Leitor discurso

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HIPERTEXTOS E DISCURSO LITERÁRIO: A NARRATIVA DO LEITOR

Fabiana Móes Miranda

Este ensaio1 serve como parte introdutória de um estudo a ser ampliado

posteriormente. O seu principal direcionamento será na perspectiva de gênero, na sua

formação através dos discursos. Uma vez que tanto novas ferramentas de produção textual (no

caso, o surgimento do hipertexto digital, na internet), quanto a construção discursiva que

surge na forma de novos textos – integrando e sendo integrada –, buscam demonstrar a

conexão da forma (os recursos hipermidiáticos) e sua mensagem (a mudança discursiva).

O discurso literário será observado na sua noção de prática textual, sendo verificada a

sua transformação como objeto literário Deste modo, fazendo uso da perspectiva de Foucault

sobre a ordem do discurso, da compreensão do discurso como uma fala (escrita) carregada de

significados, procuro verificar como o texto literário se coloca em duas perspectivas

diferenciadas, uma, a do autor e a outra, a do leitor que, com base na obra, escreve um texto

personalizado.

Este texto personalizado se efetiva como prática social através da literatura e faz uso

do meio hipertextual, revelando o papel que o leitor assume inserido na propagação textual

digital, ou seja, como re-elabora, neste caso específico, o discurso literário.

Como exemplo, tratarei de uma re-elaboração discursiva de Hamlet, de W.

Shakespeare, de um leitor/autor que, através de uma forma textual e em contexto atual,

construiu o próprio texto utilizando-se dos recursos hipermidiáticos. Fazendo um recorte da

obra shakespeariana, este autor escolheu “dar voz” ao personagem Laerte. Esta reconstrução

está no contexto literário e, ao mesmo tempo, só é possibilitada pelo meio, que admite até

mesmo os comentários imediatos ao texto, uma vez que a velocidade do meio permite uma

troca de textos/respostas com os textos lidos.

Não é a primeira vez, na história da leitura, que o leitor coloca-se, através de uma

prática textual, na interação e apropriação da obra literária. Entretanto, é a existência de um

discurso, que se construiu a partir da virtualização textual – que muitos autores colocam como

oposição ao texto impresso ou uma época após o livro –, mas que para o usuário/leitor,

inserido na internet, aparece como uma potencialização de seus próprios discursos – ainda que

discurso aqui esteja relacionado a criação de histórias.

1 N. do A. O ensaio tem relação com meu projeto de mestrado. Quanto às traduções foram feitas de forma literal

e, por isso, estão acompanhadas pelos textos originais.

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Representações do discurso literário

A teoria do discurso literário, pela forma de representação que trata a realidade

formalizando o texto escrito, deveria considerar os dois níveis do discurso – o representado e

o real -. Isto redimensionaria a idéia de verossimilhança que, segundo Foucault (1971), apenas

justificou a busca da narrativa como uma verdade estruturada ou estetizada. Esta idéia é usada

aqui de forma mais ampla: em sua verossimilhança com o objeto real e em suas relações com

a realidade que desejou representar.

Neste caso, podemos compreender que nessas relações, no que ocultam e no que

revelam, ou ainda na relação do dito e o não-dito, encontram-se traços do discurso consciente

e inconsciente do autor. A obra torna-se uma representação discursiva da relação entre o autor

e a realidade. Esta será a prática discursiva apresentada como uma visão artística.

Para Genette, é “imitação poética o fato de representar por meios verbais uma

realidade não verbal”2, esta noção contrasta a matéria verbal, que se apresenta por si – a

realidade – e uma não-verbal que deve ser representada o melhor possível (há aqui, é claro,

uma visão atual sobre o texto de Genette em relação às narrativas). O que interessa é que o

autor sugere que a imitação não está apenas na narrativa, mas em algo que a precede: “a

representação literária assim definida, se ela se confunde com a narrativa (no sentido lato),

não se reduz aos elementos puramente narrativos (no sentido estrito) da narrativa”.3

Genette qualifica o discurso narrativo como a história apresentada. Ele relaciona a

representação com a descrição dos elementos narrativos e, desta forma, justifica a ação da

narrativa, ou seja, a sua seqüência temporal e espacial. No universo da narrativa, tudo isso se

aplica ao enredo e aos personagens, mas permanece em vista à subjetividade do discurso que

faz a narrativa ser interiorizada pelos personagens.

