Cadernos de Antropologia e imagem nº 2 Antropologia e fotografia
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LEONARDO BOFF: ANTROPOLOGIA, ONTOLOGIA, COSMOLOGIA, TICA E MSTICA
Rodrigo Marcos de Jesus Pesquisador na rea de Filosofia Brasileira, na PUC-Minas,
sob a orientao do Prof. Dr. Paulo Margutti. [email protected]
Nosso texto tem a seguinte pretenso: apresentar em linhas gerais e de forma
esquemtica o pensamento de Leonardo Boff atravs de cinco temticas principais
antropologia, ontologia, cosmologia, tica e mstica. Queremos traar um amplo quadro
dos principais pontos abordados por esse pensador, principalmente a partir de seus
escritos posteriores a 19921. O objetivo fazer uma breve apresentao de L. Boff que
incentive o leitor leitura das fontes primrias e que funcione tambm como um guia
didtico para um estudo das questes analisadas. Aqui est omitida intencionalmente
a abordagem teolgica da obra de Leonardo. Essa omisso se justifica por dois motivos:
1) por o presente texto ser uma pesquisa voltada para a dimenso propriamente
filosfica do pensamento de nosso autor; 2) por um desconhecimento mais minucioso,
de nossa parte, da teologia de maneira geral e dessa em L. Boff. Mas como teologia e
1 Paulo Agostinho Nogueira Baptista analisa a mudana de paradigma em L. Boff aps esta data. Cf. Dilogo e Ecologia. A teologia teoantropocsmica de Leonardo Boff. Reiteramos que aqui nos interessar o pensamento de L. Boff principalmente nos escritos posteriores a 1992, no entanto, quando necessrio nos remeteremos a escritos anteriores.
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filosofia dialogam com grande proximidade no pensador haver algumas remisses a
aspectos teolgicos, sem contanto, entrarmos em detalhes.
Gostaramos de salientar que esta apresentao faz parte de nossa pesquisa junto
ao grupo de Filosofia no Brasil vinculado ao departamento de Filosofia da UFMG,
coordenado pelo prof. Paulo Margutti, e visa ser um apoio dentro de nossas limitaes
ao fomento do estudo sobre o pensamento filosfico brasileiro na academia. E
tratando-se de pensamento brasileiro, a excluso de seus quadros de um pensador como
Leonardo Boff seria lamentvel e nos deixaria privados da obra de um dos maiores
intelectuais brasileiros do sculo XX.
A explanao seguir o seguinte esquema: 1) Vida e Obra; 2) Dimenses do ser
humano: antropologia e ontologia; 3) Cosmologia; 4) tica; 5) Mstica; 6)
Consideraes finais.
1) Vida e Obra
Leonardo Boff nasceu em 1938, na cidade de Concrdia-SC. Filho de pai
intelectual e me analfabeta, ambos com profunda sensibilidade para com os pobres e a
injustia social. As influncias paterna e materna so descritas por L. Boff: Do lado da
me sou terra, gosto das cozinhas de todo o mundo, da natureza, do bel canto e das
coisas diretas. Do lado do pai sou do cu, gosto da leitura, dos vos arrojados do
pensamento, das diferenciaes dos conceitos2. A matriz familiar marcou-o com uma
dupla religiosidade: a me com uma piedade rstica que cr em Deus e o v no meio
das nuvens avermelhadas; o pai com uma religiosidade inquieta, questionadora do
autoritarismo das instituies eclesisticas. Esses traos esto presentes na obra e na
vida de Leonardo: no cultivo de uma espiritualidade, sentimento de re-ligao
natureza, aos seres humanos, ao cosmos, a Deus, que vivida de modo simples pelos
mais pobres, pelo campons, por exemplo, sem necessidade de intricadas especulaes
tericas, e a crtica mordaz ao autoritarismo, s formas de opresso social, econmica,
cultural, religiosa , que lhe valeu perseguies dentro e fora da Igreja.
Leonardo formou-se em filosofia e teologia no Brasil e na Alemanha. Nos anos
1970 regressou da Europa e chegando ao Brasil se deparou com a realidade de 2/3 da
populao brasileira composta de excludos e pobres. Trabalhou como professor de
teologia com os franciscanos em Petrpolis e nos meios pobres. Desse duplo trabalho
com um p na academia e outro nas periferias ajudou a formular, juntamente com
2 Uma caminhada humana e espiritual in BOFF, L., BETTO, Frei. Mstica e Espiritualidade. RJ: Rocco, 1999.
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Gustavo Gutirrez (Peru), Juan Luis Segundo (Uruguai), Enrique Dussel (Argentina),
Frei Betto, Dom Hlder Cmara, Rubem Alves (Brasil) e outros, uma corrente teolgica
conhecida como teologia da libertao. Tal teologia foi alvo de perseguio por parte da
Igreja institucional, pelos governos ditatoriais da Amrica Latina e pelo governo norte-
americano.
A perseguio da Igreja culminou com a condenao de L. Boff em 1984 e do
seu livro Igreja: carisma e poder, que buscava aplicar as intuies originrias da
teologia da libertao prtica interna da Igreja. Leonardo foi ento convidado a prestar
esclarecimentos sobre seu livro Congregao para Doutrina da F, antigo Santo
Ofcio, cujo prefeito na poca era o cardeal Joseph Ratzinger (atual papa Bento XVI).
Como o prprio Leonardo afirma em entrevista revista Caros Amigos3, ele foi um
bode expiatrio, seu processo junto Congregao foi smbolo de uma avalanche
persecutria movida pelo Vaticano e apoiada pelos EUA contra a teologia da libertao
e a CNBB (Confederao Nacional dos Bispos do Brasil). L. Boff foi condenado a 1
ano de silncio obsequioso, destitudo de suas funes na Revista Eclesistica
Brasileira, na editora Vozes, proibido de dar aulas, escrever e ministrar palestras.
Aceitou a condenao e cumpriu a pena. Passados alguns anos, em 1992, novamente o
Vaticano volta a persegui-lo e um novo silncio obsequioso -lhe imposto: nem
mesmo poderia escrever ou dar aulas em um pas distante (em algum convento
franciscano na sia, Filipinas ou Coria). Para preservar a liberdade, resolveu se
autopromover ao estado leigo e abandonou a Igreja institucional.
Leonardo foi ainda professor de tica, filosofia da religio e ecologia da UERJ.
Tambm foi professor visitante das universidades de Harvard, Basel, Heidelberg.
Assessora comunidades de base e movimentos populares. membro da Comisso da
Carta da Terra. Em 2002, recebeu o prmio Nobel alternativo para a paz, em razo de
seu compromisso com o direito dos pobres.
