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ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MINAS GERAIS Belo Horizonte 2009 LEGÍSTICA QUALIDADE DA LEI E DESENVOLVIMENTO Congresso Internacional de Legística: Qualidade da Lei e Desenvolvimento Belo Horizonte, 10 a 13 de setembro de 2007

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ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Belo Horizonte2009

LEGÍSTICAQUALIDADE DA LEI E DESENVOLVIMENTO

Congresso Internacional de Legística: Qualidade da Lei e DesenvolvimentoBelo Horizonte, 10 a 13 de setembro de 2007

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Mesa da Assembleia

Deputado Alberto Pinto CoelhoPresidente

Deputado Doutor Viana1º-Vice-Presidente

Deputado José Henrique2º-Vice-Presidente

Deputado Weliton Prado3º-Vice-Presidente

Deputado Dinis Pinheiro1º-Secretário

Deputado Hely Tarqüínio2º-Secretário

Deputado Sargento Rodrigues3º-Secretário

Secretaria

Eduardo Vieira MoreiraDiretor-Geral

José Geraldo de Oliveira PradoSecretário-Geral da Mesa

Congresso Internacional de Legística: Qualidade da Lei eDesenvolvimento (2007 : Belo Horizonte, MG).Legística : qualidade da lei e desenvolvimento. – Belo

Horizonte: Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais,2009.

224 p.

1. Elaboração legislativa – Congresso – Minas Gerais.2. Técnica legislativa – Congresso – Minas Gerais. I. Título.

CDU: 340.134(815.1)

C749

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Sumár ioSumár ioSumár ioSumár ioSumár io

Apresentação

Prefácio

Introdução

Painel 1: “Legislação, desenvolvimento e democracia”Painel 1: “Legislação, desenvolvimento e democracia”Painel 1: “Legislação, desenvolvimento e democracia”Painel 1: “Legislação, desenvolvimento e democracia”Painel 1: “Legislação, desenvolvimento e democracia”

Ulrich Karpen

Antonio Augusto Junho Anastasia

Painel 2: “Legística: história e objeto, fronteiras e perspectivas”Painel 2: “Legística: história e objeto, fronteiras e perspectivas”Painel 2: “Legística: história e objeto, fronteiras e perspectivas”Painel 2: “Legística: história e objeto, fronteiras e perspectivas”Painel 2: “Legística: história e objeto, fronteiras e perspectivas”

Luzius Mader

Fabiana de Menezes Soares

Cláudia Sampaio Costa

PPPPPainel 3: “ainel 3: “ainel 3: “ainel 3: “ainel 3: “A contribuição da LA contribuição da LA contribuição da LA contribuição da LA contribuição da Legística para uma política deegística para uma política deegística para uma política deegística para uma política deegística para uma política delegislação: concepções, métodos e técnicas”legislação: concepções, métodos e técnicas”legislação: concepções, métodos e técnicas”legislação: concepções, métodos e técnicas”legislação: concepções, métodos e técnicas”

Marta Tavares de Almeida

Menelick de Carvalho Netto

Painel 4: “Diálogos e conflitos no processo de elaboração das leis”Painel 4: “Diálogos e conflitos no processo de elaboração das leis”Painel 4: “Diálogos e conflitos no processo de elaboração das leis”Painel 4: “Diálogos e conflitos no processo de elaboração das leis”Painel 4: “Diálogos e conflitos no processo de elaboração das leis”

Maria Coeli Simões Pires

Ricardo José Pereira Rodrigues

Cláudia Feres Faria

Painel 5: “Lei e políticas públicas: mecanismos de avaliação”Painel 5: “Lei e políticas públicas: mecanismos de avaliação”Painel 5: “Lei e políticas públicas: mecanismos de avaliação”Painel 5: “Lei e políticas públicas: mecanismos de avaliação”Painel 5: “Lei e políticas públicas: mecanismos de avaliação”

Jean-Daniel Delley

Sabino José Fortes Fleury

Jandyr Maya Faillace Neto

AnexosAnexosAnexosAnexosAnexos

Relação de comunicações orais

Relação de oficinas temáticas

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Apresentação

O desenvolvimento econômico, o avanço da

ciência e da tecnologia, o surgimento de novas

profissões, a produção maciça de bens de consumo,as mudanças nas relações de trabalho, a evolução

dos valores e dos costumes, a conquista de direitos,o crescimento da consciência ambiental, as reconfigurações

demográficas, os efeitos da globalização, enfim, todasas manifestações e consequências da intensificação

das atividades humanas tornaram cada vez maiscomplexas as relações sociais.

Repleto de possibilidades, indagações econflitos, o tempo de hoje passou a exigir apurada

atualização das normas que regem a vida emsociedade. Ao ordenamento jurídico, já extenso e

diverso pela natureza de sua constituição,incorporaram-se novas questões, decorrentes das

constantes transformações do mundo atual. Mais doque isso: o ato normativo, em seu sentido amplo,

ganhou nova concepção.O que é uma boa lei? Que critérios deve

preencher? A Legística surgiu para ajudar a entenderos componentes em jogo. Já não basta que uma lei

seja bem feita do ponto de vista técnico ou formal.

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Ou que esteja em sintonia com normas do mesmo teor

editadas em outras instâncias. É preciso, entre outrosrequisitos, que seja capaz de produzir os efeitos que

dela se esperam; que atenda às demandas motivadorasde sua criação; que seja elaborada com a participação

dos cidadãos e seja de fácil acesso para eles.A participação dos cidadãos, a propósito, há

muitos anos vem sendo estimulada pelo Parlamentomineiro, por meio de iniciativas como seminários

legislativos, fóruns técnicos, ciclos de debates,audiências e debates públicos, durante os quais se

produzem subsídios para a formulação das leis.Mesmo já adotando vários dos mecanismos que

a Legística põe em evidência, a Assembleia de Minas,ao promover um congresso internacional sobre o tema,

deu nova dimensão a suas preocupações com a funçãolegislativa. Reuniu especialistas do Brasil e de outros

países para debaterem, apresentarem estudos eexperiências sobre esse saber, que ultrapassa as

fronteiras do campo jurídico. Exercitando o diálogo ea crítica, o Parlamento mineiro mantém as portas

abertas para o aperfeiçoamento e a transformação.As conferências, as palestras e os trabalhos

expostos no congresso, contidos nesta publicação,constituem valioso material para legisladores,

estudiosos, técnicos, professores e alunos das diversasáreas que, de alguma forma, lidam com a concepção,

a elaboração e a aplicação dos atos normativos.

Deputado Alberto Pinto CoelhoPresidente da Assembleia Legislativa

do Estado de Minas Gerais

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Prefácio

O Congresso Internacional de Legística:qualidade da lei e desenvolvimento foi realizado pela

Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais,em Belo Horizonte, com o apoio do Instituto de Altos

Estudos em Administração Pública e do Centro deEstudo, de Técnica e de Avaliação Legislativa, ambas

instituições suíças. Entre os dias 10 e 13 de setembrode 2007, mais de 600 inscritos participaram dos cinco

painéis que tinham como foco principal a qualidade dalei e suas relações com a democracia, as políticas

públicas e o desenvolvimento. Coordenados pordeputados da Assembleia de Minas, os painéis reuniram

13 expositores, entre conferencistas e debatedores,do Brasil, de Portugal, da Alemanha e da Suíça.

Além dos painéis, 24 propostas de comunicaçãooral foram submetidas ao Comitê Organizador, que

selecionou 21, das quais 20 foram apresentadas.Os textos desses trabalhos permaneceram disponíveis

na página da Assembleia, na íntegra, desde o iníciode 2008. Alguns deles já vêm sendo utilizados por

servidores e parlamentares de outras casaslegislativas do Brasil para se iniciarem nos caminhos

da Legística.

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Como desdobramento do Congresso, técnicos daAssembleia de Minas ofereceram cinco oficinas sobre

temas relacionados com os principais tópicos discutidosnos painéis.

A comissão responsável por esta publicação optoupor uma versão impressa em formato simplificado, que

não tem a intenção de cumprir o papel normalmenteatribuído aos anais de um evento de natureza técnico-

científica. Dessa forma, compõem esta publicação apenasos textos e reflexões apresentados por conferencistas e

debatedores, em cada um dos cinco painéis quecompuseram a programação do Congresso. Alguns desses

textos foram enviados pelos autores. Outros foramtranscritos e editados pelos servidores das Gerências de

Taquigrafia e de Redação da Assembleia. Outros, ainda,foram cuidadosamente reconstruídos a partir dos originais

proferidos em língua estrangeira, enviados pelos autores,e dos textos das traduções simultâneas também

transcritas e editadas pela equipe técnica e especializadada Casa.

Além desses textos, uma breve definição do termoLegística é apresentada na introdução. Os anexos trazem

as listagens das comunicações orais apresentadas noCongresso e das oficinas temáticas realizadas. Os textos

das comunicações integrarão a versão eletrônica destapublicação, disponível na internet, na página da ALMG.

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Introdução

Os agentes públicos envolvidos com a atividadelegislativa têm-se preocupado cada vez mais em incorporar

ao processo de elaboração das leis procedimentosespecíficos de planejamento, avaliação e estudo que sejam

capazes de dar mais consistência e qualidade à legislação,além de reforçar a confiança da população nos

legisladores. Esses esforços, que procuram aliar a iniciativapolítica e a participação popular aos benefícios da pesquisa

técnica cuidadosa, convergem, do ponto de vista dasistematização do conhecimento, para um campo do saber

que vem crescendo e reivindicando cada vez mais a suaautonomia. Tal campo, em torno do qual se organizou o

Congresso que deu origem a esta publicação, é o dachamada Legística.

De natureza interdisciplinar, como o exige seuobjeto de estudo, a Legística vale-se de saberes e

métodos desenvolvidos por uma grande variedade dedisciplinas, sobretudo o direito, a sociologia, a ciência

política, a economia, a informática, a comunicação e alinguística, os quais são colocados, de forma articulada e

com as acomodações necessárias, a serviço da elaboraçãoda norma jurídica. Pode-se dizer que, embora partindo de

bases teóricas já conhecidas e amplamente difundidas, a

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Legística, surpreendentemente, inova na medida em que

aperfeiçoa e refuncionaliza, a favor de seus objetivos, osinstrumentos que recolhe. Dessa maneira, a Legística

acaba recriando o seu próprio objeto.Deve-se ressaltar que a adoção dos métodos e

instrumentos desenvolvidos no campo da Legística nãosubtrai dos parlamentares, de forma alguma, seu poder

de agenda e decisão. Ao contrário, procedimentos comoos de avaliação legislativa, consulta popular, audiência

pública e fóruns técnicos sem dúvida reforçam aresponsabilidade dos agentes públicos nos processos

decisórios e passam a exigir deles um maior compromissocom o argumento e com a fundamentação de suas

proposições.O olhar trazido pela Legística tem o mérito de

explorar o fenômeno legislativo em toda a sua amplitude,levando em consideração perspectivas de cunho teórico

e prático. Seu principal objetivo seria, contudo, comoassinalou o professor Luzius Mader, durante conferência

reproduzida nesta edição, o de explorar a dimensãoprática e pragmática da atividade legislativa. Trata-se,

pois, de um saber flexível e sempre em construção, queassume conformações próprias de acordo com a realidade

– política, cultural, social – em que se insere.

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Painel 1:"Legislação, desenvolv imento e democracia"

Os dados sobre função ou cargo dos integrantes deste painel correspondem à situação à data do Congresso.

Conferencistas:Conferencistas:Conferencistas:Conferencistas:Conferencistas:

Ulrich KarpenUlrich KarpenUlrich KarpenUlrich KarpenUlrich Karpen

Professor Titular da Universidade deHamburgo, ex-Presidente e Fundador da

Associação Europeia de Legislação (EAL)

Antonio Augusto Junho AnastasiaAntonio Augusto Junho AnastasiaAntonio Augusto Junho AnastasiaAntonio Augusto Junho AnastasiaAntonio Augusto Junho AnastasiaMestre em Direito Administrativo,

Professor da Faculdade de Direito daUniversidade Federal de Minas Gerais

(UFMG), Vice-Governador do Estado deMinas Gerais

Coordenador:Coordenador:Coordenador:Coordenador:Coordenador:

Deputado Dalmo Ribeiro SilvaDeputado Dalmo Ribeiro SilvaDeputado Dalmo Ribeiro SilvaDeputado Dalmo Ribeiro SilvaDeputado Dalmo Ribeiro Silva

Presidente da Comissão de Constituiçãoe Justiça da ALMG

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O assunto de hoje é desenvolvimento, legislação e de-mocracia. Permitam-me, então, modificar a posição desses ter-mos, para falar a respeito do desenvolvimento, da democraciae da legislação, nessa ordem. A principal meta de todos os Es-tados do mundo e da comunidade global, seja ela organizadasob a forma da Organização das Nações Unidas (ONU), daOrganização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômi-co (OCDE) ou mesmo da Organização Mundial do Comércio(OMC) é assegurar a paz, melhorar as condições de vida dopovo e também estimular a oferta de oportunidades iguais. Emtermos gerais, é desenvolver para melhorar.

Infelizmente, poucos Estados do mundo são de fato de-mocracias livres, sob o princípio da lei. Não obstante, todoscompartilhamos a opinião de que o desenvolvimento rumo àparticipação popular em questões de cunho público não apenasé uma necessidade, mas algo inevitável de fato, em função danatureza do próprio ser humano. Essa é a nossa crença comum.

A democracia, em bom funcionamento, é a melhor for-ma de governo, mas é também uma forma difícil. Há sempre operigo de nos perdermos no caminho da democracia e de asubstituirmos por qualquer outro regime, por qualquer motivoque seja, em função de ideologia, crença, credo e assim pordiante. Assim, tanto o desenvolvimento como a democracianecessitam de uma base confiável e sustentável. Essa base é a

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lei. As leis, como a Constituição, são a pedra fundamental doEstado. Também o são o trabalho com direitos humanos e asetapas de desenvolvimento a serem cumpridas pelo Estado.

Todos os países lutam pela obtenção de um modelo pormeio do qual tenhamos uma sociedade sustentável. Países de-senvolvidos, como os Estados Unidos da América, os Estadosda União Europeia e a Austrália, por exemplo, conseguiram terum progresso sustentável a longo prazo. Outros Estados neces-sitam de mais tempo e de mais apoio. Anteriormente, esteseram chamados de países subdesenvolvidos, e agora o termofoi substituído por outro, politicamente correto: países em de-senvolvimento. Com poucas exceções, os Estados africanosestariam incluídos nesse grupo. Alguns países estão numa situ-ação limítrofe. Conseguiram obter um progresso significativo,mas ainda têm um caminho a percorrer. Os observadores co-locam os países da América Latina nessa categoria.

Mas o que é o desenvolvimento, enfim? Com grandefrequência, é compreendido como crescimento econômico. Entre-tanto, essa é uma definição por demais simplista. Devemos adotarum ponto de vista mais abrangente. O desenvolvimento trazconsequências econômicas, sociais, culturais e políticas. Hojeexiste, de comum acordo, a noção de que não há uma definiçãoúnica e não contenciosa em torno de desenvolvimento. Certa-mente o desenvolvimento não pode e não deve ser definido deforma neutra. O desenvolvimento é um termo normativo em vá-rios sentidos. Em primeiro lugar, ele cobre as percepções de umadireção desejada das mudanças sociais. Em segundo lugar, otermo é baseado em teorias que tratam dos motivos para o nãodesenvolvimento. Em terceiro lugar, traz em si asserções afir-mativas de grupos sociais que tentam promover mudanças. Elese baseia em padrões de transformação econômica e social.

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Por fim, o desenvolvimento é um termo normativo, da mesmaforma que inclui ainda as decisões em torno das medidas quesão necessárias para dar início às mudanças sociais e apoiá-las.

A noção de desenvolvimento depende também da mu-dança que ocorre nos vários períodos da história e é sempreum resultado de comparação. O desenvolvimento bem-sucedi-do pode ser iniciado por agentes de grande proeminência. Pen-semos, por exemplo, na Glasnost e na Perestroika, promovidaspor Gorbachev, e na transformação e no desenvolvimento queelas promoveram na Rússia. Mudanças históricas e progressoeconômico também podem preceder o desenvolvimento políti-co, como foi o caso da China e de Taiwan.

O desenvolvimento pode se concentrar na democratiza-ção política e na reconciliação. O melhor exemplo é a África doSul sob o governo de Mandela. Primeiro ocorreu a transfor-mação política e depois o desenvolvimento político e social.

A descrição do desenvolvimento pode focalizar tambémfatores sociais, ou seja, percepções em torno de progresso e deideologia. Certamente a questão acerca do que é o desenvolvi-mento será respondida de forma diferente por economistasliberais de mercado e por marxistas. Representantes do mundodesenvolvido tiveram e ainda têm uma visão diferente do de-senvolvimento, quando comparada à dos líderes do ex-Tercei-ro Mundo. Hoje, no mundo globalizado, é de suma importân-cia que cheguemos a um acordo em torno do que é o desenvol-vimento, já que programas nacionais e internacionais de auxílioa países em desenvolvimento dependem exatamente dessa de-finição, de saber o que é o desenvolvimento e em que pontonos encontramos.

Os indicadores utilizados para avaliar o desenvolvimen-to são, primeiramente, fatores econômicos, como crescimento,

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emprego, renda "per capita", produto interno bruto. Outrosindicadores são os relativos a mudanças estruturais e sociais eà modificação dos valores sociais como educação, instrução – pen-sando aqui também a respeito dos países árabes –, saúde, distribui-ção justa de riqueza, governança eficaz, bem como administraçãoe independência política e econômica. Sem independência polí-tica e econômica, uma boa transformação e um bom desenvol-vimento são impossíveis, como demonstram, por exemplo, osantigos Estados coloniais. Atualmente a ecologia e o clima tam-bém têm apresentado desafios ao desenvolvimento dos Estados.

Para colocar todas essas questões em conjunto, eu pre-feriria desenhar um pentágono com os fatores que capacitam epossibilitam o desenvolvimento. Como bordas desse pentágono,estão, em primeiro lugar, o emprego; em segundo lugar, o cres-cimento econômico; em terceiro lugar, justiça social e mudan-ças estruturais; em quarto lugar, participação; em quinto lugar,independência política e econômica.

Até agora, mencionei três dessas bordas: emprego, mu-dança estrutural e mudança econômica. Falarei ainda sobre par-ticipação e independência política, sempre mantendo o olho nademocracia e na legislação dentro de um Estado constituído.Entretanto, antes de fazê-lo, permitam-me mencionar o con-ceito de construção de nação, assunto amplamente discutidono âmbito da ciência política e do direito constitucional. O de-senvolvimento e o progresso de uma sociedade exigem umabase político-social sustentável e sólida, ou seja, uma ação e umEstado sólidos. Permitam-me fazer alguns comentários a res-peito desse conceito, que foi colocado em discussão pelorenomado professor nipo-americano Francis Fukuyama.

Nessa construção, a meta de desenvolvimento é atingir,como já disse, um Estado estável, ou seja, capaz de satisfazer

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as necessidades básicas da população. A estabilidade, no caso, ébaseada em vários fatores: econômicos; de natureza social, comocoerência e integração; psicológicos; de cunho industrial; jurídi-cos, como manter uma Constituição efetiva e leis e normasefetivas, bem como fatores relacionados ao senso de dever ede responsabilidade. As construções de uma nação, de institui-ções e de capacidades são facetas de uma mesma ideia: a defortalecer o papel do Estado e construir, dessa forma, umacapacidade governamental autoapoiadora, especificamente empaíses que não se encontram amplamente desenvolvidos, emEstados que são fracos ou que estejam em colapso. Isso signifi-ca construir a capacidade que irá resistir, quando terminar oauxílio vindo de outros países. Essa é, eu diria, a meta da constru-ção de uma nação. Em resumo, a construção de nações significafortalecer o poder do Estado. A força de um Estado é função darelação entre suas responsabilidades e os meios efetivos para fazervaler sua autoridade. É importante que compreendamos o con-ceito, que saibamos que responsabilidades o Estado pretendecarregar. É importante também sabermos se o governo tem, defato, a capacidade de executar essas tarefas de maneira adequada.

A respeito da responsabilidade, há algumas funções mí-nimas que o Estado deve cumprir, se pretende, de fato, ser umEstado. Segundo Thomas Hobbes, a primeira e predominantetarefa do Estado é prover a segurança dos seus cidadãos. Pro-ver a segurança interna, em termos de força policial, bem comoa externa, em termos de defesa. Prover a segurança é, na ver-dade, fator de legitimidade de qualquer Estado, que tem o mo-nopólio do poder apenas porque é legitimado para conseguirprover essas funções básicas, a segurança interna e externa.

O Estado basicamente precisa prover-se de segurança.Isso é algo fácil de dizer e, ainda assim, verdadeiro. Mas até

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onde vai a promessa do Estado de prover a segurança, quereflete um direito básico do ser humano, o de viver em paz?Até onde vai essa promessa do Estado em momentos de terro-rismo, por exemplo? É uma questão de desenvolvimento, quepermeia todos os Estados. Seja como for, manter a norma, alei, a ordem e proteger o povo contra agressões advindas doexterior e do interior é uma tarefa essencialmente pública. Se oEstado não consegue cumpri-la, está em colapso, como aSomália e Serra Leoa, por exemplo. Além disso, é essencial queo Estado consiga suprir as necessidades básicas do seu povo,de viver, de sobreviver, de ter acesso a água, pão e abrigo.Alguns Estados carregam responsabilidades ainda maiores queessas, que são mínimas. Eles também tomam conta da educa-ção, da proteção do ambiente social. Na verdade, Estados mo-dernos e eficientes partem para funções até mais ativas, comopolíticas industriais, distribuição justa da riqueza, segurança socialabrangente ou seguridade social abrangente da infância à velhice.

Para que tais responsabilidades sejam manifestadas, énecessário poder da parte do Governo. Esse poder está ligadoà força das instituições legislativas e aos corpos administrati-vos, capazes de garantir a realização efetiva das políticas go-vernamentais. Poder, em outras palavras, é a força das institui-ções. Poderoso, portanto, nesse sentido, é o Estado que clara-mente define suas metas políticas e adota leis para fazê-las va-ler, executando-as por meio de corpos administrativos e legislado-res eficazes. Poderoso é o Estado que garante a transparência e osprocessos adequados à proteção dos direitos dos cidadãos, queestá na posição de combater o suborno e a corrupção e que podeconfiar na responsabilidade de todos os seus órgãos e entidades.

Segundo o número de funções, podemos distinguir qua-tro grupos de Estado. Em primeiro lugar, há Estados que mani-

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festam apenas funções limitadas, mas que, de qualquer forma,têm suas instituições organizadas de forma efetiva. Há quemchame esses Estados de liberais ou neoliberais. Há quem osculpe pela frieza para com os aspectos sociais. Os EstadosUnidos da América são um Estado desse tipo, da forma comoentendo. Por outro lado, há Estados que simplesmente tentamexecutar uma gama mais ampla de funções, entretanto não ofazem em todas as áreas nem com a eficiência suficiente. Háquem os chame de Estados sociais. A República Federativa daAlemanha é um desses exemplos. Em terceiro lugar, há Esta-dos que tomam para si uma abordagem extremamente amplapara regulamentar a sociedade, em termos de distribuição depropriedade, acesso aos serviços de saúde, pensão para os ido-sos. E, se o fazem de forma efetiva e com confiabilidade, sãoos Estados da previdência social ou do bem-estar social – comoa Suécia –, que consomem praticamente metade do PIB paraexecutar tarefas para o fim público. Por fim, temos os Estadosineficazes, que tentam, de forma malsucedida, administrar umacarga ambiciosa de responsabilidades, com instituiçõesenfraquecidas. As responsabilidades do Estado são colossais,segundo dispositivos constitucionais, programas estatais, dire-trizes dos líderes. O que falta é um corpo eficaz de normas eleis de grupos administrativos, que venham, de fato, protegerseus cidadãos. Esses, no caso, são Estados em colapso ou jácompletamente acabados, como o Zimbábue e o Congo.

O desenvolvimento descreve, em outras palavras, o ca-minho escolhido por várias nações e, nessa rede, uma amplagama de responsabilidades e poderes. A Rússia, por exemplo,após a transformação, certamente abriu mão de várias respon-sabilidades. Pode-se dizer, com toda a cautela, que o País setornou mais liberal. A Nova Zelândia, que partiu de um nível

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Certamente, não ousaria julgar a posição do Brasil. Con-tudo, permitam-me compartilhar alguns dados, do ponto devista de um estrangeiro. O Brasil tem um PIB de US$1 bilhão;a Alemanha, de US$3 bilhões. O Brasil está em 10º lugar, entreas economias do mundo, e, por vários motivos, já foi convidadoa se posicionar ao lado da Índia, no encontro de cúpula do G-8.

A fundação alemã Bertha Mantemann, do mesmo tama-nho das fundações Ford e Carnegie, dos Estados Unidos, clas-sifica as nações, em termos de índice de transformação. Temosaqui um assunto bastante interessante. A classificação é feitasegundo desenvolvimento democrático; resultados, em termosde transição econômica; administração bem-sucedida do Esta-do; e sociedade. É um índice bastante abrangente.

O Brasil estava classificado, em 2003, na 22ª posição;em 2006, na 20ª, ou seja, subiu na classificação. Em termos degovernança e administração, mais especificamente nesse últi-mo quesito, o Brasil estava, em 2003, em 33º lugar e passoupara o 14º. Estados como Brasil, Chile e México consolidaramseus níveis de transformação e desenvolvimento durante operíodo de avaliação. Por outro lado, observadores internacio-nais têm a opinião de que ainda uma boa parte da populaçãodesses países está abaixo da linha da pobreza. É também opi-nião deles de que partes do Governo são ineficazes. Há muitacorrupção e crime, segundo esses observadores. Também afir-mam que a reforma agrária está bastante atrasada. Em suma,

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no casos desses países, é muito difícil, evidentemente, para al-guém de fora, conseguir enxergar exatamente onde está a me-lhor linha entre uma economia de mercado e o socialismo.

Falarei agora sobre democracia e legislação. O que sabe-mos sobre a importância da democracia para o desenvolvimento?O que sabemos a respeito do desenvolvimento da democraciaem si?

O desenvolvimento exige o apoio do povo, a coopera-ção voluntária rumo ao bem comum, traduzido em ação mú-tua. Esses são os pré-requisitos para o desenvolvimento, dispo-níveis apenas nas democracias. Pesquisas de opinião demons-tram que a aprovação da democracia pelos cidadãos está au-mentando. A democracia é a forma de governo que se colocaem paralelo com a economia de mercado, ou seja, que se baseiana escolha dos indivíduos. É a única forma de governo em quese aceita ter uma sociedade com liberdade de propriedade, deescolha de educação. Adaptada à nossa cultura, que se baseiana liberdade de expressão, de transmissão de opiniões e de cul-tura, a democracia dá espaço para a criatividade e para apluralidade de ideias, crenças e opiniões.

Sempre pergunto aos meus alunos estrangeiros se o Es-tado deles está sendo administrado com liberdade de comuni-cação, e a resposta me permite dizer qual é a forma de gover-no daquele Estado. Estados democráticos caracterizam-se pelaintegração dos direitos humanos, pela participação, pela econo-mia de mercado e pela cultura livre e plural. A democraciaexige participação e respeito aos direitos civis, a observânciado princípio da regra da lei, bem como instituições confiáveis eestáveis, mais especificamente o Congresso.

A democracia constitucional, tanto a representativa comoa direta, pressupõe o voto direto para Presidente da República,

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bem como para Deputados. Não tratarei das democracias sovi-éticas e dos antigos países socialistas, da que existe hoje emCuba, nem de democracia orientada, como é o caso da Rússiae da China atuais. Elas são, a meu ver, democracias que falhamna implementação adequada dos direitos políticos e civis.

Alguns cientistas políticos norte-americanos afirmamque, abaixo da renda individual de US$600, não faz sentido sefalar em democracia. Não pretendo discutir essa teoria especi-ficamente, mas certamente não há nenhum argumento legítimopara se defenderem autocracias de modo a tentar aprimorar odesenvolvimento. O desenvolvimento pode, realmente, ser rápi-do e ocorrer em explosões, mas pensem, por exemplo, na Revolu-ção Francesa ou na Revolução Americana. E sempre temos de teruma regra da lei forte, separando adequadamente os poderes,mesmo a despeito de proteção dos direitos civis de legisladores.

Todos sabem que a eleição é algo vital, porque dá legiti-midade ao Governo, mas por um período de tempo determina-do e, depois, acaba-se. E, se for o caso, tem-se, é verdade, umademocracia fracassada, e não uma democracia verdadeira. De-mocracia, nesse sentido, precisa da competição de partidos, degrupos sociais, de Assembleias livres, de participação livre emeleições, de educação livre, etc.

Os sistemas eleitorais são importantíssimos, mas na de-mocracia há outras formas de participação. E isso frequente-mente não é visto de forma adequada. É vital para os nossosEstados desenvolvidos, mas é ainda mais importante para paí-ses em desenvolvimento. Precisa ficar claro que, em Estadosdemocráticos, além de eleições, há várias outras formas de par-ticipação, em Assembleias Legislativas, conselhos de universi-dades, câmaras de comércio, Câmaras de Vereadores. É o direitoà participação.

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A legislação representa a base da Constituição, que, ge-ralmente, é uma lei e é produto do legislador e de todas asoutras leis estatutárias, leis e cláusulas sublegais e estatutos. AConstituição é o desejo do povo. Geralmente a ação do legisla-dor está na responsabilidade das Assembleias Legislativas. En-tão vamos ver a Constituição, pois todos sabemos que a suafunção é estabelecer as bases e os princípios essenciais para aestabilização e organização do Estado, definindo suas metas eseus programas básicos, como ecologia, previdência social, pro-teção do cidadão, etc. O mesmo vale para aquelas leis que, porassim dizer, estabelecem, em detalhes, o programa do governoe o que é dito na Constituição e nos planos governamentais.

A decisão final está nas mãos do Judiciário. E, comodisse Oliver Holmes, somos ligados pela lei, mas precisamosdizer o que é a lei.

Então, como poderemos desenvolver o Estado como umtodo baseado em legislação? Isso dependerá da quantidade e daqualidade da legislação. A quantidade e a qualidade da legisla-ção dependem do desenvolvimento? Ou será o contrário: odesenvolvimento depende da quantidade e da qualidade dasleis? A resposta, obviamente, é sim, para ambas as questões. Aquantidade e a qualidade da legislação dependem do nível deeducação da população e da experiência da AssembleiaLegislativa. Qualidade e quantidade devem ser levadas em con-sideração e devem-se concentrar na capacidade e na disposiçãode seguir normas.

A Legística depende do desenvolvimento. Se as pessoasacharem que, abaixo de US$600 de renda, ninguém poderá fa-lar sobre democracia e legislação, a minha resposta é que nãotemos de esperar, quanto à legislação democrática, até que oPIB alcance algum nível específico. Não. Para países em desen-

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volvimento, eu diria que menos pode ser mais. Devem-se fazermenos leis e implementar as existentes. Para países desenvolvi-dos, eu diria que é melhor reduzir a quantidade de leis. Vamosnos encorajar a ser mais liberais.

Para resumir, apresentarei quatro pontos que estão va-lendo em termos de desenvolvimento de políticas e deixareipara outros as questões relacionadas a políticas de desenvolvi-mento de países desenvolvidos.

Será que há um direito ou mesmo uma obrigação de ospaíses desenvolvidos exportarem democracia, ou seja, a regrademocrática da lei? Isso diz respeito à Coreia, ao Vietnã, aoIraque e ao Afeganistão. Será que há uma política de direitoshumanos ou mesmo a obrigação de interferir em política inter-nacional de outros países e insistir que direitos humanos nãopermaneçam apenas em livros, mas que sejam leis em vigorem qualquer parte do mundo? É o caso da China. Como nosposicionarmos diante da China, dos países da Ásia Central –Cazaquistão, Azerbaijão e Quirguistão – e da Rússia? O quepodemos dizer, no caso da Rússia, sobre a questão Putin"versus" Poliakov?

Foi Bernard Kouchner, Ministro do Exterior da França,que disse – e espero que possamos concordar com isso – que acrise da dominância americana se consolidou. E isso se aplicatambém à política de direitos humanos nos Estados Unidos.Bernard Kouchner disse que o direito de interferir na situaçãodoméstica de outros países foi desenvolvido nos Estados Uni-dos. Disse ainda: "Subestimamos os métodos a serem aplicadospara pressionar os direitos humanos. O imperialismo democrá-tico está sentenciado ao fracasso".

E, baseado no que disse Kouchner, apresento-lhes osquatro pontos válidos para o futuro desenvolvimento de políticas.

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Primeiro, o Estado soberano continuará sendo a espinha dorsalda ordem internacional, enquanto organizações internacionais,como a ONU, a OCDE e a OMC, não estiverem na posição degarantir a paz, a liberdade e o desenvolvimento. Segundo: aglobalização, por outro lado, torna todas as fronteiras permeá-veis para bens e ideias. O espírito sopra onde quer. A internet éa revolução cultural do mundo. Fronteiras são permeáveis aodesenvolvimento. A autoexclusão do desenvolvimento – a Coreiado Norte, por exemplo – é uma exceção, um exemplo raro.Terceiro: acredito, veementemente, que a democracia é a me-lhor forma de governo em países desenvolvidos e que os direi-tos humanos são indivisíveis. Não há padrões diferentes de di-reitos humanos em nenhum Estado, país ou lugar do mundo. Aglobalização permite e apoia o comércio e a troca de idéias nomundo inteiro. O livre mercado de ideias é sinal do futuro e daparticipação do desejo comum das pessoas, onde quer que elasvivam. Quarto: todos nós temos a responsabilidade de garantirque qualquer país desenvolvido ou em desenvolvimento tenhaoportunidades iguais e distribuídas em partes justas. Desenvolvi-mento é direito dos pobres e obrigação dos r icos.

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Neste Congresso teremos a oportunidade de tratar deum tema inovador e instigante: a Legística.

A primeira indagação que nós, brasileiros, pouco afetosa essa inclusiva expressão, nos fazemos é: o que é a Legística?A partir da análise do material de altíssima qualificação que mefoi enviado, percebi que a Legística é um passo além, é um plusem relação ao nosso ritual, ao nosso processo legislativo.

Todos – talvez eu mais do que o corpo técnico daAssembleia e seus parlamentares, que estão na faina diária –somos escravos dos modelos mais antigos do processo legislativomais formal, aquele preso à ritualística, à solenidade, à formaexclusivamente, que não lida, talvez, com aspectos mais rele-vantes, de conteúdo, com as consequências dos seus desdobra-mentos. Muitos de nós, talvez, não nos damos conta de comoseriam as repercussões de uma determinada lei na ordem social.

Na verdade, o povo, na sua imensa sabedoria, já separaas leis que "pegam" das que não "pegam". Este seria o objetofundamental da Legística: conhecer a lei nos seus mais diversosmatizes, indagando não só a respeito das suas repercussões,mas também discutindo seu planejamento e seus aspectos téc-nicos. Seria, portanto, um procedimento constante de aperfei-çoamento da função legislativa, que auxiliaria os senhores par-lamentares a conciliar os anseios que vêm do povo, de acordocom o processo de legitimidade, com a sua própria vocaçãopara apresentar determinado projeto.

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A Legística, a despeito de relativamente recente na pre-ocupação dos estudiosos, já se destaca e assume um valor mui-to alto, porque tem por objeto de estudo aquilo que nos pareceo maior elemento que difere o homem civilizado da selvageria,qual seja o estudo das leis.

No Brasil, todos nós temos uma preocupação muito gran-de com a lei no seu sentido amplo. Consideramos a norma tãoimportante que, independentemente da esfera a que pertence-mos, das nossas condições ou da função que exercemos, todosnós gostamos de legislar. Digo mesmo que temos um furorlegiferante, pois gostamos de legislar. O síndico do condomíniode apartamentos gosta de estabelecer normas; o administradordo clube gosta de estabelecer normas; o Poder Executivo ado-ra estabelecer normas. Da mesma forma o Poder Legislativo, oPoder Judiciário, o pai de família, o dono da casa, enfim, todosnós gostamos de estabelecer normas. Em nossa cultura, o esta-belecimento da norma significa demonstração de poder, de umaposição que imponha conduta a terceiros. Mas temos de inda-gar se essa conduta, quando levada à norma mais excelsa detodas, que é a lei, está consoante com as necessidades da socie-dade, se a sua repercussão será positiva, se sua aplicação surti-rá um efeito positivo, no médio e no longo prazos, na políticapública que ela tem por objeto, seja a educação, a saúde ou asegurança.

De fato, devemo-nos indagar acerca das repercussõesde determinada lei em uma sociedade, mas, lamentavelmente,ainda não estamos num estágio de maturidade que nos permitafazer essas indagações. Esses questionamentos não estão aindano nosso cotidiano, no dia a dia daqueles que elaboram as nor-mas. Não estou me referindo apenas ao Poder Legislativo, masa todos os Poderes, até porque já se disse que, no Brasil,

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estranhamente, o Poder Executivo gosta de legislar, o PoderLegislativo gosta de julgar, e o Poder Judiciário gosta de admi-nistrar, em razão das funções que se emaranham dentro desteverdadeiro cipoal que são as competências da nossa Constituição.

Desse modo, quando temos a oportunidade de discutir aLegística, considerada agora como ciência, ramo de conheci-mento, com seus princípios, com sua doutrina, com seus espe-cialistas, com pilares fortes que irão representar, necessaria-mente, uma evolução do processo legislativo, devemo-nos agar-rar, com todas as forças, a essas inovações, até porque, reitero,tais desdobramentos não fazem ou não faziam parte, até estemomento, das nossas preocupações.

Na Legística, tentamos conciliar o anseio que vem dasociedade, da qual o senhor parlamentar é o porta-voz natural,uma espécie de alto-falante, já que é quem vai verbalizar aopinião pública, com um critério que seria não só técnico, mastambém científico, da forma, da redação, da técnica legislativa,com ênfase no planejamento e na repercussão das normas.

Quando vamos elaborar uma norma, portanto, atende-mos ao anseio da sociedade ao mesmo tempo em que obedece-mos aos nossos postulados constitucionais? Elaboramos aquelanorma com o objetivo de repercutir o menos possível na órbitajudicial, ou seja, sendo a mais redonda, a mais esmerada possí-vel, de modo a não criar conflitos? Terá ela condições de alte-rar aquele panorama social do qual o parlamentar foi o arauto,a partir do qual ele se legitimou por meio das urnas para tentarmodificar? Essa é a nossa grande dificuldade. Daí o vernáculopopular da lei que "pega" e da lei que não "pega". Portanto, emvirtude dessa grande dificuldade, desse verdadeiro nó górdiodo Poder Legislativo ou da função legislativa – considerando quetemos, na esfera federal brasileira, a medida provisória, que

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significa igualmente a edição de atos de natureza legislativa –, éque devemos agora passar a estudar o tema da Legística.

Há uma situação muito curiosa no Brasil. Sem entrarem detalhes, temos uma realidade constitucional muito rica: aConstituição Federal brasileira de 1988, como todos aqui sa-bem à saciedade, é uma norma muito complexa, muito deta-lhada, muito ampla. Desse modo, corremos o risco, fortíssimo,de matéria de legislação ordinária esbarrar em algum preceitoconstitucional. Isso limita e talvez diminua um pouco acriatividade do nosso legislador. É ruim por um aspecto, maspor outro constitui parâmetro e consolida instituições demo-cráticas que necessitavam, já há alguns anos, de um verdadeiroamparo, de uma reforma mais adequada, para garantir sua in-serção e consolidação. Daí a importância da lei entre nós e deseu processo de elaboração estar em consonância com a nor-ma constitucional, como primeiro passo de um efeito de Legísticaconsiderado positivo. Ou seja, a primeira indagação, de fato, ése a lei está em consonância com a norma constitucional.

Todavia, mais importante que isso, considerando umaConstituição que é extremamente programática como a nossa,seria indagar: que efeito terá a norma na transformação dasociedade em relação à política pública a que se refere, quetem seus alicerces, sua moldura e seus parâmetros desenhadosna Constituição, no momento em que, na esfera de competên-cia do Município, do Estado e da própria União, determinadoparlamentar apresenta projeto de lei que, na sua visão, está emconsonância com a Constituição? Poderíamos ter, dentro daLegística, conforme especialistas indagam, um planejamentolegislativo, desde o primeiro passo? Seria possível isso? Sim, anossa Assembleia já o faz, de maneira pioneira no Brasil, aorealizar os grandes simpósios e seminários. Essa Casa ausculta

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a sociedade em seus mais diversos segmentos e posteriormenteapresenta os projetos que, aperfeiçoados, são votados a fim deentrar em vigência. Resta saber, num acompanhamento posterior,já numa fase mais difícil, qual o efeito dessa norma no cotidiano.

Parece-me que teremos um laboratório vivo, agora, emrelação a esse processo, com a recente promulgação, a partir deiniciativa da Assembleia, do corpo normativo referente à re-gião metropolitana. A Assembleia Legislativa aprovou primeirouma emenda constitucional, posteriormente duas leis comple-mentares e está no curso de aprovação de leis ordinárias quemodificam completamente o panorama institucional da regiãometropolitana no Estado, especialmente da Região Metropoli-tana de Belo Horizonte. Todo esse conteúdo teve origem emum grande seminário realizado há cerca de quatro anos, quetomou por parâmetro um arcabouço institucional harmônicoentre o Poder Executivo e o Poder Legislativo, respeitando-seas diversas posições dos municípios e da sociedade civil.

De acordo com essa perspectiva moderna da Legística,foram cumpridos, aparentemente, em todas as suas etapas, osrituais de um processo legislativo legítimo. Ou seja, identifica-do um problema gravíssimo de gestão das políticas públicas naregião metropolitana e identificada a sua moldura constitucio-nal, realizou-se primeiro, por meio de um seminário, um pro-cesso de consulta, de participação. Depois, houve a apresenta-ção formal do texto, aperfeiçoado à exaustão nos diversos debatese discussões, à qual seguiu-se a redação final, a aprovação e agorao início da execução da norma, sob vigilância, o passo seguintedesse processo legislativo inovador. Passamos a ter uma lei que,efetivamente, "pegará", porque resulta dessas indagações.