Esta noção de interiorização discursiva é encontrada em Bakhtin, que também coloca

no discurso a posição de quem constrói a narrativa. Entretanto, Bakhtin não reduz a obra a

uma voz narrativa – que seria a do narrador – mas, a todas as vozes mediadas pelo narrador.

Será o discurso, em que o autor está inserido, que fará tal mediação, como diz Bakhtin: “na

voz viva do homem integral”.4

Para Bakhtin, de certa forma, estilo e gênero se articulam a partir do momento em que

se apresentam como concretizações da vontade discursiva, sendo o estilo comumente

associado à criação artística. Nessa questão, o escritor comenta que “a tarefa artística

2 GENETTE, Gerárd. Discurso da Narrativa. Ensaio de método. trad. Fernando Cabral Martins. Lisboa: Arcádia,

1979. 3 Idem.

4 BAKHTIN, Mikhail. Problemas na poética de Dostoievski. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p.p. 8.

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3

resolvida pelo romance independe essencialmente da interpretação ideológica secundária que

talvez a tenha acompanhado”.5 As contradições sociais, muitas vezes existentes como formas

de ideologia, se apresentam na narrativa, mas distribuídas em várias vozes, o que ele designa

de polifonia.

A idéia propriamente dita era para ele (Dostoievski) a pedra de toque para

experimentar o homem no homem ou uma forma de localizá-lo – ou, por

último – e isto é o principal – o “médium”, o meio no qual a consciência

humana desabrocha em sua essência mais profunda.6

A grande questão da idéia como forma latente da ideologia, no sentido dado por

Althusser,7 seria uma forma imaginária estruturadora dos contingentes sociais. Aqui, não será

tomado no sentido marxista ou pós-marxista, mas como uma condicionante para o

desenvolvimento do discurso, no sentido dado por Foucault, como base abstrata em que se

constrói e se apóiam as grandes narrativas. O discurso, parafraseando Bakhtin, é a pedra de

toque para o surgimento dos novos médiuns e, entre eles, os recentes suportes que advêm dos

meios tecnológicos como a hipermídia.

Neste sentido mais amplo, não é possível abstrair o discurso da estrutura em que ele

denuncia tanto sua origem como sua finalidade. E “é particularmente no processo da mútua-

interação existente com este meio específico que o discurso pode individualizar-se e elaborar-

se estilisticamente”.8

Em literatura, o discurso inserido na narrativa pode revelar ou dissimular, pela

representação dos objetos, as várias possibilidades discursivas. Mas, como ocorre a recepção

destes discursos dentro da experiência do leitor? Sigo Labov – embora o autor trate de

narrativas orais – quando demonstra que a experiência se torna narrativa, ou seja, o texto lido

surge como uma narrativa particular, ou experimentada, de cada leitor.

Nesta transformação da experiência em texto, podemos observar o que se passa entre o

universo discursivo do escritor, e se a apropriação do texto pelo leitor corresponde como

síntese de algum discurso. Com isso, seria possível confirmar ou não a hipotética afirmação

de que o texto literário traz novas experiências e transforma o mundo do leitor. Haverá, por

5 Idem, 2002, p. 27.

6 Ibidem, p. 33.

7 “Os homens representam-se de forma imaginária suas condições reais de existência.” ALTHUSSER, Louis.

