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AVM FACULDADE INTEGRADA LEONARDO MARQUES RODRIGUES O CONCURSO DE PESSOAS NO CRIME DE INFANTICÍDIO Rio de Janeiro 2012

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AVM FACULDADE INTEGRADA

LEONARDO MARQUES RODRIGUES

O CONCURSO DE PESSOAS NO CRIME DE INFANTICÍDIO

Rio de Janeiro 2012

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LEONARDO MARQUES RODRIGUES

O CONCURSO DE PESSOAS NO CRIME DE INFANTICÍDIO

Orientação: Prof.º Francis Rajzman

Rio de Janeiro 2012

Monografia apresentada à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para a

conclusão do curso de Pós-Graduação de

Direito e Processo Penal.

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Àquela que mais amo e amarei por toda

minha vida, àquela que sempre esteve ao meu

lado, àquela que não mediu esforço para me

dar tudo que precisei: por todo amor, carinho,

dedicação, ternura e confiança dedico este

trabalho à minha mãe.

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AGRADECIMENTOS

À Deus, por me conceder paciência.

À minha família que me motiva a cada conquista.

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EPÍGRAFE

“A vida é muito mais rica e complexa que a

melhor das teorias”.

Clèmerson Merlin Clève

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RESUMO

Com o presente trabalho tivemos por objetivo analisar, a partir da sistemática vigente em

nossa legislação penal, o fenômeno do concurso de pessoas no crime de infanticídio.

Primeiramente, expusemos toda a matéria referente ao fenômeno do concurso de pessoas, as

teorias a respeito do tema, a questão da autoria e da participação bem como a

comunicabilidade de circunstâncias e condições. Depois adentrarmos na estrutura do

infanticídio, mostrando sua evolução histórica, analisando os critérios tipificadores e tentando

entender os motivos que levaram os legisladores a mudar o tratamento jurídico do crime ao

longo do tempo. Mostramos também a discussão acerca da “influência do estado puerperal”,

estado esse que segundo alguns doutrinadores não passaria de mera ficção jurídica, e

aproveitamos também para discutir a questão do lapso temporal “logo após o parto”. Após, o

trabalho segue com a análise específica sobre a problemática do infanticídio quando praticado

em concurso de agentes. Tal delito, quando praticado por uma pluralidade de agentes, leva à

aplicação das regras contidas nos artigos 29 e 30 do Código Penal. Essas regras nos levam à

questão da comunicabilidade das condições, circunstâncias e elementares do crime. Com a

verificação da comunicabilidade das condições e circunstâncias de caráter pessoal quando

elementares do crime, podemos concluir que as implicações do estado puerperal são

estendidas aos partícipes do delito. Dessa forma, o terceiro tem sua conduta subsumida a um

tipo penal mais brando que o homicídio – o infanticídio -, mesmo agindo sem estar sob a

influência do estado puerperal. Fica claro que a situação gera injustiça, sendo necessárias

alterações legislativas para que se ponha um fim nesse contra-senso. Assim, apenas a

eliminação do infanticídio como delito autônomo, transformando-o em uma hipótese de

homicídio privilegiado, ou mesmo a inserção de um parágrafo em seu artigo versando sobre o

concurso de pessoas, solucionariam a controvérsia, tema do fechamento do trabalho.

Palavras-chave: Concurso, pessoas, infanticídio, comunicabilidade e elementares.

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ABSTRACT

With this work we had to analyze, from the systematic force in our criminal law, the phenomenon of competition for people in the crime of infanticide. First, we exposed the whole matter concerning the phenomenon of competition for people, theories on the subject, the question of authorship and participation and the communicability of circumstances and conditions. Then we turn to the structure of infanticide, showing their historical development, analyzing the criteria typified and trying to understand the reasons that led lawmakers to change the legal treatment of crime over time. We show also discussion about the “influence of the puerperal state”, a state wich according to some schoolars is mere fiction, and enjoyed also to discuss the issue of missing time “soon after birth”. Work follows with specific analysis on the problem of infanticide as practiced in competition agents. Such a crime, when comitted by a plurality of agents, is to apply the rules contained in articles 29 and 30 of the Criminal Code. These rules lead us to the question of the communicability of the conditions and circumstances of a personal nature where the criminal elements, we conclude that the implications of the puerperal state are extended to participants in the offense. Thus, the third has subsumed his conduct to an offense softer than homicide – infanticide – even acting without being under the influence of puerperal state. Clearly, the situation creates injustice, and legislative changes necessary for pauting and end to this nonsense. Thus, only the elimination of infanticide as a stand-alone offense, turning it into a case of murder privileged, or even inserting a paragraph in its article dealing about the contest people, settle the dispute, wich is the closing subject of this work.

Keywords: Competition, people, infanticide, communication, elementaries.

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SUMÁRIO

1 - DO CONCURSO DE PESSOAS................................................................................ 10

1.1– INTRODUÇÃO.................................................................................................... 10

1.2 – REQUISITOS...................................................................................................... 11

1.3- TEORIAS SOBRE O CONCURSO DE PESSOAS.............................................. 14

1.4 - A AUTORIA......................................................................................................... 15

1.5 - A TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO................................................................ 15

1.6 - A CO-AUTORIA.................................................................................................. 17

1.7 - AUTORIA MEDIATA E IMEDIATA................................................................. 18

1.8 – PARTICIPAÇÃO................................................................................................. 19

1.9 - FORMAS DE PARTICIPAÇÃO.......................................................................... 20

1.10 - TEORIAS SOBRE A PUNIBILIDADE DO PARTÍCIPE................................. 20

1.11 - PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA............................................. 21

1.12 - O DESVIO SUBJETIVO DE CONDUTA......................................................... 23

1.13 - A QUESTÃO DA COMUNICABILIDADE...................................................... 24

1.13.1 - As circunstâncias, condições e elementares do crime........................... 24

1.13.2 - Incomunicabilidade das circunstâncias e condições de caráter pessoal 25

1.13.3 - Comunicabilidade das circunstâncias e condições de caráter objetivo. 26

1.13.4 - Comunicabilidade das elementares do crime........................................ 26

1.14 - PARTICIPAÇÃO POR OMISSÃO.................................................................... 28

1.15 - CONCURSO DE PESSOAS EM CRIMES OMISSIVOS................................. 29

1.15.1 - Co-autoria em crimes omissivos (próprios e impróprios)..................... 29

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1.15.2 - Participação em crimes omissivos (próprios e impróprios).................. 30

2 - DO INFANTICÍDIO................................................................................................... 32

2.1 – INTRODUÇÃO.................................................................................................... 32

2.2 – CRITÉRIOS DE CONCEITUAÇÃO LEGAL DO INFANTICÍDIO.................. 35

2.3 – A INFLUÊNCIA DO ESTADO PUERPERAL................................................... 35

2.4 – OBJETIVIDADE JURÍDICA.............................................................................. 40

2.5 – CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA.................................................................. 41

2.6 – ELEMENTO TÍPICO TEMPORAL..................................................................... 42

2.7 – ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO.................................................................. 42

2.8 – SUJEITO ATIVO.................................................................................................. 43

2.9 – SUJEITO PASSIVO............................................................................................. 43

2.10 – CONSUMAÇÃO E TENTATIVA..................................................................... 44

2.11 – PENA E AÇÃO PENAL................................................................................... 44

2.12 – DISTINÇÕES E QUESTÕES DIVERSAS....................................................... 45

3 - DO CONCURSO DE PESSOAS NO INFANTICÍDIO........................................... 46

4 - PERSPECTIVAS DE ALTERAÇÃO LEGISLATIVA.......................................... 56

5 – CONCLUSÃO............................................................................................................ 59

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................... 61

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1 - DO CONCURSO DE PESSOAS 1.1 – INTRODUÇÃO

Podemos falar em concurso de pessoas sempre que duas ou mais pessoas colaborarem para

a prática de uma mesma infração penal. Nosso Código Penal trata do tema no art. 29, caput,

dizendo que quem, de qualquer forma, concorre para o crime incide nas penas a este

cominadas, na medida de sua culpabilidade.

De acordo com Julio Fabbrini Mirabete, introduzindo a idéia de concurso de pessoas:

Um crime pode ser praticado por uma ou várias pessoas em concurso. Pode o sujeito,

isoladamente, matar, subtrair, falsificar documento, omitir socorro a pessoa ferida etc.

Freqüentemente, todavia, a infração penal é realizada por duas ou mais pessoas que

concorrem para o evento. Nesta hipótese, está-se diante de um caso de concurso de

pessoas, fenômeno conhecido como concurso de agentes, concurso de delinqüentes, co-

autoria, co-delinqüência ou participação.1

O art. 29 do Código Penal é aplicado, via de regra, aos chamados delitos de concurso

eventual. Para melhor entendê-los é necessário primeiramente que façamos a distinção entre

crimes unissubjetivos e crimes plurissubjetivos.

Aquelas infrações penais que exigem mais do que uma pessoa para que se configurem são

chamadas de crimes plurissubjetivos ou delitos de concurso necessário. O exemplo clássico é o

crime de quadrilha ou bando (art. 288 do CP), que exige no mínimo quatro pessoas. De outro

lado temos aquelas infrações que podem ser cometidas por uma única pessoa, como o delito de

homicídio (art. 121 do CP) por exemplo, sendo esses os chamado crimes unissubjetivos ou

crimes de concurso eventual.

Assim, fica claro que o art. 29 do CP é destinado às infrações unissubjetivas, ou seja,

àqueles crimes que são cometidos por uma única pessoa mas que eventualmente podem ser

1 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal – Parte geral. São Paulo: Atlas, 1998, p. 223.

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praticados por dois ou mais agentes. Isso porque nos delitos de concurso necessário, por haver

disposição expressa da quantidade de agentes para a configuração do crime, não há que se falar

em norma que estenda a punição aos autores ou co-autores.

É o que concluímos com Damásio E de Jesus:

O princípio segundo o qual quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas

penas a ele cominadas (CP, art. 29), somente é aplicável aos casos de concurso eventual,

com exclusão do concurso necessário. Nestes, como a norma incriminadora exige a

prática do fato por mais de uma pessoa, não há necessidade de estender-se a punição por

intermédio da disposição ampliativa a todos os que o realizam. Eles estão cometendo o

delito materialmente. São co-autores. Isso não impede, entretanto, a participação, como

ensina Maggiore. 2

1.2 – REQUISITOS

Para a ocorrência do concurso de pessoas devemos verificar a presença de quatro

requisitos. São eles: a pluralidade de agentes e de condutas; a relevância causal de cada conduta;

o liame subjetivo entre os agentes e a identidade de infração penal.

A pluralidade de agentes e condutas é requisito inicial e lógico. Se falamos em concurso de

pessoas é porque há dois ou mais agentes que empreendem esforços para a prática de

determinada infração penal. Quando mais de um agente contribui para a realização do crime,

cada uma dessas contribuições se dá de maneira diversa. Segundo Esther de Figueiredo Ferraz,

citada por Bitencourt (2000, p. 377), alguns “praticam o fato material típico, representado pelo

verbo núcleo do tipo, outros limitam-se a instigar, auxiliar moral ou materialmente o executor ou

executores praticando atos que, em si mesmos, seriam atípicos.”

O segundo requisito é a relevância causal da conduta de cada um daqueles que, de qualquer

forma, concorram para a prática do crime.

2 JESUS, Damásio E. Direito penal – Parte geral. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 354.

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Segundo Mirabete:

Existentes condutas de várias pessoas, é indispensável, do ponto de vista objetivo, que

haja nexo causal entre cada uma delas e o resultado. Havendo essa relação entre a ação

de cada uma delas e o resultado, ou seja, havendo relevância causal de cada conduta,

concorreram essas pessoas para o evento e por ele serão responsabilizadas.3

Ou seja, se a conduta de um dos agentes não influir na prática da infração penal, essa

conduta deverá ser descartada. Desta forma, esse agente não será responsabilizado criminalmente

pelo resultado.

Para ilustrar o que foi dito, o Professor Rogério Greco cita o seguinte exemplo:

A, com o firme propósito de causar a morte de B, pelo fato de não ter encontrado a sua

arma, vai até a residência de C e, explicando-lhe o fato, pede-lhe o revólver emprestado.

C, mesmo sabendo da intenção de A, empresta-lhe a arma. Antes de ir ao encontro de B,

A resolve, mais uma vez, procurar a sua pistola, calibre 380 e, para sua surpresa,

consegue achá-la. Assim, deixa de lado a arma que havia solicitado a C e, agora, com a

sua pistola vai à procura de B e causa-lhe a morte.

(...) Como o agente já estava decidido a cometer o crime, entendemos que, pelo fato de

não ter se utilizado da arma emprestada por C, a conduta deste passou a ser irrelevante,

uma vez que não estimulou, ou de qualquer modo influenciou o agente no cometimento

de sua infração penal. Dessa forma, embora tenha querido contribuir, a ausência de

relevância de sua conduta fará com que não seja responsabilizado penalmente pelo

resultado.4

O terceiro requisito é o liame subjetivo entre os agentes, ou seja, aqueles que concorrem

para a prática do delito estão unidos por um mesmo objetivo comum. Do contrário, não há que se

falar em concurso de pessoas, respondendo cada um dos agentes de forma isolada. Importante

ressaltarmos que não é necessário o prévio acordo entre os agentes, bastando apenas que uma

vontade junte-se à outra para a prática do crime, mesmo que um dos agentes recuse o auxílio que

lhe é fornecido. O que se exige é a homogeneidade do elemento subjetivo.