Há um outro exemplo recente, um assunto socialvigorosamente debatido pela Assembleia Legislativa: trata-se da

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questão do controle da criação dos cães da raça pit bull, que seoriginou de uma reclamação generalizada por parte da socieda-de. Tal questão gerou uma norma discutível ou polêmica emtermos de competência, a qual teve imediata aprovação e en-frentou dificuldades quanto a sua implementação pelo PoderExecutivo. Essa situação é diversa daquela da região metropo-litana exatamente pela dificuldade de o Poder Executivo apli-car a norma. Isso traz um dado novo: quando a política públi-ca de que trata determinada norma está identificada tambémcom uma prioridade do Poder Executivo, que dispõe de meiose instrumentos necessários e suficientes e tem aquela matériacomo algo urgente, existe uma possibilidade de repercussãomais efetiva dessa norma no ordenamento social, em com-paração com aquela que surge um pouco mais isolada e nãoconstitui aparentemente matéria de competência clara da-quela esfera do poder. Podemos perceber, em dois exem-plos distintos, que o instituto e a ciência da Legística, natu-ralmente, enfrentarão, no que se refere ao planejamentolegislativo, uma dificuldade.

Tanto na Constituição Federal quanto na ConstituiçãoEstadual, há imensos terrenos a serem ainda objeto denormatização, os quais podem já se submeter a esse conceitoinovador da Legística. Não é possível permanecermos presossomente aos critérios formais, mas devemos voltar-nos para oresultado no sentido concreto, sobre o qual a lei deve se impor,indagando, de maneira muito realista, qual será o efeito materialdaquela norma a ser aprovada e qual será a sua repercussão noseio da sociedade. Dizer isso é fácil. O dificílimo – não vouafirmar que seja impossível –, considerando-se a realidade bra-sileira, é conseguir perquirir, com profundidade, até onde aquelanorma poderá alcançar.

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Grosso modo, temos dificuldades na estrutura do PoderExecutivo. Digo isso genericamente, não somente em relaçãoao Estado, mas também em relação aos municípios e ao pró-prio governo federal. Na aplicação plena das normas, enfren-tamos deficiências gravíssimas de infraestrutura, quer seja so-cial, quer seja econômica, quer seja física. Uma legislação queconcede algum benefício na área da educação, por exemplo,atinge, somente em Minas Gerais, uma estrutura administrati-va que abrange 4 mil escolas, quase 200 mil professores e mi-lhões de alunos. Digo isso para lhes mostrar as dificuldades queenfrentamos. Uma norma federal no âmbito do SUS afeta de150 milhões a 160 milhões de brasileiros, uma miríade de hos-pitais, postos de saúde e uma complexidade que envolve toda aFederação, com seus 5 mil municípios.

Podemos perceber que, pela grandiosidade dos temas edos problemas e pelas próprias deficiências herdadas há sécu-los na administração pública, é muito difícil para nós, de ma-neira realista, de acordo com uma Legística positiva, realizarum planejamento exato e identificar a repercussão daquela nor-ma. Seria o ideal, caso conseguíssemos aplicar a norma, saberexatamente em que ela se desdobrará.

No material que gentilmente me foi encaminhado, viexemplos da legislação suíça, construída numa realidade que,coloquialmente, chamamos de "padrão suíço". Apesar de essepadrão ser muito diferente do nosso, isso não significa que nãoconsigamos alcançar metas semelhantes. Nunca nos devemosparalisar diante de nossos desafios. Se, no Brasil, temos a von-tade de aprimorar a nossa administração pública no sentidoamplo, é muito positivo que nos inspiremos nos padrões euro-peus de civilidade, nos quais a norma já superou as questõesformais e constitucionais, para darmos esse passo avante e con-

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seguirmos identificar, no âmbito da Legística, os aspectos nãosó de legitimidade, mas também das repercussões e do planeja-mento relativo àquela determinada política pública. Contudo,enfrentaremos dificuldades hercúleas em relação a esse pro-cesso, diante da falta ou da deficiência do nosso aparato formal.

Ao lermos os textos, nós, brasileiros, traduzimos o espe-cialista, o técnico, o profissional da Legística por "legista", que,neste país, tem outro significado. Em nosso vernáculo, o médi-co-legista é aquele incumbido de estudar as questões relativasao óbito das pessoas. Sob certo aspecto, permitam-me os espe-cialistas, há uma semelhança, porque o legista da Legística temàs mãos um bisturi intelectual, que não corta – felizmente – oser humano falecido, mas a norma. Ao abri-la, perquirirá, demaneira clara, a sua origem, os seus desdobramentos, as suasconsequências, a sua gênese, a sua genética e a sua aplicação.Ele será, portanto, um pesquisador daquele determinado obje-to e terá a possibilidade de realizar um bem público muito gran-de, porque conseguirá aprimorar o processo legislativo, não emseus aspectos formais e ritualísticos, mas como política públicaque concretizará determinada medida em favor da sociedade.

Desse modo, quando a nossa Assembleia Legislativa cons-titui a Comissão de Participação Popular, realiza audiências po-pulares e consultas públicas, abre o Plano Plurianual de AçãoGovernamental e o Plano Mineiro de Desenvolvimento Inte-grado, chama à participação as entidades da sociedade civil, emconsonância com o Poder Executivo, ela reitera essa harmoniano sentido positivo da palavra, respeitada a independência e aautonomia de cada um dos Poderes. Isso é fundamental paraparticiparmos, os Poderes irmanados, desse processo de au-tópsia no sentido positivo da expressão, perquirindo a políticapública, a partir da participação das instituições que oferecem

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suas opiniões e críticas, do Poder Executivo sufragado nas ur-nas e dos senhores parlamentares, que têm a mesma origem, afim de concluirmos e elaborarmos a norma.

Hoje vi pela imprensa nacional uma discussão sobre alei orçamentária. O Procurador-Chefe do Tribunal de Contasda União, Dr. Lucas Furtado, reiterou como a lei orçamentáriaé desrespeitada. Ainda que a lei orçamentária não seja lei, nosentido material da expressão, como gostam os nossos especia-listas, dado o seu caráter exaustivo, talvez seja a mais impor-tante das leis de que dispomos, porque baliza a locação daspolíticas públicas. E a Legística deve indagar onde os recursosestão sendo alocados e qual o seu efeito. Se tivéssemos – e umdia, quiçá, ainda teremos; eu sou um entusiasta dessa ideia – ochamado orçamento impositivo, aquele que compele o PoderExecutivo à sua observância plena e que se tornou factível eviável após domarmos o processo inflacionário em meados dadécada de 1990, então teríamos um exemplo clássico de umalei relevantíssima, criada de modo legítimo, ouvindo-se os di-versos segmentos da sociedade.

É claro que, muitas vezes, a execução orçamentária so-fre percalços, por impossibilidade de celebração de convêniosou de alocação, alguma dificuldade técnica ou outro motivo.Isso é natural, mas tenho certeza de que, se a sustentação danorma orçamentária fosse elaborada de acordo com os princí-pios mais modernos de Legística e aplicada de maneira cogente,não apenas pelo Executivo, mas também por todos os Poderesresponsáveis por sua implementação, nós, do Brasil, teríamosum avanço imenso em relação à efetividade das políticas públi-cas. Ainda estamos longe disso, pois falta-nos um amadureci-mento pleno em relação ao processo legislativo e ao sentidoamplo da lei.

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Mas acredito que estejamos amadurecendo. A situaçãodo Brasil em 2007 é muitas vezes melhor do que a da elabora-ção da Constituição mineira, em 1989. A Profa. Maria CoeliSimões Pires era, na época, Secretária-Geral da Mesa daAssembleia Legislativa e foi a responsável pela parte técnica,por diversos institutos, alguns dos quais se voltaram contra eladepois. De fato, isso demonstra como, naquela época, tínhamosa necessidade, em razão do quadro político-administrativo deentão, de inserir na norma constitucional temas, comandos denatureza administrativa sem pensar nos seus desdobramentos,ou seja, sem a Legística mais apurada. Assim, criamos normasque geraram dificuldades para a administração pública – legiti-mamente, também em razão dos anseios da sociedade daquelemomento –, sem nos atermos ao que hoje é tão relevante e quea Legística nos ensina.

Hoje, decorridos quase 20 anos, o modelo, felizmente, éoutro. Percebemos a vitalidade da nossa democracia, que setornou mais robusta. A Legística passou a contribuir mais nestemomento do que no passado relativamente recente. Como a leiorçamentária, as demais políticas públicas, nas áreas de segu-rança pública, educação, infraestrutura, meio ambiente, etc.,também podem se enquadrar nesse critério.

O meio ambiente talvez seja a área mais delicada de po-lítica pública porque encarna, como nenhuma outra, uma ne-cessidade visceral da nossa sociedade, mas ao mesmo tempoimpõe limitações corretas, teias e amarras ao desenvolvimentoeconômico. Essas limitações muitas vezes não são percebidascomo uma nova orientação da economia da região, do Estadoe do município. Não se proíbe por proibir tão somente; não selimita por limitar; e não se autoriza por autorizar. Há a necessi-dade, nessa área, entre tantas, de um planejamento legislativo

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de fato, que considere as consequências de determinada nor-ma. Ao que parece, nós, brasileiros, nos valemos do tempo queficou para trás, sem indagarmos como será o futuro e comoaquela norma repercutirá a médio prazo, até mesmo pela faltaque temos do prestígio e do princípio da continuidade e, maisdo que isso, pela falta que nos faz aquela ideia de que o suces-sor deve concluir as obras daquele que o antecedeu. Lamenta-velmente, isso ainda não faz parte da nossa cultura política,mas a situação está melhorando.

Na realidade, temos pressa em fazer tudo agora e emobter o resultado agora. E o que virá depois? O que virá daquia 10 ou 12 anos? Imagina-se normalmente: "Não será maisminha responsabilidade". Contudo, a sabedoria popular distin-gue o político, que tem uma visão imediatista, do estadista, quetem uma visão da próxima geração. Isso é fundamental.

Acredito que o instituto da Legística, esse novo pálioque é trazido à discussão, começando, no Brasil, por MinasGerais, pode ser o instrumento que nos permitirá avançar nes-se campo. Penso que teremos muitas dificuldades, dado nossocomportamento cotidiano – volto a fazer uma referência gené-rica a todos os Poderes e a todas as esferas – pouco afeto àideia do dia de amanhã, do planejamento.

Abro aqui um parêntese: não sei por que nós, brasilei-ros, somos tão resistentes ao princípio do planejamento. Sem-pre digo em minhas palestras que talvez seja porque o planeja-mento teve muita força entre nós durante o regime militar,compondo o "entulho autoritário", como se dizia então. Outalvez seja rejeitado por ter sido aplicado em países socialistas,como o planejamento soviético. Mas não há política pública denenhuma natureza sem planejamento. Sabemos que nenhumapolítica pública será exitosa no curto prazo. Isso não existe.

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Temos de lançar hoje a semente para colher os resulta-dos dessa política pública daqui a alguns anos.

Ora, se a Legística se baseia no princípio da responsabi-lidade da ação legislativa, que, de acordo com os especialistas,congrega todos os demais, é claro que o planejamento se tornaa peça fundamental na elaboração de normas. Qual será o efei-to daquela norma a médio e a longo prazos? Que efeito surtiráno meio ambiente, na segurança, etc.? Como eu disse, nada sefaz do dia para a noite.

O tema já era tratado aqui, de maneira precursora, peloexcelente corpo técnico da Assembleia Legislativa de MinasGerais, verdadeiro orgulho do povo mineiro. Já se estudavaesse assunto, já se faziam artigos, já se indagava a respeito.Logo, já realizávamos os primeiros esboços do que poderia seruma atividade de Legística positiva há mais de 15 anos, nasgrandes audiências, nos seminários, nos simpósios e nos pro-cessos legislativos mais abertos. Mas é claro que tínhamos dedifundir isso. Não basta o Poder Legislativo estar adstrito àLegística; é fundamental que o Poder Executivo também sesensibilize para a realização de seus processos legislativos. Éfundamental que o egrégio Poder Judiciário também conheçaessa ciência, porque será competente para julgar as normas,agora não tão somente pelos seus aspectos de natureza formale material, mas até mesmo pelos seus desdobramentos. Isso fazparte de uma teoria que todos os senhores conhecem, a dajudicialização da política e da politização do Judiciário. Seusdiversos defensores alegam que o Poder Judiciário se inclinamuito na sua administração, na medida em que o poder discri-cionário da administração de todos os Poderes reduziu-se de-veras, como já foi dito. Assim, a Legística deverá deixar de seralgo exclusivo do corpo técnico das Assembleias, das Câmaras

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e do Congresso Nacional para passar a ser objeto de estudodos parlamentares, dos senhores eleitos, dos membros do Po-der Executivo, dos membros do Poder Judiciário, dos mem-bros do Ministério Público e do Tribunal de Contas, que conhe-cerão esses novos instrumentos.

Já estudamos e conhecemos de maneira absoluta os prin-cípios da legalidade, moralidade, razoabilidade, publicidade, en-fim, todos os diversos princípios que balizam a administraçãopúbica no Brasil. Todavia não conhecemos os princípios daLegística, uma vez que não faziam parte do nosso cotidiano.Assim, este evento realizado pela Assembleia, que trouxe o as-sunto a lume, convidando especialistas, é extremamente bem--vindo. Acredito que os técnicos dos demais Poderes do Estado,mesmo os dos municípios mineiros e os da União, terão muitoa aprender com o estudo dos princípios da Legística e sua apli-cação. Teremos algo mais além do formal no processo legislativo.Não ficaremos tão somente escravos dos rituais, das solenida-des e dos processos. Estes são fundamentais, mas não podemser um fim em si mesmos.

Se se considera que a criação de leis é o ato mais nobreda sociedade – e o é – e que o seu propósito fundamental, evi-dentemente, é o interesse público, devemos conhecer todos osseus desdobramentos, como se fossem os diversos quadrantesa receber luz de um prisma.

Desse modo, com muito júbilo, associo-me doravanteàqueles que aplaudirão e estudarão, com modéstia, ainda nosprimeiros passos, a Legística. Parece-me que será algo para trans-formar não só Minas Gerais, mas o Brasil num país mais civi-lizado, mais democrático e mais plural.

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Painel 2:"Legística: histór ia e objeto, fronteiras e perspectivas"

Conferencistas:Conferencistas:Conferencistas:Conferencistas:Conferencistas:

Coordenador:Coordenador:Coordenador:Coordenador:Coordenador:

Deputado André QuintãoDeputado André QuintãoDeputado André QuintãoDeputado André QuintãoDeputado André QuintãoPresidente da Comissão de ParticipaçãoPopular da ALMG

Debatedora:Debatedora:Debatedora:Debatedora:Debatedora:

Cláudia Sampaio CostaCláudia Sampaio CostaCláudia Sampaio CostaCláudia Sampaio CostaCláudia Sampaio CostaDiretora de Processo Legislativo daAssembleia Legislativa do Estado deMinas Gerais

FFFFFabiana de Menezes Soarabiana de Menezes Soarabiana de Menezes Soarabiana de Menezes Soarabiana de Menezes SoaresesesesesDoutora em Direito, Professora daFaculdade de Direito da UFMG eCoordenadora do Projeto Observatóriopara a Qualidade da Lei do Programade Pós-Graduação em Direito da UFMG

Luzius MaderLuzius MaderLuzius MaderLuzius MaderLuzius MaderProfessor do Instituto de Altos Estudos

em Administração Pública (Idheap), Vice-Diretor do Gabinete Federal do Ministério

da Justiça da Suíça, Presidente daAssociação Europeia de Legislação (EAL)

Os dados sobre função ou cargo dos integrantes deste painel correspondem à situação à data do Congresso.

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O objetivo desta palestra é tratar da história, dos propó-sitos e das perspectivas da Legística. Diante do desafio que éabordar um assunto tão amplo, optei por apresentar um panoramadessa disciplina, que se desenvolveu substancialmente nas últi-mas três ou quatro décadas. Minha apresentação concentrar-se-á nos desenvolvimentos e progressos ocorridos em algunspaíses europeus, especialmente na Suíça, o que não significaque esse mesmo progresso não tenha ocorrido em outros locais.

Na primeira parte de minha apresentação, tratarei da ori-gem e do significado da Legística; depois, abordarei suas prin-cipais áreas de interesse, ressaltando, ainda, seus propósitos eobjetivos; por fim, lembrarei algumas de suas limitações e fala-rei sobre suas perspectivas e tarefas atuais.

Reflexões em torno da função das regras legais na socie-dade e da elaboração e redação de tais regras não são exclusi-vas de nosso tempo; elas têm ocorrido regularmente em nossasociedade, dando origem a debates políticos e sociais. OIluminismo prestou grande atenção a tais reflexões, e basta ci-tar Montesquieu, na França, Filangieri, na Itália, e Benthan, naInglaterra. Mais tarde, no século XIX, essa discussão desenvol-veu-se na Alemanha, especialmente com Savigny. Nesse perío-do, a discussão restringiu-se essencialmente a uma perspectivajurídica, e concentrou-se, sobretudo, em questões relativas àredação legislativa. Essa tendência tornou-se ainda mais acen-

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tuada no final do século XIX e no início do século XX, quandoimportantes codificações da lei civil e criminal foram produzi-das. Na Suíça, por exemplo, pode-se mencionar Hüber, autordo Código Civil suíço; na França, deve-se lembrar FrançoisGény, que teve grande influência na elaboração desses códigos.

Na primeira metade do século XX, o tema da legislaçãodespertou pouco interesse. Isso vale não apenas para discipli-nas como a Legística, mas também para o direito propriamentedito. Nesse período, juristas e advogados estavam basicamenteinteressados na aplicação e na interpretação da legislação e ti-nham um interesse muito reduzido em sua criação e elabora-ção. Alguns juristas, como Georges Ripert, na França, queixa-vam-se do declínio crescente da qualidade da legislação, maspouco se fazia em relação a tal problema. Apenas alguns pou-cos juristas estavam interessados no trabalho legislativo, e essesconsideravam a redação das leis como uma arte ou um traba-lho que deveria ser deixado para pessoas – e claro, no caso,juristas – que tivessem talento literário, capacidade intuitiva eespírito criativo, todas essas consideradas qualidades necessáriaspara a redação de boas peças legislativas.

A situação começou a se modificar na década de 1960,quando o foco do interesse científico, mais uma vez, voltou ase orientar para a legislação, tanto para sua preparação, quantopara sua aplicação e seu impacto sobre a vida em sociedade. Aprincipal abordagem ou perspectiva jurídica, na época, expan-diu-se de modo a incluir outras disciplinas, como as ciênciaspolíticas e administrativas, a economia, a linguística, a psicolo-gia, entre outras. Peter Noll, um advogado criminalista suíço,teve um papel fundamental nesse processo. Noll falava em"legisprudência" – título de seu livro, publicado em 1973. Olivro de Noll é uma espécie de "Bíblia" da Legística atual. É

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evidente, porém, que muitos outros autores também contribu-íram substancialmente para esse processo. Assim, a Legísticanunca foi e de forma alguma é um campo de atuação exclusi-va, seja de constitucionalistas, seja de juristas. Todos os ramostradicionais do direito têm ou tiveram, em épocas diferentes,interesse pela Legística.

O mérito específico de Peter Noll foi ultrapassar os li-mites de uma abordagem focada exclusivamente na Legísticaformal ou na redação legislativa, mudando, dessa forma, a ên-fase para os conteúdos normativos e também para ametodologia de preparação das decisões legislativas, o que sedesigna usualmente por Legística material ou substantiva. Essamudança de ênfase, a meu ver, foi um divisor de águas, e, aoadotá-la, Peter Noll foi notavelmente influenciado pelos desen-volvimentos observados no campo da sociologia do direito, queganhou força na década de 1960, pelo realismo do direito deRoscoe Pound e também por conceitos de engenharia social,que começaram a despertar um certo interesse nos EstadosUnidos daquela época.

Hoje, a Legística ou Legisprudência é uma matéria bas-tante abrangente e multidisciplinar, que inclui os mais diversosaspectos do fenômeno legislativo e que leva igualmente em con-sideração perspectivas de cunho teórico e também dimensõese ações práticas e pragmáticas. Contudo, o seu principal propó-sito é explorar a dimensão prática, e não somente teórica, daatividade legislativa.

Numa tentativa de resumir a história da Legística – e,claro, simplificando-a consideravelmente –, gostaria de distin-guir cinco períodos específicos. Inicialmente, houve o períodofilosófico, ocorrido durante as duas ou três primeiras décadas,logo após o Iluminismo. Houve posteriormente um período

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em que havia uma insistência maior nos aspectos formais deredação, seguido por um terceiro período, bastante prolongado,de desconsideração da produção legislativa, mesmo entre juristas eadvogados. No quarto período, já na década de 1960, houve umrenascimento da Legística e uma mudança de ênfase para a Legísticamaterial ou para a metodologia da legislação, graças a Peter Noll.Atualmente, por fim, há uma abordagem mais abrangente da legis-lação, baseada nos conhecimentos, nos conceitos e na metodologiade várias disciplinas científicas, de forma que a Legística deixou deser domínio exclusivo de juristas e advogados.

A elaboração de leis, hoje, deixou para trás aquela postu-ra que Peter Noll chamava de "idealismo normativo" e tornou-seuma atividade baseada, sobretudo, em evidências. O idealismonormativo, por muitos anos a abordagem jurídica predominan-te, baseava-se na premissa de que as leis serão feitas segundoum modelo normativo e produzirão, portanto, automaticamen-te, os resultados que supostamente deveriam produzir. A novaabordagem, por sua vez, leva em consideração o contexto an-terior à tomada da decisão legislativa, tentando, dessa forma,estabelecer e avaliar qual será o seu efeito real, o seu impactosobre a realidade social.

Os campos de interesse da Legística hoje podem ser di-vididos em oito áreas principais. A primeira delas é a metodologialegislativa, também chamada de Legística material. Ametodologia legislativa trata do teor normativo da legislaçãoou, mais especificamente, propõe uma forma metódica de seelaborar o seu teor normativo. Também procura desenvolverferramentas de uso prático, que venham a facilitar as diferen-tes etapas analíticas, a sequência de passos inerentes à aborda-gem metodológica. Ela baseia-se na premissa de que o proces-so legislativo pode ser considerado como um processo de to-

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mada de decisões racionais e insiste na necessidade de, meticu-losamente, analisarem-se os problemas para os quais se exigeação legislativa, para definir, de forma precisa, os objetivos danorma. Estabelece, ainda, a necessidade de considerar e avaliar,de forma prospectiva, todas as opções possíveis e suasconsequências, antes do início do ato de redação legislativa.Nesse estágio, torna-se igualmente necessário prestar atençãoàs limitações normativas que poderão, no fim, restringir a li-berdade de ação dos legisladores. Esse primeiro campo de inte-resse, ou seja, a metodologia legislativa, inclui também, quandoda aprovação das leis, a monitoração de sua execução e umaavaliação retrospectiva de seus efeitos.

A segunda área de interesse é a técnica legislativa ouLegística formal stricto sensu. A técnica legislativa trata dos as-pectos formais e legais da legislação: os diferentes tipos de atosnormativos, as instituições jurídicas, a estrutura formal dos atosnormativos e a forma por meio da qual novas leis sãointroduzidas ou integradas no arcabouço normativo preexistente.Em termos práticos, isso significa que os especialistas emLegística, ou os legistas – as pessoas que preparam leis –, de-vem desenvolver um conceito e um limite claros para a novalei, antes de começarem a articular seus dispositivos.

A terceira área é a da redação legislativa propriamentedita, ou seja, a forma de se expressar o teor normativo doconteúdo das leis, concernente, especificamente, aos aspectoslinguísticos. Essa área traz grandes desafios para países como aSuíça, por exemplo, onde a legislação tem de ser redigida emvárias línguas oficiais e onde as leis aprovadas pelo Parlamentodevem ser submetidas a voto popular, caso seja necessária aorganização de um plebiscito. Evidentemente, uma boa reda-ção também é crucial em outros países.

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A quarta área é aquela da comunicação, que tem relaçãocom a redação legislativa e que inclui as diferentes formas dese publicarem oficialmente as peças legislativas, além de umaampla gama de atividades de informação e comunicação emtorno da legislação.

A informação e a divulgação do conhecimento sobre anorma existente são pré-requisitos para a atuação daqueles que,entre os vários grupos de interesse, observam a legislação, seja aárea administrativa, os tribunais, os indivíduos ou as empresas.Todos esses grupos de interesse devem agir de acordo com a lei.Assim, devem ser providos das informações e dos conhecimentosnecessários sobre o material abordado nas peças legislativas.

A quinta área é a do procedimento legislativo. O proces-so de preparação, aprovação e execução de uma lei deve seguirvários níveis e regras, que podem influenciar consideravelmen-te na qualidade formal e material da legislação. A adoção deum ou outro procedimento pode contribuir para aprimorar alegislação ou, ao contrário, limitar sua abrangência, reduzindo-lhe a eficácia.

Portanto, é extremamente útil examinarmos qual é, naordem constitucional existente, o arcabouço de procedimentosque podem ser organizados de modo a possibilitar a produçãode resultados ótimos. Uma das questões relativas a procedi-mentos que deve ser tratada em tal contexto é a de saber, porexemplo, se deve haver um amplo processo de consulta públicaantes de os projetos de lei serem discutidos no parlamento. Aresposta dada a essa mesma pergunta e as práticas adotadasvariam consideravelmente, dependendo do país. Outra questãoé saber como os diferentes ministérios devem trabalhar emcooperação, quando está sendo preparada uma proposta de le-gislação. Aqui, mais uma vez, diferentes países adotam práticas

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bastante diversas entre si, e há que ser definida qual seria amelhor prática em relação às regras relativas a procedimentos.

A sexta área de interesse é a da gestão de projetoslegislativos. A preparação de legislação não é mais consideradaum privilégio de advogados particularmente talentosos que re-digem o texto normativo como se fossem autores a redigir seusromances ou poemas. Esse conceito, que ainda predominavana primeira metade do século XX e que implica uma percep-ção, digamos, literária do trabalho legislativo, encontra-se hojetotalmente desatualizado. Na maioria dos casos, a preparaçãode legislação é uma tarefa na qual têm participação várias pes-soas, várias unidades administrativas. É uma tarefa que tem deser realizada, é claro, dentro de um prazo específico. Em ou-tras palavras, é plenamente legítimo considerarmos que os prin-cípios e as técnicas de gestão de projetos podem ser aplicadosde forma bastante útil na preparação da legislação. Portanto, énecessário que nós, especialistas em Legística, estejamos fami-liarizados com tais conceitos e ferramentas relativos à gestãode projetos.

Além dessas seis áreas que descrevi rapidamente, e quetêm características e objetivos práticos, a Legística inclui tam-bém a sociologia jurídica empírica e a teoria da legislação. Asociologia empírica da legislação atém-se ao processo políticoque antecede o processo de aplicação e execução da lei. Elavem descrever e analisar a prática legislativa. A teoria da legis-lação, por outro lado, pretende tecer reflexões críticas e avaliaras funções da legislação, funções estas que, pelo menos atécerto ponto, têm-se modificado como resultado da transfor-mação do papel do Estado na sociedade.

Vê-se, assim, que as principais áreas de interesse daLegística têm uma dimensão ou uma orientação prática. Seu

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objetivo é aprimorar a qualidade da legislação ou tornar as leismelhores. Seria um equívoco, porém, limitarmos a Legística aassuntos e objetivos puramente práticos. Sua ambição tambémabrange a possibilidade de haver uma melhor compreensão dofenômeno legislativo, bem como de seus impactos na realidadesocial. Os propósitos, tanto práticos quanto teóricos, da Legísticatêm caráter complementar. Os progressos nessa área somentepoderão ser feitos se ambos os aspectos forem levados emconsideração simultaneamente.

Antes de tecer alguns comentários a respeito das pers-pectivas da Legística hoje, gostaria de enfatizar duas limita-ções, que frequentemente levam a uma má compreensão daLegística. Em primeiro lugar, preparar a legislação não é umaatividade científica, ou seja, a Legística não é uma disciplinacientífica em sentido estrito, não é uma ciência. Ela é, até certoponto, calcada no conhecimento científico, mas ainda perma-nece em grande parte baseada numa experiência prática eartesanal. Por essa razão, minha tendência é evitar a expressão"ciência da legislação". Por outro lado, a expressão "arte dalegislação" também é inadequada, já que reforça a ideia tradicio-nal de que o trabalho legislativo não pode ser ensinado ou apren-dido e que, portanto, deve ser deixado para as pessoas que têmum talento natural para isso. Mas a Legística pode ser ensinadae aprendida. Justamente por essa razão prefiro o termo"legisprudência", que, em analogia à jurisprudência, expressaambas as dimensões do trabalho que deve ser feito, levandoem consideração os aspectos práticos e teóricos.

A segunda limitação importante está relacionada à políti-ca. Os legistas, ou os especialistas em Legística, de dentro oude fora da administração, aqueles que preparam a legislação,não são os legisladores, mas apenas um auxílio aos tomadores

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de decisão política. Isso pode ser ruim ou até frustrante emalguns momentos, mas ainda assim tem de ser claramente esta-belecido. Os legistas não podem e não devem assumir o papeldo legislador. Eles não substituem o legislador e devem aceitaro fato de que apenas o legislador tem o direito de elaborarregras legais. O que podem e devem fazer é garantir que olegislador tenha à mão toda a informação útil ou necessáriapara tomar decisões qualificadas, baseadas em evidências. De-cisões que não se baseiam em certos padrões de qualidade, deacordo com o meu ponto de vista, não são corretas e não aju-dam a melhorar a qualidade da legislação. É importante, por-tanto, pensar formas e meios de aprimorar o apoio que os legistaspodem proporcionar aos legisladores, de forma a ajudá-los aassumir melhor suas responsabilidades.

Assim, devemos procurar melhorar o que for possível eparar de reclamar de coisas pelas quais os responsáveis são oslegisladores. Isso não significa, obviamente, que não devamosexaminar de forma crítica as tendências da produção normativaatual e lutar contra os eventos negativos. Do ponto de vista daLegística, algumas dessas tendências são preocupantes e exi-gem uma resposta. O aumento acentuado da quantidade delegislação, por exemplo, está parcialmente relacionado com ofato de que os legisladores estão a cada dia mais inclinados aelaborar leis cada vez mais detalhadas, porque não confiam nalegislação ou porque consideram que os tribunais precisam dessedetalhamento. Por outro lado, resulta também da necessidadede oferecer um arcabouço legal para novas atividadessocioeconômicas como, por exemplo, o uso de novas tecnologiasna área médica.

Outro problema é a aceleração do processo legislativo ea instabilidade cada vez maior da legislação, a vida muito curta

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da lei. Estabilidade é essencial à legislação e precisa ser garanti-da para que esta possa cumprir realmente sua função funda-mental perante a sociedade. Hoje, frequentemente, as leis mu-dam logo após serem elaboradas, às vezes mesmo antes de en-trarem efetivamente em vigor. O risco de perderem sua legiti-midade será grande e, por isso, dificilmente produzirão os re-sultados desejados. É claro que, com o aumento significativodo número de leis e com a aceleração do processo legislativo,torna-se cada vez mais difícil manter os padrões de qualidadena elaboração das leis. Podemos acrescentar que, algumas ve-zes, os legisladores não apenas negligenciam os fatos, masdeliberadamente não estão dispostos a levar determinados fatosem consideração. Lutar contra essas tendências é uma importantetarefa dos legistas, que são responsáveis por isso até certo ponto.

Apesar dessas dificuldades, as perspectivas para os espe-cialistas em Legística são promissoras e têm que ser vistas comotimismo. Em muitos países, principalmente na Europa, os go-vernos e as Assembleias Legislativas estão cientes do fato deque uma boa legislação é elemento essencial para uma boagovernança. Um arcabouço institucional estável e regras legais querespondam adequadamente às necessidades socioeconômicas e àsexpectativas da população são as melhores garantias para termossegurança, justiça social, desenvolvimento econômico e bem-estar.

Nos últimos anos, muitos princípios foram desenvolvi-dos para esclarecer o que se entende quando se fala em boalegislação, principalmente na União Europeia, que estabeleceuum tipo de código de boa conduta ou código de melhores prá-ticas na área de Legística. O que precisa ser feito, do ponto devista da Legística, é justamente detalharmos ainda mais essesprincípios para torná-los operacionais e garantirmos a sua utili-zação prática na preparação das leis. Estabelecemos os princí-

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pios gerais, como coerência, coordenação e clareza, mas issonão ajuda muito na prática; é preciso procurar desenvolver cri-térios que nos auxiliem a aplicar esses princípios gerais no tra-balho diário, rotineiro.

Uma das principais tarefas da Legística, nos próximosanos, será tentar dar algum sentido a esses princípios gerais,pensar como podem ser aplicados de forma prática, mostrarquais critérios podem ser úteis para ajudar no controle da pro-dução legislativa, para que ela esteja de acordo com esses prin-cípios gerais. Assim, pensar sobre esses critérios e desenvolverferramentas práticas parece ser uma das principais tarefas paraos legistas nos próximos anos.

Outra tarefa crucial é a instrução e o treinamento delegistas. Nesse campo também houve um progresso considerá-vel na última década. Foram desenvolvidos currículos acadê-micos e cursos profissionais para a instrução de especialistasem Legística. Os governos de vários países estão cientes danecessidade de trilhar esse caminho e estão dispostos a criarprocessos educacionais instrutivos para os especialistas emLegística. Esperamos, com isso, conseguir satisfazer a crescen-te demanda de instrução nesse campo.

Falando sobre as perspectivas da Legística, ou seja, ten-tando concentrar-nos nos elementos que parecem importantespara o futuro, quero mencionar um último ponto, frequente-mente negligenciado. Trata-se da internacionalização da legisla-ção, ou seja, o fato de que as regras normativas tendem cadavez mais a encontrar sua expressão em tratados, convençõesou arranjos internacionais. Até hoje, a Legística tem-se concen-trado principalmente na legislação doméstica nacional. Agora,porém, ela tem que se abrir à legislação elaborada por meio deinstrumentos internacionais. Isso significa que precisamos

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reconsiderá-la de forma completa e atualizar nossos conceitose ferramentas referentes à Legística material e formal, à reda-ção legislativa, ao processo legislativo, à própria gestão legislativa,ou seja, a todos os aspectos materiais e formais, bem comoàqueles relativos aos procedimentos e à forma de comunicar oconteúdo normativo.

Há uma diferença essencial em relação às técnicas, aosconceitos e às ferramentas que podemos utilizar para a legisla-ção doméstica e para a legislação internacional. Ainda há muitoa ser desenvolvido para a área da Legística internacional. Essaé uma tarefa importantíssima para os especialistas no futuro,uma tarefa hercúlea para os praticantes e para os professoresdesse campo. Espero que os profissionais e os professores des-sa área desenvolvam, nos próximos anos, um esforço conjuntopara realizar essa tarefa sem maiores atrasos, com a meta deimpor padrões de qualidade para a Legística internacional com-paráveis aos da Legística doméstica.

Por fim, gostaria de tecer um comentário sobre a Asso-ciação Europeia de Legislação. A associação está determinadaa favorecer a cooperação necessária entre profissionais e aca-dêmicos de diferentes países para garantir que a Legística, noprocedimento internacional de legislação, receba a atenção ade-quada no futuro. Talvez esse novo foco internacional da legis-lação seja mais uma razão para redefinirmos a abrangênciageográfica da Associação Europeia de Legislação e, quiçá, paratransformá-la em uma associação internacional de legislação.Uma decisão formal com relação a isso deverá ser tomada pelaassembleia geral da associação. Sem dúvida, após a experiênciapositiva deste Congresso Internacional de Legística, a associa-ção estará disposta a receber entre seus membros novos paí-ses, como o Brasil.

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Fab iana de Menezes SoaresFab iana de Menezes SoaresFab iana de Menezes SoaresFab iana de Menezes SoaresFab iana de Menezes Soares

Pensei em abordar quatro questões na reflexão de hoje:a primeira, a falta de confiança nas instituições brasileiras; asegunda, o desenvolvimento e a efetivação das políticas públi-cas; a terceira, a falta de publicidade e seu impacto sobre aefetividade da legislação; e a quarta, a tensão entre o técnico eo político na produção do direito. Pretendo relacionar cada umadessas questões à Legística e às suas contribuições.

Para começarmos a entrar no clima de reflexão, temosde considerar os problemas do nosso país. Se frequentamosambientes confortáveis, com ar-condicionado e acompanhadosde pessoas letradas, aproximadamente 30 milhões de brasilei-ros se preocupam com o que comerão hoje. É para essas pes-soas que dirigimos também as nossas reflexões. Todos pode-mos, de alguma forma, influenciar a vida delas.

Como o cidadão comum percebe a legislação? A lingua-gem literária, às vezes, tem o condão de expressar o que não épropriamente fácil de dizer. Por isso, escolhi um trecho da obraO processo, de Kafka, que gostaria de ler:

(...) diante da lei está postado um guarda. Até ele se chegaum homem do campo que lhe pede que o deixe entrar nalei. Mas o sentinela lhe diz que nesse momento não épermitido entrar. O homem reflete e depois pergunta semais tarde lhe será permitido entrar. "É possível", diz oguarda "mas agora não". A grande porta que dá para a lei

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está aberta de par em par como sempre, e o guarda se põede lado; então o homem, inclinando-se para diante, olhapara o interior através da porta. Quando o guarda percebeisso, desata a rir e diz: "Se tanto te atrai entrar, procurafazê-lo não obstante a minha proibição. Mas guarda bemisto: eu sou poderoso e contudo não sou mais do que oguarda mais inferior; em cada uma das salas existem ou-tros sentinelas, um mais poderoso do que o outro. Eunão posso suportar já sequer o olhar do terceiro". O cam-ponês não esperara tais dificuldades; parece-lhe que a leitem de ser acessível sempre a todos, mas agora que exami-na com maior atenção o guarda, envolto em seu abrigo depeles, que tem grande nariz pontiagudo e barba longa,delgada e negra à moda dos tártaros, decide que é melhoresperar até que lhe dêem permissão para entrar. O guardadá-lhe então um escabelo e o faz sentar-se a um lado,frente à porta. Ali passa o homem, sentado, dias e anos.Faz infinitas tentativas para entrar na lei e cansa o sentinelacom suas súplicas. O sentinela às vezes o submete a pe-quenos interrogatórios, pergunta-lhe por sua pátria e pormuitas outras coisas, mas no fundo não lhe interessamespecialmente as respostas. Pergunta como o faria umgrande senhor; e sempre termina por manifestar-lhe queainda não pode entrar. O homem, que, para realizar aque-la viagem, teve de se abastecer de muitas coisas, empregatudo, por mais valioso que seja, para subornar o porteiro.Este aceita tudo, mas diz: "Aceito-o para que não julguesque te descuidaste de alguma coisa". Durante muitos anosaquele homem não afasta os seus olhos do sentinela.Esquece-se dos outros sentinelas e chega a parecer-lhe queeste primeiro é o único obstáculo que lhe impede entrarna lei. Nos primeiros anos maldiz a gritos sua funestasorte, mas depois, quando se torna velho, limita-se a gru-nhir entre dentes. E como nos longos anos que passouestudando o sentinela chega a conhecer também as pulgasde seu abrigo de pele, tornado outra vez à infância, rogaaté a essas pulgas para que o auxiliem a quebrar a resistên-cia do guarda. Por fim vê que a luz que seus olhos perce-bem é mais fraca e não consegue distinguir se realmente sefez noite ao redor dele ou se simplesmente são os olhos

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que o enganam. Mas agora, em meio às trevas, percebeum raio de luz inextinguível através da porta. Resta-lhepouca vida. Antes de morrer, concentram-se em sua men-te todas as lembranças e pensamentos daquele tempo emuma pergunta que até esse momento não tinha formula-do ao sentinela. Como seu corpo já rígido não se podemover, faz um sinal ao guarda para que se aproxime. Esteprecisa inclinar-se profundamente, pois a diferença de di-mensões entre um e outro chegou a fazer-se muito gran-de em virtude do empequenecimento do homem. "Que éo que ainda queres saber?" pergunta o sentinela. "Ésincontentável." "Dize-me", diz o homem, "se todos de-sejam entrar na lei, como se explica que em tantos anosninguém, além de mim, tenha pretendido fazê-lo?" Oguarda percebe que o homem está já às portas da morte,de modo que para alcançar o seu ouvido moribundo rugesobre ele: "Ninguém senão tu podia entrar aqui, pois estaentrada estava destinada apenas para ti. Agora eu me voue a fecho".1

O processo legislativo em nosso país é bastante complexo.Há no Brasil cerca de 5 mil entes legiferantes em três ordensnormativas distintas – União, Estados e Municípios –, muitas ve-zes com competências concorrentes. Ao lado disso, a administra-ção pública também legisla para dar condições de aplicabilidade à lei.

Gostaria de trazer então uma série de pulgas, não para opescoço, como estavam no guardião do texto de Kafka, maspara trás da orelha de vocês, apresentando algumas questões erelacionando-as com fatos da vida nacional, a fim de que pos-samos pensar a Legística como algo presente no cotidiano.

A primeira questão que gostaria de colocar é a da des-confiança dos cidadãos brasileiros em relação às instituições denosso país.

1 KAFKA, 1979, p. 228-230.

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Como ponto de partida para refletir sobre essa questão,vou apresentar uma notícia que saiu no jornal Correio Brazilienseem 19 de agosto deste ano: "Terremoto no mercado financeirorevela que País tem pontos fortes, como as reservas, mas asfragilidades podem afastar investidores"2. A notícia diz que,embora o Brasil tenha sobrevivido à crise das bolsas europeias,é atrasado e cheio de pontos fracos, com infraestrutura defi-ciente, gastos públicos crescentes, recursos mal aplicados,clientelismo e corrupção, e afirma ainda que os marcosregulatórios são frágeis e há insegurança jurídica. Ou seja, nãohá muita confiança nas instituições brasileiras.

