Lei Penal No Tempo

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Introdução O Direito Penal moderno possui uma característica garantista, consubstanciada por princípios que o regem, cujo objetivo é proteger os cidadãos contra eventuais abusos do Estado. Tal característica teve suas origens na Magna Carta de 1215, onde teria surgido o Princípio da Legalidade, e foi se aperfeiçoando com o evoluir do pensar, principalmente com o surgimento dos ideais Iluministas e com o fim da monarquia absolutista (1789-1799), sendo estruturados, desta forma, os instrumentos limitadores do poder punitivo estatal, servindo estes como garantia aos cidadãos contra os eventuais abusos do Estado. Dentro do atual Princípio da Legalidade, princípio este base de todo o Direito Penal moderno, é possível encontrarmos outros quatro princípios tão importantes quanto o mesmo, quais sejam: da Irretroatividade da Lei Penal; da Reserva Legal; da Proibição da Analogia; e da Taxatividade. Deste modo, para se chegar a um dito “Estado Democrático e Garantista”, não há como se desprender de tais princípios que, além de ditar as estruturas de um Direito Penal garantidor, fornece aos cidadãos instrumentos para a defesa de sua liberdade e, de modo geral, de seus direitos. No Brasil, sendo este um Estado Democrático de Direito e ideologicamente garantista, não poderia ser diferente. Destarte, logo na Constituição Federal podemos ver expressamente a adoção dos Princípios da Legalidade (artigo 5º, inciso XXXIX, CF) e da Irretroatividade da Lex Gravior (artigo 5º, inciso XL, da CF), os quais também foram inseridos expressamente no Código Penal nos artigos 1º e 2º, respectivamente, além de outros princípios garantidores tacitamente nela inseridos.

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Introdução

O Direito Penal moderno possui uma característica garantista, consubstanciada por princípios que o regem, cujo objetivo é proteger os cidadãos contra eventuais abusos do Estado.

Tal característica teve suas origens na Magna Carta de 1215, onde teria surgido o Princípio da Legalidade, e foi se aperfeiçoando com o evoluir do pensar, principalmente com o surgimento dos ideais Iluministas e com o fim da monarquia absolutista (1789-1799), sendo estruturados, desta forma, os instrumentos limitadores do poder punitivo estatal, servindo estes como garantia aos cidadãos contra os eventuais abusos do Estado.

Dentro do atual Princípio da Legalidade, princípio este base de todo o Direito Penal moderno, é possível encontrarmos outros quatro princípios tão importantes quanto o mesmo, quais sejam: da Irretroatividade da Lei Penal; da Reserva Legal; da Proibição da Analogia; e da Taxatividade.

Deste modo, para se chegar a um dito “Estado Democrático e Garantista”, não há como se desprender de tais princípios que, além de ditar as estruturas de um Direito Penal garantidor, fornece aos cidadãos instrumentos para a defesa de sua liberdade e, de modo geral, de seus direitos.

No Brasil, sendo este um Estado Democrático de Direito e ideologicamente garantista, não poderia ser diferente. Destarte, logo na Constituição Federal podemos ver expressamente a adoção dos Princípios da Legalidade (artigo 5º, inciso XXXIX, CF) e da Irretroatividade da Lex Gravior (artigo 5º, inciso XL, da CF), os quais também foram inseridos expressamente no Código Penal nos artigos 1º e 2º, respectivamente, além de outros princípios garantidores tacitamente nela inseridos.

Todavia, nem sempre será fácil verificar, no caso concreto e complexo, se a aplicação das normas está sendo de acordo com os postulados pelos Princípios Constitucionais Penais e, consequentemente, se estão sendo garantidos os direitos dos cidadãos, conforme neles previstos.

Diante de inúmeras variáveis, principalmente as correlatas ás questões temporais, as quais são tema do presente trabalho, verifica-se que estas podem criar contra o interprete da lei penal uma densa neblina que o ofusca a chegar ao caminho garantista e de acordo com os postulados pelos Princípios Constitucionais Penais, levando-o, em contrapartida, a caminhos contrários, gerando inúmeros prejuízos a segurança jurídica e, consequentemente, às garantias dos cidadãos.

Nesse diapasão, a fim de evitar interpretações temerárias, é a lição do Professor Paulo de Souza Queiroz:

como guardião da legalidade constitucional, a missão primeira do juiz, em particular do juiz criminal, antes de julgar os fatos, é julgar a própria lei a ser aplicada, é julgar, enfim, a sua compatibilidade – formal e substancial – com a Constituição, para, se a entender lesiva à Constituição, interpreta-la conforme a Constituição ou, não sendo isso possível, deixar de aplica-la, simplesmente, declarando-lhe a inconstitucionalidade.[1]

Ante o exposto, é com base no acima referido que discutiremos, no presente trabalho, a constitucionalidade da Súmula nº 711 do Supremo Tribunal Federal, a qual diz “a lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência”.

Tal súmula foi editada pelo STF, em 24.11.2003, em sessão plenária, tendo como julgados precedentes: HC nº 76.978-1; HC nº 76.382-1; HC nº 74.250-5; HC nº 76.680-2; HC nº 80.540-0; RE nº 227.843-2; e extradição nº 714-9. O texto seria para por fim à discussão de ser possível, ou não, a retroatividade da lex gravior em casos de crimes permanentes ou continuados, desde que, durante a permanência ou a continuidade, a lei nova e mais grave já esteja em vigor. Entretanto, no desenrolar de nossa pesquisa, veremos que o plenário do supremo optou por seguir a corrente majoritária e deixou de lado a posição mais garantista e harmônica com os princípios dogmáticos penais.

Justamente por ser incompatível com os postulados pelos Princípios Penais Garantistas, foi que surgiram inúmeras críticas e o tema continua, ainda, em fervoroso debate.

Nossa pesquisa iniciou-se pela crítica feita pelo Professor Cezar Roberto Bitencourt, o qual sustenta a parcial inconstitucionalidade da referida súmula, no que se refere ao crime continuado[2].

Outrossim, verificamos que as sustentações trazidas pelos adeptos da constitucionalidade da Súmula nº 711-STF, consistente no argumento de que:

O agente que prosseguiu na continuidade delitiva após o advento da lei nova tinha possibilidade de orientar-se de acordo com os novos ditames, em vez de prosseguir na prática de seus crimes. É justo, portanto, que se submeta ao novo regime, ainda que mais severo, sem a possibilidade de alegar ter sido surpreendido[3]

O mesmo tipo de argumento é usado, também, para o crime permanente, não possuindo o necessário grau de cientificidade que a matéria exige, deixam de lado os postulados pelos Princípios Constitucionais Penais, bem como são desprezados as particularidades de cada instituto em analise (crimes continuado e permanente).

Desta feita, refinando nossas pesquisas, estudando a lei penal no tempo e os institutos dos crimes continuado e permanente, concluímos além do douto mestre Bitencourt pela total inconstitucionalidade da Súmula editada pelo C. STF, conforme adiante será demostrado.

Para tanto, começaremos, no primeiro capítulo, a dissertar sobre a lei penal no tempo, esboçando, com maior relevo, seus princípios. Após, trataremos especificadamente sobre os institutos dos crimes continuado e permanente, em capítulos autônomos, para, ao final, e com maior propriedade, sustentarmos a inconstitucionalidade da indigitada súmula por completo.

Lei Penal no Tempo

Primeiramente, vale ressaltar que, diante da exigência do Principio da Legalidade[4] (artigos 5º, inciso XXXIX, da CF e artigo 1º do CP), em seu sentido amplo[5], para que o cidadão seja punido por uma conduta, deve esta ser previamente definida como crime por lei que tenha vigência anterior à prática da conduta. Tal exigência cumpre, ainda, com o caráter fragmentário[6] do Direito Penal.

Assim, existindo a lei incriminadora e tendo esta vigência[7] anterior a pratica da conduta, é por esta lei que o agente será responsabilizado (tempus regit actum[8]), em outras palavras, é a lei vigente ao tempo da infração que será aplicada ao caso concreto.