Aparelhos ideológicos do Estado: nota sobre os AEI. trad. Walter José e Maria Laura de Castro. 2 ed. Rio de

Janeiro: Edições Graal, 1985, p. 86. 8 BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e estética: a teoria do romance. trad. Aurora Fornoni Bernardini e

outros. São Paulo: HUCITEC, 1998, p. 86.

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assim dizer, acréscimo ou redução de elementos narrativos já que leitor e autor nem sempre

estão equilibrados nos planos discursivos.

Quando se menciona a objetividade narrativa e a subjetividade discursiva deve-se

levar em consideração o contexto, ou aquilo que se chama extra-literário, pois só nele podem

ser esclarecidas as duas formas citadas. Um exemplo é que ao dizer que estamos numa

sociedade de consumo, necessitamos observar o papel da literatura dentro desta sociedade. Do

mesmo modo, ao falar em uma forma literária surgida e divulgada pela internet, teremos que

expor as suas relações, diretas ou indiretas, com a globalização.

O modo como são lidos os textos literários relaciona-se também com uma identidade

discursiva, sendo a que interessa aqui é a do leitor. Meurer & Mota-Rohtt comentam assim

esta relação: “A identidade imbrica-se com as representações da realidade que os indivíduos

criam em seus textos e com os relacionamentos sociais que os indivíduos articulam”.9

Outra questão que surge, pelo lado do objeto, seria se tratamos com as formas reais –

como é possível pelo material impresso –, ou com as formas virtuais – no caso do hipertexto.

A materialidade do texto torna-se a sua materialidade discursiva ou vice-versa?

Para Fairclough10

as mudanças na sociedade provocam mudanças no discurso, pois:

Mudanças sociais são mudanças no discurso, e as relações entre mudanças

no discurso e outros, não-discursivos, elementos ou momentos da vida social

incluindo, portanto, a questão dos sentidos e modos em que o discurso

“reconstrói” a vida social, nos processos de mudanças sociais. 11

Este autor ainda menciona que a recontextualização ocorre interdiscursivamente no

que se chama sociedade da informação, e como já foi mencionado, incluído no contexto da

globalização. É também sobre bases discursivas que se constroem os gêneros e o estilo.

Pinheiro,12

sobre a relação entre gênero e texto midiático, demonstra como para

manter os “consumidores” do texto (no caso, televisivo) os produtores estão sempre

renovando os velhos discursos: “os gêneros são formas de textos que conectam produtores,

9 MEURER, José Luiz; MOTTA-ROTH, Désirée (orgs.). Gêneros textuais e práticas discursivas: subsídios para

o ensino da linguagem. São Paulo: EDUSC, 2002, p. 26. 10

FAIRCLOUGH, Norman. Discourse in processes of social change: 'Transition' in Central and Eastern

Europe. 11

“...social changes are changes in discourse, and the relations between changes in discourse and changes in

other, non-discoursal, elements or „moments‟ of social life including therefore the question of the senses and

ways in which discourse „(re)constructs‟ social life in processes of social change)” 12 PINHEIRO, Najara F. A noção de gênero para análise de textos midiáticos. In: MEURER, José Luiz;

MOTTA-ROTH, Désirée (orgs.). Gêneros textuais e práticas discursivas: subsídios para o ensino da linguagem.

São Paulo: EDUSC, 2002, p. 275.

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consumidores , tópicos, meio, maneira e ocasião, isto é, relacionam produção, recepção, texto

e contexto”.

Entretanto, no espaço da hipermídia, os produtores são os próprios leitores que, após a

leitura de uma obra literária, procuram representá-la adequada as suas “necessidades”, isto é,

a recepção também se torna um modo de produção.

Essas afirmações colaboram com mais duas categorias – também usadas por Bakhtin -,

ou seja, tempo e espaço. No ambiente da internet, o tempo tenta o máximo possível ser o real

e o espaço, que não é apenas o da interface do computador, a aproximar os usuários. Estes

fatores são demonstrados na forma imediata em que ocorrem as respostas – os comentários –

ao texto colocado e divulgado pela internet.