3 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal – Parte geral. São Paulo: Atlas, 1998, p. 227. 4 GRECO, Rogério. Curso de direito penal - Parte geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2006, p. 458.

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Outra não é a lição de Damásio E. de Jesus:

Não é necessário o acordo de vontades (pactum sceleris). Basta que uma vontade adira à

outra. Suponha-se que uma empregada doméstica, percebendo que um ladrão está

rondando a residência, para vingar-se do patrão, deliberadamente deixa a porta aberta,

facilitando a prática do furto. Há participação e, não obstante, o ladrão desconhecia a

colaboração da criada (não ocorreu o acordo prévio).5

Sobre a importância do vínculo psicológico para a caracterização do concurso de pessoas,

Rogério Greco aduz que:

No clássico caso em que A e B atiram contra C, sendo que um deles acerta mortalmente

o alvo e o outro erra, não se sabendo qual deles conseguiu alcançar o resultado morte,

dependendo da conclusão que se chegue com relação ao vínculo psicológico entre os

agentes, as imputações serão completamente diferentes. Se dissermos que A e B agiram

unidos pelo liame subjetivo, não importará saber, a fim de condená-los pelo crime de

homicídio, qual deles, efetivamente, conseguiu acertar a vítima, causando-lhe a morte.

Aqui, o liame subjetivo fará com que ambos respondam pelo homicídio consumado.

Agora, se chegarmos à conclusão de que os agentes não atuaram unidos pelo vínculo

subjetivo, cada qual deverá responder pela sua conduta. No caso em exame, não

sabemos quem foi o autor do resultado morte. A dúvida, portanto, deverá beneficiar os

agentes, uma vez que um deles não conseguiu alcançar o resultado morte, praticando,

assim, uma tentativa de homicídio. Dessa forma, ambos deverão responder pelo crime

de homicídio tentado.6

O quarto e último requisito é a identidade de infração penal. Isso significa que os agentes,

uma vez unidos pelo liame subjetivo, devem querer praticar um mesmo determinado delito. Na

verdade, trata-se mais de uma conseqüência jurídica em face das condições anteriormente citadas

do que um requisito propriamente dito.

5 JESUS, Damásio E. Direito penal – Parte geral. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 365.. 6 GRECO, Rogério. Curso de direito penal - Parte geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2006, p. 459.

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1.3 - TEORIAS SOBRE O CONCURSO DE PESSOAS

Três são as teorias que procuram definir qual ou quais os delitos cometidos por aqueles que

agem em concurso de pessoas, são elas: a) teoria pluralista; b) teoria dualista e c) teoria monista.

Para a teoria pluralista, temos uma multiplicidade de agentes correspondente a uma

multiplicidade de ações distintas. Daí a conseqüência de uma pluralidade de delitos, ou seja, cada

um dos concorrentes pratica um crime autônomo, próprio. Temos tantos crimes quantos forem os

participantes do fato.

Ressaltando a inconveniência da teoria pluralista, Mirabete aduz:

A falha apontada nessa teoria é a de que as participações de cada um dos agentes não

são formas autônomas, mas convergem para uma ação única, já que há um único

resultado que deriva de todas as causas diversas.7

De acordo com a teoria dualista, há um crime para os autores e outro para os partícipes.

Temos uma ação principal – a execução da ação típica -, que é a ação do autor do crime; e uma

ação acessória – a instigação e o auxílio à ação típica -, que é a ação do partícipe. Teríamos aqui

um problema para ajustar os casos de autoria mediata a essa teoria.

Segundo a concepção da teoria monista, também chamada de teoria unitária, todos aqueles

que de qualquer forma concorram para o crime, por este responderão na medida de sua

culpabilidade. Isso significa que para a teoria monista há um crime único, cujas penas serão

atribuídas a autores ou partícipes, de acordo o grau de reprovabilidade.

Esther de Figueiredo Ferraz ensina que:

(...) o delito cometido graças ao concurso de várias pessoas não se fraciona em uma

série de crimes distintos. Ao contrário, conserva-se íntegro, indiviso, mantendo sua

7 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal – Parte geral. São Paulo: Atlas, 1998, p. 224.

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unidade jurídica à custa da convergência objetiva e subjetiva das ações dos múltiplos

participantes.8

Não obstante a adoção da teoria monista por nosso Código Penal, encontramos exceções à

regra na parte especial, a exemplo do crime de aborto, em que a gestante pratica o disposto no

art. 124, enquanto que aquele que nela realiza o aborto, com seu consentimento, pratica o delito

do art. 126.

1.4 - A AUTORIA

Nosso legislador não tratou de definir o conceito de autor, tarefa essa que ficou a cargo da

doutrina. O tema mostrou-se bastante controverso, vide a quantidade de teorias que surgiram

tentando delimitar o conceito de autoria, sendo umas mais restritivas e outras mais extensivas.

Trataremos aqui da chamada teoria do domínio do fato, por colocar-se numa posição

intermediária e por ser aquela de maior aceitação entre doutrina e jurisprudência.

1.5 - A TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO

A teoria do domínio do fato foi desenvolvida por Hans Welzel e surgiu em 1939, de forma

a tentar conciliar as teorias existentes até então e para definir, afinal, quem seria autor. De acordo

com Welzel, o atributo principal do autor é, acima de tudo, o domínio final sobre o fato, ou seja,

autor é aquele que realiza o fato em sua forma final, em razão de livre decisão de sua vontade.

Sendo assim, é preciso abandonar a idéia de que autor é apenas aquele que pratica a

conduta descrita no núcleo do tipo penal. Com certeza, aquele que o faz pode, por ser o senhor

do fato e ter o domínio sobre sua conduta, abandonar o plano criminoso. Por outro lado,

podemos ter um agente cuja missão no grupo seja a elaboração do plano criminoso, de forma a

atribuir a cada um dos outros agentes sua função na execução da empreitada. Ora, é evidente que

8 FERRAZ, Esther de Figueiredo. A co-delinqüência no direito penal brasileiro. São Paulo: Bushatsky, 1976, p. 30.

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não podemos deixar de conferir ao mentor intelectual do crime, aquele que traçou toda a

estratégia a ser utilizada para a realização da infração penal, a qualidade de autor.

A teoria do domínio do fato, para resolver o problema de autoria e participação, utiliza

ainda um elemento essencial, a chamada divisão de tarefas. Dessa forma, o domínio do fato será

exercido sobre as funções atribuídas a cada um dos agentes que contribuíram de forma

fundamental para o cometimento do crime. Em outras palavras, o agente deve ser capaz de evitar

a prática do delito meramente na parte que lhe cabe para a realização do crime. O domínio existe

sobre a função que o agente tem dentro da obra criminosa.

Versando sobre o tema, Nilo Batista assevera:

Só pode interessar como co-autor quem detenha o domínio (funcional) do fato;

desprovida deste atributo, a figura cooperativa poderá situar-se na esfera da participação

(instigação ou cumplicidade). O domínio funcional do fato não se subordina à execução

pessoal da conduta típica ou de fragmento desta, nem deve ser pesquisado na linha de

uma divisão aritmética de um domínio ‘integral’ do fato, do qual tocaria a cada co-autor

certa fração. Considerando-se o fato concreto, tal como se desenrola, o co-autor tem

reais interferências sobre o ‘Se’ em o seu ‘Como’; apenas, face à operacional fixação de

papéis, não é o único a tê-las, a finalisticamente conduzir o sucesso. Pode-se entretanto

afirmar com Roxin que cada co-autor tem a sorte do fato total em suas mãos, ‘através de

sua função específica na execução do sucesso total, porque se recusasse sua própria

colaboração faria fracassar o fato’. 9

Resumindo, Fernando Capez ensina:

Teoria do domínio do fato: autor é todo aquele que detém o controle final da produção

do resultado, possuindo, assim, o domínio completo de todas as ações até a eclosão do

evento pretendido. Não importa se realizou ou não o núcleo do tipo (o verbo, ou seja, a

conduta principal). Para esta teoria, o mandante e aquele que planeja ação (autor

intelectual) são também considerados autores, muito embora não executem a ação

material. 10

9 BATISTA, Nilo. Concurso de agentes. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1979, p. 77. 10 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 231.

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Ressalte-se que a teoria do domínio do fato é aplicada apenas nos delitos dolosos, uma vez

que nos crimes culposos o resultado não é almejado pelo autor. Nos crimes culposos autor é todo

aquele que concorre para o resultado com uma conduta que viola o dever objetivo de cuidado.

1.6 - A CO-AUTORIA

A co-autoria ocorre quando vários agentes detêm o domínio do fato unitário. O co-autor é

aquele que possui as qualidades de autor por ser o senhor do fato dentro daquilo que lhe foi

conferido pelo critério de divisão de tarefas na empreitada criminosa. Em outras palavras, a co-

autoria é autoria, de forma que o domínio do fato é comum a varias pessoas.

Rogério Greco assevera:

Se autor é aquele que possui o domínio do fato, é o senhor de suas decisões, co-autores

serão aqueles que têm o domínio funcional dos fatos, ou seja, dentro do conceito de

divisão de tarefas, serão co-autores todos os que tiverem uma participação importante e

necessária ao cometimento da infração, não se exigindo que todos sejam executores, isto

é, que todos pratiquem a conduta descrita no núcleo do tipo. 11

Com o mesmo raciocínio, Nilo Batista aduz que:

A idéia de divisão de trabalho, que alguns autores, como Antolisei, situam como reitora

geral de qualquer forma de concurso de agentes, encontra na co-autoria sua adequação

máxima. Aqui, com clareza, se percebe a fragmentação operacional de uma atividade

comum, com vistas a mais seguro e satisfatório desempenho de tal atividade. Por isso os

autores afirmam que a co-autoria se baseia no princípio da divisão do trabalho.12

Portanto, funda-se a co-autoria no princípio da divisão do trabalho, de modo que cada autor

colabora com sua parte no fato, na totalidade do delito e, por conseqüência, deve responder pelo

todo.

11 GRECO, Rogério. Curso de direito penal - Parte geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2006, p. 468. 12 BATISTA, Nilo. Concurso de agentes. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1979, p. 76.

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1.7 - AUTORIA MEDIATA E IMEDIATA

Autor pode ser tanto aquele que pratica diretamente a conduta descrita no núcleo do tipo

penal – o chamado autor direito, autor executor ou autor imediato -, como aquele que faz uso de

uma outra pessoa, tal qual um instrumento, para realizar a infração penal pretendida –ocasião em

que temos a chamada autoria indireta ou autoria mediata.

Sobre a autoria imediata assevera Nilo Batista:

Autor direto é aquele que tem o domínio do fato (Tatherrschaft), na forma do domínio

da ação (Handlingsherrschaft), pela pessoal e dolosa realização da conduta típica. Por

realização pessoal se deve entender a execução de própria mão da ação típica; por

realização dolosa se exprimem consciência e vontade a respeito dos elementos objetivos

do tipo.13

Quanto à autoria mediata Rogério Greco aduz:

Contudo, pode acontecer que o agente não realize diretamente a conduta prevista pelo

verbo reitor do tipo penal, valendo-se, muitas vezes, de outras pessoas, que lhe servem

como instrumento para a prática da infração penal, sendo considerado, portanto, autor

indireto ou mediato. 14

Nosso Código Penal admite quatro casos expressos de autoria mediata, a saber: a) erro

determinado por terceiro (art. 20, § 2º do CP); b) coação moral irresistível (art. 22, primeira

parte, do CP); c) obediência hierárquica (art. 22, segunda parte, do CP); e d) caso de instrumento

impunível em virtude de condição ou qualidade pessoal (art. 62, III, segunda parte do CP). Note-

se que, ainda que falemos de autoria mediata, é preciso que o autor detenha o domínio do fato,

ou seja, que o agente tenha o controle da situação.

13 BATISTA, Nilo. Concurso de agentes. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1979, p. 77. 14 GRECO, Rogério. Curso de direito penal - Parte geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2006, p. 470.

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1.8 – PARTICIPAÇÃO

Primeiramente devemos esclarecer que há um sentido amplo para o termo participação.

Nesse sentido, participação é o próprio concurso de pessoas, de forma que representa

indistintamente tanto os autores como os partícipes propriamente ditos. Esse seria o conceito

extensivo de partícipe. Entretanto, há uma outra noção do termo que serve para identificar

aqueles que são coadjuvantes da infração penal, desempenhando atividade diversa da do autor do

crime. Essa última é a noção que trataremos aqui.

O autor é, obviamente, o personagem principal da infração penal. Não obstante, muitas

vezes pode ele receber o auxílio de pessoas que – não desempenhando atividades principais -,

concorrem para a realização do delito. Esses, que exercem tais atividades secundárias de forma

coadjuvante, são os partícipes do crime.

Sobre a idéia de participação, Rogério Greco ensina que:

Se a autoria é sempre atividade principal, participação será sempre uma atividade

acessória, dependente da principal. Nesse sentido são as lições de Paul Bockelmann,

quando aduz que “a participação é, necessariamente, acessória, quer dizer, dependente

da existência de um fato principal. Essa acessoriedade não é ‘produto da lei’, mas está

na natureza das coisas”.

Assim, para que se possa falar em partícipe é preciso, necessariamente, que exista um

autor do fato. Sem este, não há possibilidade daquele, pois que, conforme determina o

art. 31 do Código Penal, o ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo

disposição em contrário, não são puníveis se o crime não chega, pelo menos, a ser

tentado, e, como sabemos, somente o autor pode chegar à fase do conatus (tentativa) de

determinada infração penal. E, se isso não acontece, a conduta do partícipe não poderá

ser punida pelo direito penal.15

15 GRECO, Rogério. Curso de direito penal - Parte geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2006, p. 482-483.

