Lección de cocina a ironia como desconstrução da submissão feminina

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Silvana Aparecida Ferraz LECCIÓN DE COCINA: A IRONIA COMO DESCONSTRUÇÃO DA SUBMISSÃO FEMININA CURITIBA 2011

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Lección de cocina a ironia como desconstrução da submissão feminina

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Silvana Aparecida Ferraz

LECCIÓN DE COCINA: A IRONIA COMO DESCONSTRUÇÃO DA

SUBMISSÃO FEMININA

CURITIBA 2011

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LECCIÓN DE COCINA: A IRONIA COMO DESCONSTRUÇÃO DA SUBMISSÃO

FEMININA

CURITIBA 2011

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Silvana Aparecida Ferraz

LECCIÓN DE COCINA: A IRONIA COMO DESCONSTRUÇÃO DA SUBMISSÃO

FEMININA

Monografia apresentada ao curso de Pós Graduação em Ensino de Língua Espanhola e suas Literaturas da Faculdade de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de especialista em Ensino de Língua Espanhola e suas literaturas.

Orientadora: Prof. Ms. Maria Josele B. Coelho

CURITIBA 2011

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DEDICATÓRIA

Rosario Castellanos foi uma das pioneiras a defender os direitos das

mulheres na sociedade mexicana e uma das mais influentes escritoras da literatura

hispano-americana.

Na minha vida, também tive contato com grandes mulheres, que de uma

forma e outra me deixaram exemplos e grandes ensinamentos. Dedico, então, este

trabalho a essas grandes mulheres.

Meu grande modelo, minha mãe Hilda, que sempre me apoiou

incondicionalmente e minha irmã Lorita, por me incentivarem nas primeiras leituras, o

que me levou a optar pelo curso de Letras. Também fazem parte de minha história e

minhas tias Loi e Lurdes e a distante e próxima prima Elisa.

E as grandes amigas Andreia Bugalski, Patrícia Leite, Tatiane Padilha,

Elaine Carreira, Simone Pires, Leila Solera e Mirian Lins, que me deixaram exemplos

de força, liderança e superação.

Dedico também às professoras Nylcéa Tereza de Siqueira Pedra, Maria

Josele B. Coelho e Teresita Campos Avella, que me deixaram grandes exemplos de

como ser professor.

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AGRADECIMENTOS

Em especial a minha mãe Hilda, pelo amor e apoio incondicional, e ao Marcio,

meu segundo sol, grande companheiro e incentivador, pelo seu carinho, respeito e pela

imensa paciência em me agüentar.

Meus sinceros agradecimentos à professora Josele, minha orientadora, pelo

apoio durante este período e a professora Teresita Campos Avella que sempre ajudou

todos os alunos do curso de especialização.

Aos meus amigos, agradeço por entenderem e respeitarem meu

distanciamento durante o período de realização deste projeto.

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La literatura de las mujeres en América Latina es parte de la voz de los

oprimidos. Lo creo tan profundamente que estoy dispuesta a convertirlo en leit-motif en

un ritornello, en ideología.

Elena Poniatowska

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO......................................................................................................... 10 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.............................................................................. 12 2.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTO……................................................... 12 2.2 CARACTERÍSTICAS DO CONTO...…...............................................................16 2.3 O CONTO HISPANO-AMERICANO…...............................................................21 2.4 A ESCRITA DE AUTORIA FEMININA………………………………....................24 2.5 A ESCRITA DE ROSARIO CASTELLANOS……………………………..............30 3 ANÁLISE……………………………………………………………………………..……33 3.1 O USO DO HUMOR NO CONTO LECCIÓN DE COCINA................................33

3.1.1 O humor no espaço doméstico e nas funções desempenhadas como dona

de casa………………………………………………………………………………..……...37

3.1.2 O humor na relação matrimonial.………………………………….......................38

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................40 REFERÊNCIAS.......................................................................................... .................42

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RESUMO

O objetivo central deste presente trabalho é analisar o uso da ironia no conto Lección de Cocina de Rosario de Castellanos, editado em 1971, enquanto recurso lingüístico que possibilita a desconstrução da realidade submissa e patriarcal em que as mulheres estavam inseridas na sociedade mexicana. Castellanos, consciente da dupla discriminação das mulheres de sua época - ser mulher e mestiça - utilizava-se da linguagem como forma de poder, pois pela força da enunciação de seus personagens, exprimia sua ideologia enquanto denunciava as opressões sofridas. Ela também buscava definir o papel da mulher na sociedade e a recuperação de sua identidade e auto-estima, pois somente assim as mulheres conseguiriam a sua liberdade e emancipação. Nessa perspectiva, esse trabalho considera a importância da produção literária de autoria feminina hispano-americanas, por meio da qual se busca a liberdade e um espaço de enunciação que permita à mulher deixar de ser um eco, uma sombra e passar a usar sua própria voz para abandonar a dependência e a subordinação masculina históricas. Palavras-chave: Literatura Hispano-americana, Estudos de gênero, Autoria feminina, conto, ironia, identidade.

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RESUMEN

El objetivo central del presente trabajo es analizar el uso de la ironía en el cuento Lección de Cocina de Rosario Castellanos, editado en 1971, en cuanto recurso lingüístico que posibilita la desconstrucción de la realidad sumisa y patriarcal en que las mujeres estaban insertadas en la sociedad mexicana. Castellanos, consciente de la dupla discriminación de las mujeres de su época - ser mujer y mestiza – se utilizaba del lenguaje como forma de poder, pues por la fuerza de la enunciación de sus personajes, exprimía su ideología en cuanto denunciaba las opresiones sufridas. Ella también buscaba definir el papel de la mujer en la sociedad y la recuperación de su identidad y autoestima, pues solamente así las mujeres lograrían su libertad y emancipación. En esta perspectiva, ese trabajo considera la importancia de la producción literaria de autoría femenina hispanoamericana, por medio de la cual se busca la libertad y un espacio de enunciación que permita a la mujer dejar de ser un eco, una sombra y pasar a usar su propia voz para abandonar la dependencia y subordinación masculina históricas.

Palabras clave: Literatura hispanoamericana, Estudio de género, Autoría femenina, cuento, ironía, identidad.

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INTRODUÇÃO

Este trabalho é resultado de reflexões feitas ao transcorrer das aulas do

módulo O conto contemporâneo em língua Espanhola, ministrado pela professora

Maria Josele Bucco Coelho, do curso de especialização de Ensino de Língua

Espanhola e suas Literaturas. A partir do panorama da produção literária da narrativa

curta de escritores hispano-americanos, e também de algumas leituras prévias de

autoras como Clarice Lispector, Lya Luft e Rosario Castellanos, é que surgiu meu

interesse em investigar a produção contística mexicana de autoria feminina.

Assim, essa investigação tem como propósito estudar o uso da ironia como

recurso lingüístico que possibilita a fuga da realidade patriarcal e da submissão em que

a mulher mexicana está inserida, no conto Lección de Cocina da obra Album de

Familia (1971) da escritora mexicana Rosario Castellanos, que foi uma das pioneiras a

inserir em sua literatura uma tomada de consciência sobre a problemática de seu

espaço na sociedade e da busca de seu autoconhecimento e identidade.

Pretende-se também apresentar uma das funções da literatura de autoria

feminina que é a busca da construção de uma obra com voz própria, isto é, criar

espaços de enunciação para o outro como um meio de encontrar a liberdade e a

igualdade com os homens.

A fundamentação teórica, que orienta essa produção, considera as idéias de

teóricos como Nádia Battela Gotlib e Luzia de Maria R. Reis, Edgar Allan Poe, Julio

Cortázar, Ricardo Piglia e José Miguel Oviedo.