Van Dijk13

associa a análise do discurso com a análise da ideologia, enfatizando além

das organizações sociais em que proliferam os discursos, as formas de cognição e interação

dessas relações. Desta forma, os suportes não-verbais como imagens e outras “superfícies”

que mediam a interação são importantes para a apresentação discursiva.

Contudo, tais estruturas superficiais podem expressar e conduzir operações

ou estratégias especiais. Por exemplo, a tensão ou tamanho especial ou

largura de tipos impressos podem estrategicamente ser usada para enfatizar

ou atrair a atenção para significados específicos.14

O hipertexto com suporte hipermidiático, ou seja, o texto virtual associado a figuras

gráficas, sons e diferente disposição dos objetos também assume uma finalidade discursiva de

interação e conhecimento. Esta nova apresentação junto aos leitores modifica a percepção da

narrativa, não porque ela ocorra num espaço não linear, como sugere Lévy,15

mas porque a

junção de várias linguagens, ao mesmo tempo, possibilita várias narrativas sobre uma mesma.

A leitura da imagem e do texto traz uma outra representação dos elementos narrativos. O que

corresponderia a noção de intersemiose.

Outra questão é a intertextualidade possibilitada pelo hipertexto digital. A idéia de

hipertexto seguindo a definição de Lévy de que “un hipertexto es una matriz de textos

potenciales, de los cuales algunos se realizarón como resultados de la interacción com un

13

DIJK, Teun A. Discourse Analysis as Ideology Analysis. In: C. Schäffner & A. Wenden (Eds.), Language and

Peace. (pp. 17-33). Aldershot: Dartmouth Publishin,. 1995. 14

“Yet, such surface structures may express and convey special operations or strategies. For instance, special

stress or volume or large printed type may strategically be used to emphasize or attract attention to specific

meanings...” 15

LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na Era da Informática. trad. Carlos

Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 2000.

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6

usuário.”16

Os textos que são estruturados a partir de outro – como o que vou analisar – não

visam inserir dentro de si o texto de origem, mas é feito para ser introduzido no texto que

reescreve (uma visão semelhante a de Borges sobre os precursores de Kafka), ou seja, há

quase uma inversão entre o texto/origem e os que derivaram dele.

Aqui intertextualidade torna-se uma excelente forma de percebermos as formações

discursivas, pois sobre ela recai a atualização, como mudança de contexto e recepção.

Hamlet e A Revenger’tragedy: recurso virtual e novo discurso

O texto analisado foi retirado do site fanfiction.net, que funciona como arquivo para

centenas de milhares de outros textos. A maioria, associados a “cultura de massa”, pois

envolvem, além de textos literários, outras mídias como jogos, desenhos, filmes, entre outros

gêneros considerados de entretenimento. Neste arquivo encontramos também obras clássicas

que sempre sofreram adaptações.

Neste texto, a obra de referência é Hamlet, de William Shakespeare, o título é A

Revenger’s Tragedy e o seu autor SoloWolf (nickname) o classifica como tragédia e angst

(uma definição, mais ou menos, de sofrimento). Apesar do pseudônimo (nickname), o autor

informou algumas características pessoais: ele é britânico, do sexo masculino e quando

escreveu o texto estava com quinze anos. É, ainda, aficionado pela obra shakespeariana, pois

revela que já representou na escola uma das peças do autor e que também escreveu outros

textos tendo por base as obras do dramaturgo inglês.

O leitor/autor elabora textualmente uma fala “extra” para a peça, que não mostra mais

o ponto de vista de Hamlet, o protagonista de Shakespeare, mas centraliza a narrativa em

Laerte, dotando este personagem secundário de prioridade. Desse modo, tem-se um texto

original, com um novo título.

