Lendas do Mar
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Hora do Conto: “Lendas do Mar – O castigo de sal”
“Lendas do Mar”
O castigo de sal
Autor: José Jorge Letria
Ilustrador: André Letria
Editora: Terramar
Obra recomendada pelo Plano Nacional de Leitura
para Leitura na Sala de Aula, 3º ano
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Hora do Conto: “Lendas do Mar – O castigo de sal”
No princípio de tudo, quem mandava na Terra era o Grande Deus das Águas,
que era poderoso, justo e grave, olhando tudo em redor com os seus imensos
olhos verdes, ansioso por ver o enorme território de que era senhor povoado
por criaturas pacíficas e belas.
O Grande Deus das Águas tinha longas barbas feitas de algas e deslocava-
se de um lado para o outro à proa de gigantescas ondas que, ao contrário
dos barcos, não precisavam de remos, de velas ou de motores para se
movimentar. Todos o respeitavam e temiam, tamanhos eram os seus
poderes.
A sua casa erguia-se no meio de rochas agrestes que formavam uma
fortaleza intransponível. Lá dentro, os filhos do Grande Deus das Águas
brincavam com conchas e com búzios, com cavalos-marinhos e com estrelas-
do-mar.
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Hora do Conto: “Lendas do Mar – O castigo de sal”
De todos os seus filhos, o mais irrequieto e atrevido era a Água que por
tudo e por nada amuava, tendo o reprovável hábito de invadir o espaço dos
seus irmãos e de se apropriar do que lhes pertencia.
- Se não mudares de comportamento – avisou-a repetidamente o pai -, ainda
terei de te dar uma lição de que não irás esquecer-te. Muda, pois, enquanto
é tempo. Depois pode ser demasiado tarde.
Mas a Água, que era irreverente e obstinada, pensava que as palavras do
pai não passavam de palavras, isto é, de sons vagos e imprecisos que nunca
se traduziriam em verdadeiros actos.
A Água era bela e era doce. Quem a levasse aos lábios, logo matava a sede
e tinha uma sensação de frescura que lhe invadia todo o corpo. Mas a sua
doçura era enganadora. Por trás dela havia teimosia e sofreguidão, cobiça e
muito pouco respeito pelo que era dos outros.
No princípio, o pai, que era um bom educador, aplicou-lhe pequenos castigos
não a levando a passear com os irmãos, quando ela se portava mal. Muitas
vezes, ela desobedecia só pelo prazer de desobedecer, imaginando que, por
haver muitas poucas criaturas a habitar a Terra, tudo lhe seria tolerado e
perdoado. Mas enganava-se.
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Hora do Conto: “Lendas do Mar – O castigo de sal”
- Tens o teu espaço para brincar, para crescer, para fazer amizades, para
correr e para saltar. Esse espaço é mais do que suficiente para ti. Portanto,
não invadas o que pertence aos teus irmãos – adverti-a o pai, sem
severidade, usando a sua voz grave e ligeiramente rouca para lhe dar a ver
que a nossa liberdade acaba onde começa a dos outros.
Mas ela, uma vez mais, fez de conta que nada do que ouvira lhe dizia
respeito e continuou a abusar, a abusar sempre.
Um dia, apanhando o Grande Deus das Águas a dormir a sesta no terraço
do seu palácio rochoso, decidiu pôr à prova a autoridade que limitava os seus
excessos. E fê-lo de uma maneira que não deixava margens para dúvidas.
Estendeu os braços e as pernas e invadiu a Terra, espraiando-se por
continentes e ilhas.
Quando o Grande Deus das Águas, ao acordar, soube do que tinha
acontecido, ficou furioso. O seu camareiro-mor anunciou-lhe a presença de
animais terrestres que vinham protestar contra a invasão. Estavam muito
descansados a comer, a dormir ou a trabalhar a terra, quando a água doce
deixou tudo inundado, arrastando na corrente colheitas e animais.