Uma das razões dessa desconfiança é a falta de clarezada legislação vigente. A legislação precisa se converter em ummeio eficiente de comunicação entre o aparato estatal e os ci-dadãos. O que percebemos é uma grande dificuldade do cida-dão em compreender o que a lei está dizendo. E quando digolegislação, quero dizer toda atividade de regulação operada tam-bém via administração pública. A própria administração públi-ca, às vezes, torna a legislação contraditória e ambígua, o quedificulta a comunicação ao invés de facilitá-la. Se não há clare-za, teremos problemas no plano da efetividade da legislação e,consequentemente, desconfiança nas instituições.

As pessoas precisam se converter em verdadeiros espe-cialistas para compreender qual é o direito vigente, que normasestão valendo e que normas não estão. Exemplos de sistemas jurí-dicos que oferecem essa dificuldade são os referentes ao direito doconsumidor, ao direito tributário, ao direito previdenciário, ao di-reito do trabalho. Isso sem mencionar o problema das revoga-ções implícitas. A partir do momento em que uma nova legisla-

2 CORREIO BRAZILIENSE, 19 ago. 2007, p. 25.

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ção entra no sistema, seria necessário explicitar quais dispositi-vos estão sendo revogados, o que nem sempre é feito.

Outro aspecto que abala a confiança nas instituições é ofato de que algumas normas têm mais força vinculante queoutras, algumas normas são mais internalizadas que outras.Usando uma linguagem bem popular, há leis que "pegam" eleis que não "pegam". Por que isso ocorre?

Um dos fatores que leva uma norma a ser internalizadaé o diálogo com a sociedade durante o processo legislativo. NoBrasil, há iniciativas que promovem esse diálogo, algumas atémesmo únicas no mundo, como, por exemplo, o orçamentoparticipativo. Há também algumas iniciativas que propiciam con-sultas eletrônicas e audiências públicas no curso da tramitaçãodo projeto.

Mas há uma discrepância entre o processo de formaçãoda lei encetado pelo Legislativo e aquele que ocorre dentro daadministração pública. Há o caso de uma norma em Belo Ho-rizonte que obrigava o uso de focinheira para cachorros. Sóque não havia uma definição clara dos tipos de cachorros quedeveriam usar focinheira e, muito menos, qual seria a autorida-de responsável pelo controle de seu uso. Ou seja, era uma nor-ma que não tinha como "pegar".

Uma das formas de aumentar o nível de confiança nasinstituições é criar um processo de concepção de lei – confor-me preceitua a Legística – que leve em consideração os desti-natários, os interessados e os possivelmente envolvidos. E, nes-se particular, a regulamentação do lobby é uma possibilidadede grande potencial democrático, na medida em que os desti-natários da norma têm condição de antecipar os problemas danova legislação e se posicionar a seu respeito para a autoridadeque está legislando.

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A segunda questão sobre a qual gostaria de refletir é ada relação entre a efetivação de políticas públicas e o planeja-mento na atividade legiferante, ou seja, entre a logística e aLegística.

A propósito dessa questão, gostaria de apresentar umtrecho de matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo,também no caderno "Economia", do dia 23 de agosto de 2007:

Obstáculos e soluções para o desenvolvimentoda infraestrutura – A Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib) quer adiar leilãode rodovias. Há 297 ações tramitando na Justiça questio-nando decisões da Agência Nacional de Energia Elétrica(Aneel), segundo levantamento da Associação Brasileirade Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib). O nú-mero ilustra aquilo que os empresários apontam comodois dos maiores empecilhos aos investimentos: a inse-gurança jurídica e a "judicialização" da economia. O levan-tamento será estendido às demais agências reguladoras.3

Ora, como podemos pensar em desenvolvimento eco-nômico, em um plano de aceleração de crescimento, se nãohouver planejamento legislativo e qualidade das leis produzi-das? O desenvolvimento econômico só será sustentável, factívele contínuo se estabelecida uma relação entre a atividade eco-nômica e a atividade legislativa que cria as políticas públicas.Nesse particular, parece-me que a Legística pode dar uma grandecontribuição, na medida em que a avaliação legislativa que pro-põe permite uma antecipação dos efeitos da nova norma nosistema jurídico e indica as alterações necessárias no conjuntode normas que serão afetadas.

3 O ESTADO DE S. PAULO, 23 ago. 2007, p. B11.

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Entretanto, para que seja incluída a avaliação legislativaproposta pela Legística no processo de criação de leis no Bra-sil, será necessário promover alterações na cultura nacional. Aobservação talvez não se aplique ao caso da AssembleiaLegislativa do Estado de Minas Gerais, que tem um corpo téc-nico bastante consolidado e uma Escola do Legislativo muitoativa. Essa não é, contudo, a realidade predominante no nossopaís. Uma forma de contribuir para a mudança da cultura vi-gente no que diz respeito à atividade legislativa seria incluir oestudo de Legística na capacitação dos servidores da adminis-tração pública.

Não é suficiente criar normas para instituir a avaliaçãolegislativa, se a cultura não mudar. Já existe, por exemplo, umanexo a um decreto federal que apresenta uma lista de critériospara a avaliação da pertinência da criação de leis, uma checklist,mas esse anexo não é muito conhecido. Não adianta criar umadeterminada norma se não existe uma cultura receptiva a ela, eessa cultura só será construída se houver a conscientização so-bre a importância do tema na formação dos servidores quelidam com esses assuntos em seu dia a dia. Em Portugal já háum centro criado com essa finalidade.

É preciso também analisar o que caberia a cada um dosPoderes na avaliação legislativa. Um modelo único de avalia-ção legislativa para o Executivo e o Legislativo seria eficienteno Brasil? Não tenho uma resposta. A Itália instituiu uma co-missão permanente para avaliação da qualidade da lei, e ospareceres sobre essa qualidade são levados ao Plenário. Seráque no Brasil um modelo único para os dois Poderes consegui-ria mudar a cultura e instituir a avaliação legislativa, ou seráque a avaliação legislativa é uma função própria do PoderLegislativo?

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Só agora estamos começando no Brasil a discussão so-bre a avaliação legislativa. Na Europa já há alguns exemplos deprocessos de avaliação legislativa que foram implementados eestão em curso. Um deles é o Simplex, modelo de nossos ir-mãos lusitanos. Outro modelo existente é o belga e tem umnome curioso: Kafka. Outro ainda é o IA, um relatório de im-pacto sobre a legislação desenvolvido no Reino Unido. E hátambém o modelo suíço, com instrumentos de participaçãopopular e democracia direta.

O que podemos aproveitar das experiências europeias?Diferentemente dos países europeus, nosso país é continental,desigual e plural. Portanto, precisamos observar essas experiên-cias com olhar crítico, tentando aprender com elas, mas, sobre-tudo, pensando em nossa realidade: qual é o modelo possívelde aplicação aqui? É bom lembrar que qualquer modelo escolhidosó será efetivo se a importância da avaliação legislativa estiverclara tanto para a esfera política quanto para a esfera técnica.

Um acontecimento trágico que pode ilustrar a importân-cia do aspecto pragmático da Legística foi o acidente com oavião da TAM, que ocorreu após uma liberação irregular dapista do Aeroporto de Congonhas por parte do Tribunal Regio-nal Federal da 3ª Região (TRF3). Vou ler um trecho de matériapublicada no jornal O Estado de S. Paulo, caderno "Cidades-Metrópole", do dia 23 de agosto, segundo a qual um Procura-dor Federal suspeita que a Agência Nacional de Aviação Civil(Anac) tenha elaborado, apenas 10 dias após o ajuizamento deação por parte do Ministério Público Federal, uma norma (ins-trução) proibindo o pouso de aeronaves com o reversoinoperante no Aeroporto de Congonhas. Tal norma acabou sen-do utilizada para embasar a decisão do TRF3, que liberou apista, então interditada às grandes aeronaves.

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Para a Presidente do TRF3, Desembargadora Marli Ferreira,a tragédia com o vôo 3054 da TAM está relacionada aofato de a Anac ter apresentado uma norma sem validadelegal. "O Tribunal foi fraudado na sua obrigação constitucio-nal de dizer o direito de forma reta, justa, moral e equitativapara o cidadão. E o resultado são 200 mortes", declarou.4

Esse é um exemplo candente do que significa a falta deavaliação legislativa, ou seja, de planejamento, controle, cuida-do com a elaboração da norma. É necessário haver um proces-so de elaboração normativa que privilegie o diálogo em primei-ro lugar entre as fontes do direito. Isso se houver de fato justi-ficativa para legislar, se não houver nenhuma possibilidade deresolução do problema a não ser pela legislação.

A legislação não opera no vazio, ela se insere em umsistema jurídico e atua sobre a realidade. Aquele que assessoraquem legisla e aquele que tem legitimidade para legislar devemobservar como a jurisprudência tem tratado o objeto da nor-ma a ser criada, como a administração pública tem atuado emrelação a ele, o que os especialistas da área jurídica e de outrasáreas estão escrevendo sobre o assunto. E mais: o processolegislativo deve levar em consideração os órgãos que, de algu-ma forma, respondem ou podem vir a responder pelaefetividade da norma que se pretende criar. A atividadelegislativa atinge todas as esferas. Ela não pode ser avaliada deforma fragmentada, mas de forma dinâmica e internacional.

A terceira questão que nos propusemos a discutir é ados impactos da falta de publicidade na efetividade da legislação.

Sabemos perfeitamente bem que os processos deregulação da administração pública não têm uma publicidade

4 O ESTADO DE S. PAULO, 23 ago.2007, p. C3.

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eficiente. Quando se faz um decreto, é explicitada a sua razãode ser? E uma portaria, uma resolução? Nos manuais de direitoadministrativo, aprendemos que "determinados atos adminis-trativos", mesmo que sejam atos normativos que atinjam o ci-dadão em geral, ficariam restritos à administração pública. Masnão é isso o que ocorre.

O processo de regulação da administração pública inter-fere no conteúdo das leis, inclusive constitucionais. Isso é sério,é grave. Muitas vezes um determinado direito não pode serexercido por causa de uma portaria ou resolução. O cidadãopoderá questionar: "Mas existe esta lei". O servidor públicoque está do outro lado deverá responder: "Tenho de seguiresta portaria".

É necessário que o processo de regulação da administra-ção pública – momento em que a administração pública "legis-la" – torne-se público. No Canadá, por exemplo, em determi-nada fase o processo é aberto, são preservadas somente as in-formações protegidas pela lei de privacidade. Aqueles que sãoatingidos pela norma e os interessados nela têm acesso ao dossiêe fazem suas intervenções. Esse diálogo repercute no grau deforça vinculante da legislação. O uso da tecnologia da informa-ção é importantíssimo para promovê-lo, pois nosso país é imenso,continental, e, além disso, tem três esferas de poder legislando.

Há cerca de três anos, enviamos um questionário a to-dos os ministérios – nem todos responderam – para saber oque eles tinham feito em termos de compilação de legislação ecomo facilitavam o acesso à legislação. Os únicos que respon-deram de forma clara e precisa foram o Ministério do Planeja-mento e a Secretaria de Orçamento. Esses órgãos utilizam umsistema que permite o acesso à legislação desde a época doBrasil Colônia e que inclui manifestações publicadas em jor-

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nais, artigos e jurisprudências. Quem criou o sistema foi ReginaÁvila, uma economista. Trata-se da gestão de um banco dedados jurídicos.

Quando eu estudava, tínhamos de descer ao porão dafaculdade para procurar jurisprudências nas revistas e nosementários. Hoje, conseguimos ter acesso à jurisprudência pelainternet. E por que não se permite o acesso gratuito aos diáriosoficiais na internet?

Uma publicidade mais eficiente facilitaria a avaliaçãolegislativa, que deveria ser obrigatória para determinados pro-jetos. Que projetos seriam esses? Projetos que tenham grandeimpacto financeiro ou social, ou que lidem com assuntos polê-micos, que evidenciam uma tensão entre direito e moral.

Precisamos modificar o modo de comunicação entre oEstado e os cidadãos. Quem gosta de ler o diário oficial? Nin-guém. Quem acha aquela publicação atraente? É horrorosa, mes-mo para aqueles que tenham formação e conhecimento jurídico. Éum jornal esteticamente horrível e não vende em banca.

Imaginem um cidadão comum que procura uma normano Diário Oficial da União. Para começar, a parte relativa aoExecutivo vem em primeiro lugar, o que já é um erro: não é oExecutivo que deveria vir em primeiro lugar, mas o Legislativo,porque o Executivo não está acima da lei.

Outro fator que dificulta encontrar as normas procura-das é o critério de sua apresentação: elas são organizadas pelahierarquia dos atos, e não pelo assunto.

Além disso, as pessoas têm dificuldade de entender alinguagem da legislação. Fizemos um programa na TV Assem-bleia em que os repórteres foram às ruas, a vários pontos dacidade, perguntar às pessoas como sabiam qual era o direitovigente, como tinham acesso aos seus direitos e se entendiam o

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texto da lei. Pedimos a algumas para ler trechos da Constitui-ção, e muitas tinham dificuldade de entender o que estava escrito.

Precisamos melhorar a qualidade da legislação e sua pu-blicidade, sua divulgação. Colocar a legislação disponível nainternet é uma forma de divulgá-la. Todavia, quantas pessoastêm acesso à internet? Onde estão as ações e os resultados dasmetas de universalização, que previam, por exemplo, a criaçãode um cartão para acesso à internet pública, por meio do qualas pessoas poderiam fazer uma série de operações? Isso nãoaconteceu, não obstante aparecerem em nossas contas coisascomo Fust, Funtitel, esses "téis" da vida.

Outra forma de facilitar o acesso à legislação seria utili-zar a televisão para decodificar a linguagem do direito. Seráque a televisão pública tem algum projeto em termos de infor-mação jurídica ou de esclarecimento a respeito da legislação?O Código Civil mudou recentemente. O que as pessoas co-muns estão sabendo a respeito disso? Será que a televisão, comoconcessão pública, veículo de utilidade pública, só pode ser uti-lizada em momentos de propaganda eleitoral? Que tipo de ser-viço público poderia ser oferecido pela televisão digital? Seráque não se poderia utilizá-la, por exemplo, para oferecer umserviço que permitisse a participação interativa do cidadão paraconhecimento, controle e verificação das leis?

A quarta questão sobre a qual gostaria de refletir é a datensão entre o técnico e o político. Antes de mais nada, eugostaria de lembrar que o técnico é um cidadão, como todos nós.

Essa tensão pode ser exemplificada na notícia de 28 deagosto da Folha de S. Paulo, que apresento a seguir:

Secretário do Senado evita responsabilizar Renan porparecer – Com medo de sofrer retaliações no Senado, ofuncionário Marcos Santi evitou hoje responsabilizar o

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Senador Renan Calheiros pelo parecer da Consultoria Ju-rídica da Casa, que recomendou o voto secreto no Conse-lho de Ética para o processo em que Renan é acusado dequebra de decoro parlamentar. Em depoimento esta tar-de ao Corregedor do Senado, Romeu Tuma, o servidordisse apenas que acompanhou movimentos estranhos naatual gestão da Casa, sem mencionar diretamente Renan.Santi pediu exoneração do cargo de Secretário Adjunto daMesa Diretora do Senado, um dos cargos técnicos maiselevados dentro do Senado Federal, nessa terça-feira, apósafirmar que Renan teria manipulado parecer da ConsultoriaJurídica em favor do voto secreto no conselho. O Presi-dente do Senado responde a processo por quebra de de-coro parlamentar no órgão, com votação do relatóriomarcada para amanhã.5

Existe um reclame ético da sociedade brasileira. A classepolítica está desacreditada em nosso país. Não deveria ser as-sim, porque o Legislativo é o coração da Nação.

A tensão entre o técnico e o político é uma pedra nosapato de todo o mundo: uma pedra no sapato do técnico, quetem de respeitar a legitimidade; uma pedra no sapato do políti-co, que precisa estar atento ao que está acontecendo na socie-dade, bem como às expectativas que as pessoas têm num paísdesigual como o nosso.

Precisamos reconhecer que a legislação é um processopara o qual concorrem vários destinatários, interessados, futu-ros atingidos. Precisamos implementar mecanismos mais eficientese eficazes a fim de trazer a voz desses atingidos, interessados edestinatários ao processo legislativo, porque isso contribuiriapara aumentar o crédito que a população confere à classe polí-tica e, consequentemente, para aumentar a segurança jurídica.

5 FOLHA DE S. PAULO, 28 ago. 2007.

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Com o diálogo estabelecido entre população e políticose entre técnicos e políticos, teríamos uma legislação com condi-ção de ser implementada, de atingir seus fins; enfim, teríamosuma legislação que atenderia de forma satisfatória o binômiocusto-benefício. A atividade de legislação, seja da administra-ção pública, seja do Poder Legislativo, é uma atividade que cus-ta, que mobiliza muitas pessoas.

Gostaria de finalizar lançando-lhes ainda algumas ques-tões diferentes das que já abordamos, a partir das inscrições dedois símbolos: "Liberdade ainda que tardia", da bandeira doEstado de Minas Gerais, e "Ordem e Progresso", da BandeiraNacional. Ordem para quem? Liberdade para fazer o quê? Qualé o caminho que queremos para o País? Vamos nos desenvol-ver para quem? E, finalmente, o que pode acontecer quandoconfiarmos na administração pública, em nosso país e no nos-so Estado?

Reafirmo nosso compromisso para que o País realmentese desenvolva e para que esse desenvolvimento seja para todos.

Referências bibliográficasReferências bibliográficasReferências bibliográficasReferências bibliográficasReferências bibliográficas

CORREIO BRAZILIENSE. Brasília, 19 ago. 2007. Caderno Economia,

p. 25.

FOLHA DE S.PAULO. São Paulo, 28 ago. 2007.

KAFKA, Franz. O processo. Trad. Torrieri Guimarães. São Paulo: Abril

Cultural, 1979.

O ESTADO DE S. PAULO. São Paulo, 23 ago. 2007. Caderno Economia,

p. B11.

O ESTADO DE S. PAULO. São Paulo, 23 ago. 2007. Caderno Cidades/

Metrópole, p. C3.

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Levando-se em conta o trabalho que hoje é realizado naAssembleia Legislativa de Minas Gerais, é um grande desafiopara nós do corpo técnico debater questões tão importantes e,ao mesmo tempo, tão novas no nosso fazer legislativo. Consi-dero-as novas porque são instrumentos trazidos ao nosso co-nhecimento recentemente, sob o arcabouço da Legística.

Por outro lado, não é tão nova assim para nós a consci-ência de que é necessário melhorar a qualidade da lei e de que háuma relação entre a qualidade da legislação e o desenvolvimentoeconômico, social e político do nosso país e do nosso Estado.

No caso da Assembleia de Minas, não podemos dizerque já adotávamos a Legística tal como ela se apresenta hoje,na forma desse conjunto de técnicas e instrumentos para qua-lificar a elaboração legislativa, mas também não podemos dizerque estamos começando do zero.

O momento que estamos vivendo é propício para, deposse de uma experiência que vimos desenvolvendo ao longode 15 anos, tentar de algum modo qualificar a tarefa da elabo-ração legislativa. Nesse período, vivemos um processo de cons-trução de mecanismos de fortalecimento do Poder Legislativo e,em consequência, de qualificação da legislação produzida. Essaqualificação coincide, em alguns de seus objetivos e em alguns deseus instrumentais, com as propostas atuais da Legística.

Ao organizar este congresso, adotamos como principalobjetivo aprender, captar as novas tendências, aperfeiçoar nos-so modo de trabalho. Entretanto, ao tomar conhecimento des-

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se conjunto de instrumentos que já vêm sendo desenvolvidosna Europa, no Canadá e em outros países em relação ao apri-moramento da lei, entendemos como a contribuição daAssembleia e de seu corpo técnico pode ser útil para esta dis-cussão. Já desenvolvemos um jeito de fazer as coisas que pode,e muito, contribuir para que a implantação dos mecanismospreconizados pela Legística na elaboração da nossa legislaçãose dê de uma forma bastante eficaz, nova e, arrisco dizer, tal-vez até com um colorido próprio.

Temos de encontrar um caminho brasileiro, um cami-nho mineiro para elaborar a legislação, já que as discussõessobre Legística estão começando aqui, em Minas, mas preten-demos que isso seja compartilhado por todos os PoderesLegislativos e Executivos do País. Temos de absorver com hu-mildade e interesse o conhecimento e a experiência que os nos-sos convidados nos trazem, mas, ao mesmo tempo, temos deassociar esse conhecimento e essa experiência com o que jáestamos desenvolvendo de maneira tão própria na AssembleiaLegislativa de Minas Gerais.

A experiência mineira é peculiar por várias razões: pri-meiro, porque ocorreu inteiramente no âmbito do Legislativo,ao passo que, em regimes parlamentaristas na Europa, no Ca-nadá e em países que já enviaram representantes para cá, aexperiência da Legística nasce no Executivo. Nesses países, elasurge da necessidade de equacionar o desenvolvimento social,político e econômico, bem como de criar políticas públicas efe-tivas. Se uma norma traduz uma determinada política pública,o requisito para o aperfeiçoamento dessa norma é o conheci-mento mais consistente da realidade que a demanda. Só conhe-cendo bem essa realidade é possível planejar como intervir nelae prever os resultados dessa intervenção.

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O fato de, na experiência brasileira, todo o instrumentalde qualificação das leis ter sido forjado no Legislativo trará,necessariamente, um componente diferente ao desenvolvimen-to da Legística no Brasil. Não que esse desenvolvimento nãodeva ser estendido ao Executivo – na verdade, a abordagem daLegística tem de ser assumida conjuntamente –, mas as carac-terísticas do processo certamente são diferentes.

Outro fato peculiar é que todos os instrumentos relacio-nados à Legística já implementados surgiram com a construçãodas instituições democráticas no País. Em Minas Gerais essesinstrumentos vão desde o reforço dos recursos de informaçãoà disposição dos legisladores para tomada de decisão, passandopor um processo de modernização técnica e logística do Parla-mento, até a qualificação de seu corpo técnico, com a realiza-ção de concursos públicos e a preparação de especialistas nasdiversas áreas do conhecimento sobre as quais os Deputadossão chamados para discutir e decidir.

Podemos dizer que a construção democrática do nossopaís é recente, por termos vindo de uma ditadura em que nemLegislativo, nem política pública, enfim, nada era discutido numnível de deliberação política democrática. Então, quando co-meçamos a reconstruir, ou a construir, nossas instituições de-mocráticas, já o fizemos num panorama global, mundial de exi-gências internacionais, de respeito a determinadas questões quejá tiveram – vamos dizer assim – de entrar no “DNA” dasnossas instituições.

Quando, depois da ditadura, começamos a dar nova for-ma ao Parlamento, ele já tinha de se ocupar de questões degrande complexidade, tais como: direitos humanos, desenvolvi-mento sustentável, estabilidade econômica, exigências interna-cionais de comportamentos democráticos dos diversos países.

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Nosso processo de formação já vem contaminado de todosesses reclames, cobranças em torno de uma construção demo-crática das políticas públicas e dos modos de decisão acerca delas.

Todo o processo de construção de técnicas especializadasde redação legislativa, no que se refere à Legística formal, etodo o processo de construção e administração dos conteúdosque informam a decisão política acerca da legislação e de seusconteúdos, enfim, tudo isso veio permeado, desde o início danossa caminhada, por um processo de intensa participação de-mocrática, envolvendo os destinatários finais da norma.

Em determinados momentos, no processo de elabora-ção da lei, as contribuições do destinatário e as do elaboradorda norma ocorreram de forma tão mesclada, que se torna difí-cil identificar, no texto final da lei, o que coube a um e o quecoube a outro. A experiência mostra que o texto da lei épolifônico, considerando-se que nele estão embutidas diversasvozes que participaram da construção do enunciado final. Nelevem embutido todo esse procedimento, ou seja, isso tambémficou no nosso DNA.

Toda a permeabilidade que, tradicionalmente, é mais ca-racterística do Legislativo que do Executivo já contaminou deforma positiva nossos processos de aperfeiçoamento técnico.Portanto, não há como ignorar a nossa experiência, o nossoformato de Legística; pelo contrário, é preciso aproveitar a opor-tunidade de dar um colorido especial, bem como de corrigirdeterminadas deficiências do processo constatadas nas avalia-ções que se fazem 15 ou 20 anos depois de seu início. Para esseaperfeiçoamento, é de grande valia o instrumental que a Legísticaestá trazendo.

Não pretendo expor todas as experiências de interlocuçãocom a sociedade desenvolvidas pela Assembleia de Minas. Vou

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me ater ao seminário legislativo, porque talvez seja o que maispode contribuir para as reflexões sobre Legística, uma vez queesta utiliza vários testes, jogos, consultas e até instrumentos delegislação experimental como formas de tentar captar a reaçãoe o comportamento do destinatário final da lei, que é o cida-dão, a sociedade.

O seminário legislativo dura meses. A partir da seleçãode um determinado tema candente da realidade que necessitade uma intervenção legislativa, temos a proposição do evento.Inicia-se então a etapa preparatória. Convocam-se todas as en-tidades localizadas no Estado de Minas Gerais cujo trabalho serelaciona ao tema proposto. Essas entidades estão cadastradasem um extenso banco de dados que vem sendo alimentado nosúltimos 15 anos, com entradas por tema, por região, por cidadee por assunto. As entidades representativas são convocadas para,desde o início, participar da preparação da discussão sobre apolítica pública referente àquele assunto.

As entidades e os destinatários, portanto, desde o início,já participam da definição dos temas e dos subtemas que serãodiscutidos. E assim já se engajam na identificação concreta dosproblemas, que, segundo os princípios da Legística, é um dospassos do processo de elaboração da lei.

Comissões técnicas interinstitucionais são formadas,indicadas por todas essas entidades representativas dos segmen-tos sociais que futuramente serão atingidos pela lei. Essas co-missões, então, elaboram documentos que servirão de base paraas discussões.

Nesse passo, os documentos são discutidos em encon-tros em 10 ou 12 regiões no Estado de Minas Gerais. Duranteos encontros regionais, os documentos podem ser enriquecidoscom a contribuição da sociedade civil organizada do interior

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do Estado, as propostas originais sofrem ajustes, e novas pro-postas são acrescentadas.

Depois, esses documentos são trabalhados nas plenáriasparciais, já na sede da Assembleia, para onde delegações dointerior trazem as suas propostas, que são incorporadas. Nes-sas plenárias parciais há palestras e debates com especialistas,representantes da sociedade civil, dos governos e dos diversosórgãos, com o objetivo de atualizar o tema em relação ao quejá tem sido discutido.

Após as exposições dos especialistas, o material volta paraos grupos de trabalho, que incluem novas contribuições nosdocumentos. Os grupos rediscutem, renegociam e acrescentampropostas.

Todas as propostas são levadas então a uma plenária,em que é votado um documento final. O documento é entre-gue à Assembleia Legislativa, para que filtre e selecione as pro-postas nele contidas e as utilize na elaboração de projetos de leiou outros instrumentos de decisão política, que podem ser doExecutivo estadual ou federal. Compete à Assembleia fazer oencaminhamento e o acompanhamento do processo por meiode comissões de representação.

O sujeito dos seminários legislativos é, portanto, a socie-dade civil. A realização desses seminários é uma nova maneirade administrar a concorrência entre os diversos conteúdos quepodem informar a decisão sobre a legislação a ser adotada.Essa maneira faz com que os conteúdos que vão informar adecisão já venham, de certa forma, construídos numa concor-rência e, ao mesmo tempo, num compromisso político que fa-vorecerá a aplicabilidade da legislação assim produzida.

Tenho a impressão de que o momento é altamente favo-rável para implementarmos o instrumental da Legística e utilizá-

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lo em eventos como o seminário legislativo, que me parecemuito adequado para aquela fase intermediária, indicada peloProf. Delley como de definição de fins e objetivos da legisla-ção. Talvez as técnicas da Legística possam, por exemplo, nosajudar a selecionar, de forma mais apurada, os temas a seremdiscutidos. As dificuldades e os desafios estão em trabalhar antesa informação que subsidiará o processo de discussão dos semi-nários e, depois, a implementação e a informação sobre os des-dobramentos do seminário. O instrumental da Legística podenos ajudar nisso.

Mas o fato é que já aplicamos um dos princípios daLegística, pois o que ocorre em um seminário legislativo não énada menos do que definição, com a participação dos destina-tários da norma, dos fins e objetivos de uma legislação.

É claro que temos de estar atentos para que o legislador,adotando o procedimento da Legística, procure desenvolver acapacidade de manter um certo distanciamento do embate po-lítico no calor das discussões, das disputas e da concorrênciade conteúdo entre os diversos setores – muitas vezes, antagô-nicos – da sociedade que estão discutindo, pleiteando e disputandoespaço para o atendimento das suas demandas naquela legislação.

É claro que tem de haver esse distanciamento, para queseja construída uma ótica de interesse público, e não uma óticaparticularista que favoreça este ou aquele setor ou que se limi-te pelas soluções de compromisso encontradas naquele mo-mento. Essas soluções de compromisso podem não abranger otempo da legislação, que, para ser consequente, deve prever odesenvolvimento, a médio e longo prazos, da política que sepretende adotar.

Porém não acredito muito na possibilidade de um pro-cesso asséptico de formulação da política pública por meio da

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legislação. Mesmo assim, penso que nossa experiência servirápara contaminar positivamente o processo de decisão políticada legislação, com o calor da construção do consenso possível,direcionando-o para um processo democrático de participação.Tenho certeza de que conseguiremos fazer isso com maturida-de, sem ficar panfletando a lei com bandeiras específicas degrupos A ou B. As contribuições da Legística material e o aportede conteúdos para a tomada de decisão sobre a legislação ser-virão para que as normas sejam elaboradas com odistanciamento e a devida consideração do interesse público,além da participação positiva da sociedade civil.

O trabalho de construção do texto legal, tanto no quediz respeito à estruturação dos conteúdos dentro da norma,quanto à linguagem do texto, também se educou nos últimos15 anos. Além de todas aquelas especificidades do textonormativo que o Prof. Luzius Mader aponta muito bem emtexto publicado pela Revista do Legislativo, acrescentaria umaoutra característica, que se aplica a qualquer tipo de texto: te-nho a convicção de que o destinatário da lei, o leitor, constrói osentido da norma também de acordo com a sua formação,compreensão e cultura.

Incorporando o leitor, o destinatário, o intérprete no pro-cesso de elaboração das leis, estamos fazendo uma inversão depapéis. O leitor também está aqui produzindo o texto. Claroque, ao exercer esse papel, ele tem uma perspectiva e, ao atuar,lá na frente, como destinatário da norma, pode mudá-la. Issofaz parte do processo de evolução dos atores nos seus diversospapéis. A sensibilidade de construir um texto polifônico, a par-tir do diálogo entre os diversos conteúdos e significados inclu-ídos ali, e a consciência de que a interpretação do leitor é quedará o seu sentido final fizeram-nos desenvolver uma capaci-

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dade de negociação de sentido muito acurada. Parece-me queisso trará um colorido até mais divertido para a construção daLegística aqui.

Temos a convicção de que o trabalho do redator não selimita a lançar mão dos conteúdos, fechar-se em um gabinetee, então, escrever a lei. É muito mais do que isso. No caso daAssembleia Legislativa de Minas, o redator é um negociador desentidos, inserido desde os primeiros momentos da elaboraçãoda norma. Essa negociação política dos conteúdos reflete-seno texto legislativo. É um processo belíssimo, que necessita deaperfeiçoamento.

Há uma outra questão que lançarei como desafio. A teseprincipal que pretendo propor é que é possível construir ummodelo diferenciado de implementação da Legística, envolven-do o Legislativo e o Executivo.

O Poder Executivo, no Estado de Minas Gerais, encon-tra-se, como o Poder Legislativo, em um momento de busca deinstrumental científico para a elaboração das suas políticas públi-cas. Todo o arcabouço de planejamento referenciado na legislaçãotem sido construído de forma muito técnica. O Plano Mineiro deDesenvolvimento Integrado (PMDI), o Plano Plurianual de AçãoGovernamental (PPAG), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)e o Orçamento Anual do Estado compõem um conjunto de leisque refletem o impulso de planejamento e a necessidade deequacionar as polít icas públicas a part ir de umamacroperspectiva, para, hierarquicamente, chegar-se à execu-ção de metas quantificadas, com indicadores tecnicamente de-senvolvidos para essa finalidade. Essa tem sido a postura doPoder Executivo em relação à elaboração de políticas públicas.

Por outro lado, o Legislativo tem toda uma experiênciade tentar construir seus mecanismos de aperfeiçoamento e qua-

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lidade da legislação. Já se aplicam aqui vários preceitos daLegística formal e material – embora ainda não os tenhamosnomeado assim.

Não é possível agora adotar o instrumental da Legísticasem envolver o Poder Executivo. Parece que a experiência deum órgão independente na produção das leis pode tornar arti-ficial o processo, que deveria ser integrado. O próprio Prof.Delley problematiza essa questão e afirma que um órgão queproduza leis de forma independente pode não encontrar resso-nância no Parlamento, por estar afastado das dinâmicas políti-cas reais que acontecem ali.

O desafio que lanço aqui é que aproveitemos a oportu-nidade do momento para conjugarmos tudo em um esforçocomum: aproveitar a crise de crescimento que o Legislativoenfrenta hoje, ao equacionar seus diversos mecanismos de par-ticipação, e aproveitar a crise que o Executivo também enfren-ta, ao criar mecanismos racionais, técnicos e científicos de pla-nejamento.

Ousaria até sugerir que começássemos a pensar em al-gum espaço institucional dos dois Poderes para exercer essaresponsabilidade mútua pela legislação que se edita. Não adian-ta o Legislativo utilizar o instrumental da Legística, se 70% dalegislação significativa de políticas públicas no Estado são oriun-das do Executivo. Da mesma forma, também não adianta oExecutivo planejar as políticas públicas, se, no processo de ama-durecimento e deliberação sobre a lei, esse planejamento nãopermear as práticas do Legislativo.

Deixaria uma reflexão para todos os colegas da Assem-bleia e os companheiros do Executivo que tentam responder aessas questões e deixaria também uma proposta – que essescompanheiros nos chamem e digam: "Queremos fazer uma lei.

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Será que vocês podem sentar com a gente para fazer um ante-projeto e emendar tudo antes que chegue à Assembleia?". Esseimpulso de colaboração já existe.

Penso em ir um pouco além, com uma comissão mistade legislação e desenvolvimento que tenha um espaço de re-presentação de geradores de políticas públicas no Executivo eno Legislativo, com a participação dos técnicos de redação, pla-nejamento e consultoria, dos Deputados e, eventualmente, derepresentantes da sociedade civil e do Poder Judiciário.

Nesse espaço poderiam ser construídos os novos instru-mentos de Legística e incorporadas as práticas de participaçãodemocrática que já amadureceram no Legislativo, juntamentecom as práticas de abordagem científica e planificada dos ins-trumentos legislativos do Executivo.

Poderia lançar outras questões, mas encerro salientandoque a Assembleia de Minas tem um plano de política de açãolegislativa, e uma série de ações está sendo implementada. En-tre essas ações, chamo a atenção para o Manual de redação parla-mentar, cuja segunda edição está sendo lançada. A obra é resul-tado dessa visão peculiar de construção de um texto polifônico,considerando não apenas normas gramaticais, mas sugestõespara a elaboração de um texto no ambiente político.

Podemos, com a nossa experiência, dar um tempero lo-cal à Legística, esse conjunto de instrumentos que tem sidocientificamente construído na Europa.

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Painel 3:"A contr ibu ição da Legíst ica para uma políti ca de

legislação: concepções, métodos e técnicas"

Coordenador:Coordenador:Coordenador:Coordenador:Coordenador:

Deputado Lafayette de AndradaDeputado Lafayette de AndradaDeputado Lafayette de AndradaDeputado Lafayette de AndradaDeputado Lafayette de AndradaPresidente da Comissão de Redação daALMG

Debatedor:Debatedor:Debatedor:Debatedor:Debatedor:

Menelick de Carvalho NettoMenelick de Carvalho NettoMenelick de Carvalho NettoMenelick de Carvalho NettoMenelick de Carvalho NettoDoutor em Direito pela UFMG, Professorda Universidade de Brasília (UnB) ecoordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito da UnB

Conferencista:Conferencista:Conferencista:Conferencista:Conferencista:

Marta TMarta TMarta TMarta TMarta Tavaravaravaravaravares de Almeidaes de Almeidaes de Almeidaes de Almeidaes de AlmeidaEspecialista em Legística e colaboradorana Pós-Graduação da Universidade Novade Lisboa, Diretora da Revista "Cadernosde Ciência de Legislação", Fundadora doCurso de "Feitura das Leis" do Instituto Na-cional de Administração (INA) de Portugal

Os dados sobre função ou cargo dos integrantes deste painel correspondem à situação à data do Congresso.

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1. Introdução

O tema que nos foi proposto para esta palestra conduz auma análise em uma perspectiva operacional. Nossa contribui-ção poderia, consequentemente, vir a ser entendida como atradução de uma visão "técnica" da lei. Assim, desde o início,gostaríamos de deixar claro que estamos cientes de que legislaré uma decisão política, é um processo político, e que, portanto, a leiestá sujeita a condicionamentos políticos, sociais e econômicos.

O debate em torno da lei é amplo, e o desenvolvimentoda Teoria da Legislação, em particular da Legística, surge comouma das respostas à denominada "crise da lei". Algumas ten-dências recentes enxergam o problema de outro ponto de vista,sustentando que a lei está em crise não só por razões ligadas asua preparação, mas também, e principalmente, por outras ra-zões, que ultrapassam os problemas da elaboração da lei, emsentido material e formal.

Sem desenvolver essa temática, que nos levaria muitolonge, o que não é o propósito da nossa intervenção, fazemosapenas menção a duas correntes significativas relacionadas àproblemática da lei. Para alguns autores, a "crise do paradigmalegalista" é analisada no âmbito da crise de legitimação do Es-tado – os diferentes atores sociais, questionando a legitimidadedo Estado, não se reconhecem na legislação aprovada pelo

Marta TMarta TMarta TMarta TMarta Tavares de A lme idaavares de A lme idaavares de A lme idaavares de A lme idaavares de A lme ida

A contribuição da Legíst ica para uma política de legislação:concepções, métodos e técnicas

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Legislativo e pelo Executivo. Para outros, a "crise da lei" temque ser entendida no contexto das dificuldades ou da falênciado Estado Social, o que conduziu a um excesso de regulaçãoque veio dificultar a comunicação entre o legislador e os desti-natários da lei1.

No entanto, em qualquer das correntes mencionadas,sublinha-se a importância da lei nos Estados democráticos. As-sim, importa analisar as contribuições da Teoria da Legislaçãopara a compreensão do fenômeno legislativo.

Nosso objetivo, portanto, é evidenciar como os princípiose métodos propostos pela Teoria da Legislação podem influenciaro desenvolvimento de uma política legislativa de qualidade.

2. Teoria da Legislação – ciência normativa eciência de ação

2.1. Nos anos 70 do século passado, devido à consciên-cia crítica das deficiências e fragilidades do enquadramentolegislativo, iniciou-se em alguns países europeus uma reflexãosistemática e global sobre o procedimento legislativo, em senti-do lato, desde a fase de criação das normas até sua execução,com o objetivo de assegurar a feitura de leis melhores.

Os rápidos progressos observados nessa área do direito,tanto em nível científico (profusão de estudos, revistasespecializadas, seminários) como institucional (criação de cen-tros de investigação e associações de especialistas), confirma-ram a sua importância e repercussão crescentes e conduziramà constituição de uma disciplina autônoma – a Teoria da Legis-lação. Essa disciplina tem como objeto o estudo da lei em todas

1 Para mais desenvolvimentos, ver HESPANHA, 1997.

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as suas dimensões, socorrendo-se dos saberes de várias discipli-nas: a filosofia do direito, o direito constitucional, a ciência po-lítica, a ciência da administração, a economia, a sociologia, ametódica jurídica, a linguística.

A Teoria da Legislação é, portanto, uma ciênciainterdisciplinar que tem um objeto claro – o estudo de todo ocircuito da produção das normas – e para a qual convergemvários métodos e diferentes conhecimentos científicos. Trata-sede uma "ciência normativa", mas também de uma "ciência deação", que nos permite analisar o comportamento dos órgãoslegiferantes e as características dos fatos legislativos e identifi-car instrumentos úteis para a prática legislativa.

Essa compreensão do fenômeno legislativo na sua totali-dade é uma primeira e inestimável contribuição da Teoria da Le-gislação para uma política legislativa.

Em 1986, Ulrich Karpen2, da Faculdade de Direito deHamburgo, propôs uma classificação que identificava cinco do-mínios da Teoria da Legislação: a Ciência da Legislação (estudodo conceito, evolução e análise comparada das leis), a Analíticada Legislação (estudo da lei como fonte de direito), a Tática daLegislação (estudo do procedimento legislativo externo), a Me-tódica da Legislação (estudo do procedimento legislativo inter-no) e a Técnica da Legislação (relativa à sistematização, à com-posição e à redação da lei). Iremos ater-nos aos três últimoscampos temáticos, por considerá-los os mais interessantes parauma análise das contribuições da Teoria da Legislação para umapolítica de legislação.

Assinale-se que, no que respeita à Metódica da Legisla-ção e à Técnica da Legislação, essa terminologia foi atualizada,

2 KARPEN, 1986.

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e hoje se fala em Legística material e Legística formal, inte-grando ambas a designação mais genérica de Legística3, queadotamos em nossa apresentação.

Nos últimos tempos, vem-se consolidando o termoLegisprudência4, como designação da ciência que se ocupa doestudo da lei. Essa nova proposta, que se pretende mais ajusta-da ao desenvolvimento da análise tanto dos aspectos teóricos(ciência da elaboração da lei) quanto dos aspectos práticos dalegislação (arte da elaboração da lei), reformula a classificaçãoanterior e inclui dois novos domínios de estudo: Gestão de Pro-jetos Legislativos e Sociologia da Legislação5.

