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FACULDADES DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA – FESP DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PENAL, PROCESSO PENAL E SEGURANÇA PÚBLICA LARISSA DE FRANÇA CAMPOS A NÃO RECEPÇÃO DO PARÁGRAFO PRIMEIRO DO ARTIGO 97 DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO CABEDELO/PB 2017

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FACULDADES DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA – FESP DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PENAL, PROCESSO PENAL E

SEGURANÇA PÚBLICA

LARISSA DE FRANÇA CAMPOS

A NÃO RECEPÇÃO DO PARÁGRAFO PRIMEIRO DO ARTIGO 97 DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO

CABEDELO/PB

2017

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LARISSA DE FRANÇA CAMPOS

A NÃO RECEPÇÃO DO PARÁGRAFO PRIMEIRO DO ARTIGO 97 DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO

Monografia apresentada ao Departamento de Pós-graduação, Pesquisa e Extensão, como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Especialista em Direito Penal, Processo Penal e Segurança Pública. Orientador: Prof. Markus Samuel Leite Norat Área: Direito Penal e Processo Penal

CABEDELO/PB 2017

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C198n Campos, Larissa de França. A não recepção do parágrafo primeiro do artigo 97 do Código

Penal Brasileiro / Larissa de França Campos. – Cabedelo, 2017.

76f Orientador: Profª Dout.. Markus Samuel Leite Norat. Monografia (Especialização em de Direito Penal, Processo

penal e Segurança Pública) Faculdade de Ensino Superior da Paraiba.

1. Medidas de Segurança. 2. Inimputabilidade. 3. Semi-

imputabilidade. 4. Direitos Humanos. 5 Não Recepção. 6 Revogação. Título.

BC/Fesp CDU: 341.5

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TERMO DE RESPONSABILIDADE

Eu, Larissa de França Campos, responsabilizo-me integralmente pelo conteúdo deste trabalho monográfico, sob o título “A Não Recepção do Parágrafo Primeiro do Artigo 97 do Código Penal Brasileiro”, apresentado ao Departamento de Pós-graduação, Pesquisa e Extensão da FESP Faculdades, como parte dos requisitos exigidos para a conclusão do Curso de Pós-graduação em Direito Penal, Processo Penal e Segurança Pública, eximindo terceiros de eventuais responsabilidades sobre o que nela está escrito.

Cabedelo, 21 de setembro 2017

____________________________________ Larissa de França Campos

RG 3.521.074 SSDS/PB

 

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LARISSA DE FRANÇA CAMPOS

A NÃO RECEPÇÃO DO PARÁGRAFO PRIMEIRO DO ARTIGO 97 DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Professor Markus Samuel Leite Norat

Orientador

________________________________________ Membro da Banca Examinadora

________________________________________ Membro da Banca Examinadora

Atribuição de nota: ______________________

Cabedelo, _____ / _______________ / ______

CABEDELO/PB

2017

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Dedico este trabalho aos meus pais, Anísio e Adriana, às minha irmãs, Priscila e Ana Clara, e a toda a minha família de modo geral.

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“A loucura, longe de ser uma anomalia, é a condição normal humana. Não ter consciência dela, e ela não ser grande, é ser homem normal. Não ter consciência dela e ela ser grande, é ser louco. Ter consciência dela e ela ser pequena é ser desiludido. Ter consciência dela e ela ser grande é ser génio”. Fernando Pessoa

