LeGAL - .: Fundação Agrisus - Agricultura Sustentável :. · tém a propriedade produtiva o ano...

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junho 2012 | GLOBO RURAL 29 CAPA LIÇÕES DO AGRONEGÓCIO PARA A RIO+20 COURO DE PEIXE GENÉTICA ECOFOGÃO CÓDIGO FLORESTAL CRÉDITO DE CARBONO PRESERVAÇÃO BOI NA AMAZÔNIA CISTERNA RECUPERAÇÃO DE ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE MADEIRA LEGAL INTEGRAÇÃO LAVOURA PECUÁRIA FLORESTA PLANTIO DIRETO CONSERVAÇÃO DE NASCENTES AGROENERGIA BIOTECNOLOGIA CRÉDITO VERDE FIM DAS QUEIMADAS MERENDA ESCOLAR BANCO DE SEMENTES AGROECOLOGIA N os anos 70 do século passado, brasileiros do Sul e Sudeste empreenderam uma longa jor- nada rumo ao Brasil Central. A partir de estí- mulos governamentais para a ocupação do in- terior e premidos pela escassez de terras para produzir, milhares de famílias de agricultores aceitaram o desafio de desbravar uma vasta região ainda desconhecida, a milhares de qui- lômetros da terra natal. Depararam com um ecossistema peculiar: o Cerrado, de vegeta- ção arbustiva, solos extremamente pobres em nutrientes e com forte presença de alumínio. As extensas áreas planas, porém, eram aptas à mecanização, proporcionando a rápida conversão da vegetação nati- va em lavouras e pastagens. Sem tecnologia apropriada, era difícil tornar a atividade agropecu- ária economicamente viável. Nesse período, o governo brasileiro criou a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), institui- ção hoje reconhecida em todo o mundo por sua excelência em agricultura e pecuária tropicais. Foram então viabilizadas as primeiras variedades de soja, arroz, feijão, milho e al- godão adaptadas às condições edafoclimáticas do Cen- tro-Oeste, transformando o cenário agreste do Cerra- do num oceano de lavouras. Beneficiados pelos apor- tes da ciência agronômica, os agricultores brasileiros saíram de uma produção de 33 milhões de toneladas, em 1973, para cerca de 160 milhões de toneladas, em 2012. A produtividade média evoluiu de 1.000 quilos por hectare para 10.000 quilos. Por conta disso, 80 milhões de hectares deixaram de ser abertos. A área agrícola apenas dobrou no período – foi de 30 milhões para 60 milhões de hectares. Tecnologias como plantio direto, melhoramento genético e biotecnologia, a segunda safra e a in- tegração lavoura-pecuária-floresta contribuíram para manter o solo produtivo e elevaram a rentabilidade. Essas inovações convergem para um sistema de produção que man- tém a propriedade produtiva o ano todo, o que resulta em benefícios pa- ra toda a sociedade. Esta edição, dedicada à Rio+20, tem o propósito de atualizar as informações sobre as técnicas que transformaram o país, em 30 anos, de importador de alimentos em um dos maiores exporta- dores globais – mantendo intocados 61% dos recursos naturais. 20 AS Com tecnologia, o Brasil saiu de uma produção de 33 milhões de toneladas, em 1973, para cerca de 160 milhões, em 2012

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junho 2012 | Globo RuRal 29

capa

lições do agronegóciopara a rio+20

couro de

PeIXe

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AGroecoLoGIA nos anos 70 do século passado, brasileiros do Sul e Sudeste empreenderam uma longa jor-nada rumo ao Brasil central. a partir de estí-mulos governamentais para a ocupação do in-terior e premidos pela escassez de terras para produzir, milhares de famílias de agricultores aceitaram o desafio de desbravar uma vasta região ainda desconhecida, a milhares de qui-lômetros da terra natal.

Depararam com um ecossistema peculiar: o cerrado, de vegeta-ção arbustiva, solos extremamente pobres em nutrientes e com forte presença de alumínio. as extensas áreas planas, porém, eram aptas à mecanização, proporcionando a rápida conversão da vegetação nati-va em lavouras e pastagens.

Sem tecnologia apropriada, era difícil tornar a atividade agropecu-ária economicamente viável. Nesse período, o governo brasileiro criou a Empresa Brasileira de pesquisa agropecuária (Embrapa), institui-ção hoje reconhecida em todo o mundo por sua excelência em agricultura e pecuária tropicais. Foram então viabilizadas as primeiras variedades de soja, arroz, feijão, milho e al-godão adaptadas às condições edafoclimáticas do cen-tro-Oeste, transformando o cenário agreste do cerra-do num oceano de lavouras. Beneficiados pelos apor-tes da ciência agronômica, os agricultores brasileiros saíram de uma produção de 33 milhões de toneladas, em 1973, para cerca de 160 milhões de toneladas, em 2012. a produtividade média evoluiu de 1.000 quilos por hectare para 10.000 quilos.

por conta disso, 80 milhões de hectares deixaram de ser abertos. a área agrícola apenas dobrou no período – foi de 30 milhões para 60 milhões de hectares. Tecnologias como plantio direto, melhoramento genético e biotecnologia, a segunda safra e a in-tegração lavoura-pecuária-floresta contribuíram para manter o solo produtivo e elevaram a rentabilidade.

Essas inovações convergem para um sistema de produção que man-tém a propriedade produtiva o ano todo, o que resulta em benefícios pa-ra toda a sociedade. Esta edição, dedicada à Rio+20, tem o propósito de atualizar as informações sobre as técnicas que transformaram o país, em 30 anos, de importador de alimentos em um dos maiores exporta-dores globais – mantendo intocados 61% dos recursos naturais.

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com tecnologia, o Brasil saiu de

uma produção de 33 milhões de

toneladas, em 1973, para cerca de

160 milhões, em 2012

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Onoroeste paranaense, com 107 municípios e 3,5 milhões de hec-tares, entre a terra roxa do nor-te e o Rio Paraná, é um exemplo de como não se deve retirar a co-bertura florestal de uma área pa-

ra praticar a agricultura. Ocupada a partir de 1940 com café e, depois, com algodão e gado, a região está assentada sobre um solo 80% arenoso, de-nominado Arenito Caiuá, terreno frágil ao extremo, propício a voçorocas e perda da camada fértil a qual-quer chuva. Destoa do resto do Paraná, onde se pra-tica uma das mais produtivas agriculturas do país, e transformou-se na região mais pobre do Estado.

A boa notícia é que a mesma agricultura que, praticada de maneira descuidada, transformou terra fértil em milhões de hectares de pastos po-bres, com menos de um boi por hectare e tempo de engorda de quase quatro anos, tem fórmula pron-ta para alterar essa paisagem quase estéril e fazer com que o Paraná volte a ter papel importante na pecuária brasileira – e, de quebra, aumente a pro-

Ressurreição do arenito

integraçãolavourapecuáriafloresta

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Tecnologia pode recuperar 2 milhões de hectares de solo degradado no Paraná e abrir uma nova fronteira para o país

dução de grãos. Trata-se da integração lavoura-pe-cuária-floresta, projeto que, de um ano para cá, teve seu ritmo acelerado graças ao trabalho de grandes cooperativas locais, como a Cocamar e a Coamo, que estão apostando boa parte de seu crescimento futu-ro nos ganhos obtidos por quem entra no sistema.

A solução é quase um passe de mágica: transfor-mar propriedades decadentes e improdutivas em fa-zendas bem mais rentáveis do que a média. O pro-dutor ganha duplamente: por um lado, com a intro-dução da soja nos campos, o pecuarista ganha com a boa produtividade do grão e, por outro, com a me-lhora da situação das pastagens durante o ano intei-ro, consegue alojar pelo menos duas vezes mais ani-mais por hectare em sua propriedade, além de re-duzir o tempo de engorda média do noroeste para 18 meses. Para se ter uma ideia, durante os meses de inverno é possível manter duas cabeças de gado por hectare engordando em média 800 gramas ao dia, hoje algo inimaginável para o arenito. Além disso, há a renda com madeira e lenha provenientes de reflo-restamento com eucalipto, principalmente, que vem

Texto Norberto Staviski * Fotos Sérgio Ranalli

crescendo nos últimos três anos, ou mesmo pro-jetos com seringueiras, que dão sombra e conforto ao gado numa região onde é comum as tempera-turas passarem dos 40 graus célsius no verão.