A obra de L. Boff vastssima e compreende atualmente mais de 70 livros, sem
mencionar artigos, prefcios e livros em co-autoria, cuja soma alcanaria mais de
duzentos ttulos. To vasta quanto a obra a quantidade de temas abordados. No mbito
teolgico4, podemos destacar: a cristologia (Jesus Cristo Libertador; O Evangelho do
Cristo Csmico); a vida religiosa (Vida religiosa e secularizao); a mstica e a orao
3Disponvel em: carosamigos.terra.com.br/outras_edicoes/grandes_entrev/boff2.asp. Acessado em: 26/4/2005. 4 Uma esquematizao mais completa pode ser encontrada na obra j citada de Baptista.
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(Espiritualidade; Mstica e Espiritualidade em conjunto com Frei Betto; Francisco de
Assis: ternura e vigor; A orao no mundo secular); a eclesiologia (Igreja: carisma e
poder; O caminhar da Igreja com os oprimidos); a escatologia (Vida para alm da
morte); a antropologia teolgica (O destino do homem e do mundo); a libertao e a
teologia (Teologia do Cativeiro e da Libertao; Da libertao: o teolgico das
libertaes scio-histricas junto com Clodovis Boff); a Trindade e o feminino (O
rosto materno de Deus; Ave-Maria: o feminino e o Esprito Santo; A Trindade, a
sociedade e a libertao); ecologia (Ecologia, Mundializao e Espiritualidade). No
mbito filosfico, destacamos: a tica (Ethos Mundial; tica e Eco-espiritualidade;
Saber Cuidar); a ecologia (Ecologia: Grito da Terra, Grito dos Pobres), a antropologia
filosfica (A guia e a galinha; O despertar da guia); a globalizao e o Brasil (Nova
Era: a civilizao planetria; Depois de 500 anos: Que Brasil queremos?); a ontologia
e o feminino (Feminino e Masculino junto com Rose Marie Muraro). Essa
esquematizao incompleta e visa apenas mostrar a amplido de temas e assuntos
tratados por esse pensador brasileiro. A diviso entre os mbitos teolgico e filosfico
possui certa artificialidade, porque muitas vezes as temticas teolgicas e filosficas
esto presentes em uma mesma obra, como por exemplo, em Feminino e Masculino,
Ecologia: Grito da Terra, Grito dos Pobres. Nossa diviso quer somente delimitar
grosso modo as duas reas de conhecimento, a fim de facilitar ao leitor um primeiro
contato. Quando formos tratar de cada tpico desta apresentao, iremos apontar as
obras de referncia.
Alm da amplitude, outro aspecto se destaca na obra e no pensamento de L.
Boff: o ecletismo. Vrios so os autores mobilizados para a abordagem de inmeras
questes. So grandes influncias e referncias autores e personagens, como: Francisco
de Assis, Boaventura e Mestre Eckhart, na espiritualidade; Teilhard de Chardin, Duns
Scoto e Karl Rahner, na teologia; Prigogine, Maturana, Einstein e Jung, na cincia;
Marx e Heidegger, na filosofia; etc. O pensamento de Leonardo se utiliza de aspectos
provenientes das mais variadas reas do conhecimento: sociologia, filosofia, biologia,
fsica, qumica, ecologia, teologia, psicologia, etc.
Uma ltima considerao de carter geral sobre a obra de Leonardo a sua no
linearidade (no-sistematicidade), sua dinamicidade. Apresenta-se como um
pensamento aberto a mudanas, inclusive de paradigmas, como demonstra Baptista em
sua dissertao. Segundo esse autor, a obra de L. Boff teria sofrido uma mudana de
paradigma nos incios dos anos 1990 at a data atual, em que o eixo estruturador sai da
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eclesiologia e da cristologia e se desloca para a ecologia e Deus. A ecologia torna-se o
novo paradigma no pensamento boffiano. sobretudo nessa mudana paradigmtica da
ltima fase que basearemos nossa exposio.
2) Dimenses do ser humano: antropologia e ontologia
Elencamos duas dimenses que nos parecem fundamentais para uma viso
global do pensamento de L. Boff: a antropologia e a ontologia. Antes de trat-las em
pormenor, convm ressaltar um ponto que perpassa a vida e a obra do filsofo e
telogo: a dimenso inclusiva (no-excludente), uma lgica que trabalha com
dualidades mas no dualista e pode ser expressa pela conjuno e. Queremos dizer que
Leonardo desenvolve um pensamento marcado por dualidades (transcendncia -
imanncia, masculino feminino, etc.), sem no entanto cair no dualismo. As dualidades
so dialetizadas, dialogantes, mas no so dicotomizadas. Ao contrrio, so
interdependentes ou, at melhor, inter-retro-conectadas. Por isso podemos falar de uma
lgica inclusiva, presente tambm na vida do autor (um p na academia e outro nos
meios pobres). Alm disso, essa forma inclusiva de ser, dialogal, est presente no ser
humano: A estrutura fundamental do humano consiste no e. Ser ele e mais o diferente
dele com o qual comunica. Homem como varo e mulher, homem e mundo, homem-eu
e o no-eu dentro de mim; homem-eu e tu; homem e sociedade etc.5 Ao falarmos do
ser humano, temos que ter em mente a conjuno e, no o ou. Trabalhar incluindo e
dialogando, no excluindo e dicotomizando dimenses.
2.1) Antropologia
Trs so as dimenses antropolgicas: imanncia, transcendncia e
transparncia. Elas so como arqutipos, no sentido empregado por Jung, isto ,
padres de comportamentos presentes no inconsciente coletivo, representado por
smbolos e figuras.
Para expressar a transcendncia e a imanncia Leonardo utiliza a metfora da
guia e da galinha6. A guia representa a transcendncia e a galinha, a imanncia.
Transcendncia toda nossa dimenso de abertura, de rompimento do j dado, do
estabelecido, a criatividade, o sonho e a utopia, o lanar-se para alm da realidade que
5 BOFF, L. Masculino e Feminino: o que ? Fragmentos de uma ontologia. In: Revista de Cultura Vozes, Petrpolis, v. 68, n. 9, nov. 1974, p. 682. 6 Um dos ttulos de seus livros.
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nos confina, o voar acima daquilo que nos prende. Imanncia nossa dimenso de
enraizamento, de cotidiano, das nossas tradies culturais, limitaes, o estar preso
realidade, o ciscar da galinha. Ambas as dimenses Traduzem o dinamismo humano,
enraizado por uma parte e sempre aberto por outra7. Elas se complementam. No h
apenas imanncia ou somente transcendncia. Os arqutipos [imanncia e
transcendncia] entram na construo das snteses que globalizam a existncia. O ser
humano precisa unir enraizamento e abertura, luz e sombra, cu e terra, masculino e
feminino8.
Mas onde encontrar a sntese entre transcendncia e imanncia, a fim de no
ficarmos cindidos e sim integrais? Em uma terceira dimenso, que no exclui as duas
anteriores, porm as integra: a transparncia. Transparncia o termo que traduz a
inter-retro-relao da imanncia com a transcendncia. A transparncia a
transcendncia dentro da imanncia e a imanncia dentro da transcendncia9. Atravs
da transparncia, a imanncia torna-se possibilidade de ir alm, de ser mais que
enraizamento, e a transcendncia torna-se possibilidade do alm ser possvel,
realizvel, enraizado, e no simples devaneio.