Por outro lado, deve-se definir, também, o momento preciso em que o crime considera-se praticado. Entre as diversas teorias do tempo do crime (atividade, resultado e mista), o Código Penal Brasileiro adotou a teoria da atividade, considerando, em consequência, como momento do crime o da ação ou omissão, ainda que outro seja o do resultado (artigo 4º do CP).

Desta feita, realizando o verbo do tipo (ação ou omissão), será este o momento em que o crime considera-se praticado. Por exemplo, Melvio acerta três disparos contra Tício que, em razão destes, fica internado por três meses e, após, vem a falecer. Para todos os efeitos temporais (sejam eles para averiguar imputabilidade; momento do crime; lei penal a ser aplicada etc. – exceto quanto para averiguação da prescrição - vide artigo 111, inciso I, do CP), será o tempo da ação (disparos contra Tício) considerado como o momento de realização da conduta típica, ainda que Tício só venha, efetivamente, a falecer três meses após os disparos.

Entretanto, entre o momento da realização do crime e o efetivo comprimento da pena oriunda dele, podem surgir novas leis regulamentando o mesmo fato, anteriormente praticado e incriminado, restando dúvidas, a partir de então, de qual lei deve ser aplicada ao caso concreto.

Tal questão é solucionada, no entanto, através do Princípio da Irretroatividade[9] da Lei Penal Gravosa (artigo 5º, inciso XL, da CF e artigo 2º do CP), pelo qual são criadas certas exceções ao princípio tempus regit actum. Como cediço, a regra geral é que toda lei tenha atividade, ou seja, possui eficácia durante o período em que entra em vigor até a sua revogação, não sendo possível, por outro lado, sua eficácia antes da sua entrada em vigor ou após a sua revogação[10].

Todavia, o aludido princípio abre exceção à regra geral e permite que as leis benéficas ao réu tenham extra-atividade, podendo, portanto, atingir fatos anteriores (eficácia retroativa) ou posteriores (eficácia ultra-ativa) à sua vigência.

Deste modo, no caso de surgimento de eventual lei posterior, haverá 04 (quatro) possibilidades, conforme leciona o professor Cezar Roberto Bitencourt:

Novatio legis incriminadora: A conduta praticada era, anteriormente à nova lei, atípica. Todavia, surgindo esta nova lei, a conduta passa a ser punida a partir da sua entrada em vigor. No entanto, a lex gravior não poderá atingir fatos anteriores à sua vigência, em respeito aos princípios da Legalidade (artigo 5º, inciso XXXIX, da CF e artigo 1º do CP) e da Irretroatividade da Lex Gravior (artigo 5º, inciso XL, da CF e 2º do CP);

Novatio legis in pejus: Esta é a situação na qual a conduta já era incriminada ao tempo de sua prática, todavia, sobrevém lei nova mais severa (seja para aumentar a pena, hipótese de restrição a algum benefício, aumento do prazo prescricional, etc.). Nessa hipótese, a lex gravior também não poderá retroagir e só atingirá as condutas praticadas sob sua vigência, havendo incidência, portanto, do princípio da Irretroatividade da Lex Gravior (artigo 5º, inciso XL, da CF e 2º do CP). Ressalta-se, no entanto, quea lei anterior, lex mitior, terá eficácia ultra-ativa com relação aos fatos praticados na sua vigência;

Abolitio criminis:Neste caso, sobreveio lei nova que descriminalizou a conduta anteriormente tida como delituosa. Desta forma, os efeitos benéficos terão eficácia retroativa e atingirão as condutas praticadas anteriormente (haverá retroatividade da lex mitior); e

Novatio legis in mellius: Por fim, está é a situação na qual a conduta já era, ao tempo de sua prática, incriminada. Todavia, surge lei nova mais benéfica (lex mitior). Nesta situação, a lei melhor terá eficácia retroativa e atingirá os fatos anteriores à sua vigência. Haverá, portanto, incidência dos artigos 5º, inciso LX, da CF e 2º, parágrafo único, do CP.

Desta forma, resta nítido verificar que somente a lei mais benéfica ao réu poderá ter extra-atividade, ou seja, somente ela (lex mitior) poderá atingir fatos anteriores ou posteriores à sua vigência[11], em total harmonia com os postulados constitucionais e políticos-criminais.

Assim, realizada uma conduta típica, será aplicada a lei vigente ao tempo da infração (tempus regit actum) ou, no caso de surgir entre a apuração do fato, sentença e efetivo cumprimento da pena uma lei mais benéfica, será aplicada a lei que mais favoreça ao réu (exceção ao Princípio Tempus Regit Actum[12]).

Está é uma garantia constitucional[13] do cidadão a fim de evitar eventuais abusos do Estado, impondo que “as leis penais mais severas não podem ter força retroativa. A irretroatividade da lex gravior é consagrada na Constituição Federal (art. 5º, XL).”[14]

No mesmo sentido, bem lembra o professo Flávio Augusto Monteiro de Barros:

A retroatividade da lei penal que beneficia o réu é mandamento constitucional (art. 5º, XL, da CF). Nesse caso, a retroatividade é automática, independe de cláusula expressa, alcançando inclusive os fatos já definitivamente julgados. É a única lei capaz de retroagir em detrimento da coisa julgada.[15] (grifo nosso).

Por fim, vale ressaltar que a irretroatividade da lei penal (como princípio constitucional que é) não é um mero direito, mas sim um garantia fundamental inerente ao cidadão. Estabelecendo a distinção entre direitos e garantias individuais fundamentais, vale trazer a baila, a lição do professor Alexandre de Morais:

Diversos doutrinadores diferenciam direitos de garantias fundamentais. A distinção entre direitos e garantias fundamentais, no direito brasileiro, remota a Rui Barbosa, ao separar as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos; estas, as garantias; ocorrendo não raro juntar-se, na mesma disposição constitucional, ou legal, a fixação da garantia com a declaração.

E continua o ilustre mestre:

Para Canotilho, rigorosamente, as clássicas garantias são também direitos, embora muitas vezes se salientasse nelas o caráter instrumental de proteção dos direitos. As garantias traduzem-se quer no direito dos cidadãos a exigir dos poderes públicos a proteção dos seus direitos, quer no reconhecimento de meios processuais adequados a essa finalidade (exemplo: direito de acesso aos tribunais para defesa dos direitos, princípio do nullum crimen sine lege e nulla poena sine crimen, direito de habeas corpus, princípio do non bis in idem).[16]

Do crime permanente

Dentro do conceito de crime são feitas diversas classificações a fim de disciplinar as várias categorias de crimes de acordo com as suas efetivas peculiaridades. No entanto, para não delongar demasiadamente o presente trabalho, vamos nos abster à classificação cuja relevância é a duração do momento consumativo[17].

Nessa classificação, são previstos dois tipos de crimes, quais sejam, os instantâneos e os permanentes.

O crime instantâneo é aquele cuja consumação se alcança com o resultado, ou seja, o momento consumativo não se prolonga no tempo e tem momento preciso (embora possa se desmembrar em diversos atos[18]). São exemplos de crime instantâneo, Roubo (art. 157 do CP), Furto (art. 155 do CP), homicídio (art. 122 do CP), etc.

Neste ponto, vale ressaltar a lição do professor Cezar Roberto Bitencourt:

Crime instantâneo é o que se esgota com a ocorrência do resultado. Segundo Damásio, é o que se completa num determinado instante, sem continuidade temporal (lesão corporal)[19]

Deste modo, o sujeito ativo pratica a conduta, verbo da norma incriminadora (por exemplo: subtrai coisa alheia móvel), e somente quando alcança todos os elementos previstos no tipo é que a conduta perpetrada é tida como consumada (vide artigo 14, inciso I, do CP). Caso contrário, se no momento em que está executando o verbo do tipo, sua ação é impedida por fato alheio à sua vontade, a conduta perpetrada será considerada tentada (art. 14, inciso II, do CP).

Já o crime permanente é uma das modalidades de delito cuja característica peculiar é a prolongação e manutenção da sua consumação durante indeterminado lapso de tempo, de acordo com a vontade do agente. Este só terminará de agredir o bem jurídico tutelado pela norma se assim o quiser ou por circunstâncias alheias à sua vontade (exemplo: capturado pela polícia). Assim, praticando a conduta descrita como crime (o verbo do tipo), esta perdura no tempo, sendo sua consumação renovada a cada segundo. Exemplos de crime permanente: Sequestro (artigo 148 do CP); Tráfico ilegal de drogas, nas condutas de manter em depósito, trazer consigo e guardar (art. 33 da Lei 11.343/06); Extorsão mediante sequestro (art. 159 do CP), etc.

