” (p. 17).

Three parts of the anthology in various ways reflect different aspects of this theoretical orientation with six works on South Africa, two on Namibia and one each on Zimbabwe and Mozambique. The first section of the book is entitled “Internal and external boundaries” and includes three chapters. Lars Mandrup Jørgensen’s first chapter relates national and regional interest of South Africa’s foreign policy ambitions to the military operations in DRC. This is followed by Steffen Jensen and Lars Buur’s analysis of the politics of citizenship where general processes of inclusion and exclusion as well as the post-1994 reconfiguration of citizenship in South Africa into insiders and outsiders receive special attention. The last chapter of the section, written by Lalli Metsola and Henning Melber, concerns state formation and the predicament of ex-combatants – a long-standing challenge in many conflict-ridden Southern African countries – in the context of former SWAPO guerrillas in Namibia.

The second part of the book, “States, development and vernacular security”, is comprised of four chapters. Lars Buur’s chapter opens the section and is a contribution on state, people and popular sovereignty within the context of violence related to ‘service delivery’ in Soweto. Helene Maria Kyed’s analysis of Mozambique follows this and will be analyzed below. The third contribution by Guy Lamb concerns, again, SWAPO and the Namibian context, but analyses specifically the intimate and crucial links between the military apparatus and development pro-grammes. Jacob Rasmussen’s text on housing in inner-city Johannesburg and struggles over definition between residents, politicians and others ends this section.

The last part of the anthology is entitled “Identity, violence and rights”, and its opening chapter is an exploration by Steffen Jensen of crime and violence within the context of ‘everyday policing’ in a South African border community in which many Mozambican migrants live. Amanda Hammar follows up on this theme by delving into state cleansing and containment practices in Zimbabwe, especially focusing on local-state politics of eviction in Zimbabwe and its popular response. The section is concluded by Sideris’ analysis of the continuing violence against women despite legal advances and political transformations in post-Apartheid South Africa.

It should be evident from the above that well over half of the contributions are based mainly on South African material. Given South Africa’s geopolitical dominance, this is, regrettably, not surprising in a work on Southern Africa. Nonetheless it is unfortunate as interesting countries such as Botswana or Angola

200 les comptes rendus

are not represented at all. However, there are numerous well-written chapters in the anthology, and Helene Maria Kyed’s chapter may serve as an example. Kyed’s chapter on the “politics of policing” in a former Renamo zone – Dombe, Sussundenga, Mozambique – represents the only full chapter based on empirical material from any Lusophone country. Kyed’s contribution is entitled “The politics of policing. Re-capturing ‘zones of confusion’ in rural post-war Mozambique” and is also one of the contributions that fits with little friction with the overall theo-retical perspective, which is always a challenge in anthologies – also this one. The chapter explores the ways in which Frelimo-orchestrated discourses of unity and peace link crime and the branding of Renamo-controlled areas as zonas de confusão. Detailing how the recent decentralization drive in Mozambique is, in Dombe, translated into processes that are meant to create unity between police and Povo, Kyed manages to demonstrate both how the police presence and practices aims at (re-)affirming state control and also how the unity of police and people “. . . rely on the production of certain individuals and groups as security threats to the state and the wellbeing of the community” (p. 133). Kyed details the rise and fall of Renamo’s control of Dombe and what she argues is the recent reconnection of the rural population to the (Frelimo) state via the chiefs through decentralization. Kyed’s affinity with the anthology’s theoretical approach becomes clear, however, in the analysis of the practice of PRM (Polícia da República de Moçambique) where she invokes Carl Schmitt’s notion of sovereignty in terms of “the capacity to suspend the law” (p. 140) in her analysis. The PRM’s practice, Kyed argues, thus is an “. . . oscillation between playing the legal card and trespassing upon the law [being] at the core of producing and sustaining state power” (p. 141). By detailing public crime-combating meetings and the way in which Frelimo and the Mozambican state were conflated and construed as benign and, conversely, how people affiliated with crime were related to Renamo (and, hence, malign), Kyed’s text argues convincingly how sovereignty and an expansionist state in merging criminal categories and politics suspends and reinstates the law in sovereign fash-ion. Kyed’s contribution is a well-written and interesting case for anyone interested in the politics of decentralization and community policing in Mozambique and beyond. However, to my mind Kyed’s analysis would have been strengthened by contrasting the material at hand with a dual historical contextualization. Firstly, this concerns the whole trajectory of law within early Mozambican post-colonial legal practices as for example in the concepts, practices and legal thinking of justiça popular and tribunais populares (analysed in numerous works by Boaventura de Sousa Santos, João Carlos Trindade, Maria Paula Meneses, Albie Sachs etc.). Secondly, the imagery and production of ‘the enemy within’ – as in the figure of the Renamo criminal – would also benefit from comparison with earlier practices and imagery – for example in the figure of Xiconhoca in the early Mozambican postcolonial state.

Nonetheless, as Kyed’s chapter demonstrates, the anthology is an interesting collection of works in many respects as it brings together contributions – most of them well-written and original – within a particular and theoretical framework that all texts more or less relate to. However, neither in the introduction nor in the particular chapters it is made, to this reviewer’s mind, sufficiently clear what it is about the Southern African condition or context – historically or institutionally – that sets it apart from the general tendencies the editors use theoreticians and analysts

les comptes rendus 201

like Agamben, Foucault, Duffield, Hindess, Chandavarkar, de Certeau, Scott, Herbst, Wacquant, Feldman, etc., to develop. In other word, the volume lacks a general argument for the framing of what the editors state is a ‘security-develop-ment nexus’ within the regional context beyond the application of (and recourse to) notions of global political and social trends (or universalizing theories) to a pre-defined geographical region. This weakness is also evident in the editors’ lack of consistency: In their introduction Buur, Jensen and Stepputat sometimes write ‘sub-Saharan Africa’ and at other times ‘Africa’ – neglecting their erstwhile Southern African focus. The furthest they come by way of generalizing or theorizing their chosen geographical frame is when they in a few lines (p. 13) point out that “[a]ll four countries that we deal with – Mozambique, South Africa, Zimbabwe and Namibia – have emerged from protracted liberation wars followed by internal struggles between different political and ethnic factions”. This description – befitting a number of other African (and non-African) countries but also excluding some Southern African ones – falls short of an argument for the Southern African framework chosen. A further minor point of critique could be made about some instances where editing could have been improved as in some places where the text reads “in this paper” – underlining the particular text’s imperfect transition from conference paper/draft to chapter – or as in the presence of typos and a few instances of bad grammar distributed throughout.

Nevertheless, the anthology makes up for these minor editing flaws, the volume’s lack of specific argument for its Southern African focus and by being based on predominantly South African material (or, perhaps, one should say it has been sucked into the vortex of South Africa’s historical and current role as regional superpower) by its theoretical and analytical coherence applied to interesting and rich empirical material – as Kyed’s chapter is an example of. Its particular strengths include the novelty of the Agambenian-inspired approach to the Southern African context. This alone should make the volume of interest to scholars concerned with issues of sovereignty, citizenship and statehood in Africa and beyond.

January 2009, Bjørn Enge Bertelsen

Ana Bénard da COSTA, O Preço da Sombra. Sobrevivência e reprodução social entre famílias de Maputo, Lisbon, Livros Horizonte, 2007, 183 p., ISBN: 978-972-24-1434-0.

Making a life and a livelihood in Southern Mozambique has never been a par-ticularly easy proposition – cyclical drought, flooding, and windstorms complicated agro-pastoral endeavors. Competition for land and market, service and job oppor-tunities with politically privileged insiders and better skilled and capitalized outsi-ders meant people always had to have, at the very least, a ‘Plan B’. In the 1980s when armed violence combined with a killer drought to harrow the region, many people who had managed on the land for generations sought refuge in the capi-tal city’s already stretched peri-urban and suburban bairros. Within greater Maputo, people needed cash to fill even their most basic needs, thus the inspiration for Bénard da Costa’s title, “The price of some shade” – what did one have to do to get relief, even from the unforgiving sun.

202 les comptes rendus

In the early 1990s, Sociologist Ana Bénard da Costa was moved by the suffer-ing and resourcefulness of greater Maputo’s residents and refugees. She, Cristina Udelsmann Rodrigues, and others participated in a larger project on “Accelerated Urbanization in Luanda and Maputo” anchored by Jochen Openheimer, and then spun off their own research. The fruit of that work is now coming to print. Throughout the 1990s Bénard da Costa focused her Master’s and Doctoral work on family survival strategies in three contrasting bairros: Polana Caniço A, Mafalala and Huelene B. Although these bairros are internally diverse, overall they have their own character and history. Mafalala is the oldest, while both Hulene B and Polana Caniço A grew in part from displacements elsewhere. She developed both surveys and more narrowly focused interview and personal narrative projects in each bairro.

Since independence, the people and spaces that were scripted invisible in colonial Mozambique have eventually become visible. Despite continuing efforts to scrub out what the colonial era called ‘clandestine markets,’ the early Frelimo government called parallel markets, and most people call dumba nengue, they are where most people do their shopping. When they were uprooted in one area they popped up in another, and many returned to their original areas when the police get bored. The majority of ordinary men, women, and children, the places they live, the way they understand, talk about and seek to deal with the conditions of their day-to-day existence are finally receiving their scholarly due. The picture that is coming into focus is neither simple nor pretty, but it is essential and long overdue.

Bénard da Costa structures her book on key sociological issues: mobility, claims staking on the basis of authority (ethnic, familial, marital, gender, education, spiritual, ritual) and uses quotes from participants in the study for the titles of her seven chapters. The titles and the quotes reflect that, although people spoke Portuguese, it was generally not their first language and they had not had upper level language study. Taking the larger projects and her own work together, she has a fairly board base, but she quotes a small number of people extensively. That has the advantage of giving the reader a better sense of those particular people, but also potentially the disadvantage of presenting a limited range of personalities. Bénard da Costa does not allow her reader to assume her speakers view is either straightforward or that it is the only viewpoint to consider – quite the contrary.

This book has three important strengths. The first picks up on the tension just mentioned. Bénard da Costa makes it clear that family life in these bairros is enormously complex, and that virtually every choice and strategy to survive and get ahead can and probably will have contradictory implications. Every effort to alleviate one problem may well feed into yet another. Poverty is expensive, anxiety producing, and destructive of personal relationships, while at the same time that it tends to drive people apart, it may as easily force them back together out of the need to pool and leverage what little they have. Often strategies remind us of the cliché about necessity being the mother of invention. Speaking of mothers, Bénard da Costa also consistently interrogates gender implications, although her favorite narrator Josué holds sway in his polygamous family, he is nonetheless surrounded by women, all of whom eventually have their say.

The second is the attention she pays to the depth, the importance, and again the complexity of peoples’ spiritual lives and the lives of people who have assumed

les comptes rendus 203

spiritual leadership. If you cannot sustain your spirit, you will never be able to feed your body, and when you can barely feed your body, sustaining your spirit becomes ever more important. The proliferation of healers, spiritual specialists and communities of believers are an important component refugee, displaced and desperate communities in the late twentieth and early twenty-first century Southern Africa. Instead of writing off the whole large and diverse range of spiritual and herbal practitioners as quacks or “obscurantist,” they have finally received atten-tion from scholarly, policy and practice based groups – like so much else they have come into the scholarly purview. The benefit of that, at the very least, is that it helps sort out who is and is not a “quack” and why.

Finally, as underscored in the title of her first chapter, Bénard da Costa and many social scientists insist on shattering the tenacious and yet historically fictive divisions within the city’s geography and economy. She not only titles her chapter, “the bairros are the city,” she sustains and confirms her assertion in her research. In her classic economic geography of Maputo before Independence Maria Clara Mendes asserted her intention to include the bairros de caniço in her larger study. João Sousa Morais echoed Mendes, and both were able to work in important information and perspectives from what Amâncio d’Alpoim Guedes, called “The Caniço”, but all worked largely from colonial documentation and patrimony. Only by accumulating a depth of survey and field research rooted in these neighbor-hoods and their populations will scholars actually be able to approach the city as a whole and escape the contradictory pattern that defined the city’s most populous neighborhoods as somehow ‘marginal to’ or ‘a ribbon around’ the real city.

I learned a lot from the extensive testimony quoted throughout the book, and Bénard da Costa’s thoughtful interrogation of virtually every aspect of the research. I have only two small caveats. First – and this is often true of survey data – why is so little made of the fact that around a third of the survey sample falls into the category, “don’t know” or “don’t reply”? I noticed, in part, because several colonial era surveys in Bairro and Posto de Munhuana also revealed between a third and a half in those categories. In those cases part of the problem was researchers conducting surveys in Portuguese with minimal knowledge of local languages. The researchers actually attributed the poor survey participation by African women to their minimal knowledge of Portuguese. The second caveat is that publishing the footnotes in 10 font or smaller made it very difficult for me to read without a magnifying glass and very good light. Africa is a very young continent, so perhaps this will not be a major marketing problem outside the aging professoriate.

November 2007, Jeanne Marie Penvenne

Sónia FRIAS, “Mulheres na esteira, homens na cadeira”? Mulheres, economia informal e mudança cultural : estudo realizado na cidade de Maputo, Lisbon, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 2006, 456 p., illus., paperback, ISBN: 972-8726-81-3.

Sónia Frias has written an interesting but uneven study of women in the informal markets of Maputo, Mozambique. She begins her book with lengthy chapters of

204 les comptes rendus

background material on the anthropology of urbanization and underdevelopment, and on women in developing economies. She also spends many pages discussing the definition of the informal sector and providing a brief overview of recent Mozambican history, both sections markedly ungendered in their presentation.

The second section, “A Cidade da Acácias,” opens with her personal observa-tions of Maputo, colored by the expectations she brought from her childhood in Mozambique, from which she was absent from 1974 until 1998. She describes the city, the street children, and the restaurants, but with little or no reference to the many studies which might quantify the presence of boys on the street guard-ing cars and selling cigarettes.

Section 3, “Mulheres e Negócios,” finally introduces the central topic of her book, market women in Maputo, but it does not begin until page 189, about half way through the text. She does a creditable job of organizing that information. There are interesting descriptions of the various modes of vending – from carts (tchovas), stalls on the sidewalk (bancas), and temporary spots marked by capula-nas or mats (dumbanengues), as well as from front yards. Women, she claims, prefer to remain in their yard or close to home, while the mobile tchovas are more often staffed by male vendors.

I was confused by some of her assertions. She states that “In most African countries, women traditionally go door to door to sell the surplus products of their family garden” (p. 219). This claim ignores the vast literature on women’s roles in markets, especially in West Africa where there is a long history of wom-en’s market organizations. She discusses the organization of vendors in Maputo, including the election of leaders, and the organization of rotating savings accounts but again without reference to the well-documented parallel histories of market women in other African countries. The study is most useful when presenting new information, for instance concerning the development of the organization of market vendors, Assotsi (Associação dos Operadores e Trabalhadores do Sector Informal).

The problem with Frias’s unsystematic and anecdotal approach can be seen by looking at two brief sections. In the first she discusses the increasing numbers of male vendors (p. 204-207). She begins by noting that the women she interviewed referred to the “students of the west” – men who had studied abroad and returned to Mozambique, only to find themselves without work and turning to street vend-ing. She then reports on the numbers of men among demobilized soldiers and people returning from the exile and dispersion of the war with Renamo. But she never indicates with precision how many of these men are now found among the vendors, and there is no suggestion that she herself collected statistical material or did any kind of a count to see the ratio of male to female traders in the markets or on the streets. The section is tantalizing but frustrating, as it raises issues but does not provide the data to sustain her speculations about the demo-graphics of the vendors.

In the second selection that illustrates the limitations of this book, Frias focuses on the lives of urban girls (p. 326-327). She again provides some interesting but limited observations, for instance claiming that “today in Mozambique, no boys will court a girl who goes about shoeless and wearing a capulana”, they are only interested in girls who have western clothing and wear shoes. This situation puts pressure on girls to spend money their families do not have in order to attract a

les comptes rendus 205

potential husband. The need for an income is the reason for the increasing numbers of young girls who are found selling in the streets and markets. As Frias concludes, again with no data to support her comments, “From what we could observe, these women appear to marry later than most other women.” While I believe that some of her conclusions are valid, they are not scholarly and persuasive.

The book is based on the oral testimony she collected, especially twenty-one life histories of women traders. Interspersed throughout the text are lengthy excerpts from the interviews and life stories she collected. At the back of the book are several pages of color photographs of the markets and vendors, which along with further illustrations in black and white throughout the book provide a useful visual context for understanding urban markets in Mozambique. These primary materials are valuable and give a real flavor of the lives of market women in Maputo.

While she relies in part for her analysis on publications by anthropologists and others concerning urban Africa, there are some very curious lacunae. She never mentions previous studies of urban women vendors in Maputo by Natalina Monteiro, Silvina Rodrigues de Abreu, Palmira Velasco, and Peter Little and Irae Baptista Lundin. She does not seem to be aware of the important work done by fellow anthropologist Ana Loforte on women and community in Maputo. There is no reference to Jeanne Penvenne’s work on the history of women and work in Maputo nor to my own publications on urban women in Mozambique, which also include information about women vendors. And her analysis would have greatly benefited if she had turned to some of the rich material on market women in other regions of Africa, including research on Ghana by Gracia Clark, Ghana and Kenya by Claire Robertson, Zimbabwe by Nancy Horn, and many other scholars.

