Lenine - Relatório Sobre a Revolução de 1905

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Lenine: Relatório sobre a Revolução de 1905 http://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/01/22.htm[26/05/2011 12:24:41] MIA > Biblioteca > Lénine > Novidades Relatório Sobre a Revolução de 1905 V. I. Lenine 22 de Janeiro de 1917 Escrito: Relatório lido por Lenine em 22 de Janeiro de 1917, na Casa do Povo de Zurique, perante uma reunião de jovens operários suíços. Primeira Edição: Pravda, 22 de Janeiro de 1925. Fonte da Presente Tradução: Lenine, Oeuvres, tomo 23, pp. 259-277. Éditions du Progrès, Moscovo, 1974. Tradução para o português: José André Lôpez Gonçâlez. HTML: Fernando A. S. Araújo, maio de 2007 . Direito de Reprodução: A cópia ou distribuição deste documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License. Jovens amigos e camaradas, Comemoramos hoje o décimo segundo aniversário do “ Domingo sangrento”, considerado com toda a justeza como o início da revolução russa. Milhares de operários, não social-democratas, mas crentes, súbditos fiéis do czar, conduzidos pelo padre Gapone, encaminharam-se de todos os pontos da cidade para o centro da capital, em direcção à praça do Palácio de Inverno, para entregar uma petição ao czar. Os operários caminham com ícones, e Gapone, o seu chefe na ocasião, tinha escrito ao czar dando-se como garante da sua segurança pessoal e pedindo-lhe que se apresentasse perante o povo. A tropa foi alertada. Ulanos e cossacos carregam sobre a multidão com armas brancas; disparam contra os operários desarmados que ajoelhados suplicam aos cossacos que lhes permitam aproximar-se do czar. Segundo os relatórios da polícia, houve nesse dia mais de um milhar de mortos e mais de dois mil feridos. A indignação dos operários foi indescritível. É este, em grandes linhas, o quadro do dia 22 de Janeiro de 1905, o “Domingo sangrento”. A fim de melhor realçar o alcance histórico deste acontecimento, citarei algumas passagens da petição dos operários. Começa com estas palavras: “Nós, operários, habitantes de Petersburgo, dirigimo-nos a Ti. Somos escravos miseráveis, humilhados; somos subjugados pelo despotismo e o arbítrio. Com a paciência esgotada, cessámos o trabalho e pedimos aos

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Revolução Russa e os relatório de Lênin

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    http://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/01/22.htm[26/05/2011 12:24:41]

    MIA > Biblioteca > Lnine > Novidades

    Relatrio Sobre a Revoluo de 1905

    V. I. Lenine

    22 de Janeiro de 1917

    Escrito: Relatrio lido por Lenine em 22 de Janeiro de 1917, na Casa do Povo de Zurique, perante uma reunio de jovens operrios suos. Primeira Edio: Pravda, 22 de Janeiro de 1925. Fonte da Presente Traduo: Lenine, Oeuvres, tomo 23, pp. 259-277. ditions du Progrs, Moscovo, 1974. Traduo para o portugus: Jos Andr Lpez Gonlez. HTML: Fernando A. S. Arajo, maio de 2007 . Direito de Reproduo: A cpia ou distribuio deste documento livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License.

    Jovens amigos e camaradas,

    Comemoramos hoje o dcimo segundo aniversrio do Domingo sangrento, considerado com toda a justeza como o incio da revoluo russa.

    Milhares de operrios, no social-democratas, mas crentes, sbditos fiis do czar, conduzidos pelo padre Gapone, encaminharam-se de todos os pontos da cidade para o centro da capital, em direco praa do Palcio de Inverno, para entregar uma petio ao czar. Os operrios caminham com cones, e Gapone, o seu chefe na ocasio, tinha escrito ao czar dando-se como garante da sua segurana pessoal e pedindo-lhe que se apresentasse perante o povo.

    A tropa foi alertada. Ulanos e cossacos carregam sobre a multido com armas brancas; disparam contra os operrios desarmados que ajoelhados suplicam aos cossacos que lhes permitam aproximar-se do czar. Segundo os relatrios da polcia, houve nesse dia mais de um milhar de mortos e mais de dois mil feridos. A indignao dos operrios foi indescritvel.

    este, em grandes linhas, o quadro do dia 22 de Janeiro de 1905, o Domingo sangrento.

    A fim de melhor realar o alcance histrico deste acontecimento, citarei algumas passagens da petio dos operrios. Comea com estas palavras:

    Ns, operrios, habitantes de Petersburgo, dirigimo-nos a Ti. Somos escravos miserveis, humilhados; somos subjugados pelo despotismo e o arbtrio. Com a pacincia esgotada, cessmos o trabalho e pedimos aos

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    nossos patres que nos dessem pelo menos aquilo sem o qual a vida nopassa de uma tortura. Mas isso foi-nos recusado; dizem os industriais que no est conforme com a lei. Somos milhares e, tal como todo o povo russo, estamos privados de todos os direitos humanos. Os Teus funcionrios reduziram-nos escravatura.

    A petio enumera as seguintes reivindicaes: amnistia, liberdades cvicas, salrio normal, entrega progressiva da terra ao povo, convocao de uma Assembleia Constituinte eleita por sufrgio universal e igual. Termina com estas palavras:

    Senhor! No recuses ajudar o Teu povo! Derruba a muralha que Te separa do Teu povo! Ordena que seja dada satisfao aos nossos pedidos, ordena- o publicamente e tornars a Rssia feliz; se no, estamos prontos a morrer aqui mesmo. S temos dois caminhos: a liberdade e a felicidade ou o tmulo.