No que tange à produção contística de autoria feminina, será tomado como

corpus teórico as conferências e debates sobre gênero elencados por Jorgelina

Corbatta, os estudos de Maria Teresa Medeiros-Lichem sobre a voz, a ideologia e a

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escrita de autoras hispano-americanas, assim como os debates sobre linguagem e

identidade de Rosario Castellanos de Beth Miller.

Trata-se, portanto, de uma pesquisa bibliográfica que buscará, a partir do corpus

teórico selecionado, realizar a leitura, a análise e a interpretação destes selecionando

conceitos e idéias que fundamentem as marcas da dialética feminina e do uso da ironia

no conto Lección de Cocina. De Rosario Castellanos.

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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTO

"Um conto é significativo quando quebra seus próprios limites com essa explosão de energia espiritual que ilumina bruscamente algo que vai muito

além da pequena e às vezes miserável história que conta (...) o tempo e o espaço do conto têm de estar como que condensados,

submetidos a uma alta pressão espiritual e formal para provocar essa 'abertura'“.

Julio Cortázar

Segundo Gotlib (1985), a palavra conto refere-se à historieta, estória, narrativa

e conto popular, que tem origem da palavra latina computus, em português: conta. Este

termo passou a designar a história curta porque o verbo latino computare, tem também

o sentido de ordenar a narrativa em unidades e enumerar os fatos.

O ato de contar histórias é um fenômeno antropológico, presente no surgimento

e no desenvolvimento das civilizações e na criação de diferentes culturas, valores e

costumes. Trata-se de uma atividade inerente à condição humana. Pois desde os

tempos mais remotos o homem está intimamente ligado ao ato de contar histórias

Faz parte da cultura de um povo recompor a memória das épocas que se foram e, deste modo, podemos “saber” do conto popular testemunhando sua presença em antologias a que foi recolhido em ainda, estudado, analisado: visto, assim, não sob o prisma do prazer, mas sob bisturis dissecadores que servem a análises minuciosas de cada uma de suas partes, em busca de compreensão maior. (REIS, 1984, p. 09)

Conforme Gotlib, o contar histórias, sob o signo da convivência, sempre reuniu

pessoas, as que contam e as que ouvem. Das sociedades primitivas em torno de

fogueiras, com os sacerdotes e seus discípulos na transmissão de mitos e ritos de

suas tribos, em volta da mesa as pessoas contam e ouvem histórias.

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Essas narrativas na forma popular se consolidaram primeiramente pela

transmissão oral e só depois passaram ao registro escrito.

Conforme Reis (1984),

O conto popular cristalizava-se na tradição oral dos povos, atuando como veículo de transmissão de ensinamentos morais, valores éticos ou concepções de mundo, sendo fortalecido na memória de consecutivas gerações, a cada noite, a cada serão, espécie de legado passado de pais a filhos.” (ibid, p. 08)

Assim, muitos estudiosos acreditam que os contos egípcios intitulados Os

Contos dos Mágicos (4000 a.C) sejam um dos mais antigos, e representem um dos

primeiros registros escritos desses relatos orais. No entanto, não é possível determinar

precisamente os primeiros passos dos registros escritos, menciona-se a existência, no

oriente, do Pantchatantra, (VI a.C) a mais antiga coleção de fábulas indianas, e no

século VI a.C, no oriente e na Grécia, as histórias contidas na Ilíada e a Odisséia de

Homero.

A difusão do conto como relato escrito ocorreu com a coletânea de contos das

Mil e Uma Noites, uma coleção de histórias e contos populares originárias do oriente

médio. A partir das atividades dos copistas, esses contos, foram retomados durante a

idade média e, dessa forma, passaram a ser conhecidos em toda a Europa. Essa

difusão é considerada como essencial no processo de consolidação do gênero conto.

Algumas de suas narrativas são bem conhecidas: "Aladim e a Lâmpada Maravilhosa";

"Simbad, o Marujo"; e "Ali-Babá e os Quarenta Ladrões".

No século XIV se apresentam as primeiras preocupações artísticas e o conto se

afirma como uma categoria estética a partir da publicação de Decameron (1350), de

Bocaccio, que foi traduzido para diversas línguas.

Durante a Idade Média muitas modalidades deste gênero se popularizaram,

como os contos infantis e os de fadas. Vale ainda ressaltar que a estrutura e processo

de composição foram mudando, de acordo com a época e o estilo de cada narrador.

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Neste mesmo período, quando surgiu, na Itália, o conto recebeu o nome de racconto,

de raccontare, contar de novo. O prefixo "ra" em italiano equivale ao "re" em português,

indicando repetição.

Se no século XVII, surgem grandes escritores e contistas como Miguel de

Cervantes com Las Novelas Ejemplares e Charles Perrault Histoires ou Contes du

Temps passé, conhecidos como Contos da mãe gansa, o século XVIII apresenta La

Fontaine, grande contador de fábulas, como as conhecidas: A cigarra e a formiga e A

raposa e as uvas.

Foi o Século XIX, com maior difusão dos contos a partir de publicações em

jornais e revistas devido a crescente expansão da imprensa, que permitiu a publicação

dos textos e o desenvolvimento do conto moderno, “Este é o momento de criação do

conto moderno quando, ao lado de um Grimm que registra contos e inicia o seu estudo

comparado, um Edgar Alan Poe se afirma enquanto contista e teórico do conto.”

(GOTLIB, 1985, p.7).

Dessa forma o conto, conhecido como uma narrativa popular, de intenção

satírica, ou moral, ou religiosa consagra-se como gênero literário em meados do século

XIX, despontando na França com Balzac e nos Estados Unidos com Edgar Allan Poe.

Quanto à terminologia, este novo gênero foi identificado pela primeira vez

como Short Story, em português: narrativa curta, porque este gênero tem como

característica a economia de meios, conforme Cortázar,

[…] el cuento contemporáneo se propone como una máquina infalible destinada a cumplir su misión narrativa con la máxima economía de medios; precisamente, la diferencia entre cuento y lo que los franceses llaman nouvelle y lo anglosajones long short story se basa en esa implacable carrera contra el reloj que es un cuento plenamente logrado (CORTÁZAR, s/p)

Conforme descrito durante séculos, este gênero foi passando por

transformações, até chegar ao conto moderno, que ainda mantém muito das

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características e da estrutura clássica, mas se diferencia pela estética do conto

clássico. Nesse, a narrativa era linear, havia um começo, meio e fim, e uma única

ação com acontecimentos pontuais, já o conto moderno acrescenta à análise

psicológica dos personagens, os aspectos cotidianos e a alinearidade da narrativa.

O que caracteriza o conto é o seu movimento enquanto uma narrativa através dos tempos. O que houve na sua “história” foi uma mudança de técnica, não uma mudança de estrutura: o conto permanece, pois, com a mesma estrutura do conto antigo; o que muda é a sua técnica. Esta é a proposta, discutível, de A.L. Bader (1945), que se baseia na evolução do modo tradicional para o modo moderno de narrar. Segundo o modo tradicional, a ação e o conflito passam pelo desenvolvimento até o desfecho, com crise e resolução final. Segundo o modo moderno de narrar, a narrativa desmonta este esquema e fragmenta-se numa estrutura invertebrada. De fato, a arte clássica (do período greco-latino) e a de seus imitadores (da Renascença, no século XVI; ou do Classicismo no século XVII) tinham eixos fixos que determinavam os valores da arte, como os do equilíbrio e harmonia, que eram reunidos em princípios ou normas estéticas a serem aprendidas e imitadas por outros. Uma delas era esta: a de se obedecer à ordem de início, meio e fim na estória, ou a regra das unidades: uma só ação, num só tempo de um dia e num só espaço. Algumas destas regras já apareceram na Poética de Aristóteles. (GOTLIB, 1985, p. 17)

Conforme reitera Gotlib, o conceito e a estrutura do conto clássico

permanecem, mas a grande diferença do conto moderno é a mudança na técnica da

narrativa.