No mesmo sentido é a lição do Professor Fernando Capaz[20]:

O momento consumativo se protrai no tempo, e o bem jurídico é continuamente agredido. A sua característica reside em que a cessação da situação ilícita depende apenas da vontade do agente, por exemplo, o sequestro (art. 148 do CP)[21]

Verifica-se, portanto, que praticada a conduta (verbo do tipo), o delito restará consumado e esta situação perdurará indeterminadamente no tempo. Exemplo: Bartolomeu decide sequestrar Zelda. Desta feita, ao vê-la sair da escola, Bartolomeu a pega pelo braço e se dirige até a sua casa, onde a manteve por um ano, até que o cativeiro restou sendo descoberto pela polícia. Neste simplório exemplo, a consumação (do sequestro) iniciou-se no momento em que Bartolomeu puxou Zelda pelo braço, restringindo sua liberdade, e perdurou no tempo até a chegada da polícia, momento pelo qual foram cessadas as agressões ao bem jurídico tutelado pela norma incriminadora.

Por fim, resta salientar, conforme a lição do professor Flávio Augusto Monteiro de Barros[22], que há duas espécies de crimes permanentes, quais sejam, os eventualmente permanentes e os necessariamente permanentes. Pelo primeiro, verifica-se que, em regra, não são naturalmente permanentes, mas sim instantâneos. No entanto, devido à vontade do agente, o crime acabou tornando-se permanente (exemplo: furto de energia elétrica, artigo 155, parágrafo 3º, do CP). Já os necessariamente permanentes, são aqueles que para a sua configuração típica é essencial a que a conduta/consumação perdure no tempo (exemplo: sequestro).

Do crime continuado

O crime continuado é um dos institutos mais emblemáticos de todo o direito penal. Tanto doutrina como jurisprudência debatem, ainda hoje, questões sobre sua origem, natureza jurídica, seus fundamentos, aplicabilidade e etc.[23]

Em que pese no Direito Comparado possa existir grandes divergências quanto às suas peculiaridades e funcionalidades, tendo em vista as diversas teorias aplicáveis ao crime continuado, iremos restringir o presente trabalho no posicionamento adotado pelo Código Penal Brasileiro à luz da Constituição Federal.

Todavia, para um completo entendimento, não poderemos nos distanciar da parte histórica, a qual fornece toda a base do presente instituto, seus elementos constitutivos e os motivos políticos-criminal de sua aplicabilidade.

A gênese do crime continuado é muito debatida pela dogmática penal. Entretanto, a maioria da doutrina aponta como formuladores do presente instituto os Práticos Italianos do século XVI[24], os quais foram inspirados pelas escolas dos glosadores (1100-1250) e dos pós-glosadores (1250-1450) que reviveram os estudos de direito romano, germânico e canônico.

Os Práticos Italianos, movidos pela benignidade, apresentaram a tese da continuidade delitiva, pela qual os crimes subsequentes deveriam ser tidos como continuação do primeiro, com o intuito de impedir a pena capital para os autores do terceiro furto e, deste modo, afastar às desproporcionalidades entre a conduta praticada e a pena cominada.

Neste sentido é a lição do professor Manoel Pedro Pimentel:

Não há lugar para dúvidas quanto à verdadeira origem do crime continuado. Ao critério da benignidade dos práticos italianos, procurando amenizar o rigor da punição com a morte, cominada ao autor do terceiro furto, devemos atribuir essa origem.[25] (grifo nosso)

Desta feita, fica claro que a origem do instituto teve suas bases calcadas na benignidade e no favor rei a fim de amenizar o rigor da soma aritmética das penas, bem como afastar a pena capital, a qual apresentava flagrantes sinais de desproporcionalidade.

No mesmo sentido ensina o professor Ney Fayet Júnior:

E também se pode afirmar que o escopo que se lhes inspirou, ao desenvolverem o abrandamento do rigor penal por meio da unificação dos delitos, era, verdadeiramente, o favor rei, para permitir àqueles delinquentes que tivessem praticado o terceiro delito de furto escaparem da pena de morte. Tratava-se, portanto, do sentimento pietatis causa que impedia a morte do autor do tertium furtum.[26]

No Brasil, o instituto do crime continuado foi legislado pela primeira vez no Código Penal da República de 1890, nos seguintes termos “Quando o criminoso tiver de ser punido por mais de um crime da mesma natureza, cometidos em tempo e lugar diferentes, contra a mesma ou diversa pessoa, impor-se-lhe-á no grau máximo a pena de um só dos crimes com aumento da sexta parte.”[27]

Referindo-se à primeira criação legislativa brasileira do crime continuado, vale ressaltar os comentários do Professor Alcides da Fonseca Neto:

Comentando o referido texto e citando o Código Toscano como seu precedente legislativo, JOÃO VIEIRA DE ARAÚJO leciona que a continuação criminosa é uma repetição de atos constitutivos de crime e distintos entre si, porém fundidos em um crime único, porquanto se dirigem ao objetivo de uma mesma resolução criminosa.[28] (Grifo nosso)

Hoje, o crime continuado se encontra disciplinado no artigo 71 do Código Penal, nos termos da reforma introduzida pela Lei 7.209/84, o qual está inserido no capítulo II, do título V - Das Penas, com a seguinte redação:

Artigo 71. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

Parágrafo único. Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do artigo 70 e do artigo 75 deste Código.

Nos atuais ditames, vemos que o crime continuado, no Brasil, é uma das espécies de concurso de crimes (entre o concurso material e formal) e, consequentemente por estar no capítulo referente às penas, é visto como um instituto de aplicação da pena[29]. No mesmo sentido:

Entretanto, diante da lei penal brasileira (artigo 69 usque 72 do CP), não lhe resta outra inserção lógica que não seja a de permanecer situado na teoria da pena, uma vez que, especificadamente no que concerne à continuidade delinquencial, a unificação da cadeia criminosa tem como função precípua a aplicação de uma reprimenda mais digna ao agente, de forma a que sejam evitados os males produzidos pelo concurso material de delitos.[30]

Reconhecido o instituto do crime continuado, a pena a ser aplicada deverá seguir o sistema da exasperação da pena, pela qual, dentre as penas dos diversos delitos em concurso, aplica-se a mais grave aumentada em certo valor (1/6, 2/3, o triplo, etc.).

Seguindo a tradicional origem história, o Código Penal Brasileiro adotou[31], como fundamento à aplicação do presente instituto, a teoria da benignidade[32], pela qual o instituto é aplicado para afastar a drasticidade e desproporcionalidade do sistema do cúmulo material de penas, trazendo uma forma mais benéfica de imposição de pena.

Ademais, verifica-se que o crime continuado é, em verdade, uma espécie benéfica do concurso material de delitos, desde que alcançados, logicamente, todos os requisitos objetivos previstos na lei penal, tendo em vista que ambos derivam da pluralidade de condutas e resultados delituosos.

No mesmo sentido é o posicionamento do professor Alcides da Fonseca Neto:

Com efeito, como já foi alinhavado anteriormente, a lei penal brasileira trata o crime continuado como uma modalidade benéfica do concurso material de crimes, considerando-o, através de uma ficção legal, como crime único tão-somente para fins de aplicação da pena, porém reconhecendo que ele é integrado por duas ou mais condutas típicas[33]

Desta feita, resta cristalino o entendimento que o concurso material é a regra. No entanto, alcançados os requisitos objetivos postulados pela norma penal, haverá um tratamento mais benéfico no momento da dosimetria da pena, visto que, reconhecido o crime continuado (exceção), será aplicado o sistema de exasperação da pena.

1.1. Natureza Jurídica do Crime Continuado

Quanto à natureza jurídica do crime continuado, da mesma forma que o instituto como um todo, há grandes divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca da teoria mais adequada ao sistema repressivo brasileiro.