    Causa uma impresso estranha ler hoje esta petio de operrios incultos e iletrados, conduzidos por um padre patriarcal. No podemos deixar de traar um paralelo entre esta petio ingnua e as actuais resolues de paz dos social- pacifistas; isto , de pessoas que querem ser socialistas, mas que no passam de tagarelas burgueses. Os operrios pouco conscientes da Rssia de antes da revoluo no sabiam que o czar era o chefe da classe dominante, mais precisamente a dos grandes proprietrios fundirios, j associados grande burguesia por milhares de laos e prontos a defenderem pela violncia, por todos os meios, o seu monoplio, os seus privilgios e os seus lucros. Nos nossos dias, os social-pacifistas que pretendem passar por gente altamente cultivada sem ironia! ignoram que to tonto esperar uma paz democrtica dos governos burgueses que levam a cabo uma guerra imperialista de rapina, como o seria acreditar que peties pacficas pudessem incitar o czar sangrento a conceder reformas democrticas.

    No entanto, existe entre eles uma grande diferena: que os social-pacifistas de hoje so em larga medida hipcritas que procuram, por via de sugestes discretas, desviar o povo da luta revolucionria; enquanto os operrios incultos da Rssia de antes da revoluo provaram pelos seus actos a rectido de gente despertada pela primeira vez para a conscincia poltica.

    E precisamente neste despertar de imensas massas populares para a conscincia poltica e para a luta revolucionria que reside o alcance histrico do 22 de Janeiro de 1905.

    Na Rssia ainda no existe povo revolucionrio, escrevia, dois dias antes do Domingo sangrento, Piotr Struv que era ento o lder dos liberais russos e que publicava um rgo ilegal, livre, editado no estrangeiro. To absurda parecia a este chefe dos reformistas burgueses altamente cultivado, presunoso e arqui-estpido, a ideia de um pas de camponeses iletrados poder gerar um povo revolucionrio! To profundamente convictos estavam os reformistas de ento tal como os dos nossos dias da impossibilidade de uma verdadeira revoluo!

    Antes do 22 de Janeiro (9 de Janeiro do antigo calendrio) de 1905, o partido

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    revolucionrio da Rssia agrupava um punhado de gente; os reformistas de ento(tal como os dos nossos dias) apelidavam-nos por desdm uma seita. Algumascentenas de organizadores revolucionrios, alguns milhares de membros deorganizaes locais, uma meia dzia de folhas revolucionrias distribudas no mximouma vez por ms, publicadas as mais das vezes no estrangeiros e introduzidasclandestinamente na Rssia ao preo de dificuldades incrveis e de grandes sacrifcios eis o que eram, na vspera do 22 de Janeiro de 1905, os partidos revolucionriosda Rssia, e acima de tudo a social-democracia revolucionria,. Aparentemente, istodava aos reformistas tacanhos e pretensiosos o direito de afirmar que no existiaainda povo revolucionrio na Rssia.

    Mas, em poucos meses, as coisas mudaram completamente. As centenas desocial-democratas revolucionrios passaram subitamente a milhares, e estesmilhares tornaram-se chefes de dois a trs milhes de proletrios. A luta proletriasuscitou uma grande efervescncia, at mesmo em parte um movimentorevolucionrio, no fundo da massa de cinquenta a cem milhes de camponeses; omovimento campons teve repercusso no exrcito e deu origem a revoltas militares,a choques armados entre as tropas. Assim um imenso pas com 130 milhes dehabitantes entrou na revoluo; assim a Rssia adormecida se tornou a Rssia doproletariado revolucionrio e do povo revolucionrio.

    necessrio estudar esta transformao, compreender o que a tornou possvel,analisar, digamos, as suas modalidades e as suas vias.

    A greve de massa foi o seu agente mais poderoso. A originalidade da revoluorussa est em que foi democrtico-burguesa pelo seu contedo social, mas proletriapelos seus meios de luta. Foi uma revoluo democrtica burguesa porque o fim aque aspirava no imediato e que podia alcanar no imediato, pelas suas prpriasforas, era a repblica democrtica, a jornada de oito horas, a confiscao dasimensas propriedades fundirias da alta nobreza, tudo medidas realizadas quaseinteiramente pela revoluo burguesa em Frana em 1792 e 1793.

    Mas a revoluo russa foi em simultneo uma revoluo proletria, no s porqueo proletariado era ento a fora dirigente, a vanguarda do movimento, mas tambmporque o instrumento de luta especfico do proletariado, a greve, constituiu aalavanca principal para pr em movimento as massas e o facto mais caracterstico davaga crescente dos acontecimentos decisivos.

    Na histria mundial, a revoluo russa a primeira mas decerto no a ltima grande revoluo onde a greve poltica de massas desempenhou um papelextremamente importante. Podemos mesmo afirmar que as peripcias de revoluorussa e a sucesso das suas formas polticas s se compreendem se se estudar a suabase, segundo a estatstica das greves.

    Conheo bem a que ponto a aridez das estatsticas se presta pouco a umaconferncia, a que ponto pode desencorajar os assistentes. Mas no posso deixar decitar alguns nmeros redondos, que vos permitam uma apreciao sobre a verdadeirabase objectiva de todo o movimento. O nmero mdio anual de grevistas na Rssia,durante os dez anos que precederam a revoluo, foi de 43 000. Houve portanto no

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    total 430 000 grevistas durante os dez anos que antecederam a revoluo. EmJaneiro de 1905, primeiro ms da revoluo, contaram-se 440 000 grevistas. Ouseja, em apenas um ms, mais do que durante os dez anos anteriores!