O teórico Ricardo Piglia defende a teoria do iceberg, segundo a qual o conto

moderno conta duas histórias como se fosse uma só.

O conto contemporâneo, reflexo na nova narrativa que se foi construindo nas últimas décadas, substitui a estrutura clássica pela construção de um texto curto, com o objetivo de conduzir o leitor para além do não dito, para a descoberta de um sentido não-dito. A ação se torna ainda mais reduzida, surgem monólogos, a exploração de um tempo interior, psicológico, a linguagem pode, muitas vezes chocar pela rudeza, pela denúncia do que não se quer ver. Desaparece a construção dramática tradicional que exigia um desenvolvimento, um clímax e um desenlace. Em contrapartida, cobra a participação do leitor, para que os aspectos constitutivos da narrativa possam por ele ser encontrados e apreciados. Exige uma leitura que descortine não só o que é contado, mas, principalmente, a forma como é contado, a forma como o texto se realiza. (2001, p.24).

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Dessa forma, pode-se considerar que para Piglia no conto moderno há o

abandono do final surpreendente e a estrutura fechada, característica do conto

clássico, e se trabalha a tensão entre as duas histórias. É uma narrativa que encerra

uma história secreta, que se conta algo enigmático onde o mais importante não se

conta, a história secreta se constrói com o não dito.

2.2 CARACTERÍSTICAS DO CONTO

Uma das características que diferenciam o conto de outros gêneros como a

novela e o romance é a sua extensão, pois é considerado uma forma narrativa em

prosa de menor extensão. De acordo com Luzia de Maria, “em princípio, o conto se

caracterizava por ser uma narrativa curta, um texto em prosa que dá o seu recado

em reduzido número de páginas ou linhas”. (1984, p. 23). Mas segundo a própria

autora, o conto não é definido apenas pelo seu tamanho, ocorre que por conta de

sua forma, os fatores como concisão e brevidade tornam-se de profunda

importância, pois para escrever levando-se em consideração o limite de escrita, o

autor deverá economizar nos meios narrativos e atentar-se para a máxima

profundidade e densidade, evitando o que for supérfluo, assim as palavras passam a

ter maior valor.

No conto, costuma haver uma única célula dramática, com temática

resumida, desenvolvendo apenas um conflito e com o número de personagens

reduzido, pois os fatos são interligados, para se manter um ritmo e uma tensão do

início ao fim. O tempo e espaço são condensados e a densidade dramática da trama

causa um efeito de atração no leitor.

Outras características do conto são:

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Brevidade: Levando em consideração que a estrutura do conto é

reduzida, a brevidade é fundamental para a sua construção, é

importante delimitar acontecimentos e ser conciso na narrativa.

Inicialmente a estrutura do conto era mais longa, mas foi diminuindo

de tamanho com o tempo. Como por exemplo, o contista guatemalteco

Augusto Monterroso, que é o autor do menor conto da literatura

mundial já escrito:1 "Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá".

Economia verbal: Pela sua curta extensão, os contistas precisam

atentar em utilizar linguagem simples e exata, pois cada palavra tem

uma função direta para o desfecho. Também se deve evitar o uso de

figuras de linguagem ou expressões que possam sugerir duplo sentido

e manter a precisão da narrativa.

Concisão: Todas as ações se encaminham diretamente para o

desfecho, a narrativa envolve poucos personagens, geralmente em só

um espaço e levando em consideração apenas um conflito, para que

não surjam diversos núcleos temáticos. O passado e o futuro têm

significado menor, para um conto não é necessário dar explicações e

informações que possam ser supérfluas à história, para que não se

perca a unidade temática.

Densidade: O conto tem os fatos são interligados, pois necessita de um

ritmo e uma tensão do início ao fim. O tempo e espaço são

condensados e a densidade dramática da trama causa um efeito de

atração no leitor.

1 È importante observar que para alguns teóricos, o texto de Monterroso inaugura um novo gênero – o

microrrelato. No entanto, este trabalho não abordará essa questão.

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Desfecho: Todo o conto trabalha para o grande clímax, que é o

desfecho na narrativa.

Muitos escritores e críticos fazem diversas reflexões sobre o caráter geral do

gênero conto e o esforço de apontar certos delimitadores comuns às suas diversas

manifestações. No entanto há muita discordância quando o assunto é a definição,

Machado de Assis o interpreta como um gênero difícil a despeito de sua aparente

facilidade e por causa desta facilidade acaba afastando-o dos autores e faz com que

o público não dê a atenção que se faz necessário. Já Mario de Andrade afirma que

conto é tudo aquilo que quiser se chamar de conto.

O primeiro grande teórico do conto e também contista, foi Edgar Allan Poe.

Suas ideias estão expressas no ensaio A Filosofia da Composição, onde apresenta

detalhadamente a metodologia do processo de produção de O Corvo.

Poe foi o primeiro a impor limites e criar regras a partir da teoria de Unidade e

Efeito. Neste ensaio, Poe se refere à reação que o texto pretende causar no leitor,

ou seja: aterrorizar? surpreender? encantar? o efeito causado é um estado de

excitação ou de exaltação da alma e para este objetivo, deve ser calculado de

maneira a não se perder durante a leitura, por isso a importância da questão da

brevidade, pois se o texto for longo demais, pode-se perder esta exaltação.

Segundo Poe, uma composição é rigorosamente calculada, para se alcançar

o efeito esperado. “É meu designo tornar manifesto que nenhum ponto de sua

composição se refere ao acaso, ou à intuição, que o trabalho caminhou, passo a

passo, até completar-se, com a precisão e a seqüência rígida de um problema

matemático.” (POE,1999, p.12)

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Portanto, a composição calculada de Poe inicia-se pela intenção, isto é, o

que o autor pretende com o conto. O próximo passo é a extensão do conto, pois

para ele há um limite distinto, em torno de cem versos, e que a leitura seja de uma

só sentada, pois se a leitura passar deste limite corre o risco de perder o efeito

pretendido. Assim, afirma que

Se alguma obra literária é longa demais para ser lida de uma sentada, devemos resignar-nos a dispensar o efeito imensamente importante que se deriva da unidade de impressão, pois, se requerem duas sentadas, os negócios do mundo interferem a tudo o que se apareça com totalidade é imediatamente destruído. (ibid., 1999, p.12)

Poe também alerta para o fato de que o conto também não deve ser muito

breve, deve haver uma forma equilibrada. “um poema breve demais pode produzir

uma impressão vivida, mas nunca intensa e duradoura” (ibid., 1999, p.13)

Outros fatores importantes são as escolhas do tom e os efeitos artísticos

adequados, que para ele se entende como o uso de um refrão poético de tom forte,

que deve ser sonoro e dar ritmo e ênfase ao conto.

Para Poe, o autor deve ter o domínio sobre o material narrativo, para chegar à

função do efeito pretendido. Ele se baseia na relação entre a extensão e o efeito que

a leitura causa no leitor e defende que a produção de um conto deva ser um cálculo

minucioso, o autor deve elaborar um plano para obter o sucesso.