A transparncia integra um dilogo autntico entre o eu-consciente e o eu-
inconsciente, mais do que e diferente da sinceridade (que uma sintonia em nvel
unicamente consciente). Pela autenticidade o ser e o fazer tornam-se leves, o humor,
sem amargura, o desejo, sem obsesso, a palavra, sem segunda inteno.
Se o smbolo da transcendncia a guia e da imanncia, a galinha, o arqutipo
da transparncia Jesus. O Cristo um dos que representam de maneira exemplar a
transparncia, graas encarnao. Essa torna o divino (transcendncia) visvel,
concreto, e a humanidade (imanncia) difana, translcida, leve. A singularidade do
cristianismo reside na transparncia mistrio do Cristo e no na transcendncia.
Temos na transparncia a sntese, a coexistncia e interpenetrao entre
imanncia e transcendncia. Frisemos novamente: no h dualismo nem supresso de
uma ou outra dimenso, o que h so dimenses (transcendncia e imanncia), ambas
vividas pelo ser humano e que encontram sua sntese, sua harmonizao, na
transparncia.
7 BOFF, L. A guia e a galinha: uma metfora da condio humana. Petrpolis: Vozes, 1998, p. 168. 8 BOFF, L. A guia e a galinha: uma metfora da condio humana. Petrpolis: Vozes, 1998, p. 168. 9 BOFF, L. A guia e a galinha: uma metfora da condio humana. Petrpolis: Vozes, 1998, p. 172.
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Momentos h em que preciso redimensionar transcendncia e imanncia. s
vezes elevando uma ou outra para atingir um equilbrio que nos torne transparentes,
autnticos. Hoje, no processo de mundializao homogeneizadora, importa darmos
asas guia que se esconde em cada um de ns. S ento encontraremos o equilbrio. A
guia compreender a galinha e a galinha se associar ao vo da guia10. Nossos
tempos se caracterizam por um proclamar do fim das utopias e um aceitar o visceral
flagelo da Terra e dos prprios humanos por meio de um sistema ideolgico e
econmico predatrio e devido ao crescente aumento do centramento de si expresso
pelo crescimento do egosmo, do individualismo e das formas superficiais de
relacionamento com o outro, tornando-o um objeto. Assim, faz-se necessrio valorizar
mais a dimenso da transcendncia, alar o vo da guia, ousar sair de si, abrir-se ao
outro (seres humanos, Terra, divindade).
Caracterstica a ser mencionada da antropologia de L. Boff a percepo de que
nenhuma antropologia tem condies de apresentar de modo fechado, concludo,
acabado, o ser humano. A antropologia de certa forma uma antropognese. O ser
humano assim como o cosmos est em permanente evoluo, o conhecimento que
temos de ns mesmos tem carter limitado e necessariamente aberto. Estamos sempre
em gnese, por fazer. Isso mais uma vez demonstra a dimenso transcendente do
humano e nos abre as portas para a dimenso tica. No dilogo com aquilo que no
ele, o homem se constri e se enriquece a si mesmo11.
2.2) Ontologia
Ao falarmos da ontologia, trabalharemos duas dimenses: masculino e
feminino. Importa, primeiramente, definir a especificidade da reflexo ontolgica em
face dessas duas dimenses. A reflexo ontolgica no dispe de mais dados que as
cincias; nem tem acesso a um saber que se subtrai s cincias12. A cincia nos diz dos
modos concretos como homem e mulher se realizam no mundo. Revela, mas no diz
quem o ser humano de forma definitiva e total. Tal pergunta fica em aberto e sobre ela
reflete a ontologia. Ela [ontologia] no se ope ao saber cientfico, nem possui um
saber prprio. Tenta pensar o que est implcito no conhecimento cientfico e ousa
10 BOFF, L. A guia e a galinha: uma metfora da condio humana. Petrpolis: Vozes, 1998, p. 172. 11 BOFF, L. Masculino e Feminino: o que ? Fragmentos de uma ontologia. In: Revista de Cultura Vozes, Petrpolis, v. 68, n. 9, nov. 1974, p. 682. Para maior aprofundamento da antropologia, indicamos: A guia e a galinha; O despertar da guia; Tempo de Transcendncia.
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explicit-lo numa linguagem que lhe prpria13. A tarefa da ontologia fazer essa
reflexo profunda, a partir da cincia, sobre o que o ser humano. Desse
questionamento surge a compreenso de duas formas de ser: masculino e feminino.
Masculino e feminino no so, em primeiro lugar, propriedades biolgicas,
caractersticas fisiolgicas dos sexos (elas tambm, culturalmente, sero identificadas
assim) mas traos profundos e dimenses ontolgicas de cada pessoa humana14. Ou
seja, masculino no se identifica com homem e feminino com mulher, essas duas
dimenses so princpios ontolgicos, [...] esto aqum das coisas; antes, do origem a
elas15. Masculino e feminino esto presentes em cada ser humano (homem e mulher).
A pura e simples assimilao masculino-homem, feminino-mulher acarretou distores
e a subjugao da mulher pelo homem ao longo da histria, alm de privar cada pessoa
de uma integrao harmoniosa de suas dimenses masculina e feminina. S na
combinao de ambos aparece a vida em sua harmonia. No porque se dissolveram as
tenses, seno porque se conseguiu uma sntese cheia de tenses que se sustenta, se
renova e se aprofunda cada vez mais16. Masculino e feminino esto ambos presentes
como expresso, forma de interveno no mundo (no homem e na mulher), aparecem
numa estrutura dialtica, dialogal, constituem princpios estruturantes do ser humano.
As cincias que nos auxiliam na reflexo ontolgica so entre outras a
antropologia, a psicologia das profundezas, a exegese dos textos antigos e dos mitos, a
sociologia dos gneros. Todas elas apresentam-nos manifestaes culturais dos modos
de ser masculino e feminino. Em especial, a linguagem mitolgica uma fonte
privilegiada de acesso quilo que significam tais dimenses. O mito representa de forma
pitoresca a verdade surpreendida pela ontologia: a presena do masculino e do feminino
tanto no homem quanto na mulher. A moderna biologia demonstra a intuio mtica ao
falar da indeterminao sexual nos primeiros momentos da concepo e ao mostrar a
identidade entre homem e mulher atravs dos 22 pares de cromossomas, sendo que
apenas o 23 par instaura a diferena sexual (macho/fmea) dentro de uma profunda
12 BOFF, L. Masculino e Feminino: o que ? Fragmentos de uma ontologia. In: Revista de Cultura Vozes, Petrpolis, v. 68, n. 9, nov. 1974, p. 679. 13 BOFF, L. Masculino e Feminino: o que ? Fragmentos de uma ontologia. In: Revista de Cultura Vozes, Petrpolis, v. 68, n. 9, nov. 1974, p. 679. 14BOFF, L. Masculino e Feminino: o que ? Fragmentos de uma ontologia. In: Revista de Cultura Vozes, Petrpolis, v. 68, n. 9, nov. 1974, p. 684. 15 Cf. BOFF, L., MURARO, Rose Marie. Feminino e Masculino. Uma nova conscincia para o encontro das diferenas. RJ: Sextante, 2005, p. 73. 16 BOFF, L. Masculino e Feminino: o que ? Fragmentos de uma ontologia. In: Revista de Cultura Vozes, Petrpolis, v. 68, n. 9, nov. 1974, p. 684.