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20

1.9 - FORMAS DE PARTICIPAÇÃO

Podemos dividir a participação em moral e material. Participação moral são os casos de

induzimento (que o Código Penal chama de determinação) e instigação. A participação material

se dá pela prestação de auxílios materiais.

O induzimento ou determinação ocorre quando o partícipe faz nascer, cria, coloca na mente

do autor material do crime a idéia delitiva. Esta inexistia na mente do autor, ela só surge após a

atuação do partícipe que, com a exposição de argumentos, convence aquele a praticar o crime.

Por outro lado, na instigação o autor material do crime já se encontra inclinado à prática

delitiva. Aqui, a atuação do partícipe resume-se a reforçar a idéia criminosa já existente na

cabeça do autor para que este venha a efetivamente praticar o evento criminoso. É como se o

autor ainda não estivesse totalmente convicto da realização do crime, de modo que a atuação do

partícipe (instigação) cuida de convencer o autor a levar a cabo a empreitada criminosa.

A participação material, também chamada de auxílio ou cumplicidade, compreende-se na

prática de um ato concreto, ou seja, que não gravita no campo psíquico. Nesses casos o partícipe

facilita a prática do crime através de um auxílio material, por exemplo, emprestando uma escada

para adentrar a casa da vítima de um furto ou emprestando uma arma para o cometimento de um

homicídio.

1.10 - TEORIAS SOBRE A PUNIBILIDADE DO PARTÍCIPE

Existem quatro teorias que tratam de quando aquele que comete o ato secundário e auxiliar

a conduta criminosa principal deve ser punido. Note-se que todas elas ressaltam o caráter

acessório da participação. Outro ponto importante que merece destaque é o fato de que o

partícipe só será punido se o autor ingressar nos chamados atos de execução, conforme disposto

no art. 31 do Código Penal, que diz que o ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo

disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser

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tentado. Ou seja, deve o autor ingressar no iter criminis para que a conduta do partícipe seja

apreciada. As teorias sobre a participação são as seguintes: a) teoria da acessoriedade mínima; b)

teoria da acessoriedade limitada; c) teoria da acessoriedade máxima e d) teoria da

hiperacessoriedade.

Segundo a teoria da acessoriedade mínima, o partícipe será punido se o autor tiver

cometido um fato típico. Isso significa que não é necessário que a conduta realizada pelo autor

seja antijurídica e culpável, bastando, para que o partícipe seja punido, que o autor já tenha

cometido uma conduta típica.

Para a teoria da acessoriedade limitada, a participação será punível se o autor levar a cabo

uma conduta típica e ilícita. Logo, basta o cometimento de um injusto típico, não necessitando

que o fato seja culpável, para que o partícipe seja punido. Essa é a teoria mais aceita pelos

doutrinadores.

A teoria da acessoriedade máxima pune a participação se o autor tiver praticado uma

conduta típica, ilícita e culpável. Ou seja, para falarmos em punição do partícipe é necessário que

o autor tenha cometido um injusto culpável. Essa era a teoria mais adotada na época em que

predominava a chamada teoria causalista da ação, antes do finalismo de Welzel.

Por fim, a teoria da hiperacessoriedade vai mais longe e pune o partícipe somente se a

conduta do autor for típica, ilícita, culpável e punível. Dessa forma, para essa teoria é

indispensável que, além de o autor ter cometido um injusto culpável, a conduta principal seja

punível.

1.11 - PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA

Reza o § 1º do art. 29 do Código Penal que se a participação for de menor importância, a

pena poderá ser diminuída de um sexto a um terço. Sendo assim, a participação de menor

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importância é reconhecida como causa geral de diminuição de pena, podendo essa diminuição

variar entre um sexto a um terço.

Deve ficar claro que muito embora o texto legal traga o termo ‘poderá’, trata-se aqui de

uma causa obrigatória de redução de pena. O mencionado vocábulo diz respeito à facultatividade

no que tange ao quantum a ser diminuído na pena, sendo certo que caso evidenciada a mínima ou

insignificante atuação do partícipe para a realização do crime, terá ele direito público subjetivo à

diminuição da pena.

Importante também destacar que a participação de menor importância é aquela que

concorreu para a realização do crime de maneira extremamente acessória, dispensável. Essa

participação, uma vez ausente, não seria óbice à ocorrência do delito. Note-se que não falamos

aqui de participação inócua, isto é, aquela participação que não traz nenhuma relevância causal

para com a empreitada criminosa, de forma que não há, nesse caso, sequer a formação de

concurso de pessoas.

A redação do § 1º do art. 29 do Código Penal traz o termo participação em seu sentido

estrito, ou seja, a diminuição em apreço não se aplica aos casos de co-autoria. Sobre o assunto,

trazemos à tona a lição de Rogério Greco:

Esse parágrafo, contudo, somente terá aplicação nos casos de participação (instigação e

cumplicidade), não se aplicando às hipóteses de co-autoria. Não se poderá falar,

portanto, em co-autoria de menor importância, a fim de atribuir a redução de pena a um

dos co-autores. Isso porque, segundo posição adotada pela teoria do domínio funcional

do fato, observando o critério de distribuição de tarefas, co-autor é aquele que tem o

domínio funcional do fato que lhe fora atribuído pelo grupo, sendo a sua atuação, assim,

relevante para o sucesso da atividade criminosa. Dessa forma, toda atuação daquele que

é considerado co-autor é importante para a prática da infração penal, não se podendo,

portanto, falar em “participação de menor importância”.16

16 GRECO, Rogério. Curso de direito penal - Parte geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2006, p. 495.

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1.12 - O DESVIO SUBJETIVO DE CONDUTA

Reza o § 2º do art. 29 do Código Penal que se algum dos concorrentes quis participar de

crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até a metade, na

hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.

Percebemos, pela redação do dispositivo citado acima, um caso de quebra da teoria

monista, na qual os autores e partícipes respondem pelo mesmo evento criminoso. A intenção do

legislador no mencionado parágrafo foi punir os concorrentes na medida da finalidade de sua

conduta, ou seja, se uma vez unidos pelo liame subjetivo para a prática de determinada infração

penal, não pode um agente responder pelo desvio subjetivo de conduta praticado pelo outro.

Trazemos um exemplo fornecido por Rogério Greco:

Na verdade, pode ocorrer que um dos autores queira concorrer para a prática de

determinado crime e aquele encarregado da sua execução pratique outro mais grave.

Suponhamos que A e B resolvam praticar um furto de um televisor existente na

residência de C. Sabem que a residência de C está praticamente abandonada e que o seu

proprietário já não a freqüenta há muitos meses. Na certeza de que nela não havia

qualquer pessoa, A e B para lá se dirigem. A, segundo o critério de divisão de tarefas,

próprio da teoria do domínio funcional do fato, permanece do lado de fora da residência,

fazendo a vigilância dentro do veículo no qual transportariam o televisor, sendo ele o

seu motorista. Se, ao entrar na aludida residência, B vier a perceber a presença de seu

inesperado morador e, mesmo assim, prosseguir com o seu plano de subtração,

agredindo-o fisicamente para que possa subtrair o bem, se depois de transportá-lo para

um local seguro, vier a narrar a A os fatos que aconteceram no interior daquela

residência, este último não poderá responder pelo delito de roubo, mas sim pelo de

furto. O desvio subjetivo da conduta levado a efeito pelo autor executor não fará com

que A responda pelo delito não pretendido por ele inicialmente. O seu dolo, o seu liame

subjetivo, dizia respeito a concorrer para a prática de uma subtração sem violência, ou

seja, o delito de furto, e não o crime de roubo. Assim, nos termos do § 2º do art. 29 do

Código Penal, como quis participar de crime menos grave, ser-lhe á aplicada a pena

deste.17

17 GRECO, Rogério. Curso de direito penal - Parte geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2006, p. 497.

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Note-se que o chamado desvio subjetivo de conduta refere-se tanto a partícipes quanto a

co-autores, ou seja, abrange todos aqueles que, de qualquer forma, concorrerem para a prática do

crime. Isso significa que quando falamos em participação em crime menos grave, estamos

falando em participação em seu sentido amplo.

1.13 - A QUESTÃO DA COMUNICABILIDADE

1.13.1 - As circunstâncias, condições e elementares do crime

Reza o art. 30 do Código Penal que não se comunicam as circunstâncias e as condições de

caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.

Primeiramente, cumpre ressaltar o que são circunstâncias, condições e elementares do

crime.

Circunstâncias são dados periféricos ou acessórios que não integram a definição típica do

delito. Tais elementos apenas gravitam em torno da figura típica, influenciando apenas no

quantum da pena. A presença ou não das circunstâncias de forma alguma interfere na

caracterização do crime, tendo a sua importância restrita ao aumento ou à redução da pena a ser

aplicada pela prática de determinada infração penal.

Podemos classificar as circunstâncias em objetivas e subjetivas. Circunstâncias objetivas

são aquelas que dizem respeito ao modo, tempo, qualidades da vítima, objeto material etc. Já as

circunstâncias subjetivas (de caráter pessoal) tratam exclusivamente do sujeito, e não da

materialidade do crime, como a reincidência, por exemplo.

Por sua vez, as condições de caráter pessoal dizem respeito aos contatos do sujeito no plano

concreto, suas relações com outros seres ou coisas no dia a dia, no cotidiano, na vida em

sociedade. São exemplos de condições de caráter pessoal a menoridade, o parentesco, o

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casamento, a condição de ser funcionário público, de ser homem ou mulher, de ser pai ou mãe

etc.

Por fim, elementares são os dados essenciais do tipo penal. Uma vez ausentes esses dados,

o fato torna-se atípico (um indiferente penal), caso em que temos a chamada atipicidade

absoluta; ou ocorrerá a desclassificação para uma outra figura típica, a chamada atipicidade

relativa. Enfim, são elementos essenciais para a caracterização do crime, uma vez que integram a

sua própria definição. Podemos citar como exemplo o caso da mãe que, logo após o parto, causar

a morte do próprio filho sem a influência do estado puerperal. Nessa hipótese, a mãe não

responderá por infanticídio (art. 123 do Código Penal), haja vista que a ausência da influência do

estado puerperal na mãe que mata o próprio filho desclassifica a infração penal para o delito de

homicídio (art. 121 do Código Penal).

1.13.2 - Incomunicabilidade das circunstâncias e condições de caráter pessoal

As circunstâncias e as condições subjetivas (de caráter pessoal) não se comunicam entre

co-autores e partícipes do crime. Os efeitos das circunstâncias e condições de caráter pessoal não

se estendem aos co-autores e partícipes, ou seja, cada agente responderá de acordo com suas

próprias circunstâncias ou condições. Isso significa que, caso um agente seja reincidente na

prática de um delito, a agravante do art. 61, I do Código Penal será aplicada somente a ele, não

se estendendo a eventuais co-autores ou partícipes. Da mesma forma, se dois agentes praticam

um crime em concurso de pessoas, caso um deles seja menor de 21 (vinte e um) anos, somente

este será beneficiado pela atenuante prevista no art. 65, I do Código Penal.

Concluindo com Julio Fabbrini Mirabete:

As condições e circunstâncias de caráter pessoal não se comunicam entre os co-autores

ou partícipes. Assim, cada sujeito responderá de acordo com as suas condições

(menoridade, reincidência, parentesco) e circunstância (motivo fútil, de relevante valor

social ou moral, de prescrição etc.).18

18 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal – Parte geral. São Paulo: Atlas, 1998, p. 238.

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1.13.3 - Comunicabilidade das circunstâncias e condições de caráter objetivo

No que tange às circunstâncias e condições de caráter objetivo, haverá a comunicabilidade

sempre que ingressarem na esfera de conhecimento do co-autor ou do partícipe, ou seja, sempre

que integrarem o seu dolo ou culpa. Do contrário, estaríamos admitindo a responsabilidade

objetiva em nosso sistema penal.

É como entende Damásio E. de Jesus:

É esse o princípio a ser seguido: as circunstâncias objetivas só alcançam o partícipe se,

sem haver praticado o fato que as constitui, houverem integrado o dolo ou a culpa. Em

se tratando de circunstância objetiva agravante, não pode ser considerada em relação ao

partícipe se não houve pelo menos com culpa em relação à mesma; cuidando-se de

qualificadora ou causa de aumento de pena (prevista na parte geral ou especial do CP), a

agravação não alcança o partícipe senão quando (em relação a ela) tiver agido, pelo

menos, culposamente.19

1.13.4 - Comunicabilidade das elementares do crime

Percebemos pela redação do art. 30 do Código Penal que a regra é a incomunicabilidade,

entre co-autores ou partícipes, das circunstâncias e condições de caráter pessoal. Entretanto, na

parte final do dispositivo há a ressalva, a excepcionalidade da comunicabilidade das condições

ou circunstâncias pessoais quando estas funcionarem como elementares do tipo. Trata-se de uma

conseqüência da teoria monista adotada pelo legislador para orientar o concurso de pessoas.

Sendo assim, as circunstâncias ou condições elementares do crime – sejam de natureza

subjetiva ou objetiva -, comunicam-se ao partícipe ou ao co-autor do crime. Note-se que a

comunicabilidade a que nos referimos depende do conhecimento, por parte do co-autor ou

partícipe, da especial condição ou circunstância - elementar do crime -, que abrange seu

19 JESUS, Damásio E. Direito penal – Parte geral. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 383.

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comparsa. Isso porque, do contrário, estaríamos consagrando, como dito acima, hipótese de

responsabilidade penal objetiva, ou seja, sem culpa.

