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LEI DE EXECUÇÃO PENAL. NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇAO DE TRABALHO NO CÁRCERE.

AUTOR: WUEBER DUARTE PENAFORT . Promotor de Justiça Substituto no Amapá. Atuou na Vara de Execução Penal. Professor de Direito do Trabalho nas IES CEAP e FAMAP. Ex- Auditor Fiscal do Trabalho. Especializando em Direito Penal e Processual Penal pela FAMAP (Faculdade Estácio/AP).

APRESENTAÇÃO

A doutrina e a Jurisprudência têm proclamado nas exíguas produções

acadêmicas e judiciais sobre o trabalho no cárcere que o trabalho do preso nada tem a ver com emprego. Até que ponto isto é verdade?

Esta afirmação se torna mais preocupante quando se sabe que há empresas

privadas se apropriando da mão-de-obra prisional. O principal fundamento jurídico utilizado é o da limitação do consentimento em

face da pena privativa de liberdade do condenado e, em regra, finca-se o suporte do entendimento, nas mesmas palavras do §2°, art. 28, da LEP: o trabalho do preso não se submete ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho.

Esta fundamentação guarda muitos equívocos, fomentando o desvirtuamento da

execução penal, a última, e a mais delicada, etapa do dever do Estado em relação aos que arrepiaram a ordem jurídica penal.

Vamos demonstrar que o consentimento livre, a base do contratualismo, não se

presta a marcar a relação de emprego. Veremos que há outra fundamentação teórica capaz de suplantar o comodismo.

Para nós, o diferencial nessa relação é a finalidade estribada no binômio

educação-produção (Art. 28, caput, da LEP). A pedra de toque capaz de sustentar todo o arcabouço jurídico em torno do tema.

Iniciaremos apontando o direito positivado na LEP (Lei de Execuções Penal),

depois mostraremos a indiferença do elemento volitivo na relação de trabalho prisional. No meio caminho, pararemos para descobrir a importância capital da finalidade nessa relação. Ao final, concluiremos acerca da natureza jurídica da relação de trabalho no cárcere bem como apresentaremos sugestões para garantia dessa finalidade.

Aliás, logo alertamos, a relação de trabalho é gênero que comporta várias

espécies, tais como a relação de emprego, relação estatutária, relação de trabalho autônomo, etc. Em qual dessas espécies se encaixa a relação de trabalho no cárcere? É o que procuramos delimitar.

Lembremos, ainda, que além do trabalho interno e externo, há dois focos do

trabalho do preso: o trabalho realizado para a administração carcerária e o trabalho realizado para as empresas privadas.

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O TRABALHO DO PRESO NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL.

A Lei de Execução Penal realçou somente o gênero relação de trabalho, delineou as diretrizes principais que afastam a relação de emprego. Aliás, o fez com péssima tecnologia jurídica, prevendo, in verbis:

Art. 28, § 2°. O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho.

O legislador esqueceu que a relação empregatícia é direito constitucional e há

leis extravagantes à CLT, prevendo relação de emprego, como no caso dos trabalhadores domésticos. Imagine-se, o esdrúxulo exemplo do preso que vai cuidar da casa do diretor do presídio. Mesmo que dispusesse essa possibilidade em regulamento próprio do sistema penitenciário, haveria relação empregatícia e fora do código trabalhista, a Lei 5.859/72 – Lei do Trabalho Doméstico.

O Trabalho Interno do condenado à pena privativa de liberdade é obrigatório (art. 31, da Lei 7.210/84 – LEP) na medida de suas aptidões e capacidade. Na atribuição do trabalho deverão ser levadas em conta a habilitação, a condição pessoal e as necessidades futuras do preso, bem como as oportunidades oferecidas pelo mercado. A jornada normal de trabalho não será inferior a 6 (seis) nem superior a 8 (oito) horas, com descanso nos domingos e feriados.

Este trabalho interno, poderá, diz o art. 34 da LEP, e em nosso pensar, deverá ser gerenciado por fundação, ou empresa pública, com autonomia administrativa, e terá por objetivo a formação profissional do condenado. Devem, essas entidades, garantir na execução a formação profissional do condenado. Isso é da essência desse contrato.