The book is presented as a labor of love, written by a scholar who was happy to return to her childhood home and pursue research on an interesting group of women who live there. But the result is unfortunately limited by the gaps in her research. Because she does not incorporate the findings of earlier studies that might have provided a stronger context for understanding Mozambican market women, she misses some important points and in the end the book is disappointing.

November 2007, Kathleen Sheldon

Álvaro GARRIDO, Economia e política das pescas portuguesas. Ciência, direito e diplomacia nas pescarias do bacalhau (1945-1974), Lisbonne, Imprensa de Ciências Sociais, 2006, 189 pages, ISBN : 972-671-180-0.

De sa thèse de doctorat intitulée Abastecimentos e poder no Salazarismo. O Bacalhau corporativo (1934-1967) et soutenue en 2003 à l’Université de Coimbra, Álvaro Garrido a tiré deux livres. Le premier et le plus long a été publié en 2004 au Círculo de Leitores. Le second, plus succinct, ici recensé, l’a été en 2006 aux éditions de l’Instituto de Ciências Sociais. Dans cet ouvrage, l’auteur traite de la pêche à la morue entre 1945 et 1974 au regard de trois phénomènes étroitement enchâssés : la recherche scientifique sur les ressources halieutiques, l’évolution du droit de la mer et les relations diplomatiques liées à ce secteur économique. Face à l’évolution

206 les comptes rendus

du stock de morues dans l’Atlantique Nord, face aux progrès de la recherche sur ces poissons, aux techniques de pêche, aux transformations du droit de la mer et à l’action des autres puissances maritimes, Garrido décrit l’action – ou plutôt la réaction – du gouvernement, de la diplomatie, des armateurs et de la structure corporative portugais. Il s’attache notamment à la figure centrale et incontourna-ble du secteur des pêches pendant l’Estado Novo, Henrique Tenreiro, « patron des pêches » omniprésent au sein des structures corporatives liées à ce domaine d’ac-tivité, représentant des pêcheurs auprès du gouvernement et voix du gouvernement auprès des pêcheurs.

Les années 1945-1974 sont marquées par deux phénomènes majeurs qui vont profondément déstabiliser le secteur de la pêche à la morue portugaise. D’une part, le stock de morues dans l’Atlantique Nord, au large du Canada et du Groenland – régions où opèrent les bateaux portugais – décline. Cette évolution résulte en grande partie de la surpêche. Utilisant des outils technologiques de plus en plus performants et notamment des filets aux mailles étroites, les armateurs des différents pays ont ôté à la mer plus de morues que la reproduction naturelle de cette espèce n’en fournissait. Pourtant ce constat ne s’impose que lentement aux armateurs, à Henrique Tenreiro et au gouvernement portugais. Il faut, en effet, que la pêche décline et que leurs profits diminuent pour que les armateurs prennent conscience du phénomène sur lequel des biologistes attiraient l’attention depuis des décennies et dont les fâcheuses conséquences avaient été diagnostiquées par des économistes. Pour faire face à la diminution des stocks, des conventions internationales sont signées et des structures multilatérales voient le jour. Le Portugal participe pleinement à ces tentatives de régulation de la pêche à la morue qui se révèlent cependant relativement peu contraignantes pour les États et les pêcheurs.

Le second fait marquant de cette période est l’évolution du droit de la mer et la rupture avec le principe des trois miles, bande côtière de l’exclusive souveraineté des États. Du fait notamment de la Guerre froide et de la volonté de se prému-nir d’un péril maritime soviétique, les États-Unis agissent pour que la zone dans laquelle les États disposent d’une entière exclusivité soit étendue. Dans le cadre des Nations Unies, qui organisent plusieurs conférences sur le droit de la mer, le Portugal s’oppose vigoureusement à cette prétention car elle met en péril les intérêts des pêcheurs de morues qui naviguent au large du Canada et du Groenland (appartenant au Danemark). Toutefois, le gouvernement portugais est pris entre deux intérêts contradictoires. Membre de l’OTAN, farouchement anti-communiste, il ne peut que comprendre et adhérer à la dimension militaire de cette proposi-tion. Cependant, les intérêts de sa pêche la plus symbolique, dans laquelle il a abondamment investi depuis des décennies, sont en jeu. Au sein de plusieurs conventions internationales, le Portugal agit donc pour préserver ce qu’il considère ses « droits historiques », légitimés par la « tradition » de la pêche portugaise dans l’Atlantique Nord. Cependant, la convention de 1958 sur la mer territoriale auto-rise les États à élargir jusqu’à 12 miles leur zone d’exclusivité. Ce que prétendent faire dès 1963 le Canada et le Danemark, au grand dépit du gouvernement por-tugais qui essaie par le biais de négociations bilatérales de protéger les intérêts de ses pêcheurs. Le résultat de ces négociations n’est guère probant pour la diplo-matie portugaise qui n’obtient qu’une phase transitoire. Les bateaux de pêche portugais furent autorisés à continuer leur activité au large du Canada jusqu’en 1970 et au large du Groenland jusqu’en 1973.

les comptes rendus 207

Dans le dernier chapitre de son livre, Garrido montre comment l’oligarchie corporative des pêches, dominée par Tenreiro, fit face à ces évolutions et notam-ment à la diminution du volume des morues pêchées à partir de 1957. Confrontés à la baisse de la production, les armateurs exigent une hausse du prix de vente, fixé par le gouvernement dans une optique mercantiliste. La pierre de touche de la politique économique et financière de Salazar était en effet de stabiliser les prix et de combattre l’inflation, se protégeant ainsi contre ses effets politiques (reven-dications de hausses de salaire, parfois violentes). Le gouvernement résiste à cette revendication des pêcheurs mais multiplie les concessions (octroi de subventions, exonérations d’impôts, etc.). Toutefois, le système corporatif salazariste a entraîné la sclérose de ce secteur qui en trente ans évolue peu et se révèle incapable de moderniser ses outils de production (les bateaux) et ses manières de faire. De plus, l’évolution du droit de la mer et l’épuisement des ressources halieutiques amènent ce secteur au déclin. En 1967, le gouvernement libéralise le secteur d’activité en démantelant l’étroite régulation à laquelle il était soumis. Garrido décrit alors comment s’est opérée la transition du Portugal de puissance maritime à la situa-tion d’État côtier, transition résultant de la révolution de 1974, de la décolonisa-tion et de l’évolution du droit de la mer marqué par la création des zones économiques éxclusives s’étendant à 200 miles.

Dans sa conclusion, Álvaro Garrido estime que son étude sectorielle peut con-stituer un apport à la connaissance de l’Estado Novo, de sa politique économique et de son fonctionnement administratif. En effet, de nombreux parallèles auraient pu être tracés avec d’autres politiques publiques et notamment la politique agricole. Là aussi, le gouvernement portugais a dû affronter le déclin d’un secteur politique-ment influent. Comme dans le domaine de la pêche à la morue, le gouvernement a dû gérer les revendications des propriétaires agricoles (hausse des prix de vente de la production agricole) qui allaient à l’encontre de la stabilité des prix et des salaires imposés par Salazar. Dans ces deux « secteurs traditionnels », le système corporatif révéla son impuissance à gérer des intérêts divergents et sa tendance à freiner l’innovation. Néanmoins, Garrido achève son travail en soulignant la dimension diplomatique de la pêche à la morue. Il écrit ainsi que « a mais surpre-endente conclusão desta pesquisa » est que « mesmo sob um regime ditatorial e embora privi-legiando uma “diplomacia historicista”, Portugal cedeu a princípios e práticas de multilateralismo para defesa dos interesses da pesca do bacalhau nas águas longínquas da Terra Nova, do Labrador e da Gronelândia » (p. 154). On ne peut toutefois que nuancer cette conclu-sion. En dépit des discours de Salazar, de la propagande exaltant l’indépendance du Portugal et de la politique économique visant la substitution des importations par les productions nationales, le Portugal salazariste n’a pas pour autant quitté la scène internationale. La participation portugaise au sein de commissions pré-tendant connaître les ressources halieutiques est à mettre en parallèle avec la participation du pays à plusieurs institutions internationales nées après la seconde Guerre Mondiale (OECE, OTAN, ONU, AELE, etc.). Le Portugal intégrait les instances internationales afin d’influencer, modestement, les décisions prises. Pour défendre ses intérêts et notamment son indépendance, le gouvernement portugais préférait se trouver dans ces institutions plutôt qu’en dehors. C’est l’entrée du Portugal dans une institution supranationale qui aurait été véritablement surpre-nante. En effet, nationaliste, Salazar refusait toute perte de souveraineté. Mais cela n’était nullement le cas de ces institutions qui se limitaient, dans le cas de la pêche

208 les comptes rendus

à la morue, à promouvoir la connaissance des ressources halieutiques. Du reste, le Portugal n’avait pas vraiment d’autre choix que de participer à ces institutions. Ses armateurs pêchant au large d’autres États (le Canada et le Danemark surtout), le Portugal était extrêmement dépendant de leur volonté d’autrui et ne disposait de quasiment aucun élément de négociation. Se couper de toute organisation internationale et refuser toute négociation diplomatique n’auraient conduit qu’à l’incapacité de défendre les « droits historiques » revendiqués par les pêcheurs portugais.

Néanmoins cet ouvrage, reposant sur des archives diversifiées, analyse finement dans les multiples implications de la science, du droit international et de la diplo-matie tout en rendant compte de la manière dont le système corporatif et le gouvernement portugais réagirent. Se démarquant d’études trop centrées sur le Portugal et peu attentives aux contraintes internationales et naturelles, il peut offrir des pistes pour des études similaires dans d’autres politiques publiques sous le salazarisme.

Janvier 2008, Victor Pereira

Miriam Pillar GROSSI, Antonio MOTTA & Julie Antoinette CAVIGNAC (eds), Antropologia francesa no século XX, Recife, Editora Massangana da Fundação Joaquim Nabuco, 2006, 350 p., ill., ISBN : 85-7019-439-0.

Si on est quelque peu surpris lorsque, dès les premières lignes de la « Note expli-cative » les responsables de cet ouvrage collectif remarquent combien sont rares les « références sur l’histoire de l’anthropologie française dans la littérature spécia-lisée en général – et a fortiori au Brésil », on doit bien avouer qu’à la réflexion ce constat est fondé. En effet, par rapport au nombre considérable d’anthologies et autres recueils sur l’histoire de la discipline tant aux États-Unis qu’en Grande-Bretagne notamment, l’anthropologie française et son histoire apparaissent comme assez confidentielles. Aussi doit-on se féliciter de la parution de ce livre – préfacé par Nathan Wachtel, un historien pour qui histoire et anthropologie sont étroite-ment associées – qui rassemble un certain nombre de portraits qui sont aussi l’occasion d’analyses de fond, resituant ces personnes qui ont fait – ou qu’on utilise pour faire – l’histoire de l’anthropologie dans ce que cette dernière a de plus actuel. On trouve à la fin du volume une iconographie rassemblée par Fabienne Wateau comportant des clichés dont certains sont peu connus.

Deux remarques, toutefois, qui sans être essentielles, ne sont peut-être pas inutiles. La galerie de portraits présentée n’est pas celle d’anthropologues mais d’ethnologues, seule appellation en usage à l’époque. Reste, bien évidemment, que Claude Lévi-Strauss doit être considéré comme anthropologue puisque son nom est associé à l’anthropologie structurale. Quant à Lucien Lévy-Bruhl, ses théories généralisantes le placeraient plus du côté de l’anthropologie à venir et Marcel Mauss, enfin, toujours à part, précurseur et fondateur, retenons combien il accor-dait d’importance à l’ethnographie... La seconde remarque concerne l’absence de Roger Bastide. On connaît ses liens évidents et forts avec le Brésil, on sait qu’il a contribué à former nombre d’ethnologues – ou anthropologues – brésiliens. Son

les comptes rendus 209

nom n’apparaît qu’à la faveur du texte consacré à Maurice Leenhardt et si cette absence est certainement explicable, elle n’en est pas moins regrettable même si construire une histoire implique forcément des choix et donc des exclusions.

L’histoire de cette histoire, c’est-à-dire celle de l’élaboration de ce livre, s’est déroulée sur cinq ans au cours desquels se sont réunis au Brésil en deux occasions, lors de congrès, colloques et autres rencontres de ce genre (en 2001 à Salvador et en 2002 à Curitiba) celles et ceux dont les contributions sont publiées dans ce livre.

Aux ethnologues et grandes figures déjà citées – L. Lévy-Bruhl, M. Leenhardt, M. Mauss – viennent s’ajouter, dans le même texte, Germaine Dieterlen, Germaine Tillon, Denise Paulme et enfin Marcel Griaule. Deux textes vont clore la série de portraits, le premier pour comparer Michel Leiris et Claude Lévi-Strauss, plus exactement l’Afrique de l’un et les Tropiques de l’autre, le second, sous forme de dialogues pour souligner les liens entre l’anthropologie française et Marcel Mauss qui se voit, si besoin était, confirmer son rôle de fondateur d’une discipline bien paradoxale puisqu’elle érige le travail de terrain en nécessité et que celui dont elle revendique la filiation n’en a jamais fait. Chaque texte, tout en donnant les principaux éléments biographiques et bibliographiques, va surtout s’attacher à des points particuliers de l’œuvre de ces « figures célèbres » et les mettre en relation, et c’est là une des caractéristiques très intéressantes de l’ouvrage, avec les débats les plus récents ; et le mérite – et certainement l’ambition – de ces contributions est bien de donner une modernité (au bon sens du terme) incontestable à ces ethnologues du début du XXe siècle.

Le premier texte, de J.A. Cavignac, de l’Universidade Federal do Rio Grande do Norte, est consacré à Maurice Leenhardt, ce « pasteur protestant “converti” à l’anthropologie » (p. 28). Il souligne l’originalité de sa vie et de son œuvre, qu’il fut un des premiers à effectuer un long travail de terrain en Nouvelle-Calédonie – dix ans avant B. Malinowski dans les îles Trobriand – alors que l’anthropologie fran-çaise, en devenir, était plus préoccupée de constructions intellectuelles et phi-losophiques que de descriptions ethnographiques. On doit retenir son engagement pour la défense des indigènes – les Kanaks – et de leur culture face à l’entreprise coloniale ainsi que – mais on ne peut dissocier les deux aspects – l’importance qu’il donnait à ce qu’on appelle aujourd’hui – pour moderniser sa pensée – les catégories indigènes. De même peut-on dire que Leenhardt mettait en évidence la fonction performative du mythe qui, loin d’être un texte mort, objet de savantes analyses, est avant tout dit, entendu, vécu, et efficace. Entre les traditions empiriste britannique et intellectualiste française, Maurice Leenhardt occupe une place à part dans l’ethnologie française naissante.

M. Lara, de l’Universidade Federal do Parana, s’attaque à l’œuvre sans doute la plus célèbre de l’anthropologie, un de ses actes fondateurs, peut-on dire : il s’agit évidemment de l’Essai sur le don – ce terme que Mauss trouvait peu satisfaisant mais, comme il l’écrit, il n’en voyait guère d’autre ! Alors, avec C. Lévi-Strauss, on le sait, le don se transforme en échange et en alliance, ce par quoi – et sur quoi – se fondent la culture et la société. Mais ce n’est pas ce que retient l’auteur. Dans sa lecture de l’Essai, il se situe, en incluant dans la discussion les travaux les plus récents, entre l’économique (le don et le marché) et le politique (sociétés précapitalistes et sociétés « modernes ») avec, en arrière plan, les positions politiques

210 les comptes rendus

de Mauss qui donnent un éclairage révélateur à l’Essai, notamment dans la con-clusion qui ne peut se comprendre qu’au regard des convictions socialistes de Mauss.

Marcel Griaule et le secret : tel est le sujet du texte de F. Giobellina Brumana, de l’Université de Cadix. Que Griaule, qui se confond avec les Dogons, comme Evans-Pritchard avec les Nuer ou Malinowski avec les Trobriandais, Griaule qu’on ne peut dissocier d’Ogotemmêli, son informateur aveugle, ait été un des pionniers de l’ethnologie française, point n’est besoin d’insister là-dessus. Que Griaule ait, à travers le déchiffrage de la pensée des Dogons, montré qu’ils étaient « comme des frères perdus au cœur de l’Afrique » (p. 133) et qu’il les a sortis de leur « primi-tivité », cela est également certain. Il n’y a pas de primitifs et les philosophies sont égales entre elles. Le secret, cependant, a une position ambiguë : comment parler d’une culture homogène lorsqu’une partie est tenue secrète ? De même, obsédé par la pensée, Griaule « oublie » d’être ethnographe et de décrire, par exemple, les rites thérapeutiques pratiqués par Ogotemmêli, c’est-à-dire une pensée en action. Autant de questions posées par l’auteur, s’appuyant sur les derniers travaux con-cernant les Dogons. Reste que Griaule est « intangible » et que son œuvre est presque sacrée. La critique est délicate et même l’anthropologie britannique, comme sous la plume de Mary Douglas, ne l’exerce qu’avec doigté et mesure.