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unidade. Antes de definirmos as duas dimenses ontolgicas, precisamos fazer uma
ponderao.
A sexualidade no uma mera qualidade no ser humano, mas uma estrutura
ontolgica. No algo que o ser humano tem, porm algo que ele . Pervade a
existncia humana em todas as suas camadas. Ser homem ou mulher so maneiras
diferentes de ser no mundo, que se relacionam reciprocamente: o homem e a mulher
possuem tudo em si, mas so inacabados. Dois inteiros, mas inacabados e sempre se
fazendo , se encontram na atrao mtua e na liberdade de entrega17. Poderia parecer
que h neste ponto uma contradio, a saber: a sexualidade, sendo ontolgica, e como
ser homem e ser mulher so modos diferenciados de ser no mundo, isso permitiria uma
identificao entre masculino-homem e feminino-mulher, justamente aquilo que se
queria negar.
Percebamos bem, a postulao da sexualidade como ontolgica no invalida a
concepo do masculino e feminino como princpios ontolgicos presentes no homem e
na mulher. Pois no se trata aqui de uma compreenso das formas masculina e feminina
como aspectos incompletos que, unidos (homem e mulher), formariam um todo
completo e unificado (masculino e feminino). Descartamos j a compreenso de dois
incompletos que juntos se fazem completos. Estimamos que a correta representao vai
na seguinte direo: um dentro do outro, o feminino dentro do masculino e o masculino
dentro do feminino18. A reciprocidade entre homem e mulher ocorre a partir de dentro.
Explicitemos: homem e mulher possuem dentro de si tanto a dimenso masculina
quanto a feminina19 e no dilogo (reciprocidade) entre ambos o homem acolhe a mulher
a partir da mulher dentro de si e a mulher acolhe o homem a partir do homem dentro de
si. Esse acolhimento e essa mtua troca so melhor expressos pelas categorias
masculino e feminino e essas ajudam a esclarecer o que ser homem e o que ser
mulher.
No cabe neste texto refazer todo o percurso que nos permite chegar
elaborao das dimenses ontolgicas (isso poder ser realizado ao se consultar a
17 BOFF, L., MURARO, Rose Marie. Feminino e Masculino. Uma nova conscincia para o encontro das diferenas. RJ: Sextante, 2005, p. 64. 18 BOFF, L., MURARO, Rose Marie. Feminino e Masculino. Uma nova conscincia para o encontro das diferenas. RJ: Sextante, 2005, p. 71. 19 Para maiores detalhes dessa questo cf. BOFF, L., MURARO, Rose Marie. Feminino e Masculino. Uma nova conscincia para o encontro das diferenas. RJ: Sextante, 2005, cap. 5 A sexualidade como estrutura ontolgica do ser humano.
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bibliografia do final desta temtica). Simplesmente conceituaremos o que sejam as duas
categorias.
A dimenso feminina se caracteriza como mistrio, profundidade, acolhida,
complexidade, afeto, criatividade, vida, corpo, espiritualidade, receptividade,
sentimento, terra, ternura, cuidado, esprito de fineza. O feminino constitui a fonte
originria da vida, a conservao, o combate defensivo, o corao.
A dimenso masculina expressa o tempo, a ordem, o poder, o trabalho, a
exterioridade, a objetividade, a razo-instrumental, a diviso e compartimentao do
conhecimento, o vigor, a agressividade, o esprito de geometria. O masculino representa
a vida j formada e evoluda, o combate ofensivo, a conquista, a vontade de poder, a
racionalidade imperativa.
Notemos que no se fala de homem e mulher, mas de masculino e feminino. O
ser humano apresenta-se com todas as caractersticas acima, independentemente de sua
sexualidade. Entretanto, uma ou outra dimenso pode ser predominante em cada
indivduo, apesar de no exclusiva.
A exarcebao de um dos plos provoca distores. A tematizao
desproporcional do masculino leva ao racionalismo frio, calculista e objetivista. o
perigo da vontade de poder, que subjuga as chamadas minorias (mulher, negro, ndio,
estrangeiro), promove o processo de colonizao atualmente globocolonizao ,
expropria a natureza, forma a imagem de um deus punidor e castrador, reduz seres
humanos a meros nmeros econmicos. O contrrio, a afirmao nica do feminino,
leva ao irracionalismo incontido, passionalidade, ao subjetivismo, ao sentimentalismo.
Vimos anteriormente a necessidade de harmonizar transcendncia e imanncia.
Da mesma forma, para se evitar as patologias inerentes ao excesso da dimenso
masculina, que podem ser resumidas para pensarmos na esfera tica no descuido
para com a Terra e os seres humanos, levando a uma desumanizao, e ao excesso da
dimenso feminina, representada pela obsesso por um perfeccionismo e que tem como
conseqncia o sufocamento e a imobilizao, urge uma harmonizao entre as duas
dimenses. S na combinao de ambos aparece a vida na sua dinmica, na sua ternura
e no seu vigor20.
Na atualidade, mister colocar em relevo a dimenso feminina. Isso tem
ocorrido graas aos movimentos feministas, que colocam em xeque e desnudam as
20 BOFF, L., MURARO, Rose Marie. Feminino e Masculino. Uma nova conscincia para o encontro das diferenas. RJ: Sextante, 2005, p. 78.
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formas de opresso baseadas na diferena sexual, denunciam a cruel tradio patriarcal
de dominao, e com isso ajudam a reelaborar um equilbrio entre masculino e
feminino. Auxiliam na transformao das relaes sociais entre os gneros e na
formulao de novas imagens da reciprocidade homem-mulher e da relao ser
humano-divindade, em que passa a ser redescoberta a imagem de Deus como me,
afeto, ternura, e no apenas a imagem consagrada e fossilizada de um Deus-Pai
rigoroso, castigador e racionalista. O resgate do feminino importante ainda para a
construo de uma nova tica, de uma nova relao humano-natureza, atravs da
percepo da Terra como Gaia, Me. O feminino traz consigo uma nova lgica, capaz
de pensar o complexo e de se guiar no s pelo Logos, mas inserir tambm o Eros,
aquilo que Pascal denominava esprito de fineza. Resgatar o feminino dar relevncia a
vtimas histricas da vontade de poder-dominao masculina: as mulheres, os pobres, os
discriminados tnica e racialmente, a Terra. Mais abaixo veremos em detalhe a
importncia do feminino para a tica21.
