Leituras

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Jan Davidz de Heem Leitur as

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Poesia e Pintura

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  • 1. Jan Davidz de Heem

2. Joana Kruse Amanhecer Navego no cristal da madrugada, Na dureza do frio reflectido, Onde a voz ensurdece, laminada, Sob o peso da noite e do gemido. Abre o cristal em nuvem desmaiada, Foge a sombra, o silncio e o sentido Da nocturna memria sufocada Pelo murmrio do dia amanhecido. Jos Saramago In Os Poemas Possveis 3. Conrad Kiesel Pudesse Eu Pudesse eu no ter laos nem limites vida de mil faces transbordantes Para poder responder aos teus convites Suspensos na surpresa dos instantes! Sophia de Mello Breyner Andresen In Poesia I 4. William Orpen Tua Espera Tranquila e serena a nossa casa nos quatro cantos o sol do meio-dia tua espera alegre e descansada injecto-me de amor s escondidas Sobre a garganta passo os dedos espessos e a roupa uma a uma vai caindo para que ento amor com os teus dedos quando vieres me vs depois vestindo Maria Teresa Horta in Candelabro 5. Charles Edward Perugini 6. John Singer Sargent Gota de gua Eu, quando choro, no choro eu. Choro aquilo que nos homens em todo o tempo sofreu. As lgrimas so as minhas mas o choro no meu. Antnio Gedeo In Movimento Perptuo 7. Jean-Honore Fragonard Urgentemente urgente o amor urgente um barco no mar urgente destruir certas palavras, dio, solido e crueldade, alguns lamentos, muitas espadas. urgente inventar alegria, multiplicar os beijos, as searas, urgente descobrir rosas e rios e manhs claras. Cai o silncio nos ombros e a luz impura, at doer. urgente o amor, urgente permanecer. Eugnio de Andrade in "At Amanh" 8. Carl Wilhelm Holsoe Busque Amor novas artes, novo engenho, para matar-me, e novas esquivanas; que no pode tirar-me as esperanas, que mal me tirar o que eu no tenho. Olhai de que esperanas me mantenho! vede que perigosas seguranas: que no temo contrastes nem mudanas, andando em bravo mar perdido o lenho Mas, conquanto no pode haver desgosto onde esperana falta, l me esconde Amor um mal, que mata e no se v; que dias h que na alma me tem posto um no sei qu, que nasce no sei onde, vem no sei como e di no sei por qu. Lus Vaz de Cames 9. Frank W. Benson 10. Lembra-te Lembra-te que todos os momentos que nos coroaram todas as estradas radiosas que abrimos iro achando sem fim seu ansioso lugar seu boto de florir o horizonte e que dessa procura extenuante e precisa no teremos sinal seno o de saber que ir por onde fomos um para o outro vividos Mrio Cesariny in "Pena Capital" Edward John Poynter 11. Charles Perugini Deixei de ouvir-te. E sei que sou mais triste com o teu silncio. Preferia pensar que s adormeceste; mas se encostar ao teu pulso o meu ouvido no escutarei seno a minha dor. Deus precisou de ti, bem sei. E no vejo como censur-lo ou perdoar-lhe. Maria do Rosrio Pedreira 12. Delphin Enjolras Primeira Palavra Aproxima o teu corao e inclina o teu sangue para que eu recolha os teus inacessveis frutos para que prove da tua gua e repouse na tua fronte Debrua o teu rosto sobre a terra sem vestgio prepara o teu ventre para a anunciada visita at que nos lbios humedea a primeira palavra do teu corpo Mia Couto in Raiz de Orvalho 13. Carl Holsoe 14. Mona Hopton Bell Soneto do Amor Total Amo-te tanto meu amor... no cante O humano corao com mais verdade... Amo-te como amigo e como amante Numa sempre diversa realidade. Amo-te enfim, de um calmo amor prestante E te amo alm, presente na saudade. Amo-te, enfim, com grande liberdade Dentro da eternidade e a cada instante. Amo-te como um bicho, simplesmente De um amor sem mistrio e sem virtude Com um desejo macio e permanente. E de te amar assim, muito e amide que um dia em teu corpo de repente Hei de morrer de amar mais do que pude. Vinicius de Moraes 15. Lilian Matilda Genth Eu fao versos como quem chora De desalento... de desencanto... Fecha o meu livro, se por agora No tens motivo nenhum de pranto. Meu verso sangue. Volpia ardente... Tristeza esparsa... remorso vo... Di-me nas veias. Amargo e quente, Cai, gota a gota, do corao. E nestes versos de angstia rouca Assim dos lbios a vida corre, Deixando um acre sabor na boca. - Eu fao versos como quem morre. Manuel Bandeira 16. Sally Rosenbaum Da Tua Vida Da tua vida o que no podem entender Nem oiro nem poder nem segurana Mas a paixo do Tempo e de seus riscos Tu buscaste o instante e a intensidade E foste do combate e da mudana Por isso um rastro de ruptura e de viagem Ou talvez este fogo inconquistado Como breve eternidade De passagem Manuel Alegre in "Chegar Aqui" 17. Frederick Childe Hassam 18. Vladimir Volegov Amo o Que Vejo Porque Deixarei Amo o que vejo porque deixarei Qualquer dia de o ver. Amo-o tambm porque . No plcido intervalo em que me sinto, Do amar, mais que ser, Amo o haver tudo e a mim. Melhor me no dariam, se voltassem, Os primitivos deuses, Que tambm, nada sabem. Ricardo Reis In Poemas de Ricardo Reis (Fernando Pessoa) 19. William McGregor Paxton O Poeta um Guardador o