Né vingt-cinq ans avant Mauss, Lucien Lévy-Bruhl entretient avec l’anthropologie et les sciences sociales une relation « peu tranquille » et à beaucoup d’égards représente un référent négatif. Tel est, en substance, le début du texte de M. Goldman de l’Université Fédérale de Rio de Janeiro, qui se poursuit par une analyse d’une grande érudition, faisant appel aux philosophes, aux débuts de la sociologie et, comme toujours dans ce recueil, aux études les plus récentes et qui constitue, on le devine vite, un plaidoyer pour L. Lévy-Bruhl. Et s’il est fréquent de citer ses Carnets posthumes pour défendre son œuvre, il s’avère – et c’est là une des idées principales de cette contribution – que préférer la « pensée sauvage » telle que C. Lévi-Strauss la définit en opposition à la « mentalité ou la mythologie primitive » ne résout pas entièrement la question : les universaux, logiques ou sociaux, ne sont pas les seuls objets légitimes de l’anthropologie. Car il faut bien considérer qu’existent des formes différentes de pensées (qu’elles soient en grand ou petit nombre) s’opposant à la nôtre et dont on peut apprendre beaucoup. Plus complexes que ce qu’on a l’habitude d’en dire, on peut voir dans les ouvrages de Lévy-Bruhl que connaissance et théorie peuvent être révisées dans une démarche autocritique et qu’elles doivent éviter tout dogmatisme qui, de fait, signifie un arrêt de la démarche scientifique.

« Deux Germaines et une Denise : des élèves de Mauss » : tel est le joli titre du texte de M.P. Grossi de l’Université Fédérale de Santa Catarina, ces trois femmes de même génération et d’origines sociales différentes que le hasard de la vie a réuni dans les lieux où Mauss dispensait son enseignement. Texte fondé sur des entretiens (complétés par une recherche dans les archives) avec ces trois personnes, histoires de vies donc, parfois parallèles, parfois croisées, de ces premières femmes ethnologues dont Mauss orienta le travail de terrain. On y trouve ce qui, en un premier temps, semble relever de l’anecdote mais qui prend un autre sens lorsqu’on le rapporte à la construction en cours de la profession. Ainsi, par exemple, apprend-on que ce sont des financements britanniques obtenus par Mauss qui permirent à Denise Paulme et Germaine Tillon d’effectuer leur première mission ; que

les comptes rendus 211

Malinowski faisait parfois partie de l’auditoire de Mauss – ce qui peut expliquer l’insistance de ce dernier sur l’échange kula dans l’Essai sur le don ; que Mauss, en portant son attention sur ces trois élèves évidemment exceptionnelles, pensait au moyen de compléter les données ethnographiques bien maigres sur le monde des femmes – après tout, la moitié de toute société – et que seules des femmes pou-vaient le décrire et le comprendre, encore que Denise Paulme écrivait : « Mauss nous demande une société de femmes, je ne demanderais pas mieux, mais nous ne pouvons pas la fabriquer, et je ne vois aucun signe de son existence jusqu’ici . . . » (p. 244). Et comment passer sous silence l’anthropologie du monde féminin faite par des femmes et le féminisme dont toutes les trois, ethnologues avant tout, se démarquaient. Ce point reste quelque peu en suspens, et laissé, pourrait-on dire, dans l’époque, ce qui est d’autant plus méritoire que l’auteure est une spécialiste du féminisme. Il faut enfin souligner la nature et le ton particuliers de cette con-tribution parce qu’il s’agit – et ce n’est pas une mince différence – de personnes que M.P. Grossi a rencontrées, d’où cette sensation de vie qui s’en dégage.

Les deux textes suivants forment un ensemble car il y est question de l’écriture de l’ethnologie à propos d’ouvrages que l’on peut considérer comme précurseurs. Dans le premier, A. Motta, de l’Université Fédérale de Pernambouc, examine la place de L’Afrique fantôme de Michel Leiris dans l’africanisme – et l’ethnologie – nais-sants. Dans le second, F. Peixoto, de l’Universidade de São Paulo, se livre à une comparaison entre C. Lévi-Strauss et Michel Leiris et leur vision respective des Tropiques et de l’Afrique. Dans ces deux contributions, la question centrale est bien la façon d’écrire l’ethnologie, le « genre » (au sens littéraire du terme) auquel elle appartient, entre monographie « scientifique » et récit impressionniste ou sub-jectif. Certains diraient aujourd’hui (mais peut-être le dit-on de moins en moins) que l’ethnologue est aussi – et surtout – un auteur, un écrivain, ce qui, on le sait, sera au cœur de débats parfois lassants, bien des années après la rédaction de ces ouvrages.

Quelle place pour l’africanisme au début du XXe siècle et, de façon générale, pour le travail de terrain dans l’ethnologie française ? À part les travaux de M. Leenhardt qui, comme on l’a vu, semblent avoir été oubliés, tout commence en 1931 avec la mission Dakar-Djibouti financée par le gouvernement français dans laquelle Michel Leiris devait assurer le secrétariat ainsi que l’étude des reli-gions. Si l’un des principaux buts de la mission était la collecte d’objets ethno-graphiques, elle produisit surtout des travaux scientifiques (monographies, recueils de tradition orale, par exemple). M. Leiris, quant à lui, ramena L’Afrique fantôme, un journal de terrain qui ne plût ni à Mauss ni à Griaule (notons, au passage, que P. Rivet n’aimait guère Tristes tropiques) mais beaucoup à André Malraux ! En effet pour comprendre l’ouvrage – et cette partie de l’œuvre –, les références sont littéraires : Conrad, Melville, Rousseau . . ., sans oublier, en arrière-plan, le mouve-ment surréaliste. Alors doit-on placer M. Leiris dans le camp des écrivains ? Certainement, mais aussi dans celui des critiques de la colonisation et d’une cer-taine pratique de l’ethnologie. L’Afrique fantôme est à la fois une enquête sur soi et un plaidoyer fort pour l’indépendance des peuples africains.

Rien de tel dans les Tropiques de C. Lévi-Strauss. À croire que les tropiques américains sont bien différents de ceux de l’Afrique. Il s’agit pourtant de deux voyages dont on dit qu’ils sont initiatiques, deux voyages marqués par la déception face à la dégradation : les Indiens du Brésil ne sont plus ce qu’ils auraient dû être,

212 les comptes rendus

c’est-à-dire « purs » (si tant est, pense-t-on aujourd’hui et avec raison, qu’un tel état ait jamais existé) mais ils sont en fait un prétexte à des réflexions qui dépas-sent largement le cadre américain, alors que l’Afrique et les Africains sont les véritables objets du regard de Leiris qui voit un continent colonisé et des popula-tions opprimées. Chez lui, la réalité est moins « filtrée » que chez Lévi-Strauss, plus immédiate, car elle a été transcrite et publiée à son retour de mission alors qu’il a fallu attendre plus de vingt ans pour que Tristes tropiques voient le jour. Récit et réactions épidermiques d’un côté, fabrication et réflexion soigneuses de l’autres : deux façons de faire de la littérature. Après le terrain, tous deux se formèrent à l’ethnologie : Leiris y résista (écrivain d’abord, ethnologue ensuite, écrit-il) alors que Lévi-Strauss forma l’ethnologie qu’il souhaitait, à savoir l’anthropologie structuraliste. La différence des objets (Amérique vs Afrique) n’explique sans doute pas tout : options et projets (science vs littérature) des auteurs étaient bien différents même si le genre a l’air d’être le même. Reste que l’on ne peut s’empêcher – en sortant du cadre du texte – d’imaginer Claude Lévi-Strauss participant à l’expédition Dakar-Djibouti et Michel Leiris face aux Bororo, Nambikwara et bidonvilles de São Paulo : alors peut-être la face de l’ethnologie aurait-elle été changée ?

L’ouvrage se termine sur celui qui, décidemment, est bien à l’origine de l’anthropologie française, sous forme d’une « conversation » entre Marcel Fournier, grand spécialiste de Mauss et un certain nombre de contributeurs (Grossi, Lanna, Cavignac). Trois thèmes sont discutés : la Deuxième Guerre mondiale, les musées et exposition coloniales, les femmes et l’anthropologie française. Dans ce dialogue, on trouve à la fois des anecdotes et des réflexions de fond – bien souvent d’ailleurs, c’est l’ensemble qui fait sens, comme l’on dit, et toutes deux se nourrissent mutu-ellement. Il en ressort également l’importance de la position politique de Mauss. Certes, plusieurs lectures sont toujours possibles ; mais il est certain qu’elle marque son œuvre et qu’au fond, et de manière générale, il est difficile de ne pas prendre en compte, dans les textes d’anthropologie, la perspective politique des auteurs quelle que soit la volonté de neutralité et d’objectivité affichée. L’artifice, au bon sens du terme, du dialogue donne vie à ces débats et les photographies – peut-être en trop petit nombre – que l’on trouve à la fin du livre confirment ce sentiment.

Il s’agit, pour conclure, d’un très bon panorama critique, reliant passé et présent et qui prouve, si besoin était, la qualité de l’anthropologie brésilienne et les liens privilégiés entretenus avec l’anthropologie française. Il y a, me semble-t-il, un savant dosage entre les histoires – ou anecdotes – et l’Histoire de la discipline, de ses débuts à aujourd’hui – mais il est vrai que c’est l’addition des unes qui permet de construire l’autre.

Le public lusophone est large et ces textes sont certainement accessibles à ceux qui lisent l’espagnol. Reste qu’on peut souhaiter voir ce livre traduit en français. Ce regard extérieur sur l’anthropologie française serait le bienvenu et trouverait parfaitement sa place au sein des ouvrages, voire même complèterait heureusement ceux qui existent déjà et qui sont, comme on l’a noté au début de ces pages, en bien petit nombre. Mais, face aux contraintes qui sont celles des maisons d’édition, il faut être réaliste et, plutôt que d’attendre, il est plus sage et plus prudent d’acquérir quelques rudiments de langue portugaise et de se procurer le livre.

Juin 2008, François-René Picon

les comptes rendus 213

Leila Leite HERNANDEZ, Filhos da terra do Sol – a formação do estado-nação em Cabo Verde, São Paulo, Selo Negro, 2002, 217 p., ISBN : 858747819-2.

Este livro compreende um período histórico que vai das origens do povoamento das Ilhas de Cabo Verde no século XV à transição democrática nos inícios dos anos noventa do século XX. Ele aborda os temas mais diversos desde a sociedade esclavagista e o tráfico negreiro, à propriedade da terra, às revoltas, a colonização, as classes sociais, a estrutura política-administrativa, o nacionalismo, o pan-africa-nismo, a luta armada, a relação entre a vanguarda e as massas, a independência, as dissenções, os principais desafios actuais. Relacionadas com esses temas analisa várias questões como o « carácter específico da colonização portuguesa », o papel de Cabo Verde « no sistema atlântico da política ultramarina portuguesa », « as características responsáveis pela constituição da sociedade caboverdeana », as condições históricas por meio das quais se formou o processo de contestação do colonialismo e a emergência do novo movimento emancipatório. A abordagem da L. L. Hernandez para compreender um tão vasto período histórico e um tão variado número de temas e questões consiste na « reconstrução histórica » que procura recuperar, segundo a autora, « o processo histórico de constituição e desenvolvimento da sociedade caboverdeana de acordo com os seus principais actores, os caboverdeanos ». Dada a amplitude do trabalho a autora chama-nos a atenção pela « tensão contínua entre os temas » e um certa « falta de simetria ». È precisamente esta tensão e as assimetrias que nos levam a seleccionar apenas alguns dos grandes temas, a saber as raízes, o pan-africanismo, a emancipação nacional.

A tese avançada pela autora segundo a qual « o processo de formação da consciência nacional marcando o momento pelo qual no contraste com a cultura ocidental afirma-se uma cultura, um povo, que não existe como nação, mas cer-tamente existe como entidade cultural » não parece ser demonstrada ao longo do trabalho ; pelo contrário, há mesmo afirmações que a contrariam plenamente. Cito como exemplo a referência feita pela autora ao papel da diáspora como factor de criação de uma « comunidade imaginada » que é, na citação de Benedict Anderson, « imaginada porque nem mesmo os membros das menores nações jamais conhecerão a maioria de seus compatriotas, nem os encontrarão, nem sequer ouvirão falar deles, embora na mente de cada um esteja viva a imagem da sua comunhão » (p. 126). Essa relação leva a autora a afirmar que paradoxalmente, « a emigração está relacionada, directamente, com o processo pelo qual se forma a consciência nacional ». Se levarmos em conta que a emigração sucedeu quase imediatamente o fim da tráfego negreiro no século XIX devemos concluir que essa consciência ou pelo menos as suas palpitações já se registavam nessa época. Uma outra fonte dessa consciência nacional advém das revoltas dos escravos e dos rendeiros cujo valor e importância foram subestimados pela autora. Os trab-alhos recentes do historiador A. Correia e Silva sobre um movimento com carac-terísticas dos quilombos na localidade de Julanque, que infelizmente são posteriores ao trabalho da autora, teriam podido ajudar à uma melhor compreensão.

A autora mostra que as raízes da sociedade caboverdeana são rizomas que se espalham em diversas direcções. A reconstrução histórica feita do período escla-vagista mostra Cabo Verde como um centro estratégico do comércio triangular onde as mercadorias vindas da Europa seriam trocadas por escravos transportados

214 les comptes rendus

para a América, em particular para o Brasil, onde produziam os produtos trop-icais, café, tabaco, açúcar, algodão e cacau que seriam vendidos na Europa a troco de dinheiro. Os investimentos dos negreiros para estas operações eram muito exigentes e levavam três a quatro anos para a sua rentabilização. Estes investi-mentos eram avultados mas os rendimentos resultantes dessas operações eram enormes. Cabo Verde era neste circuito um ponto de maior segurança em relação às feitorias implantadas no continente africano, quer para o abastecimento dos navios quer para a produção de algumas mercadorias que podiam também entrar no tráfico como a aguardente, a urzela, o indigo, os panos e as vacas. Algumas dessas mercadorias produzidas localmente deram alguma autonomia aos « mora-dores » que em alguns momentos eram concorrentes dos « reinóis ». A produção dessas últimas mercadorias necessitava também de mão-de-obra escrava que devia por conseguinte ficar nas ilhas. Acabou por se constituir um duplo sistema, um conduzido por negreiros « reinóis » que utilizavam as ilhas como um ponto de apoio à circulação geral dos escravos e outro por « moradores », proprietários de terra e negreiros, que pretendiam rentabilizar a mão-de-obra escrava in loco. As referências feitas pela autora às proibições decretadas pelos reis resultaram exact-amente dessas contradições entre interesses divergentes. A análise do « Tratado Breve dos Rios da Guiné do Cabo Verde » (1594), de André Álvares d’Almada, infelizmente pouco explorado pela autora, permitiria aprofundar melhor essas contradições. O dispositivo1 de Álvares d’Almada consiste na organização do Império pela criação de um novo pólo descentrado, uma espécie de delegação da « dominação », que passaria pela subalternização do Brasil (estamos a pouco mais de cinquenta anos da « descoberta » do Brasil), a construção de um pólo de rea-bastecimento do comércio com a Índia e a utilização da força de trabalho dos escravos em África e não fora dela, a sua ocupação pelos « moradores » de S. Tiago (Cabo Verde) e a « assimilação » dos reis africanos através da cristianização.

O sistema negreiro levou à criação na Ribeira Grande de um empreendimento de « ladinização » ou seja de atribuição de alma aos escravos negros através do baptismo e dos ensinamentos de rudimentos de latim e da catequese. Esses escra-vos tinham um destino diferente dos demais, os escravos « boçais », na medida em que eram maioritariamente empregues no Brasil como escravos domésticos e não nas plantações. Esta enorme tarefa ultrapassava a capacidade do clero « reinol » e levou à formação de um clero autóctone que em 1652 pôde impressionar o Padre António Vieira, na sua passagem a caminho do Brasil, onde encontrou « padres negros como azeviche » que por serem tão sapientes e conhecedores do latim podiam suscitar inveja dos padres do reino. Começava deste modo a classe de letrados que iria mais tarde, com a introdução da Imprensa Nacional, em 1842, produzir uma literatura virada para as questões nacionais, o que se designa por nativismo. A autora podia ter visto essa relação e poderia deste modo situar melhor as origens da intelectualidade que ela trata com muita pertinência e rigor.

Ao abordar o pan-africanismo a autora realça a sua afinidade com o conceito de raça tal como foi elaborado pelo pensamento ocidental no século XIX. Se os ideais biológicos e éticos da Europa e dos EUA do século XIX inspiraram a

1 O dispositivo é aqui tomado no sentido de M. Foucault ou seja como « estratégias de rela-ções de força, apoiando, e apoiadas por, tipos de conhecimento », in Power/Knowledge, Brighton, Harvester Press, 1980, p. 196.

les comptes rendus 215

construção pan-africanista do século XX, o contexto específico da dominação dos afro-descendentes nos Estados Unidos foi o quadro social a partir do qual os intelectuais afro-americanos, em particular Du Bois e Crummell, elaboraram as principais concepções. Apesar da tentativa de uma concepção sócio-histórica de raça que se encontra em Du Bois, este autor acaba por recair na ideia biológica do « sangue comum » e no sentimento de raça como família tal como se encontra em Crummell. O pan-africanismo ao recriar uma identidade africana baseada nas tradições leva a uma minimização da diversidade cultural e identitária dos afri-canos. Essa uniformização pode ter tido algum impacto na adesão relativa dos ideais pan-africanos na intelectualidade cabo-verdeana. Essa especificidade, apre-sentada muitas vezes como um fenómeno da mestiçagem, analisada em completo desfasamento com a estrutura sociológica, como se os mestiços fossem uma camada social, deve-se sobretudo à história do colonialismo em Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, podendo ser considerada como anterior à dos outros povos continen-tais, para quem a colonização propriamente dita só pode realmente ser assim classificada a partir do século XIX.