Aqui há o cuidado especial de uma entidade especializada no gerenciamento do

trabalho prisional. São, portanto, três atores contratuais: a administração penitenciária, a entidade gerenciadora e o preso objeto e razão de tudo.

A triangularização dos contratos é medida que se impõe para garantia do utilitarismo da pena. É necessário haver três personagens nesse mister, tal ocorre em outros contratos como os aprendizes e estagiários: a administração presidiária, a entidade gerenciadora e o preso. Segundo o § 1o. do art. 34 da LEP, nessa hipótese, à entidade gerenciadora caberá promover e supervisionar a produção, com critérios e métodos empresariais, encarregar-se de sua comercialização, bem como suportar despesas, inclusive pagamento de remuneração adequada.

Na falta de entidade gerenciadora está aberta a possibilidade de celebrar convênio com a iniciativa privada, para implantação de oficinas de trabalho referentes a setores de apoio dos presídios. Novamente, exige-se, aqui, um terceiro ator contratual.

O art. 35., outorga privilégios nas licitações para aquisições dos bens ou produtos do trabalho prisional, sempre que não for possível ou recomendável realizar-se a venda a particulares. Todas as importâncias arrecadadas com as vendas reverterão em favor da fundação ou empresa pública ou, na sua falta, do estabelecimento penal.

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No regime de trabalho externo, conquanto permitido para o regime semi-aberto e aberto, há restrições, para os presos em regime fechado, em face da possibilidade de fugas, uma falta grave, consignada no art. 50, inciso II, da LEP. Neste caso, é admissível, com as cautelas já mencionadas, tão-somente em serviço ou obras públicas realizadas por órgãos da Administração Direta ou Indireta, ou mesmo para entidades privadas.

O limite máximo do número de presos é de 10% (dez por cento) do total de empregados “na obra”. O § 1°, do art. 36, se refere a obras, com clara imprecisão terminológica, contudo é de se interpretar empregados de qualquer empreendimento, senão, estaríamos limitando, basicamente, ao trabalho na construção civil. Ademais, a Lei 8.666/93 define obra como toda construção, fabricação, reforma ou ampliação, em seu art. 6°, inciso I. Evidente, deve-se ampliar para as hipóteses de toda atividade destinada a obter utilidade de interesse da administração, incluindo-se os serviços previstos no inciso II, do mesmo dispositivo, da lei de licitação.

Segundo o art. 36, § 2º, caberá ao órgão da administração, à entidade ou à empresa empreiteira a remuneração desse trabalho.

A prestação de trabalho externo depende do consentimento do preso e da autorização dada pela direção do estabelecimento, preenchidos requisitos de ordem subjetiva, além do cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena. Essa autorização submete-se à cláusula rebus sic stantibus, revogável se o preso vier a praticar fato definido como crime, for punido por falta grave, ou não apresentar bom comportamento.

Com um punhado de artigos quis o legislador afastar a relação de emprego no

sistema carcerário. Será que o conseguiu? É o que veremos. O CONSENTIMENTO NA RELAÇÃO DE TRABALHO. Há três teorias que disputam a natureza jurídica do contrato de trabalho: a

contratualista, a anticontratualista, também conhecida como teoria da relação de emprego e, finalmente, a teoria mista.

No contratualismo, se busca destacar o elemento vontade. A vontade seria imprescindível para haver o contrato de trabalho. No anticontratualismo, a vontade do contratado é irrelevante, prescindível. O que importa é a realidade apresentada. A tória mista não é defendida por nenhum doutrinador, mas é a teoria adotada pela CLT, em seu artigo 442. Inclusive equipara o contrato de trabalho à relação de emprego.

“Artigo 442. Contrato individual do trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego”. (negrito do autor)

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Ao se referir a “acordo” a CLT adota a linha de pensamento da corrente contratualista; e, quando admite a expressão “relação de emprego”, adota o pensamento anticontratualista, por isso é chamada de Teoria Mista. Do ponto de vista científico é um monstro indestrutível que veio da Carta Del Lavoro italiana, desde os idos de Benito Mussolini, e sobrevive desde a década de 40 em nossa consolidação obreira. Detecta-se nos doutrinadores uma ênfase no consentimento da pessoa, pois são adeptos da teoria contratualista1, de origem civilista. O mestre de todos os tempos, Orlando Gomes, entende que a natureza jurídica do contrato de trabalho é de adesão, onde o empregado adere às normas impostas pelo empregador, convenções, etc.

