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III ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E MÚSICA POPULAR Negócio da música em tempos de interatividade
30 de agosto a 1º de setembro de 2011 – Faculdade Boa Viagem–Recife-PE
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Last Fm e as novas práticas de consumo musical1
Morena Melo Dias2
Ronaldo Bispo dos Santos³
Universidade Federal de Alagoas, Maceió/AL
Resumo: O artigo apresenta algumas considerações sobre o Last.fm, caracterizando-o
como paradigma das dinâmicas contemporâneas de consumo cultural, exemplificadas pelos
sistemas de recomendação, por novas formas de intermediação cultural, de práticas
colaborativas e de construção coletiva de reputações. Além desses aspectos, ao final,
apresentamos essa revolucionária plataforma de audição musical como uma alternativa de
viabilidade comercial para novas e pequenas bandas à luz da teoria da cauda longa.
Palavras-chave: Sistemas de recomendação, práticas colaborativas, novas formas de escuta
musical, cauda longa, Last.fm.
Estrutura do Last.fm
A plataforma Last.fm constitui uma nova, instigante e original forma de audição
de música na internet. Tendo conquistado mais de 20 milhões de usuários em seus quase dez
anos de existência, a plataforma, fundada em 2002 na Inglaterra, conta com adeptos em quase
todas as partes do mundo e atualmente está disponível em 12 idiomas, estimulando a troca de
conhecimento musical entre seus membros, recomendando faixas e bandas para audição e
garantindo visibilidade a artistas com pouco espaço nas mídias tradicionais
A primeira coisa que o usuário do Last.fm é convidado a fazer para começar a
usar o sistema é digitar os nomes de alguns de seus artistas preferidos. A partir dessas
informações e antes mesmo de executar uma única faixa ou rádio desde a plataforma, dezenas
de artistas são recomendados e podem ser adicionados a sua biblioteca. Faça-se o download
do software scrobble e todas as músicas ouvidas pelo próprio last.fm, em qualquer player de
1 Trabalho apresentado ao GT 4: Música e convergência tecnológica, do III Musicom – Encontro de
Pesquisadores em Comunicação e Música Popular, realizado no período de 30 de agosto a 1º de setembro de
2011, na Faculdade Boa Viagem, em Recife-PE. 2 Graduanda de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo, cursando o 7º período na Universidade
Federal de Alagoas, realiza iniciação científica pelo PIBIC em Estética da Comunicação e é membro do grupo de
estudos Mídia e Música Popular Massiva coordenado pelo professor doutor Jeder Janotti Junior. Currículo
Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4294192A6 [email protected]
³ Doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é professor adjunto
da Universidade Federal de Alagoas. Coordena o grupo de pesquisa A Co-Evolução das Formas e Preferências
Estéticas: uma investigação sobre mudanças de linguagem e de gosto na cultura midiática. Currículo Lattes:
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4717493E2 [email protected]
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seu computador ou mesmo através de periféricos ligados ao itunes, são imediatamente
carregadas em seu perfil, passando a se hospedarem virtualmente em sua biblioteca digital.
As músicas disponíveis na plataforma são “aspiradas” dos arquivos dos seus
usuários. Sempre que um usuário abre uma conta é aconselhado a fazer download de um
programa denominado Scrobbler. Disponível na plataforma e gratuito, esse programa importa
o histórico de consumo musical do computador do usuário e a quantidade de vezes que cada
uma foi executada, assim o usuário já inicia sua estadia na plataforma com um histórico. Esse
histórico será atualizado em tempo real todas as vezes que o usuário estiver executando
músicas. Essa atualização é feita mesmo que o usuário não esteja navegando no site naquele
momento (mas simplesmente conectado à internet), garantindo que a construção identitária do
usuário na plataforma seja coerente com o real consumo musical do usuário.
A partir dos gostos manifestados pelo conjunto de suas audições, o bloco de
recomendações sugeridas ao usuário é renovado. É a partir dessas sugestões que o usuário tem
oportunidade de conhecer novas faixas e bandas, mais ou menos desconhecidas. A medida em
que classifica e/ou identifica seus gostos culturais, a plataforma organiza seu consumo
musical, sugerindo bandas e faixas relacionadas.