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RESUMO

Este trabalho monográfico tem como objetivo o estudo da Medida de Segurança, analisando o conflito existente em torno do seu prazo indeterminado de duração. Busca demonstrar que o parágrafo primeiro do artigo 97 do Código Penal não foi recepcionado pela atual ordem constitucional, considerando-o, portanto revogado por falta de recepção, uma vez que viola diversos princípios expressos e implícitos da constituição federal, bem como do Código Penal, como, por exemplo, o da vedação de penas com caráter perpétuo, o da proporcionalidade, o da legalidade, o da igualdade e o da dignidade da pessoa humana. Tal dispositivo prevê que a execução da medida de segurança deve perdurar enquanto não extinta a periculosidade do autor da infração, comprovada mediante perícia médica, não possuindo assim um prazo máximo de duração. Desta forma, o semi-imputável ou o inimputável considerado perigoso ficará submetido a esta sanção penal por tempo indefinido e ilimitado. Isto posto, numa metodologia teórico-discursiva e crítica, expõe-se correntes doutrinárias e importantes decisões jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, que surgiram se posicionando a favor da existência de um limite temporal para o cumprimento da medida de segurança, solucionando, então, a lacuna normativa deixada por tal revogação. PALAVRAS-CHAVE: Medidas de Segurança. Inimputabilidade. Semi-imputabilidade. Direitos Humanos. Não Recepção. Revogação.

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Sumário

INTRODUÇÃO............................................................................... 11  CAPÍTULO I................................................................................... 15

MEDIDA DE SEGURANÇA: ASPECTOS GERAIS....................... 15

1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA........................................................ 15

1.2 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS........................................ 20

1.3 DISTINÇÕES ENTRE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E MEDIDA DE SEGURANÇA........................................................... 24

1.4 ESPÉCIES............................................................................... 25

1.4.1 Medida de Segurança Detentiva........................................... 27

1.4.2 Medida de Segurança Restritiva........................................... 28

1.4.3 Medida de Segurança Preventiva......................................... 29

1.5 CONVERSÃO DA PENA EM MEDIDA DE SEGURANÇA..... 30

1.5.1 Semi-imputabilidade.............................................................. 30

1.5.2 Superveniência de Doença Mental....................................... 30  CAPITULO II.................................................................................. 32

APLICABILIDADE DA MEDIDA DE SEGURANÇA....................... 32

2.1 REQUISITOS DE APLICAÇÃO............................................... 32

2.1.1 Ausência de Imputabilidade Plena........................................ 33

2.1.2 Prática de Fato Típico Punível.............................................. 34

2.1.3 Periculosidade do agente...................................................... 36

2.2 EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.............................................. 39

2.3 AÇÃO DE PREVENÇÃO PENAL............................................ 40

2.4 EXECUÇÃO............................................................................. 41

2.5 DESINTERNAÇÃO PROGRESSIVA....................................... 41

2.6 EXTINÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA........................... 42

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CAPÍTULO III................................................................................. 47

A INDETERMINAÇÃO TEMPORAL DA MEDIDA DE

SEGURANÇA................................................................................ 47

3.1 A NÃO RECEPÇAO DO § 1º DO ART. 97 DO CÓDIGO PENAL........................................................................................... 51

3.1.1 Violação ao Princípio da Proporcionalidade.......................... 53

3.1.2 Violação ao Princípio da igualdade....................................... 56

3.1.3 Violação ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana...... 57

3.1.4 Violação ao Princípio da Legalidade..................................... 59

3.1.5 Violação ao Princípio da Vedação de Penas com Caráter

Perpétuo......................................................................................... 60

3.2 POSICIONAMENTOS DOS TRIBUNAIS SUPERIORES........ 62  CONCLUSÃO................................................................................ 69  REFERÊNCIAS.............................................................................. 73  

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INTRODUÇÃO

A teoria tripartida do direito penal, através do critério analítico ou formal que

repousa nos elementos constitutivos do delito, define o crime como uma conduta

típica, ilícita e culpável. Sendo assim, é imprescindível que esses três elementos

estejam presentes concomitantemente para que um comportamento humano

seja considerado crime e, portanto, passível de uma reprimenda.

Além disso, para que uma pessoa seja punida com pena privativa de

liberdade, se faz necessário a demonstração do nexo de causalidade entre a

conduta do agente e o resultado causado pela mesma, como também a

presença inequívoca, no momento da ação ou omissão, do discernimento sobre

a ilicitude do fato, ou seja, deve o autor ter a capacidade de entender o caráter

ilícito da sua atitude, bem como seja capaz de se manifestar de acordo com

esse entendimento, optando conscientemente se irá realizar ou não determinada

infração.