Conforme o professor Alcides da Fonseca Neto[34], três teorias procuram estabelecer a natureza jurídica do crime continuado, a saber:

Teoria da Unidade Real: pela qual o crime continuado seria, em verdade, um crime único, em razão da unidade de intenção, independentemente do número de condutas delitivas. Desta forma, as diversas condutas praticas, por terem fulcro em um elemento subjetivo comum, fazem parte de uma conduta real e única (o todo);

Teoria da Unidade Jurídica ou Mista: Por esta teoria, o crime continuado não seria nem uma ficção e nem uma realidade, mas sim se constituiria de instituto sui generis, seria uma figura própria, especial e peculiar; e

Teoria da Ficção Jurídica: Por fim, pela teoria da ficção, em que pese ontologicamente exista uma pluralidade de condutas delituosas autônomas, a lei penal, devido a circunstâncias objetivas comuns e movida por motivos de política-criminais, estabelece que os crimes subsequentes devam ser tidos como continuação do primeiro, havendo, para fins de aplicação da pena, um crime único.

Pela própria literalidade do artigo 71 do Código Penal Brasileiro é possível verificar a adoção da Teoria da Ficção Jurídica. Ademais, verifica-se que, em algumas passagens, o próprio Código Penal impõe que a ficção deva ser afastada para que cada delito seja autonomamente considerado. Assim, como exemplo, podemos citar o concurso material benéfico, pelo qual, quando o sistema de exasperação da pena for mais prejudicial que o próprio cúmulo material, deve a ficção ser afastada para que os crimes sejam autonomamente

considerados, ensejando a situação mais benéfica. Da mesma forma prescreve o artigo 119 do Código Penal que impõe, para verificação da extinção da punibilidade, o afastamento da ficção, para que seja considerada a pena aplicada a cada crime, isoladamente, sendo imperioso, portanto, reconhecer que cada delito componente da cadeia delituosa possui prazo prescricional próprio, conforme Súmula 497 STF.

No mesmo sentido, a lição do professor Alcides da Fonseca Neto:

Assim sendo, para esta teoria, com a qual concordamos, a continuidade delituosa é resultante de uma criação legal destinada tão-só à aplicação de uma pena, muito embora existam, no plano ontológico, vários delitos, ou seja, a unificação não retira a autonomia dos delitos que compõem a cadeia criminosa.[35] (grifo nosso)

Destaca-se, também, a lição do professor Cezar Roberto Bitencourt:

(...) o crime continuado é uma ficção jurídica concebida por razões de política criminal, que considera que os crimes subsequentes devem ser tidos como continuação do primeiro, estabelecendo, em outros termos, um tratamento unitário a uma pluralidade de atos delitivos, determinando uma forma especial de puni-los.[36](grifo nosso)

Do mesmo modo, considerando a teoria da ficção, temos que, em que pese entendimento contrário[37], o crime continuado não possui momento consumativo único, no entanto, cada delito componente da cadeia delitiva possuirá momento consumativo próprio, o que ressalta, ainda mais, a autonomia dos delitos dentro da cadeia delituosa.

No mesmo sentido é a lição do professor Alcides da Fonseca Neto:

De nossa parte, consideramos não ser possível o estabelecimento de um momento único de consumação, pois cada delito integrante da cadeia delitiva possui seu próprio momento terminativo, o que leva à conclusão de que não exista tentativa de crime continuado, conquanto ela possa ocorrer em relação a cada delito componente da série delituosa[38]

1.2. Estrutura do Crime Continuado

Por fim, restou-nos dissertar sobre a estrutura do presente instituto, nos termos do Código Penal Brasileiro.

De acordo com o Código Penal, são elementos do crime continuado: a) Pluralidade de condutas; b) Crimes da mesma espécie; c) semelhantes condições de tempo, espaço e maneira de execução; e d) outras semelhantes.

Como vimos acima, tendo em vista a adoção da teoria da ficção e sendo o crime continuado uma espécie benéfica do concurso material, resta claro que é de caráter elementar do crime continuado a reiteração de condutas delituosas (ou pluralidade de condutas delituosas), sem a pluralidade de condutas delitivas não há crime continuado, mas sim crime único.

Por crimes da mesma espécie, temos que devem ser entendidos todos aqueles que de diferentes formas atingem o mesmo bem jurídico penalmente protegido[39] (exemplo: roubo e furto atingem o mesmo bem jurídico, o patrimônio), visto que o código exige, apenas, que sejam da mesma espécie e não crimes idênticos.

Quanto aos requisitos de semelhantes condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, vemos que estes (de caráter puramente objetivo) servem para fornecer aos delitos em cadeia certo nexo continuidade. Assim, através de uma ficção legal, será possível ao aplicador da lei verificar que havia certo nexo entre os delitos autônomos e, deste modo, reconhecer o crime continuado (mais benéfico ao agente do que o concurso material).

Todavia, há grandes discussões, tanto da doutrina quanto na jurisprudência, quanto a um possível elemento subjetivo unificante. Para tanto, na lição do professor Alcides da Fonseca Neto[40], há três teorias, a saber:

Teoria Subjetiva: Por esta teoria, sustenta-se que os delitos em cadeia são conectados, apenas, por um dolo comum, restando, portanto, independente dos elementos objetivos;

Teoria Objetiva-Subjetiva: Já para esta teoria, além dos elementos objetivos, deve haver uma conexão subjetiva entre os delitos (um dolo unitário).

Teoria Objetiva: Por fim, nesta teoria são levados em consideração apenas os elementos objetivos, postulados pelo Código Penal, sendo irrelevante o caráter subjetivo, ou seja, prescinde de um fator intelectivo.

Apesar do fervor das discussões entre quais das teorias são aplicáveis ao Código Penal Brasileiro, vemos que este adotou expressamente a Teoria Objetiva quando verificado a exposição de motivos da nova parte geral do Código Penal, a qual diz:

59: O critério da teoria puramente objetiva não revelou na prática maiores inconvenientes, a despeito das objeções formuladas pelos partidários da teoria objetivo-subjetiva. O projeto optou pelo critério que mais adequadamente se opõe ao crescimento da criminalidade profissional, organizada e violenta, cujas ações se repetem contra vítimas diferentes, em condições de tempo, lugar, modos de execução e circunstâncias outras, marcadas por evidente semelhança. Estender-lhe o conceito de crime continuado importa em beneficiá-la, pois o delinquente profissional tornar-se-ia passível de tratamento penal menos grave que o dispensado a criminosos ocasionais. (...)

Neste sentido, é a lição do professor Cezar Roberto Bitencourt:

“É o conjunto das condições objetivas que forma o critério aferidor da continuação criminosa”[41]

Vale ressaltar, também, a observação do Professor Nelson Hungria:

O elemento psicológico reclamado pela teoria objetivo-subjetiva, longe de justificar esse abrandamento da pena, faz dele a paradoxal recompensa a um “plus” de dolo ou de capacidade de delinquir. É de toda a evidência que muito mais merecedor de pena aquele que ab initio, se propõe repetir o crime, agindo segundo um plano, do que aquele que se determina de caso em caso, à repetição estimulada pela anterior impunidade, que lhe afrouxa os motivos da consciência, e seduzido pela permanência ou reiteração de uma oportunidade particularmente favorável.[42]

Outrossim, verifica-se que o artigo que disciplina a matéria exige, apenas, requisitos de ordem objetiva (pluralidade de condutas; crimes da mesma espécie; semelhantes condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes), sendo desprezada a exigência de qualquer requisito de ordem subjetiva. Além do mais, pela própria tradição histórica, vemos que o requisito subjetivo sempre foi descartado para a configuração do delito continuado. Desta feita, não há como criar, nos termos da legislação brasileira, uma exigência elementar pretoriana, a fim de dificultar a configuração e aplicação do instituto, sob pena de violação do Princípio da Legalidade[43].

Em síntese, para fixar os objetivos do presente trabalho, verifica-se que o instituto do crime continuado foi criado a partir de uma política-criminal benéfica, através de um favor rei; tem como elementar a pluralidade de condutas, sendo adotada a teoria da ficção; os delitos componentes da cadeia delitiva são autônomos entre si, sendo considerados únicos apenas para fins de aplicação da pena; e o elemento subjetivo é irrelevante para a sua configuração.