Hodiernamente, revigorada pela globalização, o Juiz Federal Marcos Orione afirma que a “tendência da atual construção da teoria do contrato de trabalho, a partir do conteúdo que lhe está sendo inserido pelo modelo neoliberal, é o de sua aproximação à dos contratos de natureza civil, em especial antes do advento do art. 421 do novo Código Civil”2 .

Para outros, da estirpe do atual Ministro do TST, professor e jurista, Maurício

Godinho Delgado3, há contratualismo diferenciado no contrato de trabalho, “um fenômeno socioeconômico novo”, decorrente do amadurecimento histórico do trabalho lícito, “onde caberia uma explicação teórica própria”.

Adotamos a corrente anticontratualista, a acreditamos consentânea com os ideais

de democracia, apoiado nos ensinamentos do cientista mexicano Mario de La Cueva4. No anticontratualismo, vigora o princípio do contrato realidade. Para os

anticontratualistas não importa a vontade do trabalhador, a vontade é elemento irrelevante, despiciendo, uma vez que a relação de emprego depende da realidade concreta e dos demais requisitos da onerosidade, subordinação, habitualidade, não eventualidade, alteridade (ônus do empregador), inserção na atividade fim do empreendimento. Conclui categoricamente o doutrinador Amauri Mascaro do Nascimento5, “Enfim, pisar os pés no estabelecimento e começar a efetiva prestação dos serviços é o quanto basta”. É o denominado contrato-realidade.

A corrente anticontratualista tem apoio no princípio da primazia da realidade dos fatos sobre a forma. Este princípio, bem delineado pelo magistral Américo Plá Rodriguez6, nos diz que na relação laboral, o que vale para consagrar a relação empregatícia não são os documentos, contratos, consentimento expresso. Constitui-se em poderoso instrumento para a pesquisa e encontro da verdade real, bem o disse o Ministro Mauricio Godinho na obra já mencionada.

Na prática é um contrato que nasce sempre com um vício implícito de

consentimento, onde, um dos contraentes aceita, sem delongas, as cláusulas e condições apresentadas pela outra parte. Portanto, a vontade sempre está relativizada. O consensus

1 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. Atlas Editora. 23° edição. 2 CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Revista LTr. Vol 67, n° 04. 2003. pg. 426. 3 Curso de Direito do Trabalho. Ed. LTr. 2° edição. Pg. 311. 4 Derecho Mexicano del Trabajo. México, Porrúa. 1960. p. 123. 5 Curso de Direito do Trabalho. Editora Saraiva. 23° edição. P. 601. 6 Estudo sobre as Fontes do Direito do Trabalho. São Paulo. LTr. 1998. p. 57.

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é visto com grão de sal, nessa seara, não sendo exclusividade do preso. Todo trabalhador não tem plena liberdade contratual, variando apenas de grau e intensidade.

Então, por hora, bem ao contrário da esmagadora maioria, concluímos que não é

consentimento que determina a natureza jurídica da relação de trabalho carcerário. No tópico seguinte, adiantamos, importa a realidade apresentada concretamente.

Se a relação se desvia de sua finalidade, se o tomador do serviço tem como meta, única e exclusivamente, o lucro, estaremos diante de uma relação empregatícia.

FINALIDADES NA RELAÇÃO DE EMPREGO E NA RELAÇÃO CARCERÁRIA.

Há apenas uma tênue diferença, mas substancial, elementar, para discriminarmos se a relação é de emprego ou trabalho obrigatório no cumprimento da pena no presídio: a finalidade do trabalho realizado. O art. 28 da LEP exige a satisfação do binômio educação-produção.

A doutrina de Mirabete7 nos aponta que há, historicamente, três teorias que

explicam o direito de punir do estado e a natureza e os fins da pena. As teorias absolutistas, relativas e mistas.