A aplicação de pena privativa de liberdade como sanção penal só é

imputada aos indivíduos que possuem plena capacidade de compreensão, e

portanto não se enquadram em nenhuma das hipóteses que afastam a

imputabilidade previstas no art. 26 do Código penal. Estas pessoas praticam

uma conduta típica penal com maturidade, consciência da ilicitude e domínio

sobre sua vontade, logo são qualificadas como imputáveis.

O mesmo não poder ser dito em relação aos infratores que por possuírem

uma enfermidade neurológica, e que por isto não compreendem a ilicitude

presente em sua conduta, ou mesmo a compreendendo não conseguem se

portar de acordo com tal entendimento. A estes se aplica a medida de

segurança.

Destarte, a medida de segurança nada mais é do que uma reprimenda

penal diversa aplicável àqueles que possuem a incomum característica da

inimputabilidade ou da semi-imputabilidade, ou seja, as pessoas que revelam os

vícios excludentes da imputabilidade, que apesar de não cometerem

propriamente um crime, pois não possuem culpabilidade, violam o ordenamento

jurídico-penal pátrio.

 

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Os inimputáveis são aqueles que por portar uma doença mental ou

apresentar desenvolvimento mental incompleto ou retardado são inteiramente

incapazes de entender o caráter ilícito ou de determinar-se de acordo com esse

entendimento, assim ao praticarem uma conduta vedada pelo ordenamento

jurídico, não possuem discernimento algum sobre sua atitude contrária a lei.

Já em relação ao termo “semi-imputável” o art. 26, parágrafo único do

Código Penal diz que: A pena pode ser reduzida de um a dois terços se o

agente, em virtude de doença mental ou por desenvolvimento mental incompleto

ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou

de determinar-se de acordo com esse entendimento. Com a descrição do código

penal, percebe-se que o termo usado apresenta-se impróprio, pois na verdade o

semi – imputável é , de início, um individuo imputável, mas que possui sua

culpabilidade reduzida em razão da imposição legal.

Apesar de também ser considerada uma reprimenda penal, a medida de

segurança possui regulamentação diferente da pena privativa de liberdade, uma

vez que a lei não atribuiu, de maneira expressa, o seu prazo máximo de

cumprimento. Na verdade, a atual disciplina da matéria estabelece, no artigo 97,

§ 1º, do Código Penal de 1940, reformado na Parte Geral em 1984, que as

medidas de segurança perdurarão por prazo indeterminado, até que se verifique,

mediante perícia médica, a cessação da periculosidade do doente mental

infrator.

Neste diapasão, o sujeito submetido à medida de segurança ficará por

tempo indefinido sobre a custódia do Estado, dependo de um laudo de caráter

subjetivo que ateste a inexistência da periculosidade para que sua liberdade seja

restituída. Acontece que, este laudo, favorável ao inimputável, pode demorar

muitos anos ou mesmo nunca vir a ser elaborado, fazendo com que o individuo

fique sujeito a medida de segurança durante muito tempo ou até mesmo durante

todo o resto da sua vida, assumindo assim a ilegítima característica da

perpetuidade.

A nossa Constituição Federal proíbe, expressamente, a existência de

penas com caráter perpétuo, e a não fixação de um prazo máximo de

cumprimento da medida de segurança viola claramente este dispositivo.

Ademais, a indeterminação temporal das medidas de segurança viola também

diversos outros princípios presentes expressa ou implicitamente na nossa Lei

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Maior e igualmente no Código Penal, como o da proporcionalidade, da

igualdade, da legalidade e da dignidade da pessoa humana.

Isto posto, o §1º do artigo 97 do Código Penal deve ser considerado não

recepcionado pela Constituição Federal de 1988, uma vez que o diploma

normativo que o estabeleceu é de 1940, portanto anterior a nossa atual Carta

Magna, e o nosso ordenamento jurídico não admite a teoria da

inconstitucionalidade superveniente de ato normativo anterior a nova

Constituição.

O direito intertemporal brasileiro (que relaciona o direito do passado com

o direito do presente) determina que as normas infraconstitucionais elaboradas

antes da nova Constituição e incompatíveis com as novas regras sejam

revogadas por ausência de recepção, não se falando em situação de

inconstitucionalidade.