O escritor e teórico argentino Julio Cortázar também destaca a dificuldade de

definição, também segundo ele, o conto é um gênero de difícil explicação e esquivo

nos seus múltiplos e antagônicos aspectos. Para ele, o conto, que é um gênero

pouco classificável, não é regido por regras e sem por pontos de vistas de cada

autor.

(…) Nadie puede pretender que los cuentos sólo deban escribirse luego de conocer sus leyes. En primer lugar, no hay tales leyes; a lo sumo cabe hablar de puntos de vista, de ciertas constantes que dan una estructura a ese género tan poco encasillable; en segundo lugar, los teóricos y los críticos no tienen por qué ser los cuentistas mismos, y es natural que aquéllos sólo entren en escena cuando exista ya un acervo, acopio de

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literatura que permita indagar y esclarecer su desarrollo y sus cualidades. (CORTÁZAR, s/p)

Cortázar, diferentemente de Poe, avalia que a produção de contos não se dá

por um processo calculado, mas por certas estruturas. Nesse sentido não há regras

e cálculos que devem ser seguidos minuciosamente, pois o fazer literário vai além

de esquemas e normas e a escritura é entendida como um exorcismo, “Como si el

autor hubiera querido desprenderse lo antes posible y de la manera absoluta de su

criatura, exorcizándola en la púnica forma en que le era dado hacerlo:

escribiéndola.” (CORTÁZAR, s/p)

Há na escritura de um conto um oficio de escritor, que consiste em buscar

algo que prenda da atenção do leitor, e a única maneira para que ocorra este

seqüestro momentâneo da atenção do leitor é ajustar o tema com a intensidade e a

tensão que o conto proporcionará e um os meios para se conseguir este efeito é

com o uso da brevidade e a economia de meios e palavras, pois o conto parte da

noção de limite.

Para explicitar esta questão do limite e da brevidade, Júlio Cortázar usa como

exemplo o cinema e a fotografia, assim o cinema está para o romance, a fotografia

está para o conto. Isso porque o romance e o cinema têm a possibilidade mais

ampla para abordar os temas devidos a estrutura mais extensa, já o conto e a

fotografia, por seu caráter físico mais reduzido, precisam em poucas páginas ou até

onde capta a lente da câmera para fazer o recorte preciso, com o ritmo e intensidade

para projetar o clímax e o efeito pretendido pelo autor.

Outra comparação citada por Cortázar é do conto com um knockout “La

novela gana siempre por puntos, mientras que el cuento debe ganar por knockout”.

Para ele, um bom contista é um boxeador astuto e seus golpes iniciais podem

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padecer despretensiosos e poucos eficazes, mas na verdade ele está minando as

resistências do adversário.

2.3 O CONTO HISPANO-AMERICANO

Considera-se que a partir de 1920 o conto hispano-americano teve o seu

auge e sofreu transformações quanto à sua temática, linguagem e técnica. Algumas

dessas mudanças foram em relação ao deslocamento dos planos temporais, as

rupturas com o fio narrativo e o mais acentuado uso da fala popular.

Conforme estudo de José Miguel Oviedo, na obra Antología del cuento

hispanoamericano (2001), a década de 1920 foi o momento em que se produz o

primeiro grande impacto das vanguardas europeias e este fenômeno marca o início

do conto hispano-americano contemporâneo e esta renovação o leva a se converter

em um dos gêneros mais originais e de grande vitalidade até os dias de hoje. Antes,

a produção contística era marcada pela influência das correntes modernistas.

Oviedo orienta seu estudo a partir de um mapa classificatório da trajetória da

produção hispano-americano do século XX dividido em quatro grandes linhas:

1. Tradição Realista: é a representação de uma realidade objetiva e

reconhecível ao leitor, que a comparte com o autor. O relato é o

condutor da comunicação de uma realidade ou de experiências

verificáveis, os elementos testemunhais, que vem desde o séc XIX se

mantêm, mas em meados do séc. XX a tradição realista passa por uma

renovação estética. Do realismo há outras formas das quais evoluíram

para:

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- Criolista: marca a ruptura com a colônia, começa a elucidar uma nova

tradição marcada pela reconciliação com a própria herança cultural.

- Indigenista: o índio é o tema central, mas sua imagem representada

vai transformando-se e adquirindo as características que os tempos e

as novas ideologias vão lhe oferecendo, a de enfatizando o processo

de exclusão sofrido pelo índio na sociedade.

- Neorrealista: rompe com o passado, há uma busca pelo objetivismo e

os fatos se apresentam de forma real.

Alguns representantes desta tradição foram: César Vallejo, Arguedas

e Mario Benedetti.

2. A Inovação: Contos fantásticos, as vanguardas, contos especulativo e

humorístico: há elementos de estranheza e nova matéria narrativos. A

fantasia abre espaço para os jogos de experimentação e alegorias, a

trama passa a ser elemento tão fundamental quanto os personagens. É

marcado pels contos de horror, de fantasia e ficção. Grandes nomes:

Adolfo Bioy Casares, Horacio Quiroga e Macedonio Fernández.

3. Grande Síntese: Chamado como o “Boom’ literário dos anos sessenta,

representa uma nova forma de escrever que contribuiu para uma

mudança de foco e de perspectivas da tradição literária hispano-

americana. Este evento se deu com a soma de fatos como a difusão

editorial da Espanha e a presença de um público mais crítico e

interessado na literatura hispano-americana. Segundo Oviedo em

relação a este acontecimento:

… el “boom” contribuyó a un cambio de foco y perspectiva en una nueva propia tradición literaria. Pasado y presente, realidad e imaginación, historia y mito, origen y utopía: en estas novelas se consolidaba una potente visión integradora de un continente dividido y contradictorio. En un determinado momento, la ficción hispanoamericana culmina una gran

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síntesis de formas, ideas y propuestas gestadas con anterioridad: eso es lo que el “boom” realmente significa. (OVIEDO, 2001, p. 24)

4. Otras direcciones: Esta linha tem definição menos precisa que as

outras apresentadas, devido ao pouco distanciamento temporal das

obras em estudo. A impossibilidade de estabelecer características

concretas ocorre devido as fato de que entre o pós-boom e a aparição

do espírito pós-moderno na narrativa. Oviedo faz uma apresentação de

diversos contistas com atitudes e propostas estéticas diferentes, sem

seguir um padrão definido. É neste período que a participação das

mulheres na literatura hispano-americana se apresenta como uma

importância considerável, como Rosario Ferré e Elena Poniatowska.

Segundo Oviedo a literatura mexicana tem importante lugar na literatura

mundial e sua produção contística contemporânea recupera as tradições literárias de

gerações anteriores, com antecedentes diretos da década de 1950. Exemplos disso

são os autores Juan Rulfo, Juan José Arreola e Carlos Fuentes.

Nas décadas de 1960 e 1670 são publicadas as primeiras obras onde o

humor e a ironia começam a abordar as questões sociais e culturais da sociedade

mexicana. Neste período são publicadas, entre outras, as obras La Oveja negra y

demás fábulas (1969) de Augusto Monterroso, Cuál es la Onda de José Agustín e

Álbum de família (1971) de Rosario Castellanos, que foi pioneira no uso da auto-

ironia na escrita feminina.

Castellanos foi uma das mais importantes vozes literárias Mexicanas. Nasceu

na Cidade do México em 1925 e passou grande parte de sua vida como professora

universitária e escritora, mas também se dedicou a carreira política trabalhando

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24

como promotora cultural e embaixadora do México em Tel-Avivi, onde faleceu em 07

de agosto de 1984.