Não há unanimidade quanto à escolha dessa terminolo-gia ou da anterior como a mais adequada à identificação dosdomínios da Teoria da Legislação. Consideramos que o impor-tante é identificar domínios de estudo que permitam uma me-lhor e mais ampla compreensão do fenômeno legislativo.

2.2. Abordaremos, em primeiro lugar, a Tática da Legislação,que tem como objeto o estudo do procedimento legislativo externo.

Do ponto de vista de uma política de legislação, não nosinteressa especialmente analisar o desenvolvimento formal do

3 MORAND, 1999.4 MADER, 2006.5 MADER, 2006, p. 179 a 181. No âmbito da Legisprudência são identificados sete domínios:Metodologia Legislativa (analisa as questões relativas ao conteúdo da lei, propõe a monitoraçãoda lei e a sua avaliação); Técnica Legislativa ou Legística formal (analisa as questões derivadasda transmissão da vontade do legislador - seleção do ato legislativo, definição da estrutura doato legislativo, determinação da densidade normativa); Formulação Legislativa ou AspectosLinguísticos e Comunicacionais (aborda as questões da redação, da linguística e da comunicaçãolegislativa); Procedimento Legislativo (analisa as questões do procedimento externo da lei);Gestão de Projetos Legislativos (considera as questões da gestão dos projetos legislativos - osrecursos, o tempo de preparação do projeto, o recolhimento, interno e externo, de informação);Sociologia da Legislação (aborda as questões da implementação e dos efeitos da lei, comparticular atenção às consequências da lei na realidade social) e Teoria da Legislação (estudodo conceito e da evolução das leis).

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procedimento legislativo externo (que diz respeito ao cumpri-mento dos requisitos legais e regimentais), apesar de esse as-pecto também poder influenciar a qualidade da lei. Interessa-nos, sobretudo, compreender a lei no quadro de uma políticapública de regulação, ou seja, como esclarece Gomes Canotilho,da Faculdade de Direito de Coimbra, "o estudo do conjunto demotivos, dos fatores de influência, de ocasiões e de sujeitos ouagentes direta ou indiretamente participantes no procedimentode criação de normas legislativas"6.

Importa, pois, considerar determinados elementos do pro-cedimento legislativo externo, os quais abordaremos a seguir.

Os impulsos legislativosConfiguram os motivos (políticos, jurídicos, sociais) que

podem justificar o início do procedimento legislativo. Por essarazão, apesar de antecederem o procedimento legislativo, sãoobjeto de estudo no âmbito da Tática da Legislação.

A decisão de legislarÉ uma questão central no procedimento legislativo, en-

volvendo problemas de natureza constitucional, mas tambémrelacionados à agendagem da lei e à agenda política, que nos forne-cem elementos muito importantes para a compreensão da lei.

A agendagem da lei diz respeito à "inscrição na ordem dodia dos órgãos legiferantes de um determinado problema quenecessita de decisão legislativa", enquanto a agenda política éentendida, em sentido mais amplo, como o "conjunto de pro-blemas impulsionantes de um debate público ou de uma inter-venção ativa das autoridades legítimas"7.

6 CANOTILHO, 1987, Ponto 1, Cap. 3 – Tática da Legislação.7 CANOTILHO, 1987, Ponto 3.2.

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Os atores sociaisA consulta/participação dos diferentes atores sociais na

preparação da lei é, hoje, reconhecida como uma fase da maiorimportância no procedimento legislativo. Com efeito, um pro-cedimento de consulta, se bem conduzido, é uma forma delegitimação da lei, traz mais transparência ao procedimentolegislativo e proporciona a obtenção de dados e informaçõesfundamentais para a identificação e a avaliação dos problemasem debate. Interessa-nos, pois, saber quais os atores envolvi-dos no procedimento legislativo e de que forma esse procedi-mento é conduzido8.

A execução da leiFinalmente, importa considerar a execução da lei, e de

novo citamos Gomes Canotilho, que define essa fase como "oprocesso através do qual as decisões legislativas se adéquam aoterreno a que se aplicam, se adaptam às condições sociológicase se infiltram eficazmente no comportamento dos destinatários"9.

A importância da fase de execução para o êxito ou fra-casso das políticas (policy) foi salientada, a partir dos anos 80do século XX, nos estudos de análise de políticas públicas, quan-do se reconheceu que a qualidade da decisão não é o únicofator a considerar para o êxito de uma política pública. Afasta-se a ideia, até então dominante, de distanciamento entre o po-lítico que decide e a administração que executa, com total sepa-ração de poderes e responsabilidades. Passa-se a considerar que"a execução surge como um processo de interação entre os

8 Tendo em vista que este Congresso está sendo promovido pela Assembleia Legislativa doEstado de Minas Gerais, parece-nos da maior justiça chamar a atenção para o procedimentode audição na elaboração da lei que é desenvolvido de forma muito interessante nessainstituição. Todos temos a ganhar com o seu conhecimento.9 CANOTILHO, 1987, Ponto 5.

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objetivos e os resultados"10. Com efeito, há múltiplas questõesa serem discutidas com os decisores políticos para a efetivaexecução de uma política pública.

Essa abordagem metodológica das políticas públicas éatualmente sugerida para a monitoração da execução da lei,numa relação constante entre os objetivos definidos pelo legis-lador e os resultados a alcançar.

Para concluir este ponto, podemos afirmar que a Táticada Legislação oferece uma contribuição importante para a com-preensão dos agentes e meios envolvidos tanto na criação quantona execução da lei.

2.3. A Legística material tem como objeto de estudo oprocedimento de elaboração da lei, o procedimento interno (as-sim designado em oposição ao procedimento externo). Ocupa-se do estudo da gênese das normas11.

A Legística material propõe uma metodologia de prepa-ração da lei, de seu conteúdo, de maneira a fornecer ao legisla-dor elementos para uma tomada de decisão objetiva.

Decompõe-se assim o procedimento legislativo em vá-rias fases – e a metodologia legislativa ocupa-se especialmentedas fases de identificação do problema, definição dos objetivosdo legislador, apresentação de alternativas para a solução, ava-liação dos efeitos da legislação – e apresentam-se medidas einstrumentos que concorrem para a preparação mais racionaldas diferentes fases da elaboração da lei.

Com efeito, nos nossos dias, grande parte da doutrinaconsidera que a legitimidade da lei não pode ficar confinada à

10 BAÑON; CARRILLO, 1997, p. 300.11 CANOTILHO, 1987, Parte I, Ponto 5.

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observância dos procedimentos legais – que obviamente sãonecessários e têm de ser respeitados. Há que se buscar umanova legitimidade. E, como escreveu Jacques Chevallier12, essalegitimidade vem do rigor no procedimento de elaboração da normae também da capacidade da norma de se integrar em progra-mas de ação. A legitimação da norma resulta, assim, do cum-primento dos requisitos legais necessários, mas também do seuconteúdo.

Nesse quadro de racionalidade – e levando-se em contaos condicionamentos políticos, jurídicos e sociais que se impõem àlei –, espera-se que a legislação responda, da melhor forma, àsexigências de eficácia, eficiência e efetividade, ou seja, que a leicumpra os seus objetivos, que os benefícios da lei justifiquemos seus custos e que a lei seja aceita por seus destinatários.

Nesse âmbito, a avaliação legislativa, ex ante e ex post, éum instrumento fundamental e contribui de forma decisiva parao desenvolvimento da Legística material13.

A Legística material, com os princípios e instrumentosque propõe, assume um papel central nesse novo olhar sobre alei, ou melhor, sobre o procedimento de elaboração da lei. Éessa a sua grande contribuição para uma política de legislação.

2.4. A Legística formal tem como objeto de estudo asistematização, a composição e a redação das leis , elementos abso-lutamente essenciais (ainda que não suficientes) para uma políticalegislativa de qualidade.

A preocupação com o modo de formulação da vontadedo legislador é de todas as épocas. Da mesma forma, podemos

12 CHEVALLIER, 1991, p. 32.13 Não abordaremos aqui a problemática da avaliação legislativa, que é objeto de outro paineldeste Congresso.

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dizer que alguns dos princípios que hoje se enunciam para aboa redação das leis – como clareza, precisão e concisão – estive-ram presentes em outros períodos da História, nomeadamenteno Iluminismo14.

Quando falamos da redação da lei, em sentido amplo,coloca-se a questão: redigir é uma arte ou uma ciência? As opi-niões se dividem; no entanto, parece existir hoje um consensono sentido de se considerar que há instrumentos que concor-rem para uma redação de mais qualidade: por um lado, os pro-gramas de formação específica nessa área, por outro, as dire-trizes ou regras da Legística.

A importância dos programas de formação específicaem redação legislativa para a melhoria dos padrões de qualida-de formal da lei é reconhecida, defenda-se ou não a existênciade redatores profissionais, à semelhança do Reino Unido e dosdemais países da Commonwealth15.

Atualmente, a Legística formal integra os currículos dosprogramas de ensino universitário na área da Teoria da Legisla-ção, para além da sua inclusão em programas de formação oureciclagem profissional.

Outro elemento importante, com relação a esse tema,diz respeito à aprovação, em diversos países, de diretrizes ouregras de Legística16. Essas diretrizes de Legística formal esta-belecem regras quanto à sistematização, à composição e à re-

14 Montesquieu publica, em 1748, De l’esprit des lois, obra na qual, para além de umapreocupação filosófica, aborda aspectos concretos quanto à redação da lei. Assim, no LivroXXIX (Sobre a maneira de elaborar as leis), Capítulo XVI (Coisas a observar na composiçãodas leis), diz que o estilo deve ser conciso; o estilo deve ser simples; a lei não deve conterexpressões vagas; as leis não devem ser sutis, elas são feitas para as pessoas de entendimentomédio; as leis inúteis enfraquecem as leis necessárias.15 PATCHETT, 1991.16 PAGANO, 1997.

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dação das leis, que, como fator de harmonização e uniformiza-ção, contribuem para a qualidade da legislação, facilitam a suaaplicação e o entendimento da lei pelos seus destinatários.

Saliente-se neste ponto o desenvolvimento, no Brasil,tanto em âmbito federal quanto estadual, de regras detalha-das sobre a sistematização, a redação e a alteração dos atosnormativos17. São instrumentos que merecem uma leituraatenta e uma análise comparada com diretrizes aprovadasem diversos países.

3. Emergência de uma política pública delegislação na Europa?

A partir do final dos anos 90 do século passado, ob-servamos na Europa e no resto do mundo uma preocupa-ção crescente com a problemática da lei. As questões perti-nentes à elaboração da lei passam a ocupar um lugar impor-tante na agenda política das organizações internacionais eda União Europeia.

Como resultado desse olhar mais atento à produçãonormativa pública, são elaborados estudos e análises acercadas principais questões relativas ao assunto e são apresentadasmedidas que concorrem para a elaboração de uma legislaçãocom padrões de qualidade material e formal.

Importa sublinhar que os estudos efetuados e os docu-mentos produzidos partem do desenvolvimento alcançado pelaTeoria da Legislação nos diversos domínios, em diferentes paísese por especialistas oriundos de áreas diversificadas.

17 Em âmbito federal, mencione-se o Manual de Redação da Presidência da República, 2ªedição, revista e atualizada, de 2002. Em nível estadual, mencione-se o Manual de RedaçãoParlamentar da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2ª edição, de 2007.

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Vejamos então como se deu esse desenvolvimento noâmbito da Organização para a Cooperação e DesenvolvimentoEconômico (OCDE) e da União Europeia.

3.1. A OCDE, em 1995, depois de um amplo estudosobre a situação da produção legislativa em diversos Estadosmembros da organização, concluiu que era necessário abando-nar a ideia de que uma política de desregulamentação, adotadaem alguns países, era a melhor solução para resolver os proble-mas da produção legislativa, nomeadamente a inflação legislativae a não efetividade da lei. A OCDE, sublinhando a importânciado combate à inflação legislativa, considera que a reforma ne-cessária deve ser centrada numa política de qualidade da pro-dução normativa, baseada na melhoria do procedimentolegislativo (aqui entendido no seu sentido lato), por meio daadoção de três medidas consideradas prioritárias – a planifica-ção legislativa, o procedimento de consulta e a avaliação legislativa.Na sequência desse trabalho, é publicada uma recomendaçãoda OCDE18 que consagra a primeira norma internacional sobrea qualidade da lei. Em 1997 e 2005, são publicadas duas reco-mendações19, desenvolvendo as anteriores e introduzindo no-vas propostas.

Sublinhe-se que, na recomendação de 2005, intituladaPrincípios orientadores para a qualidade e execução da regulação, éevidente a relação que se estabelece entre as reformas daregulação e o desenvolvimento econômico.

18 "The 1995 Recommendation of the Council of the OECD on Improving the Quality ofGovernment Regulation".19 "The 1997 OECD Report to Ministers (Plan for Action on Regulatory Quality andPerformance)" e "The 2005 OECD Guiding Principles for Regulatory Quality and Performance".Para mais informações, consultar o site da OCDE (www.oecd.org).

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Com efeito, quando se enunciam alguns princípios fun-damentais para as reformas da legislação, destaca-se a importânciade assegurar que as restrições à concorrência sejam limitadas eproporcionais aos interesses em jogo, bem como a importânciade eliminar barreiras legais ao desenvolvimento do comércio edo investimento, quando consideradas desnecessárias.

No texto da recomendação, menciona-se o interesse pe-las reformas da regulação nos países membros da OCDE, mastambém em países que não o são. E destaca-se que o Brasilparticipou como observador no Grupo Especial da OCDE so-bre política de regulação.

3.2. As recomendações da OCDE serviram de base paraa política de regulação que começou a ser desenhada na UniãoEuropeia, no âmbito do Conselho Europeu, que ocorreu emLisboa em 2000. Nesse Conselho, estabeleceram-se metas am-biciosas de desenvolvimento econômico para a Europa e subli-nhou-se a importância de uma legislação de qualidade no qua-dro de uma economia competitiva. Foi criado um grupo detrabalho, denominado Grupo Mandelkern, que apresentou umrelatório, em 2001, no qual se enunciam os princípios conside-rados fundamentais para a melhoria da qualidade legislativa naUnião Europeia e nos Estados membros20.

No relatório, explicita-se como uma legislação de quali-dade pode influenciar o desenvolvimento econômico: "amelhoria da qualidade dos atos normativos é um benefíciopúblico em si, aumentando a credibilidade do processo de ges-tão pública e contribuindo para o bem-estar dos cidadãos, dasempresas e dos demais envolvidos". E continua: "um ato

20 Relatório Mandelkern – Melhoria da Qualidade Legislativa, 2000.

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normativo de qualidade evita que as empresas, os cidadãos e asadministrações públicas fiquem submetidos a encargos inúteis […]e contribui para evitar que a competitividade das empresas […]seja prejudicada por custos acrescidos e distorções de mercado"21.

Para um programa de melhoria da qualidade dos atosnormativos enunciam-se sete princípios: necessidade (conside-ração da real necessidade de uma norma); proporcionalidade(equilíbrio entre as vantagens de uma dada legislação e as limi-tações/obrigações impostas aos cidadãos); subsidiariedade (ní-vel de adoção da legislação – deve-se legislar, se possível, nonível mais próximo do cidadão); transparência (procedimentode preparação da norma que permita o acompanhamento pe-los cidadãos); responsabilidade (determinação dos efeitos danorma, monitoração de sua execução); acessibilidade e simpli-cidade (publicação de legislação compreensível, consistente eacessível aos cidadãos).

Para o desenvolvimento dos princípios enunciados, defi-nem-se como instrumentos fundamentais: a consulta/participação;a avaliação de impacto; os programas de simplificação e acesso àlegislação – revisões periódicas e consolidação da legislação.

A importância dos objetivos traçados e das propostas deação constantes no Relatório Mandelkern decorre principal-mente do fato de esse documento ter sido aprovado politica-mente pelas instituições da União Europeia e pelos diversosEstados membros.

3.3. Em 2005, a Estratégia de Lisboa foi reavaliada. Re-forçando-se a importância da qualidade da legislação para obom desempenho das economias europeias, foi aprovado o pro-

21 Relatório Mandelkern – Melhoria da Qualidade Legislativa, 2000, p. 13.

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grama Better Regulation (que podemos traduzir como Progra-ma Legislar Melhor), que tem como subtítulo Legislar melhorpara o crescimento e o emprego na União Europeia22.

A ideia que orienta o programa é a de que "legislar me-lhor é crucial para a promoção da concorrência tanto em nívelcomunitário como nos Estados membros"23.

O programa Better Regulation é concebido como umprocesso de reforma das práticas de legislação, com base emprincípios, instrumentos e instituições (a União Europeia e osEstados membros), e caracteriza-se por quatro pontos essen-ciais, que serão abordados a seguir.

Primeiro ponto: reafirma-se a importância dos princí-pios e instrumentos apresentados no Relatório Mandelkern.

Segundo ponto: aprofundam-se os aspectos meto-dológicos da avaliação de impacto e atualizam-se e desenvol-vem-se as diretrizes para a elaboração de estudos concretos deavaliação de impacto24.

Terceiro ponto: propõe-se, e é um aspecto inovador, quese quantifiquem os custos administrativos impostos pela legis-lação25, e sugere-se que, para a avaliação desses encargos, as

22 Legislar melhor para o crescimento e o emprego na União Europeia, 16/3/2005, COM(2005), 97 final.23 Legislar melhor para o crescimento e o emprego na União Europeia, 16/3/2005, COM(2005), p. 3.24 Impact Assessment Guidelines, 15/6/2005 (with March 2006 update), SEC (2005) 791.25 Annex to the Communication on Better Regulation for Growth and Jobs in the EuropeanUnion – Minimising administrative costs imposed by legislation; Detailed outline of apossible EU Net Administrative Cost Model, 16/3/2005, SEC (2005) 175.26 O método comum que se propõe é o Standard Cost Model, modelo adotado na Holandadesde 2002 e que implica levantamento de dados sobre o tempo e os custos salariais necessáriospara satisfazer cada obrigação (pertinente à comunicação de informações sobre a atividade)imposta por um ato legislativo. Implica ainda levantamento de dados sobre o número de entidadesenvolvidas e a frequência com que as informações são solicitadas.

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instituições comunitárias e os Estados membros adotem ummétodo comum26, que é apresentado no Relatório.

Os custos administrativos são aqueles em que as empre-sas, as associações privadas, a administração e os cidadãos in-correm por força da lei para fornecerem informações sobre asua atividade ou produção, tanto a autoridades públicas quantoprivadas. Esses custos são diferentes dos custos do cumprimentoda lei, que dizem respeito, por exemplo, aos investimentos emprocessos de produção mais seguros ou na aquisição detecnologia menos poluente.

Os custos administrativos constituem apenas um elemen-to dos custos da legislação, devendo portanto ser analisadosnum contexto mais amplo, que englobe os custos e os benefí-cios econômicos, sociais e ambientais da legislação em causa.

Em artigo recente27, Cláudio Radaelli, professor e pes-quisador do Departamento de Políticas da Universidade deExeter, no Reino Unido, questiona a política de redução decustos administrativos delineada pela União Europeia e já ado-tada por alguns Estados membros. O autor argumenta que essapolítica parece haver gerado até o momento mais efeitos sim-bólicos que ganhos reais de eficiência, o que pode explicar, emseu entender, por que a redução dos custos administrativosainda não foi "adotada" no meio empresarial. Nessa perspecti-va, propõe que em nível comunitário seja dada prioridade àsquestões da qualidade da regulação, e não aos aspectos "quan-titativos", que entende como menos relevantes.

Quarto ponto: defende-se, e é um aspecto igualmenteinovador, o desenvolvimento de um conjunto de indicadores

27 RADAELLI, 2007.

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comuns para controlar a qualidade do quadro legislativo28, tan-to em nível comunitário como no âmbito dos Estados membros.

Preveem-se três categorias de indicadores, de maneira aavaliar a qualidade da política definida pelo programa BetterRegulation; os resultados das avaliações ex ante conduzidas in-ternamente; os resultados das avaliações conduzidas por enti-dades independentes.

Cláudio Radaelli29 considera que o Better Regulation, porsua configuração, representa uma política pública de regulaçãoem nível europeu, podendo-se, portanto, aplicar à análise desseprograma os conceitos metodológicos das políticas públicas, "queincluem atores, princípios, instrumentos e medidas". Concor-damos com a posição do autor.

Parece-nos importante manter um olhar atento ao de-senvolvimento dessa política pública de regulação no âmbitoda União Europeia, mas também dos Estados membros.

No âmbito dos Estados membros, importa observarcomo o programa Better Regulation será entendido e como seusprincípios serão adaptados à situação concreta – jurídica, polí-tica, institucional – dos diferentes países.

Além disso, é interessante que se verifique se os princípios einstrumentos propostos pelo Better Regulation servirão de exem-plo, de "inspiração", a outros países situados fora do quadro co-munitário. Isso parece provável, até porque os estudos e propostasdesenvolvidos pela União Europeia no âmbito da política de regulaçãosão convergentes, em muitos aspectos, com os estudos da OCDE,os quais têm mais repercussão em nível internacional.

28 Legislar melhor para o crescimento e o emprego na União Europeia, 16/3/2005, COM(2005), p. 11.29 RADAELLI; DE FRANCESCO, 2007.

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4. Elementos para uma política legislativa de qualidade

Ao tentarmos esboçar um quadro das contribuições daTeoria da Legislação para uma política legislativa, verificamosque na maioria dos estudos, artigos e documentos consultadosqualifica-se a política de legislação que se pretende formularcomo uma política de qualidade.

A noção de qualidade é complexa e compreende váriosprincípios. Dessa forma, constatamos que os princípios/crité-rios que identificam uma política de qualidade partem de pres-supostos diversos – jurídicos, sociológicos, econômicos –, quepodem ser considerados isoladamente ou de forma conjugada,bem como formulados em nível nacional ou internacional30.

Tendo em vista o que abordamos, e sem qualquer pre-tensão a uma enumeração exaustiva, apresentamos abaixo al-guns dos princípios que consideramos que devem ser pondera-dos na definição de uma política legislativa de qualidade.

1º) A necessidade da lei: fundamentação da necessi-dade da lei.

2º) O respeito aos princípios fundamentais dodireito: observância de princípios fundamentais do direito na

30 Em nível internacional, observamos que no Relatório Mandelkern e no programa BetterRegulation são enunciados princípios para uma política legislativa. Em nível nacional, algunspaíses já enunciaram os princípios que consideram que devem orientar uma política legislativade qualidade. No Reino Unido, "a Better Regulation Task Force (2003) [...], com o total apoiodo Primeiro Ministro, adotou os seguintes princípios: proporcionalidade, responsabilidade,consistência, transparência, definição de objetivos". No Canadá, o guia Assessing RegulatoryAlternatives (Government of Canada, 1994) estabelece uma distinção entre princípios, como,por exemplo, princípios práticos e estratégicos. O "melhor sistema de regulação" de acordo como Governo do Canadá é aquele que respeita os requisitos constitucionais e legais; oferece amelhor proteção legal ao mais baixo custo, tanto para o setor privado quanto para o governo;promove uma cultura de transparência e responsabilidade; aprova legislação baseada nosimpulsos dos destinatários da lei; é amigável, acessível e compreensível; mantém a legislaçãocontinuamente atualizada e melhorada (RADAELLI; DE FRANCESCO, 2007, p. 32-33).

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elaboração da lei – legalidade, universalidade, igualdade,proporcionalidade, não retroatividade da lei, subsidiariedade –,o que reforça o Estado democrático de direito e contribui deforma decisiva para a qualidade da lei.

3º) A responsabilidade pelos efeitos da lei:responsabilização do legislador pelos efeitos da lei, que se tra-duz na adoção de uma metodologia de preparação da lei quepossibilite uma decisão objetiva e fundamentada (a avaliaçãode impacto assume aqui um papel fundamental).

4º) A transparência do procedimento legislativo:adoção de um procedimento de consulta aberto, claro, concisoe que forneça toda a informação necessária.

5º) A acessibilidade da lei: definição de regras de pre-cisão, concisão e inteligibilidade na redação da lei, bem comoadoção de programas de simplificação e reorganização do corpuslegislativo.

6º) O desenvolvimento de programas de formaçãointerdisciplinar na área da Teoria da Legislação: elabora-ção de programas que cubram todo o ciclo legislativo, dirigidosa juristas, mas também a economistas e especialistas em ciên-cias sociais (em nível de formação acadêmica e profissional).

7º) A partilha de saber: estabelecimento de contatos,em nível nacional e internacional, com instituições que se dedi-quem a essa área de estudo, com vistas a partilhar informaçõese conhecimentos.

8º) A identificação de entidades dinamizadoras dapolítica de legislação: definição de entidades responsáveispelo desenvolvimento e controle da política legislativa definida.

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5. Conclusão

Não existem leis ideais, perfeitas. Mas a Teoria da Legis-lação, com a sua metodologia multidisciplinar e os instrumen-tos que propõe para as diferentes fases de elaboração da lei,pode dar uma contribuição valiosa para o desenvolvimento deuma política legislativa de qualidade.

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Tenho um certo problema com a Legística. Tentarei ex-plicar as questões da Legística que me incomodam e discutir oprocesso legislativo, a democracia e a cidadania na tradição quevivemos no Brasil.

Somos uma geração mimada pela história. Vivemos umaépoca em que temos de saber dos nossos próprios limites. Todosacompanhamos como Plutão deixou de ser planeta mediante umavotação da comunidade científica. O procedimento científico nãoé tão distinto do procedimento legislativo. Para nenhum de nósfazia sentido o argumento da ditadura militar de pouco tempoatrás, segundo o qual matérias técnicas não poderiam estar su-jeitas ao procedimento legislativo, ao debate público em geral.

Aliás, o que os responsáveis pelo regime militar, essamassa de desvalidos, têm a dizer, por exemplo, sobre a questãonuclear? Graças àquele argumento de que questões técnicasnão são próprias ao debate, temos hoje as usinas de Angra dosReis e outros absurdos que nunca são discutidos conosco. Oexemplo mostra que a complexidade técnica de uma questãonão faz com que ela perca a sua dimensão política.

O que é ciência? Ciência é um saber que se sabe precá-rio. Só isso. É um saber que fundamenta suas afirmações, quetem de apresentar em público seus fundamentos. É um saberque, ao contrário do saber religioso ou ideológico, está sujeito apermanente aprimoramento.

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Pois bem. O que sabemos sobre o campo da lei? O quesabemos sobre o acúmulo da reflexão no campo da filosofia dodireito, do direito constitucional? Começo por algo bastante tristepara o nosso tema: uma lei não regula absolutamente nada.

Hoje, se eu for racional, tenho de fazer uma crítica aoexcesso de racionalismo do iluminismo, à pretensão iluministade que, ao elaborarmos boas leis, gerais e abstratas, podería-mos eliminar o problema do direito, ou seja, à pretensãoiluminista de que bastaria garantir uma excelente qualidade dasleis que elaborássemos para estabelecer a integração social.

Foi preciso muito tempo para perceber que as coisasnão são bem assim. Hans Kelsen foi um dos primeiros auto-res a ver a estrutura indeterminada do direito. Nenhum denós hoje acredita que haja uma intenção do legislador e queela possa ser desvelada como algo do presente. Há mais deséculo sabemos que leis são arenas de embates interpretativos.É extremamente relevante que os representantes de movi-mentos sociais – por exemplo, os que participaram das au-diências públicas – obtenham conquistas em uma lei. Mas elesdevem saber que isso não é conquista alguma, até para não sefrustrarem.

Segundo Niklas Luhmann, Habermans e outros autores,o Legislativo é apenas a porta de entrada de argumentos noordenamento jurídico, nada mais do que isso. E é extremamen-te importante acompanhar a trajetória desse argumento noordenamento jurídico.

O Legislativo é a periferia do ordenamento jurídico. Umacasa parlamentar faz as leis, mas não as interpreta nem as colo-ca em prática, pois não é seu papel. O Executivo já se encontramais próximo do cerne desse ordenamento: aplica as leis deofício, faz com que sejam cumpridas e tem uma posição

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interpretativa sobre as leis vigentes. E o Judiciário? É o centrodo ordenamento jurídico, pois define o papel funcional des-sas leis.

E qual é o papel funcional das leis? Estabelecer umaplausibilidade de comportamentos, generalizar expectativas decomportamento em relação à expectativa de comportamentode outros. Estamos aqui, com bastante tranquilidade, acredi-tando que nosso direito funciona, até porque não há ninguémsendo estuprado, furtado, assassinado aqui, agora. Esse é oobjeto do direito: promover a integração social nesse nível deplausibilidade. Entretanto, não posso perder de vista que as leisprovocam posições interpretativas na sociedade. A partir domomento em que tenho uma lei, começo a ter problemas jurí-dicos. Eles surgem quando ela emerge.

Nossas leis vêm desde 1500. Até 1900, era natural que asociedade não as visse; o meu avô provavelmente não as viu,mas sabemos que a sociedade se alimenta de sua própria mu-dança, assegura sua reprodução social, mudando a si própria atodo momento.

O que posso perceber, de 1500 para cá, é que a visibili-dade das leis tem aumentado. Esse processo tem se tornadocada vez mais célere e intenso. Para nós, as mudanças não ocor-rem mais entre as gerações, ocorrem na mesma geração. Fica-mos defasados em pouquíssimo tempo. O avanço tecnológicotem esse preço.

Vocês já se perguntaram por que o direito moderno sóse dá a conhecer por textos, seja no civil law, nossa tradiçãoromanística, seja no common law, tradição dos norte-americanose ingleses? Só tenho acesso a normas por meio de textos, seja otexto de uma lei, seja o texto de um precedente judicial, de umadecisão judicial.

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Texto é uma comunicação inferida. Os textos possibili-tam essa mágica. Eles são sempre presentes, atuais. Semprelemos um texto de acordo com o nosso contexto. Se alguém éespecialista em filosofia, para ler o verdadeiro Aristóteles, porexemplo, tem de estudar a Grécia antiga.

No entanto, com o texto da lei ocorre algo diferente. Pordefinição, a lei acompanha a sociedade, ela é da sociedade. Alei é como uma obra de arte e não como um artesanato. Umbom artesanato sempre nos remete à localidade onde foi cria-do. Este é o seu papel: ser o recuerdo que nos leva ao seu localde origem. A obra de arte, ao contrário, é capaz de transcendercontextos e adquirir uma linguagem universal.

Por definição, qualquer lei, se é da sociedade, é portado-ra de um sentido muito além das possíveis intenções do legisla-dor. Ela deve ser relida socialmente a cada período, é atual, existepara nos reger. A trajetória do próprio direito constitucional eda filosofia do direito mostra como os princípios são relevantes.

Há um aparente parodoxo, do qual a técnica legislativaclássica já sabia, na criação de uma lei: legislo muito mais efici-entemente quanto menos eu legislar, quanto menos palavras eucolocar. Esse aparente paradoxo nos remete à pergunta: qual éo papel da lei?

Nunca seremos inteiramente racionais. A pretensãoiluminista é irracional pelo seu excesso de racionalismo: ela quereliminar os mitos, os preconceitos, iluminar toda a Terra, banirpara sempre as trevas, em oposição à Idade Média, que eravista como a Idade das Trevas. Hoje sabemos que na IdadeMédia também havia muita luz e que no iluminismo havia tam-bém muitas trevas.

No conceito de ciência divinizado, absolutizado, escon-deu-se a metafísica. Um "deusinho" metodológico cartesiano

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penetrou no próprio conceito de ciência. Entretanto, nosso co-nhecimento é sempre desconhecimento em alguma medida. Sóconheço se simplifico, se reduzo a complexidade. Graças a isso,nosso conhecimento sempre se assenta em traduções. Portanto,nosso conhecimento é um risco para nós. Por isso, nenhum denós pode fazer qualquer pesquisa sem que se submeta a umconselho de ética.

Na verdade, já temos normas jurídicas que regulam osriscos da ciência. Eisntein tornou-se famoso em razão daquelafoto do velhinho doido e descabelado com a língua para fora,apesar de ter escrito a Teoria da Relatividade aos 27 anos. Oresto da sua vida foi dedicada a denunciar os riscos da ciência,que conhecemos bem. Nenhum de nós tem confiança cega naciência, nem mesmo um cientista como Einstein.

O que estou querendo dizer é que o nosso conhecimen-to é histórico, é datado. O que foi ciência hoje, possivelmentenão será amanhã. A eugenia foi ciência e não é mais, exatamen-te porque seus fundamentos são refutáveis. Aprendemos como nosso próprio erro. E isso também acontece em relação às leis.

O direito moderno caracteriza-se como positivo e con-tingente. Dizemos hoje que ele é democrático. Na verdade, eleé definido pela maioria, que pode aprender com seu próprioengano. Portanto, a discussão em relação às leis, por definição,é infinda. A maioria de hoje pode se tornar minoria amanhã.Até porque a maior parte se convenceu da inconveniência da-quela lei, uma vez aprovada.

Nosso direito é contingente. O que não é contingente?O que não é disponível, se eu tomo essas lições sobre o própriodireito, sobre os direitos fundamentais? A forma do direito. Éclaro que não me refiro aqui à forma absolutamente disponí-vel, que Kelsen conceituava. Kelsen dizia que qualquer Estado,

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por mais duro e autoritário que seja, é Estado de Direito, por-que se faz por meio de leis. Hoje tenho que aprender com aprópria história institucional que a forma do direito requer oconteúdo também formal dos direitos fundamentais.

Uma Constituição é muito mais do que uma folha depapel, é uma carta de princípios. Quais? Eu diria que somentedois estão em todas as dimensões da vida e também, sobretu-do, no processo legislativo, no processo de feitura das leis: li-berdade e igualdade.

No entanto, desde o início do constitucionalismo, quan-do afirmamos que somos livres e iguais, instauramos uma ten-são. Esses dois princípios são um aparente paradoxo. Se as pes-soas resolveram viver juntas e aceitaram-se como livres e iguais,o que isso significa? Se somos iguais, certamente não podería-mos ser livres. Se somos iguais, devemos ter a mesma religião.Não é assim? Devemos ter a mesma altura, ser da mesma etnia,gostar das mesmas músicas, usar as mesmas roupas. Se somoslivres, não seremos iguais.

Na realidade, igualdade no contexto constitucional não sig-nifica, de forma alguma, que devemos ter a mesma religião. Muitoao contrário, pela primeira vez na história, todos igualmente temosa liberdade de ser diferentes. Aliás, essa ideia de que somos iguaisporque temos o direito de ser diferentes começa com um imensobanho de sangue nas praças públicas em função da questão religi-osa, que passa a ser um direito individual, não pode mais ser alicer-ce da organização política. Pela primeira vez na história somoslivres porque respeitamos as nossas diferenças. É preciso trazercomplexidade para esse raciocínio que estava presente desde oinício e que, no entanto, só foi reconhecido bastante recentemente.

Outro aparente paradoxo diz respeito à esfera pública eà esfera privada. Quando dizemos público, não queremos dizer

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antagônico ao privado. Não há dúvida alguma de que o priva-do não é o reino do egoísmo de supostos direitos. As pessoasnão têm de ser egoístas antes mesmo da vida social. Se privadonão pode ser reduzido a egoísta, público também não pode serreduzido a estatal. O Estado seria passível de privatização pelaburocracia que o ocupa a todo momento se não houvesse todoum instrumental jurídico para que ele seja efetivamente público.

Público e privado são opostos que se complementam.Não há nenhum espaço público, se não houver respeito às dife-renças e aos direitos privados. Da mesma forma, não há ne-nhum direito privado, se não for garantido o espaço públicodas diferenças. Nenhum leito de casal é um espaço privado, senele a mulher não tiver direito ao gozo e respeito à sua liberda-de sexual. Ela seria estuprada pelo marido se esse direito lhefosse negado. O leito conjugal é um espaço público. Por quê?Porque ser um espaço público é o que garante que ele seja umespaço privado para dois e não para um só. Numa casa em quevive uma família, com o pai e a mãe, tem de haver respeitopelo direito das crianças. Não posso educar ninguém com aponta do cigarro, seviciar meu filho e dizer que aquele é umespaço privado. Pelo contrário, meu vizinho me denunciará nomomento em que ouvir meu filho.

O mundo mudou para incorporarmos complexidade aosnossos raciocínios. Não é possível lidar com esses dualismosclássicos como se fossem antagonismos. Observem o dualismonatureza e cultura, por exemplo. É claro que não posso maispensar a natureza como antagônica à cultura, já que nós, sereshumanos, somos hoje um fator natural a pesar sobre a Terra.Somos mais visíveis no espaço do que grandes desertos e imen-sas florestas. Os oceanos são mais visíveis do que nós, certa-mente, mas concorremos com outros fatores naturais. Por ou-

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tro lado, toda questão natural depende de uma opção cultural.Podemos destruir tudo com uma facilidade imensa. Michel Serres,fazendo essa reflexão, propõe um novo contrato natural para pen-sarmos seriamente sobre essas dicotomias em todos os ângulos.

É claro que, quando falo em forma, penso em conteú-do. Posso citar o autor Jurgen Habermas, que se dizprocedimental e trabalha com a forma. No entanto, para ele,liberdade e igualdade, formas indisponíveis, têm um conteúdohistoricamente determinado, que depende de um processo deaprendizado e jamais será fixo. Se fixamos esses direitos emuma definição fechada, aqueles que não têm sua diferença es-pecífica reconhecida como igualdade vão pôr a boca no mun-do. Assim, os direitos modernos à igualdade e à liberdade quefundamentam a nossa sociedade, ao mesmo tempo em que lhedão a base, descalçam-na, retiram-lhe o apoio.

Em um debate público, não há argumentos que justifi-quem a exclusão. Mas a história da conquista dos direitos fun-damentais é de permanente inclusão porque sempre exclui. Por-tanto, nunca poderá ser fechada. É uma história que tem depermanecer em aberto. O mesmo deve ocorrer com a demo-cracia, que tem de ser aberta, para lidar com as incongruênciasque existem no princípio que, se fundamenta, também descalçae abre, possibilitando a inclusão.

Outro autor a quem posso me referir, Ronald Dworkin,considera-se um substancialista. No entanto, o substancialismode Dworkin é igualzinho ao formalismo de Habermas. Não hánenhuma diferença, porque a substância que lhe chama a aten-ção é resultado de um processo de cultura e de cidadania aolongo da história humana.

Para não nos atrapalharmos em rótulos, é importanteentrar em um problema sério para nós. Fiz uma tese de douto-

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rado há muito tempo sobre processo legislativo. Tinha grandeesperança que ela pudesse ter alguma repercussão. No entanto,meu sonho virou pesadelo e talvez seja uma ideia fixa.

É outra vez um problema sobre o processo legislativo,suas etapas e fases. Diria não apenas material, mas formal tam-bém. Material pois é vinculado a determinado projeto de lei.Mas formal porque procedimento sempre realiza as ideias deigualdade, liberdade, participação de todos, possibilidade de co-nhecimento público, produção de argumentos e contra-argu-mentos. O princípio do contraditório rege qualquer procedi-mento e garantiria a natureza democrática e participativa, queos princípios da qualidade da legislação externam tão bem.

Exatamente nesse campo, costumo dizer que desde 1988vivemos no Brasil um processo democrático, sobretudo se pen-so em termos eleitorais. Entretanto, institucionalmente, no quese refere ao Legislativo e ao Executivo, a meu ver, não saímosda ditadura.

Se analiso o centro do nosso ordenamento jurídico, cons-tato que as decisões que o Supremo Tribunal Federal tomou arespeito de processo legislativo são consideradas um problemainterna corporis, outra forma de dizer que é um problema da maio-ria. Ou seja, há neste País a mais plena ditadura em termos deprocesso legislativo. Continua não havendo processo legislativo, mes-mo que a Constituição tenha reduzido as possibilidades de ediçãode medida provisória, sucedânea do antigo decreto-lei.

Essa redução foi, a meu ver, adequada, até porque numasociedade como a nossa não há nada urgente, objetivamentefalando. E, se até Plutão deixou de ser planeta numa discussãopública, certamente não caberia ao Presidente da República de-finir o que é urgente e o que não é, apesar de o texto constitu-cional afirmar que sim.

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É claro que os Ministros do Supremo da época da dita-dura continuaram a ler na Constituição democrática o disposi-tivo ditatorial. Outra vez, um grave problema: posiçõesinterpretativas. Como era o Presidente da República quem de-cidia sobre a urgência e a relevância referente ao decreto-lei,pouco adiantou o texto constitucional dizer que o Presidenteda República, em casos de relevância e urgência, poderia bai-xar medida provisória com força de lei, a qual, se não fosseconvertida em lei no prazo máximo de 30 dias, perderia a efi-cácia desde a data da edição.

E os autores comentaram que não há mais limites mate-riais. Mas por acaso procedimento não é limite? Afinal, o quedefine a relevância e a urgência de uma medida provisória, senão essa sua conversão em lei num prazo de 30 dias? Vocêstodos trabalham em casa parlamentar e sabem que não é sim-ples reunir uma maioria e converter algo em lei em 30 dias. Epara quem deve ser relevante e urgente? Para todos nós.

Aliás, uma casa legislativa, por definição, é uma boa casa,se for aberta à pressão popular; e uma péssima casa, se forfechada – se fechada, ela não é casa do povo.

Um Governador, um Presidente da República, um Pre-feito têm o papel de conduzir, e a condução requer determina-da firmeza. Mas na verdade eles são a parte fraca. Eles forameleitos pelo povo, pela maioria, que também pode mudar issono curso do mandato – fazer pressão popular sobre eles não éinconstitucional, é uma resistência legítima. Suas decisões têmde ser provadas com argumentos públicos.

A dificuldade é que antes o Presidente da República, osGovernadores de Estado e os Prefeitos das Capitais represen-tavam o Conselho de Segurança Nacional. De acordo com aConstituição autocrática anterior, o Conselho de Segurança

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Nacional era formado pelo Presidente e seus Ministrosdemissíveis ad nutum1. Esse Conselho estabelecia os objetivosnacionais permanentes.

