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Légua & Meia 1

TRAVESSIA E ROTASdas Literaturas Africanas de Língua Portuguesa(Das profecias libertárias as distopiascontemporâneas)

Carmen Lucia Tindó Secco

Primeiramente*, será discutida a importância doensino das Literaturas Africanas em tempos deperda de utopias. Num segundo momento, seráapresentado um panorama amplo do percursodessas recentes literaturas, nascidas sob o signo

das profecias libertárias, e que, hoje, vivem,também, o desencanto contemporâneo. Letras,que embora consideradas, ainda, menores pelamaioria das Universidades Brasileiras, alertam,como as demais litaeraturas atuais, para odesmoronamento da Verdade, do Progresso, daÉtica. O escritor moçambicano Mia Couto e oangolano José Eduardo Agualusa, por exemlo,possuem contos, cujos cenários sao aeroportos,lugares em trânsito que problematizamalegoricamente o estilhaçamento identitário pós-colonial. Pepetela, outro autor angolano. que em

1997 recebeu o Premio Camoes, evidencia, com oromance O Desejo de Kianda (1995), as ruínas deuma Angola distópica, onde, parodiando Marx,

“tudo que é sólido desmancha no ar”.* Aos colegas Maria Theresa Abelha Alves, Jorgede Souza Araújo, Jorge Fernandes da Silveira,Valdete Pinheiro Santos e Gilda da ConceiçãoSantos, que lutaram pela criação do Setor deLiteraturas Africanas de Língua Portuguesa na UFRJe aos Organizadores deste V Congresso da UEFS,que deram espaço de destaque neste evento aessas literaturas, ofereço meu texto e ummoçambicano obrigada: Kanimambo!

E, antes de iniciar, cumprimento os presentes comuma saudação portuguesa, ainda muito usada emAngola: Bem Haja!

REFLEXOES ACERCA DA IMPORTÂNCIA DO ENSINODAS LITERATURAS AFRICANAS

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O Neoliberalismo, como diz o geógrafo brasileiroMilton Santos, no livro Fim de Século eGlobalização, nao trouxe mudanças significativas amelhoria da sociedade, ou seja, a resolução dasgrandes desigualdades sociais e econômicas. Deacordo com esse autor, hoje, o que é federativo aonível mundial nao é uma vontade de liberdade,mas de dominação; nao é o desejo de cooperação,mas de competição, tudo exigindo um rígidoesquema de organização que atravessa todas asrelaçoes da vida humana.Com tais signos, o que globaliza falsifica,corrompe, desequilibra, destrói. Vivemos ummundo da mídia, um mundo como fábrica deengano, simulacro do que deveria ser, mas queexiste, apenas, como realidade virtual. O que, noentanto, continua imperando sao os ditames doFundo Monetário Internacional que organiza asregras da economia para os chamados “países emdesenvolvimento” como, por exemplo, o Brasil, oPeru, Angola, Moçambique, entre outros.A era do globalismo dispersa, fragmenta, estilhaça

corpos e desejos, reduz as utopias libertárias,aposta na internacionalização do consumo e, aomesmo tempo, faz do ser humano um passageirodo efemero.Ao preparar os quadros profissionais de seuspaíses, as Universidades devem incentivar aarticulação entre suas culturas tradicionais e osnovos paradigmas que se impoem. E para queestes nao afetem os sentidos humanos e cósmicosessenciais, a Literatura, ao lado da História e daFilosofia, se apresenta como uma das disciplinasfundamentais, porque contribui significativamentepara que o lado poético da existencia nao se perca.Essa é a posição de Octavio Paz, que reflete sobreas relaçoes entre poesia, história e vida: “Ainterrogação a respeito das possibilidades deencarnação da poesia nao é uma pergunta sobre opoema e, sim, sobre a História: será uma quimerapensar em uma sociedade que reconcilie o poemae o ato, que seja palavra viva e vivida?” (Paz,1972: 95)Em seu livro Labirinto da Solidao, o referidoescritor mexicano alerta para o fato de que asituação do México “nao é muito diversa da deoutros países da América Latina e da África” (Paz,

1984: 170). Segundo ele, o impacto social demodernas tecnologias, impostas pelas potenciasestrangeiras que controlam a indústria eletrônicada mídia, gera, na maioria dos países pertencentesa esses continentes, novas formas de opressao,excluindo do processo produtivo aqueles que naotem acesso a linguagem da informática. Complexose caros computadores imprimem uma velocidade euma dinâmica incompatíveis com o modo depensar da grande parcela da população dessasnaçoes. Um contraste chocante se estabelece peloconfronto da miséria de muitos países da África eda América Latina diante dos sofisticados códigos e

aparelhos importados. Aprisionados a umaeconomia interplanetária e multinacional, essespaíses se tornam, cada vez mais, periféricos,girando em torno das grandes potencias.