3) Cosmologia
A cosmologia adquire grande importncia no pensamento de Leonardo Boff,
uma vez que permite um novo olhar sobre a realidade. Um novo olhar possibilita uma
nova tica. A percepo da unidade do todo e da interligao de todos os seres evoca,
como primeiro sentimento, o senso de fraternidade universal, a reverncia para com a
criao e a com-paixo para com o lado sofredor da criao. Custa-nos tolerar a terra
ferida e seus habitantes penalizados por aqueles que rompem egoisticamente o todo em
benefcio de sua parte. Sentimos responsabilidade para com a totalidade dinmica mas
harmnica. Todos tm direito de viver solidrios e sentir sua incluso num todo
maior22. Faamos um breve desenho dessa nova cosmologia, mostrando como a
ecologia a aparece e a relao da ecologia com a teologia da libertao.
A cosmologia uma cartografia do universo, a imagem de mundo que uma
sociedade faz para si prpria. Nessa imagem, vrios saberes so combinados. A nova
cosmologia recebe contribuies da mecnica quntica, da nova biologia, da ecologia,
21 Para a temtica analisada, pode-se consultar: Masculino e Feminino: o que ? Fragmentos de uma ontologia (artigo); O rosto materno de Deus; Ave-Maria. O feminino e o Esprito Santo; So Francisco: ternura e vigor; Feminino e Masculino. 22 BOFF,L. Refundao da dignidade humana a partir da nova cosmologia. In: Cadernos F e Poltica, Petrpolis, v. 7, 1992, p.52.
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da psicologia transpessoal, da filosofia crtica23. Essa cosmologia tem uma peculiaridade
em relao s outras cosmologias do nosso passado ocidental24. Apresenta um carter de
cosmognese, caracterstica construda a partir da ecologia (vista como inter-retro-
relacionamento de todas as coisas). O jogo, a dana, o teatro so os smbolos da
cosmologia contempornea, pois representam a dinamicidade do universo. O ser
humano ocupa um novo lugar nesse palco. Esbocemos a nova viso do universo.
O universo mostra-se evolutivo, possui origem e passa por distintos momentos.
H primeiramente o momento csmico, em que, de um caos generativo o universo se
expande e se diversifica (15 bilhes de anos); segue-se o momento qumico, o da
formao dos elementos fsico-qumicos que constituem todo o cosmos e todos os seres,
no interior das grandes estrelas, gerando o nascimento dos planetas (10 bilhes); depois
h o momento biolgico, do surgimento da vida atravs da auto-organizao e auto-
criao da matria autopoiese (3,8 bilhes); em seguida, temos o momento
antropolgico, um subcaptulo do biolgico, em que aparece a vida humana como
complexificao evolutiva da matria, da vida (10 milhes); finalmente, surge o
momento planetrio, em que o ser humano ocupa todos os espaos da Terra e modifica-
os, redescobrindo sua ligao com o planeta, os demais seres, o cosmos (etapa atual).
Todo esse processo revela uma rede de implicaes inter-retro-conectadas que
possui algumas caractersticas: um sistema aberto (dinmico e orgnico), em que tudo
se encontra em gnese, interdependncia e cooperao; uma evoluo no-linear e que
se orienta na formao de ordens cada vez mais complexas; a adaptao e a troca de
informaes presidindo as relaes mais do que a competio e a disputa. A realidade
apresenta-se como um organismo vivo, no uma mquina. Neste organismo d-se o
inter-retro-relacionamento de tudo com tudo. O ser humano, dentro desse processo,
irrompe quando 99,98% da Terra j existia. Entretanto, revela uma particularidade, co-
piloto da evoluo, pode intervir intencionalmente na natureza e, devido essa liberdade,
um ser tico. O ser humano como co-responsvel pode trabalhar ajudando ou
destruindo a Terra. Da se conclui que no se pode mais falar do humano sobre a Terra,
a natureza e os demais seres, mas, ao invs, junto com, ao lado deles, pertencente a uma
mesma histria e a um mesmo destino. Aps esse panorama, compreende-se a
importncia da ecologia.
23 De forma mais detalhada pode ser vista a contribuio desses saberes em BOFF, L. Ecologia: Grito da Terra, Grito dos Pobres. RJ: Sextante, 2004, cap. 2 Uma Cosmoviso Ecolgica: a narrativa atual. 24 Na cosmologia antiga, a figura ilustrativa a pirmide e na moderna, o relgio. Cf. referncia nota 22.
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Podemos sinteticamente falar de quatro maneiras de entender ecologia. A
primeira, a ecologia ambiental, que trata da relao entre ser humano e meio ambiente.
A segunda, a ecologia social, que trata da relao entre os seres humanos dentro das
relaes com o ambiente (por exemplo: a questo do acesso aos recursos naturais, a
desigualdade scio-econmica). A terceira, a ecologia mental, que trata da natureza tal
como representada no interior da mente sob forma de energias psquicas, smbolos,
arqutipos e padres de comportamento.
Todas essas trs maneiras so verdadeiras, mas mostram limites: esto na
lgica da relao do ser humano sobre a natureza ou podem apenas apaziguar a tenso
da relao humano-natureza. Elas deixam intocada a questo fundamental: o
paradigma-dominao.
Uma quarta forma chega ao cerne da questo: a ecologia radical, profunda ou
integral. No invalida as outras, porm discerne a grande questo, a crise do paradigma-
dominao, que se sustenta na premissa do progresso ilimitado, atingido por meio da
explorao da natureza e das pessoas, pautado na lgica do sobre. Essa ltima maneira
de percepo ecolgica proporciona uma nova lgica, a do junto natureza, aos seres e
s pessoas, postulando um novo paradigma: o paradigma-cuidado (vislumbra-se um
novo relacionamento para com o planeta e para com os outros humanos; uma nova
tica).
Ao se pensar na esteira da nova cosmologia, entende-se por que a ecologia seu
novo paradigma. Ecologia a relao, inter-ao e dialogao de todas as coisas
existentes (viventes ou no) entre si e com tudo o que existe, real ou potencial [...] A
questo ecolgica remete a um novo nvel de conscincia mundial: a importncia da
Terra como um todo, o bem comum como bem das pessoas, das sociedades e do
conjunto dos seres da natureza, o risco apocalptico que pesa sobre todo criado25. A
nova cosmologia e a ecologia lidam com o inter-retro-relacionamento de todas as
coisas, transmitem uma nova tica da realidade. Com um novo olhar, propiciam o
aparecimento de uma nova tica.
Como dialogam ecologia e teologia da libertao? preciso entender essa
imbricao, porque isso nos permite compreender a mudana de paradigma em L. Boff
e como a causa da teologia da libertao a defesa do direito dos pobres no
abandonada.