A Constituição claramente declarava a minoridade dopovo brasileiro e a necessidade da sua tutela. Evidentemente,essa minoridade do povo brasileiro se transmitia de imediato àsua representação plural nas casas parlamentares. Portanto dápara entender a jurisprudência que, em 1972, cassou a chama-da Súmula nº 5.

Entendia-se, por essa Súmula nº 5, que um projeto de leide iniciativa do Presidente da República poderia ser sanado, seessa iniciativa fosse viciada. Ou seja, se ela não partisse doPresidente da República, se um Deputado qualquer apresen-tasse o projeto, a iniciativa era viciada. De uma forma ou deoutra, o vício foi apontado, mas acabou sendo superado emPlenário e, aprovado, o projeto chega ao Presidente para a san-ção. Nesse momento, poderia o Presidente deixar de sancionara proposição? Omitir-se, pura e simplesmente? Se ele se omitir,qual é a consequência no nosso ordenamento? Essa é uma açãotácita; ele está colhendo. Ele tem então de vetar aquela lei àqual se opõe e dizer publicamente os motivos de sua oposição.Nesse caso forma e conteúdo outra vez se aliam. A justificati-va não pode ser simplesmente que a iniciativa dele foi usurpa-da. Ele tem de ter um motivo político para isso – discorda dalei por isso, por isso e por isso. E criar um debate público sobreaquela questão.

O que acontecia naquela época? Em uma fundamenta-ção típica, se um Presidente da República representava o Con-selho de Segurança Nacional, e não um povo imaturo, o fato

1Diz-se de ato revogável pela vontade de uma só das partes.

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de Deputados terem usurpado essa iniciativa colocava o Presi-dente da República em uma situação extremamente dolorosa,de pressão popular ilegítima. A pressão popular era ilegítimaporque o Presidente não tinha sido eleito pelo povo – tinhasido nomeado, indicado por esse Conselho de Segurança Naci-onal e seu colégio eleitoral.

Agora a Constituição mudou. Vivemos uma democracia.Nosso Presidente é eleito, nosso Governador é eleito, nossoPrefeito é eleito. No entanto, o Supremo Tribunal Federal man-teve o entendimento nesse aspecto. O Presidente da República,no final do ano passado, foi consultado por um repórter, senão me engano na TV Senado, que indagava isso. O Senadoaprovou o décimo-terceiro do Bolsa-Família por iniciativa deum Senador, e não do Presidente Lula. Portanto seria legítimoo Presidente da República sancionar a lei e não cumpri-la; as-sim ele não ficaria mal com as pessoas. A situação era difícil,mas democracia pressupõe situações difíceis. Seria perfeitamentepossível um Presidente da República como o Lula vir a públicoe dizer: "Eu criei o Bolsa-Família. Mas não há caixa para isso, oorçamento não suporta".

Enfim, essas questões têm de ser ditas e trazidas à luz,para que haja um povo amadurecido. Povo se constrói, não édado. Povo é muito mais que toda a população brasileira reuni-da em um imenso Estado. É um fluxo comunicativo acerca denossos direitos fundamentais que, aliás, envolve gerações pas-sadas, gerações futuras, e é isso o que pode controlar os órgãosmáximos do poder. Para isso é fundamental que mediaçõesinstitucionais abram o debate sobre a coisa pública, as leis quenos regem, o tempo inteiro – ou não há povo. E ouso fazeruma aposta um tanto desafiadora: estamos longe de ser umpovo.

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Não há controle sobre o nosso Legislativo. Ele seautonomizou há muito tempo. Os politicólogos que me perdo-em, mas falarmos de reforma política parece-me cinismo, ouentão cegueira imensa. Não há um mínimo de debateinstitucional. A maioria é construída de forma escusa, por viade aliciamento, não necessariamente como a nossa esquerda –entendendo por esquerda o PSDB – burocraticamente organi-zou, mas na forma antiga – uma mulher, uma fazenda, umemprego para o filho em troca do voto.

Como ficarei discutindo voto distrital, majoritário? Quebobagem é essa, se elegemos para obter vantagens, e não parafazerem leis por nós? Quantas leis são feitas? Outro dia umSenador disse na televisão que o Executivo tinha de melhorar,que a qualidade das medidas provisórias estava dando muitotrabalho a eles. Imaginem! Perdoem-me, mas parece-mesurrealista um congresso internacional de Legística, ou extre-mamente corajoso.

Parabenizo a Assembleia de Minas pela coragem – e pelobrilhante corpo técnico que sempre teve – de debater esse tema.É de fato um tema muito importante a ser discutido, mas adiscussão deve ir além de métodos e técnicas. Quero discutir aquestão do fundamento, porque só há lei se há povo, o que éum problema da União Europeia, a grande discussão entreDieter Grimm e Habermas.

Dieter Grimm, Ministro da Corte Constitucional da Ale-manha, deu um parecer extremamente profundo sobre o Tra-tado de Maastricht, afirmando que a corte aprovava aqueletratado porque não colocava em risco os direitos fundamentaisdo povo alemão. Seria apenas um tratado; de forma alguma erauma Constituição. Por Constituição, Dieter Grimm deixa claroque estava entendendo o que os europeus entendem em geral.

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Atualmente, o Parlamento europeu tem poder de veto àlegislação elaborada, na verdade, pelo Executivo. A Constituiçãofaria com que o Parlamento europeu passasse a ter um papel efe-tivamente legislativo, constituidor e controlador do governo. DieterGrimm diz: "Isso não". A corte alemã não aprovaria isso. Porquê? Porque não há um povo europeu. Não existindo um povoeuropeu, esse Parlamento tenderia a ser um centro de corrupção.Seria um fim para si mesmo. Ele se autonomizaria, já que nãohaveria um povo que o fizesse funcionar.

Habermas, por outro lado, vai dizer todas as condiçõesobjetivas para que o Parlamento funcione. Para o surgimentode um povo europeu, já estão dadas: uma cultura bastante di-fundida, o domínio de uma língua comum – o inglês. Faltaminstituições de mediação que promovam esse debate.

Há muito tempo, temos instituições que não promovemdebate, que não fazem mediação, porque abriram mão do as-pecto formal, procedimental. A maioria tem de ser construídajunto à constituição do que denominamos povo, fluxo comuni-cativo acerca dos nossos direitos, pois só isso pode controlaros órgãos máximos do poder. Não há nada que controle osórgãos máximos do poder, a não ser a cidadania. E não háescola possível para a cidadania; nada nos prepara para ela,somente o risco do seu exercício.

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Conferencistas:Conferencistas:Conferencistas:Conferencistas:Conferencistas:

Painel 4:"Diálogos e conflitos no processo de elaboração das leis"

Cláudia FCláudia FCláudia FCláudia FCláudia Ferererereres Fes Fes Fes Fes FariaariaariaariaariaDoutora em Sociologia e CiênciaPolítica, Professora do Departamento deCiência Política da UFMG

RicarRicarRicarRicarRicardo José Pdo José Pdo José Pdo José Pdo José Pererererereira Rodrigueseira Rodrigueseira Rodrigueseira Rodrigueseira RodriguesDiretor da Consultoria Legislataiva daCâmara dos Deputados

Maria Coeli Simões PiresMaria Coeli Simões PiresMaria Coeli Simões PiresMaria Coeli Simões PiresMaria Coeli Simões PiresDoutora em Direito, Professora daFaculdade de Direito da UFMG, Vice-Presidente do Instituto Mineiro deDireito Legislativo, Secretária Adjuntade Estado de Desenvolvimento Regionale Política Urbana de Minas Gerais

Coordenadora:Coordenadora:Coordenadora:Coordenadora:Coordenadora:

Deputada Gláucia BrandãoDeputada Gláucia BrandãoDeputada Gláucia BrandãoDeputada Gláucia BrandãoDeputada Gláucia BrandãoPresidente da Comissão de Cultura daALMG

Os dados sobre função ou cargo dos integrantes deste painel correspondem à situação à data do Congresso.

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1. Considerações preliminares

Nestes prolegômenos, vem-me em socorro uma metá-fora tomada a Ítalo Calvino, autor de As cidades invisíveis1, que é,antes, uma advertência a todos que intervêm no espaço urba-no.

Poeta o autor que a intervenção na cidade redesenha océu. A lição de Calvino pode ser transplantada para o campoda atividade legislativa, na certeza de que cada lei que ingressana ordem jurídica redesenha o próprio sistema jurídico e a re-alidade que com ele interage.

Com essa reflexão, busca-se traçar o fio condutor daexposição, que se orientará mais pelo sentimento de cuidadono trato da atividade legislativa que pelo propósito de revelardoutrina, investigação analítica, tática, técnica ou metódica dalegislação, objeto de estudos por parte de outros especialistas.

Serão, assim, apontadas vivências e estratos da experiên-cia pessoal junto à Assembleia Legislativa de Minas Gerais, deobsessivo zelo na produção legislativa, sem perder de vista acompreensão de que todo registro de história é uma visãoparcializada dos fatos vivenciados ou apreendidos pelos senti-dos durante o seu desenrolar ou em distinta temporalidade.

1 CALVINO, 2000.

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Como servidora da Assembleia Legislativa de Minas Ge-rais desde a década de 70, em papéis estratégicos de carátertécnico-institucional, a expositora não apenas testemunhou, masvivenciou de forma intensa os momentos da história dos últi-mos 30 anos do Legislativo mineiro.

Dessa forma, os depoimentos serão inevitáveis.Inicialmente, serão feitas breves considerações sobre a

Legística, buscando-se situá-la no plano macro, para, então, trazê-la ao cenário interno.

Na sequência, levantar-se-ão questões relacionadas comos conflitos recorrentes no curso do processo e da produçãolegislativa, com o objetivo de refletir sobre alternativas de con-senso e diálogo.

Assim é que, de logo, em síntese apertada, apropria-sedo que há de estruturado nos assentamentos doutrinários paracaracterização do núcleo de estudo ora pautado.

Legística ou ciência da legislação é a área de conheci-mento que se ocupa do planejamento, da concepção, da elabo-ração e da avaliação das leis, de forma metódica e sistemática,valendo-se de premissas técnico-científicas como coadjuvantesda decisão política de escolha da oportunidade de legislar e dassoluções regulativas; da função redacional destinada à apropri-ação dos comandos definidos; e das ações de controle dos im-pactos ou da efetividade da lei.

Não se pode dizer que a temática do aprimoramento daprodução legislativa tenha sido, ao longo do tempo, olvidadanas investigações e discussões por parte de estudiosos e de téc-nicos do processo legislativo, embora a atenção sobre as pre-missas de qualidade das leis se desse de forma fragmentária, eo tratamento da matéria carecesse de abordagem científica. Emlinha de simplificação, pode-se afirmar que, de fato, contribui-

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ções nacionais e estrangeiras dão conta de que a pauta da téc-nica e do processo legislativos não é recente na discursividadedos Parlamentos e, ainda que em posição ancilar, sempre este-ve presente nas academias, nos campos da doutrina e analíticada legislação.

Do mesmo modo, não se pode relegar a qualidade decertos textos normativos estrangeiros que influenciaram diver-sos sistemas jurídicos e dos nacionais que se tornaram referên-cia de boa técnica de construção legislativa segundo paradigmasque os informavam, a exemplo de códigos brasileiros modela-res, materialização fiel de sua concepção e expressão autênticadas características do purismo lógico-formal, como o CódigoCivil de 1916. Na mesma linha de importância, a Lei de Intro-dução ao Código Civil, de caráter metalinguístico. Ainda quenão explicitadas, as premissas da construção normativa de qua-lidade estavam subjacentes à elaboração dessas leis e antecede-ram, portanto, a abordagem científica do tema.

Certamente, alguém fará objeção ao reconhecimento deboa técnica na experiência de construção da ordem jurídica deíndole formalista, o que há de ser acolhido no contexto da análise.

De fato, resta evidente que a qualidade da lei sob o pris-ma democrático não se expressa apenas pela boa técnicaredacional. Colhem-se evidências de que uma lei de qualidadeem regimes democráticos é mais que estrutura lógico-formal, émais que a coerência textual de seus comandos; é aquela que seconstrói discursivamente, cumpre com os objetivos postos noprocesso de sua elaboração, e que estabelece interaçãocompatibilizada com o ordenamento jurídico vigente e com arealidade a que se destina. É dizer: a qualidade da lei não serevela apenas aos puristas da língua, aos cultores da lógica, aospropósitos da idealidade do "dever ser", ao ego dos que detêm

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expertise nessa seara; ao contrário, o aprimoramento da lei ser-ve ao sistema jurídico e aos seus destinatários e coautores.

Assim é que, contribuições, teóricas ou pragmáticas, no-vos fundamentos, princípios e métodos ganham sistematicidadeem quadra mais recente da democracia contemporânea, quan-do as exigências da sociedade hipercomplexa, da economiaglobalizada, do pragmatismo informado pelo tempo virtual, edas lides democráticas sinalizam a necessidade de decisivo in-vestimento na elaboração legislativa, do ponto de vista materiale processual, desafiando a ciência a autonomizar conhecimen-to capaz de abrigar princípios, técnicas, táticas e instrumentostendentes a assegurar a simplificação, o aprimoramento da lei,a faticidade e a legitimidade de seus comandos.

A Legística surge e ganha lastro associada à ideia degovernabilidade ao influxo de práticas democráticas e reclamesda sociedade; à estratégia de desenvolvimento econômico comocondicionalidade de competição por mercado no campo da eco-nomia global; ao móvel de segurança jurídica, coerência e har-monia do ordenamento; à acessibilidade dos interessados aoprocesso de elaboração da lei e ao seu conteúdo como garantiaemancipatória da cidadania; ao intento de estímulo ao debatepromissor entre sociedade e os circuitos formais de poder epolítica; à necessidade de restauração da credibilidade do Par-lamento como contraponto à descrença dos cidadãos nos insti-tutos da representação e da lei2; e, especialmente, aos propósi-tos de aperfeiçoamento do modelo da democracia.

Tendo como berço a Alemanha com a obra de PeterNoll, de 1973, e, posteriormente, avanços com a avaliação deimpacto dos novos atos normativos, seu culto é disseminado

2 Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais – Projeto Legística, 2007.

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tanto nos países de common law, como Estados Unidos e Cana-dá, quanto nos da civil law , os países franco-germânicos,notadamente no âmbito da União Europeia. Essa, por meio dorelatório Mandelken, oferece ao mundo o que alguns denomi-nam carta de princípios da Legística: evidência da necessidadeda intervenção normativa; relação de proporcionalidade entrecustos e benefícios a serem gerados pela lei; transparência noprocesso; responsabilidade dos legisladores pela aplicabilidadedas leis; e simplicidade das normas.3

Em diversos outros países, verifica-se, também, fortetendência à valorização da atividade de elaboração legislativa edo círculo normativo mais ampliado, tendo por âncora aLegística, como uma preocupação de resposta ao apelo de ade-quação e realizibilidade das leis por meio da avaliação legislativamaterial e do investimento nos mecanismos de comunicaçãolegislativa.4

2. A Legística no Brasil

No Brasil, o Congresso Nacional tem uma tradição deinvestimento na qualidade da legislação, o que rende ao País aposição de destaque na América Latina e, de resto, conta como reconhecimento por parte de organismos internacionais. Esseinvestimento se traduziu no pioneirismo na formação de qua-dro de servidores efetivos e de notória especialização, e, maisrecentemente, na apreensão da mais avançada instrumentalidadeda tecnologia da informação para a democratização do proces-so legislativo. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal

3Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais – Projeto Legística, 2007.4 SOARES, 2007, p.7-34.

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alimentam, também, uma forte produção científica nas maisdiversas temáticas, com ênfase em estudos comparados, e umaprática de manualização recorrente, além de reunirem vastasbibliotecas franqueadas à pesquisa interna e externa. Ambas asCasas Legislativas contam, ainda, com ampla base denormatização das diretrizes e procedimentos relacionados como ciclo normativo e uma engenharia institucional arrojada decomissões, órgãos de apoio, estrutura de mídia e parcerias técnicas.

O Congresso Nacional, contudo, precisa avançar,notadamente, na vertente do planejamento da lei. Tal desafio éainda mais dramático se associado ao de democratização elegitimação do processo e se se tomarem em conta as dimen-sões continentais do Brasil.

Nesse sentido, são necessárias estratégias para garantiada qualidade da lei e para a manutenção da abertura à partici-pação no processo legislativo dos quase 200 milhões de brasi-leiros distribuídos em mais de oito milhões de quilômetros qua-drados. A tecnologia e as comunicações cumprem papel rele-vante, para que seja possível vencer a distância que separa opovo do Parlamento.

Registra-se, também, que, com lamentável atraso, emobservância do disposto no art. 59, §1º, da Constituição daRepública, o Congresso editou a Lei Complementar nº 95/98, que dispõe sobre a elaboração das leis. Conquanto nãoesgote a potencialidade e a complexidade da Legística, a alu-dida norma sintetiza soluções para a qualificação da atua-ção legislativa.

Já o Decreto nº 4.176/2002, que regulamenta a citadalei, apresenta falhas que podem comprometer os propósitos daprópria Legística, tal a complexidade que impôs aos instrumentosdestinados à avaliação de impactos e a outras soluções aventadas.

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Feitas as considerações de natureza contextual, passa-seao relato da experiência mineira de investimento na qualidadeda lei.

3. O pioneirismo de Minas Gerais

No plano dos estados federados, Minas Gerais, no to-cante à Legística, comparece com destaque absoluto. Isso por-que a Assembleia Legislativa muito avançou nessa área de co-nhecimento, embora pela vertente pragmática, em razão damultiplicidade e qualidade dos mecanismos adotados com opropósito de aprimoramento da atividade legislativa. De formapioneira, reuniu, do ponto de vista orgânico ou estrutural, soba ótica material ou das diretrizes técnicas de atuação e, ainda,no plano das relações institucionais, instrumentos capazes deprocessar as pressões sociais e a opinião pública, de interferirem todo o ciclo normativo e de qualificar a intervençãolegislativa.

Em relação à estrutura, deve-se assinalar que a Assem-bleia Legislativa mantém órgãos técnicos de suporte à ativida-de legislativa, de experiência consolidada ou recém-incorpora-dos, que atuam desde a fase exploratória dos problemas empauta, passando pela consulta aos interessados, pela concepçãodas soluções regulativas, pela discussão conteudística, com vis-tas à tomada de decisão, pela elaboração textual, e chegando àfase de deliberação, de divulgação e compartilhamento da pro-dução normativa.

Entre tais órgãos, podem ser mencionados a ConsultoriaLegislativa, que constrói a sua experiência no curso de trintaanos de atuação; os de apoio técnico às Comissões e ao Plená-rio, de longa tradição no Parlamento mineiro; os de redação

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parlamentar, que reúnem reconhecida excelência na área; e aEscola do Legislativo, de história mais recente e que se colocacomo referência no Brasil. Todos contribuem para o qualificadotratamento da função legislativa, seja por sua atuação direta noprocesso, seja pelo desenvolvimento de atividades coadjuvantes.

Quanto aos aspectos materiais, pode-se afirmar que aAssembleia de Minas, notadamente a partir do final da décadade 80, por meio de consolidação, sistematização e reciclagemdo conhecimento acumulado internamente; de avaliação dasdiretrizes técnicas a partir de estímulo à prática de manualizaçãoem processo de aperfeiçoamento e de compartilhamento dosaber; de preparação de interlocutores técnicos; e de iniciativasdiversas, conquistou a validação do capital intelectual, funcio-nal e político voltado para a elaboração legislativa, sobretudopela abertura e maturidade para recepcionar novos investimen-tos, tecnologias, concepções e estratégias. Isso se deveu, tam-bém, à capacidade de estabelecer diálogos técnicos em diversasáreas temáticas e de potencializar criticamente instrumentos,alternativas e soluções. É digno de nota o avanço que se em-preendeu no tocante ao capital intelectual do Parlamento mi-neiro: de acumulação personalizada, o saber ganhou a dimen-são de mais valia institucional, aberto a outros poderes, à soci-edade civil, a outros estados e a municípios, enquanto o corpotécnico vem sendo tomado como referencial pelo domínio dosfundamentos da Legística.

Do ponto de vista institucional, cabe anotar que o con-torno do novo perfil do Legislativo foi traçado já na fase pre-paratória da Constituinte, no bojo de uma representação reno-vada, e ao influxo de reflexões técnico-políticas amadurecidase já permeadas pela consciência coletiva da necessidade e daoportunidade de mudança.

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De fato, a ALMG, no final dos anos 80, animada peloclima de reabilitação institucional e desafiada por fatores vários,especialmente os exógenos – como a pressão dos conflitos emcenário de reabertura política, a complexidade do mister cons-tituinte anunciado e a demanda de soluções normativas atrela-das a conhecimentos tecnológicos –, desencadeou movimentocorajoso de reformulação de sua base orgânica, técnica einstitucional de produção legislativa com o propósito de reno-vação crítica do conhecimento e de especialização temática.Nesse momento, também se desenhou a estratégia de uma novaabordagem das relações entre Parlamento e sociedade e entreParlamento e corpo técnico funcional. A Assembleia abria asuas portas, as quais seriam até mesmo forçadas, se o Parla-mento não acenasse para o acolhimento dos movimentos sociais.

A ALMG realizou concurso público para preenchimen-to de cargos em áreas temáticas da Consultoria Legislativa, pos-sibilitando a agregação de novas inteligências e perfis aos qua-dros funcionais da Casa Legislativa.

Nessa mesma linha, cabe um registro sobre o esforçoanterior da ALMG no campo da informação. Trata-se da inici-ativa, no final dos anos 70, de implantação de um Centro dePesquisas em parceria com o Senado, providência que possibi-litou ao Legislativo mineiro, na década seguinte, avanços signi-ficativos no tocante às informações legislativas e ao desenvol-vimento de projetos de pesquisas institucionais, no campo dapolítica e da História, notadamente.

Na sequência, a iniciativa de buscar a contribuição de em-presa francesa para a informatização do processo legislativo possi-bilitou à Assembleia vanguarda na ampla utilização de ferramentastecnologicamente apropriadas para auxílio ao mister legislativo.Buscavam-se a modernização e a transparência do processo.

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Estavam assentes, também, a preocupação fundamentalcom a qualidade das leis, com a conciliação entre forma e subs-tância e a compreensão de que o empenho reformulador daatuação legislativa deveria ser empreendido em dupla eindissociável perspectiva: a do adequado manejo das técnicaslógico-formais e de conteúdos coerentes e aquela relacionadacom a procedimentalidade em todo o ciclo normativo na buscada superação do culto ao rito, de modo a habilitar a lei, tam-bém, no campo da legitimidade, e, portanto, para além do pla-no de sua validade.

Os marcos reflexivos ancoravam a ênfase na legitimida-de da lei sobre fundamento da necessidade de reabilitação ereconhecimento da própria instituição legislativa, ainda mer-gulhada na descrença da população e no vazio de compe-tências até então absorvidas pelo Executivo hegemônico.Quando a política, no bojo de campanhas desmoralizantes,explícitas ou veladas, era tratada com náusea pela popula-ção, a ALMG chegou à cidadania com a fala aguda de BertoldBrecht5 na crônica do Analfabeto Político, o mote num con-curso de redação, e prosseguiu com ações coordenadas deeducação para a cidadania.

Ainda nessa fase, o Legislativo, ao promover a aproxi-mação com a sociedade, primeiro chegou a receber o achincalheda sociedade, para reabilitar-se em momento posterior.

O Legislativo mineiro, perseguindo uma reflexão técni-co-política sobre papéis institucionais, funcionais e de repre-sentação, construiu, a partir do esforço de suas equipes inter-nas, de formação multidisciplinar, do pensamento plural doParlamento e da interlocução do Poder Legislativo com univer-

5 BRECHT.

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sidades e sociedade civil, um verdadeiro laboratório de Legística,no qual se colocavam a nu as fragilidades da instituiçãolegislativa e se intrigava o seu destino em face do desafio deconstruir nova identidade.

Vem à tona uma advertência do professor Paulo Nevesde Carvalho6, que, compartilhando os grandes desafios de cons-trução legislativa, chegava a espantar fantasmas nas madruga-das do Palácio da Inconfidência, em dedicado trabalho de dis-cussão de temas e construção de proposições.

Notório era o entusiasmo com que o Velho Mestre sededicava às tarefas de construção dos grandes projetos de lei, omesmo com que se referia à caneta do legislador, seu únicoobjeto de desejo, seu ícone de poder.

" – Ah! Sim! A caneta do legislador, como preciso dela!"Ele que estava, antes, acostumado a fazer leis a régua e

compasso, já inserido no quadro de abertura política, dizia danecessidade de que o legislador entrasse na intimidade dos fe-nômenos sociais que seriam objeto da intervenção legislativa.Ele que, durante muito tempo, acreditou no fetiche da lei e noelitismo de sua construção era enfático: "É preciso mergulharna realidade ainda que de colete à prova de balas, acordandoanjos e demônios".

Foi daquele objeto de desejo que ele se apropriou, apósum mergulho no fenômeno social, sem sorrateirice, para escre-ver na Constituição do Estado algo que, na sua leitura, palpita-va na sociedade e que se colocava como expressão mais elo-quente da vontade popular: "A sociedade tem direito a gover-no honesto, obediente à lei e eficaz." (Art. 73, caput, da Consti-tuição do Estado de Minas Gerais.)

6CARVALHO, 1997.

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Pois bem, em clima de densa reflexão, buscou-se na CasaLegislativa potencializar os recursos humanos disponíveis, pormeio de abertura institucional à contribuição plural e criati-va dos servidores, do intercâmbio de conhecimentos técni-cos entre o corpo funcional do Legislativo e o do Executivo,ou da participação em iniciativas acadêmicas, em gruposinterinstitucionais, em discussões temáticas com segmentos, ini-cialmente em processo incremental e, posteriormente, respal-dado pelas institucionalidades de novo arranjo que se arquite-tou para fazer face à realidade juspolítica e, na sequência, aoprocesso constituinte mineiro.

Nesse instante, a Assembleia Legislativa, no plano políti-co e institucional, foi capaz de catalisar conhecimento técnicoe político e todas as possibilidades, para além das posições ide-ológicas e partidárias.

Foi, sobretudo, no ambiente da Assembleia Constituintemineira que o Legislativo estadual empreendeu maiores avan-ços. A bem da verdade, a Assembleia antecipou-se ao processo,cumprindo uma arrojada agenda preparatória, que envolveudesenvolvimento de pesquisas, organização de publicações di-versas, realização de seminários, de concursos públicos, decapacitações, mesas-redondas e audiências.

Fazem parte do arquivo da memória o processo de cons-trução de editais de concursos públicos, o esboço do projetodo Fórum Técnico elaborado a quatro mãos, duas das quaismovidas pelo inconformismo de Leonardo Noronha, os rotei-ros de reuniões de grupos técnicos e o calendário das primeirasaudiências temáticas realizadas para subsidiar a elaboração doanteprojeto de Constituição.

O perfil participativo, forjado na prática constituinte, foiexplicitado no texto constitucional, de modo que, a partir de

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tais marcos, o Legislativo mineiro passou a perseguir ainda maisobsessivamente a sua identidade democrática na prática quoti-diana. Os caminhos e instrumentos dessa construção são diver-sos, e a história recente do Legislativo evidencia tal esforço,por meio do trabalho de grupos de concepção e projeçãoinstitucional, pela utilização de instrumentos democráticos desuporte às práticas de interação com a sociedade e com osdemais poderes, como audiências, fóruns, seminários legislativos,ciclos de debate, pela criação da Escola do Legislativo, espaçopara reflexão política mais crítica, pela manutenção de veículosde comunicação institucional, com a TV Legislativa, entre ou-tras medidas importantes.

Deve-se consignar que o processo de investimento noaprimoramento da função legiferante, ainda incipiente, cami-nhou alheio ao movimento capitaneado sobretudo pela doutri-na europeia no campo da Legística, em especial na vertente dametódica da legislação, cuja contribuição só é apropriada maisrecentemente, desafiada pelos propósitos de problematizaçãodas dimensões político-jurídicas e teorético-decisórias da legislação.

Com isso, não se afirma o desconhecimento por partedo Parlamento dos caminhos da Legística, mas, especialmente,assinala-se que havia preocupação fundamental com a demo-cracia que se instalava e também com a apropriação do conhe-cimento acumulado, reciclado, potencializado, aliando novasvertentes que, de certa forma, em Minas, se antecipam aoscaminhos da Legística.

Com efeito, o aprofundamento da estratégia do pontode vista substantivo assentava-se em suporte doutrinário de basedemocrática, com lastro na moderna hermenêutica constitucional,ainda que na forma de aportes fragmentários de instigantesteorias recém-introduzidas nas academias brasileiras.

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É importante assinalar a contribuição intelectual do pro-fessor Menelick de Carvalho Netto7. Era emblemática a suapresença marcada pela ansiedade e reflexão, aqui metaforizadaem compulsivas baforadas, com que desenhava no ar, em fu-maça fugidia de cigarro, os caminhos para a democratização doprocesso, em permanente conluio com as forças do bem.

O plano de investimento na qualificação da produçãolegislativa, bem assentado na prática laborativa interna, foi, nocurso de sua implementação, potencializado pela estratégia polí-tica de projeção institucional do Legislativo nos cenários mineiro enacional, que envolvia forte componente de mídia voltada para acapitalização dos avanços, redefinição de rumos, monitoramentode uma nova modelagem organizacional por meio de pesquisas,estudos e processo sistemático de interação política e de inserçãonas agendas políticas. Essa parecia a missão impossível do Grupode Projeção Mineira, em cujo seio as divergências e as tensõestiveram suas expressões mais radicalizadas.

O momento atual, que registra estágio avançado de ado-ção dos fundamentos de Legística, é, também, de apropriaçãodas lições aprendidas, de avaliação da história recente e deredirecionamento dos esforços de produção do conhecimentonas áreas de técnica e processo legislativos para o plano daLegística, já então em postura universalizante e de troca, comopressupõe o mister científico.

Na Assembleia Legislativa, a Legística nasceu precoce eseguiu pagã. Que não a batizaram José Sebastião Moreira,

7 Como consultor de carreira da Assembleia Legislativa e Assessor do Processo Legislativo daSecretaria-Geral da Mesa, Menelick de Carvalho Netto integrou o núcleo intelectual estratégicode construção de uma qualificada discursividade no campo do processo legislativo mineiro. Temasjá discretamente pautados na Universidade Federal de Minas Gerais foram compartilhados nafase de preparação do corpo técnico do Legislativo no final da década de 80 e início dos anos 90.

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Darke Baeta da Costa, Adônis Martins Moreira, Antônio Ge-raldo Pinto, Natália de Miranda Freire, nem os outros discípu-los. Suas bases, em Minas Gerais, estão na ousadia e no silênciodos que desafiaram seu tempo.8

4. Dimensão conflitual do processo de produção legislativa– Tensão e diálogo sob o paradigma democrático naexperiência da Assembleia Legislativa

Há de se registrar uma dimensão de conflito quaseimanente ao processo legislativo. A Legística, informada porum paradigma democrático, pode auxiliar na identificação dosfatores de tensão, na formulação de alternativas e, principal-mente, na estruturação do diálogo, para além do patamar dodebate, e das soluções.

A Constituição da República, já em sua exortaçãopreambular, preconiza a sociedade fraterna e pluralista e erigeà categoria de fundamento da República o pluralismo políticoe, ainda, consagra a democracia representativa e indireta.

É sobre essas bases que se deve projetar o processolegislativo, a técnica e a construção legislativa material, em ou-tras palavras, as vertentes da Legística.

Além disso, diante da fragmentação de interesses,conatural à organização da sociedade, as pautas legislativas, demodo geral, já por si geram tensões no processo discursivo,seja porque a intervenção legislativa, apesar de vocacionadapara a generalidade, representa uma leitura parcializada das al-

8 Os servidores nominados e outros do quadro de pessoal da Assembleia Legislativa de MinasGerais, durante longos anos, dedicaram-se a estudos sobre a técnica e o processo legislativo,contribuindo na formação específica e na produção científica nesses campos.

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ternativas de solução, seja porque a lei, como expressão políti-ca do poder do Estado e da ordem jurídica, a todos obriga,com suas dotações positivas ou prescrições negativas. Dessaforma, a lei é, também, uma solução provisória, uma vez que aordem jurídica tende a estabilizar novas expectativas ou pre-tensões que ganham força no fluxo comunicativo.

De fato, definir matrizes de condutas significa, a um sótempo, censura e acatamento de padrões sociais; estabelecercomandos impositivos de conformação de políticas públicasrepresenta acolhida a ponderações variáveis e até legitimamen-te ideologizadas e afastamento de outras; fixar critérios legaisalocativos de recursos especialmente em face de limites contin-gentes e demandas concorrentes corresponde a uma abstrataarbitragem da disputa pelas disponibilidades orçamentárias, coma definição das que se devem contemplar e das que se devempreterir.

Em síntese, ao mesmo tempo que restringe, a lei ampliaas possibilidades pessoais e vice-versa. Por isso, a opçãoregulativa em qualquer das expressões, ou, em outros termos,a definição de prioridades estatais é um exercício dinâmico etensional, cuja conformação democrática pressupõe a discus-são, o debate, ou, em melhor estágio, o diálogo.

A ordem democrática, por óbvio, demanda, cada vezmais, transparência para as questões públicas, em função dadiscursividade e do diálogo. É dizer: as soluções da esfera pú-blica devem ser definidas ou concertadas em público, demo-cratizadas as informações pertinentes.

Élida Graziane Pinto9, discorrendo sobre essas disputas,em especial no plano alocativo de recursos, adverte que, ao

9PINTO, 2006, p. 25.

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longo do ciclo normativo, não raro, têm lugar certas"intransparências", neologismo por ela tomado a Habermas paraexpressar o tratamento de dadas questões não tematizadas ouinterditadas no seio do processo deliberativo discursivo.

E mais, há determinadas questões que, tematizadas, in-gressam no imaginário dos atores sociais com certa blindagemno tocante a possíveis pontos de divergência e, desse modo,não apresentam, também, permeabilidade à lógica discursivo-procedimental que informa o marco constitucional democráti-co vigente no País.

Como a Legística pode ajudar no caso das "intransparências",ou auxiliar na descoberta do que não está dito?

Questões existem, ainda, que fogem ao plano de interes-se mais generalizado, por envolverem tecnicalidades específi-cas, como as relacionadas com as soluções de inovação paraum dado setor, ou por não representarem apelo social explíci-to. Também, nesses casos, a Legística pode contribuir para aleitura do ambiente das disputas, para a viabilização de alterna-tivas de decodificação de impactos potenciais, positivos e nega-tivos, para a avaliação de custos das soluções, e para o estímu-lo à projeção da cadeia de interesses, com a identificação deinterlocutores, entre outras possibilidades.

Acolhida sob o paradigma democrático, a Legística apre-senta-se como suporte a reflexões acerca de diretrizes materiaisda elaboração legislativa e, especialmente, dos processos jurídico-discursivos de circulação do poder. Isso com o objetivo de atenderao apelo permanente de legitimidade pela via da participaçãodireta ou indireta dos interessados, subsidiando a análise e autilização de instrumentos e canais institucionais de participaçãoe a compreensão da dinâmica e das peculiaridades dos proces-sos decisórios democráticos. É, capaz, portanto, de subsidiar o

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diálogo técnico-político de composição de conflitos materiais eprocessuais.

Pela vertente substancial, a Legística tende a colaborarna identificação do problema e de sua gênese, por meio detécnicas de leitura das reivindicações do corpo social (veicula-das pela mídia, por grupos de pressão, pela comunidade cientí-fica, por organizações civis ou por partidos políticos) ou dasdemandas da ordem estatal; na apreensão e apreciação da reali-dade e do ordenamento com vistas a relativizar o impulso legiferante,como uma ciência que socorre a própria ordem jurídica contra ofuror legislativo, inibindo a produção desnecessária de novas leis.Ela responde, assim, pelo contrafluxo da própria investidalegislativa. A Legística oferece recursos para o inventário dedemandas correlatas, com vistas à racionalização da agendaparlamentar; para a análise do ambiente primário da proposi-ção legislativa e dos domínios conexos e delimitação do campo deintervenção; para a projeção de cenário, com vistas à definição doslimiares de nocividade e dos meios concretos de evitar os riscos,atividades que se enquadram na ampla noção de planejamento.Pode subsidiar a escolha das soluções e dos tipos de instrumentosnormativos, desde os prescritivos até os de parceria; e, por fim,oferecer a base principiológica e as técnicas de avaliação prospectiva,com foco nos reflexos multifuncionais da legislação.10

5. Discurso de Justificação

A doutrina, no campo da hermenêutica constitucional, dis-tingue os discursos de justificação e de fundamentação, conside-rando o primeiro como o deduzido do código da política e que

10 DELLEY, 2004, p. 101-143.

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envolve as razões que informam a opção do Estado por uma in-tervenção legislativa; e o segundo, como o conjunto dos argumen-tos deduzidos do código do direito, e que tendo em vista a situaçãoconcreta, articulam a interpretação jurídica pelo administrador ou juizna construção da norma individualizada como solução de adequação.

Tomando-se como pressuposta a compreensão da dis-tinção, por apelo didático, assinala-se, com base em doutrinarecorrente, que a diferença entre os discursos legislativos dejustificação e os discursos judiciais e executivos de aplicação éque os primeiros são regidos pelas exigências de universalidade eabstração e os últimos são informados pelas exigências de respeitoàs especificidades, às diferenças e à concretude de cada caso.

Conforme Gunther11, uma justificação discursiva de nor-mas válidas tem que assegurar que a observância geral de umanorma represente um interesse universal, de tal modo que umanorma seja então justificada se todos puderem aceitá-la devidoàs razões apresentadas. Assim, a validade ou vigência deve le-var em conta as características descritivas que sejam iguais emtodos os casos a que se devam aplicar como representação deum interesse universal, isto é, o discurso de validade tem a vercom a identidade de características das hipóteses reguladas.

Já o discurso de aplicação busca densificar as normasgerais e abstratas com o propósito de produção das normasindividuais e concretas, o que se opera à luz do que KlausGunther denomina de senso de adequabilidade, capaz de tra-duzir o justo concreto. Para Gunther, a norma particularizadapara o caso concreto ou adequada para a sua resolução é aque-la resultante da interpretação coerente de todas as normas vá-lidas, aquelas que podem, a priori, ser a ele aplicadas.

11 GÜNTHER.

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A Legística, ou Ciência da Legislação, apresentando comoobjeto a atividade legislativa e envolvendo técnicas e princípiosde concepção da lei ou de escolha de soluções normativas, temespaço para o tratamento do discurso de justificação ou pon-deração de valores, a envolver as razões que informam a op-ção do Estado por uma intervenção de natureza legislativa.Isso não significa que a atuação legiferante seja tratada exclusi-vamente pelo código da política, nem que a Legística seja sufi-ciente para qualificação e diversificação de tal discurso.

Esse discurso de justificação, à luz do ordenamento de-mocrático constitucional brasileiro, deve ser travado em am-plas arenas, acessíveis aos possíveis destinatários, interessadosou afetados; há de ser apreendido no seu contexto e densificadopor diversas áreas do conhecimento. Num estado democrático,tal discurso alimenta-se pela participação legítima e deve ser,enquanto processo, condição de legitimidade.

6. Legitimidade em sucessivos paradigmas e sua recons-trução democrática

A legitimidade é atributo importante da arquitetura daordem jurídica, capaz de projetar o acatamento de seus coman-dos pelos seus destinatários. Seu conceito, ressemantizado his-toricamente, assume, em sucessivos paradigmas, conteúdos evinculações específicas.

Com o propósito de traçar os marcos principais dessaevolução, passa-se a brevíssimos registros, a partir de suple-mentos colhidos de Kasla Garcia Gomes Tiago de Souza.

Na antiguidade clássica, entre os gregos e os romanos, nãose fez referência à legitimidade, embora estivesse presente a ideia deum poder teocrático, derivado de entidades religiosas, mitológicas.

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No período imediatamente posterior, a doutrina teológi-co-política atribuiu explicitamente ao Poder um fundamentodivino.

A partir do século XII, e notadamente no século XIV,desenvolveu-se a consciência política que buscou questionar arelação vertical de transcendência sob o paradigma teológico,base da lógica de poder e dominação. Superou-se a compreen-são da lei como dádiva divina, vinculando-se a autoridade polí-tica a outros fundamentos.

O Século das Luzes – XVII – inaugurou a concepçãosupra-humana da legitimidade política fundada nos poderes darazão.

A partir do século XVIII, passou a prevalecer o culto àlei, e a legalidade tornou-se o princípio mais importante do di-reito político. Por consequência, a legitimidade, segundo a lógi-ca da racionalidade, passou a ser assegurada pela legalidade,que pressupõe um sistema constitucional no qual se inseremtodas as leis.

O Positivismo Jurídico afirmava que a legitimidade de-corria do formalismo da regularidade jurídica e mais especifi-camente de uma postulação técnico-racional neutra com rela-ção aos valores. A fé na razão e na força de lei baseada emconhecimentos científicos impedia a qualificação da lei comoinstrumento de transformação social, assim como a sua avalia-ção em face das variáveis da realidade de sua aplicação.

Ainda no século XVIII, contudo, ganhavam lugar teoriasantirracionalistas, nas quais a experiência histórica começava adisputar espaço no conceito de legitimidade.

Os esforços de tematização da legitimidade prosseguem,sem que se possa identificar linearidade na compreensão doatributo, nem mesmo sob a égide do paradigma democrático.

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Para Norberto Bobbio12, legitimidade e legalidade sãodissociadas. Segundo ele, se uma regra de direito pode ser váli-da sem ser justa, da mesma forma, poderá um Poder, em umEstado, ser legal sem ser legítimo. Para o autor, legitimidade elegalidade são atributos do poder; a primeira é requisito datitularidade e a segunda, atributo do exercício do poder. Se-gundo o autor italiano, o poder é legítimo quando aquele que odetém o recebeu por justo título. Já a legalidade decorre doexercício do poder embasado na lei que o criou ou reconheceu.