A história do movimento de emancipação acabou por ser pouco crítica da história oficial e podia ter aprofundado melhor alguns aspectos que deixa apenas entreabertos, nomeadamente as contradições e cisões no seu seio. A primeira diz respeito às tensões entre os caboverdeanos e os guineenses no seio do PAIGC que se agravaram com a política de « Guiné Melhor » levada a cabo pelo governador Spínola que visava separar a direcção do movimento nacionalista das bases que o suportavam. O governador colonial, seguindo as lições da guerra de Vietnam, procurou transformar a guerra nacional em guerra civil. A criação dos Comandos Africanos, a organização dos Congressos do Povo e a organização de manifestações de rua em Bissau contra a presença dos caboverdeanos na Guiné faziam parte dessa estratégia. Esta teve consequências fortes no interior do PAIGC e exacerbou a distância entre a direcção e a base, que sociologicamente tinham uma composição distinta. A direcção era predominantemente composta por membros saídos das classes urbanas, na sua maioria crioulos, com formação e educação portuguesa, entre os quais se encontrava um bom número de caboverdeanos e luso-guineenses. A base era composta por camponeses oriundos de várias etnias, entre os quais havia um predomínio de camponeses balantas. Apesar da heterogeneidade do movimento nacional, a unidade se fazia em torno dos objectivos da independên-cia dos dois países graças à capacidade de liderança e ao génio de Amílcar Cabral. A estratégia spinolista teve uma forte acção de erosão dessa unidade que se tor-nava cada vez mais difícil de manter à medida que as exigências da luta prolongada aumentavam e que alguns privilégios, ainda que mínimos, eram acordados à direcção baseada em Conakry. Pode-se certamente afirmar que a morte de Amílcar Cabral resulta dessa erosão. O PAIGC teve ainda recursos para recriar uma unidade que se manteve ainda por alguns anos, o tempo necessário para obter as independências na sequência do 25 de Abril em Portugal e criar as primeiras bases do Estado até 14 de Novembro de 19802. A autora podia ter melhor analisado esta crise se ela a tivesse visto como a continuação da crise que tinha

2 Data do golpe de estado liderado pelo então primeiro-ministro Nino Vieira à frente do « Movimento Reajustador ». Paradoxalmente, nessa noite o cinema de Bissau passava o filme Estado de Sítio de Costa-Gavras.

216 les comptes rendus

levado à morte de Amílcar Cabral. O « Movimento Reajustador » relança o nacio-nalismo guineense e procura unir as diversas facções da sociedade guineense que tinham participado quer na política da Guiné Melhor quer nos movimentos nacionalistas que se tinham oposto ao projecto unitário do PAIGC. Esta unidade faz-se pelo relançamento de uma nova reconstrução identitária, a dos filhos do chão, ou seja de uma autenticidade autóctone dos verdadeiros filhos da Guiné que é necessariamente excludente em relação aos caboverdeanos e seus descendentes, considerados a partir de então como burmedju3, passando estes a ocupar postos cada vez mais subalternos na hierarquia do Estado. Este movimento é gerador de novas contradições cuja análise merece a pena ser efectuada a fim de se com-preender as crises actuais da Guiné-Bissau.

Finalmente, quando a autora se refere às disputas « acirradas » relacionadas com o grupo de militantes provenientes de Lisboa como sendo « o principal problema do partido desde 1975 até ao expurgo dos elementos mais radicais em 1979 » e procura mostrar que esse grupo estava dividido por tendências políticas que coin-cidiam com origens distintas entre as ilhas do Barlavento e do Sotavento, con-statamos na análise simplismo e ingenuidade. Uma leitura mais atenta dos acontecimentos históricos poderia ter feito ver que a partir do 25 de Abril de 1974, a formação do Governo de Transição em Dezembro de 1974, as mobili-zações e a recepção do Secretário-Geral do PAIGC em Fevereiro de 1975 pres-supunham a existência de um alto grau de organização interna do PAIGC que pouco deve à direcção que se encontrava no exterior. O grupo a que a autora faz referência não se distinguia pelas origens geográficas mas pela sua grande juventude, forte entusiasmo e uma influência das ideias revolucionárias que mobi-lizavam a juventude de todo o mundo nessa época, em particular as que resulta-vam da crítica ao socialismo real e ao modelo estalinista de construção do Estado. As divergências surgem de diferenças entre gerações políticas e entre as perspec-tivas « realistas » e « utópicas » da construção do Estado. As diferenças entre as ilhas acabam por ter significado quando a construção do Estado privilegia o modelo patrimonialista de distribuição dos privilégios no seio do grupo dirigente. Por razões históricas que não cabe aqui analisar, a direcção do PAIGC do « exte-rior », que assumiu a direcção do Estado, é principalmente originária das ilhas de Barlavento. Este conjunto de circunstâncias desencadeou um movimento identitário santiaguense4 que se sentia excluído das esferas do poder. Este foi um dos facto-res determinantes no apoio dos santiaguenses à organização do principal movimento de oposição, o MpD, cujo núcleo central era o « grupo » dissidente referido ante-riormente. Essa adesão e o peso demográfico que representa pesou fortemente para a vitória da oposição nas eleições democráticas de 1990. A estes factores se deve acrescentar a forte influência da Igreja Católica nessa oposição e sobre os santiaguenses.

Outubro de 2007, Raul Mendes Fernandes

3 Termo para designar mestiços entre brancos e negros que não envolve apenas os cabover-deanos ou os seus descendentes mas os filhos de portugueses, de libaneses e outros grupos de epiderme clara.

4 Os habitantes da Ilha de Santiago representam uma maioria no conjunto do arquipélago.

les comptes rendus 217

Odile JOURNET-DIALLO, Les Créances de la Terre : Chroniques du pays Jamaat (Jóola de Guinée-Bissau), Brepols, Turnhout (Belgique), 2007, 368 p. + vi, ISBN-13 : 978-2-503-52666-9 (« Bibliothèque de l’École des Hautes Études, Sciences Religieuses » [Paris], 134).

As Director of Studies at the Institut d’Ethnologie des Religions d’Afrique noire, and sub-director of the Centre d’études des Mondes africains, Professor Journet-Diallo has crafted a distinguished career trying to understand the thought-systems and ritual practices of Sub-Saharan populations. The book under review is a major effort in that direction. It explores a central question, namely what are the social and ceremonial ties that, in the absence of all centralized authority, bind the egalita-rian Kujamaat Jóola of the Casamance, in Senegal, and neighboring Guinée-Bissau, to their land and its precarious resources? Living in communities placed between the forest and tidal river channels, the 20,000 or so Kujamaat in the region have carved productive rice-fields out of the mangrove vegetation. Not surprisingly, the control of cultivated spaces, as well as those not transformed by human effort, lies in the system of spirit-shrines (the ukiin) which their keepers or officiants maintain, and sacrifice to, in order to assure a positive relationship between com-munity inhabitants and invisible life-forces.

Focusing her research of fifteen years on the village of Esana – called Suzana by the first Portuguese settlers –, located north of the Rio Cacheu near the bor-der with Casamance, the author skillfully outlines the general history of the region from colonial times to the present, and then traces, in great detail, the particular trajectory of this village (or esúkey), which nowadays numbers some 2000 perma-nent residents. Formed by agglomeration, absorption, and dispersion, the inhabit-ants of the Esana esúkey appropriated the rice-fields and palm groves of neighboring villages, also seizing their shrines by violent methods, including war-fare. But inter-village relations were not always hostile. In the past, as well as at the present time, the organization of ritual wrestling matches, and hunts, where strict rules concerning the distribution of game meat exist, serve to maintain cordial relations among separate community members. Turning to an analysis of the internal structure of a jamaat village, Journet-Diallo mentions the quartiers, of which Esana has four, and the more numerous sub-quartiers. She explores the composition and function of these units and then mentions the uses – such as wrestling matches, dances, meat distribution – to which collective spaces are put. Moving on to the structure of compounds, made up of co-resident patri-groups, she discusses the dynamics that surrounds relations within the houses where con-jugal units dwell, keep their own secluded granaries, and cultivate their enclosed backyard gardens. Special emphasis is placed on the crucial roles performed by the numerous spirit-shrines lodged within each of these divisions in their definition and continuity. No less important are the attitudes that govern relations beyond the lived-on spaces where rice-fields, palm-groves, and the secular or sacred forests, inhabited by animal-doubles, are found.

Within these socio-spatial units are nested the essential kinship relations that revolve around the patri-groups or collectivities of agnatic relatives. What are the complex rules that govern behavior towards patri-kin? How do these guide the transmission of rice parcels at the time when a young man marries, or when an

218 les comptes rendus

elder dies? In which ways do the out-married females (the kuríimen) play important roles in their natal contexts, and in the homes of their brothers? Although a woman does not inherit land, how can she borrow a parcel or more, and from whom, in order to grow her own rice? In Kujaamat society, as among all Jóola groups, a special place is reserved for the sister’s son. What privileges and protec-tion from his uterine uncle does he enjoy, and what are his ritual duties, particu-larly when there is a death, in his mother’s patri-group? If these attitudes towards agnates and matrilateral kin may be defined as generally supportive, what feelings, in contrast, guide interactions with affines? Even though, as in Esana, two-thirds of all marriages take place within village boundaries, why are attitudes towards affinal kin generally ambivalent if not hostile? These are only some of the ques-tions Journet-Diallo raises and helps resolve using the wealth of ethnographic data she has collected.

In the discussion that follows this informative socio-ritual account, the author is, in my opinion, on less solid ground. In her rendition of ‘la personne jamaat’ she dwells on distinctions that separate such notions as ‘body’, modes of thinking, bodily parts and fluids, and so forth. While these are certainly important, it is not clear what precise roles they play in the construction of an individual person. The difficulty lies, understandably enough, in the fact that the Kujamaat are reticent to reveal these processes to an outsider. Thus, what really, defines and constitutes the yaloor, or soul, is ill-defined. And there is little new that Journet-Diallo has added to J. David Sapir’s excellent discussion of the siúúm or animal doubles. These are complex notions requiring a mastery of the local language that we don’t know whether the author possesses. It is here that we should men-tion the outstanding research done on various Jóola groups by ethnographers with a high degree of language competence.

In the following chapter, where she discusses various kinds of conflicts and disputes, Journet-Diallo is, once more, at her analytic best. She pursues the subtle meanings conveyed by the concept elob, grave words whose utterance threatens the social and familial peace. Two contexts where familial tensions, including the suspicion of murder, erupt are the public judgment, attended by village notables and a numerous public, and the questioning of the deceased to determine the cause of death, and to elicit his comments about village problems. The example of a judgment that she provides, one that concerns an accusation of theft, com-plicated by a breach of the rights of a young man vis a vis his maternal uncle, and the suspicion that a sacrifice of personal revenge has been committed, is particularly revealing. This emotional affair was not intended to accuse or punish the culprit but to reiterate the principles that should guide proper interfamilial relations, including the rights of access to rice fields, and to palm products, by a sister’s son. The interrogation of the corpse is one of the most dramatic rituals ‘traditional’ (non-Muslim or Christian) Jóola perform. After sacrificing to the relevant spirit-shrines, the deceased is placed on a stretcher, adorned with bull horns, that is carried by four of men. Facing the individual who is posing the questions – who can be anyone of those present – the stretcher is made to advance, to indicate an affirmative answer to the proposed causes of death, or to retreat, to signal a negative response. The purpose of this divinatory exercise is for the person who is questioning the corpse to absolve himself of all suspicion concern-

les comptes rendus 219

ing the death. By providing three well-chosen examples, Journet-Diallo vividly conveys a sense of the kinds of questions that are asked, and the manner in which the past actions of the deceased, and his interactions with others, is revealed. At the end, she lists the principal causes of death as being witchcraft, the improper use of spiritual power or, more commonly, a transgression committed towards a spirit-shrine. All these unacceptable conducts must be expiated through a sacrificial rite.

In Chapter 4, the author explores the central Kujaamat notion of ñiñi, that she aptly translates as ‘forbidden’ (acts), such as theft, murder, the neglect of agrarian rituals, the revelation of forbidden knowledge, and so forth. In one way or another, these behaviors overstep boundaries, be they between the genders, among times and spaces, or amid certain kinds of knowledge and actions. Like other transgressions, these polluting behaviors must be expiated by performing a sacrifice. Crucial to the construction of female identity are the rites surrounding the first menses, and the subsequent act of giving birth. Crucial to the construc-tion of male identity are a series of rituals, the most important being the boys’ initiation or búkut. This spectacular affair, which villages celebrate in rotation, takes place in every 40 years or so, involves hundreds of visitors, tons of rice, numer-ous cattle, gallons of palm wine. Although, as a woman, Journet-Diallo was for-bidden from participating in the búkut, she provides a rich description of this lengthy ceremony by referring to published accounts of male authors who have witnessed its many lengthy phases. Another important ritual emphasizing sexual separation she discusses is the buñalen, with its self-deprecatory acts and exile period, which sterile women, or those who have lost many infants, undergo.

All these rituals, the author reminds us, revolve around the spirit-shrines or ukiin (sg. bákiin), some more important than others, some reserved for men, others for women, and others to both genders. Their presence may be signaled by a simple forked stick in the ground, a clay pot, or a more elaborate small mound adorned with horns, feathers, or clay shards. Under the orders of Emitey, the distant but supreme being, the ukiin must be regularly sacrificed to with blood or palm-wine by those persons charged with their keep, and often on behalf of a person who has been ‘trapped’ by the spirit for having committed an offense. The officiant of a bákiin inherits the post agnatically, not without offering resistance, for it often involves considerable expenses, especially when it comes to the áyi or ‘king’, whose every action is subject to interdictions. Divided into two large cat-egories, the ukiin designated by a ‘staff ’ have different attributes, perform unique functions, and are transmitted in dissimilar ways from those designated by a ‘har-poon’. There are also spirit-shrines that are immovable, and others that are transmitted, though never directly from parent to offspring. Rich in meaning and action, the attributes of ukiin are described by Journet-Diallo in vivid detail which, unfortunately, constraints of space does not permit us to recapture.

The sacrifice – or kayúken, wetting the ground – represents the primordial act through which every báakin is constantly propitiated on occasions such as divina-tion, curing an illness, redressing a transgression, augmenting the rice yields, fighting drought and epidemics, organizing wrestling matches, transferring a shrine. At such times, domestic animals are sacrificed, and a large quantity of palm wine is poured on the shrine as a libation while the officiant (the awañen) goes through

220 les comptes rendus

some well-defined steps, including entering and leaving the shrine, addressing the spirit and, always, sacrificing to it. Of particular interest to me are the rites sur-rounding the agrarian cycle, all of which are tightly linked to sexual symbolism and procreation. Before cultivation of the rice fields begin, the work season must be initiated by sacrificing. Clearing the old vegetation, ridging and furrowing a parcel, seeding the nurseries, transplanting, and harvesting, are all under the tutelage of one or another of the village’s spirit-shrines. Controlled either by men or by women, the ukiin are usually propitiated, either collectively or individually, with palm-wine libations. After the harvest, a series of important rites take place, at the end of which the ekonkon dances, and the wrestling matches, begin. The table provided by the author to summarize the ritual cycle and its links with steps in agrarian activities is especially helpful.

Not surprisingly, Kujamaat notions surrounding the sacrifice came into direct conflict with the dogma preached by the Catholic missionaries that settled in Esana in 1930. Refusing to participate in collective sacrifices, accused of revealing the secrets of the ukiin, and forbidding boys to participate in the grand initiation or búkut, the new converts established their own quartier, an event that did not end tensions with traditionalists. Also, what began as cordial relations between Esana residents and immigrant Muslim Fula ended up in discord as well. Yet, deep within their being, Kujamaat converts to a new religion still hope that there is an awañen who continues to ‘wet the ground’.

Whereas Journet-Diallo provides a lengthy and learned introduction to her book, she finishes the work with only a brief and disappointing conclusion. Surely, at the end, there are important theoretical points to re-iterate and re-visit concerning the crucial role played by the spirit-shrines in the social functioning of the Esana vil-lage. And there are fruitful comparisons with other Jóola groups, and beyond, to be pursued. This said, one should certainly recognize that this is a fascinating and valuable account of what constitutes a formidable ritual link between Jóola village residents and their land, mediated by the power of the ukiin or spirit-shrines.

June 2008, Olga F. Linares

João MADEIRA, Irene Flunser PIMENTEL & Luís FARINHA, Vítimas de Salazar. Estado Novo e violência política, prefácio de Fernando Rosas, Lisboa, Esfera dos Livros, 2007, 452 p., ISBN : 978-989-626-044-6.