25 BOFF, L Ecologia, Mundializao, Espiritualidade. SP: tica, 1993, p. 15.
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Teologia da libertao e ecologia tm em comum as chagas provocadas por um
mesmo agressor. A teologia da libertao sofre a chaga da pobreza e misria de milhes
de excludos, que gritam por beleza, vida e liberdade. A ecologia, a chaga da agresso
sistemtica Terra. Ambas aspiram libertao. A teologia da libertao, atravs dos
pobres conscientizados e articulados com seus aliados contra a pobreza; a ecologia, por
via de uma nova aliana do ser humano com a Terra, baseada na fraternidade/sororidade
(no respeito ao outro e na percepo de que tudo e todos so integrantes de uma mesma
histria e de uma mesma comunidade). So dois gritos por liberdade.
Teologia da libertao e ecologia so vtimas de uma mesma lgica predatria: o
paradigma-dominao, fundamentado na explorao, na busca a todo custo do lucro, da
transformao de todas as coisas em mercadoria e da no-centralidade da pessoa e da
natureza. Os gritos possuem uma mesma raiz e para que sejam curadas as chagas
preciso uma libertao integral. A ecologia social estabelece um ponto de encontro
entre a teologia da libertao e a ecologia, ao mostrar a necessidade de uma tica
mnima (justia social) para que se tenha uma justia ecolgica (nova aliana com a
Terra).
A teologia da libertao, apesar de no ter nascido da preocupao com a Terra,
mas com os pobres e explorados (o pobre econmico, o negro, o ndio, a mulher, as
minorias), descobre uma nova dimenso do pobre a Terra e todos os demais seres .
A centralidade no est mais no pobre socioeconmico, poltico, cultural, tnico,
feminino [...] mas no grande pobre que a Terra [...]. Na opo original pelos pobres
deve entrar, primeiramente, o grande pobre que a Terra e a humanidade, base que,
garantida, possibilita ento colocar a questo do futuro dos pobres e condenados da
Terra26.
Para finalizar toda essa temtica de uma nova cosmologia, do paradigma
ecolgico e de suas implicaes para a teologia da libertao, necessrio salientar a
lgica que sustenta esse novo olhar. A lgica prpria compreenso da nova imagem da
realidade a dialgica ou pericortica. Ela engloba e vai alm das demais lgicas
(identidade, diferena, dialtica, complementariedade/reciprocidade), coloca tudo em
dilogo em todas as direes e momentos (holismo), uma atitude a mais inclusiva
possvel e menos produtora de vtimas. Representa a lgica mesma do universo em que
26 BOFF, L. tica e Eco-espiritualidade. Campinas, SP: Verus Editora, 2003, cap. 4 Nova cosmologia e teologia da libertao, p. 44.
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[...] tudo interage com tudo em todos os pontos e em todas as circunstncias27, em que
h uma circularidade e uma incluso de todas as relaes e de todos os seres
relacionados. Uma lgica mais complexa e por isso mais completa. Tal concepo est
presente na relao entre as trs pessoas da Trindade Pai, Filho, Esprito Santo ,
pericrese em linguagem teolgica. Graas a essa lgica, aprendemos que todas as
prticas que ligam humanos e natureza, das ditas primitivas (magia, religiosa, xamnica,
alquimia) at a cincia, revelam o dilogo entre o ser humano e o seu entorno e todas as
prticas tm uma verdade a testemunhar28.
4) tica
Tivemos at o momento um novo olhar sobre o ser humano e o universo.
Antropologia, ontologia e nova cosmologia expuseram dimenses novas, histricas e
dialogantes. Esses olhares nos apontam para um novo agir, agora sob um paradigma
diferente, o ecolgico. Explicitemos como se configura a nova tica engendrada por
essa nova viso.
Distingamos os termos tica e moral, para a questo ficar bem colocada. tica
significa o conjunto de princpios e valores inspiradores que nos orientam, est
ancorado em nossa humanidade e vlido para todos os seres humanos,
independentemente de raa, gnero, nacionalidade, idade, etc. Retomando-se o sentido
grego de ethos como morada, casa, a tica entendida existencialmente [...] como
o modo de o ser humano habitar, como forma de organizar a vida em famlia29. Moral
se refere ao conjunto de preceitos e normas concretas que organizam a vida de pessoas,
comunidades e sociedades, varia de acordo com as tradies culturais. tica nica,
morais so vrias. Leonardo Boff utiliza a seguinte metfora: a tica diz respeito nossa
casa, nossa morada, j a moral tem a ver com as mltiplas maneiras de se organizar a
casa, os muitos estilos gtico, neoclssico, barroco etc. . A tica trata da forma de
preservarmos, cuidarmos de nossa casa comum, para que ela se torne habitvel, limpa,
27 BOFF, L. Ecologia: Grito da Terra, Grito dos Pobres. RJ: Sextante, 2004, cap. 1 A Era Ecolgica, p. 44. 28 Condensamos a explicao a fim de ser possvel uma viso ampla. Maiores detalhes so encontrados em: tica e Eco-espiritualidade (cap. 4 Nova cosmologia e teologia da libertao ); Ecologia: Grito da Terra, Grito dos Pobres (em especial o cap. 1 A Era Ecolgica: a volta Terra como ptria/mtria comum, cap. 2 Uma Cosmoviso Ecolgica: a narrativa atual, cap. 5 Teologia da libertao e Ecologia: alternativa, confrontao ou complementariedade?); Ecologia, Mundializao, Espiritualidade (toda Primeira Parte); Refundao da dignidade humana a partir da nova cosmologia (artigo). 29 BOFF, L. tica e Eco-espiritualidade. Campinas, SP: Verus Editora, 2003, cap. 1 Que significa tica e moral?, p. 11.
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um lugar saudvel e acolhedor. A moral dirige concretamente nosso modo de tornar a
casa habitvel, mas os modos podem ser diversos, temporrios, contanto que no se v
de encontro habitabilidade.
Estamos numa nova fase que a cosmologia j explicitou , a planetria. Nossas
aes devem ser pautadas com a conscincia de que o agir no apenas local, mas
ganha dimenses globais. Uma tica global exige uma tica global. At o momento
houve o predomnio das morais prprias de cada cultura e regio. Todas elas nasceram
da reflexo sobre o ethos (tica), que universal. As morais no ficam invalidadas a
partir do horizonte global porque determinam valores e condutas, embora sejam
limitadas ao regional e cultural. Faz-se mister uma tica comum, um consenso mnimo
no qual todos se possam encontrar. E, ao mesmo tempo, respeitar as maneiras diferentes
como os povos organizam a tica [...]30. A tica e as morais devem servir vida,
convivncia humana e preservao [...] da Terra31. Para garantir esse novo ethos,
precisamos assumir a perspectiva da globalidade apresentada pela nova cosmologia: a
inter-retro-conexo de todas as coisas e a Terra como planeta fsico, biosfera e
humanidade, totalidade fsico-qumica, biolgica, socioantropolgica e espiritual, una e
complexa nossa casa comum.
Precisamos de uma tica mnima, com viso holstica (paradigma ecolgico),
que integre e considere a dinmica e a interdependncia entre pobreza, degradao
ambiental, injustia social, conflitos tnicos, poltica e crise espiritual. E as diversas
morais, apesar de diferentes, precisam ter como referncia, como guia de organizao,
essa base comum. Qual essa tica?