Quem entrou na integração na área do arenito não tem queixas. O produtor Oswaldo Zaguine, de 58 anos, com uma propriedade de 1.800 hectares no município de Perobal, está na fase final da im-plantação iniciada há quase dois anos e pretende fechar o ciclo de toda a sua propriedade em mais um ano, dentro de uma rotação na qual 50% dela permanece com pasto definitivo e 50% com pas-to que é substituído todos os anos por soja. Ainda faltam 580 hectares de área para recuperar, mas ele comemora os resultados. “No sistema antigo, não conseguia passar de 1.320 cabeças e não tinha a renda da soja. Hoje, estou com 2 mil cabeças de gado cruzado e pretendo chegar a 4 mil em 2013.” O produtor usa também a braquiária-piatã para o pasto em que será plantada a soja com ótimos re-sultados. “Em 2010, com a safra normal, colhi 62 sacas de soja por hectare e, em 2011, mesmo com

a seca, a colheita foi de 38 sacas.” Zaguine mantém seis funcionários na propriedade, quatro cuidando da agricultura e dois da pecuária. “Foi a primeira vez em minha vida que sobrou pasto no inverno e, neste ano, vendi 20.000 sacas de soja a R$ 58. Tudo isso já aumentou a renda da propriedade em 55%, chegando a R$ 2,5 milhões por ano. Mas, ao final, somando tudo, vai dar para dobrar isso”, diz, ani-mado com os números e com as receitas extras.

A mesma sensação de euforia pode ser encontrada no pecuarista Antonio Ce-sar Pacheco Formighieri, da Fazen-da Santa Felicidade, no municí-pio de Maria Helena. De tradicio-nal família da região, ele cria gado na fazenda de 363 hectares que herdou do avô e assumiu no ano 2000. Ele tentou, no início da in-tegração, há cinco anos, plantar soja e aveia no inverno, mas a pro-priedade só deu um salto respeitá-vel quando passou a utilizar braquiá-

segundo Zaguine, a renda da fazenda aumentou 55% desde que adotou a ILPF, há menos de dois anos

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rias, dentro de uma rotação de áreas que mantém 50% de pastagens intercaladas com agricultu-ra e 50% com pastos definitivos. “Minha proprie-dade roda completamente a cada dois anos, es-tá com 430 animais e vou colocar mais 200 neste ano. Parte do rebanho é de gado leiteiro, e estou há

dois anos sem usar silagem no inverno”, conta. Ele colheu 60 sacas por hectare de soja em

2011, vendidas a R$ 51 cada, e 51 sacas por hectare em 2010, comercializando

um total de 5.400 sacas, com um cus-to de produção de pouco menos de 20 sacas por hectare. “Recuperei mi-nha terra sem custo”, diz, “e a receita cresceu 80%, chegando a R$ 1,3 mi-

lhão no ano”. O vizinho notou a dife-rença e foi conversar: “Ele ofereceu a

terra para que eu plante sem cobrar ar-rendamento, só para recuperá-la”.Formighieri começou a plantar eucalipto

nas terras mais fracas há sete anos e já tem 30 hectares ocupados, mas decidiu inovar. “Vou co-meçar o plantio de abacate das variedades mar-garida e geada nas curvas de nível. São 750 mudas que vão dar sombra no calor e, além disso, ganho com as frutas e com a madeira no final do ciclo.”

Em Cafeara, Paulo Roberto Carvalho, que há quase dez anos faz testes com a integração em 380 hectares e é um dos pioneiros na região, decidiu pedir de volta 110 hectares que havia arrendado pa-ra ver sua receita crescer mais. “Está tão evidente que esse negócio dá certo que sua difusão não era para dar tanto trabalho. Acredito que é o medo de não saber fazer, é algo psicológico, porque não é re-ceio técnico nem econômico”, diz ele.

O presidente da Cocamar, Luiz Lourenço, con-corda, mas vê a situação mudar. “No campo, o bra-sileiro faz muita coisa por imitação e não a par-tir do conhecimento de ideias ou de tecnologia. No momento em que ele vir que o vizinho tem a terra melhor, o pasto mais verde e uma renda maior, vai imitá-lo, e aí o sistema deslancha.”

Atualmente, diz Lourenço, o pecuarista da re-gião investe R$ 50 por hectare em insumos na pro-priedade. “Com os ganhos da integração, terá de in-vestir R$ 2.000. Para a Cocamar, somente esse de-

Só cOm O aumeNTO da PROduçãO de gRãOS Na Re giãO a cOcamaR POde dObRaR de TamaNhO

talhe é motivo para movimentar toda a economia desses municípios onde atuamos.” Pelo menos 80% da área de abrangência da cooperativa es-tá dentro dos problemas do arenito e, ao longo dos anos, várias soluções – como a laranja e o bicho-da-seda – foram testadas para criar renda – sem grandes resultados. A Cocamar encampou a ideia e, se o projeto funcionar, deve quase dobrar de ta-manho somente com o aumento do recebimento da produção de grãos, ela que faturou R$ 2 bilhões em 2011. A cooperativa está colocando toda a sua força de assistência técnica, com uma equipe de 90 agrônomos, para dar auxílio aos produtores. Além disso, as propriedades demonstrativas, onde a integração foi executada, subiram neste ano de 12 para 40, espalhadas por todo o arenito.

“Este é o momento certo para o programa cres-cer, porque, apesar de ter 15 anos de pesquisa, so-mente há quatro chegou-se a um modelo que traz resultados tão fortes, que impressionam o pecu-

arista”, resume o agrônomo Rafael Franciscatti dos Reis, que coordena a implantação do programa na Cocamar. “Hoje, estamos nas melhores condi-ções técnicas para desenvolver o sistema em gran-de escala”, acrescenta. A introdução da variedade de soja transgênica de crescimento indetermina-do e da braquiária-ruziziensis são os responsáveis pelo sucesso obtido. O controle do capim, rústico e de fácil adaptação, é mais fácil de ser feito do que quando é plantado com a soja convencional. Além de alimentar o gado em plena entressafra, garante palhada suficiente para o plantio direto de soja na safra de verão, já que alternativas que comprova-damente funcionam, como o azevém e a aveia, não servem para a região. Mas não é apenas isso. Se-gundo Franciscatti, com a degradação das pasta-gens e a baixa produtividade, o pecuarista tradicio-nal não consegue manter mais o alto padrão de vi-da ao qual está acostumado e ficou sem uma saída que lhe permita continuar na atividade.

Efeito da aplicação das tecnologias na pecuária

evolução

o grande entrave do

sistema é mudar a mentalidade do criador de

gado e também da assistência

técnica

no Paraná, a integração lavou-ra-pecuária-floresta está se dando em duas frentes. Nu-

ma delas, o agricultor se transforma também em pecuarista: produz soja no verão e carne no inverno, fugindo principalmente dos preços baixos do trigo. Isso tem acontecido com al-gum sucesso nas áreas dos municí-pios de Ponta Grossa e Guarapuava e também em Campo Mourão, área de atuação da cooperativa Coamo, somando uma área convertida na faixa dos 400.000 hectares. O ou-tro lado da moeda é a transformação do pecuarista em produtor de soja, tarefa que até aqui resultou na con-versão de apenas 10.000 hectares. “Nos dois casos, o produtor preci-sa se adaptar a uma novidade, mas é muito mais fácil o agricultor en-trar na pecuária do que o pecuarista aprender agricultura”, afirma o co-

ordenador do programa no Paraná, Sérgio Alves, do Instituto Agronômi-co do Paraná (Iapar), que há mais de 15 anos pesquisa formas de integra-ção da lavoura com a pecuária co-mo solução para aumentar a renda do campo. “Esse é o grande entrave do sistema. Mudar a mentalidade do criador de gado. Estamos tentando uma fórmula junto ao Banco do Bra-sil para que os mais reticentes pos-sam fazer parcerias com produtores de grãos e os dois toquem juntos a integração”, diz Luiz Lourenço. Ou-tro ponto é também mudar a menta-lidade da assistência técnica. “Pou-ca gente do setor acredita no suces-so da iniciativa, mas ela já quebrou paradigmas, como o de que o ga-do deixa o solo compactado para o plantio de soja. Na verdade, o gado melhora a terra e a produtividade da soja”, acrescenta Sérgio Alves.

dos 3,5 milhões de hectares de terras disponíveis para agri-cultura na região do Arenito

Caiuá, 700.000 hectares estão ocu-pados com cana-de-açúcar, 90.000 com café, 200.000 com refloresta-mento de eucalipto e mais 500.000 hectares com outras culturas, prin-cipalmente mandioca. Restam 2 mi-lhões de hectares que, se conver-

tidos, podem começar a produzir grãos, o que deve restaurar as condi-ções econômicas de uma região sem saída visível até agora. Para financiar projetos de conversão, o programa ABC (Agricultura de Baixo Carbono), do governo federal, tem dotação de recursos de R$ 3,15 bilhões, com ju-ros subsidiados de 5,5% ao ano e en-tre oito e 12 anos para pagamento.