Apesar disto, não houve uma revogação expressa deste dispositivo, até

porque o Código Penal, em sua grande maioria, foi recepcionado pela CF de 88,

havendo apenas incompatibilidade com preceitos específicos, como por

exemplo, o item aqui tratado. Isto levou ao surgimento de muitas discussões

doutrinárias e jurisprudenciais a respeito desse assunto, que posicionam-se ora

pela regularidade da norma, ora pela não recepção ou mesmo

inconstitucionalidade frente a constituição.

Em maior parte, as correntes doutrinárias expõem pela não aplicação do

dispositivo ora comentando, defendendo a estipulação de um prazo máximo às

medidas de segurança. Entretanto, tais posicionamentos não são uniformes,

trazendo, assim, diferentes soluções para esta tamanha irregularidade, o que faz

surgir uma significativa insegurança jurídica, uma vez que ainda hoje não há um

consenso sobre qual delas deve ser adotada.

Partindo dessa realidade jurídica, o presente trabalho tem como objetivo

oferecer um visão geral sobre a medida de segurança, para que esse instituto

seja compreendido plenamente, e então focalizar na discussão da não recepção

do prazo indeterminado das medidas de segurança, trazendo os entendimentos

existentes e principais julgados, e assim, posicionando-se sobre a melhor

solução a ser seguida.

Para tanto, utilizou-se a metodologia teórica-discursiva e crítica, que

através de pesquisas bibliográficas, busca conhecer e aprofundar as discussões

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existentes sobre o tema debatido, fazendo sobre as proposições demonstradas

uma análise crítica.

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CAPÍTULO I  

MEDIDA DE SEGURANÇA: ASPECTOS GERAIS 1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

A medida de segurança é a resposta jurídico-penal do Estado

Democrático de Direito dada aos inimputáveis ou semi-imputáveis que cometem

um ilícito penal.

Hodiernamente, trata-se de um espécie de sanção penal aplicada aos

indivíduos considerados perigosos pelo estado, possuindo assim o fim de

proteger a sociedade do delinquente portador de doença mental, pois afasta o

risco oferecido por essas pessoas. Entretanto, a aplicação efetiva de uma

medida de segurança para impedir e prevenir que os loucos viessem a cometer

crimes, não foi a solução encontrada pelo Estado desde o princípio.

Sua origem remonta a aplicação de uma das primeiras medidas utilizadas

na Roma Antiga, que visava segregar os furiosis (denominação dada aos

doentes mentais naquela época), internando-os em casas de custódia, com o fim

de afastá-los da coletividade.1

Até o final do século XIX, essa segregação era imposta como meio de

defesa social contra atos antissociais daqueles que mesmo sem cometer delito

algum se apresentavam como perigosos ou como maus exemplos (desviantes).2

Concomitantemente, existia a sanção-pena, imposta sobre aqueles que

cometessem um delito, possuía a finalidade de retribuição do mal causado, e

assim agia retirando o individuo do convívio em sociedade, restringido a

liberdade de locomoção deles.

No final do século XIX, começaram a surgir dúvidas sobre a eficácia da

sanção-pena, que, baseada na culpabilidade e na retribuição do mal causado

pelo agente, não estava apresentando os resultados de defesa social

pretendidos. Aliado a isso, o positivismo criminológico ganhava força, abrindo

                                                                                                               1 FERRARI, Eduardo Reale. Medidas de Segurança e Direito Penal no Estado Democrático de Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p.16. 2 FERRARI, 2001. Ibidem., p.16.  

 

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espaço para a discussão de uma nova espécie de reprimenda penal que

atendesse à finalidade de defesa social, já que a pena, por si mesma, não

impedia a reincidência e a criminalidade só aumentava.

Na visão dos positivistas, o foco deveria consistir no ser humano, na

análise do seu meio ambiente e dos fatores que o levaram a delinquir, levando

em conta, portanto, a explicação das causas. Aqui, o homem não deveria ser

considerado como um ser individualizado, mas sim como um membro da

sociedade em que habita.