Da inconstitucionalidade da súmula 711 do Supremo Tribunal Federal

Tudo quanto até aqui exposto nos dará suporte científico para sustentarmos a inconstitucionalidade da Súmula 711 do STF, objetivo deste trabalho. Conforme já destacado, tal Súmula impõe que “A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência”.

No mesmo sentido, os julgados[44] que precederam a referida súmula justificam o seu teor afirmando que a lei posterior mais grave deve ser aplicada a toda cadeia delitiva, no crime continuado, ou a toda extensão do momento consumativo, no crime permanente, tendo em vista que tanto a permanência quanto a continuidade se dá pela vontade do agente que, tendo poder sobre os atos delitivos, poderia cessa-los antes da entrada da nova lei mais gravosa, mas não o fez por sua conta e risco.

Entretanto, considerando tudo até aqui apresentado, vemos que a referida súmula ignora regras e princípios basilares do Direito Penal, bem como trata de forma impar dois institutos completamente distintos.

Ademais, analisando o texto da Súmula 711 do STF e os julgados que a precederam, vemos que faltou uma análise científica e crítica sobre a matéria, extremamente necessária ao caso em análise, para que não fossem desrespeitados princípios e garantias fundamentais, além de evitar o equivoco de equiparar o crime permanente ao crime continuado.

Desta maneira, apontaremos seríssimas críticas à Súmula 711 do STF, as quais a rechaçam para o campo da inconstitucionalidade, frente à legislação brasileira. De todo o modo, antes de darmos início, vale trazer a baila o comentário do Professor Cezar Roberto Bitencourt a respeito da referida súmula:

Considerando que crime continuado e crime permanente são institutos distintos, equipará-los, especialmente para ampliar a punibilidade de ambos, é uma opção de alto risco, ferindo princípios sagrados, como o da irretroatividade da lei penal mais grave.[45]

Seguindo os ensinamentos do Professor Cezar Roberto Bitencourt e usando como suporte teórico os capítulos I, II e III do presente trabalho, seguiremos às críticas e ao apontamento da inconstitucionalidade.

Como visto, o crime permanente é uma espécie do gênero delito, sendo um crime único e possuindo como característica peculiar a manutenção de sua consumação durante tempo indeterminado, segundo a vontade do agente. Assim, desde o primeiro momento em que o agente realiza a conduta típica (verbo do tipo), o delito está consumado e é esta qualidade de delito consumado é que perdurará por tempo indeterminado.

Assim, seguindo a regra geral do tempus regit actum (artigo 4º do CP), é o momento da ação ou omissão que será considerado como o momento da prática do crime, bem como será a lei vigente ao tempo do crime a aplicável ao agente.

Deste modo, sobrevindo lei penal mais grave, não há como conceber a ideia de que esta possa retroagir, mesmo que a consumação do delito tenha perdurado e cessado somente depois da entrada em vigor da lex gravior. Isso porque, realizada a ação ou omissão e já estando o delito consumado ao tempo da lei anterior mais benéfica, será esta que regerá a conduta e à aplicável ao agente, mesmo que sobrevenha a lex gravior durante a manutenção e cessação da consumação, visto que, para fins de aplicação da lei penal no tempo, considera-se a lei vigente ao tempo da ação ou omissão.

Caso contrário, estaríamos admitindo, por vias transversas, a possibilidade da retroatividade da lei mais grave (hipótese esta constitucionalmente impedida pelo artigo 5º, inciso LX, da CF), já que o delito se encontrava praticado (e até mesmo consumado) ao tempo da lei anterior menos severa, sendo somente parte de sua consumação (que perdura por tempo indeterminado) realizada durante a vigência da nova lei mais grave.

Ora, desta maneira, mister se faz reconhecer que somente parte da consumação foi realizada na vigência da lei posterior mais grave. No entanto, a ação/omissão e a outra parte da consumação, foi realizada ainda na vigência da lex mitior anterior.

Portanto, sendo o crime permanente um crime único e considerando que apenas alguns atos de consumação perduraram no tempo, imperioso se faz reconhecer que a aplicação da lei posterior mais grave fere flagrantemente o princípio constitucional da Irretroatividade In Pejus (artigo 5º, LX, da CF).

No mesmo sentido, comenta o Professor Ricardo Rachid de Oliveira sobre qual lei deve ser incidir, no crime permanente, sobrevindo lei posterior mais grave:

“Sendo único o crime e tendo sido praticado na vigência de mais de uma lei, deve prevalecer a que mais beneficiar o réu” [46]

É, também, a posição dos professores Nilo Batista e Eugênio Raúl Zaffaroni:

Como tanto a ação quanto a omissão podem prorrogar-se no tempo, admitindo pois um termo inicial e um termo final, levanta-se o problema de qual deles tomar em consideração. Ao contrário do entendimento predominante entre os europeus, recomenda-se

privilegiar o termo inicial da ação ou da omissão, uma vez que a aplicação de lei mais gravosa que entrasse em vigor entre o termo inicial e o termo final da ação ou omissão implicaria incidir ela sobre parte da conduta já realizada, consubstanciando retroatividade in pejus constitucionalmente inadmissível. Tal linha levaria a referir, nos crimes permanentes, o tempus comissi delicti à execução e não à consumação protraída.[47]

Ademais, incabível o argumento de que, devido à vontade do agente em continuar na permanência criminosa, seria possível a aplicação da lei posterior mais grave, pois resultaria o mesmo do que dizer que seria possível afastar uma garantia fundamental e constitucional (Princípio da Retroatividade In Pejus), devido à vontade do agente.

Outrossim, em que pese a permanência tenha sua duração determinada segundo a vontade do agente, verifica-se que é da essência dos crimes permanentes o prolongamento do seu momento consumativo no tempo[48]. Desta forma, resta, no mínimo, contraditório punir com maior rigor o agente que pratica um crime permanente, cujo momento consumativo se alonga no tempo, justamente por ele perdurar no tempo (ou seja, continuar segundo a vontade do agente).

No mais, restaria configurada uma dupla penalização (bis in idem), visto que o agente já seria penalizado pelo crime permanente e, devido ao surgimento de uma nova lei mais grave, terá que suportar um plus em sua penalização, por ter dado seguimento a uma espécie de delito que tem por natureza a característica de perdurar no tempo[49].

Por outro lado, o crime continuado é uma espécie do gênero concurso de crimes, possuindo como característica natural a pluralidade de condutas típicas (ou seja, é formado por vários crimes autônomos ligados em cadeia) que, devido a certas similitudes prescritas em lei, devem ser tidas como um único delito, para fins de aplicação da lei penal.

Assim, resta evidente que o crime continuado é, em verdade, uma pluralidade de crimes autônomos ligados por um liame objetivo (seguindo a teoria da ficção), cuja lei penal, por razões político-criminais de benignidade (a fim de evitar a drasticidade do cúmulo material), os trata como crime único apenas para fins de aplicação de pena.

Neste ponto, vale ressaltar a lição do professor Ney Fayet Júnior:

Em face disso, deve expender-se essa questão, adiantando-se, todavia, que, segundo se avalia, o crime continuado deve ser catalogado como modalidade do concurso de crimes; até porque a unificação da cadeia criminosa, a partir da disciplina do crime continuado, tem como finalidade precípua a aplicação da pena, não deixando de possuir, em seu substrato, a pluralidade de fatos puníveis (dado que permite a sua inclusão na moldura conceitual do concurso de delitos).[50]

E isso resta claro quando verificamos que, em algumas passagens, o próprio Código Penal afasta a ficção e considera cada delito autonomamente. Citando como exemplo, vemos o artigo 119 do CP que reza que, para efeitos de extinção da punibilidade, o decurso do prazo prescricional incidirá sobre a pena de cada delito, isoladamente[51].