A tica do cuidado esse consenso mnimo. O cuidado para com os pobres e o
grande pobre, a Terra, surge como novo paradigma. Ao paradigma-dominao, vigente
at o presente, responsvel pela expoliao da natureza e de 2/3 da humanidade, que se
deixa conduzir pela idia de conquista e progresso ilimitado contrape-se, atravs do
surgimento de um novo olhar, o paradigma-cuidado. O cuidado est presente na
cosmognese e na biognese todo o encadeamento que possibilitou nossa existncia
foi permeado de um singelo cuidado ; representa nossa atitude de respeito e
preservao da Terra e de toda vida (incluindo a vida dos pobres); desvela as dimenses
de preocupao e afeto para com o outro; instaura uma nova lgica das relaes, no
30 BOFF, L. tica e Eco-espiritualidade. Campinas, SP: Verus Editora, 2003, cap. 1 Que significa tica e moral?, p. 13.
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significa mais falar sobre mas a partir do cuidado, no um estar sobre as coisas, porm
junto a elas.
O mito do cuidado32 revela como o cuidado uma dimenso ontolgica do ser
humano. E a histria do universo e da vida mostram como tudo foi se criando permeado
por um fino cuidado, de modo que o universo no se expandisse demais ou se retrasse,
devido um equilbrio delicado de suas foras constituidoras, e como a vida, para surgir,
necessitou e necessita de um mnimo de cuidado para que se torne possvel.
dessa tica do cuidado essencial que precisamos em nossos dias. O modo de
ser cuidado se identifica com o modo de vida sustentvel, que supe [...] outra forma
de conceber o futuro comum da Terra e da humanidade e, por isso, demanda uma
verdadeira revoluo nas mentes e nos coraes, nos valores e nos hbitos, nas formas
de produo e de relacionamento com a natureza33. Demanda uma nova maneira de ser
do humano no mundo. Quais as caractersticas dessa nova forma de ser?
O ser humano apresenta duas formas de ser no mundo: trabalho e cuidado. O
modo de ser trabalho interventor, age sobre as coisas, modifica-as, cria um hbitat
prprio, introduz novas realidades (edifcios, cidades etc.), plasma a si e natureza,
exige objetividade, utilitrio, racional-intrumental. Com o trabalho abriu-se o
caminho para vontade de poder e dominao sobre a natureza, as pessoas. A atitude de
trabalho-poder corporifica o masculino, dimenso que compartimenta para conhecer e
subjugar. O outro modo de ser no se ope ao trabalho, mas lhe confere nova
tonalidade, v a natureza e as pessoas no como objeto para agir, intervir sobre, mas
como sujeitos, valores e smbolos que remetem a uma Realidade fontal. O modo de ser
cuidado expressa a inter-ao e comunho, um estar junto com. Guia-se pela lgica da
complexidade e relacionalidade das coisas, por uma afetuosidade, um sentir-se re-ligado
a tudo e a todos, pertencentes a uma mesma Totalidade. Essa atitude corporifica o
feminino, d vazo ternura, ao pathos, ao esprito de fineza.
O desafio combinar trabalho e cuidado. Eles no se opem, mas se compem.
Limitam-se mutuamente e ao mesmo tempo se completam34. Juntos, formam a
integralidade humana.
31 BOFF, L. tica e Eco-espiritualidade. Campinas, SP: Verus Editora, 2003, cap. 1 Que significa tica e moral?, p. 14. 32 O mito e seu comentrio pormenorizado podem ser conferidos no livro BOFF, L. Saber Cuidar. tica do humano compaixo pela Terra. Petrpolis: Vozes, 1999. 33 BOFF, L. tica e Eco-espiritualidade. Campinas, SP: Verus Editora, 2003, p. 25. 34 BOFF, L. Saber Cuidar. tica do humano compaixo pela Terra. Petrpolis: Vozes, 1999, p. 97.
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Percebe-se, portanto, a necessidade de resgate do feminino para a constituio de
uma tica mnima. Isso se faz no s com a incorporao da mulher nos postos de
reflexo e poder poltico de deciso, ou com a recuperao da imagem da Terra como
Gaia, Grande-Me. A recuperao do feminino est ligada volta da centralidade do
pathos, de uma tica do sentir. tica que no desconsidera o logos, mas toma o pathos
como originrio. A nfase no est no logos, mas no pathos. No sentir-se parte de um
todo ligado e re-ligado, envolvendo ser humano e natureza, humano e Deus.
A Carta da Terra35 um exemplo de orientao, sob o novo paradigma-
cuidado, de uma compreenso holstica da realidade. Seus princpios e valores ticos
so representativos dessa nova conscincia, do novo olhar. Poderamos resumi-los
transcrevendo os quatro pontos gerais da Carta: 1) Respeito e cuidado pela comunidade
da vida; 2) Integridade ecolgica; 3) Justia social e econmica; 4) Democracia, no-
violncia e paz. A Carta mostra as relaes entre ser humano e natureza, as imbricaes
sociais e polticas dessa relao, v a Terra como uma totalidade, possui a conscincia
da gravidade da atual situao, supera o conceito de desenvolvimento sustentvel
agora na tica da sustentabilidade e lana luz para o estabelecimento de uma nova
relao.
Logo, o cuidado aparece como uma tica mnima e universal, capaz de criar um
novo modo de ser do humano. O feminino, a ternura, a compaixo e o sentir so
condies bsicas para a manifestao dessa nova tica. Ajudam a reequilibrar a
dimenso exacerbada do masculino, do vigor, do trabalho, da racionalidade.
Tentamos traar de maneira mais esquemtica possvel os principais pontos da
tica em L. Boff. Muitos outros pontos e questes no foram tratados ou mereceriam
maior detalhe. Mesmo assim esperamos ter conseguido uma exposio abrangente e
clara36.
5) Mstica
Como pensar a mstica e a espiritualidade no contexto da nova cosmologia?
Qual a importncia da mstica para a tica? H uma ligao entre a crise ecolgica e a
mstica?
35 A Carta da Terra em sua ntegra e seu comentrio por L. Boff podem ser vistos em tica e Eco-espiritualidade. Campinas, SP: Verus Editora, 2003, caps. 2 e 3. 36 Alm dos livros j citados anteriormente, gostaramos de indicar para essa temtica: Saber Cuidar; tica e Moral; Ethos Mundial; A voz do arco-ris.
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Primeiro definamos o que significam mstica e espiritualidade.
Espiritualidade o sentimento de re-ligao do ser humano com o cosmos e os outros
seres, numa atitude que capta um fio condutor que perpassa todo o existente. Esse fio
recebe inmeros nomes (Deus, Luz, Mistrio, Tao etc.). Mstica aquela forma de ser
e de sentir que acolhe e interioriza experencialmente esse Mistrio sem nome [esse fio
condutor] e permite que ele impregne toda a existncia37.