Logo, é possível que nos crimes próprios, o co-autor ou partícipe que não possuam as

qualidades exigidas pelo tipo penal, se submetam às penas por ele cominadas.

Vejamos o exemplo fornecido por Rogério Greco:

Suponhamos, agora, que A, funcionário público, e B, pessoa estranha a Administração

Pública, resolvam subtrair um computador na repartição na qual A exerce suas funções.

B tem conhecimento de que A é funcionário publico. A, num domingo, valendo-se da

facilidade que o cargo lhe proporciona, identifica-se na recepção e diz ao porteiro que

havia esquecido sua carteira de identidade, e que ali voltara para buscá-la, pois que dela

necessitava fazer uso, tendo, assim, o seu acesso liberado naquele prédio público.

Rapidamente, dirige-se para o local onde o computador encontrava-se guardado e,

abrindo uma janela que dava acesso para a rua, o entrega a B, que o aguardava do lado

de fora do mencionado prédio. A despede-se do porteiro e vai ao encontro de B, para

que, juntos, transportassem o bem subtraído. 20

No exemplo citado, a conduta de A subsume-se ao § 1º do art. 312 do Código Penal, que

trata do crime de peculato-furto. Diz o dispositivo que aplica-se a mesma pena, se o funcionário

publico, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que

seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se da facilidade que lhe proporciona a

qualidade de funcionário.

De acordo com o disposto no art. 30 do Código Penal, a qualidade de A em ser funcionário

publico, por ser uma elementar, será estendida a B que, tendo conhecimento dessa qualidade,

mesmo sendo estranho à Administração Pública, responderá pelo mesmo crime cometido por A.

Dessa forma, ambos serão responsabilizados pelo crime de peculato-furto. O que mostraremos

nesse trabalho será a injusta conseqüência da comunicabilidade propriamente no caso do crime

de infanticídio (art. 129 do Código Penal).

20 GRECO, Rogério. Curso de direito penal - Parte geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2006, p. 502.

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1.15 - PARTICIPAÇÃO POR OMISSÃO

Para falarmos em participação por omissão devemos primeiramente distinguir entre a

participação moral (induzimento/determinação e instigação) e material (cumplicidade/auxílios

materiais).

Segundo posição amplamente majoritária, a participação moral é impossível de ser

realizada mediante uma conduta omissiva. Não é possível conceber que um agente, sem nada

fazer, determine, induza, coloque uma idéia criminosa ou reforce essa mesma idéia na mente do

autor. Conforme salientado por Nilo Batista, para convencermos alguém podemos até abrir mão

de palavras, porém nunca de uma ação.21

Já a participação material pode realizar-se mediante uma conduta omissiva, ou seja, o

agente, com a sua omissão, contribui de forma secundária e acessória para a ocorrência da

infração penal. Note-se que o partícipe que contribui auxiliando materialmente a execução do

fato não pode, em hipótese alguma, ocupar a posição jurídica de garantidor, pois, se assim o for,

tendo o dever jurídico de evitar a ocorrência do fato e nada fazendo para impedi-lo, responderá

pela infração penal a título de autoria, e não por participação.

O ensinamento de Rogério Greco ilustra bem a questão:

A empregada doméstica que, percebendo a aproximação de um agente conhecido por

sua fama de praticar furtos em residências, deixa aberta a porta da casa de seus

empregadores, querendo, com isso, que alguns de seus bens sejam subtraídos, porque

está descontente com o tratamento que vem recebendo em seu local de trabalho, será

considerada partícipe do crime de furto levado a efeito pelo agente. Agora, se quem

permite o ingresso do meliante é o vigia, contratado especificamente para fazer a

segurança daquela casa, como tinha o dever de agir para impedir o resultado, sendo,

portanto, garantidor, não poderá ser considerado partícipe, mas autor de um crime de

furto, praticado por omissão (omissivo impróprio).22

21 BATISTA, Nilo. Concurso de agentes. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1979, p. 133. 22 GRECO, Rogério. Curso de direito penal - Parte geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2006, p. 493/494.

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1.16 - CONCURSO DE PESSOAS EM CRIMES OMISSIVOS

1.16.1 - Co-autoria em crimes omissivos (próprios e impróprios)

Encontramos divergência na doutrina quanto à existência da co-autoria nos crimes

omissivos próprios e impróprios. Aqueles que não a admitem entendem que nos crimes

omissivos o dever de agir é individualizado, indecomponível e intransferível, e como a teoria do

domínio do fato não se aplica a tais delitos, não há que se falar em co-autoria, sendo cada agente

responsável individualmente por cada delito de forma autônoma.

Nesse sentido, Nilo Batista assevera:

O dever de atuar a que está adstrito o autor do delito omissivo é indecomponível. Por

outro lado, como diz Bacigalupo, a falta de ação priva de sentido o pressuposto

fundamental da co-autoria, que é a divisão do trabalho; assim no es concebile que

alguien omita uma parte mientras otros omiten el resto. Quando dois médicos omitem –

ainda que de comum acordo – denunciar moléstia de notificação compulsória de que

tiveram ciência (art. 269 CP), temos dois autores diretos individualmente consideráveis.

A inexistência do acordo (que, de resto, não possui qualquer relevância típica)

deslocaria para uma autoria colateral, sem alteração substancial na hipótese. No famoso

exemplo de Kaufmann, dos cinqüenta nadadores que assistem ao afogamento do

menino, temos cinqüenta autores diretos da omissão de socorro. A solução não se altera

se se transferem os casos para a omissão imprópria: pai e mãe que deixam o pequeno

filho morrer à míngua de alimentação são autores diretos do homicídio; a omissão de

um não ‘completa’ a omissão do outro; o dever de assistência não é violado em 50%

para cada qual. 23

Da mesma forma entende Julio Fabbrini Mirabete:

Não se pode falar, porém, em co-autoria em crime omissivo próprio. Caso duas pessoas

deixem de prestar socorro a uma pessoa ferida, podendo cada uma delas fazê-lo sem

23 BATISTA, Nilo. Concurso de agentes. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1979, p. 65.

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risco pessoal, ambas cometerão o crime de omissão de socorro, isoladamente, não se

concretizando hipótese de concurso de agentes.24

Em sentido diametralmente oposto, temos aqueles que admitem a co-autoria nos crimes

omissivos próprios e impróprios. Para esta parte da doutrina, basta fazer a diferença entre aqueles

que atuam sem qualquer vínculo subjetivo, daqueles que atuam unidos, vinculados

psicologicamente. Mesmo que não se possa aplicar a teoria do domínio funcional do fato – que

tem como fundamento a divisão de tarefas – não há óbice em reconhecer a co-autoria nos crimes

omissivos. Seja quando todos os agentes, unidos pelo vínculo subjetivo, resolvem por deixar de

agir no caso concreto quando a lei lhes impunha o dever de evitar o resultado lesivo devido à

posição de garantidores (hipótese de crimes omissivos impróprios) ou por terem deixado de agir

conforme o comando abstrato (hipótese de crimes omissivos próprios).

É o entendimento de Cezar Bitencourt, que afirma:

“Se duas pessoas deixarem de prestar socorro a uma pessoa gravemente ferida, podendo

fazê-lo, sem risco pessoal, praticarão, individualmente, o crime autônomo de omissão

de socorro. Agora, se essas duas pessoas, de comum acordo, deixarem de prestar

socorro, nas mesmas circunstâncias, serão co-autoras do crime de omissão de socorro.

O princípio é o mesmo dos crimes comissivos: houve consciência e vontade de realizar

um empreendimento comum, ou melhor, no caso, de não o realizar conjuntamente.25

1.16.2 - Participação em crimes omissivos (próprios e impróprios)

Não parece haver maiores dúvidas quanto à possibilidade de alguém instigar nos crimes de

omissão, ou seja, instigar alguém para se deixe de fazer alguma coisa. O partícipe, nesses casos,

volta sua conduta para que o agente deixe de praticar aquilo a que estava obrigado.

Rogério Greco traz o seguinte exemplo:

24 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal – Parte geral. São Paulo: Atlas, 1998, p. 232. 25 BITENCOURT, Cezar Roberto; MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 510.

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No crime de omissão de socorro, por exemplo, imaginemos que A, paraplégico, induza

B, surfista, a não levar a efeito o socorro de C, que estava se afogando, uma vez que

ambos já estavam atrasados para um compromisso anteriormente marcado. A não podia

ser considerado autor do delito de omissão de socorro, haja vista que, pelo fato de ser

paraplégico, não tinha condições de entrar no mar a fim de efetuar o socorro, porque se

assim agisse correria risco pessoal. B, por outro lado, surfista profissional, poderia ter

realizado o socorro sem qualquer risco. Embora surfista, tal qualidade não o

transformava em agente garantidor, razão pela qual a sua omissão cairia na vala comum

do crime de omissão de socorro. Assim, a inação de B o levaria a ser responsabilizado

pelo delito previsto no art. 135 do Código Penal. E, com relação à conduta de A, ficaria

ele impune tendo induzido B a não prestar o socorro, ou poderia ele ser punido a título

de participação? Se ambos pudessem socorrer a vítima, sem qualquer risco pessoal,

mas, unidos pelo vínculo psicológico, resolvessem não fazê-lo, na esteira de Cezar

Bitencourt, seriam responsabilizados como co-autores do delito de omissão de socorro.

Contudo, somente um deles pode realizar o salvamento, uma vez que o outro, se tentar

fazê-lo, correrá risco pessoal. Entendemos que, no caso em tela, A será partícipe de um

crime de omissão de socorro praticado por B.26

O mesmo raciocínio é utilizado para os crimes omissivos impróprios, independentemente

de o partícipe ter o dever jurídico de evitar o resultado, já que, do contrário, este seria autor.

É o que sustenta Cezar Bitencourt:

Pensamos que a participação também pode ocorrer nos chamados “crimes omissivos

impróprios” (comissivos por omissão), “mesmo que o partícipe não tenha o dever

jurídico de não se omitir”. Claro, se tivesse tal dever seria igualmente autor, ou co-autor

se houvesse a resolução conjunta de se omitir. É perfeitamente possível que um terceiro,

que não está obrigado ao comando da norma, instigue ao garante a não impedir o

resultado.27

26 GRECO, Rogério. Curso de direito penal - Parte geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2006, p. 512. 27 BITENCOURT, Cezar Roberto; MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 510.

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2 - DO INFANTICÍDIO

2.1 - INTRODUÇÃO

O antigo direito romano concedia tratamento diverso dependendo se fosse o pai ou a mãe

a colocar um fim à vida de seu filho. Caso fosse a genitora a fazê-lo, o crime praticado era

equiparado ao parricídio. Como se sabe, em Roma o pai detinha o direito de vida e de morte

sobre os filhos e, por isso mesmo, não incidia em crime algum caso viesse a matar um deles.

Somente com a legislação de Justiniano a morte do filho pelo pai passou a ser incriminada. Por

outro lado, a morte do recém-nascido portador de alguma deformidade era autorizada pela Lei

das XII Tábuas.

Para o direito germânico, o infanticídio somente ocorria nos casos em que o filho morria

pelas mãos de sua genitora, enquanto que o direito canônico definia o infanticídio como a morte

do filho pelos pais, não atribuindo diferenciação entre esse fato e o homicídio, sendo ambos os

crimes punidos com a mesma severidade.

De acordo com Heleno Cláudio Fragoso:

A repressão rigorosa inspirava-se no fato de ser o infanticídio violação da própria lei da

natureza e do especial dever de proteção dos pais em relação aos filhos; na

premeditação, que, geralmente, acompanha esses crimes; na debilidade da vítima.28

Deveu-se ao movimento humanista do século XVIII a mudança de concepção em relação

ao delito, de forma a puni-lo mais levemente que o homicídio. Devido à causa honoris atenuou-

se a pena do infanticídio transformando-o em um crime privilegiado. O primeiro código a adotar

o infanticídio como um crime privilegiado em face da honoris causa foi o suíço de 1803.

O código criminal do império de 1830 trazia a figura típica do infanticídio com pena

sensivelmente branda. De acordo com o texto vigente à época, esse delito poderia ser praticado 28 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal – Parte especial, v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 89.

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por estranhos e até mesmo sem o motivo de honra, cominando uma pena de 3 a 12 anos de

prisão. Havia nisso uma incongruência que passou despercebida pelo legislador, já que, para o

código imperial, matar uma criança era menos grave do que matar um adulto. A pena para o

crime de homicídio previsto naquele diploma variava da morte do agente à prisão com trabalhos

até 20 anos. O código criminal do império previa ainda que se o crime fosse cometido pela

própria mãe para ocultar desonra própria, a pena cominada seria de 1 a 3 anos de prisão (arts.

197 e 198).

O Código Penal de 1890 também apresentava perplexidades, na medida em que

considerava infanticídio a morte do recém-nascido nos sete primeiros dias de vida, sendo que

nenhuma diferença havia entre o crime definido dessa maneira e um homicídio. Não obstante,

aumentou a pena (6 a 24 anos de prisão). Caso a mãe praticasse o crime honoris causa, a pena

variava entre 3 a 9 anos de prisão (art. 298, caput e § único).