    Nenhum pas capitalista do mundo, mesmo entre os mais avanados, como aInglaterra, os Estados Unidos da Amrica ou a Alemanha, conheceu um movimentogrevista to amplo como o da Rssia em 1905. O nmero total de grevistas foi de 2800 000, ou seja, o dobro do nmero total dos operrios industriais! Isto no provaevidentemente que, nas cidades da Rssia, os operrios industriais fossem maiscultos, mais fortes ou mais aptos para a luta que os seus irmos da EuropaOcidental. O contrrio que verdadeiro.

    Mas isto mostra a grandeza que pode ter a energia adormecida no seio doproletariado. Indica que numa poca revolucionria e afirmo-o sem o mnimoexagero, de acordo com os dados mais precisos fornecidos pela histria da Rssia oproletariado pode desenvolver uma energia combativa cem vezes mais intensa que onormal, em perodos de acalmia. Daqui sobressai que, at 1905, a humanidade nosabia ainda a fora enorme e grandiosa que o proletariado pode desenvolver, edesenvolver, quando se trata de lutar por um objectivo verdadeiramente sublime, deuma forma verdadeiramente revolucionria!

    A histria da revoluo russa indica-nos que foi precisamente a vanguarda, aelite dos operrios assalariados, que combateu com mais tenacidade e abnegao.Quanto maiores as fbricas, tanto mais obstinadas eram as greves, mais vezes serepetiam no decurso de um mesmo ano. Quanto mais importante a cidade, maisconsidervel era o papel do proletariado na luta. As trs grandes cidades onde osoperrios eram mais conscientes e mais numerosos, Petersburgo, Riga e Varsvia,fornecem, em relao totalidade dos operrios, um nmero incomparavelmentemais elevado de grevistas que todas as outras cidades, para no referir os campos.

    Os operrios metalrgicos representam na Rssia provavelmente como nosoutros pases capitalistas a vanguarda do proletariado. E a observamos o seguintefacto instrutivo: em 1905, para 100 operrios industriais, houve no conjunto daRssia 160 grevistas. Mas, nesse mesmo ano, cada centena de metalrgicos forneceu320 grevistas! Calcula-se que, em 1905, cada operrio industrial russo perdeu devidos greves uma mdia de 10 rublos cerca de 26 francos cotao de antes daguerra o que de alguma maneira representa o seu contributo para a luta. Setomarmos s os metalrgicos, a soma trs vezes superior! Os melhores elementosda classe operria marchavam cabea, arrastando os indecisos, despertando osadormecidos e galvanizando os fracos.

    O entrelaamento das greves econmicas com as greves polticas desempenhouum papel extremamente original durante a revoluo. No h dvidas de que apenasa mais estreita ligao entre estas duas formas de greve poderia garantir umagrande fora ao movimento. A massa dos explorados nunca poderia ter sidoarrastada para o movimento revolucionrio se no tivesse sob os olhos exemplosdirios a mostrar-lhe como os operrios assalariados de diversos ramos da indstriaobrigavam os capitalistas a melhorar, imediatamente, na hora, a sua situao.

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    Graas a esta luta, um esprito novo soprou por toda a massa do povo russo. Foi sento que a Rssia da servido, tolhida no seu torpor, a Rssia patriarcal, pia esubmissa, despiu a pele do homem velho, foi s ento que o povo russo recebeuuma educao verdadeiramente democrtica, verdadeiramente revolucionria.

    Quando esses senhores da burguesia e os seus lisonjeadores obtusos, osreformistas socialistas, falam com tanta suficincia da educao das massas,entendem vulgarmente com isso qualquer coisa de primrio, de pedante, quedesmoraliza as massas e lhes inculca preconceitos burgueses.

    A verdadeira educao das massas no pode nunca ser separada de uma lutapoltica independente, e sobretudo da luta revolucionria das prprias massas. S aaco educa a classe explorada, s ela lhe d a medida das suas foras, alarga o seuhorizonte, aumenta as suas capacidades, esclarece a sua inteligncia e tempera a suavontade. por isso que os prprios reaccionrios tiveram de reconhecer que o ano de1905, esse ano de combate, esse ano louco, enterrou definitivamente a Rssiapatriarcal.

    Examinemos mais de perto a relao entre os operrios metalrgicos e osoperrios txteis na Rssia durante as greves de 1905. Os primeiros so osproletrios mais bem remunerados, os mais conscientes e os mais cultos. Ossegundos, cerca de trs vezes mais numerosos na Rssia de 1905, constituem amassa mais atrasada, a mais mal paga, e que, com frequncia, no cortou aindadefinitivamente todos os seus laos com o campo. E a constatamos este facto muitoimportante: Entre os metalrgicos, as greves polticas suplantam as greveseconmicas durante todo o ano de 1905, ainda que no incio este predomnio tenhasido muito menos marcado do que no fim do ano. Em contrapartida, entre osoperrios txteis, observa-se no incio de 1905 a preponderncia considervel dasgreves econmicas, e apenas no fim do ano que as greves polticas acabam porprevalecer. Daqui decorre com toda a clareza que s a luta econmica, s a luta pelamelhoria imediata e directa da sua sorte pode sacudir as camadas mais atrasadas damassa explorada, educ-las verdadeiramente e, numa poca revolucionria, torn-lasem alguns meses num exrcito de combatentes polticos.

    Decerto era indispensvel para esse efeito que a vanguarda da classe operriano entendesse por luta de classes a luta pelos interesses de uma estreita camadasuperior, como os reformistas se esforaram muitas vezes por inculcar nos operrios,mas que o proletariado interviesse efectivamente enquanto vanguarda da maioria dosexplorados e os trouxesse para o combate, como foi o caso na Rssia em 1905 ecomo ser sem qualquer dvida no decurso da prxima revoluo proletria naEuropa.