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Com a queda do Muro de Berlim e a chamada “crise das utopias”, houve um apagamento deantigos paradigmas ideológicos. As figuras doslíderes revolucionários foram esmaecidas. Osheróis das vanguardas políticas, dos movimentosde libertação popular que, nos anos 60, seapresentavam como personagens singularesconstrutoras da história, cederam lugar ascorporaçoes anônimas, as grandes empresas deredes internacionais, nas quais, geralmente, oindividual se dissolve no coletivo e o nacional setransnacionaliza. Na nova conjuntura globalizante,os grandes temas, as grandes causas tem seussentidos esvaziados. O esfacelamento das

“verdades”, da ética, da liberdade provoca adormencia dos valores morais. A comunicação,embora se tenha utilizado de modernaslinguagens, se torna oca, porque opera comsimulacros (Chauí, 1991: 6). Tanta tecnologia foiimposta, que nao houve tempo de ser absorvida.As grandes potencias, saturadas das inovaçoes dainformática, jogaram seus produtos nos mercados

dos países periféricos. Houve, desse modo, umahipertrofia da memória nessas sociedades, pois oscérebros eletrônicos ficaram com o encargo dearmazenarem tudo.Com a crise no Leste Europeu, ocorrerammudanças geo-políticas mundiais. O mercadocontemporâneo passou a ser regido por blocoseconômicos interplanetários que manipulam aeconomia dos países dependentes, impedindoneles as iniciativas genuinamente nacionais. Ocontrole das novas tecnologias acirra, no panoramaatual, seja na América Latina ou na África, asdistâncias entre o que podemos chamar “o novocolonialismo”. Quem detém os saberesinformatizados, sua linguagem, exerce, hoje, odomínio no campo político-cultural. Essa é a novadivisao de trabalho que substitui o modelotaylorista do final do século XIX. A indústria dainformática foi imposta as elites dos países doTerceiro Mundo, enquanto a maioria da populaçãodessas naçoes nao pode se beneficiar desseprocesso de informatização.A América Latina e a África, com suas múltiplasfaces culturais, prenhes de tradiçoes e mitos,podem ainda impor suas respectivas presenças no

cenário mundial, se resgatarem suas diferenças,empreendendo uma luta, através de palavras eaçoes, contra alguns dos cânones globais impostospelo neoliberalismo no campo cultural. HomiBhabha e Edward Said, teóricos atuais dos tempospós-coloniais, defendem que identidades puras saoinexistentes e, por tal razao, postulam avalorização das heterogeneidades, ou seja, ocontato entre as culturas, o diálogo das diferenças,a volta crítica ao passado.

Segundo esses críticos, a diferença nao pode sertratada como elemento monológico e exótico, masdeve ser pensada de modo dialógico. Tanto aÁfrica, como a América Latina se constituem depluralismos culturais que devem ser respeitados econcebidos sempre de forma interativa. Para teremacesso a uma maior projeção política no mundocontemporâneo, entre outras medidas, devem

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afirmar, através da valorização domulticulturalismo, a construção de suas própriasidentidades, evitando, assim, se tornarem merasestatísticas periféricas em programas de software.Dentro de tal perspectiva, Bhabha e Said postulamuma nova eticidade política a ser engendrada peloviés do multiculturalismo para que tanto a África,como a América Latina se reconstruam e afirmemas diversas especificidades de seus respectivosimaginários sociais mesclados pelo contato,através dos séculos, com culturas várias. Essanova eticidade pode ser alcançada por intermédioda literatura e, em especial, de uma poesia tecidapor um discurso que, recuperando as tradiçoes e amemória histórica, seja, como Octavio Paz propôs,um liame constante entre a imaginação poética e arealidade vivida.No livro A Outra Voz, Octavio Paz fez o inventáriodas ruínas da época moderna, analisando o embateda poesia com as exigencias de um tempo quenega o futuro e que exalta apenas o agora. Apósdiscutir os efeitos da publicidade e das novas

tecnologias sobre a linguagem poética, pergunta: “Qual o lugar da poesia nos anos que vem pelafrente?” (Paz, 1993: 145). Sua preocupação é coma sobrevivencia da humanidade e da arte; defendea poesia como a “outra voz”, ou seja, o discursoque nao deixará morrer as subjetivas emoçoescaracterizadoras do ser humano. O ensaísta epoeta mexicano defende que só ao arte é capaz deexercitar a imaginação, pois é “antídoto da técnicae do mercado”. Exalta a necessidade de seconhecer o passado para reavaliá-lo. Uma culturaque perde a memória se afasta de si própria. Éessa também a opiniao de Edward Said, para quema invocação do passado constitui uma dasestratégias mais comuns nas interpretaçoes dopresente. O que inspira tais apelos nao é apenas adivergencia quanto ao que ocorreu no passado e oque teria esse passado, mas também a incertezase o passado é de fato passado, morto eenterrado, ou se persiste, mesmo que talvez soboutras formas. (Said, 1995: 11)