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Hora do Conto: “Lendas do Mar – O castigo de sal”
O Grande Deus das Águas chamou a sua guarda pessoal e ordenou:
- Tragam a minha filha, esteja ela onde estiver. Quero-a na minha presença
antes do anoitecer.
Resmungando no silêncio de pedra do seu palácio, o Grande Deus das Águas
tomou uma decisão final quanto aos castigos que iria aplicar à filha rebelde.
Teria de ser um castigo definitivo e exemplar.
Quando a água, escoltada pelos guardas, entrou nos aposentos reais, o pai
sentenciou:
- Muitas vezes te disse que não devias ir além dos limites que eu te fixei.
Muitas vezes te disse que tinhas espaço de sobra para dares largas à tua
liberdade, muitas vezes te disse que não devias abusar e, contudo, tu foste
muito para além dos limites, quando ousaste inundar as terras e incomodar
as criaturas que as habitavam. Por isso terás de aprender uma lição: vais
pagar o preço dos teus erros.
- Mas, paizinho – argumentou a Água, quase implorando clemência, eu não fiz
isso por mal. Foi tudo por brincadeira. Eu nem sequer pensei nas
consequências. Depois, as terras são imensas, e eu nunca pensei que o que
fiz viesse a causar tantos incómodos.
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Hora do Conto: “Lendas do Mar – O castigo de sal”
O pai, zangado e carrancudo, nem perdeu tempo a responder-lhe. A decisão
estava tomada. Com um simples gesto, mandou entrar nos seus aposentos
uma legião de insectos azuis, com longas antenas e olhos facetados e disse -
lhes:
- Façam aquilo que vos foi ordenado pelo chefe da minha guarda.
E eles não tardaram a cumprir a ordem real. Avançaram sobre a Água e em
menos de um minuto, que era já nessa época da vida do mundo uma das
divisões do tempo, engoliram-na. Depois rodopiaram no ar, produzindo um
zumbido insuportável, e por fim deitaram-na fora, deixando-a de novo em
liberdade.
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Hora do Conto: “Lendas do Mar – O castigo de sal”
Aparentemente, nada acontecera. A Água tocou-se no rosto, nos braços e
nas pernas e exclamou:
- Afinal, não me aconteceu nada. Estou exactamente como estava. Nada
mudou. Se a lição foi o susto, então tomei boa nota dela.
O Grande Deus das Águas, apercebendo-se do tom arrogante das palavras
da filha, disse-lhe:
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Hora do Conto: “Lendas do Mar – O castigo de sal”
- Se achas que nada mudou, então prova o gosto da tua pele e verás que
sabor tem o teu castigo.
A Água, amedrontada com as palavras do pai, levou timidamente os dedos à
boca e, choramingando, exclamou:
- Ai que salgada que eu estou! E eu que era tão doce!
E foi assim que a água do mar deixou de ser doce e se tornou salgada até
ao fim dos tempos.
O Grande Deus das Águas chamou à sua presença os representantes das
criaturas que viviam em Terra e pediu-lhes desculpa, anunciando, com a filha
presente:
- De hoje em diante, ela não voltará a importunar-vos. Se isso acontecer, cá
estarei para aplicar um novo castigo.
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Hora do Conto: “Lendas do Mar – O castigo de sal”
A Água, salgada e triste, recolheu ao seu quarto na companhia dos peixes,
únicas criaturas que não se tinham sentido incomodadas com o seu acto
impensado.
Com a lição para sempre apreendida, tem se limitado, uma vez por outra,
ajudada pelo vento, a ameaçar a Terra e os seus habitantes, mas nunca mais
se atreveu a ir tão longe como naquele dia do princípio de tudo.
FIM
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Hora do Conto: “Lendas do Mar – O castigo de sal”
Ilustrado pelos alunos do 3º ano
da E.B. Parada - Guilhabreu
Biblioteca Escolar Guilhabreu
2009/2010