    O incio do ano de 1905 trouxe a primeira grande vaga de greves por todo o pas.Desde a Primavera, assistimos na Rssia ao despertar do primeiro movimentocampons de vasta envergadura, movimento no apenas econmico, mas tambmpoltico. Para compreender toda a importncia desta viragem marcante, indispensvel recordar que o campesinato russo s foi libertado da servido, a maisdura que se imagina, em 1861, que os camponeses so na sua maioria iletrados e

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    vivem numa misria indescritvel, oprimidos pelos grandes proprietrios fundirios,embrutecidos pelos padres, isolados por distncias considerveis e pela quasecompleta falta de estradas.

    A Rssia conheceu pela primeira vez um movimento revolucionrio contra oczarismo em 1825, e esse movimento foi obra quase exclusiva da nobreza. Desdeento e at 1881, ano em que Alexandre II foi abatido por terroristas, os intelectuaisda classe mdia estiveram cabea do movimento. Deram provas do maior espritode sacrifcio e o seu herico modo de luta terrorista espantou o mundo inteiro.Decerto no caram em vo e o seu sacrifcio contribuiu, directamente ou no, para aeducao revolucionria posterior do povo russo. Mas no atingiram de modonenhum, nem podiam atingir, o seu objectivo imediato: o despertar de umarevoluo popular.

    S a luta revolucionria do proletariado o conseguiu. S as greves de massasdesencadeadas por todo o pas, conjugadas com as cruis lies da guerraimperialista russo-japonesa, arrancaram as massas camponesas sua letargia. Apalavra grevista adquiriu para os camponeses um significado completamente novo:designava uma espcie de rebelde, de revolucionrio, aquilo que outrora se exprimiapela palavra estudante. Mas, na medida em que o estudante pertencia classemdia, aos letrados, aos senhores, era estranho ao povo. Pelo contrrio, ogrevista provinha do povo, contava-se entre os explorados; expulso dePetersburgo, voltava frequentemente aldeia onde falava aos seus companheiros doincndio que estava a deflagrar na cidade e que devia destruir tanto os capitalistascomo os nobres. Um novo tipo de homem surgiu nos campos russos: o jovemcampons consciente. Estava em contacto com os grevistas, lia jornais, contavaaos camponeses o que se passava nas cidades, explicava aos companheiros da aldeiao alcance das reivindicaes polticas, chamava-os para a luta contra a grandearistocracia fundiria, contra os padres e os funcionrios.

    Os camponeses juntavam-se em grupos para examinar a sua situao eenvolviam-se pouco a pouco na luta: atacavam em multido os grandes proprietriosfundirios, incendiavam os seus palcios e domnios ou apoderavam-se das suasreservas, do trigo e outros vveres, matavam os polcias, exigiam que as terrasimensas pertencentes aos nobres fossem entregues ao povo.

    Na Primavera de 1905, o movimento campons era apenas embrionrio:estendia-se aproximadamente a um stimo dos distritos, ou seja uma minoria. Mas acombinao da greve proletria de massas nas cidades com o movimento camponsfoi suficiente para abalar o mais firme e o ltimo apoio do czarismo. Refiro-me aoexrcito.

    Estalam revoltas militares na marinha e no exrcito. Cada nova vaga de greves ede movimentos camponeses no curso da revoluo acompanhada de revoltasmilitares em toda a Rssia. A mais clebre destas revoltas a do couraado PrncipePotemkine da frota do Mar Negro, que, cado nas mos dos insurrectos, tomou partena revoluo em Odessa e, aps a derrota da revoluo e de tentativas infrutferas detomar outros portos (por exemplo Feodsia na Crimeia), se rendeu s autoridades

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    romenas em Constanza.

    Permitam-me que vos conte em pormenor um pequeno episdio desta rebelioda frota do Mar Negro para vos dar um quadro concreto dos acontecimentos no seuponto culminante:

    Organizvamos reunies de operrios e de marinheiros revolucionrios;tornaram-se cada vez mais frequentes. Como era proibido aos militaresassistirem s reunies dos operrios, estes comearam a comparecer emmassa nas dos militares. Juntavam-se aos milhares. A ideia de uma acocomum encontrou um enorme eco. As companhias mais conscienteselegeram delegados.

    As autoridades militares decidiram ento tomar medidas. Alguns oficiaistentaram pronunciar discursos patriticos nas reunies, mas osresultados foram desastrosos: experientes na discusso, os marinheirosobrigaram os seus superiores a uma fuga vergonhosa. Perante estesfracassos, decidiram uma interdio geral das reunies. Na manh de 24de Novembro de 1905, uma companhia em estado de alerta foi colocada porta da caserna. O contra-almirante Pissarevski ordenou publicamente:No deixar sair ningum da caserna! Atirar em caso de desobedincia! Omarinheiro Petrov saiu das fileiras da companhia que recebera esta ordem,carregou ostensivamente a sua espingarda, abateu com um tiro o segundocapito Stein, do regimento de Bielostok, e com um segundo tiro feriu ocontra-almirante Pissarevski. Um oficial ordenou: Prendam-no! Ningumse mexeu. Petrov atirou a espingarda para o cho e gritou: De que esto espera? Prendam-me! Foi preso. Vindos de todos os lados, osmarinheiros exigiram imperativamente a sua liberdade e declararamconstituir-se como cauo do colega. A excitao estava no seu cmulo.