É com essa consciencia que um Professor deLiteraturas Africanas deve se posicionar, hoje,observando que o quadro de discriminaçoes e

anulação da alteridade e das diferenças em relaçãoa África se mostra ainda mais cruel, pois elimina aspolaridades estruturadoras dos paradigmasideológicos que nortearam as décadas de 50, 60 e70 de nosso século. O capitalismo neoliberal,assentado na prática do livre mercado, acentua ariqueza de poucos e exacerba a miséria de muitos.

Diante desse quadro político tao drástico, resta, noentanto, a meu ver, o trabalho com uma daspoucas utopias ainda possíveis: a da escrituraliterária, já que esta aponta para camadasprofundas do imagináio cultural e social,possibilitando uma leitura crítica da realidade.

SONHOS, PROFECIAS E DISTOPIAS NASLITERATURAS AFRICANASDE LÍNGUA PORTUGUESA: UMA TRAVESSIA NO

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TEMPO

As Literaturas Africanas de Língua Portuguesa saoainda jovens, com aproximadamente, 150 anos deexistencia. Apesar de os primeiros textos dataremda segunda metade do século XIX, só no séculoXX, na década de 30 em Cabo Verde (comClaridade), e nos anos 50 em Angola (comMensagem), é que essas literaturas começaram aadquirir maioridade, se descolando da literatura

portuguesa trazida como paradigma peloscolonizadores. Embora nao se tenhamdesenvolvido sempre em conjunto, devido aos seusrespectivos contextos sócio-culturais diferenciados,essas literaturas sao, geralmente, estudadas, nosmeios universitários ocidentais, sob denominaçãoabrangente que envolve a produção literária deAngola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau,Sao Tomé e Príncipe, ex-colônias de Portugal naÁfrica.Tal designação se deve a relevância que asliteraturas africanas tiveram, nas décadas de 40,

50 e 60 do nosso século, quando, reunidos na Casados Estudantes do Império de Lisboa, estudantesafricanos – entre eles Agostinho Neto, AmílcarCabral, Eduardo Mondlane, Mário Pinto de Andrade,Francisco José Tenreiro, António Jacinto –iniciaram, sob os ecos da negritude francesa, donegrismo afro-americano e sob o signo doanticolonialismo, um movimento político-literáriode valorização das literaturas de seus países.Nesse processo, além da negritude, cuja influencialevou a defesa da africanidade no campo literário,tiveram também importância o Neo-Realismoportugues e o Modernismo brasileiro por seus

conteúdos sociais que serviram de modelo afundação do nacionalismo nessas literaturas.Em Angola e Moçambique, nos anos 50, surge umapoesia direcionada para a afirmação das raízesafricanas e da identidade a ser recuperada. Sob olema “Vamos descobrir Angola”, o Movimento dosNovos Intelectuais de Angola propunha o resgateda angolanidade, também reivindicada pelospoetas de Mensagem, entre eles Viriato Cruz,António Jacinto, Agostinho Neto, autor do livro depoemas Sagrada Esperança, de quem lembramos opoema:

Maos esculturais

Além deste olhar vencidocheio de mares negreirosfatigadoe das cadeias aterradoras que envolvem laresalém do silhuetar mágico das figurasnocturnasapós cansaços em outros continentes dentro deÁfrica

Além desta Áfricade mosquitose feitiços sentinelasde almas negras mistério orlado de sorrisosbrancosadentro das caridades que exploram e das

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medicinasque matam

Além África dos atrasos secularesem coraçoes tristes

Eu vejo as maos esculturaisdum povo eternizado nos mitosinventados nas terras áridas da dominaçãoas maos esculturais dum povo que constrói

sob o peso do que fabrica para se destruirEu vejo além Áfricaamor brotando virgem em cada bocaem lianas invencíveis da vida espontâneae as maos esculturais entre si ligadascontra as catadupas demolidoras do antigo

Além deste cansaço em outros continentesa África vivasinto-a nas maos esculturais dos fortes que saopovo

e rosas e pao

e futuro.(Sagrada Esperança, 1975)

Em Moçambique, também nessa época, se iniciauma poética voltada para a moçambicanidade,cujas principais vozes foram as de Noemia deSouza, Marcelino dos Santos e José Craveirinha,poeta que, em 1992, recebeu o Premio Camoes deLiteratura, e continua a escrever até hoje, tendopassado por várias fases. O seu livro Xigubo(1964) reúne poemas desse período, versando

sobre temas africanos e fazendo a crítica aoracismo, ao colonialismo, aos séculos deescravidao. Citamos do poeta o poema inédito(cedido pela Dra. Fátima Mendonça, Profa daUniversidade Eduardo Mondlane, de Maputo):

Sambo

Do marVieram os lívidos navegantescom espadas e missangase ficaram.

