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Leis de LICITAÇÕES PÚBLICAS comentadas RONNY CHARLES LOPES DE TORRES Lei 8.666/1993 Lei 10.520/2002 LC 123/2006 revista ampliada atualizada 9 a edição 2018

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Leis de

LICITAÇÕES PÚBLICAScomentadas

RONNY CHARLES LOPES DE TORRES

Lei 8.666/1993 • Lei 10.520/2002 • LC 123/2006

revistaampliadaatualizada

9a edição

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Licitações e Contratos Públicos

Lei nº 8.666, de 21 de Junho de 1993 (DOU 06.07.94)

Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licita-ções e contratos da Administração Pública e dá outras providências.

O Presidente da República Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:

CAPÍTULO I DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

SEÇÃO I Dos princípios

Art. 1º. Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios..

Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indireta-mente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

1. NORMAS MATERIALMENTE GERAIS X MATERIALMENTE ESPECÍFICAS

Neste primeiro artigo, a Lei nº 8.666/93 firma-se como norma geral de licitações, cumprindo a competência legislativa estabelecida pela Constituição Federal, em seu artigo 22. Nada obstante, como será melhor tratado adiante, importante lembrar que esta Lei não possui regras de conteúdo apenas geral, mas também específico, o que repercutirá na amplitude de sua aplicação obrigatória, pelo demais entes.

1.1 CONCEITO DE LICITAÇÃO

Quando um cidadão efetua uma compra economicamente relevante, ele, mesmo que de forma intuitiva, realiza procedimentos de planejamento e seleção do objeto pretendido, antes da contratação. Antes da aquisição de um automóvel, por exemplo,

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ele identifica sua necessidade, define o objeto apto a tal satisfação, afere os even-tuais custos, avalia sua disponibilidade financeira e, por fim, seleciona, no mercado, a melhor proposta para a respectiva aquisição. Pois bem, a Administração, em suas contratações, precisa realizar ações semelhantes. Para tanto, em razão da indispo-nibilidade do interesse público, buscando consagrar a isonomia e a impessoalidade, o legislador optou por estabelecer procedimentos formais prévios para a realização dessa contratação, objetivando a escolha da melhor proposta possível. A este proce-dimento, chamamos licitação.

A licitação é justamente o procedimento prévio de seleção por meio do qual a Administração, mediante critérios previamente estabelecidos, isonômicos, abertos ao público e fomentadores da competitividade, busca escolher a melhor alternativa para a celebração de um contrato.

Sendo um procedimento prévio à realização do contrato, a licitação tem como intuito permitir que se ofereçam propostas e que seja escolhida a mais interessante e vantajosa ao interesse público.

1.2 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS

Para o correto estudo desta matéria, é importante visitar seus fundamentos constitucionais.

• O inciso XXVII do artigo 22 da Constituição Federal outorga à União a com-petência privativa para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para a Administração Pública Direta, autárquica e fundacional da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o dis-posto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do inciso III do § 1º de seu artigo 173. Cabe observar que a competência privativa para legislar da União se restringe às normas gerais, motivo pelo qual, como será visto adiante, os demais entes federativos podem legislar sobre normas específicas em licitações e contratação.

• O inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal estabelece que: ressal-vados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alie-nações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabele-çam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação téc-nica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

• O inciso III do § 1° do artigo 173 da Constituição definiu que a lei estabele-cerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comer-cialização de bens ou de prestação de serviços. Entre outros aspectos, tal esta-tuto jurídico disporá sobre licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observando os princípios da Administração Pública. Essa disposição

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fundamenta, como se verá adiante, a percepção de um raciocínio diferenciado em relação à submissão dessas estatais ao estatuto licitatório. A Lei federal nº 13.303/2016, estabeleceu regime licitatório específico para as estatais, explora-doras de atividade econômica ou prestadoras de serviços públicos.

• O artigo 175 da Constituição, ao tratar sobre a prestação de serviços públicos, firmou que sua prestação, diretamente pelo Poder Público ou por regime de concessão ou permissão, decorrerá sempre de licitação.

1.3 OBJETO DA LICITAÇÃO

A licitação tem por objeto as obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando con-tratadas com terceiros. Assim, quando aliena um bem, realiza compras (papel, cadei-ras, automóveis...), contrata serviços (manutenção, vigilância, telefonia...) ou obras, o gestor deve, em regra, submeter-se a este procedimento prévio.

Segundo a Lei nº 8.666/93, considera-se obra toda construção, reforma, fabri-cação, recuperação ou ampliação, realizada por execução direta ou indireta. Serviço seria toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Ad-ministração (conserto, transporte, locação de bens, seguro ou trabalhos técnico-pro-fissionais, entre outros). Já compra se caracteriza como toda aquisição remunerada de bens (para fornecimento de uma só vez ou parceladamente), e a alienação significa toda transferência de domínio de bens a terceiros.

A conceituação legal pode gerar discussões técnicas sobre a natureza de determi-nado objeto. Por exemplo, têm-se entendido que o fornecimento de passagens aéreas e terrestres se enquadra no conceito de serviço, e não no conceito de compra.

Conforme delineou o TCU, em trecho de sua Súmula 177, a definição precisa e suficiente do objeto licitado é indispensável. Para tanto, antes da execução das obras e dos serviços, devem ser confeccionados o projeto básico e o projeto executivo (este último, quando for o caso), devendo o primeiro (projeto básico), necessariamente, preceder a licitação. No caso da modalidade pregão, usada para a contratação de bens e serviços comuns, os regulamentos federais fazem alusão a outro instrumento, denominado termo de referência. Ele deverá conter elementos capazes de propiciar avaliação do custo pela administração diante de orçamento detalhado, definição dos métodos, estratégia de suprimento, valor estimado em planilhas de acordo com o preço de mercado, cronograma físico-financeiro, se for o caso, critério de aceitação do objeto, deveres do contratado e do contratante, procedimentos de fiscalização e gerenciamento do contrato, prazo de execução e sanções.

Conforme sedimentado pelo TCU, em licitações de obras e serviços de engenharia, é necessária a elaboração de projeto básico adequado e atualizado, assim considerado aquele aprovado com todos os elementos descritos no art. 6º, inciso IX, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, constituindo prática ilegal a revisão de projeto básico ou a elaboração de projeto executivo que transfigurem o objeto originalmente contra-tado em outro de natureza e propósito diversos (TCU, Súmula nº 261).

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1.4 OBJETO DA LICITAÇÃO X PRETENSÃO CONTRATUAL

A pretensão contratual envolve a necessidade de contratação da Administração. Ela pode dar ensejo a um ou a vários objetos licitatórios, que corresponderão a um ou a vários certames, dentro de uma mesma licitação. Tal percepção é evidente em algumas situações.