os dois lados da moeda

o potencial do arenito Caiuá

FoRmiGhieRi recuperou sua área, antes dominada pela areia e pela erosão

luiz louRenço,presidente da Cocamar

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O sol não perdoa o Semiárido. Seca a vi-da que brota do chão e do coração das Marias deste chão. E elas são muitas: Rita, Quitéria, José, Das Dores. Todas trabalhadoras. acordam às 4 horas da

manhã e vão para a roça. Nasceram e cresceram em lugares quase esquecidos, longínquos, mas rodea-dos por uma riqueza sem preço, a Mata atlântica. É desta mata, invadida há cinco séculos, que elas ti-ravam o sustento da família, desmatando. “Não sa-bíamos que era como ferir a mata. Dependemos de lenha para cozinhar, o gás é caro. a gente cortava o que podia”, conta uma das Marias, a José da Silva, de 42 anos, 12 filhos. Esta Maria, apelidada Lia, é uma das mães do assentamento Dom Hélder, de 375 hectares, localizado em Murici (aL), escolhidas pa-ra receber um ecofogão, utensílio criado pelo projeto produzir e conservar, orquestrado pela Monsanto, pela ONG conservação Internacional (cI), pela asso-ciação para proteção da Mata atlântica do Nordeste (amane) e pelo centro de pesquisas ambientais do Nordeste (cepan). O fogão reduz o uso doméstico de lenha em 60%, evitando o desmatamento de espé-cies nativas da Reserva Ecológica de Murici. Desde

As Marias da Mata Atlântica

ecofogão2

No Semiárido, produtoras rurais dão aula sobre economia... de lenha

maRia josé tirava o sustento da mata, desmatando

ANteS

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60% menos lenha

500kg de lenha por ano

Como é feito o ecofogão

então, a rotina das Marias está diferente nos assen-tamentos Dom Hélder e na agrovila che Guevara. Não vão mais à mata cortar árvores, cozinham com galhos que caem no chão. “antes, eu usava uma carroça de lenha por semana. Hoje, a carroça dá pa-ra mais de mês”, diz Lia. “E não respiro mais a fu-maça preta, que dava uma tosse danada. agora, ela sai pela chaminé”, festeja. Segundo o cepan, uma família de cinco pessoas demanda 500 quilos de le-nha por ano para cozinhar nos fogões tradicionais, mas a maioria das famílias tem entre dez e 12 mem-bros. “Os problemas de saúde devido à aspiração da fuligem são graves. Quase todas as crianças têm asma”, diz Rodrigo Severino, diretor do cepan.

“a meta é instalar 10 mil”, diz Severino. O eco-fogão é simples, feito de concreto, aço e cerâmica. pesa 80 quilos. a tubulação de cerâmica dentro do concreto permite que se use menos lenha e a chaminé elimina a fumaça. cada eco-fogão sai por R$ 280, pouco mais que um fogão a gás. “Devido aos proble-mas de logística, no Semiárido um botijão de gás custa três vezes mais”, conta Fábio pereira, técni-co agropecuário da amane. Maria Quitéria tem um fogão a gás em casa, mas quase sempre lhe fal-ta dinheiro para o combustível. “Ou compro gás ou remédio”, diz.

O utensílio foi desenhado com base em hábitos alimentares do Semiárido

Texto Viviane taguchi * Foto Sérgio Zacchi

uma chapa de aço transfere a temperatura

para as panelas

três bocas, de tamanhos

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a chaminé de alumínio

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estrutura de concreto

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Campeã desde 1957 em conservaçãoFazenda em Guararapes (SP), do nelorista José Luiz Niemeyer, vai neutralizar emissão de carbono de empresas americanas e alemãs

Quando o assunto é a preocupação em preservar o meio ambiente, po-de existir fazenda igual a ela. À fren-te, é difícil. Já em 1957, a Terra Boa,

em Guararapes (Sp), recebeu o título de cam-peã regional conservacionista, outorgado pe-lo governo do Estado de São paulo. Depois vie-ram outros, respeitados também: em 2005, o ISO 14001, da Organização Internacional de Normalização, e, no ano passado, a certificação Global G3, da associação Nacional dos criado-res e pesquisadores.

pertencente ao nelorista José Luiz Niemeyer dos Santos, a Terra Boa agora consolida seu pro-jeto de sustentabilidade. Vai passar a receber pelo plantio de árvores para compensação das emissões de carbono feitas por grandes indús-trias da alemanha e dos Estados Unidos. “Foi re-alizada uma auditoria internacional com resul-tados positivos no mês passado e já neste mês teremos a emissão dos primeiros certificados de créditos de carbono do projeto carbon Fix”, informa Rangel Ro-mão, da atlântica Simbios, em-presa que preparou o projeto.

Esse programa orienta a fi-xação de carbono por meio da restauração da vegetação na-tiva da Terra Boa. compreende uma área de 345 hectares e está semeando ou já tem lá planta-do um total de 80 espécies, co-mo aroeiras, cedros, ipês, pitan-gueiras, etc., e recebe orientação da Secretaria Estadual do Meio ambiente de São paulo.

Niemeyer explica que o con-

ceito de sequestro de carbo-no foi consagrado pela con-ferência de Kyoto, em 1997, e seu objetivo é conter e reverter o acúmulo de gás carbônico na atmosfera. Sua fazenda é uma das duas de São paulo a fazer o inventário. Outros projetos têm conceito distinto, pois estão localizados na Floresta amazônica.

advogado formado pela Universidade de São paulo (USp) que nunca exerceu o ofício, ele lem-bra que, há 15 anos, quando o assunto era novida-de, a Terra Boa já havia registrado em cartório 360 hectares, de um total de 1.780 hectares, como re-serva legal. “para se ter ideia, já em 1957 meu pai fazia curvas de nível, hoje uma atividade conside-rada normal nas fazendas.”

Niemeyer se sente orgulhoso com a certifica-ção da associação Nacional dos criadores e pes-quisadores, da USp, que reconhece a excelên-cia da Terra Boa com, entre outros itens, o trei-

namento e o bem-estar de seus funcionários. “aqui, quem economiza água e luz ganha prêmios”, afirma Niemeyer.

a Terra Boa está entre as top 10 da seleção de tou-rinhos nelore puros. Faz também recria e engorda. Intensifica o trabalho com o gado, visto que, em 200 hectares, Niemeyer planta cana. “O canavial vai cres-cer. É uma tendência em São paulo”, observa. (Sebastião Nascimento)

códigoflorestal

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Merendaescolar

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Onovo código Florestal brasileiro é o tercei-ro do país e tramitou no congresso Nacio-nal por 13 anos. O documento sofreu di-

versas modificações desde que foi apresentado pela primeira vez, dividindo ruralistas, ambienta-listas e estudiosos. com a expansão da atividade agrícola no Brasil, surgiu na década de 1990 a ideia de flexibilizar o código Florestal de 1965. Em 2008, começaram as discussões para reformular o do-cumento. Em 2010, ficou pronto o relatório do no-vo código, que teve como relator o deputado aldo Rebelo (pcdoB-Sp). as principais mudanças pro-postas no documento são a permissão para o cul-tivo em Área de preservação permanente (app), a diminuição da conservação das matas ciliares nas margens dos rios, a isenção de multa e pena-lidade aos agricultores que desmataram até junho de 2008 e a liberação de cultivo nas encostas e to-pos de morros. a reformulação do código Flores-tal brasileiro coloca o país em posição de desta-que, por ser o único do mundo que vem discutindo leis que harmonizem conservação ambiental com a atividade agrícola. (Luciana Franco)

Brasil discute como produzir e preservar

No intervalo entre uma refeição e outra no centro Estadual de Educação profissional agrícola de Toledo (pR), os estudantes pas-

saram a consumir, neste ano, kiwi, maçã, jabutica-ba, abacaxi e outras frutas cultivadas por agriculto-res familiares das proximidades da escola. a meren-da também foi incrementada com cucas, bolachas, bolos caseiros, melado, rapadura e canjica produzi-dos por cooperativas de pequenos produtores rurais. ”Desde o primeiro ano da escola, esse tem sido o me-lhor. antes, não tinha frutas todos os dias nos inter-valos nem com muita variedade”, conta o estudante do ensino médio Wagner Grade, de 17 anos.