As teorias absolutistas propunham a pena como mera retribuição, de

fundamentação kantiana, para quem a pena é um imperativo categórico, o mal do crime se paga com o mal da pena. As teorias relativas, em Feuerbach, pregam uma utilidade na pena, um fim prático e especial, a prevenção, pois a pena é intimidação para todos. Para o preso haverá intimidação concreta e para a sociedade a pena é intimidação abstrata. Para os teóricos da escola mista ou eclética, a pena tem natureza retributiva e sua finalidade não é só prevenir, mas, também, um misto de educação e correção.

A exposição de motivos da LEP aponta para escola mista e proclama o princípio

de que “as penas e as medidas de segurança devem realizar a proteção dos bens jurídicos e a reincorporação do autor à comunidade” (item 14).

Na mesma linha temos os adeptos da Escola da Defesa Social, capitaneada por

Fillipo Grammatica e Marc Amcel. Escrevendo sobre as escolas penais, o citado professor Mirabete explica que por esta escola, “tem-se buscado instituir um movimento de política criminal humanista fundado na idéia de que a sociedade apenas é defendida à medida que se proporciona a adaptação do condenado, cumprindo que o mesmo seja submetido a tratamento após o estudo de sua personalidade”.

É realmente a finalidade da pena, dependendo da escola adotada, que faz a marca do trabalho prisional.

Mas, no afã de concretizar as recomendações das escolas penais, os operadores

da execução da pena têm no trabalho prisional um dos mais poderosos instrumentos de

7 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal. Editora Atlas. 19° ed. p. 244/245.

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recuperação de condenados. Podem fazê-lo intramuros ou em atividades externas. Em ambos os casos, o próprio sistema se apropria dessa mão-de-obra ou abre a oportunidade da iniciativa privada dela se apropriar.

Quando há apropriação da mão-de-obra prisional pelas empresas privadas,

doutrina e jurisprudência têm concluído, sem esforço algum, não haver relação de emprego. O principal fundamento é a vontade e liberdade do contratado que se encontra preso com direitos fundamentais cerceados. Para eles, o consentimento é que diferencia relação de emprego do mero trabalho prisional.

Discordamos da radicalidade, data vênia, dessa corrente. Em seara laboral, a

relevância está na execução do contrato e não na fase da policitação, na sua formação. O consentimento é um minus, diante da natureza objetiva do contrato e sua forte incidência no campo social. Repetimos, a diferença substancial está na sua finalidade do sistema penal que optou pela teoria mista das escolas penais, a punição e a ressocialização.

Vale dizer, portanto, temos objetivos diversos no mero trabalho prisional e no

trabalho realizado sob as vestes de relação de emprego. O que se quer do sistema carcerário brasileiro no trabalho prisional é a preparação do apenado ao convívio em sociedade, a sua plena recuperação. De outra banda, a finalidade da iniciativa privada, o que ela deseja do empregado é o seu suor laboral em prol do lucro, da produção otimizada numa economia de escala.

Além do mais, na relação jurídica de emprego os empregados interagem

almejando melhores condições de vida para si e seus familiares, enquanto que os empregadores buscam o lucro, o móvel sagrado de todo capitalista. E o que querem as partes no trabalho prisional?

No sistema prisional, o condenado quer sua liberdade, seu retorno ao convívio social. Essa busca não é incompatível com a atividade privada, podendo o empresário, tomar os serviços daqueles, se imbuído de outros ideais humanitários, isto é, além de lucros, quer colaborar no projeto de ressocialização. Nesse caso, o poder econômico quer devolver à sociedade a escória que a própria sociedade tornou rejeito. Uma escória beneficiada, tratada, capaz de se transformar e voltar para o mercado do trabalho e do consumo, o alimento de todo empreendedor do sistema capitalista.

Essa diferença na finalidade é peculiar ao legislador. Assim o fez quando regulou a relação laboral de estágio (Lei 6.494/77); no contrato de aprendizagem prevista na CLT; nos contratos de trabalho dos religiosos; na relação cooperativa, prevista no art. 242 da CLT, e, ainda, na Lei Eleitoral 9.507/97.