Sistema de Recomendação
Por essas características e performances, o Last.fm pode ser bem caracterizado
como um sistema de recomendação musical. “Os sistemas de recomendação (SR)
caracterizam-se como sistemas informáticos de classificação, organização e recomendação de
produtos culturais, baseados nas preferências e gostos dos usuários de internet” (CALVI;
SANTINI; SOUZA, 2009, p. 290). Ou: “Sistemas de recomendação são... softwares, também
chamados de agentes inteligentes, que tentam antecipar os interesses do consumidor no ambiente
digital e prever seus gostos, a fim de recomendar novos produtos” (SÁ, 2009, p.1).
De particular interesse é compreender qual o princípio seguido pelo sistema para
apresentar suas recomendações. Como se formam, se fortalecem ou se enfraquecem as
relações entre artistas e gêneros musicais dentro do Last.fm. (ver Sá 2009). Como
aparentemente todas as informações e classificações que constituem a plataforma são
incluídas e alimentadas pelos usuários, deduz-se que as bandas e gêneros musicais
recomendados devem se apresentar em função da reputação dos usuários. Usuários mais
ativos produzem associações que se tornam mais freqüentes na geração de recomendações.
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Essas recomendações são feitas, portanto, com base em um sistema colaborativo
em que são levadas em consideração vizinhanças de gosto e iniciativas de rotulação (tags). A
prática colaborativa dos próprios usuários do sistema é um modo de garantir multiplicidade e
legitimidade às recomendações constituindo um serviço gratuito e muito bem-vindo que
demandaria tempo e trabalho para se constituir por iniciativa individual.
Segundo a definição do próprio site, o Last Fm é um serviço de recomendações
musicais. Na prática sua função inicial é mantida, mas algumas outras se tornam evidentes, o
Last.fm funciona como uma grande biblioteca musical, despertando a memória afetiva dos
seus usuários e estimulando o conhecimento e o consumo musical. Para isso o site se estrutura
como uma rede social de aficionados por música; cada usuário tem seu perfil musical e pode
carregar uma foto para o seu avatar.
A interface do site prioriza a informação musical, isso pode ser percebido pela
construção de perfis dos usuários, foto, nome, idade e localidade são as únicas informações
pessoais que fazem parte do perfil.
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A construção da identidade dos usuários é feita através de seu histórico de
audições musicais, constituindo uma biblioteca musical particular. As últimas faixas
executadas aparecem acompanhadas de imagem da capa do álbum da qual faz parte, o nome
da banda/ músico e o título da música escutada, tudo isso seguido do tempo que faz que o
usuário ouviu aquela música.
As pessoas se apresentam à rede pelos perfis e pelas páginas personalizadas nas
quais compartilham suas preferências. É pela fruição de bens culturais que é
constituída a mediação entre os usuários, e ela é resultado de práticas de consumo.
Essa fruição, porém, não é apenas índice de identidade ou estilização de vida, status,
ou capital cultural. Os bens estão ali também para circulação, não importando mais
de quem e de onde partiram e ao que se destinam. As atividades de circulação de
perfis pela rede tornam cada vez mais complexo este usuário-consumidor-produtor
atravessado por uma contagiante e viral pluralidade de preferências e estilos.
(PINHEIRO, 2008, p. 106)
Abaixo das últimas faixas ouvidas os visitantes têm acesso a biblioteca musical
do usuário, ao clicar em um dos músicos da biblioteca o visitante terá acesso a sua biografia,
imagens, vídeos, álbuns, faixas, informações sobre shows, notícias, tabelas com números de
execução de suas faixas no Last.fm, etc. Clicando no link “parecidos” o usuário encontra uma
infinidade de bandas/ músicos que têm sonoridade semelhante, essa lista de recomendações é
composta por fotos e biografias, número de execuções no Last.fm e de ouvintes, além do grau
de similaridade que aqueles projetos têm. Por exemplo, quando clicamos na banda alagoana
Coisa Linda Sound System, o sistema de recomendação sugere: Wado, Mopho, Oxe e grifa
seus graus específicos de similaridade com o som feito pela Coisa Linda.