Do outro lado do país, na Escola Estadual Sena-dor Flávio da costa Brino, em Manaus (aM), cupua-çu, açaí, farinha de tapioca, queijo de búfala, peixes regionais, dentre outros produtos da agricultura fa-miliar, deixam mais rica e gostosa a alimentação dos estudantes. “a merenda era muito industrializada e não existe mais estrago de comida”, explica a direto-ra, Eliana almeida.

Desde que a lei 11.947/09, que prevê que, no mí-nimo, 30% do total de recursos financeiros repas-sados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), pelo programa Nacional de ali-mentação Escolar (pnae), para a merenda escolar sejam destinados à compra de produtos diretamen-te da agricultura familiar, os benefícios não foram apenas na alimentação dos alunos. O pequeno pro-dutor passou a ter garantia de renda com a comer-

cialização da produção. Neste ano, o orçamento do pnae é de R$ 3,3

bilhões, para atender aproximadamente 43,5 milhões de estudantes no país. E pelo menos R$ 990 milhões devem “chover” nas hortas

dos agricultores familiares. (Alana Fraga)

Comida boa vem de perto da escola

NiemeyeR:“Sempre gostei de preservar o ambiente, tratar dignamente meus funcionários e zelar pelo bem-estar dos animais. São sentimentos herdados de meu pai”

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Mapa hidrográfico do município de Juína (MT)

No coração da floresta

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RECUPERAÇÃODE áREAs DE

PREsERVAÇÃO PERMANENTE

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A malha hidrográfica do municí-pio de Juína, no noroeste de Mato Grosso, é um emaranhado de nascentes, filetes d’água, córre-gos, riachos e rios de várias lar-guras, dos quais o Juruena é o de

maior porte. Imagens de satélite mostram a situ-ação dramática desses mananciais: excetuando-se os 60% do município (1,6 milhão de hectares) que são reservas indígenas, as áreas coloniza-das (1 milhão de hectares) exibem elevado grau de degradação em torno das nascentes e cursos d’água – as chamadas Áreas de proteção perma-nente (app). Segundo levantamento da Secreta-ria de agricultura, Mineração e Meio ambiente de Juína, 90% das apps precisam ser recuperadas. À primeira vista, é um caso sem solução. “Mas tem”, dirá um entrevistado mais adiante.

Valdecir Nunes de Lima – e outros pequenos produtores –, que deixou Umuarama ( pR) em 1981 com pai, mãe e oito irmãos, tem dificuldade de en-tender que os 43 hectares que toca com três dos irmãos estão irregulares perante a lei ambiental. “antes, a gente trabalhava livre, ia derrubando a mata e plantando café atrás. agora, não podemos mais fazer o que a gente quer. Tivesse vindo essa lei no começo, tivesse orientação...”, reclama.

a lei (o código Florestal então em vigor, de 1965, que passou por revisão no congresso) exis-tia, porém, o poder público fez dela letra mor-ta diante do desafio de ocupar a amazônia, sob o lema “Integrar para não entregar”. Valdecir lembra que os mais velhos diziam que ali seria os Estados Unidos no futuro. preocupado com a pressão am-biental cada vez mais próxima de seu sítio – pela

Solução à vistaProposta de aproveitamento econômico das áreas degradadas pode viabilizar recuperação das APPs com lucroTexto Sérgio de Oliveira * Fotos José Medeiros

imagem do satélite ele vê até o caminho do gado em direção à aguada –, Valdecir deixou de plantar arroz na várzea à beira do córrego que cruza a pro-priedade; espera que a vegetação ciliar se recupere naturalmente. Mas as medidas exigidas pelo có-digo Florestal antes da revisão estão longe de ser obedecidas. caso isso fosse feito, Valdecir perde-ria boa parte da terra utilizada na produção de café, milho, feijão e criações de galinhas, porcos e gado. Ele torce o nariz para essa possibilidade.

a recuperação de áreas degradadas de peque-nas propriedades vem sendo discutida pelo dire-tor da associação dos piscicultores de Mato Gros-so (aquamat), Francisco das chagas de Medeiros. para ele, a solução está na formação de lagos arti-ficiais nas apps degradadas para a criação de pei-xes, por meio do barramento dos cursos d’água. as vantagens, segundo ele, são várias: recupera-ção do estoque de água do lençol freático, redução de enxurradas e erosão das margens desmata-das, controle de enchentes e geração de renda com a piscicultura, com utilização de espécies nativas e ração de origem vegetal – basicamente soja e mi-lho, de grande produção no Estado.

com a piscicultura, o produtor passa a ter, se-gundo Medeiros, uma renda bem superior à que obtém com o gado: a receita de 1 hectare, diz ele, equivale à de 100 hectares de pecuária de corte.

a recuperação da vegetação no local deve ser feita com espécies de valor comercial – cupuaçu, açaí, café, pupunha, guaraná, castanha-do-brasil – que irão garantir uma nova fonte de renda para o produtor. No meio das linhas do plantio, nos pri-meiros anos, o agricultor poderá plantar milho, feijão e outras culturas de ciclo curto que não re-volvam o solo.

Uma terceira fonte poderá ser a produção hi-dropônica de hortaliças, aproveitando-se os efluentes gerados pelos peixes. O produtor João Batista Neto, paulista de 64 anos que chegou a

Juína em 1980, intuitivamente vem fazendo boa parte do que Medeiros apregoa. Em seus 12 hec-tares nos arredores da cidade, ele tem 1 hecta-re de mata – um antigo seringal onde introduziu o açaí, palmeira que produz polpa e palmito mui-to apreciados na região – e está formando mais um talhão com plantas perenes de valor comer-cial, como castanha-do-brasil e cupuaçu. Tam-bém cultiva café e possui vacas na pequena pro-priedade. Seu xodó, porém, são os tanques de peixes com espécies como tambaqui e tambatin-ga – uma espécie de pintado da amazônia. João Batista tira dos tanques 10.000 quilos de peixe por ano, que lhe garantem a maior parte da renda da propriedade. ao redor da piscicultura, crescem espécies arbóreas.

É um começo, mas pode significar um gran-de avanço rumo à recuperação ambiental na ama-zônia. as pequenas ações já mostram resultados animadores: araras, bugios, pacas e cotias, além de pássaros menores, retornam aos poucos aos anti-gos hábitats, atraídos pela vegetação protetora.

Valdecir e o filho junto à APP degradada (à esq.) e Batista Neto, que já começou a recuperar sua área

Novas áRvoRes vão recompor as margens degradadas pelo gado e pelo garimpo

capa

40 Globo RuRal | junho 2012

Em Vitória de Santo Antão (PE) está a primeira usina de vinhaça do mun-do, capaz de transformar o subpro-

duto da fabricação do etanol em bioenergia. A Cetrel, empresa que otimiza resíduos in-dustriais líquidos, instalou-se junto à Com-panhia Alcooquímica Nacional, do Grupo JB. Salomão Sadigursky, coordenador do pro-

jeto, diz que a unidade usa 20% da capaci-dade de geração de energia a partir da vi-nhaça, algo em torno de 1.000 m³ por dia, para gerar até 0,85 MW de biogás em mo-togeradores. O resultado são 612 MWh de energia comercializados no mercado livre por mês. “A unidade terá capacidade pa-ra gerar 4,5 MW”, diz. A vinhaça passa por

um processo de biodigestão, produzindo um gás composto de 80% de metano, mais eficiente para a indústria e menos poluidor. Com a produção nacional de etanol, em tor-no de 25 bilhões de litros, são gerados 300 bilhões de litros de vinhaça, suficientes pa-ra produzir 3.600 MW, ou 45% da capacida-de da Hidrelétrica de Jirau.