Nas licitações que envolvem vários itens autônomos, por exemplo, temos uma única pretensão contratual (ex: aquisição de gêneros alimentícios), divida (se for o caso) em vários itens, os quais representarão objetos licitatórios autônomos, mesmo que constantes num mesmo edital. Prova disso é que um item1 pode ser adjudicado, independentemente do outro e até por licitantes diferentes. Outrossim, o cancela-mento de um item não prejudica a adjudicação de outro.

Noutro diapasão, nas licitações que utilizam o procedimento auxiliar Sistema de Registro de Preços (o qual será tratado mais adiante), podemos ter a reunião da pretensão contratual de diversos órgãos (órgão gerenciador e órgãos participantes), formando um único objeto a ser licitado.

Em síntese, a pretensão contratual representa a necessidade de contratação da Administração (através do órgão ou ente público que concretamente busca uma con-tratação), enquanto o objeto da licitação é a aquisição, serviço, obra ou alienação que são apresentados ao público, para contratação após o respectivo certame.

1.5 ADJUDICAÇÃO POR ITEM

Têm-se entendido, com certa razão, que a “divisão do certame” pode gerar po-tenciais benefícios à competitividade. Na verdade, o desenvolvimento das licitações demonstrou que, por vezes, para ampliar a competição, é importante dividir a preten-são contratual, gerando certames autônomos que permitam uma maior participação de empresas interessadas, possibilitando àquelas que não conseguiriam disputar o certame completo, oferecer melhores propostas, para a disputa dividida.

Essa “divisão do certame” ocorre pelo parcelamento (comum em grandes obras, que são divididas em várias licitações) ou pela adjudicação por itens (na qual um mesmo edital divide a pretensão contratual em vários itens).

Buscando-se o aumento da competitividade, sendo tecnicamente possível e ine-xistindo prejuízo à economia de escala ou ao conjunto da contratação, as disputas licitatórias devem ser divididas em parcelas ou itens (adjudicação por itens), gerando certames autônomos, mesmo que em um mesmo edital, de forma a beneficiar o au-mento da competitividade.

Convém, sobre o assunto, lembrar o que prescreve a Súmula 247 do TCU:

1. Necessário perceber que o item representa o objeto da disputa (licitação), não a unidade de determinado bem ou serviço.

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Súmula 247 do TCU – É obrigatória a admissão da adjudicação por item e não por preço global, nos editais das licitações para a contratação de obras, serviços, compras e alienações, cujo objeto seja divisível, desde que não haja prejuízo para o conjunto ou complexo ou perda de econo-mia de escala, tendo em vista o objetivo de propiciar a ampla participa-ção de licitantes que, embora não dispondo de capacidade para a execu-ção, fornecimento ou aquisição da totalidade do objeto, possam fazê-lo com relação a itens ou unidades autônomas, devendo as exigências de habilitação adequar-se a essa divisibilidade.

Também neste sentido, o TCU já determinou a certa empresa pública que evitasse incluir cláusulas editalícias que restringissem o caráter competitivo do certame; além de adotar o critério de menor preço por item, sempre que o objeto fosse divisível e desde que não houvesse prejuízo para o conjunto ou complexo ou perda de economia de escala, em vez de menor preço global por lote, como ocorrido em um pregão ele-trônico, com vistas a atender ao estabelecido nos arts. 3º, § 1º, inciso I; 15, inciso IV e 23 § 1º, da Lei nº 8.666/932.

Deve-se esclarecer, contudo, que é possível a utilização do regime de empreitada por preço global, com adjudicação por itens. Nesse caso, o preço global apresentado terá como referência a totalidade referente ao item em disputa e não a totalidade dos itens que formam a pretensão contratual. Cada item, nesse caso, fundamenta um certame próprio e pode gerar uma relação contratual autônoma, embora inseridos em um único edital licitatório.

Mesmo nas aquisições de bens de informática, é importante que os equipamentos acessórios dos microcomputadores que possam ser autonomamente considerados, sem prejuízo de compatibilidade entre os bens adquiridos, constem em itens específicos, de forma a permitir uma maior competição para sua obtenção3. Ainda, nesse prumo, o TCU determinou à PETROBRAS que se abstivesse de firmar contratos do tipo “guarda-chuva”, ou seja, com objeto amplo e/ou com vários objetos, promovendo os devidos certames licitatórios em quantos itens forem técnica e economicamente viáveis4.Há, na verdade, uma presunção de que a adjudicação por itens permite uma ampliação da competitivi-dade e potencial redução dos custos da contratação. Nesse sentido, por exemplo, o TCU já firmou o raciocínio de que “é obrigatória, nas licitações cujo objeto seja divisível, a adjudicação por item e não por preço global, de forma a permitir uma maior partici-pação de licitantes que, embora não dispondo de capacidade para o fornecimento da totalidade do objeto, possam fazê-lo com relação a itens ou unidades autônomas”5.

É preciso, contudo, estabelecer certa cautela em relação à esta presunção de que a adjudicação por itens é, necessariamente, vantajosa. Muitas vezes, a divisão da pretensão contratual em diversos itens pode causar maiores custos e dificuldades na

2. TCU – Acórdão nº 2.790/2006 – 2ª Câmara.3. TCU – Acórdão nº 2.879/2006 – 2ª Câmara.4. TCU – Acórdão nº 1.663/2005 – Plenário.5. TCU – Acórdão nº 122/2014 – Plenário.

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gestão contratual. Da mesma forma, a disputa fracionada em itens retira a possibi-lidade de que o licitante dilua certos custos (como o de entrega dos produtos ou de execução da contratação), passando a prevê-los em relação a cada item disputado. Outrossim, como explica Túlio Barbosa, a precificação é afetada por variáveis impac-tantes, como o “efeito barganha” ou o “ganho de escala”6, e pode ter repercussão negativa (em relação ao objetivo de conquista de preços menores) em um certame fracionado em itens. Assim, medidas de gestão, potencial perda de economia de esca-la, prejuízos ao conjunto da contratação ou mesmo a análise econômica da pretensão contratual podem justificar a quebra desta preferência pela adjudicação por itens.

1.5.1 ADJUDICAÇÃO POR ITENS X AGLUTINAÇÃO DE OBJETOS

Por vezes, o gestor indevidamente busca, ao máximo, ampliar o objeto contra-tual, de forma a tornar complexo ou colossal o certame, o que acaba por restringir a competição, já que muitos dos interessados terminam impossibilitados de participar da disputa, seja por não atuar no mercado com todos os elementos materiais cons-tantes do objeto (ex: prestação de serviço de telefonista, com aquisição de central telefônica), seja por não conseguir arcar com as garantias e condições habilitatórias de um certame agigantado (ex: junção, em um único certame, de diversas obras em diferentes lugares ou de grande obra que poderia ser dividida em etapas).