    Petrov, perguntou um oficial, procurando uma sada para a situao, oteu tiro foi disparado por acaso, no foi?

    Como, por acaso! Sa da fileira, carreguei a arma e apontei, foi poracaso?

    Eles reclamam a tua liberdade...

    E Petrov foi posto em liberdade. Mas os marinheiros no se ficaram por a.Todos os oficiais de servio foram presos, desarmados e conduzidos paraos gabinetes... Os delegados dos marinheiros, cerca de quarenta,deliberaram toda a noite. Decidiram libertar os oficiais, mas proibiram-lhesa partir de ento o acesso caserna. . .

    Esta pequena cena ilustra da melhor maneira os acontecimentos tal qual sedesenrolaram na maior parte das revoltas militares. A efervescncia revolucionria dopovo no podia deixar de ganhar tambm o exrcito. Facto caracterstico: oselementos da marinha de guerra e do exrcito, recrutados sobretudo entre osoperrios da indstria e a quem era exigida uma slida formao tcnica, como os

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    sapadores por exemplo, forneceram chefes ao movimento. Mas as grandes massaseram ainda demasiado ingnuas, demasiado pacficas, demasiado plcidas,demasiado crists. Inflamavam-se facilmente; uma qualquer injustia, a grosseriademasiado flagrante dos oficiais, uma m refeio, etc., podiam provocar umarevolta. Mas faltavam-lhes a perseverana e a clara conscincia das tarefas: aindano compreendiam que s a mais enrgica luta armada, s a vitria sobre todas asautoridades militares e civis, s o derrube do governo e a tomada do poder em todoo pas, poderiam garantir o sucesso da revoluo.

    A grande massa dos marinheiros e dos soldados revoltava-se facilmente. Mascometia tambm facilmente a cndida tolice de devolver liberdade os oficiaispresos; deixava-se acalmar por promessas e exortaes das autoridades, que assimganhavam um tempo precioso, recebiam reforos e esmagavam os motins, aps oque o movimento era ferozmente reprimido e os seus chefes executados.

    particularmente interessante comparar os levantamentos militares da Rssia de1905 e a insurreio militar dos dezembristas em 1825. Em 1825 o movimentopoltico era quase exclusivamente dirigido por oficiais, mais precisamente por oficiaisnobres, ganhos pelas ideias democrticas da Europa durante as guerras napolenicas.A massa dos soldados, ento ainda formada por servos, era passiva.

    A histria de 1905 oferece-nos um quadro inteiramente diferente. Os oficiais,com poucas excepes, professavam ideias liberais burguesas, reformistas, ou entoabertamente contra-revolucionrias. Os operrios e os camponeses fardados foram aalma das insurreies; o movimento tornou-se popular. Pela primeira vez na histriada Rssia, abraava a maioria dos explorados. O que lhe faltou foi, por um lado, afirmeza, a resoluo das massas, demasiado sujeitas ao mal da confiana, e, poroutro, uma organizao dos operrios social-democratas revolucionrios fardados:estes no estavam em condies de assumir a direco do movimento, de se pr cabea do exrcito revolucionrio e desencadear a ofensiva contra as autoridadesgovernamentais.

    Refira-se, de passagem, que estas duas falhas sero eliminadas talvez maislentamente do que aquilo que desejamos, mas com certeza no s pela evoluogeral do capitalismo, mas tambm pela guerra em curso. . .

    De qualquer forma, a histria da revoluo russa, tal como a da Comuna de Parisde 1871, traz-nos um ensinamento indiscutvel: o militarismo nunca e em casoalgum pode ser vencido e abolido seno pela luta vitoriosa de uma parte do exrcitonacional contra a outra. No basta condenar, maldizer, repudiar o militarismo,critic-lo e mostrar a sua nocividade; estpido recusar pacificamente o serviomilitar; o que necessrio fazer manter alerta a conscincia revolucionria doproletariado e no apenas de uma forma geral, mas preparando concretamente osmelhores elementos do proletariado para tomarem a cabea do exrcitorevolucionrio no momento em que a efervescncia no seio do povo tenha atingido oponto culminante.

    A experincia quotidiana de qualquer Estado capitalista traz-nos o mesmoensinamento. Qualquer uma das pequenas crises que atravesse um desses Estados

    HerciE A PoeNo basta condenar, maldizer, repudiar o militarismo,critic-lo e mostrar a sua nocividade; estpido recusar pacificamente o serviomilitar;

    HerciE A PoeA experincia quotidiana de qualquer Estado capitalista traz-nos o mesmoensinamento. Qualquer uma das pequenas crises que atravesse um desses Estados

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    mostra-nos em miniatura os elementos e os embries dos combates queinelutavelmente tero lugar em vasta escala numa grande crise: O que , porexemplo, uma greve, seno uma pequena crise da sociedade capitalista? O ministrodo Interior da Prssia, von Puttkamer, no tinha razo quando pronunciava a suafrase memorvel: Qualquer greve oculta a hidra da revoluo? O recurso tropaquando das greves, em todos os pases capitalistas, e at mesmo, se possvel usareste termo, nos mais pacficos e nos mais democrticos, no nos ensina como sepassaro as coisas em perodos de crise verdadeiramente graves?

    Mas volto histria da revoluo russa.

    Tentei mostrar-vos de que maneira as greves agitaram todo o pas e as camadasmais vastas, as mais atrasadas dos explorados, como se desencadeou o movimentocampons, como foi acompanhado de levantamentos militares.