Nos estágios também estão presentes todos os requisitos da relação de emprego, entretanto a finalidade (art. 1°, § 3°) é propiciar a complementação do ensino e da aprendizagem e ser planejados, executados, acompanhados e avaliados em conformidade com os currículos, programas e calendários escolares. Em doutrina afirma-se que são contratos triangulares, isto é, a formalização é realizada mediante três contratos, para abarcar o estudante, a empresa tomadora do estágio e a instituição interveniente, normalmente, o IEL (Instituto Evaldo Lodi) ou o CIEE (Centro Integrado Empresa Escola). Desvirtuado da finalidade, ipso facto, haverá relação de emprego.

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A mesma sorte terá o aprendiz se descumpridas as premissas do contrato de aprendizagem sem vínculo empregatício (art. 431, da CLT) em que o empregador se compromete a assegurar ao menor de 14 anos e menor de 24 anos a formação técnico-profissional, essa caracterizada por atividades teóricas e práticas, metodicamente organizadas em tarefas de complexidade progressiva desenvolvidas no ambiente de trabalho, preconiza o art. 428 e §§, da CLT.

A finalidade é nota marcante nos trabalhos dos religiosos. São intensamente subordinados, às vezes recebem ajuda monetária das congregações, são habituais, mas realizadas no mister da fé, da doação de vida pela pregação da obra divina. Se ausente essa finalidade, haverá relação de emprego. Exemplo corriqueiro: em algumas igrejas fiéis se revezam na vigilância patrimonial. Todos são empregados, uma vez que laboram fora das finalidades dos ministros de confissão religiosa.

Em todos esses casos, desvirtuada a finalidade, teremos como conseqüência a relação de emprego.

Na lei Eleitoral n° 9.507/97 (art. 100), a contratação de pessoal para prestação de serviços nas campanhas eleitorais não gera vínculo empregatício com o candidato ou partido contratante. É exercício de cidadania, mas se o candidato resolve aproveitar o “cabo eleitoral” para cuidar de sua residência, servir de motorista para a família, teremos o desvio de finalidade, com a conseqüente relação de emprego doméstico.

Destarte, não poderia ser diferente na relação de trabalho do apenado. “Na moderna concepção, o momento da execução da pena contém uma finalidade reabilitadora ou de reinserção social, assinalando-se o sentido pedagógico do trabalho”, afirma o saudoso Mirabete8, “o trabalho tem sentido ético, como condição da dignidade humana, e assim assume um caráter educativo. (...) Não descurou a lei, também, da recomendação de se dar ao trabalho prisional um sentido profissionalizante, como aliás, preconizam as Regras Mínimas da ONU (n° 75)”.

Desta forma, o trabalho do preso pode ser realizado dentro ou fora do presídio.

Em ambos os casos pode haver relação de emprego sim, ou tratar-se de cumprimento de pena, dependendo do fenômeno jurídico que se apresenta.

NATUREZA JURÍDICA DO TRABALHO NO PRESÍDIO. Com essa pequena digressão teórica, estamos aptos a enfrentar o tema. Afinal a

natureza jurídica é de mero trabalho prisional ou de relação de emprego ? Encontrar a natureza jurídica de um instituto do Direito consiste em se

apreenderem os elementos fundamentais que integram sua composição específica, contrapondo-os, em seguida, ao conjunto mais próximo de figuras jurídicas (ou de segmentos jurídicos, no caso do ramo justrabalhista), de modo a classificar o instituto no universo de figuras existentes no Direito, leciona o citado mestre e Ministro do TST.

8 Execução Penal. 11° edição. Editora Atlas. P. 89 e 91.

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Quando o trabalho do preso é realizado em prol da administração do sistema prisional, ou em programas sociais, nas comunidades, nos órgãos públicos, nas entidades filantrópicas sem fins lucrativos, assumindo o contorno de instrumento das escolas penais mistas, isto é, uma simbiose de retribucionismo e utilitarismo, não há, a princípio, nenhum problema a ser resolvido fora da Lei de Execuções Penais. Trata-se do verdadeiro trabalho prisional. É relação de trabalho-gênero.