Por outro lado, nosso Código Penal vigente adotou critério diferente, qual seja, a

influência do estado puerperal. Dessa forma, não há que se questionar sobre o período de vida do

neonato ou sobre os motivos honoris causa que levaram à prática da conduta. O adotado critério

de natureza psicofisiológica exige a presença das perturbações hormonais e psicológicas

oriundas do fenômeno natural do parto, tendo sido primeiramente introduzido pelo projeto suíço

de 1916 e depois adotado pelo código suíço de 1937.

Em face da legislação penal vigente, o infanticídio constitui título autônomo de crime,

muito embora constitua sempre uma forma privilegiada de homicídio.

Segundo Damásio E. de Jesus:

Assim, o infanticídio, em face da legislação penal vigente, não constitui mais forma

típica privilegiada de homicídio, mas delito autônomo com denominação jurídica

própria. Entretanto, o infanticídio não deixa de ser, doutrinariamente, forma de

homicídio privilegiado, em que o legislador leva em consideração a situação particular

da mulher que vem a matar o próprio filho em condições especiais.29

29 JESUS, Damásio E. Direito penal – Parte especial, v. 2. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 92.

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O Código Penal de 1969, que não chegou a viger, deixava de lado a orientação do atual

Código e previa o infanticídio logo após o homicídio, adotando ainda o critério psicológico, ou

seja, a honoris causa.

Criticando a opção do legislador penal de 1940, Fragoso aduz que:

Em verdade, o critério fisiológico, que se funda, em última análise, na imputabilidade

diminuída, vem claramente perdendo prestígio, estando hoje abandonado em muitos

códigos e projetos mais recentes. Torna o crime de configuração dificílima e,

praticamente, uma figura decorativa, além de ser, a nosso ver, intrinsecamente

contraditório. Exige o dolo, porém, na forma de vontade viciada pelas perturbações

resultantes da influência do estado puerperal.

E arremata questionando a justificação do delito:

É esta, nos dias que correm, uma figura de delito que dificilmente encontra justificação,

sendo notável a discrepância de critérios que as legislações adotam. O motivo de honra,

que historicamente confere privilégio ao homicídio, evidentemente não mais se justifica

em face da revolução de costumes de nosso tempo em matéria sexual e da emancipação

da mulher. Por outro lado, a influência do estado puerperal só excepcionalmente poderia

atender a reprovabilidade da ação praticada pela mãe.30

Muito embora o motivo de honra não esteja mais presente na definição típica do delito,

há quem entenda que ainda sua análise ainda se faz necessária, já que em alguns casos ele pode

estar diretamente ligado à perturbação psíquica da mãe. Luiz Régis Prado, analisando a questão,

expõe que:

Não obstante, em que pese a ausência de referência explícita ao motivo de honra, a

legislação penal pátria na impede que esse antecedente psicológico seja examinado.

Com efeito, é possível que a defesa da honra alie-se ao estado de perturbação

fisiopsíquica proveniente do parto para fundamentar a diminuição da culpabilidade da

30 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal – Parte especial, v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 91/92.

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parturiente. É indispensável que todas essas causas – psicológicas e fisiológicas – sejam

globalmente analisadas pelos intérpretes e aplicadores da lei.31

2.2 – CRITÉRIOS DE CONCEITUAÇÃO LEGAL DO INFANTICÍDIO

Existem três critérios de conceituação legal do infanticídio: o psicológico, o

fisiopsicológico e o misto.

O critério psicológico estava presente no revogado Código Penal de 1969 e, segundo este

critério, o infanticídio é praticado tendo em vista o motivo de honra (honoris causa), ou seja, o

delito ocorre quando a mãe pratica o fato a fim de ocultar desonra própria.

O critério fisiopsicológico é o adotado pelo nosso atual diploma penal e, nos termos desse

critério, não há que se levar em consideração a honoris causa, mas sim a influência do estado

puerperal.

Segundo o critério misto, leva-se em consideração a influência do estado puerperal bem

como o motivo de honra. Esse era o critério adotado no Anteprojeto de Código Penal de Nélson

Hungria (1963).

2.3 – A INFLUÊNCIA DO ESTADO PUERPERAL

Nosso Código Penal se refere ao chamado estado puerperal como elementar do delito de

infanticídio. De acordo com Damásio E. de Jesus, estado puerperal “é o conjunto das

perturbações psicológicas e físicas sofridas pela mulher em face do fenômeno do parto”.32 Para

Heleno Cláudio Fragoso o estado puerperal “pode ser considerado como um conjunto de

sintomas fisiológicos, que se inicia com o parto e permanece algum tempo depois do mesmo”.33

31 PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro, v. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 80. 32 JESUS, Damásio E. Direito penal – Parte especial, v. 2. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 93. 33 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal – Parte especial, v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 94.

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Importante é salientar que a exigência feita pelo nosso Código Penal para a caracterização

do infanticídio é a perturbação psíquica que o estado puerperal pode vir a causar na parturiente.

O estado puerperal sempre se faz presente, entretanto nem sempre é apto a provocar perturbações

psicológicas e emocionais na mulher a ponto de fazê-la matar o próprio filho. Em outras

palavras, nem sempre o estado puerperal provoca perturbações psíquicas. Pelo contrário, na

grande maioria das vezes o estado puerperal se dá de forma tranqüila, sem maiores efeitos para a

mulher no que tange a sua capacidade de entendimento e de livre determinação.

A Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal em seu item 40, tratando da

influência do estado puerperal no infanticídio nos diz:

Esta cláusula, como é óbvio, não quer significar que o puerpério acarrete sempre uma

perturbação psíquica: é preciso que fique averiguado ter esta realmente sobrevindo em

conseqüência daquele, de modo a diminuir a capacidade de entendimento ou de auto-

inibição da parturiente.

Temos então que se o estado puerperal não vem a causar nenhum tipo de perturbação

psicológica na parturiente e esta vem a matar o próprio filho, pratica o crime de homicídio.

Note-se que, no entanto, há entendimento no sentido de que a lei presume a existência da

perturbação psíquica, havendo a necessidade de produção de prova em sentido contrário para que

se descaracterize o crime de infanticídio para o delito de homicídio. Nesse sentido é o

entendimento de Flávio Augusto Monteiro de Barros:

É, pois, presumida a influência do estado puerperal na morte do nascente ou neonato

pela mãe, durante o parto ou logo após. Trata-se, porém, de presunção juris tantum,

admitindo prova em contrário.34

Trazemos também a abordagem de Mirabete sobre essa questão, citando inclusive

jurisprudência a respeito:

34 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Crimes contra a pessoa. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 57.

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Já se tem entendido, todavia, que a lei presume a existência de uma perturbação

psíquica especial, sendo necessária prova contrária para se descaracterizar o infanticídio

e punir-se a agente por homicídio, uma vez que “a influência do estado puerperal é

efeito normal e corriqueiro de qualquer parto, e, dada a sua grande freqüência, deverá

ser admitida sem maiores dificuldades” (RJTJESP 30/425; RT 655/272). 35

Não obstante, a grande maioria dos julgados realmente exige a comprovação do estado

puerperal para que se configure o infanticídio. É o que vemos nas seguintes ementas:

Ementa: O reconhecimento da ocorrência do estado puerperal depende de prova, tanto

mais que nem sempre se verifica após o parto. – 1ª Câmara Criminal do Tribunal de

Justiça do Estado de São Paulo. 36

Homicídio qualificado. Asfixia. Ré que, por esse modo, eliminar o filho logo após o

parto – Desclassificação pretendida da infração para infanticídio. Inadmissibilidade.

Ausência de qualquer exame constatando-se achar sob a influência do estado puerperal,

quando eliminou o filho, não é possível a desclassificação do delito para o infanticídio.

– Acórdão da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São

Paulo.37

A decisão dos jurados, reconhecendo ter a ré matado o próprio filho sob a influência do

estado puerperal se revela manifestamente contrária à prova dos autos, se o exame

médico legal procedido na mesma negou qualquer perturbação psíquica decorrente do

puerpério – Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.38

Por outro lado, não podemos confundir as perturbações psíquicas que são eventualmente

causadas pelo estado puerperal com perturbações psíquicas de natureza patológica (psicoses

puerperais), associadas a uma doença mental geralmente já preexistente e que se agrava com o

estado puerperal. Em casos como esses temos a inexistência de crime por falta de culpabilidade

da agente em virtude de sua inimputabilidade. A existência da perturbação psíquica de natureza

patológica pode vir a extinguir a capacidade de entendimento e de livre determinação da mulher.

Novamente, o professor Julio Fabbrini Mirabete explica que: 35 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal – Parte especial. v. 2. São Paulo: Atlas, 1998. p. 90 36 Revista dos Tribunais, v. 339, p. 109. 37 Revista dos Tribunais, v. 260, p. 186. 38 Revista dos Tribunais, v. 377, p. 111.

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Não há que se confundir o estado puerperal, de simples desnormalização psíquica, com as

denominadas psicoses puerperais (ou sintomáticas) que configuram doenças mentais, levando-se o fato

a exame nos termos da inimputabilidade da agente por força do art. 26, caput.39

Damásio E. de Jesus, aprofundando melhor essa mesma questão vislumbra três hipóteses:

1ª) Se, em decorrência do estado puerperal, a mulher vem a ser portadora de doença

mental, causando a morte do próprio filho, aplica-se o art. 26, caput, do CP: exclusão da

imputabilidade causada pela doença mental.

2ª) Se, em conseqüência da influência do estado puerperal, a mulher vem a sofrer

simplesmente perturbação da saúde mental, que não lhe retire a inteira capacidade de

entendimento e de autodeterminação, aplica-se o disposto no art. 26, parágrafo único do

CP. Neste caso, desde que se prove tenha sido portadora de uma perturbação patológica,

como delírio ou psicose, responde por infanticídio com a pena atenuada.

3ª) É possível que, em conseqüência do puerpério, a mulher venha a sofrer uma simples

influência psíquica, que não se amolde à regra do art. 26, parágrafo único do CP. Neste

caso, responde pelo delito de infanticídio, sem atenuação da pena.40

Dessa forma, se o estado puerperal causa na mulher uma perturbação psíquica de

natureza patológica precisamos distinguir. Caso essa perturbação configure uma doença mental,

a mulher estará isenta de pena em virtude do art. 26, caput. Se a perturbação psíquica não retirar

por completo a capacidade de entendimento e de autodeterminação da mulher, responderá esta

por infanticídio com a pena atenuada em face do parágrafo único do art. 26.

Sobre o assunto versa a seguinte ementa do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de

Janeiro:

Recurso "ex officio". Infanticidio. Inimputabilidade. Absolvicao sumaria. Confirmação.

Indicando o laudo que ao tempo da ação, a autora, em razão de perturbação mental,

decorrente do estado puerperal, era inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso

39 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal – Parte especial. v. 2. São Paulo: Atlas, 1998. p. 90 40 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – Parte especial. v. 2. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 93/94.

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do seu ato, confirmas-se a decisão que a absolveu sumariamente, visto que inimputável,

naquele momento. (RMF)41

Em que pese o entendimento da abalizada doutrina penalista pátria exposta acima,

encontramos na doutrina médico-legal concepções diversas sobre o tema. Nesta há quem defenda

a inexistência do estado puerperal, que não passaria de uma mera ficção jurídica. Genival Veloso

de França, expondo sua opinião acerca do assunto, entende que:

Nada mais fantasioso que o chamado estado puerperal, pois nem sequer tem um limite

de duração definido. Diz a lei que é durante ou logo após o parto, sendo esse “logo

após” sem definição precisa. Parece ser imediatamente, pois, se a mulher tem um filho,

dá-lhe algum tratamento, arrepende-se e mata-o, constitui uma forma de homicídio.

Como se o estado puerperal fosse um estágio frusto, frugal e transitório. Esse conceito

pode favorecer até aquelas mulheres sem honra sexual a perder que, levadas por

motivos egoístas ou de vingança, matam o próprio filho.42

Para essa parte da doutrina médico-legal, o que ocorre no infanticídio é uma ação voltada

à proteger a própria honra da mulher perante terceiros, o que geralmente ocorre em casos de

gravidez indesejada. O estado puerperal seria uma ficção jurídica criada pelo legislador para

privilegiar a mulher que comete homicídio contra o próprio filho recém nascido quando sua

honra encontra-se ameaçada. Isso em virtude do peso da pressão social exercida sobre mulheres

que possam estar com uma infinidade de problemas, como relações ilegítimas, por exemplo.

Quanto ao ponto, Hélio Gomes aduz:

O que se dá, na realidade, é a morte de recém-nascidos em situações suspeitas,

ocorrendo, na imensa maioria dos casos, em virtude de problemas, os mais diversos, tais

como pobreza extrema, número excessivo de filhos, gravidez resultante de estupro ou

mesmo ilegítima e/ou fortuita. Diante do fato indesejado, a mulher quando não

consegue abortar, no início, pratica, como último recurso para sanar o problema, a

morte do próprio filho. Cremos ser desespero ou despreparo, para enfrentar a situação

41 http://www.tjrj.jus.br Acesso em 27/10/2009 42 FRANÇA, Genival Veloso de França. Medicina legal. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998. p. 240.

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(este podendo ser encarado sob vários aspectos, desde o econômico até o moral), o que

move essas mulheres. 43

Na verdade, o que vemos na prática é a extrema dificuldade em se comprovar a existência

do estado puerperal, já que na maior parte dos casos a mulher é submetida ao exame pericial

muito tempo depois da conduta praticada. O período em que a mulher se viu acometida da

perturbação psíquica pode ser relativamente breve. Nesse caso, os experts terão que se valer de

informações da própria mulher e de testemunhas que relatarão as reações da parturiente e o que

ocorreu durante o parto e logo após. Ora, parece claro que um exame pericial nesses termos

pouca coisa poderá esclarecer acerca do evento.