O desenvolvimento das licitações demonstrou que, para ampliar a competição, é importante dividir a pretensão contratual em vários objetos ou itens, gerando cer-tames autônomos que permitem uma maior participação de empresas interessadas e a consecução de melhores propostas. Dá-se, no caso, uma adjudicação por itens, dividindo-se a pretensão contratual em itens autônomos, com o intuito de fomentar a competitividade.

Sendo tecnicamente possível e inexistindo prejuízo à economia de escala ou ao conjunto da contratação, as disputas licitatórias devem ser divididas em itens (geran-do adjudicação de itens autônomos, portanto, objetos autônomos), de forma a bene-ficiar o aumento da competitividade. Nesse sentido, a Súmula 247 do TCU sedimenta que é obrigatória a admissão da adjudicação por item e não por preço global, desde que não haja prejuízo para o conjunto ou complexo ou perda de economia de escala.

Quando justificável a divisão da pretensão contratual em vários objetos (itens), a aglutinação que prejudica a competitividade e a ampla participação de licitantes é indevida.

Noutro prumo, convém ponderar que a aglutinação apenas será indevida quando prejudicar injustificadamente a competitividade e quando for recomendável a divisão em vários objetos. Quando a aglutinação se dá por justificativas técnicas, como im-pedir prejuízos ao conjunto da contratação ou mesmo evitar perda de economia de escala, ela será lícita.

6. BARBOSA. Túlio Bastos. Preços para licitações públicas. In TORRES, Ronny Charles L. de. Licitações Públi-cas: homenagem ao jurista Jorge Ulisses Jacoby Fernandes. Curitiba: Negócios Públicos, 2016. Fls. 149-164.

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Em suma, a decisão deve visar à obtenção da melhor proposta para a licitação e para a futura contratação, seja fracionando ou aglutinando o objeto da licitação, embora presuma-se que ela (a melhor proposta) será alcançada, em regra, com a am-pliação da competitividade.

Vale, contudo, apresentar a opinião parcialmente contrária do doutrinador Toshio Mukai7:

“Portanto, em face da expressão ‘sem perda da economia de escala’, não é dado pensar na comprovação do fato de haver ou não tal perda, em cada licitação. Simplesmente, a lei já considera que o parcelamento visa à ampliação da competitividade e que tal ampliação não leva à perda da economia de escala. De nenhum modo está o dispositivo autorizando interpretá-lo contraditoriamente, no sentido de que, se houver perda de economia de escala, estaria autorizado o empacotamento. E isto porque toda a redação do dispositivo anterior a tal expressão indica para a di-visão obrigatória.”

Temos entendimento diferente. Se por um lado, a divisão em itens (fraciona-mento) é sugerida, como forma de ampliação da competitividade, por outro lado, a aglutinação é possível e até recomendável, caso justificado que o fracionamento (divisão em itens) não amplia efetivamente a competitividade, prejudica o objeto da contratação (gerando prejuízo técnico, econômico ou de gestão) ou impede eventual economia de escala.

Em tese, a reunião de diferentes pretensões contratuais em um único certame pode gerar perda da competitividade, pelo impedimento à participação de empresas que atuem no mercado, com apenas parte do objeto contratual ampliado. Por outro lado, algumas vezes, a reunião das pretensões contratuais pode servir positivamente à Administração, pelo ganho em economia de escala ou pela vantagem no geren-ciamento contratual, elementos que permitem o alcance de uma melhor proposta econômica.

Indubitável que a decisão final envolve contornos gerenciais específicos. É possí-vel que o órgão/ente licitante identifique a necessidade de reunião dos itens e tome essa decisão, de forma justificada, fundamentando-a em ponderações econômicas e gerenciais como ganhos de economia de escala ou mesmo gerenciamento contratual. Esta opção pode ser justificada em manifestação técnica específica ou mesmo inserida no termo de referência. A adjudicação por grupo ou lote não é, em princípio, irre-gular. O órgão licitante deve, como medida de gestão, analisar sua capacidade, suas necessidades administrativas e suas condições operacionais, para avaliar e decidir, motivadamente, sobre a necessidade ou não de aglutinação, tendo em vista, entre outros elementos, a quantidade de contratos a gerenciar. Nesse sentido, também, a orientação firmada pelo então Ministro do TCU, José Jorge, segundo o qual “a

7. MUKAI, Toshio. A empresa privada nas licitações públicas: manual teórico e prático. São Paulo: Atlas, 2000. P. 45.

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adjudicação por grupo ou lote não é, em princípio, irregular, devendo a Administra-ção, nesses casos, justificar de forma fundamentada, no respectivo processo adminis-trativo, a vantagem dessa opção8.Nada obstante, convém ponderar que é necessária certa cautela, tendo em vista a jurisprudência que vem sendo repetida no TCU, no sentido de que, em licitações para registro de preços, a adjudicação por item deve ser percebida como regra geral, admitindo-se a aglutinação (em grupos) como medida excepcional, incompatível com a aquisição futura por itens9. Nesse sentido, são en-contradas diversas orientações do TCU:

• A licitação por lote, com a adjudicação pelo menor preço global, sem comprovação de eventual óbice de ordem técnica ou econômica que inviabilize o parcelamento do objeto em itens, caracteriza restrição à competitividade do certame, em vista do disposto nos art. 15, inciso IV, e 23, § 1°, da Lei 8.666/9310.

• Em licitação para registro de preços, é irregular a adoção de adjudi-cação por menor preço global por grupo/lote, concomitantemente com disputa por itens, sem que estejam demonstradas as razões pelas quais tal critério, conjuntamente com os que presidiram a formação dos grupos, é o que conduzirá à contratação mais vantajosa, com-parativamente ao critério usualmente requerido de adjudicação por menor preço por item11.

• A adoção de critério de adjudicação pelo menor preço global por lote em registro de preços é, em regra, incompatível com a aquisição fu-tura por itens, tendo em vista que alguns itens podem ser ofertados pelo vencedor do lote a preços superiores aos propostos por outros competidores12.

A preocupação que vem sendo externada pelo TCU decorre da situação fática em que a adjudicação por grupo, seguida de ulteriores adjudicações ou contratações de itens isolados, muitas vezes gera uma situação em que o item posteriormente con-tratado, junto ao licitante vencedor, apresenta valores superiores aos ofertados pelos demais licitantes. Essa situação se agrava quando, justamente, os itens do grupo nos quais o licitante vencedor havia apresentado preços menores (o que gerou seu menor preço para o grupo e, consequente, vitória no certame), não são os efetivamente provocados para a contratação, seja pelo órgão gerenciador, por participantes ou não participantes.