O cheiro da pólvora e do sangue chamou os corvose as quizumbas de dentes amareloscomeram da guerra das espadasdo erotismo das balase do rútilo brilho das missangas.

E para um Brasil de roças de cacausenhores de engenhogritos de cangaceiroe minas de oiroas proas dos barcos levaram Samboos batuques de Samboe a mais linda filha de Sambo.

E o negroaprendeu as rezas dos capitaes negreirosdizendo o terço com grilhetas nos pulsos e nos pése o Brasil se encontrou.

Sambo das roças brasileiras

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das tardes de futebol no Maracanado candomblé na Bahiae das escolas de samba nas favelas do morrovolta que os cajueiros estao florindo em Áfricae os corvos e as quizumbas de Johannes Strijdon

ansiosamente queremmais carnavais de sangue.

Em Angola, a poesia de Agostinho Neto, porexemplo, em sua fase da negritude, tambémclamou contra a opressao sofrida pelos negros,denunciando a exploração escrava. Tanto emAngola, como em Moçambique, nesse período, apoesia se afasta dos cânones portugueses e recusaa civilização européia. É uma poética acusatória, deforte impacto social, que faz ecoar o grito negro darebeldia. Em busca das raízes profundas do serafricano, utiliza vocábulos das línguas nativas, demodo a macular o idioma do colonizador.Craveirinha, por exemplo, traz para seus poemas

os sons das marimbas e do tambor, mesclando oportugues com palavras em ronga. Poetasangolanos desse momento também procedemassim, introjetando ao portugues expressoes doquimbundo, do mbunda, do quicongo e de outraslínguas, de modo a assinalar, com odores esaberes africanos, o idioma trazido pelocolonizador.Representando a poesia de Sao Tomé e Príncipedessa época, temos as vozes de Francisco JoséTenreiro, de Maria Manuela Margarido e de Alda doEspírito Santo, entre outras, defendendo osparadigmas da negritude e/ou a identidade das

ilhas. Com a palavra, Dona Alda, uma das “grandes damas” das Literaturas Africanas:

Em torno da minha baía

Aqui, na areia,Sentada a beira do cais da minha baíado cais simbólico, dos fardos,das malas e da chuvacaindo em torrentesobre o cais desmantelado,caindo em ruínaseu queria ver a volta de mim,

nesta hora morna do entardecerno mormaço tropicaldesta terra de Áfricaa beira do cais a desfazer-se em ruínas,abrigados por um toldo movediçouma legiao de cabecinhas pequenas,a roda de mim,num vôo magistral em torno do mundodesenhando na areia

a senda de todos os destinos

pintando na grande tela da vidauma história belapara os homens de todas as terrasciciando em coro, cançoes melodiosasnuma toada universalnum cortejo gigante de humana poesia

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na mais bela de todas as liçoes:Humanidade.(in Poetas de Sao Tomé e Príncipe, 1963. Apud NoReino de Caliban II, p. 449 e 450)

Em Cabo Verde, desde a década de 30, a revistaClaridade, fundada em 1936, clamava por umapoesia autentica, que buscava afirmar a cabo-verdianidade. Essa poética, ao contrário do queocorre em Moçambique e Angola, na década de 50,

nao reivindicava os temas da negritude, tendo emvista a predominância mestiça em Cabo Verde,cujas ilhas, desertas na ocasiao da descoberta,foram povoadas por portugueses oriundos daMadeira e negros vindos da Guiné.Claridade representou uma virada na lírica doArquipélago. Influenciada pelo Modernismobrasileiro, essa geração rompeu com as formasclássicas da poesia, incorporando o verso livre, anao preocupação com as rimas, o uso do crioulo,os temas cabo-verdianos. Ouçamos Jorge Barbosa,uma das mais representativas vozes de Claridade:

O mar

Ai o marque nos dilata sonhos e nos sufoca desejos!

— Ai a cinta do marque detém ímpetosao nosso arrebatamentoe insinuahorizontes para ládo nosso isolamento!

(Convite da viagem apetecidaque se nao faz.)

— Ai o cânticoestranho

do Atlântico,que se nao cala em nós!

Talvez um diainesperado remoinho de águaspasse

borbulhante,envolvente,alguma onda mais altase levante...

Talvez um dia...