Sua obra é marcada por temas com enfoque político, sexista e crítica da

sociedade patriarcal mexicana. Rosario Castellanos tem uma vasta bibliografia, ela

escreveu romances, teatros, contos, poesias e ensaios. Seus mais importantes

trabalhos com contos é o livro Álbum de Família (1971) que apresenta como ponto

alto temas referentes à identidade feminina, e também outro referencial é a sua

dissertação de mestrado Sobre Cultura Femenina, (1950) pela Universidade

Nacional Autônoma do México, onde ela questiona se existe uma cultura feminina e

a que se deve a subordinação da mulher. Com a defesa desta pesquisa, ela obteve

com unanimidade o grau de mestre em filosofia.

O ingresso das mulheres nas universidades nas décadas de 1940 e 1950 no

México significou um processo de modernização social e de abertura para as

próximas gerações de um espaço antes privilegiadamente masculino.

2.4 A ESCRITA DE AUTORIA FEMININA

"Yo nací mujer, pero aún debo devenir esta mujer que soy por naturaleza”

Helene Cixous

Assim como sua história na sociedade, a participação da mulher na literatura

também percorreu um longo caminho para que seu discurso chegasse a ser

identificado e ouvido, deixando de ser a representação de um eco do discurso

ficcional masculino, um títere manipulado pela voz do outro e passasse a dar forma

a sua própria voz, ao discurso feminino:

Page 25: Lección de cocina a ironia como desconstrução da submissão feminina

25

“a figura feminina é fina voz retirada de um registro masculino, que se constrói de forma similar ao ventríloquo e seu boneco: confusão de vozes, perversa construção enganosa, enquanto fantasma consciente ou inconsciente, nestes tortuosos caminhos do desejo, que se mimetizam ou reduplicam nas linhas do texto.” (CASTELLO BRANCO,1989, p.22)

Desde o fim do séc. XIX e no séc. XX ocorreram as maiores transformações

em relação à literatura de autoria feminina e da conscientização de sua autonomia

social e cultural, já que por muito tempo as mulheres foram marginalizadas com o

analfabetismo e a submissão patriarcal. Isso se deu graças ao desejo das mulheres

em conseguir, através de sua própria linguagem, obter expressão, conhecimento,

mudança de sua situação na sociedade e de fugir do modelo 2falocêntrico, do qual

elas não fazem parte.

Conforme reflexão de Medeiros-Lichem (2006, p. 18), o uso da linguagem age

como um desestabilizador do sistema patriarcal, para as mulheres não é somente

uma questão política, de gênero e afirmação social, mas sim a urgência em usar seu

discurso como forma de registrar o silenciado e o oprimido e de superar a

autocensura que as impede de ver além da construção social da realidade.

Os últimos anos vêm sendo testemunha da revolução ideológica e estética

da produção literária feminina hispano-americana, com o crescente interesse como

objeto de estudo e também de produção crítica e teórica, desde a óptica feminina do

seu papel referente à política, sociedade, família, costumes, sexualidade e cultura.

Isso leva a

[…] la acuñación de nuevas categorias literárias y socio-culturales para abordar el fenômeno feminista-femenino latino-americano como una realidad inédita que debe ser nominada, analizada y traída a la luz de los estudios literarios contemporáneos. (CORBATTA, 2002, p.13)

2 Conforme Lacan o falo é um conceito lingüístico. Quem tem o discurso falocêntrico está no centro e

tem o domínio da linguagem.

Page 26: Lección de cocina a ironia como desconstrução da submissão feminina

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Na narrativa feminina, encontram-se marcas da crítica do feminismo francês e

anglo-saxão e apresentam caráter biográfico e de testemunho, com características

de escrita de exílio, re-escritura de figuras históricas (como os mitos mexicanos de

La Llorona e Malinche); de resistência (ato de escrever como caráter político, de

recuperação da memória escrita de historias de vida) e fantástica, em um contexto

familiar e de atitude crítica e reflexiva.

A temática do corpo, erotismo e a sensualidade freqüentemente também

aparecem no corpus dos textos, pois sempre foram motivo de opressão por parte da

sociedade e principalmente da igreja que reprimiam a sexualidade e condenavam a

libido, para manter o ideal de pureza herdado da Espanha.

Sobre a teorização da escrita feminina latino-americana, este é um caminho

que ainda carece de um lugar central ideológico e social na historia intelectual

hispano-americano, pois “debería ser reconocido como central en el proceso de

auto-creacíon y de auto-comprensión de la sociedad”. (ibid, p.14). Também como as

relações entre gênero e identidade e a importância da teoria feminista na análise

literária e cultural da América latina.

Nas décadas de 1970 e 1980 houve tentativas de aprofundamento de uma

teorização feminista hispano-americana, que começou a se constituir em 1985 com

a publicação La Sartén por el mango de Patricia Elena Gonzáles e Eliana Ortega,

onde aparecem os estudos pioneiros de Sara Castro Klares e Josefina Ludmer.

Sara Castro Klares, analisa o feminismo e a escrita feminina com a situação

de colonialismo entre América latina e Europa. Após revisar a crítica feminina norte-

americana e francesa, ela a relaciona com a América latina, em uma posição

marginal em relação a Europa, enquanto a língua, discurso e identidade, com a

situação da mulher em relação de opressão ao homem. Assim, “la lucha de la mujer

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27

latinoamericana sigue cifrada en una doble negatividad: porque es mujer y porque es

mestiza” (ibid, p. 16)

Como a América latina, a mulher segue em uma posição de opressão e

marginalidade, neste caso, considerada juntamente como os negros e os índios, e

somando com a opressão da igreja e da herança católica que a vinculava a imagem

de mãe, que era uma ameaça a sua atividade literária.

A representação da mulher na literatura, segundo de Josefina Ludmer

também parte da subordinação e marginalidade, em seu artigo Las tetas del débil,

(1985) ela aborda a situação da escrita feminina sem rótulos e simulacros

universais, mas sobre a crítica sobre a posição que ocupa a mulher no campo do

saber e as transformações ocorridas nos modos de leitura em relação ao social a

produção de idéias e de textos.

Ludmer afirma que essas transformações são jogos entre as mulheres e a

sua posição de subordinação e marginalidade, como visto nos textos de Sor Juana

Inés de la Cruz, que,

[…]combina aceptación de su lugar subalterno (como hija/como mujer/como monja asignado por la madre, el obispo, la Iglesia) con antagonismo y enfrentamiento. Esto determina la resemantización del lugar asignado al convertirlo en una zona de subversión intelectual y de ejercicio de la libertad. (ibid, p. 18)

Soror Juana é o primeiro nome na produção literária feminina hispano-

americana de que se tem registros. Iniciou no século XVII a escrita feminina

mexicana, questionando as regras da igreja da época e lutando pelos direitos da

mulher a educação, trabalho, liberdade de expressão e ao amor. Como freira,

estudou teologia e como escritora, foi grande poetisa e pode ser considerada como

a primeira feminista da Américas.

Page 28: Lección de cocina a ironia como desconstrução da submissão feminina

28

Outra estudiosa do feminismo, Silvia Molloy, analisando uma antologia feita

ao Women’s Writting in Latin America, em referência as formas de representação

das mulheres, estabelece que este é um problema de auto-representação textual e

que primeiro deve-se verificar a relação da mulher com a literatura na América latina,

uma vez que é vedada pela autoridade literária masculina. Para ela, ser uma mulher

escritora: “(…) ser privado y carente de autoridad (en cuanto mujer), aparece

investida de poder intelectual en la esfera pública (en cuanto escritora)” (ibid, p. 19)

Beatriz Sarlo em seu artigo Women, History, and Ideology (1985), se refere às

mulheres que exerceram papel político e social e que mudaram a historia e a

ideologia da América Latina, seja como políticas, educadoras, sindicalistas e

escritoras, e que apesar da sua escrita autobiográfica seus textos apresentavam

debates ideológicos, políticos e antropológicos.