Mais uma vez, recorremo-nos às lições do Professor Ney Fayet Júnior:

Com efeito, a unidade do crime continuado projeta-se tão somente só sobre a estruturação da pena, na medida em que, para os demais efeitos penais, cada um dos crimes componentes do elo de continuidade mantém a sua autonomia, notadamente no que respeita à prescrição punitiva e à decadência, cuja analise é realizada em relação a cada crime, ou, ainda, em matéria de indulgentia principis: ‘só os crimes abrangidos pela graça soberana tem extinto o direito de punir que de sua prática, nasceu para o Estado.[52]

Deste modo, sendo cada delito, em verdade, autônomo (e com momentos de ação/omissão e consumativo próprios), admitir, como quer a súmula, a aplicação da lei posterior mais grave a toda (e ficta) cadeia delitiva, será também, por vias transversas, admitir a possibilidade da retroatividade da lei posterior mais grave, bem como ignorar a existência do sagrado princípio constitucional-penal previsto no artigo 5º, inciso LX, da Constituição Federal (Irretroatividade in pejus)[53].

Isso porque, alguns dos delitos componentes da cadeia delitiva foram praticados e consumados ainda sob a vigência da lei anterior mais benéfica e outros foram praticados na vigência da lei posterior mais grave. Desta feita, aplicando a lei posterior mais grave aos crimes praticados anteriormente à sua vigência, resultará em odiosa retroatividade in pejus.

Além do mais, punir de maneira mais onerosa o autor do crime continuado, justamente por este dar continuidade à cadeia delituosa, vai contra os fundamentos históricos e de benignidade que originaram o instituto.

Neste ponto, lembremo-nos da lição do professor Alcides da Fonseca Neto:

Com efeito, como já visto, o crime continuado nasceu sob o signo da piedade, a fim de evitar que o autor do terceiro furto fosse enforcado e, na atualidade, ele encontra seu fundamento numa nova roupagem conferida à mesma benignidade, eis que o crime continuado passa a ser empregado como forma de amenizar-se o rigor do concurso material de delitos, diante dos perniciosos efeitos do sistema do cúmulo material. É dentro desse contexto, portanto, que ele deve ser interpretado.[54](grifo nosso)

Com efeito, sendo da natureza do crime continuado a pluralidade de condutas típicas[55], punir com maior rigor o autor que permanece na continuidade delitiva, no mesmo sentido que no crime permanente, resultará em repugnante bis in indem, visto que o autor do crime continuado já será penalizado por manter a continuidade delitiva (sendo aplicada a causa de aumento de 1/6 a 2/3, nos termos do artigo 71 do Código Penal) e, mesmo assim, terá que sofre um plus em sua penalização, devido o surgimento de uma nova lei penal mais grave, a qual, salientamos, terá odiosos efeitos retroativos.

Devemos ressaltar, ainda, que, conforme visto no artigo 71 do CP, são os crimes subsequentes havidos como continuação do primeiro e não o inverso. Assim, mesmo na hipótese de consideração de crime único (teoria da unidade real), deverá ser aplicada a lei referente ao tempo da ação/omissão da primeira conduta, visto que os subsequentes serão tidos como continuação deste.

Neste sentido, a lição do professor Alcides da Fonseca Neto:

Avaliando as duas posições contrapostas, parece-nos mais acertada a tese minoritária, haja vista que, inegavelmente, sendo o crime continuado uma ficção criada por lei, o primeiro delito – e não o último – deve servir de fundamento à determinação do tempus do crime, à medida que a nítida dicção do artigo 71 deixa claro transparecer que ‘devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro...[56]

Deste modo, resta notório que a Súmula 711 do STF não respeita as particularidades de cada instituo (tanto o crime permanente quanto continuado), bem como ignora a incidência do Princípio da Irretroatividade In Pejus (artigo 5º, inciso LX, CF e artigo 2º do Código Penal), o que resulta em sua completa inconstitucionalidade.

Por fim, mister se faz destacar que os princípios constitucionais[57] (englobando, como cediço, os princípios da Legalidade e da Irretroatividade in Pejus) são limitadores do poder punitivo estatal, a fim de evitar possíveis e eventuais arbitrariedades, por parte do Estado, contra os cidadãos. Deste modo, todas as leis penais (e, em verdade, todas as leis em geral) devem ser confrontadas com as normas e princípios constitucionais, a fim de ser possível verificar se aquelas estão materialmente em harmonia com estas.

Com efeito, verifica-se que os princípios encontram-se no ponto mais alto de todo e qualquer sistema jurídico, devendo todo o restante, hierarquicamente inferior, respeitar a sua validade e incidência[58].

Não é por outro motivo que o professor Rogério Greco, defendendo uma interpretação conforme a constituição, diz:

As normas infraconstitucionais devem, sempre, ser analisadas e interpretadas de acordo com os princípios informadores da Carta Constitucional, não podendo, de modo algum, afrontá-los, sob pena de ver judicialmente declarada a sua invalidade, seja através do controle direito de constitucionalidade, exercido pelo Supremo tribunal Federal, seja pelo controle difuso, atribuído a todos os juízes que atuam individual (monocráticos) ou coletivamente (colegiados). Mediante uma interpretação conforme a Constituição, de acordo com a lição de Manoel Messias Peixinho, “reconhece-se a supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico, não só estabelecendo uma hierarquia de uma lei superior sobre outra de nível inferior, como, também, exercendo uma vigilância da constitucionalidade das leis.”[59]

Ademais, ainda que a interpretação conforme a constituição pudesse apresentar mais de uma interpretação possível, restaria ao aplicador da lei penal utilizar a interpretação que seja mais favorável ao réu, como forma de propiciar uma maior garantia ao cidadão, bem como sedimentar um Estado Garantista de Direito.

Neste mesmo sentido, leciona o professor Flávio Augusto Monteiro de Barros:

Se, todavia, pairar dúvida insolúvel sobre qual entre as interpretações possíveis é a mais razoável, o juiz deve empregar o in dubio pro reo, acatando a exegese mais favorável. Frise-se, porém, que apenas na hipótese de dúvida invencível pelos métodos hermenêuticos aplica-se, como recurso exegético, o princípio in dubio pro reo ou in dubio pro mitiore.[60]

Ante o exposto, incabível aceitar os postulados pela súmula 711 do STF, sem rechaça-la para o campo da inconstitucionalidade, seja pela violação aos princípios constitucionais (Legalidade e Irretroatividade in Pejus) ou mesmo pela desconsideração das características fundamentais e peculiares de cada instituto (crime continuado e crime permanente).

Conclusão

Conforme todo o exposto, restou flagrante que, diante de um Estado Garantista de Direito, não há como conceber o ora exposto na Súmula 711 do Supremo Tribunal Federal. Isso porque, conforme demostrado, a referida súmula desconsidera as características fundamentais e particulares do crime continuado e do crime permanente, bem como, e o que é pior, viola o sagrado Princípio da Irretroatividade in Pejus - artigo 5º, inciso LX, da Constituição Federal e artigo 2º do Código Penal – e, ainda, indiretamente, o da Legalidade.

O Direito Penal moderno está indissoluvelmente incrementado por princípios garantistas que devem ser à base de qualquer interpretação. Deste modo, os princípios

acompanham as normas em sua interpretação, orientação e aplicação, não sendo possível a sua desvinculação. Na verdade, a norma é a concha de retalhos sob os princípios. Se fosse possível a retirada desta concha de retalhos, o que restaria seriam apenas os princípios. Assim, resta claro que os princípios são a base de toda a estrutura lógico-jurídica, não sendo, apenas, mera elocução.

Com efeito, no momento da incidência concreta da norma, esta deve ser interpretada e aplicada de acordo com os princípios que a originaram e a orientam. A bem da verdade, as normas nada mais são do que a incidência concreta de princípios idealísticos que norteiam todo o ordenamento jurídico.

Por outro lado, aquele que deixar de lado os princípios, estará na mão contrária de todo o sistema jurídico, já que sua interpretação/aplicação da lei abandonou os princípios que fomentaram a criação da norma a ser aplicada.

Ora, como seria possível ao julgador aplicar a norma jurídica, sem estar, no entanto, respaldado pelos princípios políticos que fomentaram a sua criação?

Distantes dos princípios, certamente este julgador será arbitrário, visto que abandonou as vontades e as idealizações de seu povo, os quais, através dos mecanismos legislativos, criaram as normas jurídicas a partir de seus princípios e idealizações políticas, conquistadas através das experiências históricas.