Diversas são as concepções divergentes.No atual paradigma, na ausência de um consenso quan-

to ao conceito de legitimidade, busca-se então o processo delegitimação do poder nas sociedades políticas modernas. Nessesentido, a contribuição de Habermas é fundamental.

Para Habermas13, a ordem jurídica moderna encontratentáculos de sua legitimidade na premissa da autodetermina-ção, uma vez que os cidadãos devem se reconhecer como au-tores da lei a que se sujeitam como destinatários, o que seviabiliza no âmbito do modelo comunicativo. O autor, ao sus-tentar a construção legítima do direito pela via do poder comu-nicativo, assinala que a prerrogativa de participação política deveser instrumentalizada por um processo institucional de forma-ção de opinião e de vontade públicas, tendentes a sustentardecisões acerca de políticas e de leis.

Esse processo desenvolve-se por meio de formas de co-municação, que consubstanciam o princípio do discurso nasvertentes cognitiva e procedimental, a primeira a favorecer aaceitabilidade racional e a última a fundamentar o consenso.

12 BOBBIO, 2000.13 HABERMAS, 1997.

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A lógica discursiva da legitimidade associa o atributo emqualquer tipo de norma à aquiescência de todos os participan-tes por ela afetados à solução que nela se contém. Eis o quealguns denominam de papel persuasivo da Legística, que buscasubstituir a força coercitiva do poder estatal pelo padrão deacatamento da norma, autorreconhecimento no processo de suaformulação ou convencimento quanto à sua qualidade comoexercício do intelecto. Aqui certamente está a justificativa de umaafirmação popular: "Há leis que pegam, e há leis que não pegam".

O processo de interação dos possíveis destinatários, in-teressados ou afetados, ou a relação comunicativa destinatários –legislador é tão mais intensa quanto mais vigorosa a atitudeemancipatória dos participantes, mais propícias as condições deinformação no tocante às pautas de interesse e mais adequada aavaliação legislativa sob a perspectiva de razoabilidade e faticidade.

Vê-se que a Legística presta-se a colaborar para a legiti-midade do processo, notadamente por meio da qualificação dodiscurso de justificação em sua vasta abrangência, e poderá sermais ou menos efetiva em razão da estrutura que suporta o seudesenvolvimento; do patamar cultural que a sustenta; da relaçãoentre capacidade técnica funcional e responsabilidade parlamen-tar; do grau de maturidade da democracia e de organização dosdados relativos às políticas públicas, à população e à ordem territorial.

7. Interesses de minorias/acordos de liderança

Conflitos peculiares são os que se travam em torno deinteresses de minorias.

Sabe-se que o critério legislativo de decisão é o de vota-ção por maioria, simples ou qualificada, o que leva os Gover-nos, de um modo geral, a manterem ampla base de apoio par-

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lamentar como condição de garantia de uma certa unidade emtorno dos respectivos projetos político-administrativos. E, as-sim, ainda que se considere a base de sustentação a partir degrandes partidos, há de se compreender que, pelo seu veio derepresentação da sociedade, o grupo parlamentar, em sua atu-ação, reflita conflitos em torno de interesses fragmentários. Emoutras palavras, a própria base, integrando o sistema político,deve, também, processar as pressões da opinião pública e daracolhida a demandas de minorias.

Tal estratégia, por si, já projeta o conflituoso agrupa-mento de minorias, o que se colhe de lições de Paul Singer,segundo o qual se pode afirmar, em caráter de simplificação,que a maioria é um agregado de minorias, tal o processo defragmentação inerente à sociedade, multifacetada e plural.

A via que normalmente se estabelece é a do consenso,na qual a votação é apenas uma formalidade, já que as deci-sões ocorrem efetivamente na esfera dos acordos de liderança.

Nesse sentido, os acordos de liderança não sãoexcrescência e sim expressam o espaço de construção de solu-ções pelo diálogo, para além do debate, já que, por meio deles,não se investe no processo de convencimento, mas no de recí-procas concessões. E se assim é, assentam-se os acordos deliderança na dimensão conflituosa de interesses de minorias.

8. A Institucionalização do lobby

Tem-se consolidado de maneira prática entre os estudio-sos da Legística o entendimento de que o processo da produ-ção legislativa não deve ser indiferente ao fenômeno dos lobbies.

Interpretado de forma preconceituosa no Brasil, o lobby– a profissionalização da atividade de vocalização das deman-

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das dos grupos de interesse – é absorvido e controlado peloEstado nas democracias mais consolidadas do mundo ocidental.

É certo que, em Minas Gerais, a prática democrática eas necessidades concretas exigiram da Assembleia Legislativaque ela desenvolvesse mecanismos capazes de integrar os di-versos segmentos aos processos decisórios. Ao fazê-lo, buscousuperar a compreensão dos lobbies em sua fisionomia tradicional.

Tomando o desenvolvimento democrático como o am-biente propício à organização dos grupos de interesse para avocalização de suas preferências e anseios, o Legislativo apre-endeu esse fenômeno de forma positiva, criando mecanismosconstitucionais e institucionais adequados à apresentação e àdiscussão de propostas do conjunto dos segmentos sociais edos grupos de interesse. Dessa forma, a sociedade civil e osatores do mercado ingressam na ALMG pela porta da frente,sem necessidade de conluio e barganha para o acesso pelosporões da instituição. Uma lição aprendida na busca de "olha-res suspeitos à sombra de óculos escuros".

É bom assinalar, que, quando se fala de participação dasociedade civil, não se pode ter em mente uma legião de anjos,mas grupos de interesses, na maior parte das vezes legítimos. Omesmo pode ser dito em relação aos atores do setor produtivoou do mercado.

E não podem ser excluídos das arenas públicas os legíti-mos grupos de interesses da sociedade civil e do mercado,notadamente numa democracia em construção e numa econo-mia capitalista que se estrutura sob pilares do setor produtivo.A experiência deixou claro que contra a manipulação de seg-mentos sociais, alguns profissionalizados, e de grupos de inte-resses econômicos, corporativos, o contraponto são a interlocuçãoqualificada, o conhecimento temático e a cena pública.

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A estratégia dos seminários legislativos, fóruns técnicose audiências públicas, o trabalho da TV Assembleia e a sistemá-tica de divulgação das atividades parlamentares são expedien-tes desenvolvidos em Minas Gerais para a apreensão e ainstitucionalização da participação, tendo em vista os interessesplurais da sociedade e do mercado.

9. Conflito de temporalidades

Outra perspectiva conflituosa importante é a dastemporalidades que orientam as tomadas de decisões do Exe-cutivo, do Legislativo e do Judiciário e que, direta ou indireta-mente, têm convergência para o ciclo normativo.

De fato, relevadas as polêmicas que o tema suscita, con-siderando-se a associação temporalidade – Poder Estatal, queidentifica como tempo balizador da atuação do Executivo (o pre-sente); do Judiciário (o passado); e do Legislativo (o futuro) –,pode-se inferir que, no ciclo normativo, o encontro dessastemporalidades pode provocar conflito.

O Executivo, de um modo geral, dominado pela culturada pressa e pelo senso imediatista, e mais demandado no planopragmático, volta sua atenção para as necessidades emergenciais,canalizando os esforços para a resposta à situação problemáti-ca contemporânea à intervenção normativa, com ressalva paraos estadistas e os gestores públicos visionários; o Judiciário,voltando o foco, de modo especial, para as situações pretéritas,baliza a sua participação pelos parâmetros da segurança jurídi-ca; enquanto que o Legislativo busca estabilizar expectativaspara o futuro próximo ou distante.

Situação conflituosa se estabelece quando o Legislativo,perdendo de vista as expectativas da sociedade para a regulação

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do futuro, busca, concretamente, compor a situação passada,com invasão da seara do Judiciário. Eis a situação em que oLegislativo busca retroceder seu poder sobre situações consti-tuídas, para vulnerá-las, ou, no impulso de proteção, atribuir,retroativamente, direitos a título de privilégios. Assumindo, ou-tras vezes, a seara do Executivo, o Legislativo deixa de estabili-zar expectativas gerais, para focar o presente e legislar concre-tamente, assumindo, materialmente, a seara do Executivo e,não raro, gerando dificuldades que passam ao largo das preo-cupações do Parlamento.

No afã legiferante, que faz com que se proliferem asnormas da ordem jurídica e suas antinomias, os três Poderessão concorrentes, seja em plano metajurídico, seja a título dedensificação de princípios e preceitos, com a vulneração dasegurança jurídica.

As atitudes invasivas dos Poderes, ou que extrapolem oslimites estritos das áreas de atuação secundária de cada qual,potencializam o conflito, com prejuízo para a efetividade domister estatal e com desdobramentos de desgaste institucional,entre outros.

Ademais, parece haver consenso quanto ao fato de queo tempo do poder político atropela o tempo da reflexão.

O alargamento do círculo normativo para abrigar ascompreensões, falas e manifestações do Judiciário e da Ad-ministração Pública, na arena discursiva, pode ser o cami-nho para evitar ou superar confl itos, não apenas detemporalidades, mas de outra natureza. É dizer: há neces-sidade de melhor diálogo das fontes, de conhecimento dasdoutrinas, da jurisprudência e das leis, que devem ser trazidasà discussão. Esse movimento ajuda na composição detemporalidades conflitantes.

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10. Legislação de caráter prospectivo

Ainda no que tange à existência de diversidade e consen-so no processo legislativo, cabe uma observação acerca da ten-dência contemporânea de aumento da legislação de caráterprecipuamente prospectivo.

Os projetos de lei que veiculam soluções dessa naturezabuscam estabilizar expectativas que possam beneficiar "futu-ras gerações", soluções, de um modo geral, associadas ao esta-belecimento de restrições à propriedade e às atividades econô-micas em especial, abrindo espaço para conflitos. É evidenteque toda lei tem uma dimensão de futuro, mas aqui são trata-das as que buscam um futuro distante.

Embora já se tenha evoluído a consciência acerca danecessidade de preservação da natureza, da memória, da cultu-ra, e tenham os referidos projetos importância na ordem con-temporânea, as dotações jurídicas estabelecidas em atonormativo precipuamente prospectivo normalmente não moti-vam a sociedade. Esses projetos acabam se revelando sem pro-veito imediato para a população contemporânea à sua elabora-ção e tramitação. A sociedade fica à margem porque ela não secoloca como beneficiária das soluções ou porque não conseguesintonizar-se com os conteúdos, às vezes veiculados em lingua-gem hermética voltada para garantia de poder, ou de blinda-gem à crítica. Nesse caso, a dimensão conflituosa se vislumbraa partir da vertente da atuação de ativistas, de ONGs, de mo-vimentos organizados, de um lado, e da reação de minorias dossetores econômicos afetados pelos comandos restritivos, de outro.

A lei voltada para um tal propósito é bandeira dos movi-mentos sociais pela sustentabilidade e, ao mesmo tempo, é to-mada como entrave ao desenvolvimento pelos diretamente afe-

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tados por ela. Nesse quadro, a tensão que se estabelece é entredesenvolvimento e sustentabilidade.

Os conflitos potencializados pelas leis prospectivas re-presentam fatores dificultadores das políticas públicas em áreascruciais e ameaçam a eficácia da ordem jurídica. A Legísticapode trabalhar com essa referência e oferecer mecanismos paraa discussão, por exemplo, dos interesses econômicos em facede leis dessa natureza, ou oferecer estratégias para pautas rela-cionadas com direitos transgerencionais.

11. Prerrogativas colegislativas

O ciclo normativo encerra, também, oportunidades detensões, conflitos e debates entre os atores participantes, espe-cialmente em face das prerrogativas colegislativas. E não hácampo tão fértil para as disputas como o dessas prerrogativas.

Elas envolvem a iniciativa, a sanção, o veto, a derrubadade veto e a promulgação pelo Poder Legislativo. A iniciativa e asanção fazem parte de uma cadeia natural do ciclo normativo,mas as três últimas prerrogativas correspondem a um contrafluxodo ciclo e, por tal motivo, já carregam o estigma do embate,podendo potencializar o conflito, que, às vezes, é silencioso,como no caso da sanção tácita.

Aqui, não há espaço para o estudo aprofundado dasespecificidades de cada qual, mas faz-se um aporte básico so-bre essas prerrogativas com vistas a projetar-lhes a dimensãode conflito.

A iniciativa legislativa surge, não raro, em contexto depressão por mudança de um dado quadro problemático, tendo,então, gênese conflituosa. O impulso legiferante pode ser, tam-bém, motivado pela necessidade de estabilização de expectati-

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vas processualmente amadurecidas ou técnica e racionalmenteprojetadas para conformação de uma nova ordem. Em ambosos casos, o manejo adequado da iniciativa previne conflitos, osquais ocorrem por superposição da atuação legislativa ou pordesconsideração, nesse exercício, dos limites previstos no art.61 da Constituição da República para cada Poder no condomí-nio legislativo.

Independentemente da gênese conflituosa, o ciclonormativo pode potencializar conflito no curso de seu desen-volvimento, tal como ocorre no tocante a iniciativas em princí-pio pacíficas e que ganham polêmica em razão de articulaçãodos atores afetados, notadamente minoritários.

A sanção é igualmente prerrogativa constitucional e apre-senta-se como atuação integrativa do poder estatal, como aqui-escência expressa ou tácita do chefe do Executivo ao conteúdonormativo e ao exercício formal revelados na intervenção ope-rada na ordem jurídica.

A hipótese de sanção tácita ou velada normalmente tra-duz embate silencioso entre o Executivo e o Parlamento. Emcaso de configuração da hipótese, a finalização do fluxonormativo pode ser garantida pelo Parlamento por meio dapromulgação.

Já o veto corresponde à reação do chefe do Executivo àProposição de Lei com o objetivo de obstaculizar o fluxonormativo, parcial ou globalmente, pela sua interdição, pelomenos provisória, à integração da norma à ordem jurídica. Oveto desafia a solução legislativa por razões de conveniênciaou de incompatibilidade com a matriz constitucional. Assinala-se que a ausência de planejamento da legislação acaba por serfator que pressiona as alegações de inconsciência para o inte-resse público. A questão remete a atenção para a importância

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da projeção de custos da lei, de efeitos diretos ou convexos ede identificação dos jogos das variáveis independentes.

A derrubada do veto é, na lógica do paralelismo, a rea-ção do Parlamento à tomada de decisão do chefe do Executivoe tem o fito de restabelecer o ciclo normativo para integraçãoda lei à ordem jurídica.

12. Parâmetros constitucionais, legais e regimentais paraa atuação do legislador e conflitos decorrentes de suainobservância

A Legística auxilia, também, na prevenção ou solução deoutro conflito recorrente na prática legiferante, qual seja o de-corrente da relação da norma em discussão no Parlamento como sistema jurídico. Pode, assim, interferir nos desdobramentosda relação no tocante à validade ou vigência e à eficácia da lei.

A fundamentação filosófica do direito positivo tem vá-rias contribuições, mas certamente a mais proeminente é a deHans Kelsen14, que ancorou sua teoria na ideia de pirâmidehieráqruica das normas. No raciocínio do Mestre de Viena,todas as normas convergem para um vértice central: a normahipotética fundamental, que não é uma norma posta, mas pres-suposta, idealizada por Kelsen com a intenção de conferir uni-dade e completude ao ordenamento jurídico.

Trabalho hercúleo e custoso é o de impedir a colisão denovas normas oriundas do Parlamento com a Constituição, quese põe no ápice do sistema jurídico. É tarefa custosa, pois, mui-tas vezes, representa censura aos anseios sociais externados juntoao Poder Legislativo.

14 KELSEN, 1998.

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É certo que o Direito não pode ser visto como um fimem si mesmo, fechado e infenso às pressões sociais. Entretanto,as balizas constitucionais são a inescusável garantia dos direitosfundamentais contra o próprio arbítrio estatal e travam a ma-triz mesma da cidadania. Por isso, a função legislativa, apesarde ser a de maior discricionariedade entre as funções do Esta-do, é condionada pelos limites positivos e negativos estabeleci-dos na Constituição.

Algumas dessas balizas estão inseridas no art. 5º, comoas previstas nos incisos: (XXXV) "A lei não excluirá da apreci-ação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". (XXXVI)"A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfei-to e a coisa julgada". (XLXXX) "A lei penal não retroagirá,salvo para beneficiar o réu". (XL) "A lei só poderá restringir apublicidade dos atos processuais quando a defesa da intimida-de ou o interesse social o exigirem".

O art. 60 da Constituição da República de 1988, a seuturno, impõe limites formais e materiais à atuação do constitu-inte derivado.

De resto, em toda a Seção VIII do Capítulo do PoderLegislativo da Constituição da República estão estabelecidosparâmetros que devem ser observados pela União e que sereproduzem nas Constituições dos Estados federados e nas LeisOrgânicas municipais com as adaptações necessárias.

Na mesma seção, deve ser destacado o comando doart. 59, parágrafo único, alusivo a lei complementar quedisporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolida-ção das leis. Atendendo ao dispositivo, a Lei ComplementarFederal nº 95/98 disciplina a matéria. Nesse particular,pode-se falar de um instrumento básico de política públicana legislação.

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Tais disposições, contudo, não esgotam a moldura da atu-ação legiferante; há condicionamentos decorrentes da partilhade competências, das normas básicas de políticas públicas, in-cluídas as relativas a vinculações de gastos, outras implicaçõesdo federalismo e da pormenorizada explicitação de comandosconstitucionais que inibem o legislador ou lhe assinalam limitese possibilidades.

Quando o Legislativo edita normas incongruentes comas matrizes constitucionais e extrapola limites preordenados pelosistema, os Poderes Executivo – por meio do veto – e o Judici-ário – mediante o controle de constitucionalidade das leis –têm o poder-dever de impedir que prevaleça a norma outsider.

13. Conflito federativo

O processo legislativo relaciona-se, de modo intenso, como modelo de organização do poder vigente nos Estados, sendoque, numa Federação, a complexidade da matriz de competên-cias dos entes que a compõem e a pluralidade de ordens jurídi-cas parciais na unidade do ordenamento global tendem apotencializar conflitos.

No bojo da República Federativa do Brasil, enunciadano art. 1º da Constituição Federal de 1988, reconhece-se a exis-tência de diversas esferas, cuja autonomia é assegurada, entreoutros fatores, pela capacidade de legislação própria.

No modelo interno, tal capacidade é reconhecida à União,aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, com privaci-dade no exercício de determinadas competências.

No entanto, nem a existência de competências privativasou exclusivas conferidas aos diversos entes federados elide aimperiosa necessidade de que a competência de cada qual para

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deliberar acerca de seus interesses deva ser exercitada de modoa não interferir negativamente nos interesses do conjunto fede-rativo.

Configura-se, nesse aspecto, a "união indissolúvel", deque trata o referido art. 1º da Constituição da República, por-quanto a inter-relação entre os diversos entes federativos im-põe inarredável atuação harmônica entre eles.

A dimensão de conflitos pode ser apreendida no contex-to do exercício legiferante em desacordo com a matriz consti-tucional de competências e em discrepância com os interessesde outro ente federativo ou do conjunto deles. Igualmente podeser notada quando caracterizada a lógica competitiva no âmbi-to da Federação, em prejuízo da orientação cooperativa quedeve presidir as relações.

A inobservância das balizas constitucionais, legais e regi-mentais estabelecidas para a atuação do legislador no tocanteao processo e ao exercício material da função legislativa, à suavez, suscita a discussão dos limites entre Política e Direito.

É certo que, equivocadamente, já se defendeu a inde-pendência das esferas política e jurídica como um suposto darelação constitucionalismo e democracia. As relações entre asduas esferas, contudo, devem ser tomadas emcomplementaridade, e os próprios conflitos federativos, em faceda função legislativa, não podem ficar circunscritos ao sítio daPolítica, mas inseridos também na esfera do Direito.

Em linha de simplificação, pode-se assentar a análise darelação Política e Direito sobre o substrato da teoria sistêmicade Luhmann15, para quem a sociedade hipercomplexa compor-ta uma diferenciação funcional dos sistemas sociais em que o

15 LUHMANN, 1997.

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Direito e a Política comparecem, juntamente com outros siste-mas parciais, em processo de interação e de intercomunicação.É dizer: a diferenciação funcional comunica-lhes, ao mesmotempo, autonomia e interdependência. Cada subsistema relaci-ona-se, assim, com outros subsistemas que assumem a condi-ção de ambiente.

Na lição de Luhmann, nenhum sistema pode nascer e sereproduzir em bases exclusivamente autorreferenciais. Daí, por-que a política pode ser juridicamente relevante, e suas infor-mações processadas segundo o código jurídico. A distinção entreos sistemas de Política e Direito pode ser sintetizada da seguinteforma: a política opera segundo o código próprio que se traduz noesquema binário "governo/oposição"; "maioria / minoria"; "maispoder/menos poder", o Direito, segundo o código "lícito/ilícito".

A atuação da política volta-se para a fixação programáticade caráter teleológico e busca estabilizar, ainda que semdefinitividade, por meio da lei, expectativas congruentes de com-portamento, com o que vincula a coletividade. O processo decomunicação política, que se dá de acordo com seu esquemabinário, apresenta características de grande permeabilidade emenor seletividade das informações.

Já no âmbito do sistema do Direito, opera-se com pro-gramas condicionais, e a perspectiva de definitividade de suasdecisões mediante processo comunicativo alimentado por in-formações mais seletivas, orientadas pelo código "lícito/ilícito".

O acoplamento entre os dois sistemas é estabelecido pormeio da Constituição, do que decorre que as deliberações daPolítica, essencialmente a edição das leis, devem ocorrer emconformidade com o Direito.

Dessa forma, embora seja a opção legislativa a máximaexpressão da discricionariedade das funções estatais, que se exer-

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cita paradoxalmente como atividade her menêutica doordenamento que se altera e da realidade que se apreende sobfoco da regulação, as questões relacionadas com a produçãolegislativa suscitam embates que podem transcender o sistemapolítico e, então, invocar o manejo do código jurídico na exegesedas normas que disciplinam a elaboração legislativa e as deci-sões do Poder Legislativo, justificando o controle pelo PoderJudiciário.16

De todo o exposto, fica evidenciado que não é possívelmais fazer leis apenas com régua e compasso; outros cuidadose instrumentos são necessários. A Legística certamente não po-derá fornecer todos eles, mas poderá trazer alguns recursospara a construção de uma lei melhor. As Casas Legislativas pre-cisam abrir-se a novos conhecimentos sociológicos, jurídicos,para que possam trabalhar não só os cenários da lei e a suaefetividade, mas a sua efetividade com legitimidade. É necessá-rio potencializar o diálogo e tomar a cena pública comocontraponto para as dificuldades dos conflitos. Há que se tra-balhar com o código da Política, mas ele deve ser circunstanci-ado pelo seu ambiente, o qual reúne outros códigos. É necessá-rio saber fazer a leitura das demandas e das soluções em focopor códigos diversificados, apreender as "contratécnicas", so-bretudo as do Legislativo.

Por fim, registra-se um fragmento de um poema de Pau-lo Leminski17, que pode auxiliar na apreensão da contribuiçãoda Legística e na (re)construção do saber nessa seara a partirde uma postura crítica e problematizante da novel ciência: "Onovo não me choca mais. Nada de novo sob o sol. Apenas o

16 BERNARDES JR., 2005.17 LEMINSKI, 1983.

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mesmo ovo de sempre choca o mesmo novo." Legística é onovo nome de todo o esforço e cuidado com a técnicalegislativa, com o processo legislativo, com a construçãonormativa.

Em Minas Gerais, de modo especial, a partir derepositório de informações, ideias e saberes, a Legística, con-quanto não seja panaceia, pode ser a via de renovação eproblematização do conhecimento no tocante à elaboração dalei e de qualificação da lei como direito fundamental e constru-ção da cidadania democrática, para além das pautas de proces-sos, ritualísticas e formas.

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Tratarei, nesta palestra, de dois conflitos e um diálogo:conflito entre forma e conteúdo e conflito entre o conheci-mento técnico ou jurídico e a dimensão política na elaboraçãodas leis. Será uma abordagem pragmática de quem trabalha naelaboração legislativa.

O processo legislativo na Câmara dos Deputados passaessencialmente pela Consultoria Legislativa. Atendemos nadamenos que 97% dos parlamentares. Não me refiro aos 513,mas à totalidade dos parlamentares, entre titulares e suplentes,que muitas vezes chega a 530 em qualquer ano. Noventa e setepor cento desse quadro solicita serviços da ConsultoriaLegislativa. Realizamos em torno de 20 mil trabalhos por ano.Em início de legislatura, como foi o caso de 2007, chegamos arealizar cerca de 28 mil trabalhos, mas, historicamente, a mé-dia é de 20 mil trabalhos por ano.

A parte mais importante do trabalho diz respeito à ela-boração legislativa, não apenas à feitura de minutas de propo-sições, mas também e principalmente ao aperfeiçoamento de-las. Isso ocorre porque trabalhamos com minutas de pareceresde comissões permanentes e temporárias. Abordamos o pro-cesso legislativo não apenas como processo propositivo, mastambém como processo que engloba o aperfeiçoamento do quenos chega também de outros Poderes.

"Entre a Política e o Conhecimento Técnico e Jurídico: Diálogos e Conflitosno Processo de Elaboração de Leis"

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Temos de levar em conta que, historicamente, entre asproposições que se tornam norma jurídica a qualquer ano, emmédia 87% são de autoria do Poder Executivo e apenas 13%são do Poder Legislativo. Grande parte do nosso trabalho, daelaboração legislativa e do processo legislativo, consiste em seter certeza de que aquilo que se torna norma jurídica sairá daCasa Legislativa não somente com a melhor forma e a melhorsubstância, mas também com grande legitimidade. Acredito que,nesse ponto, nossas Casas Legislativas têm tido sucesso.

Essa opinião não é apenas minha. Recentemente, verifi-quei que organismos internacionais , como o BancoInteramericano de Desenvolvimento (BID), reconhecem queas consultorias legislativas brasileiras exercem um papel essen-cial no desenvolvimento e no aprimoramento das leis e na for-mulação de políticas públicas, pelo menos na esfera federal.

No relatório do BID de 2006, em pelo menos três ins-tâncias diferentes, há referência às consultorias legislativas bra-sileiras. Na página 169, sobre as consultorias legislativas, diz orelatório: "Esses departamentos de apoio legislativo, desenvol-vidos principalmente durante a década de 90, ajudaram a me-lhorar o nível técnico das deliberações legislativas do Congres-so, além da qualidade das políticas que são ali discutidas". Nessadimensão, o Brasil está na posição mais elevada entre os paísesda América Latina. Esse reconhecimento muito nos orgulha.

As consultorias legislativas têm um papel primordial noprocesso legislativo. Na esfera federal, a Consultoria não é umaparada obrigatória. Estamos à disposição do parlamentar, quese utiliza dos trabalhos da Consultoria se quiser. Como já disse,97% recorrem à Consultoria.

Eu diria que não apenas a maioria dos projetos apresen-tados na Câmara vêm da Consultoria: a Consultoria prepara

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também minutas muito além desse número. Mais de 90% dosprojetos apresentados, de uma forma ou de outra, saem daConsultoria Legislativa.

A Consultoria Legislativa da Câmara, que remonta aosanos 70, mantém atualmente 200 consultores em 20 áreas deatuação, incluindo áreas jurídicas e temáticas, como direitoconstitucional, direito civil, direito do trabalho, transporte,infraestrutura, meio ambiente, etc. Estou na direção daConsultoria há oito anos. Para qualquer assunto de preocupa-ção nacional, o parlamentar encontrará um técnico especializa-do entre os nossos consultores.

Na realidade, quando olhamos para modelos deassessoramento legislativo, modelos de consultoria, vemos quealguns acadêmicos encontram incompatibilidade entre o quetemos na Câmara e no Senado brasileiros e modelos dos Esta-dos Unidos, por exemplo. A razão dessa incompatibilidadereside numa de nossas características, que é ser umaconsultoria centralizada, institucional, e no fato de os con-sultores serem selecionados por concurso público. A tônicado trabalho é técnica, racional, apartidária e nada política.Vários estudiosos consideram errada a opção pelo técnico ejurídico, pela centralização e pelo provimento por meio doconcurso público. Para esses estudiosos, a suposta neutrali-dade política dos assessores e dos consultores não atende-ria adequadamente as necessidades político-partidárias e ide-ológicas dos parlamentares.

O já falecido Professor Abdo Baaklini, da UniversidadeEstadual de Nova York, em Albany, afirmava existir uma con-tradição entre os valores legislativos políticos e os valores ine-rentes ao assessoramento meramente técnico ou jurídico. Emlivro publicado em 1975, ele disse:

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Se concebidos como instâncias isoladas destinadas ao su-primento de profissionais e técnicos, tais consultoriaspodem acabar enfraquecendo a instituição que deveriamfortalecer, quando não são inteiramente rejeitadas e vistascomo um experimento fracassado.

Samuel Peterson, em outro estudo, afirma:

uma das funções primordiais do assessoramentolegislativo é auxiliar o parlamentar no trato de questõespolíticas altamente sensíveis em que o sigilo exigido seriaincompatível com a suposta neutralidade de órgãos cen-tralizados de assessoramento.

Segundo o autor, para o político o sigilo é muito impor-tante. Suponhamos que o parlamentar queira abordar um pro-blema qualquer com um projeto de lei. Ele chega a umaconsultoria legislativa e pede que se dê viabilidade a essa ideiacom uma proposição.

Indagariam Abdo Baaklini e Samuel Peterson: Como sepode saber que aquela ideia não passará para outro político?Que segurança tem o parlamentar? Como garantir o sigilo desua ideia? Para tais professores, essa seria a base fundamentalpara que um parlamentar não utilizasse os serviços de umaconsultoria centralizada. Ele não teria garantia de sigilo nem deque a proposição viria com a afinidade ideológica, com a afini-dade partidária.

Os dois pesquisadores obviamente fundamentam suasopiniões na experiência norte-americana. A experiência brasi-leira, no entanto, mostra, tanto na esfera estadual quanto nafederal, que a contradição entre os fatores políticos e técnicosdeve e pode ser contextualizada, porque há grandes diferençasentre os Parlamentos brasileiro e norte-americano.

No Brasil, as taxas de renovação do Parlamento são mui-to altas. Na Câmara dos Deputados, há uma renovação de 50%

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após cada eleição. Isso quer dizer que 50% dos novos parla-mentares desconhecem o processo legislativo. Nos EstadosUnidos sequer existe a palavra “renovação” para o trato dequestões eleitorais e parlamentares. Lá a palavra usada éincumbency, que quer dizer permanência. Isso acontece porquemais de 90% do quadro de parlamentares permanece. A reno-vação é muito baixa.

No contexto brasileiro, esse tipo de assessoramento tra-rá mais vantagens do que limitações. Em primeiro lugar porquese torna um elemento de continuidade necessário ao andamen-to das atividades parlamentares. Nos Estados Unidos, a conti-nuidade advém exatamente do fato de que os parlamentarescontinuarão lá por 10 ou 20 anos. Lá, a continuidade advém dofato de que os partidos permanecem como maioria e comominoria por muito tempo, por 10 ou 20 anos. Então, há umacontinuidade natural do sistema. Aqui a continuidade não é tãonatural porque há mais de 50% de renovação a cada eleição.Então, um departamento como uma consultoria legislativa per-mite essa continuidade, permite que a memória institucional dêprosseguimento ao que mais importa no processo de elabora-ção legislativa.

Em segundo lugar, esse assessoramento institucional temum efeito democratizante. Na esfera federal, como há 50% denovos parlamentares de quatro em quatro anos, existe umagrande possibilidade de eles, por desconhecerem o mandamen-to da Casa, ficarem a reboque dos notáveis líderes ou simples-mente alienarem-se do processo de forma geral. A existênciade um órgão como a Consultoria Legislativa permite que onovo parlamentar comece a trabalhar no momento em quechega, sem necessidade de alienar-se ou de aliar-se aos notá-veis, porque basta ter ideias. O objetivo da Consultoria é

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viabilizar técnica e juridicamente as ideias dos parlamentares eajudá-los na elaboração de proposições.

O assessoramento nesse caso centralizado e institucionalgarante a participação de todos. Nesse sentido, é democratizante.Para os Deputados veteranos, trata-se de uma fonte de eficiên-cia e de informação qualificada. Será que ex-Deputados, como,por exemplo, o Deputado Delfim Neto, não entendiam nadasobre Economia e por essa razão utilizavam a Consultoria?Acredito que não. Um político veterano que foi ministro váriasvezes e professor da Fundação Getúlio Vargas, com muitosdiscípulos formados no decorrer dos anos, dificilmente preci-saria de uma assessoria qualificada simplesmente por desco-nhecer os assuntos. Os outros Deputados buscam seu conse-lho. Delfim Neto utilizava a nossa assessoria simplesmente por-que era mais eficiente e mais eficaz. Era muito melhor para eleutilizar o serviço da Consultoria, na qual atuavam até ex-alunosdele, porque, caso contrário, ele próprio teria que fazer umtrabalho que sabia que a assesssoria poderia fazer de um jeitoem que ele confiava. Existe essa eficiência para os veteranos epara aqueles que são experts nos assuntos de que estão tratando.

Os críticos, como Baaklini e Samuel Peterson, não estãototalmente equivocados porque valorizam uma dimensão doprocesso legislativo, do processo de aperfeiçoamento das leis eda formulação de políticas públicas, e que poderia passar des-percebida, que é o componente político. O maior desafio paraum órgão de consultoria legislativa é exatamente imiscuir-se noambiente de uma Assembleia, de uma Câmara de Deputadosou de um Senado, que são ambientes altamente politizados.Nesses ambientes respira-se política. Negligenciar esse compo-nente do processo de elaboração legislativa não faz nenhumsentido. O grande desafio da Consultoria Legislativa na Câma-

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ra dos Deputados é adquirir a confiança dos seus clientes, queestão imersos num processo político. O desafio não significa,entretanto, uma impossibilidade. Na Câmara partimos do prin-cípio de que um trabalho jurídico e tecnicamente bem realiza-do tem valor no jogo político. Importa, sim, para o político epara o parlamentar.

Só para dar uma ideia de que isso é verdade, no ano de2007, até o mês de setembro, a Consultoria da Câmara elabo-rou 1.777 solicitações de proposições. Desaconselhamos aosparlamentares a apresentação de 485 delas. Isso significa umpercentual de 30% das solicitações. Ao verificar o que foi defato apresentado, vemos que o aproveitamento das minutas deproposições elaboradas pela Consultoria Legislativa, ou seja,aquilo que de fato o parlamentar levou para a Secretaria-Geralda Mesa para ser apresentado, gira em torno de 70%. Não éuma coincidência interessante? Essa coincidência diz o seguin-te: os parlamentares ouvem nossos conselhos. Quando dize-mos que isso não é apropriado ou que é inconstitucional, nagrande maioria dos casos eles entendem que isso é verdade enão apresentam as proposições.

Quando fazemos treinamento com consultores, é evi-dente que salientamos que o processo legislativo é um proces-so político e nunca podemos nos esquecer disso. O fato de umparlamentar solicitar algo que não seja adequado, correto e cons-titucional faz parte do jogo político e não podemos nos recusara fazê-lo. Por exemplo, o parlamentar pode ter objetivos quenão são necessariamente jurídicos ou técnicos. Podem ser obje-tivos simplesmente políticos, um desejo de atender a sua baseeleitoral. Num caso hipotético, o parlamentar quer atender suabase, e dizemos a ele que sua proposta é inconstitucional. Noentanto, ele a apresenta e obtém um avulso com o número do

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projeto de lei. Distribuirá o projeto em sua base dizendo queestá trabalhando por seus eleitores, fazendo o que é melhorpara eles, que o pessoal da Comissão de Constituição e Justiçanão entende nada ao afirmar que o projeto é inconstitucional.Isso faz parte do jogo. Temos que entender que o espírito deuma Assembleia ou de uma Câmara de Deputados pode seresse. Isso não quer dizer que o Deputado está achando que amatéria irá tramitar, e estamos lá para dizer que não.

Durante os últimos 30 anos, temos conseguido uma cli-entela muito boa, em torno de 97%, sempre trabalhando a ela-boração legislativa como se fosse um tripé. No passado, deba-tia-se muito sobre a questão da forma e do conteúdo. AConsultoria não é formada só de juristas. O pessoal da área deDireito corresponde mais ou menos a 40% do total de técni-cos. Essa diversidade é muito importante porque, caso contrá-rio, correríamos o risco de que o formalismo das leis prevale-cesse sobre a substância. É importante que a lei esteja bemescrita, com uma linguagem precisa. Mas como teremos umalei que aborde, por exemplo, a substância do meio ambiente?Vamos hipoteticamente imaginar que um parlamentar queiralegislar sobre aquecimento global. Ora, como é que um parla-mentar ou uma pessoa que sabe muito bem como redigir umalei saberá quanto de poluição pode entrar no ar? Que quantida-de de carbono pode entrar ou deixar de entrar? O que seria e oque não seria danoso para o meio ambiente? O biólogo e ogeólogo são profissionais que entendem dessa matéria. Então,precisamos deles para que a lei seja feita. Trabalhamos em equi-pes interdisciplinares porque os problemas de hoje são muitocomplexos e exigem abordagem interdisciplinar.

Sempre me debrucei sobre a questão da forma e da subs-tância, considerando-a apenas um dilema, uma briga, uma

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dualidade, mas agora a vejo como um tripé. A formulação depolíticas públicas deve estar pautada em três dimensões: co-nhecimentos técnico, jurídico e político. Mesmo se conseguir-mos a racionalidade técnica e a precisão da linguagem correta– sem brechas –, precisamos da legitimidade, que, numa demo-cracia representativa, está na política. Se acatamos a democra-cia representativa, tendo como legítimo o representante eleito,a política não poderá sair do jogo da formulação de políticaspúblicas e da elaboração de leis. Assim, passei a enxergar oprocesso fundamentado em um tripé: a forma, a substância e alegitimidade, a qual apenas a política traz.

É importante termos consciência de que a dimensão po-lítica na elaboração das leis não é algo de que podemos sim-plesmente prescindir, mas sim um componente importante daequação. Cabe a quem trabalha com a elaboração legislativa infor-mar se há inadequações. Entretanto, é preciso ter em mente que olegislador tem de fato objetivos políticos e não apenas técnicos ejurídicos. A mediação entre os fatores desse tripé talvez seja a coisamais importante que alguém deva ter em mente, porque implica-rá a melhor elaboração legislativa, o melhor diálogo entre osagentes políticos e, arrisco-me a dizer, melhores leis.

Há, no processo de elaboração de leis, dois conflitos ine-rentes: o conflito entre a forma e o conteúdo; e o conflitoentre o conhecimento técnico e jurídico e a política. Existe,também, o diálogo, a mediação, como alternativa mais apropri-ada para que esse processo legiferante traga benefícios à popu-lação. Imagino estar falando de Legística. Se estiver errado, nãoestarei sozinho. Na sua avaliação do progresso econômico esocial na América Latina, o BID deixou claro que essa maneirade ver resultou em progresso, em leis melhores no País. Lereias duas últimas páginas do relatório:

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No Brasil, as Consultorias das duas Casas do Con-gresso, com cerca de 500 membros profissionais noquadro, são reconhecidas como um fator-chave paraassegurar que os acordos e transações políticas que re-sultam das negociações do Congresso não sejam al-cançados às custas da qualidade técnica das leis. Ade-mais, há evidências de que, com o apoio prestado poressas Consultorias, o debate político ficou mais rigo-roso, o diálogo entre os Poderes Executivo e Legislativose tornou mais complexo e exigente e a coberturajornalística do debate passou a se concentrar mais nosaspectos técnicos das leis. ( . . . ) Um exemplo davinculação construtiva entre os enfoques técnicos e po-líticos da formulação de políticas encontra-se, no Bra-sil, na mudança progressiva das relações entre os Po-deres Executivo e Legislativo, com base no desenvol-vimento da transparência no processo e das compe-tências técnicas do Congresso por meio do fortaleci-mento das Consultorias parlamentares. Essa nova di-nâmica, exemplificada pelo processo de preparação dalei fiscal, pelo aperfeiçoamento da qualidade técnica dotrabalho da legislatura, aliado à ampliação da respon-sabilidade decisória do Executivo, logrou os ajustespolíticos necessários à aprovação da lei e contribuiucom soluções técnicas que aumentaram sua eficiência.Trata-se de um exemplo de como o enriquecimentodo processo decisório, por meio da participação dosPoderes Executivo, Legislativo e da população em ge-ral, não precisa ocorrer às expensas da racionalidadetécnica e das soluções.

O BID reconhece que, no Brasil, a ideia de elaborarleis que tenham componente técnico e precisão, sem neces-sariamente jogar fora o lado político, tem resultado em pro-gresso econômico e social e distingue o Brasil, entre todosos países da América Latina, como aquele que mais pro-gresso apresentou.

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O fio condutor da minha exposição é a seguinte questão:o que seria a qualidade da lei, a quem ou para que serve oaprimoramento da lei? Com base nessa indagação, vinculei aqualidade da lei e o seu aprimoramento à sua legitimidade, umavez que o direito não pode ser pensado como um sistema so-cial fechado. Uma das formas com que a ciência política podecontribuir para esse debate é pensar na relação entre represen-tação e participação, seus diálogos e conflitos. Nesse sentido,vou discorrer sobre estes dois institutos de vinculação: a von-tade soberana do povo e a lei, como um código que deve regeros outros sistemas sociais, como, por exemplo, o Executivo e aburocracia pública.

Nas sociedades complexas, constrangimentos derivadosda expertise, da divisão social do trabalho, da introdução de no-vas tecnologias, da autonomização dos sistemas sociais e docrescimento da população impuseram limites à capacidade doscidadãos, até mesmo dos mais bem-formados, de interviremno circuito do poder, dominado pelos poderes Legislativo, Exe-cutivo e pelas burocracias públicas. Tais fatos tiveram comouma de suas implicações principais a ideia de que os processosdecisórios, tanto no âmbito do Executivo como no doLegislativo, podem e devem ser abertos à participação e à deli-beração de todos aqueles cujos destinos estão eminentemente aeles vinculados. Daí decorre uma afinidade positiva entre a

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complexidade social e o que se convencionou chamar de realismopolítico, cuja ênfase recai na superioridade da representação políti-ca como o mecanismo mais racional de construção de decisõescoletivas. Esse diagnóstico está sendo cada vez mais questionado.