Nas últimas décadas do séc. XX a produção ficcional feminina na América

latina está atingindo maturação estética e social e gerando grandes mudanças na

sua construção da sociedade, desafiando a desigualdade e os moldes de domínio

instituídos. Apresentando, de maneira singular, uma narrativa que deslegitimiza os

renomados relatos e articulando uma voz que se origina da margem e está

estreitamente relacionada com o contexto social, esta noção de voz feminina é

“como um espejo de las circuntancias culturales, sociales y políticas que las rodean”

(MEDEIROS-LICHEM, 2006, p. 19)

Tomando como base as idéias de Bakhtin em relação ao conceito de

linguagem. Nessa perspectiva, a voz literária feminina na América-latina está

carregada de fatores sociais, políticos, identitários e ideológicos, e procura assumir-

se como sujeito dono de seu próprio discurso, e esta busca acarreta em emancipar-

Page 29: Lección de cocina a ironia como desconstrução da submissão feminina

29

se e superar as barreiras da censura e da subordinação, rompendo com o cânone e

transformando-se em um compromisso político.

O discurso feminino se apresenta com um tom multivocal, que se emprega

como um modelo que textualiza a pluralidade das vozes sociais. Neste sentido,

conforme Medeiros-Lichem (2006), na literatura feminina, a escrita é usada

frequentemente como um meio para articular as vozes da periferia – dos excluídos

por gênero, classe o raça –, e em particular das mulheres como sujeitos próprios de

seu discurso.

A produção do discurso feminino tem como finalidade a 3desconstrução e a

inversão da voz monológica patriarcal, criar um discurso de resistência e posicionar-

se por meio de sua linguagem

La causa primordial de la voz de la mujer en la literatura latinoamericana ha sido ampliar y redefinir la comprensión del desarrollo social y de rol de la mujer en el acercamiento cultural de la Otredad. Al incorporar las voces múltiples del Otro, la narrativa femenina está entretejiendo una imagen pluri-identitaria de la mujer, de la sociedad y de la realidad. (ibid,p.15)

No México, escritoras como Rosario Castellanos e Elena Poniatowska, em

diferentes formas e posição, cultivaram uma criação e teoria feminista, Poniatowska

com as obras Hasta no Verte Jesús Mío (1969) e La noche de Tlalelolco (1971) e

Castellanos com Mujer que sabe Latín (1995) e Album de Familia.(1971)

Rosário Castellanos, fez parte de uma geração que influenciou a literatura,

os estudos culturais, de gênero e a arte mexicana do séc. XX. Ela foi precursora do

movimento feminista e uma das primeiras intelectuais a reivindicar os direitos de

igualdade dos povos indígenas e, sobretudo, das mulheres. Em suas obras é latente

3 Termo proposta pelo filósofo francês Jacques Derrida. Éuma crítica aos pressupostos dos conceitos

tradicionais estruturalistas e ao logocentrismo, a desconstrução aponta para a possibilidade de repensar o texto e a descoberta da pluralidades de outros sentidos.

Page 30: Lección de cocina a ironia como desconstrução da submissão feminina

30

a temática da denuncia das injustiças em relação aos índios e a opressão feminina

na sociedade patriarcal mexicana.

2.5 A ESCRITA DE ROSARIO CASTELLANOS

Castellanos, uma das mais influentes escritoras hispano-americanas, tem

como característica em sua obra a análise de dupla negatividade apresentada por

Sara Castro Klarén, que baseada na tradição de marginalização da mulher hispano-

americana, ela sofre por ser mulher e ser mestiça.

Na América latina, a história da mulher foi de dependência, submissão e

repressão por parte da sociedade machista. Vista por este prisma, a literatura de

Rosario Castellanos apresenta uma escrita de resistência e arraigada na busca da

libertação e identidade feminina, incluindo temas de raça, classe e gênero.

Rosario Castellanos estaba consciente de la doble discriminación de la mujer en la sociedad mexicana y de la importancia de buscar nueva vías de expresión como medio de acceder al poder. Las mujeres y los indígenas son oprimidos, la sociedad exige sus servicios y su sacrificio bajo el aura del “hada de hogar” y otras expectativas limitantes. Las mujeres necesitan de educación e independencia para esbozar su propio retrato, para construir la imagen propia. (MEDEIROS-LICHEM, p 49)

A crítica feminista e o valor testemunhal estão latentes no discurso de

Castellanos, ela que desde muito cedo vivenciou as situações retratadas em sua

obra. Em sua infância ela viveu na fazenda da família e conviveu com os problemas

enfrentados pelos índios e passou a incluir a questão cultural e de denúncia em sua

escrita.

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Também desde cedo descobriu o peso de sua condição de mulher. Ela teve

um irmão homem e a partir das diferenças sofridas ela mesma confessa com tom

irônico:

Tive um irmão menor do que eu. Nasceu dono de um privilégio que ninguém lhe disputaria: ser homem. Mas para manter um certo equilíbrio em nossas relações, nossos pais lembravam que a primogenitura havia caído sobre mim. E que se ele agradava pela sua simpatia, pelo seu desembaraço, sua inteligência e docilidade de caráter, eu, em troca, possuía a pele mais branca.(CASTELLANOS apud MILLER, 1987, p. 24)

Ao fazer a situação da mulher e de mexicana o ponto central de sua obra, ela

descobriu que essa condição oprimida e impotente era igual ao de todas as

mulheres: “Ao dizer-se, definiu muitas mulheres de destino idêntico.” (MILLER, 1987,

p. 8).

A busca pela identidade feminina, a levou a usar a linguagem como meio de

denúncia social e de emancipação. Em sua escrita ela inclui as vozes da periferia,

retratando o universo da mulher seus conflitos, transgredindo barreiras culturais,

falocêntricas e rompendo com normas dogmáticas e sexistas ditadas ao eu gênero,

desmascarando estruturas de poder com relação a homem x mulher e escrava x

amo.

Conforme estudo de Beth Miller sobre Rosario Castellanos (1987, p. 37) “Em

suas obras explora, descreve e trabalha apontando contra os padrões culturais de

dominação-submissão entre homens e mulheres, brancos e índios, mexicanos e

europeus ou norte-americanos, classe baixa e aristocrata, pais e filhos.”

Outra forte característica da escrita de Rosario Castellanos é o uso da sátira e

a ironia, assim mais uma vez ela mostra-se ousada em usar uma linguagem que

está fora da esfera feminina, pois para sua sociedade uma dama casada e

respeitável não é bem vista usando dos artifícios do humor, que é uma prerrogativa

Page 32: Lección de cocina a ironia como desconstrução da submissão feminina

32

masculina. Segundo ela “(…) la risa, ya lo sabemos, es el primer testimonio de la

libertad” (CASTELLANOS, apud MILLER, 1987, p. 18)

Conforme Miller esta declaração é de profunda importância, ela analisa que o

humor usado por Castellanos foi a ferramenta utilizada em sua vitória contra a

solidão, de acordo com esta afirmação de Miller, o humor a libertou.

O humor tem como capacidade a de desafiar os discursos tradicionais e de

representar contradições e absurdos de forma irônica ou a de expô-la ao ridículo.

Este recurso também serve como fonte de defesa frente a obstáculos e problemas e

de apresentar críticas ao poder dominante.