2.4 – OBJETIVIDADE JURÍDICA

Nossa Constituição Federal garante a inviolabilidade do direito à vida em seu art. 5º,

inciso I. Trata-se de um direito fundamental e, como tal, merece o devido cuidado por parte do

legislador infraconstitucional. O crime de infanticídio encontra-se descrito no art. 123 do Código

Penal, fazendo parte do Capítulo I – Dos Crimes Contra a Vida –, que por sua vez encontra-se

abarcado pelo Título I – Dos Crimes Contra a Pessoa.

Percebe-se que o bem jurídico que se busca tutelar através da norma incriminadora é o

direito à vida, porém especificamente a vida do neonato ou do nascente. De acordo com

Mirabete “protege-se, ainda uma vez, a vida humana, não só a do recém nascido (neonato), como

também a daquele que está nascendo (nascente). Trata-se, neste último caso, da transição entre a

vida endo-uterina e a extra-uterina”.44

43 GOMES, Hélio. Medicina legal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2003. p. 299. 44 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal – Parte especial. v. 2. São Paulo: Atlas, 1998. p. 89

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2.5 – CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA

O infanticídio é delito próprio, material, instantâneo, comissivo ou omissivo impróprio,

de forma livre e plurissubsistente.

O infanticídio é considerado um crime próprio porque para ser configurado, o sujeito

ativo precisa ser detentor de uma especial condição (ser funcionário público, pai, mãe etc.).

Somente a mãe pode ser sujeito ativo desse delito, por isso trata-se de crime próprio. Já os crimes

comuns podem ser cometidos por qualquer pessoa, como o homicídio (art. 121 do CP).

É também considerado um crime material por se exigir para sua consumação a produção

de um resultado naturalístico, ou seja, uma modificação no mundo exterior, no caso, a morte do

recém nascido ou do que está nascendo.

Quanto à consumação, dizemos que o infanticídio é crime instantâneo pelo fato daquela ocorrer

em momento certo e determinado, não se perpetuando no tempo. A consumação se dá

exatamente no momento da morte do nascente ou do neonato. Daí a diferença pra os crimes

permanentes, onde a consumação se prolonga no tempo.

Trata-se de crime comissivo, visto que se faz necessária uma conduta positiva por parte

do sujeito ativo para a realização do delito. Por outro lado, o mesmo resultado que o sujeito ativo

do infanticídio consegue com uma atuação positiva pode ser alcançado através de uma conduta

omissiva (deixar de prestar os devidos cuidados ao recém nascido, por exemplo). Dessa forma, o

infanticídio também pode ser considerado um crime omissivo impróprio, uma vez que para a

mãe existe um dever especial de proteção para com seu filho, ficando assim na posição de

garantidor. Somente as pessoas referidas no § 2º do art. 13 do Código Penal podem praticar os

crimes omissivos impróprios.

A forma livre diz respeito à maneira pela qual o delito pode ser realizado, ou seja, para a

caracterização do infanticídio o Código Penal não exige nenhuma conduta específica. Esse crime

pode ser praticado através dos mais variados comportamentos e de diversas maneiras.

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A plurissubsistência do delito encontra-se no fato de que para sua realização é necessário

mais do que um único ato, de forma que para a consecução do resultado pretendido pelo sujeito

ativo – a morte de seu filho -, a agente pratica uma série de atos.

2.6 – ELEMENTO TÍPICO TEMPORAL

Via de regra, é irrelevante para o Direito Penal o momento em que o crime é praticado.

Não obstante, em alguns casos, esse momento é importante para o quantum da pena a ser

aplicada e para a própria qualificação legal da conduta. Como exemplo do primeiro caso temos a

hipótese em que o crime de furto é cometido durante o repouso noturno, onde a pena é

aumentada em um terço (art. 155, § 1º, CP). Já como exemplo do segundo caso temos o próprio

crime de infanticídio. Se a mãe matar o próprio filho durante o parto ou logo após, e se estiver

sob a influência do estado puerperal, responderá por esse crime. Se a conduta for pratica em

período temporal diverso, outro será o delito realizado. Se a mãe vier a matar o filho antes do

início do parto, responderá pelo crime de aborto.

2.7 – ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO

O delito de infanticídio somente é punível a título de dolo, tanto em sua forma direta –

quando a mãe quer realmente matar o próprio filho -, quanto em sua forma eventual – quando a

mãe assume o risco de causar-lhe a morte. Não se admite a punição a título de culpa por ausência

de previsão legal para tanto. Dessa forma, de acordo com Damásio E. de Jesus, “se a mulher vem

a matar o próprio filho, sob a influência do estado puerperal, de forma culposa, não responde por

delito algum (nem homicídio, nem infanticídio)”.45

Em sentido contrário, Julio Fabbrini Mirabete entende que:

(...) se a mãe, por culpa, causar morte do filho, responderá por homicídio culposo, ainda

que tenha praticado o fato sob a influência do estado puerperal. A afirmação de

Damásio de que, nesse caso, não haverá crime, parece-nos improcedente. A influência

45 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – Parte especial. v. 2. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 95.

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do estado puerperal não equivale à incapacidade psíquica e a puérpera responde pelo ato

culposo, qualquer que seja ele.46

2.8 – SUJEITO ATIVO

Sujeito ativo do delito de infanticídio só pode ser a mulher grávida, que o comete contra

seu filho. Conforme dito acima, trata-se de crime próprio, já que não pode ser cometido por

qualquer autor; o tipo exige, para a configuração do infanticídio, uma especial qualidade por

parte do sujeito ativo.

Não obstante, isso não impede que um terceiro completamente desprovido da influência

do estado puerperal responda por infanticídio em caso de concurso de pessoas. Como veremos

adiante, por força do art. 30 do Código Penal, a elementar “estado puerperal” comunica-se aos

co-autores ou partícipes em caso de concurso de pessoas. Assim é que, aquele que de qualquer

forma concorrer para a prática do crime de infanticídio, auxiliando ou ajudando a mãe puérpera a

matar o filho durante o parto ou logo após, mesmo não estando sob a influência do estado

puerperal, responde não por homicídio, mas por infanticídio.

2.9 – SUJEITO PASSIVO

Sujeito passivo do crime de infanticídio é o nascente ou neonato, de acordo com o

momento da prática do fato, durante o parto ou logo após. Note-se que não há, por parte da lei,

exigência de vida extra-uterina autônoma para ser sujeito passivo do crime durante o parto.

É o que ensina Heleno Cláudio Fragoso:

Em relação ao feto, durante o parto, não se exige vida extra-uterina autônoma, mas, tão

somente, a existência de vida biológica, que se comprova em geral pela circulação

sangüínea. A prova de que o feto estava vivo, ao iniciar-se o parto, faz-se pela

46 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal – Parte especial. v. 2. São Paulo: Atlas, 1998. p.92.

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existência, do mesmo, da bossa serossangüínea, que é resultado da diferença de pressão

dentro e fora do útero. A prova da vida extra-uterina autônoma, que já não oferece

relevância, pois não é ela exigida para que o crime se configure, faz-se pelas

docimásias. São operações periciais que visam comprovar a anterior existência de

respiração, circulação ou nutrição gastrointestinal.47

Saliente-se que o feto que vem ao mundo já sem vida jamais poderá ser sujeito passivo de

infanticídio, tampouco de homicídio. Cuida-se aqui de crime impossível por absoluta

impropriedade do objeto.

2.10 – CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

Consuma-se o infanticídio com a morte do nascente ou recém-nascido. Conforme dito

acima, não é necessário que tenha havido vida extra-uterina, bastando apenas a prova de que se

tratava de feto vivo. Como o infanticídio é um crime material, ou seja, exige a produção de um

resultado para sua consumação, admite-se a tentativa desde que o resultado não ocorra por

circunstâncias alheias à vontade da agente. Nesse sentido é o ensinamento de Damásio E. de

Jesus, segundo o renomado autor “o infanticídio atinge a consumação com a morte do nascente

ou neonato. Trata-se de crime material. Diante disso, é possível a tentativa, desde que a morte

não ocorra por circunstâncias alheias à vontade da autora”.48

2.11 – PENA E AÇÃO PENAL

O infanticídio é crime punido com detenção, de dois a seis anos. A ação penal é pública e

incondicionada. Sendo assim, tão logo tome conhecimento do fato, deve a autoridade policial

proceder de ofício instaurando inquérito policial, independentemente da provocação de quem

quer que seja. O promotor de justiça, ao receber as peças de inquérito, convencendo-se da

necessidade de instauração de ação penal, deverá propô-la através do oferecimento da denúncia.

47 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal – Parte especial, v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 93. 48 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – Parte especial. v. 2. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 95.

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Note-se que para a instauração do procedimento criminal não há a necessidade de subordinação a

qualquer condição de procedibilidade.

2.12 – DISTINÇÕES E QUESTÕES DIVERSAS

A diferença entre o aborto e o infanticídio reside no momento da prática de cada um

destes. Como foi visto acima, o infanticídio exige ao menos o início do trabalho de parto,

podendo ocorrer durante ou logo após este. Já o aborto configura-se em qualquer momento

anterior ao início do trabalho de parto.

Caso seja verificado que a mãe tenha tirado a vida do filho recém nascido sem a

influência do estado puerperal, durante o parto ou logo após, a morte praticada se adequará à

figura típica do homicídio. Por outro lado, quando a mãe expõe ou abandona recém nascido, com

o intuito de ocultar desonra própria, independentemente da influência do estado puerperal,

pratica o crime de exposição ou abandono de recém-nascido, qualificado quando resultar lesão

corporal de natureza grave ou morte (art. 134 e parágrafos).

No que tange às agravantes, saliente-se que não se aplicam as constantes no art. 61, II,

alíneas e (crime cometido contra ascendente) e h (crime contra a criança) do CP. Isso porque, no

primeiro caso, a relação de parentesco já se encontra na descrição típica do delito e, no segundo,

a referida qualidade do sujeito passivo também faz parte do tipo descritivo. Trata-se de solução

já contida no art. 61, caput, do CP. Segundo o dispositivo, não incide a agravante quando o seu

conteúdo integra definição legal do delito.

Questão interessante é trazida por Damásio E. de Jesus no caso de a mãe, sob a influência

do estado puerperal, matar outra criança, supondo tratar-se do próprio filho. Segundo o autor, a

mãe “responde por delito de infanticídio. Trata-se de infanticídio putativo. A falsa noção da

realidade aproveita à agente”.49

49 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – Parte especial. v. 2. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 99.

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3 - DO CONCURSO DE PESSOAS NO INFANTICÍDIO

O crime de infanticídio está tipificado no artigo 123 do Código Penal com a seguinte

redação: “Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo

após. Pena: detenção, de dois a seis anos”. Conforme assinalado acima, trata-se de crime próprio,

que somente pode ter como sujeito ativo da conduta criminosa a mãe que acabou de parir ou que

esta parindo.

Por outro lado, temos no artigo 29, caput, do Código Penal uma norma de extensão que

nos diz: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a ele cominadas”.

Dessa forma, todo aquele que contribuir para a prática do infanticídio se sujeita à pena de

detenção de dois a seis anos. Entretanto, dependendo do que se entende a respeito da

comunicabilidade ou não da elementar referente à influência do estado puerperal, podemos ter

soluções distintas.

Como já fora dito anteriormente, o “estado puerperal” é elementar do delito de

infanticídio, pois diferentemente das circunstâncias e condições que são meros dados periféricos

que gravitam ao redor do crime, “as elementares são dados essenciais à figura típica, sem os

quais ocorre uma atipicidade absoluta ou uma atipicidade relativa”.50

Sobre atipicidade absoluta e relativa trazemos o ensinamento de Rogério Greco:

Fala-se em atipicidade absoluta quando, por faltar uma elementar indispensável ao tipo,

o fato praticado pelo agente torna-se um indiferente penal. (...) Diz-se relativa a

atipicidade quando, pela ausência de uma elementar, ocorre a desclassificação do fato

para uma outra figura típica. 51

Percebemos então que, uma vez ausente o “estado puerperal”, a conduta da agente

amolda-se a outro delito, qual seja, o homicídio (artigo 121 do Código Penal).

50 GRECO, Rogério. Curso de direito penal - Parte geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2006, p. 176. 51 GRECO, Rogério. Curso de direito penal - Parte geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2006, p. 179/180.

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A questão que se apresenta nesse momento é, se a elementar “estado puerperal” – de

natureza essencialmente pessoal – se comunicaria ao co-autor ou partícipe do crime de

infanticídio, fazendo-o sujeitar-se às penas cominadas a este delito, ou se, a elementar “estado

puerperal”, justamente por seu atributo de pessoalidade, seria incomunicável, fazendo o co-autor

ou partícipe responderem por homicídio.

O artigo 30 do Código Penal diz que “não se comunicam as circunstâncias e as condições

de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”. Assim, temos que caso A e B pratiquem

um furto contra C, irmã do primeiro agente, somente A terá sua pena aumentada em virtude da

agravante contida no art. 61, II, e, terceira figura, ou seja, cometer o crime contra sua irmã. Por

ser uma circunstância pessoal de A – ser irmão da vítima -, não se comunica com o outro agente.