Areinvenção da indústria canavieira abriu espaço para o Brasil criar uma forte indústria de energias limpas e renováveis: etanol, biodiesel e bioele-

tricidade gerados a partir da biomassa estão ga-nhando o mercado de forma acelerada. O etanol de cana-de-açúcar é um combustível bem me-nos nocivo ao ambiente do que a gasolina, por emitir 60% menos gás carbônico. E, como resul-tado de sua produção, tem-se o bagaço, transfor-mado em bioeletricidade, o que torna 99,8% das usinas brasileiras autossuficientes em eletricida-de, gerando ainda excedente para ser comercia-lizado. O país tem 423 usinas e, em 2011, produ-ziu 21 bilhões de litros de etanol, e a bioeletricida-

Vinhaça vira bioeletricidade

A força que vem do campo

agroenergia7

País é vanguarda mundial quando o assunto é fonte de energia limpa e renovável

de representou, no mesmo período, 31% de toda a geração termelétrica do país. O biodiesel ganhou força a partir de 2005, com o lançamento do pro-grama Nacional de Uso e produção de Biodiesel (pNpB) do governo federal, que impõe regras para o desenvolvimento social, econômico e ambiental da cadeia, hoje composta por um parque industrial com capacidade para produzir 6 bilhões de litros e por mais de 100 mil famílias de pequenos agricul-tores, que movimentam algo em torno de R$ 1,2 bilhão. para obter o biodiesel, usam-se soja, se-bo bovino, caroço de algodão, girassol, mamona e canola. No Brasil, cada litro de óleo diesel fóssil le-va 5% de biodiesel. até 2014, essa mistura deve ser elevada a 7%. (Viviane Taguchi)

usina dE cana que usa bagaço para a produção de energia elétrica e vinhaça como fertilizante

fim das qUeimadas

8

genética9

Oprotocolo agroambiental da cana-de-açúcar, lançado em junho de 2007 pelas secretarias de agricultura e de Meio ambiente de São paulo

juntamente com a União da Indústria de cana-de-açú-car (Unica), foi determinante para a redução da queima-da da cana e das emissões de gases de efeito estufa na principal região produtora de açúcar e álcool do Brasil. a queima da cana é uma prática antiga, que serve para ti-rar as folhas das lavouras e facilitar o corte para o traba-lhador, mas os efeitos nocivos dessa técnica vão desde o prejuízo à saúde do cortador e da população do entorno dos canaviais, que ficam suscetíveis a problemas respi-ratórios, até os danos ambientais, uma vez que há con-centração na atmosfera de monóxido de nitrogênio, dió-xido de nitrogênio e amônia.

Uma lei estadual estabelecia o fim da queimada nas áreas com declividade de até 12% em 2021 e nas áreas com declividade superior a 12% em 2031, mas o acordo assinado entre governo e usineiros visava justamente à antecipação do fim da prática. De acordo com um balan-ço da Secretaria do Meio ambiente, na safra 2011/2012, a mecanização alcançou 65% da área colhida no Estado, o que evitou a emissão de 19,4 milhões de toneladas de ga-ses causadores do efeito estufa. O governo paulista acre-dita que 100% das áreas planas de cana estarão me-canizadas até 2014. Um processo que, segundo es-timativas, vai desempregar até 300 mil pessoas. Em resposta a essa situação, a Unica criou o pro-grama Renovação, que pretende requalificar 8 mil trabalhadores retirados das lavouras. (Luciana Franco)

Adeus à poluição nas regiões canavieiras Programas de melhoramento genético fincaram

um marco na pecuária e delimitaram o antes e o depois de sua introdução. Trazem retor-

nos econômicos à medida que aperfeiçoam a genéti-ca dos rebanhos, tornando-os mais produtivos. Têm ainda uma forte pegada sustentável, já que, no caso do corte, animais avaliados, permitem a engorda rápi-da e o boi vai mais cedo para o abate. É menos pasto, menos água e menos metano, um dos gases respon-sáveis pelo efeito estufa.

Responsável pelo programa de melhoramento ge-nético da associação Brasileira dos criadores de Zebu (aBcZ), carlos Henrique cavalari explica que a tecno-logia é fundamental para selecionar o gado do futu-ro. “Quando nasce um be-zerro, já podemos ter uma expectativa de seu desempenho co-mo pai.” Tudo come-ça com os técnicos da aBcZ efetuando pro-vas zootécnicas nas fa-zendas entre o gado de menos idade. as informações são pas-sadas para um banco de dados nacional da entidade, pois a variabilidade é primordial para o progresso dos pro-gramas. Essa genéti-ca avaliada e compro-vada é transferida aos médios e pe-quenos produtores. Somente em 2011, 4 milhões de zebu-ínos entraram no processo de avalia-ção. cavalari adian-ta que, em breve, a genômica (marcado-

res moleculares) será incorporada e dará

ainda mais seguran-ça aos programas de melhoramento genéti-

co. (Sebastião Nascimento)

Produzir mais carne sem desmatar

VINHAÇA BIOGÁS ELETRICIDADE

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42 Globo RuRal | junho 2012 junho 2012 | Globo RuRal 43

Overde intenso da plantação de hor-taliças do agricultor familiar pauli-no Moreira, de 50 anos, em meio ao terreno seco e arenoso e sob o for-te sol do Sertão nordestino, remete a

um cenário de oásis. a terra arde em sua proprie-dade em Serrinha, município com 77 mil habitan-tes no Semiárido baiano, região que enfrenta a pior estiagem dos últimos 47 anos e condena ao desa-lento quase 3 milhões de pessoas. Mas a respos-ta que transformou a “provação” em produção já não vem dos céus, mesmo porque há mais de seis meses não chove ali. a cisterna capaz de armaze-nar 52.000 litros de água, construída há um ano, é a principal razão da privilegiada situação de Moreira.

Essa é uma das 33 cisternas destinadas à pro-dução agrícola que já foram disponibilizadas em

Oásis no Sertão 10

CISTERNA

Conjunto de cisternas no Semiárido baiano ajuda agricultores familiares a driblar a pior estiagem dos últimos 47 anos

Santiago, para receber o benefício, a família precisa ter uma cisterna para água de consumo do progra-ma Um Milhão de cisternas Rurais (p1Mc), também da asa, e ter aptidão para a produção agropecuária. O custo subsidiado para a construção de cada cis-terna calçadão sai em torno de R$ 7.500.

por enquanto, o acesso à água para a produ-ção agrícola é uma realidade distante para muitas famílias. Enquanto o programa p1Mc já chegou a quase 500 mil famílias, a tecnologia para a pro-dução tem quase 7 mil construídas no Semiárido nordestino pelo p1+2. “Hoje, a cisterna de beber já tem uma quantidade maior. Então, a de produ-ção é que a gente vê como necessidade imediata”, destaca Santiago.

CAPRINOSa menos de 100 quilômetros dali, em Riachão

do Jacuípe, o pequeno produtor abelmanto car-neiro, de 39 anos, garante sua produção de capri-nos e ovinos com as cisternas obtidas pelo p1+2. com elas, ele conseguiu não só desafiar a seca, co-mo também fez bom proveito dela. por preços bem inferiores, comprou 14 cabeças de produtores que se desfizeram dos animais por falta de alimento na seca. O novo rebanho, além das 40 cabeças que já criava, tem garantido ao produtor uma média de 7 litros de leite diariamente. “comprei por R$ 300 cada cabra de leite, que custa R$ 1.200. Me prepa-rei para isso”, conta.

para ampliar o rebanho num período crítico, carneiro estocou 1,5 tonelada de alimento para os animais durante o último inverno. a dieta das ca-bras – composta por palhada de milho, farelo de palma, mandacaru desidratado, capim, sorgo e se-mentes – vem toda da propriedade.

Embora caprinos e ovinos sejam mais adaptá-veis à seca em relação aos bovinos, a maioria dos produtores da região resiste em adotar as criações. a situação começa a mudar depois do trabalho de conscientização do Sindicato dos Trabalhado-res e Trabalhadoras Rurais do município, com auxí-lio da ONG Movimento de Organização comunitária (MOc). “Mas ainda são menos de 50% dos produto-res que criam. Estão começando a ver que a cultu-ra gasta menos e se adapta melhor à seca”, afirma o presidente do sindicato, Renivaldo Miranda.

além das cisternas conquistadas via p1+2, car-neiro conta ainda com reservatórios de água que ele mesmo construiu. a propriedade de 10 hectares tem hoje capacidade para armazenar quase 1,9 mi-lhão de litros de água. “E eu não penso em parar por aí”, revela.

a chuva ainda não deu sinais de aparecer na região com força para re-abastecer os reservatórios, mas o produtor já tem planos para a próxi-ma estiagem. Quer aumentar a es-trutura para estocar alimento ani-mal para adquirir novas cabeças e está construindo outra para fazer o confinamento dos ovinos para abate. “Quando chove, a gente tem excesso de ali-mento que não consegue aproveitar”, explica.

Quase metade do município vive da produção agropecuária – 14 mil dos 33 mil habitantes. Mas ainda são apenas 20 as cisternas calçadão constru-ídas pelo p1+2 em Riachão do Jacuípe. a ousada me-ta de construção de 1 milhão de cisternas para con-sumo deve ser atingida até 2014, segundo previsão estipulada pela presidente Dilma Rousseff, com o apoio do programa Água para Todos.