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Fora dos Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha o serviço de webrádio do Last
Fm é pago desde 2009, usuários que moram fora desses centros e optam por assinar a Last.fm
pagam três dólares por mês e têm acesso às rádios online de todos músicos e bandas
cadastrados na plataforma. O critério de funcionamento dessas rádios é um híbrido, abarca
questões estéticas e sociais em que o processo de produção dessas músicas está inserido.
Evolução do gosto e aquisição de novas preferências estético-musicais
Nenhum ouvinte-usuário-amante-de-música abre uma conta no Last.fm sem
nunca ter ouvido músicas antes e formado um certo conjunto de preferências. O consumidor
cibercultural de música inicia a relação com a plataforma e suas inúmeras recomendações a
partir de um gosto específico mais ou menos estabilizado. Fatores como predisposições inatas,
ambiente familiar, poder aquisitivo, grau de instrução, cidade onde mora, escolas onde
estudou, interação social, entre muitos outros, moldaram seu modo de reagir aos universos
musicais e lapidaram seu gosto antes do encontro com o mundo da audição digital.
No caso específico da formação de um “gosto musical”, complementar às
possibilidades midiáticas massivas como o rádio, a televisão, os jornais, as revistas
etc., os perfis online em redes de relacionamento têm se mostrado eficientes e
vigilantes no sentido de constituição de um banco de dados de consumo, de memória
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musical, de organização social em torno da música, de crítica musical e classificação
de gêneros, de constituição de reputação de conhecimento sobre o assunto e, quando
aliados aos sistemas de recomendações musicais como no caso Last Fm, essas
possibilidades ultrapassam os limites da área de recuperação de informação, pois a
recomendação per se é, antes de tudo, fruto de um processo social e tem influência
dos elos sociais estabelecidos ao longo da atuação humana nesse processo.
(AMARAL, 2009, p.149)
Em outras palavras, o sistema de recomendação online é fruto dos elos sociais
promovidos pela ação humana offline, estabelecidas ao longo de um processo que envolve
espaço/localidade e tempo/período histórico.
Nesse caso a música ultrapassa as experiências sensíveis e participa como agente
cultural na formação identitária. O Last.fm se mostra um interessante corpus analítico no que
diz respeito à formação do gosto pelo seu sistema de recomendação, a questão do fomento dos
nichos e cenas musicais, o fenômeno da cauda longa e a questão do monitoramento digital ao
qual estamos submetidos. O site apresenta sempre aos seus usuários oportunidade de conhecer
novos músicos/bandas, que determinadas vezes transitam por gêneros diferentes em
aparência, mas semelhantes em essência, onde as relações sociais envolvidas no processo de
construção das músicas dialogam.
É exatamente por isso que a recomendação faz sentido ou encontra
ressonância. As bandas indicadas, a partir da manifestação de uma preferência, possivelmente
serão bem recebidas pelo novo usuário porque a associação na base dessas indicações é feita
pelo conjunto de audições executado por outro usuário influente que guarda semelhanças de
gosto com o primeiro. Nesse sentido, ainda que pouco desenvolvida e estimulada, o Last.fm
tem uma função de rede social.
Outros aspectos dessa plataforma demonstram que ela se propõe a estimular o
conhecimento de música, a começar pela biografia dos artistas e bandas, suas carreiras,
agenda com as próximas apresentações e links para compra de faixas e álbuns. Outra
ferramenta disponível no Last.fm que demonstra o estímulo ao conhecimento são as rádios
online que recebem nomes de músicos/bandas e tocam músicas não só de sua autoria, ou
interpretação, mas também de músicos/bandas que dialogam com sua produção, seja pelo
período em que foram produzidos, pelas influências semelhantes, ou mesmo por fazerem
parte de um mesmo gênero musical. Além do já citado sistema de recomendação, que
estimula o conhecimento mostrando novos músicos e bandas sempre que o usuário está
ouvindo alguma música, uma série de músicos/bandas são indicados a ele.
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See what your friends are listening to now or have a look at their loved tracks
A partir do momento em que o usuário do Last.fm começa a fazer scrobbling de
suas músicas, quase todas as faixas executadas em seus players são listadas no seu perfil. Não
só faixas, artistas e bandas são recomendados, mas “amigos” também. O sistema compara as
músicas ouvidas pelos usuários e identifica vizinhanças de gosto musical. Surgem então
SUPER compatibilidades entre usuários e a possibilidade de novas descobertas agradáveis em
função do gosto comum.