— Quem sabe!...Depoisna senda dos temposcontinuaráa marcha dos séculos

... E outra lendavirá...(Apud: Mario Pinto de Andrade, op. cit., p. 19 e p.20)

A poética claridosa fez o testemunho documentaldo dilema crucial do ilhéu, um ser cindido pelo

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desejo de ficar e pela necessidade de partir. Falta,entretanto, a maioria dos representantes dessalírica uma conotação político-social mais direta, oque só ocorrerá efetivamente com as geraçoesseguintes. Seus principais poetas foram JorgeBarbosa, Manuel Lopes, Oswaldo Alcântara(pseudônimo, como poeta, de Baltasar Lopes). Osdois últimos também escreveram prosa: ManuelLopes, Um Galo Cantou na Baía (contos) e OsFlagelados do Vento Leste (romance); BaltasarLopes, Chiquinho (romance). Tais narrativas, decunho social, assemelham-se ao nossoregionalismo de 30, em particular aos romances deJosé Lins do Rego e Graciliano Ramos.Só em 1944, a geração Certeza trouxe um tommarxista as narrativas de Cabo Verde. OrlandaAmarílis, que continua a escrever até hoje, foi umadas principais representantes, trazendo para seuscontos o imaginário feminino das ilhas.Nos anos 60, com a guerra declarada contra ocolonialismo portugues, unem-se as literaturas dascinco colônias portuguesas na África em torno da

temática libertária, cujas utopias fazem dos versosarmas de luta contra o salazarismo portugues. EmCabo Verde, Amílcar Cabral lidera o PAIGC, o poetaOvídio Martins proclama “o ficar para resistir”,outros poetas se destacam: Osvaldo Osório,Armenio Vieira, Tomé Varela.

Outro importante poeta cabo-verdiano, cujaprodução se inicia em 1959 e entra pelos anos 80,é Corsino Fortes. Sua obra, Pao & Fonema (1974)e Árvore & Tambor (1986), representa um saltoem direção a uma linguagem comprometida com o

universo ilhéu, pois busca reescrever Cabo Verdecom tintas próprias, com o ritmo dos tambores efonemas crioulos. Sua poesia apresenta alto graude consciencia técnica e política. Prima pelo rigorformal e contenção da linguagem, lembrando apoética de Joao Cabral. Com a palavra Corsino, nopoema “De boca a barlavento”:

IEstaa minha mao de milho & marulhoEsteo sol a gema E naoo esboroar do osso na bigornaE emboraO deserto abocanhe a minha carne de homemE caranguejos devoremesta mao de semearHá sempre

Pela artéria do meu sangue que gote

j

aDe comarca em comarcaA árvore E o arbustoQue arrastamAs vogais e os ditongospara dentro das violas

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IIPoeta! todo o poema:geometria de sangue & fonemaEscuto Escuta

Um pilao falaárvores de frutoao meio do dia

E tamboreserguemna colinaUm coração de terra batidaE lon longeDo marulho a viola friaReconheço o bemolDa mao domésticaQue solfeja

Mar & monção mar & matrimónioPao pedra palmo de terraPao & patrimómio

Pao & fonema, 1974 (apud No Reino de Caliban I,p. 203-4)

Na Guiné-Bissau, surgem nomes importantes napoesia: Vasco Cabral, Hélder Proença, entreoutros. É publicada a primeira antologia da Guiné:Mantenhas para quem luta!, cujas poesiasguerrilheiras cantam o desejo e o sonho delibertação.Nessa época, em Moçambique, sao editados váriosfascículos sob a denominação Poesia de Combate.Na prosa moçambicana, escritores como OrlandoMendes, com o romance Portagem, e LuísBernardo Honwana, com o livro de contos NósMatamos o Cao-Tinhoso, denunciam a opressao e amiséria vividas pelo povo.Sao muitos os poetas também em Angola aproduzirem poemas nessa dicção: Costa Andrade,Jofre Rocha, e outros. Na ficção, diversosescritores optaram pela temática da guerra e peladenúncia das carencias sociais. Luandino Vieira,desde os anos 60 e passando pelas décadassubseqüentes, envereda por esse caminho, mas seafirma também por um estilo próprio que busca, amaneira de Guimaraes Rosa, recriar a língua de

colonização, “quimbundizando-a” pela opção detranscriar a fala dos habitantes dos musseques,isto é, as favelas de Luanda, onde o povo oprimidovivia em condiçoes subumanas. Outros escritoresdesse período também se destacam, entre elesPepetela, com o seu famoso romance Mayombe, oqual, ultrapassando a dimensao apenas ideológicadas narrativas comprometidas com a utopia daRevolução, discute valores humanos universais,como o amor, o sexo e a amizade, além de criticaro tribalismo e as contradiçoes da própria guerra.Pepetela é um dos grandes escritores angolanos,cuja obra apresenta várias fases, na medida emque continua a escrever até hoje.