Carneiroe as cabras criadas graças à água das cisternas P1+2

moreirae os filhos continuam produzindo apesar da seca

propriedades de agricultores do município desde o ano passado pelo programa p1+2 – Uma Terra, Du-as Águas, elaborado pela articulação do Semiárido (aSa), rede formada por organizações da socieda-de civil em parceria com o Ministério do Desenvolvi-mento Social (MDS), associações de pequenos agri-cultores Familiares (apaeb) municipais e empresas privadas. O objetivo do p1+2 é disponibilizar tecno-logias individuais – cisterna calçadão e barragem subterrânea – para armazenamento de água a fim de desenvolver a produção agropecuária.

É a produção de Moreira e de uma dezena de famílias que mantém ativa a feira local, reduzida a cerca de 30% do que era ofertado antes da estia-gem. “Às 9 horas da manhã já está tudo vendido”, conta o produtor.

Segundo o coordenador técnico do p1+2, Silvaney

Texto Alana Fraga * Fotos Raul Spinassés

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junho 2012 | Globo RuRal 45

couro de peixe

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AEmbrapa Recursos Genéticos e Biotecno-logia (cenargen) é uma entidade governa-mental criada em 1974 com o propósito de

preservar e desenvolver o potencial genético liga-do à agropecuária brasileira. a colbase, banco de germoplasma-semente mantido pela ce-nargen, foi criada dois anos após a fundação e conserva aproximadamente 87 mil acessos de

espécies animais e vegetais. as amostras ficam conservadas por dezenas de anos e em tem-peraturas baixíssimas, que chegam a 80 graus célsius negativos.

O banco funciona como um seguro de pro-dutos animais e vegetais essenciais para a so-

brevivência da população humana. por exemplo, se uma grande praga destruísse todas as lavouras de feijão, soja e milho, estas espécies poderiam ser re-cuperadas por meio do material preservado pela ce-nargen. O material genético da colbase vem sendo

utilizado em universos menores, caso da tribo indí-gena krahô, de Tocantins, que recuperou

o cultivo de uma variedade primitiva de milho, tradicional em sua cultura, graças ao banco. Na pecuária, o ban-co genético mantém material de ra-

ças praticamente já extintas no Brasil. além disso, a cenargen está en-

volvida em diversas áreas de pesquisa e descobertas recentes, como o desen-

volvimento de feijões capazes de resistir às piores pragas das lavouras, biorreato-

res que aceleram o tempo de produção de mudas e potentes inseticidas bio-

lógicos, que, com apenas uma gota, eliminam até as larvas

do mosquito da dengue, o Aedes Aegypti.

(Juliana Malacarne)

Na imensidão da amazônia, uma lucra-tiva fazenda usa 20% para fazer recria e engorda de boi a pasto e os 80% res-tantes são mantidos com mata nati-

va. a Marupiara, pertencente ao pecuarista Mau-ro Lúcio de castro costa, em Tailândia (pa), tem 4.350 hectares. Fica a cerca de 100 quilômetros de paragominas, célebre por ter saltado de um está-gio de devastador brutal para exemplo de municí-pio preservacionista. Na lista negra dos desmata-dores – da qual saiu em 2010 –, paragominas reu-niu ONGs, governo federal, prefeitura municipal e sindicato de agropecuaristas e firmou um pacto de desmatamento zero, além de um compromisso de regularizar as áreas desmatadas no passado. Hoje, é conhecido como “município verde”.

ao chegar a Marupiara, é um choque. Vencida uma clareira no meio das árvores, surgem pique-tes, Áreas de preservação permanente (apps), reflorestamentos, as casas simples e confortáveis dos trabalhadores e o gado nelore e cruzado no pasto verde. parece “miragem”, comparada às fa-zendas que avançaram sobre a reserva.

São 880 hectares formados. Em sua primei-ra fase, em 1997, a fazenda abrigou 600 animais. atualmente, o rebanho é de 2 mil cabeças em sis-tema de rodízio, o que faz a taxa de lotação atingir 2,5 bois por hectare – a média nacional é de me-nos de um por hectare. Nenhum espaço é desper-diçado. Nos 14 hectares de corredores entre os pi-

Opirarucu, um dos maiores peixes de água doce do mundo, é um prato típico na ama-zônia. Mas não é só na culinária que ele vem

ganhando fama. Recentemente o couro do pei-xe passou a ser usado como matéria-prima pa-ra a produção de bolsas e sapatos de alta costura. a ideia partiu da engenheira florestal Rose Dias, do Instituto Nacional de pesquisas da amazônia (Inpa) e uma das proprietárias da empresa Green Obses-sion, que resolveu criar uma marca de moda que desse valor à amazônia. Hoje, a Green Obsession compra o couro de peixe em comunidades ribeiri-nhas, muitas das quais vivem exclusivamente da pesca, e também de empresas do ramo ali-mentício, que contam com pisciculturas pró-prias. O pirarucu costumava ser assado na brasa, sem que sobrasse couro. porém, de-pois que passou a ser comercializado por grandes empresas, toda a pele começou a ser descartada, segundo a engenhei-ra. O Inpa resolveu dar destinado a esse material – que representa 10% do peso do animal –, gerando mais renda para a cadeia produtiva. atualmente, a Green Obsession produz, em média, 200 pe-ças por ano, entre sapatos e bolsas. Os produtos são distribuídos em São pau-lo e Belo Horizonte. a empresa também exporta para França, Itália, Estados Unidos e canadá, graças a contatos realizados na Feira Internacional da amazônia, realizada anualmente em Manaus, e também por pe-didos de profissionais da moda que fazem tu-rismo na região. (Luciana Franco)

O Ministério da agricultura, pecuária e abastecimento (Mapa) criou, em junho de 2010, o programa agricultura de Baixo

carbono (aBc). a iniciativa nasceu com a propos-ta de aliar a produção de alimentos e bioenergia à redução da emissão de gases de efeito estufa. a espinha dorsal do aBc é o incentivo ao produtor que queira usar processos tecnológicos que neu-tralizem ou minimizem os efeitos dos gases de efeito estufa no campo.

as ações do programa aBc estão inseridas no

A preservação das espécies Fazenda usa 20% e preserva 80%

Tem pirarucuna passarela

Programa estimula sustentabilidade

banco de SeMenTeS

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boi na aMazônia

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crédiTo Verde

14

quetes, costa planta grama-estrela para feno. Ele chega a produzir mais de 1.000 toneladas por ano, negociadas com os exportadores de boi em pé. a produção de carne é de 400 quilos por hectare ao ano, quase quatro vezes superior à média daquela região amazônica.

a água é distribuída dos poços artesianos para os bebedouros dos quatro piquetes na praça de ali-mentação. O acesso aos reservatórios de água e ao cocho de sal mineral facilita a engorda. O gado não tem acesso às águas protegidas pelas apps. a Ma-rupiara tem ilhas com plantas nativas no meio dos piquetes para o boi descansar, pés de frutas ama-zônicas, como o açaí, para o gado e outros bichos comerem e corredor ecológico. (Sebastião Nascimento)

o pecuaRistae a boiada nelore que engorda no meio da floresta

plano anual agrícola e pecuário Brasileiro. Na sa-fra 2011/2012, o programa disponibilizou R$ 3,1 bi-lhões para projetos que garantam eficiência no campo e tenham balanço positivo entre sequestro e emissão de dióxido de carbono (cO2). O aBc in-centiva seis iniciativas básicas, com metas e resul-tados previstos até 2020. São elas: plantio direto na palha, recuperação de pastos degradados, integra-ção lavoura-pecuária-floresta, plantio de florestas comerciais, fixação biológica de nitrogênio e trata-mento de resíduos animais. (Luciana Franco)©

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46 Globo RuRal | junho 2012 junho 2012 | Globo RuRal 47

Em um pedaço do cerrado onde o Rio amambai faz a curva para dar for-ça ao paranazão e onde a onça (ain-da) bebe água, o empresário paulis-ta que popularizou o pão de queijo com

café espresso, Marco Mammana, plantou uma se-mente diferente que está dando frutos: a produção de meio ambiente. com a preservação e a recu-peração da fauna e da flora de uma área de quase 5.000 hectares localizada em Itaquiraí (MS), antes uma fazenda especializada em produção de em-briões de nelore, Mammana criou um negócio iné-dito: a venda da imagem sustentável, o marketing do meio ambiente. Sócio da casa do pão de Queijo e

Para quem quer ficar bem na fotoEmpresário produz meio ambiente e cria negócio inédito no país – a venda da imagem da flora e da fauna preservadas

do Grupo Italian coffee, Mammana explica: “Eles pa-gam pela prestação de serviços ambientais. Eu ven-do sustentabilidade para quem precisa e não sabe por onde começar.” Eles, no caso, são 12 empresas de diferentes setores, nacionais e internacionais, que compraram a ideia.