No caso de Castellanos, a ironia mostra-se como uma ferramenta de fuga e

de desconstrução do papel submisso da mulher, de sua realidade sufocante e

tediosa. Ela reverte as tragédias femininas, utilizando-se de situações da vida, como

infância, maternidade e divorcio, em discursos reflexivos, ideológicos e com

finalidade de protesto social.

O protesto social é visto em sua obra como uma subversão ao anti-

conformismo, as estruturas convencionais, a aceitação da tradição histórica, as

normas dogmáticas da sociedade, a busca de sua identidade e a desmistificação

dos tabus.

Page 33: Lección de cocina a ironia como desconstrução da submissão feminina

33

3 ANÁLISE

3.1 O USO DO HUMOR NO CONTO LECCIÓN DE COCINA.

“Yo soy una señora: tratamiento arduo de conseguir, en mi caso, y más útil para alternar con los demás que un título

extendido a mi nombre en cualquier academia.” Rosario Castellanos

4Lección de Cocina é um dos contos integrantes do livro Album de Familia

editado em 1971. A temática desta obra é a busca da identidade feminina e uma

discussão sobre a função da mulher na sociedade. Castellanos descreve as aflições

de uma jovem mexicana recém-casada que se depara com as dificuldades de

escolher um cardápio e cozinhar para seu marido.

Simples ato que se transforma em um turbilhão de divagações e ideias. Na

cozinha, onde a trama ocorre, lugar imaculado e limpo, a narradora se questiona se

aquele é realmente o seu lugar e cita provérbios em alemão em que mulher é

sinônimo de küche, kinder e kirche, que em espanhol se traduz, respectivamente,

como cocina, niños e iglesia, e em português: cozinha, crianças e igreja. Com o uso

desses provérbios ela remete a cozinha a um templo feminino, ao local

historicamente estabelecido como o habitat natural das mulheres desde o início dos

tempos, “Mi lugar está aqui. Desde el principio de los tiempos he estado aquí”

(CASTELLANOS, 1989, p.7 )

Para Castellanos a cozinha se converte em um espaço de reflexão e conflitos

sobre a condição de mulher - o matrimônio, maternidade, dona de casa, resignação -

e tudo o que isso implica. Também entre as relações homem x mulher e amo x

4 Para fins de citação, se usará nesse trabalho a sigla LC para referir-se ao conto.

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34

servo, e um padrão que requere que a mulher seja submissa, conivente e que aceite

sua posição desigual na sociedade. Inclusive na sexualidade, quando na lua de mel

ela descreve o seu desconforto causado pelas queimaduras nas costas.

Del mismo color teníamos la espalda, mi marido y yo después de las orgiásticas asoleadas en las playas de Acapulco. Él podía darse el lujo de “portarse como quien es” y tenderse boca abajo para que no le rozara la piel dolorida. Pero yo, abnegada mujercita mexicana que nació como la paloma para el nido, sonreía a semejanza de Cuauhtémoc en el suplicio cuando dijo “mi lecho no es de rosas y se volvió a callar”. Boca arriba soportaba no solo mi propio peso sino el de él encima del mío. La postura clásica para hacer el amor. Y gemía, de desgarramiento, de placer. El gemido clásico. Mitos, mitos. (LC, p.9)

Segundo Gilda Luongo Morales, a posição sexual clássica - do homem em

cima da mulher – é a postura imposta pelos missioneiros durante a colônia para

manter a supremacia do homem. Esta experiência sexual da narradora se converteu

em uma situação traumática, em que ela a compara com as torturas sofridas por

Cuauhtémoc, último governante asteca, pelos conquistadores espanhóis.

A personagem, apesar de suas condições, busca seu verdadeiro eu. Pero es

mentira. Yo no soy el sueño que sueña, que sueña,que sueña; yo no soy el reflejo ...

Yo continúo viviendo conuna vida densa (...). Yo también soy una conciencia que

puede clausurarse. Yo ... (LC, p. 10)

O conto se desenvolve em um discurso em primeira pessoa, por meio de um

diálogo interior, a protagonista está todo o tempo divagando sobre as dificuldades de

ser mulher, ao mesmo tempo em que prepara um pedaço de carne para servir a

refeição ao seu marido.

O discurso é coloquial e conversacional, há uma cumplicidade com o leitor, a

protagonista conversa de forma íntima com o interlocutor com quem expõe suas

dúvidas e frustrações. Mas este também se mostra um diálogo de tristeza, solidão e

abandono. “Unos párpados que se cierran y he aquí, de nuevo, el exilio. Una enorme

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35

extensión arenosa, sin otro desenlace que el mar cuyo movimiento propone la

parálisis; sin otra invitación que la del acantilado al suicidio. “(LC, p.10). No conto há

palavras e expressões que definem essa ideia de tristeza: exílio, parálisis, suicídio e

inmóvil, pois a personagem vive o ostracismo de uma vida resignada e sem os

mesmos direitos de seu marido: a liberdade, ao prazer e ao conhecimento. “Yo

ruminaré, mi silencio, mi rencor. “(LC, p.15).

O processo de preparação da carne se desenvolve como uma metáfora de

sua vida e de sua relação conjugal onde há uma alternância entre os problemas

culinários e os amorosos e de identidade, que começa com um pedaço grande com

uma cor vermelha bem viva, que a remete aos primeiros encontros, ao casamento e

a lua de mel em Acapulco, o sexo e à vermelhidão de suas costas, queimada do sol.

Mas com o tempo a carne vai passando por uma metamorfose, assim como sua

relação, suas expectativas e frustração sexual. De vermelho vivo, começa a

encolher, a escurecer e a ter uma consistência dura. “Y el trozo de carne que daba

la impresión de ser algo tan sólido, tan real, ya no existe.” (ibid,p.20).

Essa familiaridade e estranheza com a carne a reporta a conflitos existenciais,

pois ao questionar e reexaminar sua função na sociedade, a personagem demonstra

ser uma mulher culta, pelo uso de palavras em outras línguas e da escolha de

termos eruditos como prolegómenos e propedéutica. Também pelos conhecimentos

literários, como a referencias que fez a Dom Quixote: Abro un libro al azar y leo: “La

cena de don Quijote.” Muy literario pero muy insatisfactorio. Porque don Quijote no

tenía fama de gourmet sino de despistado. Aunque un análisis más a fondo del texto

nos revela, etc., etc., etc. (LC, p.07), e de alguém que conviveu em outros espaços

fora o da cozinha e que demonstra cultura e conhecimento para questionar a vida

submissa.

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36

Esses questionamentos ficam evidentes quando, ao queimar a carne, ela se

coloca na dúvida em optar pelo silencio e jogar a carne fora ou assumir o erro frente

ao marido. Nesta metáfora, ela tem a opção de enfrentar a realidade e pedir o

divorcio ou de aceitar sua condição e suas possíveis frustrações.

Esta angustia por definir essa situação e manifestar o seu sofrimento é

apontado pela narradora com o tom irônico, que se apresenta como forma de

desmistificar a submissão e a imagem estereotipada da mulher.

Ela usa o humor como ferramenta para demonstrar seus questionamentos e

reflexões sobre o papel da mulher na sociedade, a busca de sua identidade, da

aceitação e resignação às arbitrariedades da sociedade mexicana e de sua dupla

negação, de ser mulher e mexicana “Abnegada mujercita mexicana” (LC, p.9), e a

apresentação do anti-conformismo e transgressão dos padrões patriarcais e

religiosos de sua época, mas esta busca apresenta muitas dificuldades, pois

segundo Beth Miller (1987) ”uma mulher anticonformista é uma estrangeira que tem

poucas possibilidades de sobreviver numa cidade mexicana de província, inclusive

se está disposta a pagar o preço do sacrifício de sua integridade e liberdade” (p. 74).