O sistema de identificação ou reconhecimento de músicas exige uma atenção
especial. Nem toda música que você ouve no player do computador é reconhecida pelo
sistema scrobbling. Para reconhecê-la o sistema precisa ser informado sobre sua existência,
configurá-la e rotulá-la. Dessa maneira o número de faixas disponíveis na plataforma cresce e
artistas desconhecidos ganham visibilidade.
A construção coletiva de etiquetas
A construção das tags é outro elemento-chave no desenvolvimento do sistema.
Todo usuário pode acrescentar um rótulo ou etiqueta a uma banda ou a uma faixa executada.
Essa prática é denominada de folksonomia.
A folksonomia como termo surge em 2006, e foi cunhado por Vander Wal (2006)
para definir um processo livre de etiquetação de arquivos on-line. As etiquetas são
hoje comumente chamadas de tags e podem ser criadas por qualquer usuário de um
sistema que adote a folksonomia para organizar o conteúdo disponível no sistema.
Dessa forma, ela surge como um novo processo de representação e recuperação de
conteúdo on-line feito pelos próprios internautas. Estes etiquetam informações com
tags que depois servem para a recuperação do arquivo etiquetado (AMARAL;
AQUINO, 2009, p. 117).
Talvez, no entanto, nem todas as TAGs sejam mantidas pelo sistema, o que leva a
crer que a construção coletiva é mediada por agentes especializados, diminuindo sua
espontaneidade (e talvez efetiva democracia). Além disso, a abertura integral da prática de
folksonomia em ambiente como o do Last.fm pode representar um risco considerável a
confiabilidade das informações. O que dizer, por exemplo, de um usuário mal intencionado
que ao ouvir uma faixa de Chico Buarque de Holanda e ser convidado a acrescentar
informações sobre o artista, resolve definir sua música como pertencente ao gênero brega ou
sertanejo? Ainda que minoritária, iniciativas como essas podem levar a distorções no sistema
de busca e recomendação, por isso a mediação do sistema se faz necessária à plataforma.
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Popularidade, reputação e as novas mediações culturais
Isso nos leva a outro aspecto destacado da plataforma em análise. O papel da
reputação e da popularidade angariados no próprio universo digital como fator distintivo nas
novas dinâmicas de mediação cultural. Afinal, de que modo conhecemos e consumimos
atualmente uma nova banda ou gênero musical?
Em boa medida, a internet e as novas formas de escuta musical podem sugerir um
processo de “desintermediação” entre os mercados e os usuários. Meios massivos
tradicionais: rádio, televisão, revistas especializadas; amigos e parentes mais velhos começam
a perder o poder de influência e novos atores e sistemas se protagonizam. A multidão ou a
coletividade, todos falando simultaneamente em busca de atenção, começam a influenciar o
gosto e as decisões de consumo.
Quem são os novos intermediadores do consumo musical?
Nos bastidores do discurso sobre a „desintermediação‟ geral dos mercados através
da relação direta com os usuários, encontramos novos intermediadores que
concentram e direcionam tanto o tráfico como os usos da internet, assumindo novas
funções na orientação do consumo de produtos culturais e também na organização
dos mercados de bens simbólicos (CALVI; SANTINI; SOUZA, 2009, p. 290).
Mas nem todas as opiniões e intervenções têm o mesmo peso ou influência. De
acordo com Sá (2009, p. 15), “nesse debate, diferentes opiniões têm diferentes pesos e
diferentes graus de credibilidade. Ou seja – ainda que, no universo da música popular, as
opiniões tenham se democratizado, nem todas as opiniões possuem o mesmo peso e a mesma
credibilidade”.
Informação na tela do computador, retrato das práticas de consumo de uma era
Este estudo de caso exemplifica também uma transformação no modo do
consumo a partir de uma evolução tecnológica, visto que antes do computador, as pessoas
conheciam as músicas através da televisão, do rádio, de revistas, jornais e, também, através da
indicação direta de outras pessoas. Nesse caso, as transformações tecnológicas transformaram
o modo de consumo desse produto cultural. Antes do desenvolvimento das tecnologias de
reprodução musical e dos meios de comunicação de massa, ouvir música era quase sempre
uma experiência pública e coletiva.