Tal preocupação já fundamentou orientações mais radicais, por parte do TCU, vedando a possibilidade de contratação de itens isolados, quando da adoção da aglu-tinação em grupos:

8. Acórdão 5134/2014-Segunda Câmara, 23.9.2014. No mesmo sentido, vale mencionar o Acórdão 2796/2013-Plenário, 16.10.2013

9. Acórdão 757/2015-Plenário, relator Ministro Bruno Dantas, 8.4.2015.10. TCU. Acórdão 1913/2013-Plenário, relator Ministro José Múcio Monteiro.11. TCU. Acórdão 4205/2014-Primeira Câmara, relator Ministro-Substituto Weder de Oliveira.12. TCU. Acórdão 2695/2013-Plenário, relator Ministro-Substituto Marcos Bemquerer Costa.

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• Nas licitações por lote para registro de preços, mediante adjudicação por menor preço global do lote, deve-se vedar a possibilidade de aquisição individual de itens registrados para os quais a licitante vencedora não apresentou o menor preço13.

• É indevida a utilização da ata de registro de preços por quaisquer in-teressados – incluindo o próprio gerenciador, os órgãos participantes e eventuais caronas, caso tenha sido prevista a adesão para órgãos não participantes – para aquisição separada de itens de objeto adju-dicado por preço global de lote ou grupo para os quais o fornecedor convocado para assinar a ata não tenha apresentado o menor preço na licitação14.

Particularmente, embora tenhamos reservas sobre a aplicação deste raciocínio, como regra absoluta, já que um dos grandes benefícios da aglutinação reside na redução dos gastos de logística, operacionalização e administração desses contratos, muitas vezes, bem superiores a eventuais diferenças relacionadas a itens, percebidas isoladamente, convém advertir para essas orientações externadas pelo TCU.

Nas hipóteses em que se adote a adjudicação aglutinada (por grupos), oportuno que a comissão de licitação ou o pregoeiro, na negociação com o fornecedor classifi-cado em primeiro lugar, antes da adjudicação, tente solucionar eventuais diferenças relevantes, em relação a itens apresentados pelos demais classificados em suas pro-postas. Outra opção é a adoção do desconto linear, evitando que eventuais diferenças sejam equivocadamente compreendidas como jogo de planilha.

O raciocínio de parcelamento ou adjudicação por itens não deve ser levado a ter-mos absolutos, pois a divisão da pretensão contratual, em alguns casos, pode preju-dicar a economia de escala e gerar outros custos, relacionados aos diversos contratos, além de potencializar riscos e dificuldades na gestão de uma pluralidade de contratos autônomos, para atendimento da mesma pretensão contratual.

O próprio TCU, em interessante Acórdão relatado pelo ilustre Ministro André Luis, com razão, entendeu que seria legítima a reunião de elementos de mesma caracte-rística, quando a adjudicação e itens isolados onerar “o trabalho da administração pública, sob o ponto de vista do emprego de recursos humanos e da dificuldade de controle, colocando em risco a economia de escala e a celeridade processual”, o que pode comprometer a seleção da proposta mais vantajosa15.

Enfim, a decisão sobre a aglutinação ou não, de itens, envolve contornos técnicos específicos. É possível que o órgão contratante identifique a necessidade de reunião e tome essa decisão, de forma justificada (no termo de referência ou mesmo em outra peça processual), fundamentando-a em ponderações econômicas e gerenciais, como ganhos de economia de escala ou mesmo gerenciamento contratual.

13. TCU. Acórdão 343/2014-Plenário, relator Ministro Valmir Campelo.14. TCU. Acórdão 1893/2017 Plenário, Representação, Relator Ministro Bruno Dantas.15. Acórdão 5301/2013-Segunda Câmara. Rel. Ministro André Luis.

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1.5.2 ITEM X LOTE X GRUPO

Diante da tarefa de dividir ou de aglutinar os itens que formam a pretensão con-tratual, convém ponderar que é muito comum certa confusão nas denominações dadas.

Rotineiramente, percebem-se escritos e julgados que denominam como “lote”, a reunião de diversos itens de uma licitação, opção que não parece a tecnicamente mais correta, já que, muitas vezes, é necessária também a divisão do próprio item, procedimento que tem recebido a mesma denominação (lote).

Concebendo-se o “item” como a unidade divisível da pretensão contratual (não no sentido quantitativo, mas para fins divisão dos elementos autonomamente licitá-veis), deve-se perceber que, por vezes, será interessante a aglutinação desses itens (em um único objeto licitatório) ou a divisão de um único “item” (em vários objetos licitatórios), sempre com o objetivo de ampliar a competitividade ou alcançar maior eficiência, buscando uma contratação mais vantajosa, para o Poder Público.

Entendemos tecnicamente mais adequado denominar, como “grupo”, a aglutina-ção de diversos itens (que poderiam, em tese, ser licitados autonomamente), para a formação de um único objeto licitatório, já que, por sua vez, tecnicamente, o “lote” é a divisão de um único objeto licitatório (item) em diversos objetos licitatórios (lo-tes). Esta premissa consta expressamente definida pelo artigo 8º, do Decreto 7.892, de 2013, segundo o qual “o órgão gerenciador poderá dividir a quantidade total do item em lotes, quando técnica e economicamente viável, para possibilitar maior competitividade”.

Assim, a aglutinação de itens em um “grupo” ocorrerá quando itens de uma pretensão contratual, os quais poderiam, em tese, ser licitados ou adjudicados sepa-radamente, são reunidos em um único objeto licitatório. Isso ocorre, por exemplo, quando, em uma licitação para gêneros alimentícios, com centenas de itens, estes são reunidos em um número menor de objetos licitatórios, como: carnes, laticínios, bebi-das, entre outros. Cada um desses grupos reunirá diversos itens (espécies de carnes, espécies de laticínios, entre outros).

Noutro prumo, a divisão do item em “Lote” ocorrerá quando um único item possa ser dividido, em diferentes objetos licitatórios, objetivando-se a ampliação de com-petitividade ou melhor gerenciamento contratual. Esta situação ocorre comumente em certames que envolvem entrega de produtos em diversas regiões ou localidades. Assim, por exemplo, quando o Ministério da Saúde decide realizar uma licitação para fornecimento de um medicamento ou de um determinado equipamento (ex: ambu-lância), em cidades de todo o país, ele pode dividir o respectivo item em lotes, de acordo com cada estado ou região beneficiada, alcançando, teoricamente, ampliação da competitividade e melhores propostas,

Em qualquer dos casos, a adjudicação em itens, a aglutinação (em grupos) ou divisão (em lotes), devem objetivar a ampliação da competividade na licitação ou a melhor gestão contratual. Conforme outrora ponderou o então Ministro José Jorge, do TCU, “a adjudicação por grupo ou lote não é, em princípio, irregular, devendo a

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Administração, nesses casos, justificar de forma fundamentada, no respectivo proces-so administrativo, a vantagem dessa opção”16.