A natureza jurídica do trabalho penitenciário, quando verdadeiramente o é,

indica um instituto de natureza administrativa, pois é um dos instrumentos estatais para reeducar o preso para a vida em sociedade e conta com a remição para reduzir-lhe a pena (art. 126 da LEP).

A professora Lélia Ribeiro9 bem o disse “o trabalho carcerário é executado em

conseqüência de uma pena ou de uma medida administrativa de segurança. Por isso mesmo, trata-se de uma prestação de serviço de natureza pública e não privada, muito embora, não esteja fora de relativa tutela social e jurídica”.

Escreve com acerto a ilustre professora, quando o trabalho é desenvolvido pelo

próprio sistema carcerário, nos afazeres “domésticos”, tais como limpeza, organização interna, serviços administrativos, criação de animais, nas cozinhas. O problema surge quando há uma empresa interposta aplicando a mão de obra prisional na dinâmica produtiva.

Há quem entenda em sentido diametralmente oposto. Guilherme José Purvin de Figueiredo10 preleciona, no caso de trabalho para empresa privada haverá sempre relação de emprego. Para o ilustre autor, o preso não perde sua capacidade para atos de sua vida civil nem sofre interdição ao direito de contratar. As restrições que lhe são impostas estão elencadas no art. 92 do CPB. E mais, o art. 36, § 3°, da LEP prevê a necessidade de concordância do preso.

Para nós, como já o dissemos alhures, o nó górdio que se procura desatar não está no elemento volitivo do contratado, nem a sua relativa liberdade de dispor de seu suor laboral. Aliás, em sede trabalhista, qualquer trabalhador possui pouca liberdade em dispor de seu trabalho. É que é da própria natureza dessa relação o caráter alimentar das verbas salariais. Em países como o nosso, o trabalhador quando encontra um posto de trabalho, agarra-o para garantia de sua sobrevivência. Não tem a tão propalada liberdade contratual privada exacerbada desde o código napoleônico e atenuada pela função social da propriedade no novo Código Civil.

Portanto, quando uma empresa privada opera com trabalhador presidiário, o fenômeno jurídico da relação de emprego surge quando na fase de execução do contrato, não na policitação; devemos volver nosso olhar para a finalidade, especificamente, ao binômio educação-produção, conforme art. 28 da LEP.

Sempre que a ênfase incidir no elemento produtivo em detrimento do elemento

educativo, a finalidade na execução do contrato está desfocalizada, e desviada, o fenômeno será de relação de emprego. Estaremos diante da relação de trabalho-espécie, o emprego. Em outras palavras, Se o que estiver preponderando é o aspecto produtivo 9 O Trabalho do Penitenciário e seus Efeitos Jurídicos. Revista LTR, SP, v.60, n° 08, p.1066. 10 Natureza Jurídica do Trabalho Penitenciário Prestado a Entidade Privada. Revista LTR. Ano 60. n° 04. p. 486-489, abr. 1996.

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em relação ao aspecto educativo-ressocializador estaremos, certamente, diante de emprego com a empresa tomadora de serviços.

Detalhe que merece destaque no trabalho externo. A Lei de Execução Penal o

permite ser realizado por entidade privada, embora, isso não seja empecilho para que empresa privada use mão-de-obra no interior da penitenciária. Esse trabalho para empresa privada pode vir a se configurar numa relação de emprego, na hipótese de o detento, consentir em trabalhar e concorrer em igualdade de condições com os demais empregados da tomadora de serviços11. Isso decorre do principio constitucional da isonomia previsto na CF/88, art, 7°, inciso XXX, que veda a discriminação de salário e função em função do estado civil das pessoas.