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O fonógrafo veio a significar que as atuações musicais públicas podiam agora ser
escutadas no âmbito doméstico. O gramofone portátil e o transistor de rádio
deslocaram a experiência musical até o dormitório. O walkman da Sony possibilitou
que cada indivíduo confeccionasse seleções musicais para a sua audição pessoal,
inclusive nos espaços públicos. Em termos gerais, o processo de industrialização da
música chegou a ser definida como uma experiência essencialmente individual, uma
experiência que escolhemos para nós mesmos no mercado e se constitui em um
assunto de nossa autonomia cultural na vida diária. (FRITH, 2006, p.55)
As novas tecnologias possibilitaram o consumo individualizado, mas isso não
significa que a experiência musical, seja pela audição, ou pela simples identificação, esteja
fora de um complexo tecido social. “Assim, o universo da música popular massiva pode ser
entendida como um „entremundos‟ que é vivenciado parcialmente a partir das experiências
dos sujeitos e de sua partilha” (JANOTTI, 2004, p. 198). As escolhas individuais que um
usuário do Last.fm faz ao executar a rádio de determinado artista demarca o território cultural
que ele transita e os fenômenos culturais com que ele dialoga.
Esse sujeito que consome música online, mesmo praticando uma atividade
aparentemente individualizada se sente parte de uma esfera da sociedade que compartilha
gostos e códigos sociais. Particularmente no caso do Last.fm é possível dizer que não há
efetivamente prática individualizada, uma vez que qualquer rádio executada já é resultado de
uma combinatória coletiva. “A interface já alterou o modo como usamos computadores, e vai
continuar a alterá-lo nos anos vindouros. Mas está fadada a mudar outros domínios da
experiência contemporânea de maneiras mais improváveis, mais imprevisíveis” (JOHNSON,
1997, p.24).
O computador trouxe significativas mudanças para o modo do ser humano se
relacionar com os produtos culturais, as informações geridas pelos jornais online foram
enxugadas ao sabor das necessidades desse novo meio e da era em que ele está inserido, essa
rapidez trazida pela modernidade, depois da Revolução Industrial e mais adiante na
Revolução Digital em curso, influenciou e permanecem influenciando os modos de consumo.
A cauda longa no Last Fm
A internet é um canal aberto à experimentação, ao navegar na rede o indivíduo
tem uma infinidade de opções. Esse leque de possibilidades se abre cada vez mais com o
surgimento de redes sociais de nicho, sites de busca, sites de compra, canais especializados de
informação e interação que garantem performances diversas na rede, gerando conteúdo,
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memória e bases de dados a partir do monitoramento do comportamento dos internautas na
rede. Essas novas formas de produção de conteúdo, interação e consumo online repercutem
no universo off-line, reinventando hábitos e mercados. Produtos sem visibilidade no mercado
agora encontram vitrines virtuais, demarcam território e encontram seus públicos, formando
os denominados nichos de mercado.
Esses nichos são um vasto território ainda não mapeado, com enorme variedade de
produtos cuja oferta até então era antieconômica. Muitos desses produtos nesse novo
mercado estavam lá havia muito tempo, mas não eram visíveis ou prontamente
identificáveis. São os filmes que não chegam aos cinemas de bairro, as músicas que
não tocam nas emissoras de rádio locais ou os equipamentos esportivos que não se
encontram no Wal-Mart. Agora tudo isso está disponível via Neflix, iTunes,
Amazon ou somente em alguma área mais remota, desbravada pelo Google. O
mercado invisível tornou-se visível. (ANDERSON, 2006, p. 6)
O cenário atual é fragmentário, a dispersão sonora promovida pelas facilidades
de troca com o surgimento do MP3, atrelado ao uso da internet garante ao modelo tradicional
da indústria fonográfica (majors x indies) uma reconfiguração, mas não o seu fim.
Em resumo, o mp3 foi desenvolvido por uma indústria de eletrônicos interessada em
máxima compatibilidade entre plataformas, que permitiria a fácil troca de arquivos.