Se o processo de "complexificação" social é um consen-so, suas consequências para a cidadania política e a participa-ção dos cidadãos nos processos decisórios permanecem aindaem aberto, estabelecendo-se assim um debate promissor no in-terior da própria teoria democrática. Entender as principaispremissas que guiam essas visões, bem como seus limites, vainos possibilitar extrair pontos relevantes para a análise quequeremos empreender aqui, ou seja, como a participação, alia-da à representação política, pode ajudar no aprimoramento daqualidade da democracia, que, nesse caso, envolve o ideal deuma legislação racional, já que é técnica, participativa e justa.

A democracia representativa encontra seu fundamentona necessidade de construir arranjos políticos que agregueminteresses individuais divergentes e egoístas e que, portanto,processem conflitos daí advindos. Embora nunca tenha havidoum consenso na literatura em torno desses fundamentos, elesganharam relevância no debate sobre a teoria democrática. Jána segunda metade do século XX, a teoria passou a justificar ogoverno apenas no alto interesse dos indivíduos. Após a 2ª Guer-ra Mundial, o conceito de democracia defendido por autoresclássicos, como Schumpeter, constitui um exemplo bastante uti-lizado para ilustrar esse giro na teoria democrática. Rompendocom o debate anterior sobre a dualidade das motivações huma-nas, esse autor vai construir a teoria democrática com funda-mento apenas no alto interesse dos indivíduos. Segundo essateoria, representantes e representados são maximizadores deinteresses individuais. Os primeiros vão perseguir seus próprios

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interesses ao adotar políticas que gerem votos e possam assimmanter-se no poder. Os segundos tentam fazer valer seus inte-resses ao elegerem os políticos, que passam a se comportarcomo empresários, oferecendo no mercado político opções depolíticas públicas que os eleitores devem escolher e legitimarcom o voto, estabelecendo o sistema que chamamos deaccountability . Da troca entre eleitores e tomadores de decisões"autointeressados" emerge, segundo essa teoria, a agregaçãoequilibrada dos interesses individuais.

O lado normativo dessa elaboração encontra-se na exi-gência de pesos iguais para cada interesse, ou seja, a agregaçãode interesses é legítima quando cada interesse individual possuipeso igual aos demais. A evolução dessa teoria e de sua práticatornou possível a democracia no Estado-Nação. A regra da mai-oria é transformada em um procedimento baseado na agrega-ção das preferências individuais em competição. A partir dessaregra, foi possível alcançar democraticamente uma vontade úni-ca, que representa a Nação como um todo. Essa nova concep-ção de regra de maioria, que não é mais calcada numa medidasubstantiva do bem comum e que vai requerer exclusivamentea promoção dos interesses dos cidadãos, tornou possível a pro-dução de decisões políticas por parte das elites políticas nomundo moderno. Temos, portanto, a representação, a regra damaioria e a divisão dos Poderes como procedimentos indispen-sáveis às democracias modernas, instituições capazes de pro-cessar conflitos decorrentes de uma ordem política marcadapela pluralidade de interesses em competição e pela complexi-dade resultante da tentativa de acomodá-los.

Entretanto, por mais que se admita a centralidade dessasinstituições, cada vez mais analistas políticos de diferentes ten-dências admitem que tais procedimentos não são suficientes

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para construir leis ou decisões legítimas, aquelas quecorrespondem aos verdadeiros anseios dos representados. Énesse contexto, portanto, que emerge a necessidade de maisengenharia institucional, isto é, de novos arranjos dentro e forado Executivo e do Legislativo, os quais possibilitem maiorvocalização das preferências dos indivíduos, bem como maiorcontrole da ordem política na qual esses indivíduos estão inse-ridos. Ao enfatizarem a importância de novos arranjosinstitucionais que complementem o potencial da representaçãopolítica na sociedade contemporânea, os autores que adotamuma perspectiva institucional agregativa estão buscando aper-feiçoar o modelo representativo de democracia sem rompercom os principais pressupostos ou fundamentos já menciona-dos. Tais autores se perguntam se o fato de os governos democrá-ticos serem eleitos é suficiente para torná-los verdadeiramente re-presentativos. O que está em questão é saber exatamente se ape-nas as eleições importam em um contexto democrático. De acordocom esses autores, as eleições não configuram os únicos mecanis-mos que podem levar os governos a agirem de forma representa-tiva, pois, na medida em que os cidadãos não possuem informa-ções suficientes para a avaliação dos governantes, a ameaça da nãoreeleição não é suficiente para provocar, nos governos, a ação emnome do interesse público. Assim sendo, é necessário encontrarnovas possibilidades institucionais para induzir os governos aagirem de forma representativa. A alternativa apresentada cons-titui-se na análise da própria estrutura de governo e na buscade mecanismos de accountability horizontal.

Partindo do pressuposto de que a mera separação dosPoderes não é suficiente para garantir, por exemplo, o controledo Executivo sobre o Legislativo ou o controle do Executivopor parte do Legislativo ou do Judiciário, tais autores propõem

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avaliar outros mecanismos institucionais que vão desempenharas funções de pesos e contrapesos, ou seja, de controle mútuoentre os órgãos do governo. Uma vez que o controle dos cidadãossobre os políticos é imperfeito na maioria das democracias, asolução, portanto, é ampliar a engenharia institucional. Além daeleição dos candidatos, deve-se pensar no desenho de uma es-trutura governamental em que os diversos órgãos de governocontrolariam uns aos outros, para fazer com que o governocomo um todo, ou seja, o Executivo, o Legislativo e o Judiciá-rio, aja em nome do interesse público. É do controle recíprocoentre os três Poderes que resultará um processo representativomais legítimo. Essa é a contribuição de um paradigma – oparadigma realista – à possibilidade de um governo legítimo.

Outro paradigma que vem ganhando muita ênfase naciência política e na teoria democrática é o paradigmadeliberativo. Trata-se de outro olhar sobre o processo de legiti-midade das decisões e das leis, que ultrapassa o próprio sistemapolítico, para abri-lo à participação dos cidadãos, além das elei-ções. Sem abrir mão dos controles entre os Poderes constituí-dos, esse paradigma vai buscar maior permeabilidade dos Po-deres à própria participação da sociedade. Como o paradigmavai trabalhar tal permeabilidade? Ao enfatizar a importância daparticipação em fóruns públicos na construção de decisões eleis legítimas, esse paradigma vai além do anterior, que acabeide descrever. A legitimidade tão defendida pelo paradigmadeliberativo está sustentada na crença de que a deliberação dosatores sociais – sejam representantes, sejam representados –em fóruns amplos e debates de negociação tornará o processodecisório nas sociedades complexas mais inclusivo e democrático.

É nesse contexto que a abordagem habermasiana ganharelevância, uma vez que ela vem insistindo nas possibilidades

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práticas de ampliação da participação política mediante a deli-beração dos cidadãos nos fóruns públicos de participação. Nessaabordagem as decisões políticas só serão legítimas se tomadascom base em debates públicos com pelo menos dois partici-pantes, constituindo-se assim uma relação intersubjetiva, calca-da na força do melhor argumento, ou seja, na justificação pú-blica. Para que a prática da justificação pública ou a práticaargumentativa ocorram, é necessária ainda uma multiplicidadede públicos alternativos que possibilitem aos cidadãos e aosseus representantes testar a validade de seus interesses e desuas razões antes de decidir, tomando como base que os inte-resses da sociedade civil, na verdade, são plurais e divergentese, a princípio, legítimos. Se se aplica o princípio da justificaçãopública, não é necessário menosprezar o interesse de determi-nado ator social, porque, na verdade, a validade desse interesseserá testada publicamente. Aqueles que passarem pela provada argumentação se sustentarão. Então, a estr atégiahabermasiana de operacionalização desse ideal – não deixo depercebê-lo como um ideal deliberativo nas sociedades comple-xas – não exclui, de forma alguma, o processo representativo.Ao contrário, essa abordagem distingue a formação da opiniãoinformal na esfera pública da formação da vontade formal nasinstituições políticas. A opinião pública formada nos espaçospúblicos deverá influenciar as decisões daqueles que ocupamposições institucionais, ou seja, os representantes e os burocra-tas, por intermédio daquilo que Habermas chama de fluxoscomunicativos.

Temos, portanto, uma imagem para operacionalizar es-ses processos de comunicação e decisão do sistema político dassociedades complexas. É uma imagem de centro e periferia.No centro estão localizados a Administração, o Parlamento e o

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Judiciário, que formam o núcleo duro desse sistema. Na peri-feria encontra-se a esfera pública, composta por essa multi-plicidade de atores legítimos. Tendo em mente tal imagem, épossível definir a política deliberativa por meio de duas vias:a formação de uma vontade democraticamente constituídaem espaços institucionais e a construção da opinião informalem espaços extrainstitucionais que se apoiarão nos sujeitos dasociedade civil. Como se vê, a deliberação pública e a represen-tação não são, de forma alguma, termos antitéticos, mas comple-mentares. O pressuposto é que a escolha política ou a própriaescolha legislativa só será legítima quando originada no processodeliberativo que ocorre nos espaços públicos entre agentes livres,iguais e racionais. Essa prática participativa nesses espaçosantecede a construção de decisões vinculantes tomadas, em geral,pelos representantes. Por isso ela legitima tais decisões. Temos,então, a construção de uma conexão forte entre participação erepresentação.

Alguns desafios a esse paradigma deliberativo assentadona possibilidade da ampliação da participação da sociedade nosprocessos decisórios dos Poderes Executivo e Legislativo, sãocomumente levantados. Argumentos plausíveis sobre a delibe-ração não podem demandar tanto dos participantes. Acreditarque a deliberação transformará massivamente a preferênciados atores, a capacidade ou o caráter dos participantes de for-ma normativamente atrativa não é sensato. O mais razoável épensar que onde a discussão for bem-sucedida ou onde houverum desenho institucional que provoque uma discussão bem-sucedida, a deliberação capacitará os participantes a desenvol-ver uma compreensão maior dos seus interesses e dos interes-ses dos outros, ou seja, deixa-se o particularismo e buscam-seposições mais universalistas.

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Outro desafio provém do fato de que argumentos sobredeliberação não podem excluir problemas derivados do altointeresse e dos conflitos decorrentes disso. Também não se co-nhecem os mecanismos que possibilitariam às partes, na deli-beração, argumentar com o objetivo de persuadir e convencer.Ademais, uma explicação plausível dessa deliberação ou dessemodelo proposto deve incluir também uma explicação das for-mas institucionais que o processo deliberativo deve tomar. Énecessária uma melhor compreensão do modo como os arran-jos deliberativos vão-se relacionar empiricamente com os ar-ranjos representativos e com os mecanismos eleitorais.

E, por fim, deve-se incluir ainda uma explicação sobreos efeitos que a deliberação pode gerar, bem como sobre assuas justificações. Não seria razoável pensar que, por ser umparadigma normativamente mais amplo do que o paradigmaanterior, do ponto de vista da legitimidade das decisões, elegeraria, por si só, melhores decisões. As respostas comumenteencontradas a esses desafios reconhecem as críticas supracitadase também aquelas que enfatizam as motivações e o diferencialde recursos entre aqueles que participam do processo deliberativo,colocando problemas práticos para a operacionalização desseideal. Entretanto, tais críticas podem ser igualmente utilizadas paraproblematizar os arranjos representativos das sociedades con-temporâneas e seus déficits de legitimidade, principalmentequando limitamos a representação ao momento eleitoral. En-tão, pensar a representação só eleitoralmente é empobrecer aprática democrática, uma vez que há poucas oportunidades parao exercício da cidadania democrática nos interstícios eleitoraise para a consecução de graus de responsabilidade no controle.Só a eleição não basta. A introdução de fóruns deliberativospode vir a possibilitar não só a racionalização do debate e da

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própria decisão por meio de discussões anteriores, mas tam-bém a abertura de espaços alternativos de mediação entre oeleitor e o seus representantes, cuja finalidade é assegurar umaação mais responsável dos últimos. Assim, novos processos depesos e contrapesos podem emergir de sua interação com osmecanismos formais de controle, como o voto e a separaçãodos Poderes. Nesses espaços, a qualidade das decisões e a for-ma de implementá-las podem ser publicamente questionadas.Eles acabam por proporcionar aos participantes mais informa-ções sobre suas escolhas, uma vez que os expõem às diversasdimensões de um tema em discussão.

Exemplos interessantes dessa sinergia positiva entre re-presentação, participação e deliberação têm sido dados no con-texto da institucionalização das democracias latino-americanas.Lembro a inclusão, em alguns textos constitucionais, de dispo-sitivos que facultam aos cidadãos a iniciativa legislativa e aosparlamentares a realização de consulta popular, plebiscito e re-ferendo. Além disso, como apontam alguns autores, nos regi-mentos internos dos Parlamentos latino-americanos constamartigos que explicitamente definem como atribuição das comis-sões permanentes a interação com cidadãos. No Brasil, porexemplo, é facultado às comissões da Câmara dos Deputadosrealizar audiência pública com entidades da sociedade civil. Alémdisso, desde 2001, a Câmara dos Deputados criou importantesmecanismos para facilitar a participação da sociedade no pro-cesso de elaboração legislativa, como a Comissão de Participa-ção Legislativa. Da mesma forma, o Senado Federal conta atu-almente com a Comissão de Direitos Humanos e LegislaçãoParticipativa. Tais comissões têm o objetivo de ampliar o acessodos cidadãos ao Poder Legislativo, incrementando as possibilidadesde controle público e de inclusão de demandas da sociedade.

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Também algumas Câmaras Municipais e AssembleiasLegislativas criaram comissões desse tipo. Iniciativas como es-sas são importantes porque facultam o funcionamento da de-mocracia e o exercício da cidadania no período entre as elei-ções e a arena parlamentar. Por meio de mecanismos dessetipo, o cidadão pode vocalizar suas preferências perante seusrepresentantes, diminuindo a assimetria informacional entrerepresentantes e representados e ampliando a possibilidade doexercício do controle público dos governantes pelos cidadãos.

A título de ilustração, menciono a própria AssembleiaLegislativa de Minas Gerais, que vem desenvolvendo, desdeo final da década de 80, um interessante processo de inova-ção por meio da organização de formas institucionalizadasde interlocução com a sociedade civil, constituindo canaisde comunicação entre os processos de participação e derepresentação polít ica por inter médio de seminárioslegislativos, fóruns técnicos, ciclos de debates e audiênciaspúblicas regionais e municipais. Segmentos organizados dasociedade civil expressam suas preferências, conseguemhierarquizá-las, negociá-las, explicitando suas divergênciase organizando um consenso, uma dinâmica cooperativa pormeio da deliberação política que informa a produçãolegislativa dos temas em discussão.

Esses novos espaços de interação política facultam aoscidadãos acordar entre si o que desejam que os agentes façame, ao mesmo tempo, permitem observar, informar e fiscalizaras ações dos representantes. No Rio Grande do Sul, tambémfoi criada uma inovação desse tipo: o Fórum Democrático deDesenvolvimento Regional, composto por uma série de audi-ências públicas cujo objetivo era verificar a validade da propostaorçamentária construída no âmbito do Executivo estadual. Tendo

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em mente a preponderância do Executivo brasileiro sobre oLegislativo, vemos que essa iniciativa contribuiu, sobrema-neira, para o reequilíbrio dos Poderes. Esse novo espaçoparticipativo implementado pela Assembleia Legislativa do RioGrande do Sul possibilitou a entrada de novos atores na con-fecção do Orçamento. O fórum promoveu uma série de audi-ências públicas que serviram, entre outros fatores, para verifi-car o desempenho do Executivo não só em relação à execuçãoda peça orçamentária, mas também em relação a certas pro-postas por ele encaminhadas. Com isso, a população partici-pante ganhou mais um aliado, tanto no que diz respeito à pró-pria construção das demandas como no controle destas.

Para debater a proposta orçamentária com a populaçãoque atuava em um outro espaço participativo – o OrçamentoParticipativo no Rio Grande do Sul –, contrapô-la ou legitimaras emendas orçamentárias, os Deputados precisavam de pres-tar informações, fazer defesa pública, organizar suas bases ediscutir publicamente com o Governo, que também participa-va das audiências. Essa dinâmica provocou uma aproximaçãomaior dos participantes desses diversos fóruns e de seus repre-sentantes tanto no Executivo, quanto no Legislativo. Assim, aodisputarem entre si a legitimidade do processo de confecçãoorçamentária, os dois Poderes ajudaram a aprimorar a práticadeliberativa, uma vez que, ao se confrontarem, ofereciam pu-blicamente mais recursos informacionais, diminuindo os cus-tos da participação. Embora iniciativas como essa sejam aindaexceção, e não regra, muitas delas se mostram eficazes no apri-moramento das relações entre representantes e representadose entre os próprios representantes, estejam elas no âmbito doExecutivo ou do Legislativo, contribuindo assim para uma me-lhor qualidade das políticas públicas e das leis.

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Jandir Maya FJandir Maya FJandir Maya FJandir Maya FJandir Maya Faillace Netoaillace Netoaillace Netoaillace Netoaillace NetoAdvogado da União e assessor especialda Subchefia para Assuntos Jurídicos daCasa Civil da Presidência da República

Painel 5"Lei e po líticas públicas: mecanismos de ava liação"

Coordenador:Coordenador:Coordenador:Coordenador:Coordenador:

Deputado Elmiro NascimentoDeputado Elmiro NascimentoDeputado Elmiro NascimentoDeputado Elmiro NascimentoDeputado Elmiro Nascimento

Presidente da Comissão de AdministraçãoPública da ALMG

Conferencistas:Conferencistas:Conferencistas:Conferencistas:Conferencistas:

Jean-Daniel DelleyJean-Daniel DelleyJean-Daniel DelleyJean-Daniel DelleyJean-Daniel DelleyProfessor Titular da Faculdade de Direitoda Universidade de Genebra, Membro doCentro de Estudo, de Técnica e de AvaliaçãoLegislativos (Cetel) da Faculdade deDireito de Genebra, Vice-Presidente daSociedade Suíça de Legislação

Sabino José FSabino José FSabino José FSabino José FSabino José Fortes Fleurortes Fleurortes Fleurortes Fleurortes FleuryyyyyMestre em Administração Pública pelaFundação João Pinheiro, Doutorando emCiência Política pela UFMG, AssessorInstitucional da Assembleia Legislativado Estado de Minas Gerais

Os dados sobre função ou cargo dos integrantes deste painel correspondem à situação à data do Congresso.

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Poderia abordar a Legística como fazem centenas de ma-nuais que tratam da matéria. Poderia considerar que, como emum conto de fadas, as sociedades humanas funcionam de acor-do com leis naturais, que são observáveis. Nessa perspectiva,se observarmos bem as leis naturais que regem o funciona-mento da sociedade, poderemos criar um direito eficaz, que, senão funcionar a contento, poderá ser corrigido por meio daavaliação legislativa. Essa visão idealista é bastante atrativa, poisé simples e tem uma aparência de racionalidade.

Há, no entanto, outra visão, mais complicada e mais frus-trante, porém mais honesta. É dessa maneira que abordarei aavaliação legislativa. Não acho que possamos construir um de-senvolvimento baseado em ilusões. Ao contrário, acredito quecompreender os limites da lei e as dificuldades de sua avaliaçãopode contribuir para o desenvolvimento a que aspiramos.

Encontramos, já na Antiguidade, vestígios da visão idea-lista a que me referi inicialmente, na chamada sociedade idealde Platão, que acreditava que o saber, a ciência poderiam fun-dar uma sociedade e um governo. Evidentemente, nesse tipode governo não há lugar para a liberdade.

Dando um grande salto na história, chegamos ao Séculodas Luzes, que também experimentou esse idealismo, baseadona crença de que as ciências nos fornecem os conhecimentosnecessários para a confecção de boas leis e que boas leis são

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condição indispensável para a felicidade dos povos. A concep-ção típica desse período histórico caracterizava-se pela fé narazão e na força da lei, tendo por base os conhecimentos científi-cos. Como se sabe, houve dois movimentos complementares: oliberalismo, que cortou as asas potenciais do Estado, deixando-lheuma pequena capacidade de intervenção, e o positivismo jurídico,grande inimigo da Legística, que se desinteressou completamenteda problemática relativa aos efeitos da lei.

No século XX, ocorreu uma experiência de idealismonos Estados Unidos, onde uma espécie de engenharia socialconsiderou possível, por um viés de políticas públicas adequa-das, transformar de maneira profunda a sociedade, erradicar apobreza, eliminar o analfabetismo, melhorar as condições sani-tárias da população. Essa ambição um pouco louca nasceu como desenvolvimento das ciências humanas, que sempre tiveramum complexo de inferioridade em relação às ciências naturais.Assim, nos anos 60 do século passado, cientistas sociais decidi-ram fazer como os cientistas de laboratório das ciências natu-rais, ou seja, testar na sociedade projetos de políticas públicas.Os especialistas em avaliação conhecem bem o famoso casodo imposto negativo em New Jersey. Alguns grupos da po-pulação foram submetidos a sistemas fiscais diferentes, bus-cando-se averiguar, por meio da comparação dos resultados,qual seria o sistema mais eficaz. Como se sabe, a experiênciafoi decepcionante, inicialmente porque essa maneira de experi-mentar na sociedade é muito custosa politicamente. As experi-ências são longas, e os políticos são pessoas apressadas. Os re-sultados obtidos nunca foram claros, houve muitos equívocos.A ajuda que se esperava de um procedimento dito científiconão foi suficiente ou eficaz, e os efeitos medidos foram muitofracos.

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Rompendo os limites dessa perspectiva idealizada da leie da avaliação, gostaria de propor cinco reflexões sobre os pro-blemas e limitações que devemos levar em conta quando nospropomos a fazer e a avaliar leis.

A primeira diz respeito à ambição fundamental da avali-ação: colocar em evidência os efeitos da lei. Essa ambição geraproblemas. Os cientistas sabem que a observação empírica darealidade não permite, no sentido preciso do termo, evidenciarcausas, mas simplesmente correlações, o que não é exatamentea mesma coisa. Nas ciências sociais, quantas correlações sãointerpretadas em termos de causalidade? Acrescente-se a essadificuldade fundamental a quase impossibilidade, na observa-ção empírica – porque a avaliação é uma observação de natu-reza empírica –, de isolar uma lei ou uma política pública doseu contexto. Os efeitos que observo são os efeitos de deter-minada lei em relação a leis preexistentes; é como a imagem decamadas geológicas que se superpõem: como determinar nes-sas múltiplas camadas geológicas qual a camada determinanteque vai explicar os efeitos de uma legislação?

Outra dificuldade é como distinguir os efeitos da lei da-queles que resultam de discursos sobre a lei. Toda lei é precedi-da de debate político, realizado pelo Parlamento, pela popula-ção, pela mídia, e uma boa parte dos efeitos resultam dessesdiscursos, e não da lei. Essa questão não é insignificante, poissabemos que os efeitos da lei, inicialmente, são simbólicos, ouseja, não resultam de seu conteúdo, e sim do fato de se anunci-ar que uma lei vai ser adotada. A arte da política, em grandeparte, é a arte de anunciar, de dar satisfação à opinião pública.

Na minha região, na Suíça, sempre houve acidentes gra-ves provocados por cães perigosos, e o governo do Cantão – quecorresponde aos Estados no Brasil – adotou a obrigatoriedade do

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uso de focinheira em todos os cães, mesmo os menores. Amedida foi ridícula, sobretudo porque atingia os cães muitopequenos, para os quais não existiam focinheiras. Na realidade,o importante não era impor o uso da focinheira, mas mostrar àpopulação que o governo estava sensível à emoção da opiniãopública. Portanto, houve um efeito independente da própriamedida e de sua efetividade, porque evidentemente ela não foiaplicada, era inaplicável.

A aplicação de uma lei coloca em jogo um número signi-ficativo de variáveis independentes. A dificuldade é descobrirquais são as variáveis que determinam os efeitos que podemosobservar. Seria a maneira como a administração implementa alei? A mesma lei, aplicada por administrações diferentes, gera-ria efeitos diferentes? Ou esses efeitos dependem da atitude dodestinatário da norma? Nesse caso, teríamos a mesma lei, amesma administração e públicos diferentes. Na Suíça, por exem-plo, poderíamos fazer essa experiência, pois temos Estadosfederados diferentes, em que se pode comparar.

A segunda reflexão está relacionada com a seguinte ques-tão: para que serve a avaliação das leis? Para respondermos,somos obrigados a adotar uma atitude modesta. Na verdade, aavaliação das leis e das políticas públicas só tem uma função,de utilidade prática. As gavetas das administrações estão cheiasde avaliações acadêmicas da melhor qualidade e que nunca ser-viram para nada. São avaliações inadequadas. Uma avaliaçãodotada de utilidade prática propicia o fornecimento de infor-mações a serem utilizadas em um tempo dado e com custossuportáveis. Se um avaliador pedir para ficar 10 anos estudan-do os efeitos de determinada legislação, os políticos, com ra-zão, talvez digam que em 10 anos o problema será outro. Issoequivale a dizer que a avaliação não tem como objeto a verifi-

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cação de uma teoria, como pretendiam os avaliadores america-nos naquela fase de idealização a que me referi. A maior partedas pessoas da administração americana vinha das universida-des, e via nas avaliações a oportunidade de, enfim, verificarsuas teorias. A avaliação, porém, não é a verificação de umateoria, é uma resposta prática dada às questões apresentadaspelos atores sociais. O procedimento científico é sempre umabusca da verdade. A avaliação nunca chegará à verdade. Oprocesso científico, em princípio, é livre de toda obrigação, detoda imposição. A avaliação não está livre dessas obrigações eimposições. De fato, a avaliação diz respeito mais à ação políti-ca do que à ciência.

A terceira reflexão está relacionada à questão da eficá-cia. Uma lei eficaz é aquela que consegue atingir seus objetivos.É necessário que esses objetivos sejam explícitos, quecorrespondam realmente ao que se pretende, pois há casos emque o legislador formula determinados objetivos e metas, masna realidade almeja outra coisa.

Em geral, pelo menos de acordo com meus conhecimen-tos, as legislações visam a objetivos e metas muito abstratos,amplos e frequentemente heteróclitos. Observamos frequente-mente, aliás, contradições entre esses objetivos e metas. Sabe-mos muito bem – e os políticos melhor que nós – que objetivose metas têm qualidades e defeitos. É bem mais fácil concordarcom objetivos e metas gerais. Hoje ninguém ousaria, por exem-plo, pronunciar-se contra a proteção do meio ambiente comoobjetivo de uma política pública.

O conflito aumenta à medida que os objetivos e metastornam-se concretos, passando a atingir interesses substanciais.Os objetivos abstratos agradam tanto porque não atingem nin-guém. Em compensação, quando se fixa norma concreta é pos-

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sível responsabilizar quem a descumpre. Metas e objetivos nãopodem ser encarados como elementos imutáveis. Enxergá-losdessa forma é uma grande ilusão, que a avaliação não pode ter.Qual é, então, a referência a que o avaliador se deve confor-mar para dizer se uma legislação é ou não eficaz?

A lei não é um objeto fechado. O texto da lei – talvez euvá chocar alguns juristas, mas mantenho minha posição –, con-forme estabelecido pelo Parlamento, é somente uma fotogra-fia, enquanto a lei é um filme. Podemos dizer que, de certaforma, o texto da lei é um parêntese, um tipo de armistício, emque os atores sociais depõem as armas: nós nos entendemos echegamos a um acordo sobre esse texto. Antes, havia a guerra;depois, haverá novamente. Então, fixar rigidamente os objeti-vos da lei, os quais resultam desse "armistício", é esquecer quetais objetivos vão novamente conhecer o estado de guerra,quando da aplicação da lei.

O grande perigo, ao buscar identificar as metas e os ob-jetivos de uma lei, é o avaliador cair na tentação de substituir aautoridade legítima. O avaliador não tem legitimidade para de-cidir quais são os objetivos e as metas de uma lei. No meuponto de vista, depois de certo número de anos de prática deaval iação legislat iva, o papel do aval iador deve ser,prioritariamente, apontar as lacunas, imprecisões e generalida-des da legislação. Mas de que maneira? Simplesmente mostran-do às autoridades legítimas qual é a situação de fato.

Desempenhei, durante oito anos, no Cantão de Gene-bra, atividades de avaliação. Fiquei assustado ao ver até queponto as administrações são ignorantes em relação à realidadena qual suas leis são aplicadas. Conhecem as leis, mas não têmnenhuma ideia do que ocorre na comunidade. Nesse período,efetuei a avaliação de uma lei sobre o aluguel social, uma lei

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que custa ao Cantão de Genebra 100 milhões de francos suí-ços, cerca de 150 milhões de reais, por ano. Todos estavamsatisfeitos com a política de aluguel, pois eram gastos 100 mi-lhões, mas ninguém estava a par de quem eram os beneficiáriosdessa política. Na avaliação, foi possível criar um quadro socio-lógico de beneficiários. Houve grandes surpresas. Consideran-do-se seus salários, não imaginávamos que aqueles beneficiáriosprecisavam de uma política social. Não é isso o que se esperade uma política social de habitação. Portanto, antes de tentardemonstrar que os objetivos de uma lei foram atingidos, é pre-ciso que o avaliador mostre às autoridades o que acontece nacomunidade.

As administrações, em geral, atêm-se a indicadores sim-ples, que facilitam as coisas e não criam problemas. O indica-dor de gastos, por exemplo, é maravilhoso, e fácil de sercontabilizado. Gastei o orçamento que o Parlamento destinoua essa política; então, fiz o meu trabalho. O avaliador é aqueleque deve dizer: "Não, você não fez o seu trabalho". Apenasconhecendo a realidade você poderá dizer "eu fiz", "eu nãofiz" ou "eu fiz parcialmente o meu trabalho". Nessa perspecti-va, avaliar não é medir o grau de fracasso de uma lei ou deuma política pública; é, antes de tudo, mostrar como funcionaessa lei ou essa política pública.

A quarta reflexão está relacionada à seguinte questão:quais são os fatores que determinam a evolução de um proble-ma? Esse conhecimento melhora ou simplesmente cria a reali-dade, devendo possibilitar à autoridade legítima basear-se emelementos da realidade que permitam desenvolver sua política.Isso quer dizer claramente, do meu ponto de vista, que a açãopolítica se apoia mais na perspicácia, na tática e na estratégiado que no conhecimento científico da realidade. Eu, autorida-

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de, quero obter determinado resultado; acredito compreendercomo funciona a área na qual estou intervindo e vou utilizarelementos presentes nessa área, da forma mais sutil, para che-gar aos meus objetivos.

A quinta reflexão diz respeito à instrumentalização daavaliação. Na época do Presidente Johnson, fase do idealismonos Estados Unidos, a avaliação foi instrumentalizada por umaespécie de engenharia social, que buscava a transformação dasociedade pela adoção de políticas públicas. A ação política uti-lizou um "verniz", uma "tinta" científica para legitimar-se.

Depois da engenharia social, vimos a avaliação serinstrumentalizada pela ideologia do liberalismo. É uma injúriaao liberalismo chamar de liberais as pessoas que pensam seguirtal ideologia hoje. Tenho muita estima pela filosofia liberal eacho que os liberais de hoje são apenas caricaturas do liberalis-mo. De qualquer forma, vamos chamá-los de liberais, ou deneoliberais, como de fato os chamamos. A avaliação à épocado Presidente Nixon foi utilizada para organizar o centro doEstado, retirando-o de uma série de atividades.

Por fim, a terceira fase, na qual ainda estamos, é a dasdificuldades orçamentárias dos Estados chamados de desen-volvidos. Por toda parte é preciso reduzir gastos, e a avali-ação é o instrumento que permite legitimar as economias.Então, a avaliação é instrumentalizada como metodologiade economia.

A avaliação pode ser outra coisa além de uma ferramen-ta a serviço do poder, um álibi científico para camuflar umaideologia dominante? Nos anos 1980, Patton, avaliador ameri-cano, propôs o envolvimento de partidos e atores sociais noprocesso de avaliação. Essa ideia foi desenvolvida na França,por Eric Monnier, sob o título de avaliação pluralista.

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Na concepção clássica de avaliação, o avaliador é umespecialista externo à administração, de fora do poder público,e é um ator central da avaliação. Damos-lhe uma incumbência,ele a realiza e presta contas. Seu trabalho é considerado umaajuda à decisão, um esforço de racionalização da produçãonormativa.

Na concepção pluralista, ao contrário, os especialistassão acompanhados pelo que chamamos de instância de avalia-ção. Uma instância de avaliação é um grupo que compreendecerto número de atores sociais, da administração e destinatá-rios das leis e das políticas públicas. Os especialistas, continua-mente, fornecem a essa instância de avaliação as informaçõesque recolhem. A instância de avaliação não é um ator passivo,pode influenciar o avaliador, pode guiar a direção da avaliação,enfatizando a importância dos diferentes olhares possíveis doavaliador. Além disso, a instância de avaliação é o grupo que iráformular, com a ajuda dos avaliadores, as propostas de melhoriada legislação.

Nessa perspectiva, que é um pouco complicada para oavaliador da concepção clássica, avaliar não é mais observar osefeitos da lei e verificar se esses efeitos estão de acordo com osobjetivos iniciais. A avaliação é uma operação coletiva, que dizrespeito aos atores diretamente envolvidos na política: produ-tores, gestores e clientes. Juntos, eles julgarão a pertinência dalei, não a sua adequação a uma ideia anterior. A política, hoje, épertinente, considerando-se as nossas necessidades? Isso querdizer que essa avaliação não procura uma verdade, mas umconsenso entre os diferentes atores sociais. A avaliação é umprocesso, que se tornou possível com a chamada abertura de-mocrática. Sei que no Brasil aborda-se muito a problemáticada participação democrática.

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Gostaria, para permanecer na linha do meu ceticismo, deassinalar os perigos possíveis da concepção pluralista. São perigosobjetivos, ilustrados por pesquisas empíricas. Na França, principal-mente, observamos nessas instâncias de avaliação o papel preponde-rante das administrações, que, superequipadas em relação aospolíticos e aos destinatários da lei, tendem a guiar a avaliação.

Por tudo o que foi dito até aqui, muitos poderiam per-guntar: afinal de contas, será que ainda é possível fazer avalia-ções? Tendo que olhar as dificuldades, os defeitos, as lacunas,o que resta? Será que vale a pena? Diante de riscos tão grandes- casualidade, complexidade, ausência de métodos e referênci-as, instrumentalização -, quem se arriscaria em uma operaçãode avaliação? Vejo isso de maneira otimista. Vale a pena fazeravaliações por uma razão muito simples: vale mais tentar com-preender a realidade, mesmo que seja de maneira muito imper-feita, do que fechar os olhos.

A partir da minha experiência de avaliação, apresentareiduas conclusões extremamente simples. A primeira é que nãohá avaliação possível sem apoio político expresso, seja do Po-der Executivo, seja do Parlamento, quando este deseja umaavaliação. O apoio político é a chave que abre as portas daadministração e aumenta a probabilidade de que as conclusõesda avaliação sejam levadas em conta por aqueles que a enco-mendaram. Há um cenário recorrente: quando a conclusão nãoagrada a autoridade que encomendou a avaliação, ela éengavetada. Há também um panorama bastante conhecido: aautoridade política sempre recorre à mesma empresa de avali-ação, a tal ponto que esta passa a viver em função daquela.Essa empresa não estará mais em condições de emitir conclu-sões que incomodem quem a contrata, de forma a garantir quecontinuará realizando as avaliações.

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A segunda conclusão é que é necessário envolver a ad-ministração no processo de avaliação; compreender as preocu-pações específicas da administração; fazê-la entender que nãoestá como acusada diante de um tribunal, mas como ator daavaliação; e integrar as preocupações da administração na ava-liação, porque, sem apoio político e sem a colaboração da ad-ministração, não há avaliação possível.

Para encerrar, cito as palavras do colega Eric Monnier:"Colocando-se no coração do processo político, a avaliação evitaa contestação".

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A lei não pode ser vista como um objetivo em si mesma,mas faz parte, necessariamente, de um processo de desenvolvi-mento social. Nesse espírito, compartilharei com vocês algu-mas questões, sem a intenção de trazer respostas. Perguntar,indagar, ter a curiosidade de descobrir o que pode ser modifi-cado é o primeiro e o mais importante passo para ampliar oconhecimento.

Permitam-me começar com uma reflexão de naturezapessoal. Elaborar lei é algo que fazemos empiricamente, hábastante tempo, na Assembleia de Minas Gerais, da qual souservidor há cerca de 18 anos. Já refletir sobre a criação da leisignifica ter objetivos e métodos claros em seu processo deelaboração. Isso é o que difere a prática cotidiana daquilo queconsideramos o início de um processo de conhecimento científico.

Há algum tempo, encontrei, numa reflexão de 1870 doProf. Cândido Mendes de Almeida, uma situação curiosa: umagovernante se preocupava com a quantidade, a duplicidade dasleis e a dificuldade em sua interpretação. Determinou, então,em um decreto de 31/3/1778 que uma comissão fizesse umarevisão de seus códigos. Essa governante foi D. Maria I, rainhade Portugal, que mostrava preocupação com as leis dispersas,antiquadas, revogadas e com as que causavam diversidade deentendimento. Em 1778, há mais de dois séculos, no Reino dePortugal, previa-se uma revisão das ordenações para haver cla-

Sab ino José Fortes F leurySab ino José Fortes F leurySab ino José Fortes F leurySab ino José Fortes F leurySab ino José Fortes F leury

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reza daquilo que se tinha. Cerca de 15 anos depois, em 1792,D. Maria enlouqueceu – não sei se por causa disso –, e o pro-cesso não continuou.

Esse exemplo mostra a diversidade e o tamanho da nos-sa tarefa e a necessidade de nos concentrarmos cada vez maisnaquilo de que precisamos, que é uma política pública de ela-boração legislativa. Não discorrerei sobre avaliação de políti-cas públicas, mas de uma política pública de elaboraçãolegislativa.

Sabemos que a elaboração legislativa faz parte das polí-ticas públicas. É uma etapa que alguns consideram preliminar,apesar de eu acreditar que não exista etapa preliminar. Políticapública é um ciclo. A elaboração do ordenamento jurídico ocor-re predominantemente como uma etapa preliminar do proces-so de políticas públicas, mas também – e esse é o caminho quetemos de trilhar – deve ser vista em si como uma política públi-ca específica: a política pública de elaboração legislativa. Nesseponto, devemos ter clareza a respeito do que são nossos objeti-vos. Se não tivermos clareza, não conseguiremos avaliar nossoprocesso de elaboração de leis.

Abordarei aqui, primeiro, o contexto social do Brasil,porque a lei não está fora do contexto social. Segundo, o con-texto institucional do ordenamento jurídico, porque os agentes,Deputados e técnicos, só podem fazer escolhas de acordo comum contexto institucional. Para terminar, procurarei expor quala opção proposta pela Assembleia de Minas para uma políticapública de elaboração, avaliação e construção legislativa.

A Constituição de 1988 foi um marco para o novo pro-cesso político. Houve um progresso na descentralização admi-nistrativa e na participação da sociedade, buscou-se transpa-rência, ou, como gostam de dizer os americanos, accountability.

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Esses são os marcos da nossa política pública atual, trazidospelo contexto institucional.

Muitas vezes, pergunto àqueles para os quais tenho opor-tunidade de ministrar aulas qual é o artigo da Constituição queconsideram mais importante. Normalmente respondem que éo art. 5º, que trata de direitos e garantias individuais. Consideroesse artigo fundamental, mas o art. 3º da Constituição, muitopouco lido, enumera os objetivos da República Federativa doBrasil e deveria ser colocado em primeiro lugar. Entre essesobjetivos, há um que chama a atenção: "erradicar a pobreza ea marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais".É um objetivo que pode e deve ser produzido em políticaspúblicas, pode e deve ser trazido para a lei. Por aí se vê otamanho do desafio que temos no Brasil, que não é um paíspobre, mas de média e alta renda per capita.

A maior parte da população do mundo, 80%, vive empaíses cuja renda per capita é menor que a do Brasil. Essesdados são de 1988, mas ainda nos servem. O Brasil é um paísque tem uma imensa porcentagem de pessoas pobres e pes-soas indigentes. E essa porcentagem não tem caído ao longodo tempo. Nos últimos 20 anos, houve uma estabilizaçãodo percentual de pobreza em torno de 30% da populaçãobrasileira. Isso, em termos absolutos, significa um contin-gente de cerca de 60 milhões de pessoas pobres, do qualcerca de 15% são indigentes.

A pobreza, conforme Amartya Sen, economista da ONU,diminui as capacidades de a pessoa participar de todas as con-dições da vida democrática. O indigente tem como única preo-cupação a sua sobrevivência. Como discutiremos questões po-líticas com essa pessoa, se sua única preocupação é estar vivano dia seguinte? Esse é o tamanho do desafio do Brasil.

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Em termos demográficos, com o Plano Real, houve umadiminuição da pobreza de 40% para aproximadamente 30%.Nos últimos quatro anos, com as políticas sociais compensató-rias, essa porcentagem caiu para 26%, 27%, mas alguns econo-mistas mostram que essa estabilidade indica um esgotamentoda capacidade das políticas compensatórias de transferência derenda.

Esse é o nosso contexto social, agravado por uma imen-sa desigualdade entre os grupos sociais. Os 10% mais ricos dapopulação brasileira se apropriam de mais de 50% da rendanacional. Os 50% mais pobres – metade da população – apro-priam-se de 10% da renda.