Do mesmo modo, aquele que ignora as garantias arduamente alcançadas, será também considerado um arbitrário, visto que ultrapassou os limites impostos ao poder punitivo estatal, para estabelecer normas que, no mais das vezes, contraria as vontades e as garantias de um povo, frente às vontades caprichosas de um governante.

Por esse motivo, os princípios garantistas e limitadores dos poderes estatais estão previstos no ápice do sistema normativo (na Constituição Federal), devendo todas as interpretações das normas a serem aplicadas, previamente, confrontadas com a Constituição, assim, somente se estiverem em harmonia com esta, serão tidas como materialmente e constitucionalmente válidas. Destarte, somente através deste mecanismo é que será possível alcançar as funções garantistas de um verdadeiro Estado Democrático de Direito.

Neste sentido, por fim, fica a nossa crítica aos ministros do Supremo Tribunal Federal que, ao originar a Súmula 711, além de desconsiderarem as particularidades dos institutos analisados neste trabalho, violaram, com sua interpretação, o princípio garantista da Irretroatividade in Pejus, resultando, em consequência, a inconstitucionalidade da referida súmula.

Referências Bibliográficas

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SANTOS, Christiano Jorge. Direito Penal – parte geral, Ed. Ponto a Ponto, 2009;

[1] QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito Penal – Introdução Crítica, p.39

[2] Enfim, a nosso juízo, venia concessa, é inconstitucional a Súmula 711, editada pelo STF, no que se refere ao crime continuado. (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tradado de Direito Penal – parte geral, ed. Saraiva, 17ª edição- 2012, pg. 219)

[3] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal- Parte Geral, ed. Saraiva, 15ª edição-2011, pg.559

[4] Em que pese tenha divergência doutrinaria quanto o seu surgimento, tem-se que este é o princípio base de todo o Direito Penal moderno.

[5] “Claus Roxin trata, com felicidade, dos quatro desdobramentos do princípio da legalidade: a) nullum crimen, nulla poena sine lege scripta; b) nullum crimem, nulla poena sine praevia lege; c) nullum crimen, nulla poena sine lege certa; e d) nullum crimen, nulla poena sine lege stricta, ou seja, não há crime nem pena sem lei escrita, prévia, certa e estrita” (DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; e outros. Código Penal Comentado, ed. Saraiva, 8ª edição, 2010. Pg.76-77)

[6] “O caráter fragmentário do Direito Penal decorre, portanto, de que este não protege qualquer lesão a qualquer bem jurídico, mas tão somente as lesões mais graves aos bens jurídicos mais relevantes. Disto resulta que o poder punitivo apenas se ocupa de parte da totalidade de bens jurídicos protegidos pela ordem jurídica.” (JUNQUEIRA, Gustavo; VANZOLINI, Patrícia. Manual de Direito Penal, ed. Saraiva, 2013, pg. 40/41)

[7] “A lei permanece em vigor até que outra lei a revogue (princípio da continuidade das leis). A revogação é a perda da vigência da lei. Uma lei só pode ser revogada por outra lei.” (BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal – Parte Geral V.1, ed. Saraiva, 5ª edição, 2006, pg.58.)

[8] “A lei anterior, como regra, perde sua vigência quando entra em vigor uma lei nova regulamentando a mesma matéria. E, como diz Damásio de Jesus, ‘entre estes dois limites – entrada em vigor e cessação de sua vigência – situa-se a sua eficácia. Não alcança, assim, os fatos ocorridos antes ou depois dos dois limites extremos: não retroage nem tem ultra-atividade. É o princípio tempus regit actum’. Em outros termos, a lei aplicável à repressão da prática do crime é a lei vigente ao tempo de sua execução.”(BITENCOURT, Cezar Roberto. Tradado de Direito Penal – parte geral, ed. Saraiva, 17ª edição- 2012, pg. 203).

[9] A irretroatividade, como princípio geral do Direito Penal moderno, embora de origem mais antiga, é consequência das ideias consagradas pelo Iluminismo, insculpida na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tradado de Direito Penal – parte geral, ed. Saraiva, 17ª edição- 2012, pg. 54)

[10] No mesmo sentido, “A regra geral é a atividade da lei penal no período de sua vigência. A extra-atividade é exceção a essa regra, que tem aplicação quando, no conflito intertemporal, se fizer presente uma norma penal mais benéfica. São espécies dessa atividade estendida a retroatividade e ultratividade” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tradado de Direito Penal – parte geral, ed. Saraiva, 17ª edição- 2012, pg. 207)

[11] No mesmo sentido “A lei penal mais benéfica, por um lado, é retroativa, ou seja, aplica-se a fatos cometidos antes da sua vigência. E, por outro, é ultra-ativa, ou seja, quando a lei que estava em vigor no momento da conduta for mais benéfica do que sua sucessora, é aquela que continua aplicando-se ao caso, mesmo que, no momento do julgamento, já tenha sido revogada.” (JUNQUEIRA, Gustavo; VANZOLINI, Patrícia. Manual de Direito Penal, ed. Saraiva, 2013, pg. 83)

[12] “aproxima-se a abolitio criminis da novatio legis in mellius, já que ambas beneficiam o réu, retroagindo, excepcionando-se, portanto, o aforismo tempus regit actum.” (BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal – Parte Geral V.1, ed. Saraiva, 5ª edição, 2006, pg.61.)

[13] “(...) a lei penal tem uma função de garantia. E não há paradoxo nenhum, já que, ao Estado, a punição dos culpados por práticas criminosas, a fim de proteger a harmonia do tecido social, é tão importante quanto a proteção dos inocentes e a imposição de limites claramente fixados ao poder-dever de punir. A função garantista do Direito Penal exsurge, assim, da própria tipificação das condutas consideradas delituosas, bem como das espécies e dos limites de suas penas, evitando-se a surpresa, o arbítrio e a desproporcionalidade, que são

incompatíveis com o Estado Democrático de Direito” (DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; e outros. Código Penal Comentado, ed. Saraiva, 8ª edição, 2010. Pg. 77)

[14] BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal – Parte Geral V.1, ed. Saraiva, 5ª edição, 2006, pg.64.

[15] BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal – Parte Geral V.1, ed. Saraiva, 5ª edição, 2006, pg.59.

[16] MORAIS, Alexandre. Direito Constitucional, Atlas, 24ª ed., 2009, pg. 33/34

[17] “Essa classificação se refere à duração do momento consumativo” (RIOS GONÇALVES, Victor Eduardo. Direito Penal – Parte Geral, Saraiva, 16ª Edição reformulada, vol. 7, 2010, pg.18)

[18] “Instantâneo não significa praticado rapidamente, mas significa que uma vez realizados os seus elementos nada mais se poderá fazer para impedir a sua ocorrência” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tradado de Direito Penal – parte geral, ed. Saraiva, 17ª edição- 2012, pg. 273)

[19] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tradado de Direito Penal – parte geral, ed. Saraiva, 17ª edição- 2012, pg. 273

[20] É, também, a posição do Professo Cezar Roberto Bitencourt “Permanente é aquele crime cuja consumação se alonga no tempo, dependente da atividade do agente, que poderá cessar quando quiser.” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tradado de Direito Penal – parte geral, ed. Saraiva, 17ª edição- 2012, pg. 273)

[21] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal- Parte Geral, ed. Saraiva, 15ª edição-2011, pg.288

[22] BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal – Parte Geral V.1, ed. Saraiva, 5ª edição, 2006, pg.133/134.

[23] “Posto que exista, como fenômeno jurídico, há vários séculos, a construção teórico-penal do delito continuado não oferece certezas sobre o momento histórico de seu surgimento. Essa observação quer pôr em destaque as dificuldades com os quais se tem

defrontado a pesquisa na abordagem da matéria, na medida em que a sua própria origem história se encontra envolta em polêmicas, implicando, com isso, uma carga maior de complexidade à sua perfeita compreensão.” (JÚNIOR, Ney Fayet. Do Crime Continuado, Livraria do Advogado, 4ª Edição, 2013, pg.41.)

[24] Neste sentido é a lição do professor de Ney Fayet Júnior: “entretanto, é aos práticos italianos quinhentistas e seiscentistas, principalmente a Claro e Farináceo, que se deve a sistematização do crime continuado.” (JÚNIOR, Ney Fayet. Do Crime Continuado, Livraria do Advogado, 4ª Edição, 2013, pg.45).