    O movimento atingiu o seu apogeu no curso do Outono de 1905. A 19 (6) deAgosto apareceu um manifesto do czar que anunciava a criao de uma assembleiarepresentativa. A Duma, dita de Buliguine, devia ser fundada nos termos de uma leieleitoral que s admitia um nmero irrisrio de eleitores e atribua a esteparlamento original direitos unicamente deliberativos, consultivos, mas nenhumdireito legislativo.

    Os burgueses, os liberais, os oportunistas estavam prontos para agarrar com asduas mos este presente do czar aterrado. Como todos os reformistas, os nossosreformistas de 1905 no podiam entender que existem situaes histricas nas quaisas reformas, e sobretudo as promessas de reformas, tm por nico objectivo acalmara efervescncia do povo e obrigar a classe revolucionria a cessar ou pelo menos aenfraquecer a sua aco.

    A social-democracia revolucionria da Rssia compreendeu muito bem overdadeiro carcter desta outorga de uma Constituio fantasma em Agosto de 1905.E foi por isso que lanou, sem qualquer hesitao, as palavras de ordem: Abaixo aDuma consultiva! Boicote da Duma! Abaixo o governo czarista! Continuao da lutarevolucionria para derrubar este governo! No o czar, mas um governorevolucionrio provisrio que deve convocar a primeira verdadeira assembleiarepresentativa do povo na Rssia!

    A histria deu razo aos social-democratas revolucionrios, porque a Duma deBuliguine no chegou a ser convocada. A tormenta revolucionria varreu-a antesmesmo da sua convocao e obrigou o czar a promulgar uma nova lei eleitoralaumentando sensivelmente o nmero de eleitores, e a reconhecer o carcterlegislativo da Duma.

    Em Outubro e Dezembro de 1905, a curva ascendente da revoluo russa atingiuo seu ponto mais alto. Todas as fontes de energia revolucionria do povo jorrarammais impetuosamente que nunca. O nmero de grevistas, que se elevava em Janeirode 1905, como referi, a 440 000, ultrapassou em Outubro de 1905 o meio milho(num nico ms, reparem!). Mas a este nmero, que s conta os operriosindustriais, deve juntar-se vrias centenas de milhares de ferrovirios, de

    HerciE A PoeLenine: Relatrio sobre a Revoluo de 1905http://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/01/22.htm[26/05/2011 12:24:41]mostra-nos em miniatura os elementos e os embries dos combates queinelutavelmente tero lugar em vasta escala numa grande crise: O que , porexemplo, uma greve, seno uma pequena crise da sociedade capitalista? O ministrodo Interior da Prssia, von Puttkamer, no tinha razo quando pronunciava a suafrase memorvel: Qualquer greve oculta a hidra da revoluo?

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    empregados dos correios, etc.

    A greve geral dos ferrovirios parou o trfego ferrovirio em toda a Rssia eparalisou seriamente as foras do governo. As portas das universidades abriram-se edas salas de conferncias, exclusivamente destinadas, em tempo de paz, intoxicao dos jovens espritos com a sabedoria professoral para fazer deles lacaiosdceis da burguesia e do czarismo, passaram a servir ento de salas de reuniespara milhares e milhares de operrios, de artesos e empregados, que a discutiamaberta e livremente questes polticas.

    A liberdade de imprensa foi conquistada com grande luta. A censura foi pura esimplesmente abolida. J nenhum editor ousava submeter s autoridades o exemplarobrigatrio previsto pela lei, e estas no ousavam reagir. Pela primeira vez nahistria da Rssia, jornais revolucionrios foram publicados sem entraves emPetersburgo e noutras cidades. S em Petersburgo eram editados trs dirios social-democratas com uma tiragem de 50 000 a 100 000 exemplares.

    O proletariado estava cabea do movimento. Propunha-se arrancar a jornadade oito horas pela via revolucionria. Em Petersburgo, a palavra-de-ordem era ento:A jornada de oito horas e armas! Tornou-se claro para um nmero semprecrescente de operrios que a sorte da revoluo no podia ser e no seria decididaseno atravs da luta armada.

    Uma organizao de massa com um carcter original foi formada no calor docombate: os clebres Sovietes de deputados operrios, assembleias de delegados detodas as fbricas. Em vrias cidades da Rssia, estes Sovietes de deputadosoperrios assumiram cada vez mais o papel de um governo revolucionrio provisrio,o papel de rgos e de guias dos levantamentos. Tentou-se criar Sovietes dedeputados de soldados e de marinheiros, e associ-los aos Sovietes de deputadosoperrios.

    Algumas cidades da Rssia tornaram-se ento minsculas repblicas locaisonde a autoridade do governo foi varrida e onde os Sovietes de deputados operriosfuncionavam realmente como um novo poder de Estado. Infelizmente, estes perodosforam demasiado breves, as vitrias demasiado fracas e demasiado isoladas.

    Durante o Outono de 1905 o movimento campons tomou propores aindamaiores. Mais de um tero dos distritos do pas foram ento teatro de perturbaesagrrias e de verdadeiros levantamentos de camponeses que incendiaram cerca de2000 propriedades e partilharam os bens arrancados ao povo pelos escroques danobreza.

    Infelizmente, esta aco foi muito superficial! Infelizmente, os camponeses sdestruram um quinze avos das propriedades, uma pequena fraco do que deveriamter destrudo para libertar definitivamente a terra russa dessa ignomnia que agrande propriedade fundiria feudal. Infelizmente, os camponeses agiram numaordem demasiado dispersa, no estavam suficientemente organizados nem eramsuficientemente combativos, e foi esta uma das razes essenciais da derrota darevoluo.

    HerciE A PoeA liberdade de imprensa foi conquistada com grande luta. A censura foi pura esimplesmente abolida.