Ao mesmo tempo, o mp3 usa um padrão de compressão de dados específico baseado
num modelo de como funciona o ouvido humano. Por essa razão é uma máquina
desenvolvida para antecipar como seus ouvintes percebem música e percebê-las para
eles. (ANDERSON, 2006, p.68)
Essa facilidade propiciada pela compactação de arquivos de músicas e suas trocas
pela internet é definitiva para a reconfiguração da indústria da música.
Quase todos os cinqüenta álbuns musicais mais vendidos de todos os tempos foram
gravados nas décadas de 1970 e 1980 e nenhum deles é dos últimos cinco anos. Em
resumo, embora ainda estejamos obcecados pelos sucessos do momento, esses hits
já não são mais a força econômica de outrora. Mas para onde estão debandando
aqueles consumidores volúveis, que corriam atrás do efêmero? Em vez de
avançarem como manada numa única direção, eles agora se dispersam ao sabor dos
ventos, à medida que o mercado se fragmenta em inúmeros nichos (ANDERSON,
2006, p.3)
As afirmações de Chris Anderson podem ser comprovadas na plataforma
Last.fm. O site tem ligação direta com o magazine virtual, Amazon.com, estimulando a
relação de comercialização na experiência do consumo musical. Assim como o consumo de
música online é afetado, mas na prática independe do agendamento do modelo tradicional de
indústria fonográfica aliada aos meios de comunicação de massa, as vendas realizadas em
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sites como a Amazon.com têm influência dos meios massificados, porém também abarcam
mercados menos visíveis aos olhos da grande mídia e das grandes lojas de departamento,
garantindo a sobrevivência de nichos de consumo, fazendo com que esses produtos encontrem
seus consumidores.
Essas lojas virtuais não precisam de grandes estoques, prateleiras, centenas de
funcionários; em suma, não têm muitos dos gastos que as lojas físicas despendem para se
manter, é prática comum das lojas virtuais não terem sequer o produto estocado, muitas vezes
elas compram de acordo com a demanda. Existem, também, os casos em que arquivos são
comercializados, como no caso de músicas em MP3, o processo de estocagem se torna muito
mais simples. É certo que no Brasil, essa prática não é comum, mas em países do exterior as
vendas de arquivo fomentam o mercado da música.
Sob uma perspectiva mais genérica, logo fica claro que a idéia de Cauda Longa tem
a ver, realmente, com a economia de abundância – o que acontece quando os
gargalos que se interpõem entre a oferta e demanda em nossa cultura começam a
desaparecer e tudo se torna disponível para todos. (ANDERSON, 2006, p. 11)
Essas práticas de consumo de nicho são estimuladas em sistemas de
recomendação a partir de bases de dados, como o do Last.fm. Em vez de imposições baseadas
nos gostos da maioria, como nas mídias tradicionais, o consumo online tem estratégias de
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endereçamento eficientes que se sustentam a partir do monitoramento do comportamento dos
usuários na rede, os hábitos dos usuários compõem bases de dados que formam perfis, a
partir do seu perfil o usuário será estimulado ao consumo de produtos que certamente fazem
parte dos seus anseios.
Quando a bolha econômica dos investimentos em negócios da internet estourou,
foram sítios como a Amazon ou o E-bay que haviam adotado instrumentos como os
do Slashdot aliados à implementação de mina de dados e uso de agentes de rede, que
se revelam como negócios rentáveis. Ao contrário dos processos irradiativos
comunicacionais, o público se alimentava do resultado de sua própria participação
na comunicação distribuída. (ANTOUN, 2008, p. 15 e 16)
São questões como essas que deixam claro que a internet transformou os modos
das pessoas lidarem com a informação e de consumir os produtos culturais, os discos de ouro
alcançados com a vendagem de música em larga escala não encontram espaço no mercado
contemporâneo, sites como o Last.fm participam dessa revolução nas práticas de consumo e
oxigenam os mercados de nicho em gráficos de consumo aparentemente intermináveis de tão
diversificados.
O sistema de recomendação da Last.fm articula inovações relevantes na lógica de
difusão e consumo da música na Internet através da classificação colaborativa da
música, recomendações baseada da folksonomia (através das social tags), mapas de
gostos musicais dos usuários e das redes sociais de ouvintes e dessa forma aponta
para as tendências dos usos sociais da música nestes novos contextos (CALVI;
SANTINI; SOUZA, 2009, p. 299).
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