Note-se ainda que, mesmo que o crime fosse praticado contra outra pessoa que não a irmã de A,

ainda assim estaríamos diante de um delito de roubo (GRECO, 2006, p. 501). As condições ou

circunstâncias de natureza subjetiva ou pessoal, ou seja, que remetem a apenas um ou uns dos

agentes, não projetam seus efeitos jurídicos para os demais.

Entretanto, o mencionado artigo 30 traz em sua parte final uma ressalva quanto à

incomunicabilidade das circunstâncias e condições de caráter pessoal, qual seja, quando estas se

constituírem em elementares de crime. De acordo com Damásio E. de Jesus:

As elementares, sejam de caráter objetivo ou pessoal, comunicam-se entre os fatos

cometidos pelos participantes desde que tenham ingressado na esfera de seu

conhecimento. O princípio decorre do requisito da identidade de infração para todos os

participantes. Qualquer elemento que integra o fato típico fundamental comunica-se a

todos os concorrentes.52

Ainda sobre a regra do art. 30 do Código Penal, Heleno Cláudio Fragoso explica que:

A solução da matéria não pode ser uniforme para os vários sistemas de direito, que

disciplinam de forma diversa a comunicabilidade das circunstâncias subjetivas do

delito. Em face do nosso direito, importantes autores entendem que a regra do art. 30,

52 JESUS, Damásio E. Direito penal – Parte geral. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 384.

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CP, impõe a solução que admite a participação e a co-autoria. Assim, responderia por

infanticídio, portanto, quem auxilia a mãe a matar o próprio filho e também quem

executa o crime a seu pedido, por lhe faltarem forças ou coragem.53

Temos então que, de acordo com o que vem expresso na lei, o “estado puerperal” é

perfeitamente comunicável ao co-autor ou partícipe do infanticídio, uma vez que é elementar do

crime. Entretanto, cria-se uma situação que vem a causar certa perplexidade. O co-autor ou

partícipe do crime de infanticídio não sofre efeito algum do “estado puerperal”, mas por conta da

regra do art. 30 do CP, responde por infanticídio e não por homicídio.

Além disso, deve ser lembrado que em sede de concurso de pessoas prevalece o princípio

do crime único, onde as penas são atribuídas a autores e partícipes de acordo com o grau de

reprovabilidade da conduta de cada um (teoria monista). Logo, co-autores e partícipes do crime

de infanticídio respondem por infanticídio, viabilizando também dessa forma a comunicabilidade

do “estado puerperal”. O que divide a doutrina e torna a questão controversa é a natureza única e

peculiar da elementar “estado puerperal”.

Temos na doutrina brasileira abalizadas opiniões a favor e contra a comunicabilidade da

elementar “estado puerperal”. Damásio E. de Jesus mostra como ficam nossos doutrinadores

frente a essa questão:

No Direito brasileiro, adotam o ponto de vista da comunicabilidade: Roberto Lyra,

Olavo Oliveira, Magalhães Noronha, José Frederico Marques, Basileu Garcia, Euclides

Custódio da Silveira e Bento de Faria. Ensinam que o partícipe deve responder por

crime de homicídio: Nélson Hungria, Heleno Cláudio Fragoso, Galdino Siqueira,

Aníbal Bruno, Salgado Martins e João Mestieri.54

Dentre aqueles que defendem a comunicabilidade temos Julio Fabbrini Mirabete, que nos

mostra seu entendimento através da transcrição abaixo:

53 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal – Parte especial, v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 96. 54 JESUS, Damásio E. Direito penal – Parte especial, v. 2. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 96.

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Endossamos a primeira orientação, adotada aliás na Conferência dos Desembargadores,

no Rio, em 1943, por ser inegável a comunicabilidade das condições pessoais quando

elementares no crime, a não ser que a lei disponha expressamente em contrário. Aliás,

um mesmo fato somente pode ser punido de modo diverso com relação aos que dele

participam quando a lei o determina (como nos casos do aborto consentido e o praticado

por outrem com o consentimento da gestante, o do peculato doloso e peculato culposo, o

da corrupção ativa e corrupção passiva etc. e na hipótese do art. 29, § 2º do CP).55

Muito embora defenda a comunicabilidade da elementar, Mirabete percebe a injustiça

provocada pela situação, que favorece com a pena mais branda do infanticídio aqueles que não

se sujeitam à influência do estado puerperal. Logo, continua o consagrado autor:

Mais adequado, portanto, seria prever expressamente a punição por homicídio do

terceiro que auxilia a mãe na prática do infanticídio, uma vez que não militam em seu

favor as circunstâncias que levaram a estabelecer uma sanção de menor severidade para

a autora do crime previsto no ar. 123 em relação ao definido no art. 121.56

Aqueles que defendem a comunicabilidade o fazem com base em nosso sistema legal,

não levando em consideração a subjetividade ou o caráter personalíssimo, como entendem

alguns, da elementar estado puerperal, mesmo que tal posição possa levar à impunidade.

Damásio E. de Jesus mostra isso de forma clara na transcrição abaixo:

Em face das normas penais reguladoras da matéria, entendemos que o terceiro deve

responder por infanticídio. É certo e incontestável que a influência do estado puerperal

constitui elementar do crime de infanticídio. De acordo com o que dispõe o art. 30 do

CP, “não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo

quando elementares do crime”. Assim, nos termos da disposição, a influência do estado

puerperal (elementar) é comunicável entre os fatos dos participantes. (...) Não resta

dúvida que, conforme o caso, constitui absurdo o partícipe acobertar-se sob o privilégio

do infanticídio. Sua conduta muitas vezes representa homicídio caracterizado. Mas,

temos de estudar a questão sob a ótica de nossa legislação, que não cuidou de elaborar

norma específica a respeito da hipótese.57

55 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal – Parte especial. v. 2. São Paulo: Atlas, 1998. p. 91. 56 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal – Parte especial. v. 2. São Paulo: Atlas, 1998. p. 91. 57 JESUS, Damásio E. Direito penal – Parte especial, v. 2. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 96.

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50

Por outro lado, há aqueles que advogam a tese da incomunicabilidade da elementar

“estado puerperal”, ao arrepio das regras pertinentes ao concurso de pessoas, simplesmente por

entenderem que são conflitantes com o crime de infanticídio. Tal idéia pode ser vista no seguinte

ensinamento de Heleno Cláudio Fragoso:

Entendemos que deve ser adotada a lição de Hungria. Fundada no direito suíço, segundo

a qual o concurso de agentes é inadmissível. O privilégio se funda numa diminuição da

imputabilidade, que não é possível estender aos partícipes. Na hipótese de co-autoria

(realização de atos de execução por parte do terceiro), parece-nos evidente que o crime

será o de homicídio.58

Trazemos agora a lição do próprio Hungria, conforme citado por Fragoso:

Não diz com o infanticídio a regra do art. 25 (“Quem, de qualquer modo, concorre para

o crime incide nas penas a este cominadas”). Trata-se de um crime personalíssimo. A

condição “sob a influência do estado puerperal” é incomunicável. Não tem aplicação,

aqui, a norma do art. 26, sobre as circunstâncias de caráter pessoal, quando elementares

do crime. As causas que diminuem (ou excluem) a responsabilidade não podem, na

linguagem técnico-penal, ser chamadas de circunstâncias, pois estas só dizem com o

maior ou menor grau de criminosidade do fato, ou seja, com a maior ou menor

intensidade do elemento subjetivo ou gravidade objetiva do crime. O partícipe

(instigador, auxiliar ou co-executor material) do infanticídio responderá por

homicídio.59

Hungria entende que as regras concernentes ao concurso de pessoas não são aplicáveis no

crime de infanticídio. Ademais, o grande penalista lembra a injustiça provocada pela

comunicabilidade do estado puerperal, uma vez que, a um agente que não sofre perturbação

psíquica alguma é cominada a pena mais branda do infanticídio. Continua o ensinamento de

Hungria:

58 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal – Parte especial, v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 96/97. 59 HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal, v. 5. Rio de Janeiro: Forense, 1955, p. 259.

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51

A quebra da regra geral sobre a unidade de crime no concursus deliquentium é, na

espécie, justificada pela necessidade de evitar-se a outrem que não a parturiente um

crime somente reconhecível quando praticado “sob a influência do estado puerperal”.60

Nélson Hungria destaca a existência de uma nova espécie de circunstância, a

personalíssima. Sendo assim, ele atribui a qualidade de circunstância personalíssima ao estado

puerperal, que por esse motivo seria incomunicável aos demais agentes que contribuíssem como

co-autores ou partícipes do crime de infanticídio.

No mesmo sentido, Bento de Faria também remetia à idéia de uma circunstância

pessoalíssima, no que parecia filiar-se à posição de Nélson Hungria. Ao analisar o art. 30 do

Código Penal, Bento de Faria diz que: “rememorando, pois, chega-se à conclusão do dispositivo

em apreço – são incomunicáveis as circunstâncias de caráter pessoal (personalíssimas) salvo

quando elementares do crime (elementares constitutivas do delito)”.61

Conforme fora analisado no capítulo anterior, é justamente a influência do estado

puerperal que justifica a atenuação da pena do crime de infanticídio em relação ao crime de

homicídio, na medida em que o núcleo do tipo de ambos é o mesmo, ou seja, matar. Ora, se a

única a sofrer os efeitos psíquicos da influência do estado puerperal é aquela mulher que está

parindo ou acabou de parir, não faria sentindo que um terceiro que não sofre de tal influência

seja beneficiado caso contribua com essa mulher na prática do crime. No mesmo sentido é o

entendimento de Aníbal Bruno:

Só pode participar do crime de infanticídio a mãe que mata o filho nas condições

particulares fixadas na lei. O privilégio que se concede á mulher sob a condição

personalística do estado puerperal não pode estender-se a ninguém mais. Qualquer outro

que participe do fato age em crime de homicídio. A condição do estado puerperal, em

que se fundamenta o privilégio e que só se realiza na pessoa da mulher que tem o filho

impede que se mantenha sob o mesmo título a unidade do crime para o qual concorrem

os vários partícipes. Em todos os atos praticados trata-se de matar, mas só em relação à

60 HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal, v. 5. Rio de Janeiro: Forense, 1955, p. 259. 61 FARIA, Bento de. Código penal brasileiro comentado. v. 12. Rio de Janeiro: Distribuidora Record, 1958, p. 275.

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mulher, pela condição particular em que atua, esse matar toma a configuração do

infanticídio.62

Por outro lado, há uma terceira corrente, formada por Euclides C. da Silveira, Frederico

Marques e Bento de Faria, que defende a punição por homicídio se o agente pratica ato

executório consumativo, e por infanticídio se é apenas partícipe.63 Nas palavras de Damásio E.

de Jesus, para os adeptos dessa posição “o concorrente, para responder unicamente por

infanticídio, deve ter participação meramente acessória na conduta da autora principal,

induzindo, instigando ou auxiliando a parturiente a matar o próprio filho”.64

Devemos deixar registrado que Nelson Hungria, que durante quarenta anos foi o maior

defensor da incomunicabilidade, mudou de opinião na última edição de sua obra, passando a

adotar a idéia da comunicabilidade da elementar “estado puerperal”. Damásio E. de Jesus,

escrevendo sobre Nelson Hungria e o concurso de pessoas demonstra a mudança de opinião do

grande penalista no trecho abaixo:

Foi o que aconteceu em relação ao tema do concurso de pessoas no infanticídio, em que

modificou sua posição na última edição de sua obra, fato que passou despercebido da

maioria da doutrina brasileira. Reconhecendo humildemente o engano e dando a mão à

palmatória, adotou a tese da comunicabilidade na 5ª edição dos Comentários:

“Comentando o art. 116 do Código suíço, em que se inspirou no art. 123 do nosso,

Logoz (...), repetindo o entendimento de Gautier, quando da revisão do Projeto Stoos,

acentuam que um terceiro não pode ser co-partícipe de um infanticídio, desde que o

priviliegium concedido da ‘influência do estado puerperal’ é incomunicável. Nas

anteriores edições deste volume, sustentamos o mesmo ponto de vista, mas sem

atentarmos no seguinte: a incomunicabilidade das qualidades e circunstâncias pessoais,

seguindo o Código helvético (art. 26), é restrita (...), ao passo que perante o Código

pátrio (também art. 26) é feita uma ressalva: ‘Salvo quando elementares do crime’.

Insere-se nesta ressalva o caso de que se trata. Assim, em face do nosso Código, mesmo

62 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte especial, crimes contra a pessoa. t. 4. Rio de Janeiro:Forense, 1966, p. 150/151. 63 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal – Parte especial. v. 2. São Paulo: Atlas, 1998. p. 90. 64 JESUS, Damásio E. Direito penal – Parte especial, v. 2. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 96.