Vítimas de Salazar representa a convergência do trabalho de três investigadores do Instituto de Historia Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, cujos interesses se têm concentrado seja na área da oposição ao Estado Novo, seja no campo das instituições do regime, de enquadramento e de repressão.

O coordenador da obra, João Madeira, está a levar para frente uma tese de doutoramento sobre o Partido Comunista Português (PCP) entre 1943 e 1974, tendo no entanto publicado a monografia Os engenheiros de almas, o Partido Comunista e os intelectuais e vários ensaios sobre cultura política e resistência. Luís Farinha, por seu lado, tem analisado sobretudo a oposição de matriz republicana nos primeiros anos de ditadura, área em que publicou, entre outras contribuições, a obra Revoltas Republicanas contra a Ditadura e o Estado Novo (1926-1940).

les comptes rendus 221

Respeito à terceira autora, Irene Flunser Pimentel, podemos dizer que o con-junto das suas obras é bastante vário, encontrando-se monografias como Judeus em Portugal durante a II Guerra Mundial, História das Organizações Femininas do Estado Novo e, mais recentemente, A História da Pide, cujo fio condutor pode ser individ-uado no gosto pela história narrativa, construída à volta de episódios exemplares mais que sobre uma elaboração de cariz interpretativa.

Apesar de se tratar de uma obra colectiva – sendo claramente evidente a marca e a contribuição de cada autor – o livro é geralmente associado sobretudo a Irene Flunser Pimentel, inserindo-se de facto numa linha de continuidade da produção desta autora, continuidade que, em alguns casos, torna-se quase numa verdadeira sobreposição com outras obras, sobretudo com a sucessiva História da Pide (saída poucos meses depois).

Esta consideração emerge não só analisando a documentação utilizada, fre-quentemente a mesma, mas também na repetição praticamente integral de inteiros parágrafos. É o caso, entre os muitos outros, da descrição dos homicídios « ilustres » cometidos pela PIDE, seja por « acaso », como o do escultor comunista José Dias Coelho e o do jovem estudante José Ribeiro dos Santos, militante do MRPP (Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado), seja planeados, como o de Humberto Delgado. A própria estrutura do texto aproxima-se de forma evidente daquela da História da Pide, sobretudo na organização em secções temáticas sobre, por exemplo, a tortura, as mortes violentas, os julgamentos políticos e as medidas de segurança.

A obra é composta por dezassete capítulos, analisando aspectos específicos do mecanismo repressivo do Estado Novo, passando em resenha o seu alvo, os seus instrumentos e os seus agentes – mais ou menos formalizados – e as instituições que, embora não fossem originariamente predispostas por isso, como as Forças Armadas, acabaram por contribuir ao exercício da violência política contra a oposição. Entre os meios repressivos são assinalados a censura, os julgamentos políticos, as medidas de segurança, a deportação, os campos de concentração e o exílio, assim como outros menos « oficiais », antes de mais a tortura, depois as escutas telefónicas e a violação do correio, o saneamento na função pública, a manutenção do país num estado de pobreza, as cargas de polícia na rua e, finalmente, o assassinatos.

O principal alvo de todas as formas de repressão citadas é individuado no PCP e, a partir da primeira metade dos anos Sessenta, em novos protagonistas da luta contra o regime : os movimentos estudantis, as organizações de extrema esquerda, sobretudo marxistas-leninistas e, já nos anos do marcelismo, os grupos de luta armada. A repressão contra os movimentos de libertação, eles também surgidos a partir dos anos Sessenta, é por outro lado, apenas mencionada, tratando-se de facto de um assunto que teria necessitado um espaço e uma investigação especial, que transcende a área de trabalho dos autores. Teria sido todavia útil explicitar melhor, na introdução, esta escolha e fundamentar as motivações pelas quais se excluiu da obra a área geográfica onde, muito provavelmente, a violência política do Estado Novo se exprimiu com maior intensidade.

As fontes utilizadas são de vários tipo. Entre as fontes escritas, encontra-se sobretudo documentação pertencente ao Arquivo da Administração Interior, ao Arquivo da PIDE, ao Arquivo Oliveira Salazar e ao Arquivo Histórico Militar. São referidas também algumas fontes legislativas, sobretudo decretos-leis, sobressaindo

222 les comptes rendus

todavia a completa ausência de qualquer referência a própria legislação penal e, porque não, civil. Ficam assim abertas algumas questões fundamentais sobre os instrumentos legais à base da violência política no salazarismo: há alguma conti-nuidade jurídica neste sentido com a República ? O Estado Novo codificou novas normas para tornar mais autoritária a gestão da ordem pública ou foi suficiente uma diferente interpretação da legislação existente? E qual era a ideologia jurídica à base do próprio conceito de segurança do estado ?

Trata-se de facto de problemáticas que a literatura sobre o assunto tem enfren-tado desde há alguns anos, sobretudo por parte dos estudiosos que se ocupam de movimentos sociais e das suas interacções com a política institucional e com a dimensão de policing protest. Podemos citar aqui alguns exemplos clássicos como as obras de Donatella della Porta e Herbert Reiter Policing Protest: The Control of Mass Demonstrations in Western Democracies (Social Movements, Protest, and Contention), Social Movement, Political Violence and the State: A Comparative Analysis of Italy and Germany e Polizia e protesta. L’ordine pubblico dalla Liberazione ai « no global ». Ainda que se trate de obras dedicadas a regimes democráticos, fornecem instrumentos teóricos e empíricos que, ao nosso ver, são muito importantes para definir a questão da violência política exercitada por parte do Estado.

Sobretudo Polizia e protesta evidencia como uma gestão autoritária da ordem pública possa existir também em presença de instituições democráticas. Seria o caso da Itália do pós-guerra, em que a legislação penal e civil e as leis de pública segurança elaboradas durante o fascismo não foram praticamente modificadas, sem ter em conta o facto de, nos anos Sessenta, muitos funcionários de polícia e juízes estarem no topo de uma brilhante carreira começada mesmo durante o fascismo.

Assim, se por um lado Vítimas de Salazar fornece um valioso instrumento de divulgação da pesquisa desenvolvida pelos autores sobre o Estado Novo, tendo a vantagem de reunir muita informação que até agora se encontrava dispersa, por outro, a nosso ver, não contribui à reflexão sobre os assuntos tratados. Isto deve-se, alem de que à falta de interpretação mais teórica, que já foi mencionada, à quase completa ausência da dimensão comparativa, seja com outros períodos da história portuguesa, seja com outros regimes autoritários – baseados nos mesmos princípios ou de marca oposta, como os da Europa de leste – seja, por fim, com os regimes democráticos.

Este último ponto, que também foi já em parte debatido, parece-nos bastante fundamental, pois, se é verdade que, como salienta Fernando Rosas no Prefácio, não é útil criar um « violentometro » (p. 24) para medir o grau de violência polí-tica dos regimes, na nossa opinião seria oportuno determinar com maior clareza se existe e qual é a especificidade da violência política de um regime autoritário. Isso sobretudo porque muitas das formas de repressão policial mencionadas pelos autores de Vítimas de Salazar – e consideradas como peculiares do regime – podem ser encontradas em outros países democráticos, também em tempos recentes. Como salienta Diego Palácios Cerezales na sua recensão ao livro, as mortes violentas, devidas à repressão policial, são recorrentes nos países democráticos, citando o caso da Itália, em que entre 1948 e 1962 morreram, sob as balas dos carabinieri, cerca de cem manifestantes, a maioria jornaleiros e o da França, com o massacre de 17 de Outubro de 1961 ou da Grã-bretanha, com o domingo sangrento de 1972.

les comptes rendus 223

Alem disso, na Itália do pós-guerra, que é a realidade sobre a qual temos mais conhecimentos, censura, informadores, escutas telefónicas, controlo político da oposição foram instrumentos constantes. Sem ser necessário, por averiguar esta situação, visitar em Roma os muito esclarecedores arquivos da Pública Segurança, teria sido suficiente ter em conta alguns dos vários livros que já foram publicados sobre o assunto, como as obras de Mauro Canali, de Guido Crainz, de Colarizi ou as citadas de Della Porta. Também não é possível esquecer, num eventual discurso comparativo respeito ao exercício da violência por parte do Estado, os recentes episódios de repressão que se verificaram em ocasião da reunião do G8 em Génova em 2001, em que, alem de todas as práticas mais violentas de gestão da « praça », foi abundantemente utilizada a tortura para com os manifestantes presos.

Voltando ao Prefácio de Fernando Rosas, concordamos com a exigência de lutar contra o um certo revisionismo que existe em Portugal, assim como em Itália, virado a minimizar as responsabilidades e as consequências dos regimes autoritá-rios e, ao mesmo, a desvalorizar a atitude de os que combateram contra eles. Todavia, achamos que o caminho para este trabalho, muito delicado, passe neces-sariamente por uma análise quanto mais rigorosa dos mecanismo e das estruturas mais profundas destes regimes e não por uma amplificação dos traços mais evi-dentes. A nosso ver, se nos limitarmos à simples exibição dos episódios e das práticas mais clamorosas corremos o risco de cair numa verdadeira falta de objec-tividade (se não em graves erros), sendo de facto sempre possível, como se viu, que episódios ainda mais violentos se tenham passado em algum lado e sob regi-mes completamente diferentes. Isso sim poderá, eventualmente, solicitar interpre-tações revisionistas.

O mesmo discurso parece ser valido no que diz respeito ao capitulo sobre a censura, em que são sublinhados vários assuntos, ou até palavras, que teriam sido proibidas de comparecer na imprensa durante o Estado Novo, entre as quais, só para citar alguns exemplos, Partido Comunista, movimento estudantil, Picasso (p. 34). Este estudo, todavia, baseia-se apenas nas normas de censura estabelecidas, sem que o autor tenha desenvolvido uma contra-análise da própria imprensa, sendo de fato paradoxal que nenhuma fonte de imprensa se encontre mencionada nem no texto nem em nota.

Na verdade, no principal diário conservador do país, o Diário de Notícias, que analisámos entre 1956 e 1974, não só aparecem frequentemente aqueles assuntos, mas também muitos outros que podem parecer inesperados. Assim, em 27 de Junho de 1957, um artigo do Diário de Notícias refere que Sartre, Picasso e Aragon se associam ao movimento internacional de protesto pela condenação à morte dos escritores húngaros e insurgem contra o regime comunista. Apenas três dias depois, a 27 de Junho, as páginas culturais daquele jornal são inteiramente dedicadas ao escritor neo-realista, que também pertenceu ao PCP, Mário Dionísio. Sem contar as muitas vezes que o PCP é directamente nomeado, claramente sempre em associação a alguma actividade criminosa, assim como movimento estudantil, estudantes ou subversão, todos conceitos que, a partir de 1962, recorrem com frequência nas paginas do Diário de Notícias. Lembra-se que se trata apenas de alguns dos inúmeros exemplos que se poderiam fazer.

Parece evidente que, na vontade de demonstrar a intransigência do regime e a sua dureza e, com efeito, sustentar a declarada luta contra o revisionismo

224 les comptes rendus

actualmente dominante, o autor tenha esquecido algumas basilares regras de cientificidade, fornecendo assim, a nosso ver, argumentos aos próprios revisionistas.

Para concluir, embora João Madeira avise na Introdução de não esperar « encon-trar aqui um estudo sobre a violência política no Estado Novo », acho que isto é mesmo o que o leitor espera encontrar – sobretudo considerando a segunda parte do próprio título: Estado Novo e Violência Política – e também o que realmente encontra. Todavia, falta completamente qualquer contextualização teórica do conceito de violência política, talvez também em relação ao conceito « irmão » de consenso, considerado, pela ciência política, a outra grande coluna sobre que se baseia qualquer regime. Continuar a evitar o discurso do consenso parece o outro lado da medalha de uma atitude que procura exagerar, até ao limite do erro, a utilização da violência e da repressão por parte do salazarismo, no medo de cair no revisionismo. Tendo presente quanto seja difícil um trabalho deste tipo, lembre-se o escândalo na Itália pós-fascista quando nos anos Sessenta Renzo de Felice começou a falar do consenso durante o regime, achamos todavia importante que a historiografia portuguesa comece a enfrentar este assunto, ainda que delicado e doloroso.

10 de Novembro de 2008, Guya Accornero

Bibliografia

ADINOLFI, G. 2007, Ai confini del fascismo. Propaganda e consenso nel Portogallo salazarista (1933-1944), Milano, Franco Angeli.

BENJAMIN, W. 2006, « Per una critica della violenza », Angelus Novus, Torino, Einaudi.BOBBIO, N., PASQUINO, G., & MATTEUCCI, N. 2004, Il dizionario di Scienza Politica, Torino,

UTET.CANALI, M. 2004, Le spie del regime, Bologna, Il Mulino.CANOSA, R. 1976, La polizia in Itália dal 1945 a oggi, Bologna, il Mulino.CANOSA, R. & FEDERICO, P. 1974, La magistratura in Italia dal 1946 a oggi, Bologna, Il Mulino.CEREZALES, D.P., recensão de Vítimas de Salazar . . ., Análise Social, 185 : 1128-1135.COLARIZI, S. 2000, Storia del Novecento italiano. Cent’anni di entusiasmo, di paure, di speranza, Milano,

Bur.Crainz, G. 1996, Storia del miracolo italiano. Culture, identità, trasformazioni fra anni cinquanta e sessanta,

Roma, Donzelli.DELLA PORTA, D. 1995, Social movement, political violence and the State. A comparative analysis of Italy

and Germany, Cambridge, Cambridge University Press.DELLA PORTA, D. & REITER, H. 1998, Policing Protest: The Control of Mass Demonstrations in Western

Democracies (Social Movements, Protest, and Contention), Minneapolis, The University of Minnesota Press.

—— 2003, Polizia e protesta. L’ordine pubblico dalla Liberazione ai « no global », Bologna, Il Mulino.EINAUDI, J.-L. 1991, La Bataille de Paris – 17 octobre 1961, Paris, Le Seuil.FELICE, R. de 1969, Le interpretazioni sul fascismo, Bari, Laterza.—— 1974, Intervista sul fascismo, Bari, Laterza.PIMENTEL, I.F. 2007, A História da PIDE, Lisboa, círculo de Leitores.RUGGIERO, V. 2006, La Violenza politica, Bari, Laterza.

les comptes rendus 225

Christine MESSIANT, 1961. L’Angola colonial, histoire et société. Les prémisses du mouvement nationaliste, Basel, P. Schlettwein Publishing, 2006, 443 p., ISBN : 3-908193-17-6.

The publication of this opus magnum by the late Christine Messiant is of course long overdue. The book is an only slightly adapted version of the author’s PhD thesis in Sociology at the École des hautes études en sciences sociales in Paris of 1983. In 443 pages, the author offers an analysis of colonial Angola, describing its political economy and legal structures. Initially the plan was to investigate the ideologies, discourse and practices of the Angolan nationalist movements as well as the movements’ socio-cultural origins. Soon, however, the project was redirected toward a focus on Angola’s colonial society: the nationalist movements themselves are hardly described. Messiant defends this shift by pointing out that the history of Angolan nationalism can only be understood through an analysis of colonial society: the ‘premisses’ (one would have preferred a less deterministic term) of nationalism are largely to be sought in the varied experiences during the colonial era (p. 14-18). The book is not so much historical, in the sense that it does not relate a historical narrative explaining events of the past, as much as it is socio-logical, in that the author analyses data, statistics and structures of Angola’s late colonial society.

1961 starts with the broad outlines of Angola’s precolonial political economy. After this the characteristics of Portuguese colonialism; its legislation, the colonial economy and population statistics as well the demographic outlines are evaluated. The final hundred pages of 1961 offer an interpretation of the three broad eth-nic categories in Angola: Bakongo, Ovimbundu and Mbundu societies. Messiant is careful to point to the fractured and multifarious nature of Angolan national-ism; the ‘nationalist movement’ of the book’s title may have been put in the plural. The precise links between the nationalist movements and the colonial legacy could have been spelled out in more detail; the book is mainly to be lauded for the insightful analysis of Angola’s colonial societies. The closer the author comes to describing these links, the more interesting the book becomes. Especially the final hundred pages that describe the ‘situation of the three large Angolan ethnic groups’ on the eve of the nationalist wars are worth reading as they com-bine internal societal dynamics with the processes of marginalisation, integration and disintegration related to colonial rule.

Messiant’s thesis offers an analysis of elite formation in Angola in its interaction with imperial rule. Unlike the colonial legacy, the specifics of Portuguese colonial-ism are spelled out in detail, and Christine Messiant considers both colonial discourse and practice in her interpretation. She emphasises the relative underde-veloped nature of Portuguese colonialism and reveals the ways in which local political structures became interlinked with the colonial economy. Messiant shows that these processes of integration were always partial and, in the final analysis, concerned a marginalisation of Angola’s political economy. General impoverish-ment in Central Angola, large-scale land dispossession after the Second World War in the North and the slowly diminishing position of old Creole elites in Luanda led to widespread discontent in the colony. The author carefully specifies such discontent; it was fed by vary different economic, social and political processes.