Mammana percebeu que podia fazer isso quando saiu da pecuária, há qua-tro anos. “Fui procurado pelo grupo InfinityBio, do Bill Gates, que tinha uma usina aqui (em Naviraí, dis-tante 70 quilômetros de Itaqui-raí). Eles queriam comprar a fa-zenda porque não tinham Área

mammana afaga a tamanduá Nina: “Eu invisto em natureza para quem precisa”

Texto Viviane Taguchi * Fotos Marcelo Min

preservação15

de preservação permanente (APP). Não vendi.” a decisão acendeu a luz da estratégia e ele passou de pecuarista a produtor de ecologia. Mammana in-vestiu R$ 10 milhões em adaptações e refloresta-mento com mudas de ipê, ingá, genipapo, amen-doim e frutíferas em 200 hectares, trabalho consi-derado difícil. Segundo o técnico florestal Fabiano Shinozaki, reflorestar 1 hectare da fazenda – agora chamada GreenFarm cO²Free – com árvores nati-vas da região custa R$ 5 mil anuais. “Você terá es-se custo em torno de seis anos”, diz Shinozaki.

a área total, preservada e reflorestada, da Gre-enFarm é de 4.600 hectares. as baias das vacas fo-ram adaptadas para os animais silvestres: felinos, antas, pacas, macacos, aves e tamanduás. Os açu-des viraram abrigo para jacarés apreendidos pe-lo Ibama. Há quatro lagoas de multiplicação de pei-xes, como pacu e piauçu, e um banco de germo-plasma de espécies de árvores do cerrado, Mata atlântica e pantanal (a propriedade está em uma área de confluência dos três biomas). E há câme-ras, muitas delas. “as imagens são transmitidas pela internet, por meio dos sites das empresas in-vestidoras”, explica o diretor executivo da Green-Farm, Marcelo carneiro Mammana. “É possível ver como e onde aquela empresa está investindo. Ela pode mostrar isso para o mundo inteiro se quiser.”

O reality show ecológico é o que sustenta o em-preendimento. Investidores pagam mensalmen-te por cotas que vão de 4 a 1.300 hectares e valores entre R$ 3 mil e R$ 175 mil. Esses espaços são alu-gados a partir de coordenadas geodésicas que po-dem ser vistas pelo Google Earth (imagens via sa-télite transmitidas pela internet) e os créditos de carbono gerados pela mata e a filtragem de água promovida nos 33 quilômetros de matas ciliares es-tão registrados na plataforma de negócios como Bens e Serviços ambientais e Ecossistemas de Ma-to Grosso (pNBSaE/MT). a fazenda é um proje-to privado, com custo mensal em torno de R$ 200 mil, mas vem sendo usada como apoio a entidades estatais como o centro de Recuperação de ani-mais Silvestres (cras). “a sede do cras em campo

Câmeras mostram como funciona o negócio ecológicoReality show

selvagens Animais silvestres

apreendidos ou que sofreram

maus tratos lotam os viveiros da

fazenda

berçárioMudas nativas

crescem em canteiros especiais

para ser reimplantadas

na propriedade

escritório fluvialUm barco ecológico pode servir de sala de reuniões para as negociações

cadeia alimentar O gado é vítima das onças, que não encontram pacas, suas presas naturais na mata

germoplasmaNo viveiro de mudas, especialistas têm de “imitar” processos naturais para obter êxito

Grande está com a capacidade esgotada. Recebe-mos milhares de pássaros por semana, onças, ja-carés, fruto da fiscalização contra o tráfico de ani-mais”, diz o coordenador da entidade, Elcio Borges. “Em cinco meses usando a GreenFarm, consegui-mos reintroduzir na natureza 203 animais. Na ca-pital, é difícil termos solturas”, diz ele.

por enquanto, é Mammana e os sócios que man-têm duas onças-pardas, três antas, gatos selva-gens, um macaco-prego, um tamanduá-bandei-ra e um jaburu que jamais voltarão a viver na mata. as onças estão com parte da pelagem queimada, o macaco só tem um braço e o jaburu só uma asa. Os filhotes Nina, uma tamanduá-bandeira de cin-co meses, e Tufão, uma anta, são órfãos e ainda be-bem leite na mamadeira. “Estamos tentando o aca-salamento das antas e dos gatos-moriscos para soltarmos os filhotes na mata, a fim de aumentar a população desses animais, que estão em extinção, e também a multiplicação de pacas, uma presa dos felinos de grande porte”, explica o veterinário da fazenda, Luiz Samartano. “as onças já estão inva-dindo as cidades à procura de alimentos.”

No nosso siteVídeo: confira o

trabalho da fazenda na recuperação de animais silvestres

globorural.globo.com

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48 Globo RuRal | junho 2012 junho 2012 | Globo RuRal 49

Plantio direto

16

Aprefeitura municipal de Extrema (MG) foi pioneira no Brasil ao criar um sistema de proteção dos re-cursos hídricos e lançou, em 2007, o projeto con-

servador das Águas, que visa à proteção dos mananciais que fornecem água para o Sistema cantareira, responsá-vel pelo abastecimento de 50% da população de São paulo. O projeto foi desenvolvido em parceria com o programa de conservação da Floresta atlântica da The Nature conser-vancy (TNc), Sabesp e agência Nacional de Águas (aNa) e se transformou em um exemplo que hoje inspira outros municípios brasileiros.

para implantá-lo, a prefeitura da cidade elegeu a área de maior degradação do município, a Sub-bacia das pos-ses, onde estão 1.300 hectares e 109 propriedades rurais, em uma região bastante fragmentada e com menos de 10% da cobertura vegetal. O reflorestamento se deu por meio da execução de ações de proteção florestal e restauração de áreas que margeiam os cursos d’água. a prefeitura com-pensa financeiramente os proprietários rurais que aderem ao projeto. além disso, parceiros da iniciativa ajudam a fi-nanciar os custos de recuperação e proteção dessas áreas, fundamentais para a conservação das águas em qualidade

e quantidade. apucarana (pR) seguiu o exemplo de Ex-trema e implantou, em 2009, o projeto Oásis, destina-

do à preservação das nascentes das bacias dos rios pirapó, Tibagi e Ivaí. Nesse programa estão cadastra-das 184 propriedades rurais, que somam 5.000 hec-

tares e 613 nascentes preservadas. (Luciana Franco)

Produtores recebem para preservar a água

O plantio direto – técnica de cultivo que dispensa aração e gradagem – é um poderoso aliado na conservação e me-

lhoramento das propriedades físico-químicas do solo, além de contribuir para reter parte do carbono gerado durante o processo produtivo. Já é utilizado em cerca de 30 milhões de hecta-res, ou metade da área agrícola no Brasil.

com o solo adequadamente coberto de resí-duos, mesmo quando há um excedente de chu-vas as águas correm lentamente e chegam ao fim do declive limpas, sem arrastar a camada superficial do solo e provocar erosão. Outro be-nefício é que a cobertura morta protege o ter-reno do aquecimento rápido e da dessecação, impedindo a formação de nuvens de poeira, fa-to comum durante os procedimentos conven-cionais de cultivo das lavouras. a palhada tam-bém protege a planta do calor excessivo e con-serva a umidade do solo por mais tempo. No plantio convencional, um veranico é danoso ao fim de sete dias. No plantio direto, será prejudi-cial ao fim de 15, 20 dias.

Outro benefício da tecnologia é que, ao repor anualmente a camada

orgânica, esta vai se decom-pondo e se transforman-

do em húmus, o que reduz a necessidade

de fertilizantes quí-micos. É um pro-cesso contínuo. O húmus se decom-põe, depois vem mais matéria or-gânica, humifica

mais, e assim por diante, elevando o

teor de húmus. (Sérgio de Oliveira)

Evita erosão ereduz uso de adubo

Biotecnologia18

Madeira legal

19

Transgênico diminui emissão de gás carbônico

Em abril, a empresária adelaide Fátima de Oliveira parou Milão, na Itália. Ela desembarcou por lá com um contêiner de madeira certificada e vendeu tu-

do. “Foi só o começo”, disse adelaide, presidente da asso-ciação dos Manejadores Florestais do acre. Ela foi a pri-meira empresária do setor madeireiro do Estado a ade-quar sua produção a um modelo sustentável. “Enfrentei grandes desafios e ameaças”, lembra. Hoje, é símbolo do movimento que tirou o setor da ile-galidade, com a ajuda do governo estadual. “O acre adotou a economia florestal como identidade cultural”, explica o coordenador do centro de

Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas, Mario

Monzoni. “O governo estadu-al instituiu o manejo florestal para legalizar 95% da produ-

ção de madeira.”