Na obra de Shakespeare, durante o enterro de Ophelia, Laerte e Hamlet se encontram,

e fica já, mais ou menos, explícito um inevitável duelo entre os dois. Hamlet reconhece que a

vingança de Laertes é tão justa quanto a sua, já que ele matou Polônio e, por conseqüência,

causou a loucura e morte de Ophelia. No texto, Hamlet fala para Laertes:

Eu amei Ophelia; quarenta mil irmãos

não poderiam (com toda sua quantidade de amor)

compensar a minha soma.

16

LÉVY, Pierre. Qué es lo virtual? trad. Diego Levis. Barcelona: Paidós Ibérica S.A, 1998.

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7

Que farias por ela?17

(grifo meu)

O leitor/autor então escreve uma fala para Laertes e insere a mesma frase de Hamlet

para construir intertextualmente seu texto. A obra original do século XVI, no discurso de um

jovem do nosso século fica assim representada:

- E por ele declarar que ‘quarenta mil irmãos’ não poderiam amar Ophelia

mais que ele – isto foi uma mentira. Ele nunca amou com a intensidade que

eu a amei.18

(grifo meu)

É visível a empatia do leitor/autor com os “sentimentos” de Laertes. Para ele será

preciso também contar para o mundo a história desse personagem, uma vez que só a de

Hamlet foi revelada por Horatio que permaneceu vivo com esta incumbência:

Se você sempre me levou no seu coração

abstenha-se da felicidade por um tempo

e neste cruel mundo viva em sofrimento

para contar minha história.19

No caso de A Revenger‟s Tragedy, o autor suplica a quem ler o texto que conte a

história de Laertes:

Qualquer um daqueles que ler isto, permito que ele conte minha história

para o mundo escutar, e dissipe o mito que as palavras de Hamlet têm

propagado.20

O próprio título já traz o tema principal de Hamlet – uma tragédia de vingança, ou é

assim que acredita o autor que escreveu o monólogo de Laertes. Não estou aqui fazendo

análise dos dois textos, nem uma comparação. O que fica esclarecido com o texto novo é a

visão de um leitor sobre uma obra literária que leu e que recriou como lhe parecia mais

“honesto”, ou seja, o leitor inseriu a sua noção de valor e o seu discurso.

Assim, numa base textual, percebemos algumas colocações discursivas do leitor/autor.

Uma delas é o questionamento ao heroísmo de Hamlet, que sacrificou a tantos para cumprir a

17

“I lov‟ed Ophelia; forty thousand brothers/could not (with all their quantity of love)/make up my sum./

What wilt thou do for her?” SHAKESPEARE, William. Hamlet. London: Penguin Books, 1994 p. 141. 18

“And for him to claim that ‘forty thousand brothers’ could not love Ophelia more than he – „twas a lie. He

ne‟er loved with the intensity I did.” Anexo, p. 11. 19

If you didst ever hold me in thy heart,/absent thee from felicity awhile,/and in this harsh world draw/thy breath

in pain,to tell my story.” SHAKESPEARE, William. Hamlet. London: Penguin Books, 1994 p. 154. 20

“Any he who reads this, let him tell my story to th‟listening world, and dispel the myths that Hamlet‟s words

have propagated. Anexo, p. 11.

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8

vingança sobre a morte de seu pai. Talvez, numa análise crítica um elemento como esse nem

seria questionado, já que aceitamos textualmente a tragédia (pactuamos com o texto,

principalmente se verificarmos o contexto histórico e social em que foi escrito), mas o novo

texto permite uma colocação como esta:

E ainda Hamlet, que matou muito mais que eu – cinco assassinatos no total:

o meu, meu pai, minha irmã e meus amigos, Rosencrantz e Guildenstern

(que ele imaginou, erroneamente, como espiões) – ele é pensado como um

herói trágico. Como isto é possível? Não, eu esqueci – Hamlet tinha Horatio

para contar sua história. Eu não tenho ninguém. Mas, eu tenho a estimativa

na reparação de algo aqui, eu espero.21

Este jovem leitor e autor – por mais que descontextualize a história – a oferece de

maneira original, pois coloca na forma de outro texto a sua leitura. E é exatamente o que

podemos ver neste texto, a leitura se concretizando de forma estética. Esta é a forma de

interação cognitiva que transforma, unindo texto/experiência de texto/outro texto.