226 les comptes rendus

As Angola’s various local societies interacted with the colonial structures in differ-ent ways, the outcome was by no means an undifferentiated whole. Varying degrees of ‘Portugalisation’ and regional processes of social differentiation rather made for heterogeneity. Messiant discusses these issues for Angola’s three major groupings, as told before.

The book is, apart from a few minor errors in the references, exemplary in its academic rigour and based on extensive reading. This enables Christine Messiant to fully engage with her colleagues’ point of view: time and again she affirms or contradicts theses forwarded by other scholars and explains her arguments for the affirmation or rejection. Messiant takes her time to explain how she came to an argument. This has advantages and disadvantages: it is good that the reader can minutely follow her methods and ideas, but sometimes this makes for tedious reading: some parts should perhaps have been shortened. This also holds for the parts where the information is superfluous or even doubled: the figures on whites, mestiços, assimilados and indígenas in both table 4 (p. 166) and table 12 (p. 316), for example, could easily have been included in table 6 (p. 207) and are again repeated in appendix 10 (p. 416-417).

Given the fact that the study was completed in 1983, it is not very difficult to find fault with it. One could question race and ethnicity as fruitful categories for interpretation. The large debates on ethnicity only took off after the thesis was written and, although Messiant is careful enough to show the complexity of the factors leading to the Angolan conflict, ethnic groups are in the book largely presented as a given and less the imagined communities they were later shown to be. The nation and ethnicity are presented as opposites, while later studies indicated that they may not have been as different as earlier presumed. Ethnicity still figures as a kind of remnant of the precolonial past; its imagination in the colonial context is not a theme of discussion in the book. Yet, the thing is – and, as indicated, Messiant’s book makes this amply clear – Angola’s regional develop-ment is a crucial factor in the divisions of its nationalism. The separate mission-ary history, differing political and economic trends and limited interaction between the elites from the three main regions are important in explaining the three large nationalist movements and the lack of cooperation between them. Messiant’s interpretation of these dynamics is sound and also rare: only few publications offer such in-depth analysis of late colonialism in Angola. That this is still the situation so many years after the thesis was written is not only a pity; it also reveals the extraordinary character of Messiant’s study.

February 2009, Inge Brinkman

Maria Cândida PROENÇA (ed.), O sistema de ensino em Portugal. Séculos XIX-XX, Lisboa, Colibri, 1998, ISBN : 9727720366.Maria Cândida PROENÇA (ed.), Maio de 1968. Trinta anos depois. Movimentos estudantis em Portugal, Lisboa, Colibri, 1999, ISBN : 9727720978.Maria Cândida PROENÇA (ed.), Um século de ensino da história, Lisboa, Colibri, 2001, ISBN : 9727722679.

les comptes rendus 227

As três publicações contempladas por esta recensão podem ser consideradas quase como uma única obra, tratando o assunto do ensino em Portugal de diferentes pontos de vista : o das instituições, o dos sujeitos aos quais o ensino se destina e da sua recepção ou recusa da instituição escolar, o do ensino da história, matéria na qual, mais de que noutras, se reflecte a vontade pedagógica ou propagandística dos estados.

Neste sentido, a publicação sobre Maio de 68 e a contestação estudantil em Portugal, a segunda em ordem de tempo, apresenta características centrais para a compreensão das outras, sobretudo pelo facto de pôr em evidência a relação entre o sistema de ensino, os estudantes e a sociedade. Neste sentido, parece interessante notar que os programas escolares e as instituições de ensino podem ser impostos ou surgir como reflexo de uma hegemonia cultural específica e maioritária, mas em ambos os casos facilmente são, se não renovados, superados pelo desenvolvimento cultural, económico e até demográfico da sociedade. Assim os estudantes, ou seja a parte da sociedade directamente em contacto com o ensino, são os primeiros a se aperceberem desta contradição e os primeiros a entrar em conflito com uma instituição considerada ultrapassada. A crítica a escola facilmente transforma-se em crítica ao estado, considerado responsável do atraso no ensino e, com efeito, considerado em si atrasado e não adequado à situação de desenvolvimento da sociedade. Portugal não representa uma excepção e a história dos vários movimentos estudantis portugueses demonstra como, neles, sempre foram presentes temáticas que se teriam tornado fundamentais nos suces-sivos momentos históricos-políticos. Assim foi nos últimos anos da Monarquia, quando, no movimento estudantil de Coimbra de 1907, contra a reforma do ensino proposta pelo governo de João Franco, se afinaram os conteúdos da futura revolução republicana. Assim foi no final do Estado Novo, quando, na contestação estudantil ao regime, se formou uma inteira geração política que foi fundamental na revolução de Abril e na construção da democracia em Portugal. De cariz oposta surge, por outro lado, o Estado Novo : verdadeiro produto da instituição universitária – tendo encontrado nos corredores da Academia coimbrã, a nível de corpo docente, a sua incubação teórico-política – o regime de Salazar representou a vitória da conservação sobre o progresso, da estrutura sobre o movimento, da imobilidade sobre o desenvolvimento da sociedade e os impulsos modernizantes que dela provinham o teriam provindo.

Começaremos a análise da « trilogia » mesmo de Maio de 1968. Trinta anos depois para o livro, quarenta anos depois hoje ! Movimentos estudantis em Portugal, ou seja, a nosso ver, o mais relevante dos três volumes. Isso também porque, neste quadragésimo aniversário dos eventos de Maio, achamos importante « pagar uma contribuição » a uma publicação que foi pioneira no estudo dos movimentos estu-dantis portugueses, um assunto sobre o qual, até agora, a investigação de facto não parece ter conseguido ultrapassar de forma substancial aquela primeira estreia. O livro reúne o essencial das contribuições apresentadas num colóquio realizado na Universidade Nova de Lisboa nos dias 28 e 29 de Maio de 1998. Os assuntos analisados têm a ver, de forma mais ou menos directa, com a intensificação da contestação estudantil em Portugal nos finais dos anos Sessenta. Ainda que a definição de Maio de 68 remeta logo para o Maio francês, temos que considerar que a contestação juvenil, nos finais dos anos Sessenta, apresenta elementos generalizáveis,

228 les comptes rendus

seja do ponto de vista temático que das próprias práticas de mobilização. O fenómeno, todavia, tem também especificidades ligadas ao contexto em que se enraíza : a contestação assim nutre-se da realidade histórica dos diferentes países, da memória e práticas de movimentos anteriores (o que os especialistas chamam repertoire of contention) e de redes de mobilização já presentes no território, as quais influenciam a forma e os conteúdos do protesto. Tudo isso encontra-se bem analisado no texto, cujo mérito principal é, a nosso ver, a perspectiva de longo período que, abrangendo quase um século de história de Portugal, procura os factores longínquos da especificidade da contestação estudantil portuguesa. Alem disso, ao lado das questões « clássicas » relacionadas com o movimento, ou seja a da oposição ao Estado Novo e a da guerra colonial, encontram-se aprofundadas também problemáticas de cariz mais estrutural. Entre estas salientamos sobretudo o desenvolvimento económico e social português desde os anos Cinquenta, o processo de urbanização e a massificação escolar, assim como o seu corolário de contradições numa universidade na qual a marca elitista de molde napoleónico tinha encontrado renovadas fundamentas no imobilismo social estadonovista.

O objectivo declarado do livro é portanto o de compreender as lutas estudan-tis em Portugal dos finais dos anos Sessenta à luz de uma dimensão histórica, mais de que internacional. Assim os vários ensaios traçam um percurso de amplo respiro que vai da já mencionada agitação coimbrã de 1907, à tentada democ-ratização do ensino levada para frente pela República e à sucessiva reacção do Estado Novo, que perseguiu a afirmação de um contexto educativo autoritário e propagandístico funcional ao elitismo escolar. Traça-se, depois, a evolução da oposição estudantil contra este determinismo autoritário. Partindo das lutas dos estudantes republicanos durante a ditadura militar, é sucessivamente analisada a situação do mundo académico nos finais dos Quarenta, para finalmente chegar ao momento geralmente considerado, pela historiografia portuguesa, como a « estreia » do movimento estudantil português : a oposição, em 1956, ao decreto-lei 40 900, limitativo da independência das associações académicas. A reivindicação da autonomia dos organismos associativos dos estudantes foi preponderante nas grandes agitações dos anos Sessenta, até 1969, quando assiste-se a um forte radicalização política do movimento, assunto do último e conclusivo ensaio do volume.

No que diz respeito aos autores, salienta-se sobretudo a presença de jovens investigadores que trouxeram elementos de novidades à pesquisa sobre o tema. Entre eles, destaca-se Marta Benamor Duarte, a qual dedicou à agitação de 1969 e às suas implicações nos finais do regime a sua tese de mestrado. Mas o volume conta também com nomes mais conhecidos, como os de José Medeiros Ferreira e Fernando Rosas, os quais, além de serem importantes historiadores, foram em alturas diferentes protagonistas dos movimentos estudantis lisboetas.

Anterior em ordem de tempo – e de alguma forma introdutório respeito ao volume sobre Maio de 68 – é O sistema de ensino em Portugal. Séculos XIX-XX, actas do curso de verão realizado na Universidade Nova de Lisboa em Setembro de 1996. A própria coordenadora da publicação, mais uma vez Maria Cândida Proença, individua o objectivo dos trabalhos em contribuir ao debate sobre os horizontes e as necessidades do ensino na viragem do século. Com estas premis-sas, o livro estrutura-se à volta de três directrizes principais, que são, afinal, as

les comptes rendus 229

três questões consideradas fundamentais respeito ao debate sobre o ensino : as políticas educativas, os conteúdos e a metodologia do ensino.

No que diz respeito à primeira temática, salienta-se que a escola moderna, produto da sociedade burguesa, sempre foi ligada à exigência percebida de ins-taurar uma nova ordem político-social através de adequadas estratégias educativas, não escapando disso os regimes autoritários, que alias apontaram na reestrutura-ção da escola como num dos sectores mais vitais da própria conservação.

Em relação aos conteúdos, evidencia-se sobretudo que, no debate à volta de que tipo de educação oferecer aos alunos, foi quase sempre presente uma certa dialéctica entre propostas de matriz humanista e outras de marca utilitarista, atrás das quais não estavam apenas convicções estritamente pedagógicas, mas sim dife-rentes perspectivas teóricas e ideológicas. Igualmente ideológica aparece, sempre respeito à dimensão do conteúdo do ensino, a disputa sobre a necessidade ou menos de uma escola única (com mesmos programas) a nível de ensino primário e secundário, disputa que atravessou a história da instrução em Portugal desde o liberalismo até à democracia. Paradoxalmente, ainda que a escolha pela escola única envolvesse fantasmas de igualitarismo e socialismo, foi durante o Estado Novo que se chegou, de um certo ponto de vista, à sua realização, antes com a criação do ciclo preparatório do ensino técnico nos finais dos anos Quarenta, depois, já nos anos Sessenta, com o ciclo preparatório do ensino secundário.

Enfim, respeito às problemáticas metodológicas, traça-se o percurso da afirmação de novas correntes pedagógicas baseadas na busca da cientificidade, analisando também os pressupostos culturais (e até políticos) nelas envolvidos, que fizeram com que o Estado Novo procurasse marginaliza-las.

Concluem a obra duas contribuições sobre a relação entre Universidade e sociedade. A primeira é de autoria de Álvaro Garrido, o qual apresenta, numa perspectiva histórica, a evolução das políticas de juventude dos estados europeus. Salienta-se que Garrido foi autor de uma das primeiras obras dedicadas à oposição estudantil coimbrã contra o Estado Novo1 e é mesmo do ponto de vista da conflitualidade académica, difícil de conter dentro das instituições juvenis do estado corporativo, que a sua relação debruça a temática. A contribuição final, também sobre a relação entre sociedade e universidade, de Jorge Miguel Pedreira, liga-se directamente ao ensaio de abertura de Roberto Carneiro, os dois analisando os problemas e desafios da escola contemporânea e oferecendo ao debate uma síntese das principais propostas face a este problema, assim como a própria posição respeito a elas.

Parece-nos que este texto atingiu o objectivo de conduzir o leitor, seguindo um percurso histórico, a melhor compreender os problemas e as implicações derivantes de um ou outro tipo de ensino, da escolha pela escola única ou diversificada, publica ou privada (só para citar alguns exemplos), traçando um percurso claro e coerente entre as diversas contribuições.

O mesmo não se pode dizer, a nosso ver, respeito ao último volume desta recensão : Um Século de ensino de história. Também trata-se de uma colectânea de ensaios, resultantes de uma conferência realizada na Universidade Nova de Lisboa

1 V. Álvaro GARRIDO, Movimento estudantil e crise do Estado Novo : Coimbra 1962, Coimbra, Minerva, 1996.

230 les comptes rendus

entre 16 e 18 de Março de 2000. A finalidade dos trabalhos é individuada na vontade de fornecer elementos de reflexão sobre o ensino da história, sobre os usos e abusos aos quais esta disciplina foi sujeita ao longo do tempo – e corre o risco de ser sujeita também na actualidade – e sobre a situação no domínio da apreensão do conhecimento histórico, desde o ensino básico até à investigação mais avançada. É um objectivo de inegável interesse e saliência, passível de for-necer um excelente fio condutor para ligar e tornar coerentes as várias apresen-tações. A própria estrutura do livro – e, imaginamos, do colóquio – teria favorecido, se bem aproveitada, um desenvolvimento racional do assunto, forne-cendo gradualmente e exaustivamente os instrumentos úteis para a compreensão e reflexão sobre os problemas da actualidade.

A primeira parte dos trabalhos é propriamente dedicada ao ensino da história no último século, posto em relação com a ideologia dominante e o progresso da metodologia nas diversas alturas. A segunda parte passa a analisar os problemas actuais no ensino da história nos vários níveis educacionais e, na última parte, abordam-se finalmente algumas propostas resolutórias para estes problemas.

Na parte histórica, organizada em ordem cronológica, cada relação deveria ocupar-se de um período específico, desde os últimos anos da monarquia até à democracia, mas de facto, na maioria dos casos, numa excessiva exigência de contextualização, repete grande parte das informações fornecidas no ensaio ante-rior ou no seguinte. A nosso ver, teria sido necessário organizar melhor as varias contribuições do colóquio na passagem às actas, com o objectivo de torná-las mais ligadas e coerentes entre si, procurando mais continuidade e talvez especificando qual o tributo de cada uma respeito ao objectivo afirmado na introdução. Temos por outro lado que salientar a importante excepção constituída pela primeira intervenção, de Luís Reis Torgal, a qual representa uma interessante introdução teórica da relação entre ensino da história e ideologia, e da segunda, de Maria Cândida Proença, que na sua análise da passagem da monarquia à república introduz e desenvolve toda uma série de temáticas que acabam por constituir o verdadeiro « esqueleto » da obra.

Continuando na leitura, parece-nos que a segunda e terceira parte do volume também apresentem limites significativos, relacionados sobretudo com a abordagem estritamente apreciativa e pessoal dominante na maioria das intervenções. Respeito às propostas para o ensino da história na escola actual, por exemplo, falta uma clara exposição do estado do debate, depois da qual o autor livremente teria podido afirmar a sua posição. A acentuar este problema, contribui a falta completa de indicações sobre os vários autores, assim que encontramo-nos na condição de nem conhecer a fonte dos juízos de valor que nos são propostos. Pois, se a for-mação e domínio de actividade é facilmente dedutível no caso de alguns autores, porque o próprio preocupou-se de fornecer uma mínima referência à sua posição no texto, na maioria dos casos estes dados são completamente desconhecidos. Não temos portanto nenhum elemento para reconhecer se estamos em frente da opin-ião de um professor, de um professor de historia (e, em ambos os caso, de que nível de ensino ? E de que tipo de instituição escolar ?), de um educador, de um investigador ou de um sociólogo, só para citar algumas das possibilidades mais plausíveis.

Por todos estes motivos, a obra aparece de alguma forma fragmentada, com um certo desequilíbrio entre uma massa de informações às vezes exagerada (e, como

les comptes rendus 231

vimos, também redundante e repetitiva) caracterizando a primeira parte e uma urgência interpretativa não sempre fundamentada e documentada na segunda e na terceira.

Abril de 2008, Guya Accornero

Douglas Mansur da SILVA, A oposição ao Estado Novo no exílio brasi-leiro, 1956-1974, Lisbonne, Imprensa de Ciências Sociais, 2006, 162 p., ISBN : 972-671-175-4.