poeta um guardador guarda a diferena guarda da indiferena no incerto guarda a certeza da voz Ana Hatherly in Um Calculador de Improbabilidades 20. Harold Knight Entre o Luar e a Folhagem Entre o luar e a folhagem, Entre o sossego e o arvoredo, Entre o ser noite e haver aragem Passa um segredo. Segue-o minha alma na passagem. Tnue lembrana ou saudade, Princpio ou fim do que no foi, No tem lugar, no tem verdade. Atrai e di. Segue-o meu ser em liberdade. Vazio encanto brio de si, Tristeza ou alegria o traz? O que sou dele a quem sorri? Nada nem faz. S de segui-lo me perdi. Fernando Pessoa 21. William Orpen 22. Sue Halstenberg Quando Tornar a Vir a Primavera Quando tornar a vir a Primavera Talvez j no me encontre no mundo. Gostava agora de poder julgar que a Primavera gente Para poder supor que ela choraria, Vendo que perdera o seu nico amigo. Mas a Primavera nem sequer uma coisa: uma maneira de dizer. Nem mesmo as flores tornam, ou as folhas verdes. H novas flores, novas folhas verdes. H outros dias suaves. Nada torna, nada se repete, porque tudo real. Alberto Caeiro In Poemas Inconjuntos. Poemas de Alberto Caeiro (Fernando Pessoa) 23. Thomas Benjamin Kennington Dez Chamamentos ao Amigo (I) Se te pareo noturna e imperfeita Olha-me de novo. Porque esta noite Olhei-me a mim, como se tu me olhasses. E era como se a gua Desejasse. Escapar de sua casa que o rio E deslizando apenas, nem tocar a margem. Te olhei. E h um tempo. Entendo que sou terra. H tanto tempo Espero Que o teu corpo de gua mais fraterno Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta Olha-me de novo. Com menos altivez. E mais atento. Hilda Hilst In Jbilo, Memria, Noviciado da Paixo 24. Sally Rosenbaum Os Poemas Os poemas so pssaros que chegam no se sabe de onde e pousam no livro que ls. Quando fechas o livro, eles alam voo como de um alapo. Eles no tm pouso nem porto alimentam-se um instante em cada par de mos e partem. E olhas, ento, essas tuas mos vazias, no maravilhoso espanto de saberes que o alimento deles j estava em ti... Mrio Quintana In Esconderijos do Tempo 25. Jacek Malczewski 26. A.C.W. Duncan. Cano Pus o meu sonho num navio e o navio em cima do mar; depois, abri o mar com as mos, para o meu sonho naufragar. Minhas mos ainda esto molhadas do azul das ondas entreabertas, e a cor que escorre dos meus dedos colore as areias desertas. O vento vem vindo de longe, a noite se curva de frio; debaixo da gua vai morrendo meu sonho, dentro de um navio... Ceclia Meireles in Viagem 27. Sally Rosenbaum Cai a Chuva no Portal Cai a chuva no portal, est caindo Entre ns e o mundo, essa cortina No a corras, no a rasgues, est caindo Fina chuva no portal da nossa vida. Gotas caem separando-nos do mundo Para vivermos em paz a nossa vida. Cai a chuva no portal, est caindo Entre ns e o mundo, essa toalha Ela nos cobre, no a rasgues, est caindo Chuva fina no portal da nossa casa. Por um dia todos longe e ns dormindo Lado a lado, como pginas dum livro. Ldia Jorge 28. Fernando lvarez de Sotomayor O Mundo Grande O mundo grande e cabe nesta janela sobre o mar. O mar grande e cabe na cama e no colcho de amar. O amor grande e cabe no breve espao de beijar. Carlos Drummond de Andrade in Amar se Aprende Amando 29. James Wells Champney 30. Asta Nrregaard Estigma Filhos dum deus selvagem e secreto E cobertos de lama, caminhamos Por cidades, Por nuvens E desertos. Ao vento semeamos O que os homens no querem. Ao vento arremessamos As verdades que doem E as palavras que ferem. Da noite que nos gera, e ns amamos, S os astros trazemos. A treva ficou onde Todos guardamos a certeza oculta Do que ns no dizemos, Mas que somos. Jos Carlos Ary dos Santos In Obra Potica 31. Andre Fontaine Auto-Retrato Espduas brancas palpitantes: asas no exlio dum corpo. Os braos calhas cintilantes para o comboio da alma. E os olhos emigrantes no navio da plpebra encalhado em renncia ou cobardia. Por vezes fmea. Por vezes monja. Conforme a noite. Conforme o dia. Molusco. Esponja embebida num filtro de magia. Aranha de ouro presa na teia dos seus ardis. E aos ps um corao de loua quebrado em jogos infantis. Natlia Correia 32. Carl Holsoe 33. Albert Anker Cano do Verdadeiro Abandono Podem todos rir de mim, podem correr-me pedrada, podem espreitar-me janela e ter a porta fechada. Com palavras de iluso no me convence ningum. Tudo o que guardo na mo no tem vislumbres de alm. No sou irm das estrelas, nem das pombas nem dos astros. Tenho uma dor consciente de bicho que sofre as pedras e se desloca de rastos. Natrcia Freire 34. Dennis Perrin Voar Deve ser bom voar! Abrir as asas, fechar os olhos e partir sem rumo, pairar sobre as cidades, sobre as casas, como pssaro, estrelas, nuvem, fumo... Deve ser bom voar! Erguer os braos e acima dos telhados e dos ninhos, esquecer os sinais de inteis passos, fugir ao p de todos os caminhos... Mas onde as asas para assim voar, para subir s nuvens e s estrelas? As dos homens, so asas de matar... ...e as dos anjos, quem pode pretend-las? Fernanda de Castro In Trinta e Nove Poesias 35. Alexander Mann 36. Martin Cauchon - Flickr