CONCLUSÃO. 1 – Dar a natureza jurídica de um instituto é localiza-lo de modo perfeito, no sistema de direito a que pertence este instituto12. 2 – A relação de trabalho é gênero que comporta várias espécies: relação de emprego, relação estatutária, relação de trabalho autônomo, relação cooperativa. 3 - Há três teorias que disputam a natureza jurídica do contrato de trabalho: a contratualista, a anticontratualista, também conhecida como teoria da relação de emprego e, finalmente, a teoria mista. 4 - No contratualismo, se busca destacar o elemento vontade. A vontade seria imprescindível para haver o contrato de trabalho. No anticontratualismo, a vontade do contratado é irrelevante, prescindível. O que importa é a realidade apresentada. Trabalhar é o quanto basta. 5 - Não está no elemento volitivo do contratado, nem na sua relativa liberdade de dispor de seu suor laboral a demarcação da natureza jurídica do trabalho do preso. É da própria natureza da relação laboral o caráter alimentar das verbas salariais. Em países como o nosso, o trabalhador quando encontra um posto de trabalho, agarra-o para garantia de sua sobrevivência. Não tem a tão propalada liberdade contratual privada seja dentro ou fora do sistema carcerário. 6 - Há apenas uma tênue diferença, mas substancial, elementar, para discriminarmos se a relação é de emprego ou trabalho obrigatório no cumprimento da pena no presídio: a finalidade do trabalho realizado, em face do art. 28 da LEP exigir a satisfação do binômio educação-produção. 7 - A natureza jurídica do trabalho penitenciário, quando verdadeiramente o é, indica um instituto de natureza administrativa, pois é um dos instrumentos estatais para reeducar o preso para a vida em sociedade e conta com a remição para reduzir-lhe a pena (art. 126, da LEP). 11 DOMINGUES, Marcos Abílio. Revista LTr. 67-04. Abril 2003. Pg. 430/435. 12 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. Lúmen Júris Editora. 15° ed. 2008. p. 73.

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8 - Quando uma empresa privada opera com trabalhador presidiário, devemos volver nosso olhar para a finalidade, especificamente, ao binômio educação-produção, conforme art. 28 da LEP. 9 – Em caso de empresa privada, sempre que a ênfase incidir no elemento produtivo em detrimento do elemento educativo, a finalidade na execução do contrato está desfocalizada, eis aí o fenômeno da relação de emprego. Estaremos diante da relação de trabalho-espécie, o emprego. Em outras palavras, se o que estiver preponderando é o aspecto produtivo em relação ao educativo-ressocializador, estaremos, certamente, diante de emprego com a empresa tomadora de serviços. 10 – Para se afastar a relação de emprego, é primordial que haja um contrato complexo a envolver um terceiro personagem entre o preso e a empresa tomadora de serviços. Trata-se da interposição de uma Entidade Interveniente, sem embargos da previsão para o trabalho, tão-somente, interno, no §1°, do art. 34, da LEP. 11 - A Entidade Interveniente, que a LEP a chama de gerenciadora, irá garantir o planejamento estratégico e a viabilização do plano de ressocialização do condenado. Deverá se incumbir de não deixar a mão-de-obra prisional ao alvedrio da empresa, sob pena acúmulo ilícito de riqueza em detrimento da sociedade que receberá o egresso sem qualquer tratamento e com a certeza de que ele irá voltar à criminalidade. BIBLIOGRAFIA.

1 - MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. Atlas Editora. 23° edição. 2 - CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Revista LTr. Vol 67, n° 04. 2003. 3 - Curso de Direito do Trabalho. Ed. LTr. 2° edição. 4 - LA CUEVA, Mário de. Derecho Mexicano del Trabajo. México, Porrúa. 1960. 5 - NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Curso de Direito do Trabalho. Editora Saraiva. 23° edição. 6 - RODRIGUEZ, Américo Plá. Estudo sobre as Fontes do Direito do Trabalho. São Paulo. LTr. 1998. 7 - MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal. Editora Atlas. 19° ed. 8 - MIRABETE, Julio Fabrini. Execução Penal. 11° edição. Editora Atlas. 10 – FIGUEIREDO, Guilherme Purvin de. O Trabalho do Penitenciário e seus Efeitos Jurídicos. Revista LTR, SP, v.60, n° 08. 11 – RIBEIRO, Lélia. Natureza Jurídica do Trabalho Penitenciário Prestado a Entidade Privada. Revista LTR. Ano 60. n° 04. Abr. 1996. 12 - DOMINGUES, Marcos Abílio. Revista LTr. 67-04. Abril 2003. 13 - RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. Lúmen Júris Editora. 15° ed. 2008.