D’une portée plus limitée que le titre le laisse croire, le livre de l’anthropologue Douglas Mansur da Silva étudie le journal Portugal Democrático publié entre 1956 et 1975 par des exilés portugais installés à São Paulo. Réunissant des militants provenant de différentes sensibilités de l’opposition portugaise (principalement des communistes mais également des républicains libéraux, voire des monarchistes), ce journal se voulait une plate-forme unitaire de lutte contre le régime salazariste. L’unité fut la principale maxime de ces militants qui, au fil des années, partici-pèrent à la publication de ce journal, distribué non seulement à São Paulo mais aussi au Portugal ou en France. Toutefois, comme le décrit l’auteur, l’unité de l’opposition anti-salazariste, dans son ensemble ou au sein de l’exil au Brésil, ne fut jamais atteinte. Les exilés se divisèrent autour de la question coloniale : des exilés comme Henrique Galvão prônaient le maintien de la domination coloniale tandis que la grande majorité des collaborateurs de Portugal Democrático soutenait la cause des partis indépendantistes. Ils s’opposaient également sur les moyens d’action et de lutte pour mettre à bas la dictature salazariste (l’insurrection popu-laire du Parti Communiste versus le putsch militaire défendu par Humberto Delgado) et sur la façon d’envisager l’après-dictature (démocratie à l’occidentale, socialisme, etc.). En dépit de ces divisions, Portugal Democrático essaya de sensibiliser l’opinion brésilienne et internationale et de dénoncer le régime salazariste qui, jusqu’à la fin des années 1950, n’attirait pas l’attention des médias internationaux. Le journal s’engagea également auprès des milliers de Portugais vivant au Brésil, essayant de déconstruire la propagande salazariste. Celle-ci était diffusée à la fois par les structures diplomatiques, mais aussi relayée par certaines associations et quelques « comendadores », entrepreneurs à succès et représentants auto-désignés de la « colonie » portugaise au Brésil auprès du gouvernement portugais. Portugal Democrático tenta ainsi de s’opposer à l’accaparement de l’idée de patriotisme faite par le régime salazariste, démontrant que les vrais patriotes étaient ceux qui lut-taient pour un Portugal libre et démocratique. Mansur da Silva décrit également les effets du coup d’État militaire de 1964 sur le devenir de Portugal Democrático. Bien que la dictature brésilienne (1964-1984) interdît les publications de gauche et d’extrême-gauche et réprima l’opposition de ces formations politiques, elle ne s’opposa pas à la continuité de Portugal Democrático. Ironiquement, certains Brésiliens affirmaient que « o único jornal de esquerda do Brasil era português » (p. 122). Portugal Democrático constituait ainsi la seule publication légale de gauche où les Brésiliens pouvaient lire des articles sur la démocratie ou la justice sociale. Cette apparente contradiction résulte de l’opposition des militaires brésiliens à la politique coloniale portugaise. Ainsi, tant que Portugal Democrático et ses collaborateurs se limitaient à

232 les comptes rendus

critiquer la politique coloniale de la dictature portugaise et ne s’immisçaient pas dans les affaires brésiliennes, les militaires brésiliens le toléraient.

La principale problématique de l’auteur est de saisir la « pertinácia dos militantes “anti-salazaristas” exilados no Brasil e reunidos em torno do Portugal Democrático » (p. 145). Cet objectif amène l’auteur à faire primer la continuité, symbolisée par l’existence pendant près de vingt ans du journal, sur les ruptures. Il envisage ainsi l’exil comme une continuité de l’activité politique au Portugal (p. 60), tendant ainsi à distinguer hermétiquement les « exilés » des « émigrés économiques ». Cette dis-tinction présuppose que ceux qui n’avaient pas de pratiques politiques au Portugal ne pouvaient commencer à en développer au Brésil et que ceux qui en déployaient au Portugal ne pouvaient cesser de le faire au Brésil. Ces postulats conduisent donc l’auteur à négliger le désengagement1, ses formes et ses motivations. Or on perçoit dans sa description du parcours de Portugal Democrático des évolutions au sein de sa rédaction, des départs et des arrivées, des ré-émigrations (vers les États-Unis, la France ou l’Algérie voire des retours au Portugal).

Même s’il s’attache à décrire les « réseaux et circuits d’échanges » (p. 73-89) sur lesquels se sont appuyés les militants liés à Portugal Democrático, l’auteur ne prête pas grande attention aux conditions matérielles de l’engagement autour de ce journal et ne développe pas un regard sociologique sur ces opposants. Ainsi de nombreuses questions restent en suspens. Quelles sont les origines sociales des militants participant à Portugal Democrático ? Influencent-elles leur vision du monde et leur « système éthique » (p. 136) mis en exergue par l’auteur ? Y a-t-il des dif-férences sociales au sein de ces militants qui expliquent des divergences politiques ou la répartition des tâches ? L’insertion dans la société brésilienne a-t-elle provo-qué un déclassement social des exilés ? Comment ces derniers réussissent-ils à concilier activité militante et activité professionnelle ? Ces activités se rejoignent-elles ? Comment s’opère le quotidien du journal ? Comment est-il financé ? Ces questions, loin d’être anodines, auraient pu contribuer à éclairer la problématique principale de l’auteur. Car si l’auteur postule que ce qui a rendu possible la cohésion et la longévité de Portugal Democrática fut « a crença compartilhada na acção política como um valor para si » (p. 133), nul doute que cette croyance découlait en grande partie des origines, des dispositions sociales et de la formation de ces militants. Du reste, on ne perçoit pas en quoi cette croyance singularise les mili-tants de Portugal Democrática et explique à elle seule la longévité du journal. Cette croyance n’est-elle pas au fondement de la plupart des engagements politiques, quelle qu’en soit l’orientation ?

Si l’auteur ne s’est pas penché sur les conditions matérielles de Portugal Democrático, il s’est également peu intéressé à sa réception. S’attachant au contenu du journal, à sa rhétorique, Mansur da Silva n’analyse pas comment Portugal Democrático s’in-sère dans le champ des publications de l’opposition portugaise, de la gauche brésilienne ou des journaux portugais au Brésil qu’ils soient anti ou pro-salazaris-tes. À quels débats a-t-il participé, quelles alliances a-t-il noué ? Postulant également que les « émigrés économiques » étaient étroitement contrôlés par les structures liées au régime, il n’étudie pas l’impact du journal parmi les Portugais au Brésil. C’est donc plus une étude de contenu que de réception que nous offre l’auteur

1 Voir Olivier Fillieule (ed.), Le désengagement militant, Paris, Belin, 2005.

les comptes rendus 233

qui n’indique d’ailleurs pas le tirage (ni même une approximation) de ce journal. Tirage et public n’étaient pourtant pas dénué d’intérêt dans l’optique même de l’auteur, car on peut supposer que si Portugal Democrático n’avait trouvé ni lecteur ni n’était pas entré en relation, conflictuelle ou non, avec d’autres publications, il n’aurait pas survécu près de vingt ans.

Les limites du livre résultent pour partie des sources sur lesquels s’est appuyé l’auteur. Les principaux matériaux sont constitués par les 205 numéros de Portugal Democrático, par des entretiens avec d’anciens exilés (12 au total, 10 effectués au Brésil et 2 au Portugal) et par les archives du DEOPS (Departamento de Ordem Pública e Social). Bien que les archives de la PIDE/DGS soient citées dans les sources, l’auteur n’utilise aucun de ses documents dans le corps du texte. Cette absence n’est pas expliquée. L’auteur a-t-il eu des difficultés à obtenir les documents qu’il désirait, a-t-il considéré que les documents amassés par la police politique portu-gaise (les notes des informateurs par exemple) ne constituaient pas une source fiable ? Ou, tout simplement, a-t-il constaté que ces archives n’apportaient rien de pertinent à l’étude de Portugal Democrático, la police ne sachant rien ou peu de choses de ces activités (ce qui semble peu plausible) ? Même s’il met en exergue la supposée influence des structures consulaires et diplomatiques sur les Portugais résidant au Brésil et évoque les pressions de la diplomatie portugaise auprès de la dictature brésilienne dans le but d’interdire Portugal Democrático, l’auteur n’a pas non plus consulté les archives diplomatiques portugaises. Or, cela aurait pu enri-chir son travail en mettant notamment en lumière la réception de Portugal Democrático parmi la « colonie portugaise au Brésil » ou, du moins, sa réception telle que perçue par les structures diplomatiques.

Janvier 2008, Victor Pereira

Jérôme SOUTY, Du regard détaché à la connaissance initiatique : Pierre Fatumbi Verger, préface de Jean-Paul Colleyn, Paris, Maisonneuve & Larose, 517 p., 2007, ISBN-13 : 978-2706819834.

Um belo trabalho e um texto apaixonante sobre um personagem não menos envolvente – Pierre Verger, objeto de um olhar admirativo, afetuoso, mas atento aos perigos de uma idealização do personagem. Jerôme Souty descreve o percurso do fotógrafo, globe trotter, babalaô dos terreiros de candomblé e adivinho do culto de Ifá, além de etnógrafo francês associado ao CNRS. O livro é também o pre-texto para que o autor discorra sobre as muitas faces de Verger de forma a fazer emergir os dilemas éticos, políticos e também epistemológicos de uma disciplina, a antropologia, pouco à vontade com (mas profundamente marcada pelos) proje-tos científicos, pela colonização e pelos modelos de progresso dominantes nos países ocidentais. A crítica da cientificidade e dos seus males acompanha a des-crição cuidadosa que Souty nos oferece do distanciamento que Pierre Verger mantinha em relação à sua sociedade e a seu modelo de conhecimento. Esta atitude é correlata à proximidade vital que ele construiu com as pessoas que foram os seus « outros » : os povos africanos e seus descendentes no candomblé brasileiro, com os quais conviveu ao longo de sua vida no Brasil, no Benin e na Nigéria.

234 les comptes rendus

As escolhas de vida de Verger são descritas destacando as íntimas relações que estas possuem com a sua obra. O livro também aposta nos efeitos desconcertan-tes que as escolhas de Verger podem provocar ainda hoje em leitores acostumados com as etiquetas acadêmicas. Com efeito, o propósito de Jerôme Souty é claro : fazer da vida e da obra de Verger um momento de reflexão crítica a respeito dos dilemas que se encontram no coração do trabalho antropológico contemporâneo. Uma atitude constante de menosprezo por suas origens burguesas, pelas formas de racionalidade ocidentais acompanhou em Verger um interesse efetivo pela alteridade, ou como afirma Souty, por um « desejo de alteridade ». Primeiramente, alteridades surpreendidas por sua câmera como fotógrafo e viajante e, progressi-vamente, como mensageiro cultural entre o Brasil e a África, como membro honorário do candomblé e como dignatário e sacerdote do culto de Ifá dispondo da amizade e confiança dos membros destes cultos e de suas lideranças sacerdo-tais. Ao longo dos quarenta anos no Brasil e dezessete na África, principalmente entre o Daomé e a Nigéria, Verger transformou-se em um defensor dos cultos e tradições afro-brasileiros. Sua obra reflete isto, ou melhor, confunde-se com isto. Ao invés de sofisticadas análises acadêmicas, predomina uma vasta coleção de trabalhos fotográficos que celebrizou seu autor e um significativo trabalho de levantamento dos repertórios culturais que Verger identificava como verdadeira-mente africanos e/ou como depositários de africanidade. A multiplicidade de dados respondia, primordialmente, a seu desejo de restituição, para os sujeitos dessas culturas, do saber que acumulou ao longo de seu trabalho e à sua intenção de reconstituir historicamente (e também praticamente) os laços desfeitos pela escra-vidão entre os dois continentes.

A admiração pelo personagem que perpassa a elegante narrativa de Souty seria, pois, a contra-face do verdadeiro objeto de seu trabalho : o fazer antropológico situado entre dois limites, senão antagônicos, ao menos contraditórios : aquele de uma profissionalização que leva o antropólogo a ter como compromisso maior a restituição do seu trabalho para o seu grupo de origem – « sociedade » e « aca-demia » – e/ou para os grupos com os quais conviveu e que aprendeu a recon-hecer como alteridades irredutíveis ao cartesianismo de sua formação. A eles, então, a restituição do que refletiu e acumulou. A opção de Verger por esta última possibilidade não foi isenta de tensões, ambigüidades e dificuldades. Estas diziam respeito tanto à natureza do conhecimento que assim produziu como aos dilemas éticos e epistemológicos, situados nesta fronteira, que Verger tentou enfrentar. O livro de Souty explora este campo de relações entre os antropólogos e seus « outros ».

Verger transforma-se em um personagem emblemático com muitas faces que apresentam os caminhos, as meias-voltas e os impasses da busca pela alteridade. Souty explora portanto o que teriam sido as conseqüências, insuficientemente formuladas por Verger, de suas atitudes em termos de trabalho antropológico. O que este por vezes, blasé, apresentava como uma idiossincrasia sua é retomado no livro como uma verdadeira questão, reveladora do desconforto que freqüente-mente acompanha o projeto de conhecimento dos antropológos. Reflexões ricas e minuciosas sobre as dificuldades teóricas de seu fazer pontilham a narrativa a respeito das atitudes de seu personagem. Souty amplifica o que poderia ficar abandonado no fundo de um arquivo no Musée de l’Homme para trazer ao leitor a complexidade desse campo de conhecimento. O livro desfia assim suces-

les comptes rendus 235

sivamente em seus capítulos questões que, dispersas, atravessam os debates antro-pológicos contemporâneos. Não pretendo enumerar todas aqui. Cito algumas, no entanto : o paradoxo de uma ciência escrita de culturas orais – a recusa inicial de Verger de escrever é o suporte através do qual o autor do livro discute os limites de um conhecimento textual « freqüentemente descontextualizado e acom-panhado de uma abstração artificial e redutora » (p. 180). Fidelidade às represen-tações dos atores, que é discutida de forma a complexificar as partilhas entre o « campo » e os « pressupostos teóricos ». O privilégio atribuído ao « campo » pos-sibilitou a Souty, por sua vez, discutir os modos de transmissão dos saberes e os comportamentos rituais, incluindo a proximidade com seus « outros » alcançada por Verger e relacionada à sua iniciação nos mistérios do culto de Ifá e à sua condição de mensageiro com em relação à África. A valorização de uma antro-pologia compartilhada em detrimento de uma troca que exclui os membros dos grupos observados também é transformada em questão relevante pelo autor. Em suma, Jerôme Souty não perde nenhuma oportunidade de apresentar o que seriam os frutos positivos da não-ortodoxia de Verger. Como distinguir o viver do obser-var, o aprender do usufruir, o compromisso ético da empatia circunstancial ? Como enfrentar as dificuldades que se impõem ao pesquisador para transmitir uma cultura oral pela escrita sem que esta perca a sua maleabilidade, o seu caráter corporal e afetivo, favorecendo uma fixação ossificada e des-subjetivada através da escrita ? O conhecimento do Outro, indaga o autor, pode ignorar o corpo, o diálogo, o silêncio da cumplicidade, a temporalidade lenta da iniciação e as suas relações de reciprocidade ? Como substituir um trabalho de imersão no qual o aprendizado se faz lentamente por absorção inconsciente por uma entrada « no campo » marcada pelo profissionalismo das exigências científicas ? Mas, como « voltar » à metrópole e às obrigações universitárias se se optou pela sociedade do « Outro » como lugar de vida e como referência ética e intelectual ? Como estar atento às inquietações das pessoas e, ao mesmo tempo, conjugá-las com os urgen-tes e inúmeros interesses ligados à existência do antropólogo que se constrói essencialmente em um outro lugar ? Como escapar da objetivação do « Outro », rapidamente apreendido por meio de entrevistas induzidas e indutoras e a serviço das questões teóricas distantes da reflexividade dos atores ? Não seriam os antro-pólogos quase que inevitavelmente levados a tratar com um certo descaso « colo-nial » os seus « outros », submetidos às injunções e exigências da sua própria sociedade ? Questões centrais do fazer antropológico têm no livro de Souty um lugar maior. Através de sua leitura da vida e da trajetória de Pierre Verger, o autor discute as condições de produção de conhecimento com e através das rela-ções de alteridade.

Verger, apesar da radicalidade extrema de suas escolhas, também se dilacerou guardando uma fidelidade a certos valores de sua origem e a seus amigos inte-lectuais. Dos fios que ligaram Pierre Fatumbi Verger à França, Jerôme Souty não se debruça sobre os que revelam os efeitos negativos e pertubadores de suas escolhas existenciais. Por valorizar principalmente a positividade de seu distancia-mento dos cânones da ciência, como já mencionamos, Jerôme Souty oferta-nos um percurso inusitado, rico e provocante sobre aquele que fez da transgressão cotidiana a seu estatuto social a regra de seu bem viver.

Dezembro de 2007, Patricia Birman

236 les comptes rendus

Frédéric VIDAL, Les habitants d’Alcântara. Histoire sociale d’un quartier de Lisbonne au début du 20 e siècle, Villeneuve d’Ascq, Presses Universitaires du Septentrion, 2006, 489 p., ISBN : 2-85939-935-6.

Version légèrement remaniée d’une thèse de doctorat d’histoire soutenue en 2003, Les habitants d’Alcântara constitue un texte très dense de près de 500 pages consa-cré à l’étude d’un quartier ouvrier et industriel de Lisbonne, entre la fin du XIXe siècle et les années 1940. Le titre de l’ouvrage résume à lui seul les deux ambitions problématiques de l’auteur, à savoir d’une part contribuer, à travers l’exemple d’Alcântara, à une histoire sociale du processus d’industrialisation du Portugal, et d’autre part interroger les formes de structuration sociale, c’est-à-dire les types de relations interindividuelles, les proximités et les distances entre des individus et des groupes sociaux, qui se réalisent au sein d’un tel quartier.