[25] PIMENTEL, Manoel Pedro. Do Crime Continuado, Revista dos Tribunais, 1969, pg. 39/40.

[26] JÚNIOR, Ney Fayet. Do Crime Continuado, Livraria do Advogado, 4ª Edição, 2013, pg 46/47

[27] Artigo 66, parágrafo 2º, do Código Penal da República de 1890.

[28] NETO, Alcides da Fonseca. O Crime Continuado, Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2004, pg.23/24

[29] Todavia, verifica-se que há grandes divergências sobre o tema. Atualmente existem três posições sobre onde deveria estar inserido e disciplinado o concurso de crimes, quais sejam: alguns doutrinadores entendem que o concurso de delitos deveria ser disciplinado junto à teoria geral do delito, outros entendem que é parte integrante da aplicação da pena e, por fim, há quem entenda que o presente instituto deveria ser compreendido entre as duas primeiras posições.

[30] NETO, Alcides da Fonseca. O Crime Continuado, Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2004, pg. 32.

[31] “A jurisprudência prevalente adota a teoria da benignidade como fundamento do crime continuado, como se pode inferir da seguinte decisão: A unificação de penas é construção jurisprudencial com nítido caráter de Política Criminal, objetivando-se, com a individualização executória, minorar o exagero punitivo do cúmulo material de penas, vez que o Direito Penal moderno busca, através de diversos institutos, abreviar a passagem do réu pelo cárcere e atingir a consecução do propósito de ressocialização do condenado, mitigando-se assim a imposição de cumprimento da pena pelo termo fixado na sentença...” (FRANCO, Alberto Silva et al. Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. São Paulo: Ed. RT, 1999, pp. 3.462-3.463 apud FAYET JÚNIOR, Ney. Op. Cit., p. 141)

[32] Existem outras duas teorias, a saber: utilidade prática e menor culpabilidade. Todavia, por não terem sido acolhidas pelo Código Penal Brasileiro, bem como por não apresentarem utilidades práticas para o presente trabalho, deixaremos de dissertar sobre o assunto.

[33] NETO, Alcides da Fonseca. O Crime Continuado, Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2004, pg. 75.

[34] NETO, Alcides da Fonseca. O Crime Continuado, Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2004, pg.23/24

[35] NETO, Alcides da Fonseca. O Crime Continuado, Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2004, pg. 44.

[36] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tradado de Direito Penal – parte geral, ed. Saraiva, 17ª edição- 2012, pg. 219

[37] Há os que sustentam que o momento consumativo do delito continuado é o da prática da última das ações que integram a cadeia delitiva.

[38] NETO, Alcides da Fonseca. O Crime Continuado, Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2004, pg. 29.

[39] Todavia, há entendimento mais restritivo dizendo que somente os crimes do mesmo tipo penal seriam da mesma espécie. (exemplo: furto e furto qualificado)

[40] NETO, Alcides da Fonseca. O Crime Continuado, Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2004, pg.31/34

[41] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tradado de Direito Penal – parte geral, ed. Saraiva, 17ª edição- 2012, pg. 776.

[42] HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal, vol.6. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958, pp. 166-167

[43] Neste ponto, vale destacar a lição do professor Alcides da Fonseca Neto: “A par de todos os argumentos antes expedidos, importa também acentuar que, a nosso juízo, a exigência de um elemento psicológico unificante se revela inconstitucional, porque violador do Princípio da Legalidade, à medida que a descrição do crime continuado, no atual artigo 71 do Código Penal vigente, somente contempla requisitos de índole objetivos, valendo ainda ressaltar que a utilização de uma pseudo-interpretação analógica em nada enfraquece nossas resolutas convicções, haja vista que as fórmulas causuísticas ‘condições de tempo, lugar, maneira de execução’, todas de natureza objetiva, não se apresentam como proposições análogas de um elemento de natureza subjetiva.” (NETO, Alcides da Fonseca. O Crime Continuado, Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2004. Pg. 68)

[44] HC nº 80.540-0 AM; Recurso Extraordinário nº 227.843-2 RS; Extradição nº 714-9; HC nº 74250-5 SP; HC nº 76.680-2 SP; HC nº 76.978-1 RS; e HC nº 76.382-1 MG

[45] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tradado de Direito Penal – parte geral, ed. Saraiva, 17ª edição, 2012, pg.217

[46] OLIVEIRA, Ricardo Rachid. Introdução à aplicação da norma penal no tempo, Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2008, p.42.

[47] BATISTA, Nilo; ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Direito Penal Brasileiro, Renavan, 2013, pg.218

[48] Vejamos a lição do professor Ney Fayet Júnior: “A esse traço conceitual não se pode opor qualquer nota de contestabilidade, pois os crimes permanentes apresentam, como característica, uma extensão temporal consumativa, fazendo com que a lesão ao direito tutelado se mantenha atual” (JÚNIOR, Ney Fayet. Do Crime Continuado, Livraria do Advogado, 4ª Edição, 2013, pg 132)

[49] Neste ponto, vale lembrar a lição dos professores Nilo Batista e Eugênio Raúl Zaffaroni, quando explicam o principio da legalidade e suas vertentes: “A CR não admite que a doutrina, a jurisprudência ou o costume sejam capazes de habilitar o poder punitivo.” (BATISTA, Nilo; ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Direito Penal Brasileiro, Renavan, 2013, pg.203)

[50] FAYET JÚNIOR, Ney. Do Crime Continuado, Livraria do Advogado, 4ª Edição, 2013, pp. 83.

[51] Deve ser lembrada também a hipótese do crime material benéfico.

[52] FAYET JÚNIOR, Ney. Do Crime Continuado, Livraria do Advogado, 4ª Edição, 2013, pp.119.

[53] No mesmo sentido, lesiona o professor Cezar Roberto Bitencourt “Por certo, mesmo no Brasil de hoje, ninguém ignora que o crime continuado é composto por mais de uma ação em si mesma criminosas, praticadas em momentos, locais e formas diversas, que, por ficção jurídica, são consideradas crime único, tão somente para efeitos de dosimetria penal. O texto da Súmula 711, determinando a aplicação retroativa de lei penal mais grave, para a hipótese de crime continuado, estará impondo pena (mais grave) inexistente na data do crime para aqueles fatos cometidos antes de sua vigência.” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tradado de Direito Penal – parte geral, ed. Saraiva, 17ª edição, 2012.)

[54] NETO, Alcides da Fonseca. O Crime Continuado, Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2004, pg. 61

[55] Ressaltamos a lição do Professor Ney Fayet Júnior: “À configuração do delito continuado se requer a existência de várias ações típicas assemelhadas – tal qual se verifica nos domínios do concurso material homogêneo -, as quais, entretanto, em face do regramento especial benéfico, receberão apenamento de menor impactação repressiva em virtude da (fictícia) unicidade delitiva; assim, a pluralidade de ações se mostra não só essencial à existência do instituto em análise, mas também como o primeiro grande traço de sua representação.” (FAYET JÚNIOR, Ney. Do Crime Continuado, Livraria do Advogado, 4ª Edição, 2013, pp. 180)

[56] NETO, Alcides da Fonseca. O Crime Continuado, Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2004, pg. 120/121.

[57] Verifica-se que “os princípios constitucionais dão estrutura e coesão ao edifício jurídico. Assim, devem ser estritamente obedecidos, sob pena de todo o ordenamento jurídico se corromper.” (NUNES, Rizzatto, Manual de Introdução ao Estudo do Direito, Saraiva, 5º ed., 2003, pp.170)

[58] Neste sentido leciona o professor Rizzatto Nunes: “Nenhuma interpretação será bem feita se for desprezado um princípio. É que ele, como estrela máxima do universo ético-jurídico, vai sempre influir no conteúdo e alcance de todas as normas” (NUNES, Rizzatto, Manual de Introdução ao Estudo do Direito, Saraiva, 5º ed., 2003, pp.164)

[59] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral, vol. I, Impetus, 7º ed., 2006, pp.47

[60] BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal – Parte Geral V.1, ed. Saraiva, 5ª edição, 2006, pp. 37.