    HerciE A Poeos clebres Sovietes de deputados operrios, assembleias de delegados detodas as fbricas.

    HerciE A PoeAlgumas cidades da Rssia tornaram-se ento minsculas repblicas locaisonde a autoridade do governo foi varrida e onde os Sovietes de deputados operriosfuncionavam realmente como um novo poder de Estado.

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    Um movimento de emancipao nacional sublevou os povos oprimidos da Rssia.Mais de metade, quase trs quintos (exactamente 57 por cento) dos povos do passofrem a opresso nacional, nem sequer tm o direito de falar livremente a sualngua materna, so russificados fora. Os muulmanos, por exemplo, que so naRssia dezenas de milhes, fundaram ento com uma prontido admirvel uma ligamuulmana; em geral, foi uma poca em que as mais diversas organizaes semultiplicaram prodigiosamente.

    Para dar particularmente aos jovens uma ideia da amplitude que tomou omovimento de emancipao nacional na Rssia de ento, em ligao com omovimento operrio, citarei este simples facto.

    Em Dezembro de 1905, em centenas de escolas, os estudantes polacosqueimaram todos os livros e quadros russos, tal como os retratos do czar; agredirame expulsaram das escolas os professores russos e mesmo os seus colegas russos aosgritos de: Vo-se embora, voltem para a Rssia! Os alunos das escolas secundriasda Polnia enunciaram, entre outras, as seguintes reivindicaes: 1) todas asescolas secundrias devem estar subordinadas ao Soviete dos deputados operrios;2) sero convocadas reunies de estudantes e operrios nas escolas; 3) osestudantes dos liceus estaro autorizados a vestir camisas vermelhas, para marcar asua adeso futura repblica proletria, etc.

    Quanto mais amplas se tornavam as ondas do movimento, mais energicamente areaco se armou para combater a revoluo. A revoluo russa de 1905 confirmou oque Karl Kautsky escreveu em 1902 no seu livro A Revoluo social (Kautsky, diga-sede passagem, era ainda ento um marxista revolucionrio e no, como hoje, umdefensor dos sociais-patriotas e dos oportunistas). Dizia: A prxima revoluoassemelhar-se- menos a um levantamento espontneo contra o governo e mais auma guerra civil de longa durao.

    E foi mesmo o que aconteceu! E assim ser certamente na prxima revoluo na Europa!

    O dio do czarismo voltou-se sobretudo contra os judeus. Por um lado, estes forneceram uma percentagem particularmente elevada (em relao ao nmero total da populao judaica) de dirigentes do movimento revolucionrio. Repare-se, a propsito, que tambm hoje o nmero de internacionalistas entre os judeus relativamente mais elevado do que entre os outros povos. Por outro lado, o czarismo sabia muito bem explorar os preconceitos mais infames das camadas mais incultas da populao contra os judeus para organizar, se no mesmo para dirigir ele prprio, pogromes (contaram-se ento em 100 cidades mais de 4000 mortos e mais de 10 000 mutilados), esses monstruosos massacres de judeus pacficos, das suas mulheres e crianas, essas abominaes que tornaram o czarismo to odioso aos olhos do mundo civilizado. Estou a referir-me naturalmente aos membros verdadeiramente democrticos do mundo civilizado, que so exclusivamente os operrios socialistas, os proletrios.

    Mesmo nos pases mais livres, mesmo nas repblicas da Europa Ocidental, a

    HerciE A PoeA prxima revoluoassemelhar-se- menos a um levantamento espontneo contra o governo e mais auma guerra civil de longa durao.

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    http://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/01/22.htm[26/05/2011 12:24:41]

    burguesia sabe muito bem associar as suas frases hipcritas contra as atrocidadesrussas s negociatas financeiras mais desavergonhadas, designadamente o apoiofinanceiro que concede ao czarismo e explorao imperialista da Rssia pelaexportao de capitais, etc.

    A revoluo de 1905 atingiu o seu ponto culminante aquando da insurreio deDezembro em Moscovo. Um pequeno nmero de insurrectos, operrios organizados earmados no eram mais de oito mil resistiu durante nove dias ao governo doczar. Este no se podia fiar na guarnio de Moscovo; pelo contrrio, teve de mant-la fechada, e foi s com a chegada do regimento Semionovski, chamado dePetersburgo, que pde reprimir o levantamento.

    A burguesia compraz-se em troar da insurreio de Moscovo e em qualific-la deartificial. Por exemplo, entre as publicaes alems ditas cientficas, existe umaobra volumosa sobre o desenvolvimento poltico da Rssia, escrita pelo professor MaxWeber que qualificou a insurreio de Moscovo de golpe. O grupo de Lenine escreveu aquele doutssimo professor e uma parte dos socialistas-revolucionriostinham preparado desde h muito esse levantamento insensato.

    Para apreciar com o devido valor esta sabedoria professoral da burguesiacobarde, basta recordar sem comentrios os nmeros da estatstica das greves. EmJaneiro de 1905, havia apenas 123 000 grevistas na Rssia lutando porreivindicaes puramente polticas; em Outubro, contavam-se 330 000, e o mximofoi atingido em Dezembro, quando, no espao de um ms, existiram 370 000grevistas por motivos estritamente polticos!

    Recordemos os progressos da revoluo, os levantamentos dos camponeses e asrevoltas militares e convencer-nos-emos de imediato de que o juzo sustentado pelacincia burguesa sobre a insurreio de Dezembro no apenas inepto, mas tambm um subterfugio por parte dos representantes da burguesia cobarde queencontra no proletariado o seu inimigo de classe mais perigoso.