Nos fins dos 60 e início dos 70 , com a intensarepressao da PIDE ( polícia salazarista), a literaturase torna bastante metafórica para driblar a

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censura. A poesia, principalmente em Angola eMoçambique, se torna elaborada, voltando-sesobre ela mesma. É a fase da “Poesia do Gueto”,do grupo Caliban, em Moçambique, com poetascomo Rui Knopfli, Sebastiao Alba, Alberto deLacerda, entre outros, e, em Angola, com poetascomo David Mestre, Manuel Rui, Arlindo Barbeitos,Ruy Duarte de Carvalho, para citar somentealguns.Com a independencia, retornam as utopias. Saovários os poetas a celebrarem a liberdadeconquistada. Em Angola, lembramos o nome deManuel Rui com seu livro Cinco vezes onze:poemas em novembro, obra literariamente muitobem construída. Em Moçambique, citamos o livroMonção, de Luís Carlos Patraquim , que celebra osbons ventos libertários.Entretanto, logo a seguir a Independencia, inicia-seuma guerra de desestabilização , em Angola eMoçambique, entre os partidos que assumiram opoder e os partidos de oposição. O fim dos 80 e os90 sao marcados por um desencanto na esfera

social, que se reflete na área literária. A poesiadessas décadas se caracteriza pela superação dapoética “cantalutista” e pelo desaparecimento dasreferencias circunstanciais presentes na poesiarevolucionária. Há a radicalização do projeto derecuperação da língua literária, aproveitada emsuas virtudes intrínsecas e universais, sem osregionalismos característicos da literatura dos anosanteriores. Há a metaconsciencia e o traço crítico,mas sem o panfletarismo ideológico. Ironia,paródia, desencanto sao procedimentos dedenúncia a corrupção e as contradiçoes do poder.Dialogando com poetas das geraçoes anteriores,essa lírica aponta para a crise das utopias e fundaum novo lirismo que procura cantar os sentimentosexistenciais, desvinculados do canto coletivo social.Há uma intensificação poética, através dadepuração da linguagem literária que, em algunspoetas, se manifesta por experimentalismos, porcorporizaçoes plásticas de palavras, por metáforassurrealistas, por jogos verbais que acentuam arelação entre a perda da ética e a busca de umanova estética.Afinados a essa nova dicção, em Angola, osprincipais poetas atuais sao Joao Melo, Lopito

Feijóo, Joao Maimona, Ana Paula Tavares, EduardoBoavena, José Luís Mendonça, de quem citamos opoema “Eu queria abster-me”:

Eu queria abster-mede olhar as lentasferas madrugadasparidas entre a unha e a polpados meus dedos de sangue.

Bem queria abster-medisso mas elas vem

de raivas uivando implorandocheiasda sua incompreensao do além-mar.

Bem queria abster-memas mexe em mim a dor

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de todo o acontecerno seio do deus transformador:– eu sou a sua inteira compreensaoe absorvo a múltipla realidade.(apud Letras & Letras, 1993)

Em Moçambique, lembramos os nomes de LuísCarlos Patraquim, de Eduardo White, poeta esteoriundo da revista Charrua [ palavra da línguaportuguesa que significa arado, metaforizando,

pois, uma renovação no chao da poesia que sefazia nos tempos revolucionários], de ArmandoArtur , de Nélson Saúte, entre outros. Do último,lembramos o poema:

Mulher de m’siro

O m’siroencantamento dos meus olhosperfaz a tua insular imagem.No litoral do teu corpoa apoteótica espumado orgasmo das ondas.Ó júbilo na falésia do canto.(apud A Ilha de Moçambique pela Voz dos Poetas,1992, p. 123)

Em Sao Tomé, nao poderíamos esquecer demencionar Conceição Lima, que faz uma poesia derevisao crítica da história de seu país, comopodemos observar em seu poema a seguir:

Antes do poema

nao dispomos ainda das palavrasQue cavarao o verso oco dos diasnao dispomos ainda da idéia exacta certeira

que amanhecerá o verso sobre o rostoaçoitadoda CidadeFermentem no chao as palavras os sentidosa ideiae escorram fogo e lava pelo corpo daCidadeenquanto imerso aguarda o poema omomento profundo da floração

nao repovoarei as sombrasos lugares vazios que ficaram

nao nutrirei as lágrimasa orla desértica das praias ensanguentadas

nao chorarei em vaosobre o leito das águas esquecidas

As sombras regressarao as paisagensadormecidasadornadas de estranhas nuvens e de lianas

as lágrimas germinarao frutossobre a superfície agreste dos caminhos

e o choro no ventre clarodas águas redimidas

o grito poisará entao sobre a madrugada

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será pranto será asa será cantopara florir no crepúsculo da incertezacomo rosas como rios como asas(apud Revista Tchiloli, Ano I, no 0, fevereiro de 97,p. 11)

A poética das asas é uma constante na poesiamoçambicana pós-colonial. A poesia de EduardoWhite se constrói, justamente, nessa direção:procurando a “ciencia de voar e a engenharia de

ser ave”:

(...) o meu chao, a minha terra, traz-me sonhosterríveis e muito sangue a escorrer e demasiadaambição e se escrevo com uma certa brandura éporque pronuncio as palavras já com medo de asmatar e eu quero-as vivendo e iluminadas defascínio. Voar é nao deixar morrer a música, abeleza, o mundo e é também fazer por escrevertudo isso. Nada pode ser mais deslumbrante queesta relação com a vida e por essa razao meobstinam as aves e me esforço por querer se-las.(White, 1992: 29)

Na Guiné-Bissau, a mais pobre das ex-colônias,também algumas vozes novas surgem, entre asquais as de Domingas Samy e Carlos Lopes,embora , na maior parte das vezes, as narrativasainda circulem apenas oralmente. Na poesia,nesses tempos de distopia, há, por exemplo, ocanto lúcido do poeta António Soares Lopes Júnior,conhecido pelo pseudônimo Tony Tcheka:

Tecto de silencio

Ergo a minha voze firo o tecto do silencioNego a morte de criançasporque há míngua de medicamentos

Na angústialiberto o verbomordo o pólo da desgraçaque grassanesta África desventuradaem obrae graça

subdesenvolvendo-seColoco andaimesnos alicerces do tempoperscruto os ventoscircunciso as ondasnego a convivencia da pacienciaque amordaça a falae cala o sentimento.

Exorcizo o paludismoapeio a poliomieliteamputo a desgraça

e eis a graça da criançaflorescendo a vidaBissau, 1990(apud Noites de Insónia na Terra Adormecida,1996. p. 125)

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Em Cabo Verde, no ano de 1991, a publicação deMirabilis: de veias ao sol, antologia organizada porJosé Luís Hopffer Almada, reúne os “novíssimospoetas de Cabo Verde”, divulgando a poesia cabo-verdiana produzida após o 25 de Abril. O naocumprimento das promessas sociais gera umdesalento. Entretanto, lembrando-se de que,mesmo no deserto, cresce a mirabilis, a novageração resiste poeticamente a esses anos de

“mau tempo literário”. Destacam-se entre osmirabílicos: Manuel Delgado, David HopfferAlmada, Kaliosto Fidalgo, Euricles Rodrigues, VeraDuarte, Luís Tolentino, Vasco Martins, Canabrava,entre outros. Desse último, destacamos o poema:

Pao e suor

IDe sol-a-solEspigam no teu rostoMoléculas de suor

Já nos caminhosDa ÁfricaAméricaEuropaTua partida foi necessáriaNa conjugação das coisasNum dualismo constanteDe vida & lidaO teu corpoSingrou mares de todos os OceanosHorizontes de toda a esperança...

De porto a porto

Crescem sílabas na saliva da bocaE revive no teu rostoA cicatriz da saudade

Na tempera de catabolismosTrazes nas páginas da vidaLágrimas salgadas da partida

RegressoTerra amor-mae-cretcheu

Amargura-tristeza-saudade(Sao sentimentos esquecidos)Que confluemEm ambienteDe festa & alegria

E já crescem sílabas na bocaAo molhar a palavraPelo canal da gargantaSaboreando o grogue de terra!

IIDe sol-a-sol

Estampam no teu rostoMoléculas de suor

nao há lágrimas que nao enchamA fonte da tua nostalgia!

Pitagoricamente

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Teorias + teoremasPao & suorRazao & resistencia + certeza

— nao há pao que nao custa suornao há suor que nao custa sacrifícios

EEnquanto as enxadasSucumbem a estiagem

Sacrifícios nossos continuarao

ESuor & certezaEspigarao no teu rostoProcriando o pao!1983

(Canabrava, apud Mirabilis de Veias ao Sol, p. 95-96)

Na prosa, tendencias variadas se apresentam no

pós-independencia. Há escritores que buscam adicção do humor, fazendo a crítica da realidade.Citamos, em Angola, Uanhenga Xitu, com “Estóriasna Sanzala ( Kahitu)”; Manuel Rui, com Quem meDera Ser Onda; Pepetela, com O Cao e osCaluandas, entre outros.Há também as obras que trabalham na linha daficção e da história, recuperando procedimentos daoralidade e tradição africanas, em conjugação comuma escrita que utiliza procedimentos ficcionaisbastante modernos. É o caso, em Angola, deBoaventura Cardoso, com Dizanga dia Muenhu; deLuandino Vieira, com Nós, os de Makulusu, entreoutros livros; de Agualusa, com A Conjura, NaçãoCrioula, A Estação das Chuvas; de Pepetela, comLueji, A Geração da Utopia, O Desejo de Kianda, AParábola do Cágado Velho, romances através dosquais o escritor denuncia as guerras semprepresentes na história angolana, chamandoatenção, nos tres últimos livros (publicados nosanos 90), para as guerrilhas entre o MPLA e aUNITA que desestabilizaram o processo deindependencia e transformaram as utopiasrevolucionárias em distópicas ruínas, cujosdestroços assinalam o dilaceramento atual de