Isso é importante quando pensamos em políticas públi-cas e elaboração legislativa, porque sabemos que, segundo al-gumas teorias, as políticas redistributivas tendem a ser maisconflituosas. Aqueles grupos que têm a perder tendem a resis-tir à transferência de renda. E mais ainda: o segmento que ocu-pa a faixa de 1% mais rico, cerca de 1.800.000 pessoas noBrasil, apropria-se do mesmo percentual de renda de cerca demetade da população brasileira. Afirmo, com absoluta seguran-ça, que fazem parte desse grupo todos os membros do PoderJudiciário, do Ministério Público, do Poder Legislativo, em to-dos os Estados do Brasil, e vários ocupantes de carreiras doserviço público. São esses os mais ricos, e é deles que temos detirar a renda para transferi-la para os 50% mais pobres. E aísurge a pergunta: é fácil? Não sei.

A desigualdade persiste ao longo do tempo. Segundo oíndice de Gini, o Brasil, até 1999/2000, era o segundo paísmais desigual do mundo, perdendo apenas para Serra Leoa.Talvez Serra Leoa nem pudesse ser considerado um Estadoconstituído, dada a dificuldade daquele país africano.

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O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), comdados do censo de 2000, mostra que a pobreza se concentrano Nordeste e no Norte do Brasil. Qualquer pessoa que co-nhece a história do País sabe que essa situação persiste desdeas primeiras décadas do primeiro século da colonização.

Em Minas Gerais há mais ou menos a mesma situação.As regiões mais carentes são o Nordeste e o Norte de Minas,ao passo que o Triângulo Mineiro e o Sul são as que têm maiorIDH. Os índices de longevidade, que medem a saúde, mostramque a mortalidade é muito maior no Norte de Minas. Os índi-ces de educação, por sua vez, mostram que as maiores taxas deanalfabetismo também se concentram no Norte de Minas.Quanto aos índices de renda, a mesma coisa. O que nos reve-lam esses indicadores? Revelam-nos a existência um problemasocial e regional.

As políticas públicas, em Minas Gerais, deveriam serdirecionadas para as populações mais carentes. Lembro-me deum grande filósofo falecido há dois ou três anos, John Rawls,que falava da perspectiva do menos favorecido. A equidade e ajustiça surgem quando se tem, como perspectiva, o menos fa-vorecido. É a única maneira democrática de se fazer políticapública.

Há um problema social e um problema localizado, regi-onal. Como se pode enfrentar esse problema a partir da legisla-ção e do Estado membro no contexto do federalismo brasilei-ro? Esse é um desafio para o Brasil. Não estou falando deEuropa nem de Estados Unidos. Temos peculiaridades brasileiras.

Durante um século, há o crescimento notável do núme-ro de matérias sobre as quais o legislador constituinte decidiuque se pode legislar. Hoje, há cerca de 143 substantivos sobreos quais se legisla.

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Ao lado do tradicional direito civil e penal, os temposexigem que tenhamos direito da energia, da aeronáutica e outrosbem mais recentes, como o importante direito do consumidor.

No Brasil, a repartição de competências entre os entesfederativos é fixada na Constituição Federal. Se o número dematérias sobre as quais se legisla aumentou, a competência pri-vativa da União também cresceu, ao passo que o Estado mem-bro perdeu a capacidade legislativa. A primeira Constituiçãorepublicana brasileira, a de 1891, mostra que o Estado mem-bro tinha mais competências que a União. A última mostra umadiferença bastante acentuada entre essas competências.

Se, na Constituição brasileira de 1988, reduzirmos a com-petência privativa do Estado membro a grandes campos dodireito, constataremos que há três áreas de atuação: o direitoadministrativo, o orçamento estadual e os tributos estaduais.No caso de competência concorrente, a União pode legislar sobrenormas gerais, e o Estado membro, sobre aspectos específicos.

Alguns autores, principalmente da ciência política – na mi-nha opinião, de forma bastante equivocada –, veem isso como umaumento da descentralização e da autonomia do Estado. Na práti-ca, nós – e qualquer legislador estadual – percebemos que a Uniãoinvade, sob o argumento de normas gerais, a competência dosEstados. Até mesmo resoluções de ministérios, como é o caso dosistema de saúde, são consideradas normas gerais e mais impor-tantes que as da legislação estadual. O nosso legislador estadualenfrenta essa restrição institucional. E todas as vezes que tentafugir dela, os tribunais validam o contexto institucional, impedindoque atue fora dos limites circunscritos. Não se pode legitimamenteultrapassar as restrições impostas por esse contexto. Não é que olegislador estadual não queira fazer algo a mais; na verdade, elenão pode, pois tem uma restrição institucional no contexto jurídico.

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O que resta ao legislador mineiro? Resta-lhe fazer leisque chamamos de declaração de utilidade pública: "Fica decla-rada de utilidade pública a entidade tal". Qual o efeito concre-to dessas leis? Nenhum; simplesmente conceder um títulohonorífico ou algum tipo de benefício fiscal para grupos pe-quenos, o que é direcionado para a clientela política daquelelegislador. Se pensarmos, por exemplo, a partir de uma teorianorte-americana, baseada nos trabalhos de David Mayhew eDouglas Arnold, constataremos que o legislador busca a suareeleição. Ele fará as leis que puder direcionando-as para a suaclientela política, ou seja, agirá racionalmente dentro do con-texto que tem. Conclusão: há um imenso número de leis que,na prática, não são leis.

A situação relatada, que não é muito diferente da dosoutros Estados, não invalida a discussão sobre a Legística. Pelocontrário, traz mais atenção para aquele grupo de 29% de nor-mas que podem ser criadas pelo legislador estadual, que são asnormas ambientais, as normas do direito econômico, do direito doconsumidor ou as normas suplementares de saúde, de educação.

A opção da Assembleia Legislativa de Minas para a ela-boração de leis não foi apenas empírica, foi bastante pensada.Houve pesquisa e decisão política para isso. A decisão, que jávem de aproximadamente 20 anos, foi a de reforçar a partici-pação popular e trazer, para dentro da Assembleia, o povo comoaliado, pois o contexto institucional brasileiro não permite ou-tro tipo de avanço.

A participação popular é um ideal expresso na Constitui-ção brasileira, mas é muito difícil de alcançar. Para possibilitaressa participação, há na Assembleia Legislativa de Minas a Co-missão de Participação Popular e há no Congresso Nacional aComissão de Legislação Participativa. Mas 50% da população

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brasileira não pensa em participação legislativa, e, sim, em ten-tar sobreviver. Os grupos organizados são muito poucos. Des-sa forma, as Comissões de Participação Popular e de Legisla-ção Participativa não conseguem canalizar os anseios sociais eacabam repetindo o que havia antes.

Um dos trabalhos da Comissão de Participação Popularé a realização de intervenções no planejamento do Estado, noplano plurianual, que é uma determinação constitucional dequatro anos, e no orçamento do Estado. Essa Comissão reco-lhe, por meio de audiências públicas, as questões levantadas nasociedade e procura trazê-las para o orçamento.

Essa é uma política de elaboração legislativa que temimenso potencial de transformação, porque insere a elabora-ção legislativa no orçamento, naquilo que é privativo do Esta-do. Na realidade, a participação popular, na lógica doexperimentalismo democrático – um conceito desenvolvido peloprofessor português Boaventura de Sousa Santos e pelo pro-fessor Leonardo Avritzer –, traz a possibilidade de comple-mentaridade, de rearticulação das relações da administraçãocom a sociedade organizada.

Para ilustrar a importância da Comissão de ParticipaçãoPopular, citarei dois exemplos de emendas ao orçamento esta-dual. Na primeira, apresentada por um parlamentar ao Orça-mento de 2003, percebe-se a pulverização de uma verba deR$110.000,00 por um grande número de escolas municipais:R$3.000,00 para umas, R$10.000,00 para outras. Não é possí-vel fazer muita coisa com a verba pulverizada. Esse é um tipode emenda parlamentar bastante comum, que visa ao atendi-mento da clientela política.

Na segunda emenda, apresentada pela Comissão de Par-ticipação Popular, os beneficiados não são as escolas, entidades

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concretas, são programas ou secretarias: Fundo Estadual deAssistência Social, Secretaria de Desenvolvimento Social, Se-cretaria de Governo. As ações são de amplo alcance social. AComissão de Participação Popular recebe as propostas e apre-senta emendas, que são aprovadas pelo Plenário na segundaetapa do processo legislativo. Por meio desse tipo de interven-ção, muda-se a lógica de elaboração da lei: em vez da leidirecionada para pequenos grupos, em vez do clientelismo,temos a possibilidade de elaborar normas dirigidas a amplosgrupos sociais. Estamos caminhando para aquele objetivo daConstituição: reduzir a pobreza e a desigualdade.

Para terminar, gostaria de citar o Prof. GuillermoO'Donnell, um argentino radicado há alguns anos nos EstadosUnidos. A sua premissa é a do liberalismo. Ele não é, de formaalguma, defensor da democracia do tipo socialista e trabalhacom a matriz do Prof. Robert Dall, que consideramos bastanteadequada, de que existem premissas formais para a existênciada democracia. Segundo Guillermo O'Donnell, a lei é umacondensação de forças e, mesmo que não conduza à trans-formação social, é um motivo de esperança. O autor falada não efetividade da lei na América Latina, mas afirmaque temos de depositar uma esperança de transformaçãosocial naquelas leis produzidas dentro de uma política deelaboração legislativa.

Em síntese, é preciso ter clareza de quais são os nossosobjetivos e conduzir a política pública de elaboração legislativapara alcançar esses objetivos. E, é claro, o processo de avalia-ção só pode ocorrer se começarmos a construir uma políticapública de elaboração legislativa. É esse o nosso objetivo, e éisso o que, de certa forma, a Assembleia de Minas tem tentadofazer nos últimos anos.

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O principal enfoque de minha conferência serão as ques-tões práticas de técnica legislativa observadas em nível federal.Assim, apenas brevemente apresentarei alguns procedimentosinternos do Poder Executivo no exame de atos normativos.

A questão da técnica legislativa entrou formalmente napauta do Poder Executivo federal em 1992, com a edição doDecreto n° 468 e a publicação da primeira edição do Manualde Redação da Presidência da República, cuja segunda parte éintegralmente dedicada a questões de elaboração legislativa. Asegunda edição do manual está disponível no site da Presidên-cia da República. Vejo esse movimento iniciado em 1992 comouma reação ao agravamento dos problemas de técnica legislativaocorridos durante o governo Collor. Depois, foi promulgada aLei Complementar n° 95, de 1998, norma que, com certa mar-gem de controvérsia, parece ser de aplicabilidade nacional,condicionando também estados e municípios.

A principal inovação ocorrida em 1992 foi a centraliza-ção, em órgão da Presidência da República, da revisão final dosatos normativos. Antes, cada Ministro apresentava ao Presi-dente as propostas de atos vinculados à matéria de seu Minis-tério. Depois de 1992, todos os projetos de lei, propostas demedida provisória, propostas de decreto e as proposições de leienviadas pelo Congresso para sanção ou veto passaram a, ne-cessariamente, ser submetidos à avaliação da Casa Civil e des-

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pachados com o Presidente exclusivamente pelo Ministro deEstado Chefe da Casa Civil.

No atual governo, todos os atos normativos passaram aser despachados pelo próprio Subchefe para Assuntos Jurídi-cos da Casa Civil com o Presidente da República. Essa medidafoi fundamental para conferir certo padrão à atuação do PoderExecutivo: todos os atos presidenciais têm de ser examinados,antes da assinatura, pela mesma autoridade jurídica. Hoje osatos são encaminhados por via eletrônica, dentro dos padrõesde certificação digital da Infraestrutura de Chaves Públicas doBrasil, pelos Ministérios proponentes. Na maioria dos casos hámais de um Ministério envolvido. O envio eletrônico tem avantagem de permitir a análise da questão em paralelo por di-versos setores, evitando a morosidade da análise de processofísico por setores sucessivos.

É obrigatória a análise prévia pela Consultoria Jurídicade cada Ministério, segundo os padrões do Decreto n° 4.176,de 2002 – sucessor do decreto citado, de 1992. Trata-se dodecreto que contém, em seu Anexo I, as famosas questões queo então Subchefe para Assuntos Jurídicos e hoje Ministro doSupremo Tribunal Federal Gilmar Mendes trouxe do direitoalemão. Esclareço que o decreto exige o envio das propostas"com observância do disposto no Anexo I"; não é e nunca foinecessário – não seria sequer viável – o envio de resposta espe-cífica a cada uma das questões constantes no Anexo I. Chegan-do à Casa Civil, o ato é distribuído, paralelamente, para aSubchefia para Assuntos Jurídicos e para a Subchefia de Análi-se e Acompanhamento de Políticas Governamentais, antigaSubchefia para Coordenação da Ação Governamental. Em sín-tese, a Subchefia Jurídica tem por função cuidar da legitimida-de constitucional e da técnica legislativa, e a Subchefia Gover-

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namental, da compatibilidade com outras propostas governa-mentais.

O descumprimento das normas da Lei Complementarn° 95, de 1998, não gera invalidade do ato – como, aliás, estáexpresso ao final da lei. O mesmo se dá no caso do Decreto n°4.176, apesar de isso não estar expresso – não haveria lógicajurídica em defender, por exemplo, a invalidade de decreto porviolação do disposto em outro decreto. O descumprimento dodecreto poderia gerar, isto sim, responsabilidade administrativade algum servidor da área técnica. De qualquer forma, o de-creto é ato presidencial e não condiciona o próprio Presidente.Quando o Presidente entende conveniente, determinadas eta-pas são suprimidas em nome da celeridade. A propósito, já ouviuma lenda de que seria obrigatório, no envio de atos à Presi-dência, parecer favorável da Consultoria Jurídica do Ministé-rio proponente. Evidentemente não é verdade, até porque oparecer da Consultoria não é – e não poderia ser – vinculante.A exigência é de que haja parecer, cabendo aos Ministros e aoPresidente concordar ou não com ele, considerar os problemasjurídicos apresentados relevantes ou irrelevantes. Aliás, o pa-drão das Consultorias de maior tradição e de melhor nível éseguidamente apresentar pareceres com objeções. Feita essaintrodução sobre procedimentos, passo a tratar das principaisquestões de técnica legislativa que se enfrentam em nível federal.

A primeira questão diz respeito à omissão noenfrentamento das controvérsias jurídicas. Altera-se a legisla-ção sem resolver controvérsias que geram um número fantás-tico de processos judiciais. Há um dispositivo que causa dúvidade interpretação; faz-se uma nova lei, mas sem promover alte-rações justamente nesse ponto, e as dúvidas permanecem. Al-guns casos decorrem da própria ignorância do redator da nor-

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ma em relação às controvérsias existentes em juízo. É impressi-onante como muitas normas são propostas sem cumprimentoda obrigação básica de pesquisar exaustivamente as controvér-sias judiciais existentes em torno da matéria.

Noutros casos, o problema é a impossibilidade políticade se chegar a um acordo sobre a controvérsia. Mantém-se otexto ambíguo, que gera controvérsia em juízo, porque solucioná-la implicaria fazer uma opção política em um ou outro sentido,e essa opção geraria reações tão fortes do grupo derrotado queinviabilizaria o acordo em torno da matéria. Nesse momento éque todos que trabalham com elaboração legislativa enfrentamas situações mais desagradáveis, pois ao se tentar fazer umtrabalho sério se terá de pressionar para que seja tomada umadecisão política no sentido de algum dos diversos significadospossíveis para a lei. E aí se será acusado de invadir o mérito daquestão, fugindo do âmbito de competências do órgão jurídico.Lamentavelmente, às vezes a controvérsia é solucionada da piorforma possível: deixando em aberto a questão para ser resolvi-da pelo Judiciário, em cada caso concreto de forma diferente.

O acúmulo fantástico de processos judiciais relativos aalgumas questões no Brasil tem causas complexas que não cabeaqui examinar, mas um dos motivos parece ser as anomalias naelaboração legislativa. Não é causa do acúmulo de processosjudiciais, ao menos não como regra geral, a falta de recursospara o Poder Judiciário, pois, como mostrou o "Diagnóstico doPoder Judiciário" editado pelo Ministério da Justiça, o Brasildisputa com a Itália o título de país do mundo que proporcio-nalmente mais gasta com a administração da Justiça.

Os exemplos de omissão no enfrentamento das contro-vérsias são múltiplos e abrangem várias áreas do direito. Emespecial mencionaria as anomalias do direito do trabalho, do

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direito do consumidor e do direito ambiental, áreas em que édifícil debater racionalmente a norma. Mesmo quando não sedefende nem redução nem aumento da proteção do trabalha-dor, do consumidor ou do meio ambiente, mas mero aclaramentoda norma, o diálogo é complexo. A maioria dos interlocutorescomeça a tratar qualquer problema insignificante como ques-tão de direitos fundamentais, a invocar violação do princípioda vedação de retrocesso, que não existe na Constituição brasi-leira – mas isso é impossível de explicar –, a dar abrangênciaamplíssima a princípios genéricos da Constituição, o queinviabiliza o diálogo.

A dificuldade de comunicação não se dá apenas comdefensores de direitos dos trabalhadores, dos consumidores oudo meio ambiente, mas é bilateral: os segmentos que entendemmais conveniente reduzir a abrangência de normas trabalhis-tas, ambientais e de direito do consumidor também não se com-portam de forma que prime pela racionalidade. Como conse-quência, recorde mundial de reclamações trabalhistas e de açõesrelativas a direito do consumidor. No caso das ações de direitoambiental, acho que ainda não batemos o recorde, mas creioque é questão de tempo.

Citarei a seguir alguns exemplos práticos das questõesque examinei. Ninguém sabe dizer, de forma objetiva, quaissão os critérios de responsabilização pessoal de dirigentes deempresa por dívidas trabalhistas. Já examinei propostas de atoa respeito, mas fui obrigado a opinar contrariamente a todaselas. Algumas pretendiam simplesmente estabelecer que não háresponsabilidade em nenhuma hipótese, outras pretendiam de-terminar que sempre há responsabilidade, mas a maioria sim-plesmente não respondia de forma objetiva a questão, limitan-do-se a chavões do tipo "somente será responsabilizado se de-

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vidamente comprovado, garantido o amplo direito de defesa,ato de violação da lei ou do contrato social" – disposições quequem tem alguma experiência com Justiça do Trabalho sabeque na prática nada significam.

Há outro caso interessante, que merece ser narrado comdetalhes. A Lei n° 10.931, de 2004, foi editada visando a esti-mular o financiamento imobiliário. O projeto de lei que deuorigem à norma foi elaborado por mim e por alguns economis-tas do Ministério da Fazenda entre uma sexta-feira e uma ter-ça-feira. Com esse prazo que nos foi dado naturalmente nãofoi possível empregar a melhor técnica legislativa. No entanto,bastou aclarar um pouco a legislação para que houvesse o fan-tástico crescimento dos financiamentos imobiliários observadonos últimos anos. Não houve mágica. Simplesmente foram ou-vidas as instituições financeiras para saber o porquê de haver,no Brasil, tamanha hesitação em conceder financiamentos imo-biliários, enquanto em outros países o financiamento imobiliá-rio era tido como um excelente negócio. O ato foi, então, redi-gido de modo a atacar os pontos nos quais parecia haver maiormargem para litígios judiciais.

No curso da tramitação do projeto de lei, várias propos-tas surgiram e foram debatidas com o relator e com consulto-res do Congresso. Ao longo da discussão, porém, o projeto per-deu um pouco de sua racionalidade. Alguém alegou que as dis-posições ambientais estavam dificultando muito a construçãode imóveis. Chegou-se a fundamentar bem o problema, de-monstrando que havia certos exageros da legislação ambientale que as restrições exageradas somente serviam para aumentaro número de edificações clandestinas, que não seguiam nenhu-ma norma. Porém, a solução proposta foi a introdução de dis-positivo que estabelecia que, "na produção imobiliária, seja por

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incorporação ou parcelamento do solo, em áreas urbanas e deexpansão urbana [ou seja, qualquer coisa construída em qual-quer lugar], não se aplicam os dispositivos da Lei n° 4.771, de15 de setembro de 1965". A Lei n° 4.771 é o Código Florestal.Assim, de uma proteção exagerada se passaria a uma ausênciacompleta de proteção ambiental. Não houve escolha a não serrecomendar o veto do dispositivo por inconstitucionalidade,pois a ordem constitucional possibilita tornar a proteçãoambiental menos rígida, mas não me parece que admita a su-pressão completa de todas as formas de proteção ambiental.

Interessante também foi o caso do projeto de lei refe-rente aos bancos de dados de proteção ao crédito. Devido àinsegurança das normas que regem cadastros de crédito, tenta-mos elaborar projeto de lei que resolvesse as controvérsias. OCódigo de Defesa do Consumidor contém disposição a respei-to, mas é extremamente genérico. Diz, por exemplo, que o con-sumidor tem direito à retificação de informação, mas não ori-enta sequer sobre para quem seria dirigido o pedido – ao ban-co de dados ou ao credor? O projeto de lei está em tramitaçãono Congresso Nacional, e observamos perigosa tendência de, acada vez que surge ponto controvertido, a opção ser não fir-mar posição, mas suprimir o dispositivo e deixar a controvérsiaem aberto. Não está claro se a comunicação deve ser feita pormeio de carta com AR ou se basta carta simples... Solução:suprime-se o dispositivo que resolvia a controvérsia e deixa-setudo em aberto.

Para reduzir a sobrecarga do Judiciário brasileiro, o pro-cedimento a ser adotado deve ser legislar aclarando as contro-vérsias jurídicas. Se se sabe, por exemplo, que em alguns locaisos juizados de pequenas causas entraram em colapso devido aações envolvendo problemas de telefonia, deve-se tentar legis-

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lar resolvendo esses problemas. A outra opção é expandir inde-finidamente o Poder Judiciário, criando cada vez mais varas ecargos e aumentando a despesa pública, mas não sou muitofavorável a essa medida...

A segunda questão é relativa a dispositivos com cláusu-las abdicatórias do dever de legislar. O problema manifesta-setanto nas propostas do Executivo quanto nas de parlamentares.Na verdade, vícios de técnica legislativa parecem contaminarreciprocamente Legislativo e Executivo. Hoje, sem exagero, 50%das propostas de norma que me chegam para análise possuem,em algum dispositivo, problema de delegação legislativa. Nãoestou me referindo a detalhes da norma ou, muito menos, aaspectos altamente técnicos de disposições sobre matérias mui-to específicas. Estou falando sobre proposições, de abrangênciageral, contendo dispositivos extremamente genéricos que ter-minam com a sentença mágica "o Poder Executivo regulamen-tará o disposto nesta lei".

São propostas de criação de programas que delegam aoPoder Executivo dispor sobre os critérios de seleção dosbeneficiários, o valor dos benefícios, enfim, todos os aspectosrelevantes do programa. Ou normas que criam cargos sem atri-buições ou gratificações cujos critérios de pagamento são total-mente delegados para regulamento. Chegou-se ao cúmulo deelaborar proposta – que, felizmente, não foi adiante – de cria-ção de cargo efetivo de nível superior – diploma necessáriodeixado para o edital – cujas atribuições eram "aquilo que nãofor atribuição de outra carreira já criada". Normas que autori-zam empréstimos em condições facilitadas sem estabelecer oscontornos exatos dessas facilidades. Normas sobre conselhosprofissionais que disciplinam o ramo de atuação do profissio-nal de forma extremamente vaga, pretendendo que, na prática,

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o ramo de atuação privativa do profissional seja aquilo que opróprio conselho disciplinar. É claro que essa questão muitasvezes é mais de constitucionalidade do que propriamente detécnica legislativa, já que delegação legislativa é possível so-mente nos termos de lei delegada. No direito penal e no direitotributário o problema pouco se manifesta, pois parece existiruma consciência de que a disposição seria fulminada em juízo.Nas outras áreas do direito, porém, o problema está se agravando.

A terceira questão refere-se ao uso de linguagem esotérica,na acepção de linguagem destinada a ser compreendida apenaspor um círculo restrito. É o caso do burocrata que utiliza de-terminada terminologia em seu trabalho rotineiro e terminapor não atentar para o fato de que não se trata de linguagemuniversalmente compreensível. Aliás, muitas vezes não é sequerportuguês adequado, pois as palavras são postas em acepções nãoreconhecidas por nenhum dicionário. O mesmo raciocínio vale parao parlamentar que, representando segmento muito específico, re-dige a lei no jargão característico desse segmento.

Também pode ocorrer de a linguagem hermética ser me-canismo de poder do burocrata. Claro, existem casos em que ouso de linguagem hermética decorre da simples dificuldade decomunicação do proponente, pessoa sem nenhuma experiênciacom a redação de atos normativos (o caso mais comum é o deredação de parágrafos intermináveis, repletos de intercalações).Há, por fim, a hipótese de o texto hermético ser uma tentativadeliberada de dar pouca visibilidade à alteração legislativa, porse considerar que ela é impopular ou de legitimidade duvidosa.Para os que acharem a ideia interessante tenho a dizer, combase na minha experiência, que a manobra não funciona. Oraocorre que todos identificam a manobra, ora ocorre que não aidentificam, mas como não entendem, terminam dando ao dis-

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positivo redação com significado diverso ao longo da tramitação.Há, ainda, casos em que o dispositivo é aprovado, mas, de tãoininteligível e impreciso, acaba não sendo aplicado. São, portan-to, manobras infantis.

A quarta questão está relacionada com a falta de conso-lidação normativa. A Lei Complementar n° 95, de 1998, esta-beleceu a respeito das leis futuras que "o mesmo assunto nãopoderá ser disciplinado por mais de uma lei, exceto quando asubsequente se destine a complementar lei considerada básica,vinculando-se a esta por remissão expressa". O Decreto n°4.176, de 2002 – esse decreto aplica-se apenas ao Poder Exe-cutivo federal –, complementa a ideia ao estabelecer que nãoserá feito ato normativo independente quando já existir atotratando do assunto, caso em que se dará nova redação ao atoem vigor.

Houve, nesse aspecto, uma substancial evolução no to-cante à consolidação normativa. Em especial, tem-se consegui-do cada vez mais convencer o proponente a dar nova redaçãopara o ato em vigor em vez de criar ato autônomo. Ainda as-sim, existem alguns focos de resistência, baseados na ideia deque determinadas leis têm nível de controvérsia política muitogrande e que por isso seria melhor, politicamente, não dizerque se está alterando a norma. Bem, além de erro de técnicalegislativa, do ponto de vista político, a manobra é primáriademais. O fato de a alteração da norma em vigor ser feita deforma tácita não vai afastar controvérsia alguma.

Outra dificuldade é que, quando se tem pouco contatocom uma determinada questão, o fato de se precisar pesquisarvárias leis diferentes para se ter conhecimento global do assun-to revela-se problema grave. Mas para a pessoa que trabalhatodos os dias com a questão, o fato de serem vários atos

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normativos não se revela um problema, já que ela conhecebem esses atos. Assim, essa pessoa, ao tomar a iniciativa derecomendar uma alteração legislativa, não vai atentar para agravidade do erro que comete quando propõe nova normaesparsa sobre a questão. Será necessário algum esforço paraque ela entenda que é preciso consolidar.

Num mundo ideal, seriam revogados todos os atos quedispõem sobre determinado assunto e se disporia sobre ele deforma integralmente nova. Com essa opção se conseguem al-guns resultados, mas geralmente se esbarra no problema denormas de significado controvertido. Caso se queira fazer umtrabalho responsável, será necessário resolver a controvérsiaem algum sentido, e aí o profissional do direito vai ser acusadode estar pretendendo alterar o mérito de questões que não es-tão em discussão. Retorna o problema da necessidade de deci-dir politicamente qual o conteúdo mais adequado para a nor-ma ambígua.

Outro ponto correlacionado, no qual estamos conseguin-do avanço notável, diz respeito à declaração expressa de revo-gação. São cada vez mais raros os casos de revogação tácita. Acláusula "revogam-se as disposições em contrário", cabendo aoadministrado adivinhar quais seriam aquelas que o legisladorentende incompatíveis com a nova norma, está realmente ba-nida. Estamos radicalizando no tocante à questão da revogaçãoexpressa, com medidas como, ao editar nova norma sobre umdeterminada assunto, não apenas revogar expressamente os atosincompatíveis com a nova norma, como aproveitar para decla-rar a revogação de outros atos que tratam do assunto e que hámuito estão revogados tacitamente ou perderam o objeto. Aorientação que seguimos é que, em qualquer discussão, deve-setentar identificar normas que possam ser revogadas expressa-

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mente, e que a revogação expressa seja feita mesmo quando arevogação tácita pareça óbvia.

Por exemplo, durante muitos anos editou-se a tradicio-nal medida provisória que estabelece o novo valor do saláriomínimo sem se atentar para a necessidade de revogação ex-pressa do ato normativo do ano anterior. Ao que parece, acha-va-se que a lei do salário mínimo é norma que todos os brasi-leiros conhecem muito bem e que, portanto, não haveria neces-sidade de revogação expressa. Além da questão da violação daexigência da Lei Complementar n° 95 de sempre realizar revo-gação expressa, deve-se considerar, por exemplo, a dificuldadeque um estrangeiro que estivesse pesquisando a legislação bra-sileira teria para saber o valor do salário mínimo atual. Assim,na medida provisória relativa ao salário mínimo de 2006, numsó golpe revogamos 12 normas sobre salário mínimo e, na me-dida provisória de 2007, mantivemos o padrão fazendo a revo-gação expressa da norma do ano anterior.

No tocante às revogações, a falha que ainda persiste é anão revogação expressa de atos normativos inferiores vincula-dos ao ato normativo revogado. Revoga-se expressamente a leioriginária, mas não se propõe decreto para revogar o decretoque se tornou inaplicável. Em outro nível, altera-se a Constitui-ção, mas não se propõe a revogação expressa de leis ordináriasque se tornaram inaplicáveis.

Enquanto não conseguimos realizar a consolidação idealdas normas, tentamos fazer com que a pesquisa legislativa sejasimplificada. A ementa do ato era historicamente negligenciadana elaboração, já que o seu texto não tem consequências jurídi-cas formais. Agora, porém, ela começa realmente a expressar oconteúdo do ato. Estamos evitando ao máximo a cláusula "e dáoutras providências". Até há pouco tempo, a quase totalidade

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das ementas continha essa cláusula; agora, só uma minoria. Nãoadmitimos mais ementas como "altera a legislação tributária","cria grupos de trabalho para os fins que especifica" ou emen-tas burocráticas como "altera as leis números tais e tais", citandovários números de leis, de cujo conteúdo, obviamente, ninguémse lembra. Mesmo que as ementas fiquem deselegantementegrandes, estamos tentando, ao máximo, citar todas as matériasexistentes no corpo do ato. O problema das ementas que nãose conseguiu resolver refere-se às matérias incluídas por emen-das parlamentares, que fogem ao controle do relator – as cha-madas emendas de Plenário. Nesse caso, persiste o problemade a matéria não constar da ementa e ficar oculta no corpo danorma.

Outro óbice à consolidação é o surgimento do hábito dese proporem normas que não se atêm a determinado ramo dodireito, mas misturam diversos ramos para tratar de determi-nado grupo social ou econômico. É o caso, por exemplo, doEstatuto do Idoso e do Estatuto da Microempresa. Nada con-tra, obviamente, a que se façam normas a favor do idoso ou damicroempresa, mas que elas sejam feitas por meio da alteraçãodas normas já em vigor de direito tributário, civil, administrati-vo, previdenciário, do consumidor, penal e processual. Não sedeve dispor sobre questões referentes a diversos ramos do di-reito na mesma norma, como se "idoso" ou "microempresa"fossem ramos autônomos do direito. Esse padrão legislativodestrói qualquer possibilidade de consolidação normativa e di-ficulta, sobremaneira, o conhecimento e a pesquisa de normasque versam sobre determinadas matérias.

Por fim, resta-nos tratar da consolidação normativa parao passado, isto é, da lei feita com o objetivo exclusivo de con-solidar atos normativos já editados. Deixei deliberadamente o

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assunto para o final, por não o considerar importante, já quesimplesmente não funciona, pelo menos na União. No governoFernando Henrique Cardoso se montou, na Subchefia para As-suntos Jurídicos, uma estrutura para coordenar o trabalho deconsolidação de atos normativos no Poder Executivo. Não par-ticipei do grupo, mas sei que a dedicação era intensa e queeram pessoas da mais alta capacidade. Foram elaborados vári-os projetos de lei de consolidação, que foram enviados à Câ-mara. Não me consta que tenham tido andamento.

Hoje, creio, devido às alterações legislativas ocorridasno período, que o trabalho perdeu completamente o valor. Noatual governo, não houve envio de projeto de lei de consolida-ção. Consta que o atual Presidente da Câmara estaria tentandoelaborar novos projetos de consolidação. Não acredito na inici-ativa. Não culpo o Parlamento por não ter dado andamento àsiniciativas anteriores; também não culpo o atual governo pornão ter dado prosseguimento ao esforço de consolidação denormas já existentes.

A aplicação da Lei Complementar n° 95 no tocante àconsolidação de atos já publicados não é viável. Em primeirolugar, ao consolidar, é exigido – nos termos da lei – que seatualizem modos de escrita antiquados, eliminem-se ambigui-dades, suprimam-se dispositivos não recepcionados pela Cons-tituição de 1988 e declarem-se revogações tácitas. Ora, todasessas providências exigirão o enfrentamento de controvérsiasjurídicas e políticas. Repito: quando se quer resolver ambiguidadeno texto da norma, tem-se de dar solução num ou noutro sentido,tem-se de escolher entre várias opções, e isso não é tão simplescomo o texto da Lei Complementar n° 95 quer fazer parecer.

Em segundo lugar, por mais relevante que seja a conso-lidação, não há como dizer que é ainda mais importante que as

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alterações materiais do ordenamento jurídico. Não vejo comoserá possível conseguir lugar na pauta do Congresso para osprojetos de lei de consolidação. Observe-se que o projeto de leide consolidação tem de ser elaborado pelo Executivo ou porum parlamentar, aprovado na Câmara dos Deputados, aprova-do no Senado Federal, novamente aprovado na Câmara dosDeputados se tiver ocorrido alteração no Senado e sancionadopelo Presidente da República. E isso não pode ocorrer em maisde dois anos, caso contrário é praticamente certo que as altera-ções legislativas do período já terão inutilizado a proposta. Porisso, mesmo louvando todos os esforços de colegas envolvidoscom a consolidação normativa, acredito que seria melhor alocaresses recursos humanos, cuja mão de obra é muito qualificada,no aperfeiçoamento de normas futuras.

Quero terminar apelando para que se evitem declara-ções de que a cultura, a gênese, a "raça" do povo brasileiroseriam incompatíveis com os melhores padrões de qualidadelegislativa. É lógico que, algumas vezes, ficamos frustrados coma falta de resultados, mas, persistindo, conseguem-se coisasnotáveis. Cuidado com os que se comportam como o pai, per-sonagem do conto "Teoria do Medalhão", de Machado de As-sis, que, querendo ensinar ao filho, sem méritos para tanto,como se tornar figura importante, aconselha:

Faz-se uma lei, executa-se, não produz efeito, subsiste omal. Eis aí uma questão que pode aguçar as curiosidadesvadias, dar ensejo a um inquérito pedantesco, a uma coletafastidiosa de documentos e observações, análise das cau-sas prováveis, causas certas, causas possíveis, um estudoinfinito das aptidões do sujeito reformado, da natureza

1 ASSIS, 1997,p.291-292.

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do mal, da manipulação do remédio, das circunstâncias daaplicação; matéria, enfim, para todo um andaime de pala-vras, conceitos, e desvarios. Tu poupas aos teus seme-lhantes todo esse imenso aranzel, tu dizes simplesmente:Antes das leis, reformemos os costumes! – E esta frasesintética, transparente, límpida, tirada ao pecúlio comum,resolve mais depressa o problema, entra pelos espíritoscomo um jorro súbito de sol.

Referências bibliográficasReferências bibliográficasReferências bibliográficasReferências bibliográficasReferências bibliográficas

ASSIS, Machado de. Teoria do medalhão. In: Obra completa. Rio de

Janeiro: Nova Aguilar, 1997. v. 2. p. 288-295.

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Relação de comunicações orais

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Legística e modelos de avaliação legislativa:Uma proposta para o aprimoramento daprodução normativa municipal de BeloHorizonte.

A referenciação no texto legal.

Direito, democracia e legitimidade.

Análise da elaboração do Código de Saúdede Belo Horizonte à luz da legística.

Democracia deliberativa e consulta pública.

As interfaces entre o urbanismo e o direitona produção de normas jus-urbanísticas: anecessidade do diálogo para a efetivaçãodo direito à cidade.

O clientelismo no Poder Legislativo.

Projeto de Lei Municipal nº 1.227/07, que"Dispõe sobre redação de ato normativomunicipal" e os preceitos da legística – umabreve análise.

A relação entre os poderes no Brasil: umaanálise da atividade legislativa do PoderExecutivo à luz da teoria democrática.

Informação e democracia deliberativa: adimensão informacional do processo deelaboração participativa das leis.

A língua do estado (da norma) e a norma nalíngua.

O debate público produzido pela mídia e aconservação da eficácia da lei.

Alexandre Vilela Jardim deCastro

Maria Beatriz Chagas Lucca

Gustavo Silveira Siqueira

Eduardo Camargos Couto,Érika Ataíde Starling Lages

Guilherme Wagner Ribeiro

Igor Sporch da Costa

Wladimir Rodrigues Dias

Caroline de Souza Pereira RossiVieira

Bruno Franco Alves

Nilson Vidal Prata

Eunice Nicolau

Daniela Santiago

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A comissão de participação popular daALMG: partilhamento de processosdeliberativos entre a sociedade civil e oParlamento.

Casuísmo eleitoral.

Pluralidade linguística na União Europeia e oprocesso legiferante comunitário: unidos nadiversidade.

A fraternidade como parâmetro deelaboração legislativa.

A atividade legislativa e o exercício deliberdades público-políticas como locus deemancipação e desenvolvimento social.

A solução das antinomias jurídicas aparentesinseridas na consolidação das leis.

Potencialidades e limites da lei: os paradoxosde nossa produção legislativa.

Da irresponsabilidade estatal ao Estadolegislador responsável.

Maria Regina Alvares Magalhães

Élisson César Pietro

Camilla Capucio

Maria Inês Chaves de Andrade

David Francisco Lopes Gomes

Bruno José Ricci Boaventura

José Alcione Bernardes Júnior

Júlio César dos Santos Esteves

Título Autor

Obs.: As comunicações listadas (exceto a de número 5) encontram-se disponíveis nosite da ALMG, na versão eletrônica desta publicação.

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Relação de oficinas temáticas

Oficina 1 – FOficina 1 – FOficina 1 – FOficina 1 – FOficina 1 – Fontes de pesquisa para a prontes de pesquisa para a prontes de pesquisa para a prontes de pesquisa para a prontes de pesquisa para a produção legislativaodução legislativaodução legislativaodução legislativaodução legislativa

Levantamento de informações relativas a um dado tema em

fontes especializadas: mapeamento de legislação e de políticasjá implementadas. Apresentação de ferramentas e técnicas de

pesquisa em bancos de dados e sistemas de informação oficiais.Consolidação das informações recolhidas em documento de

referência para a produção legislativa.

Oficina 2 – Produção de textos normativos:Oficina 2 – Produção de textos normativos:Oficina 2 – Produção de textos normativos:Oficina 2 – Produção de textos normativos:Oficina 2 – Produção de textos normativos:

retextualizaçãoretextualizaçãoretextualizaçãoretextualizaçãoretextualização

Aspectos discursivos, textuais e linguísticos envolvidos noprocesso de produção e recepção de textos normativos.

A elaboração do texto da lei: estrutura e articulação.Retextualizações: das demandas populares ao texto normativo

e do texto normativo ao texto informativo.

Oficina 3 – Atuação legiferante dos entes federados:Oficina 3 – Atuação legiferante dos entes federados:Oficina 3 – Atuação legiferante dos entes federados:Oficina 3 – Atuação legiferante dos entes federados:Oficina 3 – Atuação legiferante dos entes federados:

adequação de proposição à repartição de competênciaadequação de proposição à repartição de competênciaadequação de proposição à repartição de competênciaadequação de proposição à repartição de competênciaadequação de proposição à repartição de competência

A análise de proposições do ponto de vista da repartição decompetência legislativa entre os entes que compõem a

Federação. A identificação do ramo do direito em que se inserea matéria e as possíveis interseções com outros ramos que não

residem no mesmo campo de competência legislativa. Ascompetências legislativas privativa, concorrente e suplementar.

O conceito de norma geral. A competência legislativa municipale o conceito de interesse local.

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Oficina 4 – A comunicação na dimensão política daOficina 4 – A comunicação na dimensão política daOficina 4 – A comunicação na dimensão política daOficina 4 – A comunicação na dimensão política daOficina 4 – A comunicação na dimensão política da

produção legislativaprodução legislativaprodução legislativaprodução legislativaprodução legislativa

Comunicação nas instituições públicas. Planejamento integradode comunicação: estratégias de informação, atendimento e

mobilização. Diagnóstico e pesquisa de opinião.

Oficina 5 – Modelização causal de um problemaOficina 5 – Modelização causal de um problemaOficina 5 – Modelização causal de um problemaOficina 5 – Modelização causal de um problemaOficina 5 – Modelização causal de um problema

legislativolegislativolegislativolegislativolegislativo

Estímulo à adoção de hábitos de planejamento legislativo pelacomunidade de técnicos e políticos, previamente à confecção

de projetos de lei. Trabalho em grupo, com mediação e análisemonitorada, com vistas à identificação das relações sociais

constitutivas do "problema" objeto de normatização. Identificaçãodos atores sociais ligados direta ou indiretamente ao "problema".

Mapeamento de entes, poderes e órgãos públicos e seus papéisdiante do problema. Cogitação de alternativas que dispensem

ou orientem o tratamento normativo.

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Publicação da Assembleia Legislativa do Estado de Minas GeraisPublicação da Assembleia Legislativa do Estado de Minas GeraisPublicação da Assembleia Legislativa do Estado de Minas GeraisPublicação da Assembleia Legislativa do Estado de Minas GeraisPublicação da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais

Rua Rodrigues Caldas, 30 – Bairro Santo Agostinho – CEP 30190-921

Belo Horizonte/MG – Internet: www.almg.gov.br – Telefone: (31) 2108-7000

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