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53

os terceiros que concorrem para o infanticídio respondem pelas penas a este cominadas,

e não pelas do homicídio”.65

O que ocorre é que o Código penal brasileiro silenciou quanto à pena a ser imposta ao

partícipe do infanticídio. Outros Códigos foram expressos quanto a isso, como o italiano, onde o

infanticídio pode ser cometido por outra pessoa que não a própria mãe (art. 578); o francês, em

que o infanticídio pode ser cometido por qualquer pessoa (art. 300); o argentino, onde o

benefício se estende à mãe ou parentes próximos (art. 81) e o espanhol, em que o benefício se

estende à mãe ou avó maternos (art. 410).66

Devido a essa omissão do Código penal brasileiro, somos obrigados a encarar a questão

de acordo com o que reza os arts. 29, caput e 30. Na mesma linha é o ensinamento de Damásio

E. de Jesus:

O CP vigente, não tendo disposição sobre a matéria, obriga o intérprete a analisar o

problema diante das determinações dos art. 29, caput, e 30. Se o terceiro induz, instiga

ou auxilia a parturiente a matar o filho, está participando do fato do infanticídio. E, se a

influência do estado puerperal é elementar do tipo, comunica-se ao fato do partícipe,

conforme reza o art. 30.67

Ao admitir a hipótese de co-autoria ou participação no infanticídio, o professor Damásio

vislumbra três hipóteses que podem surgir, e apresenta as soluções de cada uma ao examiná-las,

conforme segue abaixo:

1ª) a mãe e o terceiro realizam a conduta do núcleo do tipo: “matar” (pressupondo o

elemento subjetivo específico);

2ª) a mãe mata a criança, contando com a participação acessória do terceiro;

3ª) o terceiro mata a criança, com a participação meramente acessória da mãe.

Examinemos as três hipóteses:

1ª) Se ambos matam a criança, qual o fato: homicídio ou infanticídio? Concurso de

agentes em qual dos delitos? Se tomarmos o homicídio como fato, haverá a seguinte

65 <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/10807/10372>, acesso em 31 de janeiro de 2010. 66 JESUS, Damásio E. Direito penal – Parte especial, v. 2. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 97. 67 JESUS, Damásio E. Direito penal – Parte especial, v. 2. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 97.

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incongruência: se a mãe mata o filho sozinha, a pena é menor; se com o auxílio de

terceiro, de maior gravidade. Sob outro aspecto, fica destruída a intenção de a lei

beneficiá-la quando pratica o fato sob a influência do estado puerperal. Se tomarmos o

infanticídio como fato, o terceiro também deverá responder por esse delito, sob pena de

quebra do princípio unitário que vige no concurso de agentes.

2ª) Se a mãe mata a criança, o fato principal é infanticídio, a que acede a conduta do

terceiro, que também deve responder por esse delito.

Solução diversa só ocorreria se houvesse texto expresso a respeito.

3ª) Se o terceiro mata a criança, contando com a participação acessória da mãe, qual o

fato principal a que acede a participação? Homicídio ou infanticídio? Não pode ser

homicídio, uma vez que, se assim fosse, haveria outra incongruência: se a mãe matasse

a criança, responderia por delito menos grave (infanticídio); se induzisse ou instigasse o

terceiro a executar a morte do sujeito passivo, responderia por delito mais grave

(participação no homicídio).68

Muito embora cause perplexidade a punição do terceiro a título de infanticídio, não há

como afastar a aplicação da regra do art. 30. A influência do estado puerperal é elementar do

crime de infanticídio, e como tal, estende-se às condutas praticadas pelos participantes do delito.

Dessa forma, inevitável que o terceiro responda por infanticídio.

A saída para essa situação que causa injustiça e gera perplexidade seria a transformação

do infanticídio numa forma privilegiada de homicídio. Além da atenuação contida no § 1º,

teríamos o infanticídio como segunda causa de privilégio. Ao transformar o infanticídio em

forma privilegiada de homicídio, a influência do estado puerperal e a relação de parentesco não

mais seriam elementares de crime, e sim circunstâncias de caráter pessoal, não se comunicando

aos partícipes em caso de concurso de pessoas. Dessa forma, a mulher responderia por homicídio

privilegiado, na forma de infanticídio, e os co-autores ou partícipes responderiam por homicídio.

Nesse sentido é a solução apontada por Damásio E. de Jesus:

Para nós, a solução do problema está em transformar o delito de infanticídio em tipo

privilegiado de homicídio. Assim, na definição típica do art. 121 do CP teríamos duas

formas de atenuação de pena. A primeira, já contida no § 1.º, referente aos motivos de

68 JESUS, Damásio E. Direito penal – Parte especial, v. 2. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 98.

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relevante valor moral ou social e domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta

provocação da vítima. A segunda causa do privilégio seria a do infanticídio. Dessa

forma, o delito autônomo do art. 123 seria transformado em causa de atenuação de pena

do homicídio, no lugar onde hoje se encontra o homicídio qualificado (§ 2.º). Assim, a

influência do estado puerperal e a relação de parentesco não seriam mais elementares do

crime, mas circunstâncias de ordem pessoal ou subjetiva. E, nesse caso, incomunicáveis

na hipótese do concurso de agentes. Em conseqüência, a mulher responderia por

homicídio privilegiado, com a denominação de infanticídio, enquanto o terceiro

responderia por homicídio sem atenuação.69

Seguindo essa linha, teríamos uma solução idêntica à encontrada pelo Código Penal

alemão, que transformou os elementos típicos especializantes do delito de infanticídio em

circunstâncias legais específicas de uma forma privilegiada de homicídio. Essa seria a única

forma de negar ao partícipe o benefício do infanticídio. Assim sendo, em face de tudo que foi

exposto, enquanto a legislação penal não for alterada não há como admitir que o terceiro que

colabore no infanticídio responda por homicídio.

69 JESUS, Damásio E. Direito penal – Parte especial, v. 2. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 98.

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4 - PERSPECTIVAS DE ALTERAÇÃO LEGISLATIVA

O Anteprojeto do Código Penal – Parte Especial, publicado pela Portaria nº 304, de 17 de

julho de 1984 do Ministério da Justiça, tratou do infanticídio nos seguintes termos:

Art. 123 – Matar o próprio filho, durante ou logo após o parto, sob a influência deste e

para ocultar desonra própria:

Pena: Reclusão, de dois a seis anos.

Parágrafo único – Quem concorre para o crime incide nas penas do art. 121 e

parágrafos.

Além da manutenção do critério fisiopsicológico (influência do estado puerperal), temos

aqui novamente a presença do critério psicológico – a honoris causa -, na medida em que o

crime pode ser cometido para ocultar desonra própria da mãe. Outra alteração foi no regime de

pena, que passou de detenção para reclusão, mantendo-se a graduação da pena entre dois a seis

anos. Porém, a mais significativa mudança foi a inclusão do parágrafo único, fazendo expressa

menção ao concurso de pessoas. De acordo com o dispositivo, o co-autor ou partícipe do crime

de infanticídio responderia pelo delito de homicídio, colocando fim a uma situação injusta e que

tanta discussão gera em nossa doutrina.

Entretanto, em 27 de outubro de 1987, a Portaria nº 790 do Ministério da Justiça

apresentou outro texto versando sobre o infanticídio:

Art. 123 – Matar o próprio filho, durante ou logo após o parto, sob a influência

perturbadora deste ou para ocultar desonra própria.

Pena: Reclusão, de dois a seis anos.

Parágrafo único – Quem concorre para o crime incide nas penas do art. 121 e

parágrafos.

Vemos que o que a Portaria nº 790 trouxe de diferente em relação à anterior foi o uso da

expressão “sob a influência perturbadora do parto” ao invés de “sob a influência do parto”.

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No que pese a solução dada ao concurso de pessoas, a presença do critério psicológico

não se justifica em face das mudanças nos costumes hoje em dia, principalmente por conta da

emancipação feminina. Ademais, questionável também a preferência dada à honra sexual da

mulher em detrimento da vida humana.

No que tange à substituição da expressão “sob a influência do estado puerperal” por “sob

a influência perturbadora do parto”, restou frustrada a tentativa do legislador de afastar as

incertezas sobre o critério fisiopsicológico. Trata-se de expressões com o mesmo significado,

qual seja, o parto pode causar perturbações psíquicas na mulher que a levam a matar o próprio

filho.

Por outro lado, temos no Projeto de Lei 3.752/04 um outro tratamento jurídico a ser dado

ao terceiro que concorre para o crime de infanticídio. De acordo com o projeto de autoria do

deputado Coronel Alves, é instituída pena de oito a quinze anos para quem estimular ou ajudar

mulher em estado puerperal a assassinar recém nascido. Segundo o autor do projeto, o Código

Penal apresenta brechas no caso do infanticídio, e de acordo com suas palavras “o projeto vem

preencher essas lacunas da lei e permitir um ordenamento jurídico capaz de proteger

verdadeiramente o bem jurídico, segundo a realidade e com justiça”.70 Resumindo, tal projeto

tipifica como infanticídio a conduta daquele que instiga, induz ou auxilia a prática desse crime,

porém, com a pena agravada.

Outro Projeto de Lei que cuida da conduta do partícipe é o de número 3.398/04, de

autoria do deputado Alberto Fraga. Segundo esse projeto, a conduta do co-autor ou partícipe do

infanticídio é punida a título de homicídio.

Esses dois Projetos de Lei estão tramitando na Comissão de Constituição e Justiça e de

Cidadania apensados a um outro Projeto de Lei, o de número 1.262/03, de autoria do deputado

José Divino. Tal projeto de Lei tem como objetivo tipificar como homicídio – e não mais como

infanticídio -, a conduta da mãe que mata o próprio filho sob a influência do estado puerperal,

70 < https://www.consulex.com.br/news.asp?id=1365 >, acesso em 03/02/2010.

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durante o paro ou logo após. Esse projeto busca revogar o art. 123 do Código Penal, que

descreve o crime de infanticídio.

Segundo o autor do projeto de Lei 1.262/03, não se justifica a existência do infanticídio

como delito autônomo, com pena reduzida, na medida em que o Código Penal dispõe do instituto

da inimputabilidade, que poderia atenuar ou, até mesmo, isentar de pena o sujeito ativo do crime.

Registre-se que o último andamento da proposição foi em 02/05/200771, em que foi

apresentado o voto em separado do deputado Regis de Oliveira, que votou pela

constitucionalidade, juridicidade, boa técnica legislativa e, no mérito, pela aprovação do Projeto

de Lei nº 3.398/04 e pela constitucionalidade, injuridicidade, inadequada técnica legislativa e, no

mérito, pela rejeição dos Projetos de Lei nºs 1.262/03 e 3.750/04, voto esse que acompanhou o

entendimento do relator, deputado Fernando Coruja.72

71 < http://www2.camara.gov.br/busca/?q=1262%2F2003 >, acesso em 03/02/2010. 72 < http://www.camara.gov.br/sileg/integras/456004.pdf > acesso em 03/02/2010.

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5 - CONCLUSÃO

O infanticídio, de acordo com a redação dada pelo art. 123 do Código Penal brasileiro, é

um crime próprio, de forma que apenas a mãe que está parindo ou acabou de parir pode ser

sujeito ativo.

Temos aqui um delito privilegiado, já que possui o mesmo núcleo do crime de homicídio

– matar -, sendo que se compararmos os dois delitos, vemos que a pena do infanticídio é

sensivelmente menor. A razão para essa redução seria o chamado estado puerperal, que

influenciaria a parturiente para o cometimento do crime.

Entretanto, como foi exposto, existe na doutrina médico-legal entendimento que

questiona a existência do estado puerperal que acometeria as parturientes. De acordo com esses

estudiosos, o que levaria essas mães a praticarem a conduta de matar o próprio filho durante o

parto ou logo após seria um conjunto de fatores, tais como, reações negativas da sociedade

quanto à gravidez, eventuais preconceitos a serem sofridos, os ataques a sua honra etc. Ou seja, a

conduta da mãe seria movida por fatores externos, e não pela influência do estado puerperal.

Quando da análise da comunicabilidade da elementar estado puerperal nos casos em que

o crime é cometido em concurso de agentes, verificamos divergência na doutrina penalista pátria.

Aqueles que advogam a tese da incomunicabilidade, assim o fazem por entenderem que o estado

puerperal possui um caráter personalíssimo, eminentemente pessoal, que não poderia ser

comunicável a terceiros. Por outro lado, aqueles que defendem a comunicabilidade, o fazem por

levarem em consideração as normas penais vigentes, ou seja, por terem um entendimento

positivista da questão, do contrário, ao não se comunicar a elementar, estaria sendo quebrada a

idéia da unidade de infrações em que se baseia o concurso de pessoas em nossa legislação penal.

Nota-se que temos uma perplexa situação com a comunicabilidade da elementar estado

puerperal no crime de infanticídio, já que teríamos a atenuação da pena de um terceiro que não

se sujeita aos efeitos previstos na definição típica do crime.

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Dessa forma, faz-se necessária a modificação de nosso Código Penal. Não no que tange

ao art. 30, que regula a questão da comunicabilidade das elementares de caráter pessoal, mas na

própria redação dada aos tipos penais do infanticídio ou do homicídio.

A mera criação de um parágrafo em que se fizesse menção à conduta do co-autor ou do

partícipe e que remetesse às penas do homicídio colocaria um fim à tamanha perplexidade. Ora,

se aqueles que defendem a comunicabilidade da elementar estado puerperal assim o fazem para

evitar a quebra da unidade de crimes que norteia o concurso de pessoas em nosso sistema penal

(teoria monista ou unitária), com o referido parágrafo teríamos uma outra exceção à regra da

teoria monista prevista em lei, conforme temos nos casos de corrupção passiva e ativa e aborto

consentido e provocado por terceiro.

Uma outra opção é proposta pelo professor Damásio E. de Jesus, que recomenda a

inclusão de um parágrafo a mais no delito de homicídio. Nesse parágrafo estariam presentes os

elementos integrantes do tipo penal do infanticídio, ou seja, tais elementos se tornariam em

causas privilegiadoras do homicídio. Dessa forma, tais elementos deixariam de ser elementares

de crime e o infanticídio deixaria de existir como delito autônomo, conseqüentemente, o estado

puerperal passaria a ser incomunicável a partícipes ou co-autores.

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