Mas, como diria Labov, what so? (e daí?). A reposta é demonstrada pelos dois

comentários que o texto recebeu. O primeiro, afirmando sempre ter se preocupado e

identificado com Laertes e o segundo, elogiando a forma de escrita. Existem ainda muitos

leitores que não deixam seus comentários, o que importa é que houve uma troca de

experiência narrativa.

Walter Benjamim condenava que a narrativa havia sido substituída pela informação. É

certo que a narrativa oral tenha perdido sua funcionalidade dentro da sociedade atual,

entretanto, numa época em que se julga a informação como um novo processo cultural,

aparecem tantos textos e justamente naquele anonimato (neste caso, meio-anonimato) que

Benjamin considerava pertinente aos antigos narradores.

Mas, não se deve superestimar a grande quantidade de informação, pois nem tudo

pode ser assimilado, como enfatiza Bakhtin, “o que pode ser assimilado é o conexo em um

momento, só o que é essencial integra seu universo”. É este essencial para o leitor que se

apresenta como sua narrativa.

Considerações finais

21

“And yet Hamlet, who killed many more than I – five murders in all: myself, my father, my sister, and my

friends Rosencrantz and Guildenstern (whom he though of, wrongly, as spies) – he is though of as a tragic hero.

How is‟t possible? Nay, I forgot – Hamlet had Horatio to tell his story. I had no-one. But I have redressed the

balance somewhat here, I hope.” Anexo, p. 11.

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9

O principal questionamento que surge e dificulta a análise destes textos que estão na

internet e tendo por base uma obra literária é pelos termos comparativos. Ou ainda a

dificuldade, por alguns estudiosos, de se enxergar a disposição sobre novos recursos como um

gênero diferenciado.

Em primeiro lugar, deve-se verificar que uma das características de quem deseja

colocar seu texto no suporte virtual é a interação ou diálogo com a obra que leu. Desta

maneira, as questões estéticas ou estilísticas são preocupações secundárias. O leitor/autor

modifica e mistura os gêneros literários, adapta para o discurso que quer construir.

A obra, aqui o livro que foi lido, é utilizada para uma nova representação feita pelo

leitor. O discurso do autor não vai simplesmente refletir em seu leitor, principalmente, porque

– como no caso de A Revenger’s Tragedy – o leitor se identifica com uma “das vozes do

autor”.

Referências Bibliográficas

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos do Estado: nota sobre os AEI. trad. Walter José

e Maria Laura de Castro. 2 ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985.

BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e estética: a teoria do romance. trad. Aurora

Fornoni Bernardini e outros. São Paulo: HUCITEC, 1998.

________. Estética da criação verbal. trad. Maria Eumatina 2 ed. São Paulo: Martins Fontes,

1997.

________. Problemas da poética de Dostoievski. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.

BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política. trad. Sergio Paulo Rouanet. 7 ed. São

Paulo: Brasiliense, 1994.

DIJK, Teun A. Discourse Analysis as Ideology Analysis. In: C. Schäffner & A. Wenden

(Eds.), Language and Peace. (pp. 17-33). Aldershot: Dartmouth Publishin,. 1995.

<<http://www.discourses.org/download/articles/>>

FAIRCLOUGH, Norman. Discourse in processes of social change: 'Transition' in Central and

Eastern Europe. <<htttp://www.ling.lancs.ac.uk/staff/norman/norman.htm>>

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10

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. trad. Edmundo Cordeiro. Paris: Éditions

Gallimard, 1971.

GENETTE, Gerárd. Discurso da Narrativa. Ensaio de método. trad. Fernando Cabral

Martins. Lisboa: Arcádia, 1979.