    Na realidade, todo o desenvolvimento da revoluo russa conduziainelutavelmente a uma luta armada, decisiva, entre o governo do czar e a vanguardado proletariado consciente enquanto classe.

    J apontei, nas consideraes anteriores, em que consistiu a fraqueza darevoluo russa, a fraqueza que ocasionou a sua derrota temporria.

    Depois de sufocada a insurreio de Dezembro, a revoluo seguiu uma curvadescendente. Mas este perodo compreende, tambm, fases com o maior interesse;basta evocarmos as duas tentativas feitas pelos elementos mais combativos da classeoperria para pr fim ao recuo da revoluo e preparar uma nova ofensiva.

    Mas o tempo que me foi atribudo est quase esgotado e no quero abusar dapacincia dos meus ouvintes. Penso que j apontei na medida em que um temato vasto possa ser exposto com brevidade o essencial para a compreenso darevoluo russa: o seu carcter de classe e as suas foras motoras, os seus meios decombate.

    HerciE A PoeMaxWeber que qualificou a insurreio de Moscovo de golpe. O grupo de Lenine escreveu aquele doutssimo professor e uma parte dos socialistas-revolucionriostinham preparado desde h muito esse levantamento insensato.

    HerciE A Poeo seu carcter de classe e as suas foras motoras, os seus meios decombate

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    http://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/01/22.htm[26/05/2011 12:24:41]

    Limito-me a acrescentar algumas observaes sumrias sobre o alcance mundial da revoluo russa.

    Do ponto de vista geogrfico, econmico e histrico, a Rssia pertence no s Europa, mas tambm sia. Por isso vemos que a revoluo russa conseguiu no apenas retirar definitivamente do seu torpor o maior e mais atrasado pas da Europa e criar um povo revolucionrio conduzido por um proletariado revolucionrio. Isto no foi tudo. A revoluo russa tambm agitou toda a sia. As revolues da Turquia, da Prsia e da China mostram que a insurreio grandiosa de 1905 deixou marcas profundas e que inapagvel a sua influncia, manifestada no movimento ascendente de centenas e centenas de milhes de pessoas.

    Indirectamente, a revoluo russa tambm exerceu a sua influncia nos pases do Ocidente. No podemos esquecer que a 30 de Outubro de 1905, desde a chegada a Viena do telegrama anunciando o manifesto constitucional do czar, a notcia teve um papel decisivo na vitria do sufrgio universal na ustria.

    No congresso da social-democracia austraca, quando o camarada Ellenbogen data no era ainda um social-patriota, ainda era um camarada apresentava o seu relatrio sobre a greve poltica, colocaram aquele telegrama sua frente. Os debates foram imediatamente interrompidos. O nosso lugar na rua ! exclamaram os delegados. E nos dias seguintes viram-se gigantescas manifestaes de rua em Viena, barricadas em Praga. A vitria do sufrgio universal na ustria estava definitivamente conquistada.

    Encontramos frequentemente ocidentais que falam da revoluo russa como se os acontecimentos, as relaes e os meios de luta daquele pas atrasado fossem muito pouco comparveis com os da Europa Ocidental e no pudessem, portanto, ter qualquer alcance prtico.

    Nada de mais errado do que esta opinio.

    Decerto, as formas e os objectivos das prximas lutas da revoluo europeia do futuro sero diferentes sob vrios aspectos das formas da revoluo russa. Mas a revoluo russa no deixa de ser devido precisamente ao seu carcter proletrio, com o sentido particular que j indiquei o preldio da revoluo europeia iminente. No restam dvidas que esta ter que ser uma revoluo proletria, e num sentido ainda mais profundo da palavra: uma revoluo proletria e tambm socialista no seu contedo. Esta revoluo que se aproxima mostrar com ainda maior amplido, por um lado, que s os combates aguerridos, nomeadamente, as guerras civis, podem libertar a humanidade do jugo do capital e, por outro, que s os proletrios com uma conscincia de classe desenvolvida podem intervir e interviro na qualidade de chefes da imensa maioria de explorados.

    O silncio de morte que reina actualmente na Europa no pode iludir-nos. AEuropa est prenhe de uma revoluo. As atrocidades monstruosas da guerraimperialista, os tormentos da carestia da vida geram por todo o lado um estado deesprito revolucionrio, e as classes dominantes, a burguesia assim como os seuslacaios, os governos, esto cada vez mais empurrados para um impasse, do qual no

    HerciE A PoeEsta revoluo que se aproxima mostrar com ainda maior amplido, porum lado, que s os combates aguerridos, nomeadamente, as guerras civis, podemlibertar a humanidade do jugo do capital e, por outro, que s os proletrios com umaconscincia de classe desenvolvida podem intervir e interviro na qualidade de chefesda imensa maioria de explorados.

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    http://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/01/22.htm[26/05/2011 12:24:41]

    podem escapar sem muito graves perturbaes.

    Tal como em 1905 o povo da Rssia, conduzido pelo proletariado, se sublevoucontra o governo do czar para conquistar uma repblica democrtica, veremos nosprximos anos, na sequncia desta guerra de pilhagem, os povos da Europasublevarem-se, sob conduo do proletariado, contra o poder do capital financeiro,contra os grandes bancos, contra os capitalistas; e esta desordem s poder terminarcom a expropriao da burguesia e a vitria do socialismo.

    Ns, os mais velhos, no veremos talvez as lutas decisivas da revoluo iminente.Mas creio poder transmitir com grande segurana a esperana de que os jovens, quemilitam to admiravelmente no movimento socialista da Sua e do mundo inteiro,tero a felicidade no s de combater na revoluo proletria de amanh, mastambm de a levar ao triunfo.

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