1.5.3 SERVIÇOS TERCEIRIZADOS DIVERSOS, AGLUTINAÇÃO E ADJUDICAÇÃO POR ITENS

Quando tratamos de serviços terceirizados, como limpeza, copeiragem, recepção, entre outros; muitas vezes a pretensão contratual envolve a prestação de serviços diferenciados, por vezes até prestados em locais variados, em uma única licitação.

Nesses casos, gera-se dúvida sobre a opção administrativa de adjudicação por preço global (aglutinando todos os serviços) ou pela adoção da adjudicação por item (fracionando a pretensão em itens autônomos, de acordo com o serviço ou com a localidade da prestação).

Para ter uma resposta concreta, é importante perceber que as diversas prestações de serviços pretendidas podem envolver áreas de mercado específicas ou não.

Na primeira hipótese (como ocorre, muitas vezes, em relação aos serviços de vigi-lância e de telefonista), em tese, a junção gera aparente prejuízo à competitividade, pois grande parte das empresas que atuam com essas atividades, as exercem com especificidade, sem agregar outros serviços terceirizados.

Na segunda hipótese (como ocorre, muitas vezes, em relação a serviços de copei-ragem, limpeza, e recepcionista), pela ausência de mercado específico, a reunião de tais serviços pode, em tese, gerar até redução do custo da contratação, sem prejuízo à competitividade, já que grande parte das empresas que atuam com terceirizações lidam com todos esses serviços.

Para que seja tomada a correta decisão administrativa, essa avaliação teórica exige ainda a compreensão de contornos gerenciais específicos, como a administração dos contratos, dos respectivos postos de serviços, além das características do mercado na região.

Caso o órgão contratante identifique a necessidade de reunião dos itens em um único certame, como forma de resguardar uma contratação mais econômica e efi-ciente, deve justificar tal opção, motivadamente. Outrossim, nas situações em que a aglutinação dos serviços pretendidos (ou de parte deles) atenda ao interesse público, é importante a apresentação de justificativa acerca da reunião, tanto em relação aos serviços distintos, como em relação à junção de serviços com materiais independen-tes, demonstrando a vantagem para o interesse público contratual.

1.6 COMPETÊNCIA LEGISLATIVA

Compete privativamente à União legislar sobre normas gerais de licitação. Isso significa que outros entes federativos poderão legislar sobre normas específicas

16. Acórdão 5134/2014-Segunda Câmara, 23.9.2014.

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acerca da matéria. Há, portanto, uma competência privativa da União, no que tange às regras gerais, e uma competência comum, no que se refere às regras específicas. Conclui-se que todos os entes podem editar leis sobre licitação, mas devem obedecer àquelas normas gerais traçadas pela União. Prepondera o pensamento de que a maio-ria das disposições da Lei nº 8.666/93 se caracteriza como norma geral; o respeito ao princípio federativo, contudo, impõe que se garanta uma margem de autonomia ao ente da Federação, o que leva a discussões sobre a constitucionalidade de alguns dispositivos, já que a Constituição estabelece tanto aquele princípio, como restringe a competência privativa da União às “normas gerais”. Vide artigo 22, XXVII, da CF.

De tal disposição constitucional podemos extrair algumas premissas, dentre elas: se consideradas específicas, as regras existentes na legislação federal apenas vincu-lam a União, permitindo regramento diferente por Estados, Distrito Federal e Muni-cípios; noutro diapasão, quando tratar sobre matéria geral, a legislação federal não pode restringir sua normatização às relações jurídicas contratuais da União, pois isso fraudaria a competência constitucionalmente estabelecida.

Nesse sentido, o STF, no julgamento da ADI 3059/RS, definiu que a competência legislativa do Estado-membro para dispor sobre licitações e contratos administrativos respalda a fixação, por lei, de preferência para a aquisição de softwares livres pela Administração Pública regional, sem que se configure usurpação da competência le-gislativa da União para fixar normas gerais sobre o tema. Importante observar que, no caso em tela, a Lei nº 11.871/2002, do Estado do Rio Grande do Sul, não excluiu possíveis contratantes dos certames públicos estaduais, mas tão-somente estabeleceu preferência pelo software livre, de forma que todo fabricante poderá participar da licitação, desde que esteja disposto a celebrar o licenciamento amplo desejado pela Administração.

Outrossim, no referido julgado (ADI 3059/RS), o STF lembrou que a matéria ati-nente às licitações e aos contratos administrativos não foi expressamente incluída no rol submetido à iniciativa legislativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo (CRFB, art. 61, §1º, II), motivo pelo qual seria suscetível de regramento por lei oriunda de projeto iniciado por qualquer dos membros do Poder Legislativo.

1.6.1 COMPETÊNCIA LEGISLATIVA E AUTONOMIA ADMINISTRATIVA

Marçal Justen Filho17, defendendo que a Federação é um dos princípios mais im-portantes da Constituição, lembra que norma geral não é instrumento de restrição da autonomia federativa. O doutrinador assevera, com razão, que não seria possível a validade e a vinculação de normas gerais editadas pela União as quais invadissem a autonomia federativa, notadamente no que tange à organização, ao funcionamen-to, a assuntos de interesse local e à competência dos organismos administrativos de tais entes.

17. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. P. 287

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1.6.2 NORMAS DE CARÁTER ESPECÍFICO

Deve-se lembrar que a verificação de que um determinado dispositivo da Lei nº 8.666/93 ou outra norma originada pela União sobre licitações e contratos possu-am caráter específico, extrapolando a competência constitucional para dispor sobre normas gerais, não impele necessariamente a uma interpretação de inconstituciona-lidade do mesmo; na verdade, o dispositivo terá validade constitucional, mas, no que tange ao regramento específico, sua disposição não afetará ou vinculará os outros entes federativos (Estados, Municípios e DF), mas apenas a União. Obviamente, na hipótese de um dispositivo federal que tente reger apenas as relações contratuais de natureza específica, adentrando minúcias relativas aos outros entes, que não a União, haverá inconstitucionalidade.

Em síntese, naquilo que é geral (a grande maioria de seus dispositivos, segundo a jurisprudência do STF), a Lei nº 8.666/93 possui caráter nacional, aplicando-se a todos os entes da Federação; naquilo que remete a especificidades, ela regula apenas o campo federal, estando os demais entes livres para aprovarem disposições próprias.