Mstica e espiritualidade no fundo so a mesma coisa, pois so formas de sentir,
perceber e viver o mistrio de maneira que nos notamos re-ligados ao Todo, sentindo-
nos com as coisas e no sobre as coisas. Nesse ponto entrevemos a relao entre
mstica/espiritualidade e nova cosmologia. Do novo olhar sobre a realidade nasce a
percepo da inter-retro-conexo de tudo com tudo, da re-ligao entre todas as coisas.
A cosmologia se avizinha da mstica/espiritualidade j que estas, a partir do corao, do
sentimento, da percepo do grande organismo csmico perpassado por uma Realidade
plena possuem a intuio do inter-retro-relacionamento de tudo com tudo desvendado
pela cincia. Ambas, nova cosmologia e mstica/espiritualidade, participam da crtica ao
mesmo paradigma o paradigma-dominao e revelam a crise do sentido fundamental
de nosso sistema de vida, de nosso modelo de sociedade e de desenvolvimento que se
apia no poder como dominao e na irresponsabilidade no trato com a natureza e as
pessoas.
verdade que a mstica tem origem em um contexto religioso ligado aos ritos de
iniciao. Mas no constitui privilgio de alguns poucos iniciados. No sentido religioso
de mstica todos podem ter acesso a essa experincia, desde que captem o outro lado das
coisas e se sensibilizem diante do universo em sua grandiosidade, complexidade e
harmonia e diante do outro. Para isso no so necessrios vises e fenmenos
extraordinrios, basta ter a sensibilidade para perceber a sacramentalidade das coisas
tal experincia pode ocorrer atravs de um sorriso de criana, de um rosto sofrido de um
campons explorado, por exemplo.
Entretanto, h um sentido de mstica que no invalida o sentido religioso,
apenas desvela outra face da experincia do mistrio capaz de abarcar at mesmo os
no-crentes. O sentido sociopoltico se relaciona com a tica e demonstra a importncia
da mstica.
37 BOFF, L. Ethos Mundial. Um consenso mnimo entre os humanos. RJ: Sextante, 2003, p. 102.
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Para uma tica no se tornar endurecida e passar a ser um mero moralismo
preciso uma mstica. Um conjunto de convices fortes, vises grandiosas e
apaixonadas capazes de mobilizar as pessoas e os movimentos na esperana da
mudana, apesar de todos os possveis fracassos, aquilo que d sentido a uma causa.
A mstica , pois, o motor secreto de todo compromisso, aquele entusiasmo que anima
permanentemente o militante, aquele fogo interior que alenta as pessoas na monotonia
das tarefas cotidianas e, por fim, permite manter a soberania e a serenidade nos
equvocos e nos fracassos. a mstica que nos faz antes aceitar uma derrota com honra
que buscar uma vitria com vergonha, porque fruto da traio aos valores ticos e
resultado das manipulaes e mentiras38.
Nova cosmologia, tica e mstica se entrelaam. A tica nasce de um novo olhar
(cosmologia), a nova viso se aproxima da mstica as duas tm a mesma percepo da
Totalidade e criticam o paradigma-dominao. A mstica, por sua vez, impede que a
tica se degenere num cdigo de preceitos.
Um ltimo ponto deve ser analisado. Para L. Boff, a raiz ltima da crise
ecolgica reside em um problema espiritual: a ruptura, promovida pelo ser humano, da
re-ligao bsica com o universo e com o Criador, que a tradio crist denomina
pecado original. Isso acontece com a instaurao do antropocentrismo, quando O ser
humano, no af de assegurar a vida, sua reproduo [...]39 coloca tudo e todos em
funo de si. A autocentrao rompe com a estrutura de ligao e re-ligao entre todas
as coisas, porque o ser humano no aceita o processo evolucionrio, aberto, em
transformao e que inclui a morte como integrante de uma totalidade maior. O medo
da morte o desejo de imortalidade promove a ruptura e configura a atitude anti-
ecolgica. Para ser sanada, tal crise demanda uma espiritualidade assentada numa nova
viso (do inter-retro-relacionamento de tudo com tudo) e num sentimento de re-ligao
do ser humano com a Terra e os outros seres. Essa espiritualidade testemunhada
historicamente pelas tradies religiosas e espirituais permite perceber a integralidade
da vida, a morte como fazendo parte do processo evolutivo. Abre-nos um horizonte de
esperana em que vige uma profunda confraternizao e aliana entre o ser humano, a
natureza e a divindade40.
38 BOFF, L., BETTO, Frei. Mstica e Espiritualidade. RJ: Rocco, 1999, p. 25. 39 BOFF, L. Ecologia: Grito da Terra, Grito dos Pobres. RJ: Sextante, 2004, p. 120. 40 Pode-se aprofundar nesta temtica por meio dos seguintes textos (alguns j citados): Ecologia: Grito da Terra, Grito dos Pobres (cap. 3 A crise ecolgica: a perda da re-ligao e cap. 10 Ecoespiritualidade: sentir, amar e pensar como Terra); tica e Eco-espiritualidade (cap. 5 Eco-espiritualidade: ser e sentir-
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6) Consideraes finais
Procuramos mostrar panoramicamente os principais aspectos, sob um recorte
filosfico, do pensamento de Leonardo Boff. Como a inteno era fazer uma
apresentao curta e que servisse de incentivo leitura dos textos do prprio autor
estudado e tambm de um guia didtico que auxiliasse na pesquisa de uma das cinco
temticas abordadas, foi impossvel um maior aprofundamento das questes, alm de ter
sido inevitvel deixar vrios pontos por tratar. Estimamos que, a despeito das inmeras
lacunas e da extrema conciso, tenha sido possvel ao leitor obter um quadro geral do
pensamento boffiano, estimulando-o a pensar sob uma nova tica e incentivando-o
leitura das fontes primrias.
A nosso ver, Leonardo Boff um dos pensadores brasileiros atuais mais
interessantes e instigantes. As caractersticas de seu pensamento aberto, dialogante,
plural so um instrumento precioso para se pensar e atuar no mundo hoje.
Poderamos frisar, para finalizar, o seguinte ponto: as possibilidades para o
pensamento e a ao. Os vrios temas apresentados por Leonardo nos oferecem um
manancial de indagaes e apontam para possveis solues de problemas graves de
nossa atual sociedade: ecologia, discriminao, educao para a paz, dilogo ecumnico
etc. Trabalhar seu pensamento num horizonte que reflita a preocupao central com o
outro (Terra, seres humanos), a construo e re-descoberta de outras imagens de Deus,
capazes de colocar em dilogo crentes de vrias denominaes, crentes e no-crentes, a
importncia da transparncia, categoria que pode nos mostrar facetas novas do mundo,
dos sentimentos (como saudade e ternura), pode nos fornecer novos caminhos para a
tica e a poltica, dimenses essenciais para nossa atual fase planetria. Numa poca
tomada pelo imobilismo e pela falsa certeza do fim da histria, seu pensamento uma
das luzes que podem orientar nossas idias e, principalmente, nossas prticas.
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