Dès l’introduction, F. Vidal montre bien que le choix d’un tel sujet peut appa-raître doublement marginal : il s’agit en effet de se concentrer sur des questions urbaines et industrielles dans un pays alors majoritairement rural, mais aussi de raisonner à partir de l’échelle locale alors que l’historiographie portant sur l’industrialisation du Portugal s’est toujours placée à l’échelle nationale. À partir de cette double marginalité, l’auteur revendique un positionnement historiogra-phique. En abordant Lisbonne comme « une ville de l’âge industriel » et non comme « une ville industrielle où domine une activité organisée autour de la grande industrie », F. Vidal prône, à l’opposé de l’historiographie classique, un degré de « banalisation » de l’expérience portugaise. Par ailleurs, quand il défend une entrée par le quartier entendu comme « milieu social et espace de relations », il postule que des dimensions peu connues de l’industrialisation portugaise peuvent être observées à ce niveau, mais se démarque en même temps de certaines appro-ches monographiques qui tendent trop souvent à réifier leur objet.

La posture méthodologique est elle aussi donnée rapidement. F. Vidal, inspiré par les travaux de B. Lepetit, adopte une histoire de type expérimental où « l’objet historique se construit en fonction de l’avancée de la recherche ». L’objet, à savoir l’étude des liens sociaux entre les individus et entre les groupes dans un quartier industrialisé d’une grande ville, s’est construit progressivement, par « tâton-nements et hésitations ». L’auteur précise en outre que cette démarche expérimen-tale s’est aussi imposée du fait des lacunes des sources sur la société lisboète des XIXe et XXe siècles. Concrètement, le système d’investigation élaboré consiste en un « bricolage » à partir d’une documentation hétérogène et dispersée et de l’ana-lyse intensive d’une source unique, les registres de l’état civil. Une telle posture méthodologique est devenue assez répandue dans les travaux de recherche en sciences sociales.

La première des quatre parties de l’ouvrage, intitulée « Un espace social, un cadre de vie », offre une double mise en contexte. Le chapitre I (« Peuplement et industrialisation d’un espace lisboète ») représente un « détour écologique » dont l’objectif est de reconstituer le cadre de vie quotidien des habitants d’Alcântara. De manière finalement assez classique (et un peu longue), F. Vidal aborde les questions géographiques du site, de la croissance urbaine et de la délimitation du quartier, décrit la population d’un point de vue démographique grâce aux données de recensements et à la production d’indicateurs, enfin dépeint les principales

les comptes rendus 237

activités du quartier à travers une brève histoire des entreprises locales. Pour chacune de ces thématiques, l’auteur interroge la singularité d’Alcântara par rap-port à d’autres quartiers de la ville. Ainsi, par exemple, il montre bien comment le régime démographique d’Alcântara se banalise progressivement au cours du début du XXe siècle.

Le chapitre II (« L’image d’un quartier : les trois Alcântara ») constitue une description stimulante du contexte discursif de l’époque. Il s’agit pour l’auteur de présenter les principales représentations associées à Alcântara et les pratiques sociales qui ont pu susciter de telles représentations. En questionnant l’influence de la diffusion de ces représentations sur le quotidien des habitants, F. Vidal affiche son souhait de « rester encore une fois du côté des habitants » : il s’agit finalement de présenter quelques « repères identitaires autour desquels a pu s’ordonner l’infinie diversité des postures individuelles ». Trois principales représentations, obtenues suite au croisement de regards issus de cercles différents, les uns proches du quar-tier, les autres plus éloignés, sont décrites par l’auteur : Alcântara comme quartier industriel et faubourg ouvrier, comme bastion républicain, et comme quartier populaire. Ces trois figures, qui peuvent se superposer dans le temps, révèlent en définitive plusieurs représentations du quartier dans sa relation avec la ville. Si l’analyse proposée s’avère à l’évidence très intéressante, elle soulève aussi plusieurs questionnements. Pourquoi l’auteur n’a-t-il pas ainsi choisi d’étudier une seule source (par exemple, des articles de presse) sur l’ensemble de la période et d’y déceler les changements de traitement du quartier ? On peut aussi regretter que, pourtant sensible à privilégier le point de vue des habitants, il n’insiste pas suffisamment sur le fait que les trois figures évoquées correspondent in fine à des représentations issues des classes dirigeantes ou de certaines « élites » locales. S’il considère avec justesse la construction de la figure du « quartier populaire » dans le contexte de l’Estado Novo comme un acte de pouvoir (modifier l’image du quartier pour insuffler des dynamiques urbaines et sociales), on aurait en effet aussi souhaité un regard plus critique sur la production des deux autres représentations.

Au total, cette première partie est utilisée par l’auteur pour justifier les bornes chronologiques de son étude. La période 1900-1940 correspond précisément à une étape de transition dans la trajectoire urbaine du quartier ; transition qui marque le passage d’un faubourg ouvrier et industriel à un quartier urbain.

La question des sources et de la méthode utilisées ouvre la seconde partie de l’ouvrage intitulée « Les relations interpersonnelles dans deux rues d’Alcântara : la Rua da Cruz et la Rua Feliciano de Sousa ». L’étude repose sur l’exploitation d’une archive unique, celle de l’état civil de Lisbonne, choix que l’auteur dit avoir fait par défaut puisqu’il n’a pas trouvé d’autres sources nominatives susceptibles de lui permettre d’approcher l’espace social d’Alcântara. Cette justification peut appa-raître un peu rapide, d’autant plus qu’il n’explique pas pourquoi il n’a pas cher-ché à compléter cette source qu’il qualifie pourtant de « pauvre » par des sources orales, devenues depuis les travaux de J.P. Burdy sur Saint-Étienne ou de M. Gribaudi sur Turin un recours fréquent dans les monographies de quartier.

Le chapitre III (« L’usage d’une source pauvre ») ressaisit donc la méthode et les apports des travaux qui ont fait une utilisation intensive des archives d’état civil dans les domaines français et portugais. L’auteur prend soin de se démarquer de ces précédents en invoquant la particularité du terrain et du contexte culturel

238 les comptes rendus

sur lesquels il travaille. Cela l’amène à énoncer de manière très précise le cadre expérimental qui oriente sa propre analyse et qu’il a forgé au contact de la source. Ainsi, a-t-il préféré parmi les actes ceux de naissance et de baptême. Les actes de décès se sont révélés en effet trop lapidaires et ceux de mariage peu adaptés à l’étude d’une population ouvrière qui fréquemment vivait en concubinage, leur importance étant tronquée, de plus, par la tradition de célébrer les noces dans le village de la mariée. Pour des raisons pratiques, F. Vidal restreint son étude à deux rues, la Rua da Cruz et la Rua Feliciano de Sousa, qu’il juge représentatives du quar-tier car fortement peuplées. Il procède aussi à deux coupes temporelles, 1900-1910 puis 1930-1939, justifiées par l’état lacunaire et instable des archives entre ces deux périodes. Il souligne enfin une piste d’investigation permise par la nature particulière de son archive. Puisqu’elle consiste en des déclarations effectuées par les parents et parrains, elle est susceptible de fournir des indications sur la manière dont se percevait et se représentait la société d’Alcântara.

Le chapitre IV (« Les liens avec la ville ») s’attache à l’exploitation des mentions des lieux de naissance et de mariage des parents dans les actes de baptême. En cherchant à retracer un véritable parcours migratoire, dont il ne perçoit finalement que quelques étapes, F. Vidal veut interroger les liens qu’entretiennent les popu-lations qu’il étudie avec la ville, selon leur origine individuelle. Il repère ainsi deux groupes importants : les natifs de Lisbonne et les habitants issus du courant migra-toire dominant (Beira intérieure) et utilise le choix du partenaire comme indice d’intégration à la ville. Pendant la période étudiée, le nombre de mariages célébrés à Alcântara et la part des couples où au moins un des deux partenaires est né à Lisbonne augmentent, ce que l’auteur interprète comme une stabilisation du quartier et un renforcement du lien à la ville. Il semble cependant difficile de conclure avec F. Vidal à l’existence ou non de « liens forts » ou « faibles » avec Lisbonne à partir de la seule origine des membres du couple. Les habitants issus du courant migratoire dominant ont certes tendance à privilégier dans le choix de leur partenaire la relation à leur région d’origine, mais la prise en compte de l’ancienneté de leur présence à Lisbonne et de leur pratique quotidienne de la ville pourrait permettre de réévaluer le rapport qu’ils entretiennent avec elle et de corriger l’assimilation discutable faite par l’auteur entre mariage avec un lisboète de souche et lien fort avec la ville.

Dans la troisième partie de son ouvrage, nommée « Identités et représentations professionnelles » F. Vidal change d’angle d’approche de sa source, qu’il considère désormais dans sa dimension qualitative. Rappelant, dans le chapitre V (« Les modes de déclaration ») qu’elle est le produit de déclarations faites par les parents et les parrains, il s’interroge sur ce qu’elle révèle des identités professionnelles et de leurs représentations. Les actes mentionnent rarement une profession pour les femmes et lorsqu’ils le font, c’est la plupart du temps le terme de « domésticas » (au foyer) qui apparaît. Selon l’auteur il faut y lire non pas le reflet d’une réalité, mais plutôt la manière dont le travail féminin est perçu à l’époque : dénigré voire nié dans le système de valeurs qui se met en place sous l’Estado Novo. C’est d’ailleurs à cette période que le recours au terme « domésticas » se systématise. Pour ce qui est des pères et des parrains, le relevé des déclarations met à jour un paysage social très diversifié, qui recense près de 166 professions différentes, même si les secteurs ouvriers y dominent largement.

les comptes rendus 239

Dans son chapitre VI (« Quelques remarques sur les identités professionnelles au Portugal durant la moitié du XXe siècle »), F. Vidal choisit de faire un détour par d’autres sources afin d’analyser les mécanismes sociaux de construction des identités professionnelles sous-jacentes aux déclarations des hommes d’Alcântara. Les travaux effectués dans le champ de l’histoire sociale de l’industrialisation du Portugal ayant peu abordé cette question, il a recours à des sources primaires : enquêtes effectuées sur certaines professions par l’Institut d’Orientation Professionnelle et bribes documentaires concernant la compagnie de tramways Carris installée dans le quartier. L’auteur montre à partir de ces exemples que ce n’est pas tant la nature du métier qui définit la position sociale, mais le statut de l’emploi occupé. Être employé de la Carris – ce qui signifie jouir de droits sociaux et de salaires plus élevés – est ainsi particulièrement valorisé.

Si ce chapitre peut apparaître assez mal relié aux développements qui le pré-cèdent, ses acquis permettent cependant à l’auteur de se détacher de la vision de l’historiographie traditionnelle qui a tendance à surévaluer l’importance des métiers dans la construction des identités professionnelles et des solidarités dans les milieux populaires. Il dispose désormais d’une grille de lecture plus complexe pour l’ana-lyse des comportements relationnels.

Objet de la dernière partie intitulée « Proximités et distances sociales », l’analyse de ces comportements traduit la volonté de l’auteur d’étudier non plus une plu-ralité de « trajectoires » mais plutôt des « formes de convergence » sociales. Dans le chapitre VII (« Les liens père/parrain »), F. Vidal explique comment l’étude des relations père/parrain offre une entrée pertinente pour analyser les formes de stratifications sociales d’un milieu populaire urbain structuré selon le modèle de la communauté. Les liens avec les parrains apparaissent en effet comme des axes d’ouverture vers l’extérieur, qui dépassent les oppositions traditionnelles entre les groupes sociaux. Pour l’auteur, l’utilisation des catégories de recensement s’avère vite décevante pour l’analyse de tels liens sociaux. Le recours à la classification employée par W.H. Sewell à propos du cas marseillais offre d’autres perspectives qui signalent le rôle du niveau de qualification dans la formation des liens. Les résultats de l’analyse de F. Vidal montrent par exemple que les ouvriers non qualifiés apparaissent comme le groupe le plus dévalorisé : même s’ils parviennent à se rapprocher d’autres groupes sociaux, peu de catégories sociales cherchent à tisser des liens avec eux. Les ouvriers qualifiés bénéficient quant à eux d’une forte cohésion à l’intérieur de leur propre groupe. Enfin, les employés, autre catégorie marquée par une certaine cohésion, sont très recherchés comme parrains par les membres des autres groupes sociaux. Dans une lecture critique de ces résultats, F. Vidal précise que le niveau de qualification ne peut expliquer en totalité l’organisation des relations interpersonnelles à Alcântara : d’autres facteurs doivent être pris en compte, comme l’origine des pères, la nature de l’emploi qu’ils exercent, ou encore les caractéristiques des liens qu’ils entretiennent avec la ville et le quartier.

Le chapitre VIII (« Des manières de créer des groupes »), en présentant les univers relationnels observés auprès de représentants de trois professions différen-tes (manœuvres, chaudronniers et serruriers, employés de commerce), puis en se situant au niveau des couples, confirme qu’aucun facteur de différenciation entre les individus n’agit séparément pour fixer les degrés de distance ou de proximité

240 les comptes rendus

sociale entre les groupes. La grande complexité des pratiques relationnelles observée au sein de chaque groupe d’habitants témoigne en effet que la seule qualification des pères ne peut déterminer à elle seule les positions relationnelles des couples. À l’aide de représentations graphiques de type radar très parlantes – quoique parfois mal reliées au texte –, l’auteur montre bien comment la ville apparaît au début du siècle comme « un champ des possibles », c’est-à-dire comment face au statut professionnel, la relation à la ville s’avère être un facteur essentiel de différentiation des pratiques individuelles et de distinction entre les groupes d’habitants. A contra-rio, dans les années 1930, c’est véritablement le niveau de qualification qui « donne le ton » de la définition des positions individuelles et sociales : la ville devient en effet un lieu où les opportunités se font plus rares, les choix migratoires et rési-dentiels, tout comme leurs combinaisons à l‘échelle du couple, apparaissant alors moins déterminants.

L’ouvrage de F. Vidal apparaît comme une contribution notable à l’histoire du Portugal contemporain. Il propose en effet à la fois pistes de réflexion et jalons dans un champ de recherche peu exploré qu’est celui de la transformation de la société portugaise par l’industrialisation. À plusieurs reprises apparaît ainsi dans le texte la mention de fonds d’archives restés relativement inédits (association de la Promotora, de la société Carris, etc.) qui sont autant d’entrées possibles pour poursuivre cette exploration.

La très grande réflexivité avec laquelle l’auteur mène sa démonstration, prenant soin de ressaisir les travaux l’ayant précédé, d’interroger sans cesse la nature de ses sources et de déconstruire les catégories communément utilisées, représente l’autre point fort de l’ouvrage. Il est possible de le lire comme une véritable réflexion sur les méthodes de l’histoire sociale et sur les possibilités offertes par une archive particulière que sont les registres de l’état civil.

Ce discours permanent de la méthode finit cependant par avoir des travers. Si le recours à « l’histoire expérimentale » s’avère fructueux et créatif dans le processus de recherche, son rendu détaillé alourdit parfois la lecture, rompt le fil du raison-nement, voire pousse quelquefois à une trop grande relativisation des résultats.

Un autre problème se situe au niveau de la mise en contexte de l’analyse. L’auteur perd en effet de vue dans son approche micro-historique des deux rues, qui occupe la majeure partie de l’ouvrage, à la fois l’échelle de la ville, mais aussi les évolutions politiques et sociales du Portugal durant la période considérée (la crise économique, la mise en place de l’Estado Novo, le développement des modes de transport qui reste totalement absent du texte, etc.). Ces éléments sont regrou-pés dans une première partie finalement trop peu rattachée au reste – puisqu’un certain nombre des thématiques qui y sont abordées, comme l’attachement du quartier au régime républicain, ne sont pas exploitées par la suite – et dans la conclusion. Pourquoi ne pas les avoir répartis au fur et à mesure du développe-ment, donnant ainsi plus de profondeur à l’analyse détaillée ?

On peut enfin déplorer le côté parfois désincarné de l’étude. La démarche modélisatrice de l’auteur se fait au détriment de l’épaisseur de son terrain. Les rares reconstitutions de vies permettent de redonner un peu de chair au discours général et peut-être aurait-il été souhaitable de leur accorder une place plus importante. Une remarque similaire peut être formulée à propos de l’espace du quartier. En effet, même si la problématique de l’auteur se situe plus du côté de

les comptes rendus 241

l’histoire sociale que de l’histoire urbaine, ces groupes dont il analyse les relations évoluent dans espace matériel avec lequel ils interagissent. Or, ce dernier ne nous est pas suffisamment redonné : aucune image des rues étudiées n’est fournie et la notion de voisinage est en définitive très peu mobilisée. Une telle iconographie – dont l’absence relève peut être d’exigences éditoriales ? – aurait sans doute encore mieux permis de positionner le lecteur au niveau des habitants et de leur vie quoti-dienne.

6 mars 2008, Vanessa R. Caru & Matthieu Giroud

Site Memória de África

Un site d’accès libre avec 210 000 références bibliographiques et 144 000 pages scannées d’ouvrages et textes recueillis en Guinée, Mozambique, Cap-Vert, São Tomé e Príncipe et Portugal

Avec 252 000 visiteurs et 1 180 000 pages visitées depuis toute la terre en 2007 : <http://memoria-africa.ua.pt>, le site bénéficie du concours de la Fundação Portugal África, de l’Universidade de Aveiro et du Centro de Estudos sobre África e do Desenvolvimento depuis 1996.