1.6.3 NÃO EXAURIMENTO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PRIVATIVA

A edição da Lei nº 8.666/93 não exauriu a competência da União para estabe-lecer regras gerais, tanto que, posteriormente, foram aprovadas outras normas com estabelecimento de regras gerais que se somam ao estatuto, como a Lei nº 8.987/95 (Concessões Públicas), a Lei nº 10.520/2002 (Pregão), a Lei nº 12.462/2011 (RDC) e a Lei nº 13.303/2016 (Lei das estatais).

Importante diferenciar o aspecto “generalidade”, em relação às demais normas de nosso ordenamento jurídico, do aspecto de “generalidade”, em relação à matéria tratada, sob o qual o constituinte estatuiu competência legislativa privativa à União.

Impõe-se identificar a existência de certo parâmetro de generalidade/especiali-dade, em razão do conjunto de normas existentes em nosso ordenamento. É cediço que o ordenamento jurídico não deve ser considerado como norma singular ou como um acervo de normas singulares, mas como uma unidade constituída pelo conjunto sistemático de todas as normas.18 Diante da profusão de normas existentes, é comum identificarmos disciplinamentos legais divergentes para a mesma relação jurídica, do que resulta certa contradição dentro do sistema jurídico (antinomia jurídica).

Nosso ordenamento necessita ser coerente e garantir segurança jurídica na apli-cação de suas normas, notadamente em relação às regras, caracterizadas como normas rígidas, inflexíveis. Em razão de tal necessidade, cristalizou-se o princípio de que deve ser rejeitada a validade simultânea de normas incompatíveis entre si, já que a compa-tibilidade de uma norma com o ordenamento é condição necessária para sua validade. Conforme ensina Bobbio19, “tal princípio é garantido por uma norma, implícita em

18. BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 2006. p. 19719. BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 2006. p. 203

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todo o ordenamento, segundo a qual duas normas incompatíveis (ou antinômicas) não podem ser ambas válidas, mas somente uma delas pode (mas não necessariamen-te deve) fazer parte do referido ordenamento”. Nesse raciocínio, a antinomia entre regras de nosso ordenamento seria apenas aparente, já que, para aplicação ao caso concreto, apenas uma seria válida.

Sistematizando a resolução dessas aparentes antinomias, foram estabelecidos cri-térios ou soluções fundamentais, quais sejam: o critério cronológico (norma posterior prevalece sobre a norma precedente), o critério hierárquico (norma de grau superior prevalece sobre norma de grau inferior) e o critério da especialidade (norma especial prevalece sobre norma geral).

Perceba-se que o critério da generalidade/especialidade, aqui, está relacionado à aparente antinomia entre regras jurídicas, dentro de nosso ordenamento. Assim, quando um disciplinamento divergente é identificado na Lei do Pregão, em relação à Lei nº 8.666/93 (por exemplo, a Lei nº 8.666/93 veda a criação de novas modalida-des, conquanto a Lei 10.520/2002 cria uma nova modalidade, o pregão), tem-se que aquela regra disposta na Lei nº 10.520/2002 é especial, em relação à Lei nº 8.666/93. Da mesma forma, quando para uma mesma situação jurídica (por exemplo: contra-tação direta de licitante remanescente), a Lei nº 12.462/2011 traz ao ordenamento regra diversa da estabelecida pela Lei nº 8.666/93, tem-se que a pertinente regra da Lei do RDC é especial, em relação à similar regra da Lei nº 8.666/93.

Noutro prumo, o aspecto de generalidade, suscitado pelo inciso XXVII do artigo 22 da Constituição Federal, está relacionado à matéria tratada; por exemplo: não obs-tante a falha do legislador ordinário, ao não estabelecer tal classificação ou segmen-tação nos dispositivos da Lei nº 8.666/93, é evidente que esta Lei possui dispositivos materialmente gerais (como, ao estabelecer modalidades, tipos de licitação, regimes de execução, critérios de julgamento, sanções, hipóteses de dispensa, entre outros) e também dispositivos materialmente específicos (restrições específicas para suas dispensas, prazos recursais, regras procedimentais, formato da comissão de licitação, entre outros).

Assim, por exemplo, embora diante da aparente antinomia anteriormente citada, a Lei 10.520/2002 seja especial, em relação à Lei nº 8.666/93, ao criar uma nova modalidade, o pregão, ela estabelece norma de caráter geral, uma vez que a criação de uma modalidade licitatória é compreendida como uma regra de caráter geral.

Sob esse prisma, deve-se perceber que existem dispositivo sobre licitações e con-tratos administrativos que são materialmente gerais, conquanto outros dispositivos se caracterizam como regras materialmente específicas.

1.7 DESTINATÁRIOS DAS REGRAS LICITATÓRIAS

Conforme estatui o parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 8.666/93, Subordi-nam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da Administração Direta, os fundos es-peciais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de

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economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Há, contudo, entidades sobre as quais a incidência ou não das regras licitatórias geram certa confusão, inclusive na doutrina, merecendo especial atenção.

1.7.1 FUNDOS ESPECIAIS

A alusão da lei aos fundos especiais é vista com cautela pela doutrina, porque, em princípio, os fundos são despidos de personalidade jurídica, não são sujeitos de direitos, mas reservas financeiras criadas por lei para destinação de verbas. Vide lições de José dos Santos Carvalho Filho20. Contudo, deve-se avaliar a possibilidade de que a lei crie personalidade jurídica relacionada a determinado “fundo”; tal pessoa jurídica se revestirá de algumas das formas jurídicas pertinentes, já que não é o nome dado que certifica a natureza jurídica da pessoa. Cite-se, como exemplo, o Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino, que é uma autarquia vinculada ao Ministério da Edu-cação, não obstante sua nomenclatura o designe como fundo.

1.7.2 EMPRESAS ESTATAIS

Conforme descrito pelo estatuto licitatório, as empresas públicas e sociedades de economia mista, em regra, devem se submeter ao procedimento estabelecido pela Lei nº 8.666/93.

Contudo, foi publicada a Lei federal nº 13.303/2016. A referida Lei foi sancionada na passagem do mês de junho ao mês de julho, de 2016, e disciplinou o novo estatuto jurídico para as estatais, disciplinando, na maior parte de seu texto, regras para as licitações e contratações de empresas públicas e sociedades de economia mista, sejam prestadoras de serviços públicos ou exploradoras de atividade econômica21.

Este diploma era aguardado desde o momento em que a Emenda Constitucional nº 19, de 1998, alterou o artigo 173 da Constituição Federal. Uma das grandes polêmicas da nova Lei envolve a definição do momento de aplicação das suas regras licitatórias. A polêmica decorre da regra de vigência prescrita pelo artigo 91, em conjunto com seu §3º.

Segundo o caput do artigo 91, a “Empresa pública e a sociedade de economia mista constituídas anteriormente à vigência desta Lei deverão, no prazo de 24 (vinte e quatro) meses, promover as adaptações necessárias à adequação ao disposto nesta Lei”. Já o §3º, deste mesmo artigo, firma que “Permanecem regidos pela legislação anterior procedimentos licitatórios e contratos iniciados ou celebrados até o final do prazo previsto no caput”.

20. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo, 14ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. P. 199.

21. TORRES, Ronny Charles Lopes de. As licitações públicas na nova Lei das Estatais (Lei federal nº 13.303/2016). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4974, 12 fev. 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/50905>. Acesso em: 10 jul. 2017.

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O entendimento majoritário é de que o novo regime de licitações da Lei nº 13.303/2016 “pode” ser aplicado pela estatal, desde a publicação da nova Lei (após serem promovidas as adaptações necessárias), tornando-se obrigatória tal aplicação, 24 meses após a referida publicação. Assim, o prazo de 24 meses, para adoção do novo regime licitatório, é um limite máximo, de forma que, após ele, as novas regras valerão, mesmo que a Estatal não tenha se preparado ou promovido as adaptações necessárias22.

1.7.3 ENTIDADES CONTROLADAS

Tais entidades seriam aquelas de natureza paraestatal que, gerindo dinheiro pú-blico e instituídas por lei, devem submeter seus atos negociais e contábeis ao Tribunal de Contas. Incluem-se, nesta categoria, os serviços sociais autônomos, como os des-tinados à formação profissional e à assistência social.23

1.7.4 SERVIÇOS SOCIAIS AUTÔNOMOS

Serviços Sociais Autônomos são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, criadas por Lei, que prestam atividades de interesse público (serviços não-exclusivos) em favor de certas categorias sociais ou profissionais. Sua criação depende de lei, que autoriza as respectivas Confederações Nacionais a constituí-las formalmente, sob uma das formas jurídicas admitidas (fundações, associações...).

Tais entidades, embora não integrem a Administração Pública, recebem fomento estatal e podem ser mantidas por recursos orçamentários ou por contribuições para-fiscais. Podemos citar como exemplo de Serviços Sociais Autônomos: o SESI (Serviço Social da Indústria), o SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), o SESC (Serviço Social do Comércio), o SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pe-quenas Empresas), o SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), o SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), o SEST (Serviço Social do Transporte), o SENAT (Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte) e a ApexBrasil (Agência de Promoção de Exportações do Brasil), entre outros.

Os Serviços Sociais Autônomos não estão sujeitos à observância dos estritos pro-cedimentos da Lei Geral de Licitações e Contratos (Lei nº 8.666/93). Eles podem uti-lizar seus regulamentos próprios, embora tais regulamentos devam estar pautados nos princípios gerais aplicáveis à Administração Pública. O TCU já firmou entendimento de que os Serviços Sociais Autônomos não se subordinam de forma estrita aos termos da Lei nº 8.666/93, podendo possuir regulamentos próprios que, contudo, devem ser compatíveis com a lei24.

22. TORRES, Ronny Charles Lopes de. A vigência das regras de licitação da nova Lei das estatais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4933, 2 jan. 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/54805>. Acesso em: 10 jul. 2017.

23. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo, 14ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. P. 198.

24. TCU, Acórdão nº 1.337/2003.

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Nesse sentido, convém registrar, o Plenário do TCU já decidiu que, diferentemen-te dos órgãos e entes federais (por conta da regra de obrigatoriedade do Decreto nº 5.450/2005), as entidades integrantes do “Sistema S” (Serviços Sociais Autônomos) não estão obrigadas a utilizar a modalidade pregão, para a aquisição de bens e ser-viços comuns25.

Noutro diapasão, o mesmo TCU não admite que as entidades do “Sistema S” con-tratem com empresas em débito com a seguridade social ou com o FGTS, exigindo a verificação da regularidade26, nem admite que as entidades do Sistema S, inovem na ordem jurídica, por meio de seus regulamentos próprios, instituindo novas hipóteses de dispensa e de inexigibilidade de licitação, tendo em vista que a matéria deve ser disciplinada por norma geral, de competência privativa da União27.

1.7.5 ORGANIZAÇÕES SOCIAIS (OS)

De acordo com a Lei federal nº 9.637/98, o Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, con-forme os requisitos nela previstos. As organizações sociais não pertencem à adminis-tração pública direta ou indireta, não compõem o aparato estatal, mas são títulos jurídicos criados para auxiliar a atuação do setor público, viabilizando o fomento e a execução de atividades relativas às áreas especificadas pelo legislador28.

A Organização Social foi expressamente prevista no Plano de Reforma do Estado, que apontava sua criação com a intenção de “publicização” daquilo que os reformis-tas chamavam de serviços públicos não estatais. O objetivo era o de que universidades e hospitais públicos, centro de pesquisas, bibliotecas e museus estatais fossem trans-formados em entidades de natureza privada, recebessem qualificação de organização social e celebrassem contratos de gestão com o Poder Público para a prestação de ser-viços não exclusivos, podendo ser destinados recursos orçamentários e bens públicos para tais integrantes do setor público não estatal29.

Contrato de gestão é o instrumento firmado entre o Poder Público e a entida-de qualificada como organização social, com vistas à formação de parceria entre as partes para fomento e execução de atividades relativas à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde. O contrato de gestão deve ser elaborado pelo órgão (ou entidade super-visora) e pela organização social (em comum acordo), discriminando as atribuições,

25. TCU, Acórdão nº 1392/2013.26. TCU, Acórdão 1770/2013-Plenário.27. TCU, Acórdão 1785/2013-Plenário.28. BALTAR NETO, Fernando; TORRES, Ronny Charles L. de. Direito Administrativo. 5ª ed. Salvador: Editora

Juspodivm, 2015.29. BALTAR NETO, Fernando; TORRES, Ronny Charles L. de. Direito Administrativo. 5ª ed. Salvador: Editora

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responsabilidades e obrigações do Poder Público e da organização social. Diante da lógica gerencial adotada, a legislação específica prevê que devem ser estipuladas as metas e os resultados a serem atingidos e os critérios objetivos de avaliação e desem-penho das atividades prestadas em virtude do contrato de gestão.

Como já explicado, as organizações sociais podem receber recursos orçamentários e bens públicos, para cumprimento do contrato de gestão, o que, em muitos casos, gera a necessidade de contratações posteriores, para o desenvolvimento das ativida-des de interesse público envolvidas nesse instrumento.

Em princípio, elas não precisam seguir o rito licitatório da Lei nº 8.666/93 para firmar contratos. A Lei Federal nº 9.637/98 dispôs, em seu artigo 17, que a entidade deve publicar, em até noventa dias, contado da assinatura do contrato de gestão, regulamento próprio, contendo os procedimentos que adotará para a contratação de obras, serviços e compras, com emprego de recursos provenientes do Poder Público.30 Há ainda, hipótese de dispensa licitatória para a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esfe-ras de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão (Lei nº 8.666/93, art. 24, inc. XXIV), que será comentada adiante.