Assim, seria através do estudo dos fatores sociais que envolviam infrator,

que o Estado solucionaria a questão sobre a adequada e efetiva punição a ser

aplicada, fazendo isto de tal maneira que os índices de criminalidade

diminuiriam.

Como fim retributivo da sanção-pena, não estava mais atendendo aos

anseios sociais modernos, em seu lugar, nascia a ideia de prevenção, com o

objetivo de oferecer tratamento especial aos delinquentes. Juntamente com

esses ideais preventivos de uma sanção penal e com a constatação da

ineficácia da pena, ascendia a Escola Cientificista e, portanto, a criminologia,

que deslocava o estudo do delito e das punições para a análise da

personalidade do agente, buscando descobrir as razões que levavam o indivíduo

a delinquir.

Diante disto, começou a se vislumbrar o crime como um fator social, e o

seu cometimento não era mais visto como uma simples violação ao

ordenamento jurídico, mas como uma comprovação da periculosidade do

agente, surgindo a necessidade de submeter o autor do crime a tratamento. Por

conseguinte, aí se desenvolveram também práticas extremamente abusivas,

coligadas a um modelo de Direito Penal autoritário denominado Direito Penal do

Autor, que busca punir o individuo pelo que ele é , ou seja, pelo que ele

representa como pessoa, e não em função do fato ilícito praticado. Este direito

rotula os indivíduos, fundamentando a aplicação da sanção em razão do “ser”.

Passa-se a avaliar não apenas o fato, mas todo o contexto que coliga a vida do

autor, sua personalidade, conduta social e padrão de discernimento ao crime

praticado.

Foi nesta conjuntura que surgiu a medida de segurança, como nova

modalidade de reprimenda penal, fortemente influenciada pela escola positiva

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italiana, que via o crime como uma doença social, muitas vezes passível de cura

por meio de uma aplicação forçada de tratamento.

Neste diapasão, a fundamentação essencialmente retributiva da pena é

alterada pela necessidade, instituída por intermédio do positivismo criminológico,

de analisar a personalidade do agente infrator, que passa a ser considerada

anormal e decorrente de fatores sociais e biopsicológicos, fazendo-se

indispensável a aplicação de um especial tratamento curativo. A sanção aplicada

deveria visar, ao mesmo tempo, a cura dessa anormalidade/periculosidade e a

proteção da sociedade dos riscos oferecidos por indivíduos subjetivamente

perigosos.3

Foi então, a partir dessas transformações que apareceram no decorrer do

tempo, que o instituto da medida de segurança se concebeu como sanção de

fins essencialmente preventivos, já que os seus principais objetivos eram

recuperar, tratar e incapacitar o doente mental criminoso para que ele não

voltasse a delinquir.

Em que pese a importância das concepções ora apresentadas, a primeira

aparição sistemática das medidas de segurança se deu em 1893, com o

Anteprojeto do Código Penal Suíço concebido por Karl Stooss. Tal projeto trouxe

a efetivação dos ideais de Von Litsz considerado o idealizador das medidas de

segurança, no qual figurou a teoria da pena-fim, onde toda sanção era projetada

com o fim preventivo, pois tinha o papel de proteger os bens jurídicos 4

A ideia de fim do direito penal foi introduzida com o programa de

Marburgo em 1882, e priorizava a prevenção especial em detrimento da

retribuição. Fran Von Litz afirmava que as penas privativas de liberdade: “não

corrigem, não intimidam, nem põem o delinquente fora do estado de prejudicar

e, ao contrário, muitas vezes encaminham para o crime o delinquente novel” 5

                                                                                                               3 RAUTER, Cristina. Criminologia e Subjetividade no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 2003.p. 28-29.  4 FERRARI. 2001. Op. cit., p. 28-30. 5 LISZT, Franz Von. Tratado de direito penal alemão. Tradução de José Higino Duarte pereira. Campinas: Russel, 2003. V.1, p. 153 apud SANTOS, Leonardo do Nascimento. A crise da pena privativa de liberdade e o surgimento das alternativas penais. Conteúdo Jurídico, Brasilia-DF: 15 jun. 2013. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,a-crise-da-pena-privativa-de-liberdade-e-o-surgimento-das-alternativas-penais,43943.html>. Acesso em:05/04/2017.