Angola.Em Moçambique, os escritores também evidenciama crise que atravessa o país destruído por quasetrinta anos de guerra. Mia Couto, com seusromances, Terra Sonâmbula e A Varanda doFrangipani, e Ba Ka Khosa, com Ualalapi,repensam a história moçambicana a partir de umtrabalho arqueológico com os fantasmas damemória presentes no imaginário do país.Em Cabo Verde, nao poderíamos deixar demencionar, na ficção, nomes como os de Teixeirade Sousa, com vários romances publicados; deManuel Veiga, que escreve em crioulo; de Vasco

Martins; de Dina Salústio e de Germano Almeida,cujo livro O Testamento do Sr. Napomuceno foitransformado em filme, em razao do sucesso quefez, ao captar, com humor e acuidade, osproblemas do universo cabo-verdiano.Sintetizando, recordamos os paradigmas que

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norteiam o percurso das Literaturas Africanas deLíngua Portuguesa: o referente as origens(segunda metade do século XIX), cujos poemas seencontram colados a produção literáriaportuguesa; o relativo a uma fase intermediária debusca de identidade local (primeiras décadas doséculo XX), em que as obras sao aindaperpassadas por uma ambigüidade entre a pátrialusitana e a mátria africana; o que compreende operíodo de mergulho nas raízes africanas e deafirmação das respectivas identidades (década de30, em Cabo Verde, e década de 50 em Angola,Moçambique, Sao Tomé ); o correspondente aépoca das utopias libertárias, das lutas contra ocolonialismo (década de 60); o que se refere a fasede “gueto”, período de intensa censura, em que,por terem muitos escritores sido presos, a poesia,apenas metaforicamente, faz alusoes ao social,abordando temas universais e voltando-se para asua própria construção e linguagem (fim dos 60 eprimeiros anos da década de 70); o quecompreede os anos da pré e da pós-independencia,

quando voltam os temas sociais, as utopiasrevolucionárias, os textos celebratórios daliberdade; nessa época, surgem também narrativasque discutem a necessidade da reconstruçãonacional ( década de 70), e, por fim, o quecorresponde a fase atual de desencanto (anos 80 e90), em que a literatura reflete sobre a falenciados ideais do marxismo ortodoxo e aposta naresistencia cultural, investindo na recuperação dosmitos e sonhos submersos no inconsciente coletivodesses povos.

Atualmente, embora se viva o desencanto em

relação a essas utopias, é urgente resgatar textosque despertaram o desejo de sonhar e repensar arealidade. É necessário construir novas utopias,nem que sejam “utopias do efemero e do fugaz”.O ensaísta portugues Boaventura de Sousa Santos,em seu livro Pela mao de Alice, no qual analisa osocial e o político no contexto contemporâneo,mostra que, hoje, nao é fácil defender a utopia;entretanto, ele o faz, nao de forma romântica, maspropondo um pensamento utópico como estratégiapara impedir a estagnação cultural: “Penso que sóhá uma solução: a utopia. A utopia é a exploração

de novas possibilidades e vontades humanas, porvia da oposição da imaginação a necessidade doque existe, só porque existe, em nome de algoradicalmente melhor que a humanidade tem direitode desejar e por que merece a pena lutar.” (Santos, 1996: 323)Também, para Octavio Paz, a utopia e o sonho naodevem estar nunca desvinculados da crítica, poisesta “é a aprendizagem da imaginação, é aimaginação curada da fantasia e decidida aenfrentar a realidade do mundo. A crítica nos dizque devemos aprender a dissolver os ídolos:aprender a dissolve-los dentro de nós mesmos.

Temos de aprender a ser ar, sonho em liberdade.” (Paz, 1984: 261)É característica da linguagem poética seu caráterutópico-imaginativo e sua função revolucionária.Segundo Habermas, a linguagem literária “cola-sea pele do real nao para capitular diante dele, mas

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para dissolve-lo por dentro” (Habermas, 1980:34). Desta forma, é a literatura, portanto, um doselementos de resistencia que, ao liberar aimaginação, faz os homens sonharem equestionarem, pois, conforme alertou Mia Couto,em seu livro Cronicando, “afinal de contas, quemimagina é porque nao se conforma com o realestado da realidade” (Couto, 1991: 21).

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Carmen Lucia Tindó Secco é Doutora em Letras eProfessora da Universidade Federal do Rio deJaneiro. Dedica-se aos estudos das LiteraturasAfricanas de Língua Portuguesa.

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