O que o governo fez foi usar recursos do programa pi-loto para proteção das Florestas Tropicais do Brasil (ppG7), financiado por doações de países ricos, para treinar, capa-citar e divulgar o manejo florestal durante dois anos. “Os madeireiros que passaram para o lado do governo come-çaram a receber incentivos fiscais e pagamentos por ser-viços ambientais”, diz Monzoni. com isso, a produção de madeira acreana dobrou de 170.000 metros cúbicos pa-

ra 350.000 metros cú-bicos de toras, entre 2008 e 2010, e a Flores-ta Estadual do antima-ry, uma área de 76.800 hectares, recebeu o se-lo do Forest Stewar-dship council (FSc), que comprova a sus-tentabilidade da ativi-dade. (Viviane Taguchi)

O exemplo vem do Acre

Desde que foi introduzida nas principais regi-ões agrícolas do mundo, 16 anos atrás, a bio-tecnologia vem ajudando a preservar recursos

naturais. Dados do relatório global sobre o uso de se-mentes geneticamente modificadas revelam que es-sa ferramenta reduz as perdas no campo e favorece o incremento da produtividade sem aumento da área agrícola. O estudo mostrou ainda que a adoção das se-mentes GM ajudou a diminuir a emissão de gases do efeito estufa e o uso de agroquímicos nas lavouras. Em 2009, as lavouras transgênicas reduziram as emis-sões de cO2 em 17,7 bilhões de quilos com o menor uso de óleo diesel e aumentaram a retenção de carbono no solo. O uso de pesticidas diminuiu em 8,7% entre 1996 e 2009. ao utilizar as sementes GM tolerantes a herbi-cidas, os agricultores facilitaram ainda a implantação do sistema de plantio direto em suas áreas agrícolas, o que contribuiu para diminuir a erosão e aumentar a

qualidade do solo, de acordo com a pesquisa publicada pe-la consultoria inglesa pG Economics. O Brasil é um gran-de adepto de biotecnologia e registrou, em 2011, a segunda maior área plantada de transgênicos do mundo, com 30,3 milhões de hectares entre soja, milho e algodão, um au-mento de 19,3% em relação a 2010. (Luciana Franco)

conservação de nascentes

17

Convencional

SOJA2009 2010 2011

MILHO ALGODÃO

16,2 17,8 20,6

2009

5

2010

7,3

2011

9,1

2009

0,15

2010

0,25

2011

0,6

16% 26%

39%

31%

55%65%71% 75%

83%

Transgênico

Adoção de transgênicos no Brasil (milhões de ha)

Área total Área total Área total

Fonte: SustainAGRO

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50 Globo RuRal | junho 2012 junho 2012 | Globo RuRal 51

Agente tem de saber o que quer: co-mo a terra deve ficar. O resto, como chegar até esse resultado, isso é di-ferente em todo lugar”, ensina a de-cana da agroecologia no Brasil, ana

Maria primavesi. Em sua opinião, para lidar com o solo, é preciso gostar dele. “Se você gosta de seu fi-lho, você sabe o que deve fazer com ele: é cuidar.” Hoje com 92 anos, Dona ana chegou ao Brasil em 1949, acompanhada pelo marido, arthur primave-si, ambos já formados em agronomia pela Univer-sidade Rural de Viena, na Áustria. passaram por São paulo, interior e capital, e em 1962, estabeleci-dos em Santa Maria (RS), começaram a lecionar na Universidade Federal (UFSM) e criaram uma pós-graduação com foco no manejo ecológico do solo.

Em 1980, viúva havia três anos e com os três fi-lhos já casados, adquiriu um pedaço de terra em Itaí (Sp), na região de avaré. Foi para lá sozinha e começou a plantar (e, mais tarde, a criar gado). “cheguei sem nada, só com boa vontade. Em to-do lugar, naquela época, se praticava a agricultura artificial, uso de muita tecnologia... Naquela região ainda não tinha nada disso. comecei plantando mi-lho e trigo, depois diversifiquei”, lembra.

Há décadas ela vem defendendo que produção de alimentos e conservação do ambiente são ativi-

A lição de Dona AnaaGROECOLOGia

20

Pioneira da agroecologia no Brasil acredita que a necessidade de alimentar o mundo pode reforçar o cultivo em solo sadio

dades complementares, e não opostas. “produti-vidade no campo funciona assim: se você tem um solo e ele está estragado, naturalmente ele não vai produzir sem todas essas parafernálias químicas. Mas, se você tem um solo vivo, ele produz sim. En-tão, a questão é não trabalhar em solo morto, mas sim em solo vivo”, explica. “Do modo convencio-nal, não se consegue mais produzir como antiga-mente, e a população mundial está dobrando de 20 em 20 anos. Então, alguma coisa terá de ser feita. Estamos estragando a terra por toda parte. Dá pa-ra recuperar? Dá. Mas demora...”

Boas práticasNa Fazenda Ecológica, ana primavesi conta que

o mais complicado foi encontrar água. “Não tinha nenhuma fonte de água, nada. Fizemos um poço de 30 metros de profundidade para achar água para abastecer a casa. agora, temos cinco fontes”, orgu-lha-se, explicando que não se trata de um passe de mágica. “a terra tem de ser permeável. aí, as fontes acabam aparecendo. Mas, se a terra está maltra-tada, a água não infiltra e consequentemente não nasce. a terra tem de ser coberta por plantas para que a água do orvalho e da chuva penetre.”

ana primavesi viveu na propriedade em Itaí pe-los últimos 32 anos. Em janeiro deste ano, a família

Texto Karina Ninni * Foto Marcelo Min

Produtividade no campo funciona assim: se você tem um solo e ele está estragado, ele não vai produzir sem toda essa parafernália química. Mas, se você tem um solo vivo, ele produz sim”

achou por bem trazê-la definitivamente para a ca-pital, onde passou a viver na casa da filha, carin, no campo Belo (confira o box). Saudosa, lembra que recebeu em sua fazenda estudantes e agricultores que a procuravam com dúvidas, problemas de pro-dutividade ou apenas para conhecê-la.

“O solo se regenera sozinho. Usava muito a pa-lhada da própria planta para recobrir o solo. produ-zíamos o máximo com rotação de cultivo”, ensina, revelando que a prática de revolver profundamen-te o solo é um grande equívoco.

a lavoura ocupava entre 8 e 10 dos 96 hectares

da propriedade de Dona ana. No restante, ela cria-va entre 120 e 130 cabeças de gado para corte. “De-pendendo da época do ano, se faltava pasto, eu ti-nha de usar ração para alimentá-los, mas era ra-ção produzida lá. Milho, cana picada...”

Ela se lembra de uma viagem que fez para ven-der milho na região de avaré, onde há muitos ha-ras. “Os responsáveis disseram: nossos cavalos não comem milho, só aveia, mas deixe aí. Dali a uns meses, o sujeito me liga. O que é que tem o mi-lho da senhora? Os cavalos só querem milho agora, não querem mais saber da aveia...”

dona anavisita a Universidade Federal de Santa Maria (1965); faz palestra sobre plantio direto na Argentina (1996); e é professora convidada da Universidade de Chiapas, no México (2002)

Com a saída de Ana Primavesi da Fa-zenda Ecológica, em janeiro deste ano, um grupo de pessoas ligadas ao

movimento orgânico no país tem se reunido para tentar ajudar a família a dar um desti-no para a propriedade. “Gostaríamos de po-der alienar a propriedade para pessoas com a mesma visão que minha mãe tem de ma-nejo de solo”, resume Carin Silveira, filha de Dona Ana, como a cientista ficou conhecida.

“Dona Ana ligou para a Associação de Agricultura Orgânica e disse-nos: Não quero vender para qualquer um. Então, reunimos um grupo de trabalho de 25 pes-soas e estamos tentando achar uma solu-ção. Afinal, ela foi a sócia número 1 da en-tidade e também nossa primeira diretora técnica”, afirma Márcio Stanziani, secretá-rio executivo da Associação de Agricultura Orgânica (AAO).

Segundo ele, a opção que vem se dese-nhando é a transformação do local em uma fundação de direito privado. “O grupo es-tá tentando encontrar um comprador, mas o ideal seria que algum grupo ou empresário adquirisse a área e a doasse para a fundação. Mais ou menos o mesmo que aconteceu com o espólio do professor Lutzenberger”, diz, re-ferindo-se ao agrônomo e ambientalista José Antônio Lutzenberger, falecido em 2002.

Legado em jogo

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