Mas ela sabia, desde o início, que assim seria o casamento e aceitou os sacrifícios

que seriam impostos para manter a harmonia de sua relação conjugal.

O jogo lingüístico constituído pelo uso da ironia se materializa com a

utilização dos sinais de interrogação, que remete aos diálogos internos dela, em que

ela conversa usa o modo formal usted, referindo-se à distinta senhora dona de casa.

¿Qué me aconseja usted para la comida de hoy, experimentada ama de casa,

inspiración de las madres ausentes y presentes, voz de la tradición, secreto a voces

de los supermercados? (LC, p. 07)

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Neste conto o humor também se faz presente nas relações entre o espaço

doméstico e as funções desempenhadas pela narradora como dona de casa e de

sua relação conjugal.

3.1.1 O Humor no espaço doméstico e nas funções desempenhadas como dona de

casa.

A protagonista, recém casada, se depara com a dificuldade de preparar uma

refeição e para seu auxilio ela começa a ler um livro de receitas, e satiriza a

dificuldade de compreender os temos culinários:

Si yo supiera lo que es estragón y ananá no estaría consultando este libro porque sabría muchas otras cosas. Si tuviera usted el mínimo sentido de la realidad debería, usted misma o cualquiera de sus colegas, tomarse el trabajo de escribir un diccionario de términos técnicos, redactar unos prolegómenos, idear una propedéutica para hacer accesible al profano el difícil arte culinario. Pero parten del supuesto de que todas estamos en el ajo y se limitan a enunciar. Yo, por lo menos, declaro solemnemente que no estoy, que no he estado nunca ni en este ajo que ustedes comparten ni en ningún otro. Jamás he entendido nada de nada. Pueden ustedes observar los síntomas: me planto, hecha una imbécil, dentro de una cocina impecable y neutra, con el delantal que usurpo para hacer un simulacro de eficiencia y del que seré despojada vergonzosa pero justicieramente. (LC, p. 08)

Ela também faz referência à falta de direitos trabalhistas e de valorização de seu trabalho como dona de casa:

Pero no se me paga ningún sueldo, no se me concede un día libre a la semana, no puedo cambiar de amo. Debo, por otra parte, contribuir al sostenimiento del hogar y he de desempeñar con eficacia un trabajo en el que el jefe exige y los compañeros conspiran y los subordinados odian. (LC, p. 15)

Ela mesma se satiriza quando relata que já sabia de todas as mudanças,

renuncias e dificuldades que passaria com a nova vida de mulher casada, mas

espera que todos os seus questionamentos surgiriam em momentos importantes de

sua vida e não em uma situação tão simples como a de preparar uma refeição.

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“Yo lo acepté al casarme y estaba dispuesta a llegar hasta el sacrificio en aras de la armonía conyugal. Pero yo contaba con que el sacrificio, el renunciamiento completo a lo que soy, no se me demandaría más que en la Ocasión Sublime, en la Hora de las Grandes Resoluciones, en el Momento de la Decisión Definitiva. No con lo que me he topado hoy que es algo muy insignificante, muy ridículo. Y sin embargo . . .“ (LC, p. 22)

3.1.2 O humor na relação matrimonial.

A narradora utiliza um discurso irônico quando se trata de sua nova realidade

de mulher casada, quando ela agradece seu marido pela falta de liberdade e a jaula

em que está submetida pelo matrimônio:

Gracias, murmuro, mientras me limpio los labios con la punta de la servilleta. Gracias por la copa transparente, por la aceituna sumergida. Gracias haberme abiertola jaula de una rutina estéril para cerrarme la jaula de otra rutina que, según todos los propósitos y las posibilidades, ha de ser fecunda. Gracias por darme la oportunidad de lucir un traje largo y caudaloso, por ayudarme a avanzar el interior del templo, exaltada por la música del órgano. Gracias por... (LC, p.12)

E quando compara sua relação com a de Romeu e Julieta, mas sem

romantismo, o apego da paixão e a tragédia em nome do amor.

¿Es la alondra? ¿Es el ruiseñor? No, nuestro horario no va a regirse por tan aladas criaturas como las que avisaban el advenimiento de la aurora a Romeo y Julieta sino por un estentóreo e inequívoco despertador. Y tú no bajarás al día por la escala de mis trenzas sino por los pasos de una querella minuciosa: se te ha desprendido un botón del saco, el pan está quemado, el café frío. ” (ibid, p.15)

Sobre este uso de intertextualidade com Romeu e Julieta, Morales afirma que

“Este primer rasgo que detecto de intertextualidad, se vincula con la

multiplicidad de instancias discursivas presentes en el texto. Ello lo

transforma en una muestra de la polifonía discursiva que subyace en un

texto elaborado a partir de una "sujeto en proceso" o del "devenir sujeto

mujer". Los textos que surgen en este diálogo entre discursos son, entre

otros: cuentos infantiles, obras dramáticas con temática amorosa, filmes

románticos con final feliz, ensoñaciones o invenciones de historias que son

el contradiscurso de la historia narrada. Quienes participan de la escucha y

del diálogo instaurado en esta escritura son, por una parte, la misma sujeto

que narra en primera persona, pero que hace las veces del doble de sí; por

otra parte el marido, supuestamente un otro que(no) escucha, y finalmente

nosotros/as, los lectores /as que intervenimos activando posibles respuestas

en este diálogo.” (2001)

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39

A narradora também imagina, irónicamente, o seu final feliz como em um

filme, nas telas do cinema: Y un día tú y yo seremos una pareja de amantes

perfectos y entonces, en la mitad de un abrazo, nos desvaneceremos y aparecerá

en la pantalla la palabra “fin”. (LC, p.17)

Castellanos utilizou-se desses recursos para satirizar e demonstrar as

relações amorosas, sociais e cotidianas dentro do universo tradicional feminino,

desde as suas reflexões sobre a função da mulher na sociedade até as mais simples

situações domésticas.

.

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40

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Muitas transformações ocorreram em relação à literatura de autoria feminina,

sobretudo na conscientização de sua autonomia social e cultural. A busca pela

própria voz e identidade fez com que as mulheres assumissem discursos que

marcassem sua afirmação social e que os registrassem como forma de protesto pela

opressão sofrida pela sociedade machista e falocêntrica.

A voz narrativa feminina passou a exercer um papel ideológico e social e a

apresentar um discurso que textualizada a pluralidades das vozes á margem da

sociedade, assim assumindo um caráter emancipatório e rompendo com o cânome e

com os conceitos patriarcais da sociedade.

Rosario Castellanos, uma das mais importantes vozes femininas hispano-

americanas, foi uma das precursoras dos movimentos feministas e a criticar e refletir

sobre a função da mulher. Sua escrita tem marcas de resistência e de busca da

identidade feminina.

Um dos recursos usados por Sastellanos no conto Lección de Cocina é o

humor, ela o utiliza como meio de desmistificar a imagem tradicional da mulher, um

simulacro da mulher submissa, agradecida e passiva, mas que reflete sobre sua

vida, seus direitos e seu papel na sociedade.

A ironia aparece como um meio de ridicularização dos absurdos sofridos

pelas mulheres e o incorpora como um veículo literário de ataque social, e através

do humor desafiar a ordem patricarcal e desconstruir a imagem submissa feminina.

Assim, pode-se considerar que a cozinha é um símbolo cultural da atividade da

mulher e da alimentação da família, mas no conto Lección de Cocina presenta outras

lições de vida, de comportamento e sugere a emancipação e também a transgressão

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do o espaço sagrado para buscar sua autenticidade, uma mulher que vai além de

escolher um menu.

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