1.7.6 ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO (OSCIP’S)

Na sequência da publicação da Lei nº 9.637/98 (Lei das Organizações Sociais), foi aprovada a Lei n.º 9.790/99. Com a aprovação da referida Lei, instituiu-se titulação que permite a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrati-vos, como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Vale salientar que, tecnicamente, OSCIP não é uma pessoa jurídica, mas uma qualificação especial, concedida pelo Estado às pessoas jurídicas da sociedade civil sem fins lucrativos que tenham por finalidade determinadas atividades sociais elencadas pela Lei. Nada obs-tante, é comum a referência às OSCIP’s como pessoas jurídicas31.

A Lei nº 9.790/99 estabelece tanto as entidades passíveis de certificação, como indica aquelas para as quais a qualificação estaria vedada. Assim, além de exigir a ausência de finalidade lucrativa e delimitar as áreas de interesse (serviços não exclusivos passíveis de parceria), a Lei exclui as entidades de fins corporativos ou de favorecimento mútuo (como sociedades comerciais, sindicatos, associações de classes, organizações partidárias, instituições hospitalares privadas e não gratui-tas, cooperativas, escolas privadas dedicadas ao ensino formal não gratuito, entre outros)32.

30. Sobre o tema, para aprofundamento, vide: TORRES, Ronny Charles Lopes de. Terceiro Setor: entre a liber-dade e o controle. Salvador: Jus Podivm, 2013.

31. BALTAR NETO, Fernando; TORRES, Ronny Charles L. de. Direito Administrativo. 5ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2015.

32. Sobre o tema, para aprofundamento, vide: TORRES, Ronny Charles Lopes de. Terceiro Setor: entre a liber-dade e o controle. Salvador: Jus Podivm, 2013.

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A Lei nº 9.790/99 é uma Lei Federal que trata sobre matéria não incluída no rol das competências legislativas privativas da União, previsto no artigo 22 da Consti-tuição Federal. Inexistindo restrição constitucional, o regramento federal não vincu-la, necessariamente, Estados e Municípios, sendo possível regulação específica pelas demais unidades federativas. Não obstante, embora inexista a obrigatoriedade de aplicação da referida lei federal, têm-se entendido que não há impedimento para que Estados e Municípios firmem ajustes com as OSCIP’s qualificadas pela União.33

A legislação permite que as entidades qualificadas como OSCIP, desde que aten-dam a determinadas condições legais, possam firmar termos de parceria com a Ad-ministração, para fins de prestação de serviços não exclusivos do Estado. O termo de parceria consubstancia um instrumento de cooperação firmado entre o Poder Público e entidades qualificadas como OSCIP’s, para fins de realização de serviços não exclusivos indicados pela Lei nº 9.790/99. Tal pacto cooperativo permite a destinação de recursos públicos para a OSCIP, os quais são, muitas vezes, utilizados para custear contratações feitas pela entidade privadas, para fins da prestação da atividade de interesse público pactuada. Importante frisar, outrossim, que as OS-CIPs podem também firmar convênios (e não, apenas, termos de parceria), os quais se submeterão ao regramento específico, como o explicitado no Decreto federal nº 6.170/2007.

Em regra, as OSCIP’s não precisam se submeter ao regime licitatório para a rea-lização de suas contratações ordinárias. Contudo, quando firmam termo de parceria, submetem-se ao regulamento próprio para a contratação com emprego de recursos públicos, observando os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, pu-blicidade, economicidade e eficiência. É necessária a publicação desse regulamento, no prazo máximo de trinta dias, contado da assinatura do termo de parceria.34 Ou-trossim, quando firmam convênios com o governo federal, de acordo com o Decreto federal nº 6.170/2011, a aquisição de produtos e a contratação de serviços com recursos da União transferidos a entidades privadas sem fins lucrativos deverão observar os princípios da impessoalidade, moralidade e economicidade, sendo ne-cessária, no mínimo, a realização de cotação prévia de preços no mercado, antes da celebração do contrato.

Em julgado interessante, prolatado em 2014, o Tribunal de Contas da União, percebendo a utilização indevida de entidades do Terceiro Setor, vedou “às entidades qualificadas como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), atuan-do nessa condição, participar de processos licitatórios promovidos pela Administração Pública Federal”35.

33. BALTAR NETO, Fernando; TORRES, Ronny Charles L. de. Direito Administrativo. 5ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2015.

34. Sobre o tema, para aprofundamento, vide: TORRES, Ronny Charles Lopes de. Terceiro Setor: entre a liber-dade e o controle. Salvador: Jus Podivm, 2013.

35. TCU, Acórdão 746/2014-Plenário.

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LEIS DE LICITAÇÕES PÚBLICAS COMENTADAS – RONNY CHARLES LOPES DE TORRES

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Art. 2º

Art. 2º. As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, se-rão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei.

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qual for a denominação utilizada.

1.8 PRETENSÕES CONTRATUAIS SUBMETIDAS ÀS LICITAÇÕES

O Artigo 2º reitera a submissão das contratações públicas ao princípio da obriga-toriedade, conforme comando estabelecido pelo constituinte, admitindo que hipóte-ses de exceção fossem “previstas por esta Lei”.

Como será visto adiante, a Lei nº 8.666/93 previu hipóteses de contratação di-reta, nas quais é desnecessária a realização do procedimento licitatório; contudo, importa observar que a competência legislativa para estabelecimento destas exceções (ressalvas) não se exaure com a Lei nº 8.666/93, sendo identificável hipóteses outras de contratação direta (por dispensa de licitação, por exemplo) em outros diplomas normativos.

1.8.1 PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE (PERSPECTIVA BUROCRÁTICA E PERS-PECTIVA DEMOCRÁTICA)

A realização de contratos pela Administração Pública exige, em regra, a obediên-cia ao certame licitatório (princípio da obrigatoriedade). Contudo, há exceções a esta obrigatoriedade que encontram fundamento no próprio texto constitucional, uma vez que o inciso XXI do artigo 37, da Constituição Federal, ao estabelecer a obrigatorieda-de do procedimento de licitação para os contratos feitos pela Administração, já inicia seu texto com a ressalva aos casos especificados na legislação.

“Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente per-mitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.” (CF, inciso XXI do artigo 37)

Importante frisar que o princípio da obrigatoriedade (de licitar) se manifesta sobre duas perspectivas, a burocrática e a democrática.

Pela perspectiva burocrática, o princípio da obrigatoriedade estabelece ao Poder público o compromisso de realizar licitações para contratar obras, serviços, compras e alienações, ressalvadas as hipóteses admitidas pela legislação (contratação direta).