LABOV, William; WALETZKY, Joshua. Narrative Analysis: Oral Version of Personal

Experience. In: Helms, June (ed.) Essays on the verbal and visual arts. Seattle: University of

Washington Press, 1976. p. 12 -44.

LABOV, William. The transformation of Experience in Narrative Syntax. In: Language in the

inner Citty. Oxford: Basil Blackwell, 1972. p. 354 – 396.

LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na Era da Informática.

trad. Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 2000.

______. Qué es lo virtual? trad. Diego Levis. Barcelona: Paidós Ibérica S.A, 1998.

MEURER, José Luiz; MOTTA-ROTH, Désirée (orgs.). Gêneros textuais e práticas

discursivas: subsídios para o ensino da linguagem. São Paulo: EDUSC, 2002.

PÊCHEUX, Michel. O discurso: estrutura ou acontecimento? trad. Eni Puccinelli Orlandi. 3

ed. São Paulo: Pontes, 2002

SHAKESPEARE, William. Hamlet. London: Penguin Books, 1994.

site:

http://www.fanfiction.net/s/3442745/1/A_Revengers_Tragedy

ANEXO

Books » Shakespeare » A Revenger's Tragedy font: B s : A A A

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Author: SoloWolf

Fiction Rated: T - English - Angst/Tragedy - Reviews: 2 - Published: 03-16-07 -

Updated: 03-16-07 - Complete id:3442745

Why did it have to be at Ophelia‟s funeral? I could have restrained myself until the proper

time had it been else. But to use the funeral of my dear sister as an excuse for some rant about

his supposed love for her, that was too much. I doubt not that he did love her, but to drive her

mad argues no great feeling. I loved her, with all my heart, with every fibre of my being, with

my entire soul. And for him to claim that „forty thousand brothers‟ could not love Ophelia

more than he – „twas a lie. He ne‟er loved with the intensity I did.

I should not have leapt upon him then, in my sister‟s grave, but the fire coursing through my

veins forbade any other course of action. There was no thought in my head but one „Hamlet

must die.‟ I wanted revenge, for my father, for my sister. Oh Ophelia, wherefore didst thou

love him? Must I be forever damned in thy esteem for murdering one whom thou didst

consider the pinnacle of nature? But he had to die -his crimes could not go unpunished. But I

could not kill him there, though I wished it so. We were plucked asunder, but my revenge was

not long in coming, though I paid for it dearly.

But „twas as it should have been. I doubt that much enjoyment would I have gleaned from life

had mine own treachery not revenged itself on me. My whole family is in th‟earth, and what

is man without those he loves? I would have had little joy of the world – methinks „twas

better to die how I did.

I do not remember much of that fight, though the happenings before it stand out clear in the

gallery of my mind. The only memory I do retain is that of the pain that ripp‟t through my

body as the instrument of my revenge turned upon me. „Twas worse than I had e‟er

experienced, and the closing in of death came as some relief. I follow‟d my sister and my

father, and so our noble line was brought to an end, concurrent to that of the more famous

family.

They say the tragedy was that of Hamlet, but what did he lose that I did not? He lost his

father, true, but I had no hand in that. He killed my father, and my sister – was I not justified

in seeking to avenge them? And yet how am I remembered? As a villain, one only interested

in seeking out death. And yet Hamlet, who killed many more than I – five murders in all:

myself, my father, my sister, and my friends Rosencrantz and Guildenstern (whom he though

of, wrongly, as spies) – he is though of as a tragic hero. How is‟t possible? Nay, I forgot –

Hamlet had Horatio to tell his story. I had no-one. But I have redressed the balance somewhat

here, I hope.

Any he who reads this, let him tell my story to th‟listening world, and dispel the myths that

Hamlet‟s words have propagated. Mayhap someday the tale of this great tragedy will be told

without the bias, and my reputation and that of my family shall be salvaged. „Til then, I wait,

and hope.