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Assim, o anteprojeto de Karl Stooss configurou a medida de segurança

como uma sanção complementar, baseada na periculosidade do agente e

aplicada aos delinquentes ainda não recuperados. 6

Essa medida de segurança destinava-se especialmente aos reincidentes,

aos alcoólatras habituais, aos corrompidos perigosos e aos delinquentes juvenis,

e ora complementava a pena, ora a substituía, nos casos em que a mesma era

ineficaz. Surge, com isso, o sistema de dupla via sancionatória (o duplo binário

defendido por Arthuro Rocco na elaboração do Código Penal Italiano), uma vez

que procurava tanto proteger a sociedade, quanto recuperar o criminoso

perigoso.7

No Brasil, a efetiva sistematização jurídica das medidas de segurança se

deu como o Código Penal de 1940, entretanto, anteriormente já se aplicavam

medidas de tratamento semelhantes. O Código Criminal do Império de 1830

previa que os loucos deveriam ser entregues as suas famílias ou internados em

locais específicos, conforme parecer conveniente ao juiz, e o Código Criminal da

República de 1890, seguindo a mesma ideia da legislação penal de 1830,

prescrevia a possibilidade de internação em hospícios, como também a entrega

dos doentes mentais às suas famílias.

Apesar disso, a legislação de 1830, no que se tratava da inimputabilidade

penal dos doentes mentais, era muito esparsa, e sua determinação excludente

da criminalidade alcançava “os loucos de todo gênero, salvo se tiverem lúcidos

intervalos”, mas não abrangia a totalidade dos “casos de perturbação de espírito,

ou de anomalia mental, todos os affectos desvarios e psychoses que devem

juridicamente excluir a responsabilidade criminal.”8

Por causa disto, uma avaliação médica explicitando a situação mental do

indivíduo que praticasse um crime era imprescindível, uma vez que o Código

não abarcava todas as perturbações mentais, e os juízes não possuíam, e não

possuem até hoje, formação acadêmica que os permitisse identificar tais

alienações mentais. Não obstante, o ordenamento penal de 1830 atribuía aos

juízes, que poderiam ir contra os atestados médicos, a análise de conveniência

                                                                                                               6 FERRARI, 2001. Op. cit., p.30. 7 FERRARI, 2011. Op. cit., p. 31-32. 8 BARRETO, Tobias de Menezes. Menores e loucos. Rio de Janeiro: EGE. Edição do Estado de Sergipe, 1926. P. 42.

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sobre a internação ou não dos loucos, ou se os mesmo deveriam ser entregues

às suas famílias ou não.

Descrevendo sobre tal assunto, e criticando este poder dos juízes, Tobias

Barreto sita o seguinte exemplo:

[…] depois de um exame medico, o resultado da perícia for que o examinado é um Agnoletti, ou um Verseni, aparentemente plácido, porém trazendo no íntimo a mais feroz das loucuras, o gosto de estrangular mulheres, […], se este for o resultado da perícia, e os médicos entenderem que o terrível epiléptico deve ir para o hospital, com todo o cuidado e segurança, mas o juiz, em sua alta ignorância, entender o contrário, lá vai a fera entregue á sua família, correndo-se o risco de vê-lo, no dia seguinte, atirar-se sobre a primeira mulher, que lhe passe pela porta. "Conforme ao juiz parecer mais conveniente" diz o Código; porém o juiz pode ser Pierrot ou Arlequim; logo é, "conforme parecer mais conveniente a Arlequim ou a Pierrot."9

Isto posto, vê-se que as disposições de 1830 e 1890 são apenas indícios

de medidas de segurança, não se configurando como tal, visto que não atingiam

todas as situações jurídicas existentes, e as que, porventura, atingissem eram

submetidas a apreciação infundada de um juiz.

Mais adiante, depois de duas tentativas frustradas, de Galdino Siqueira

(1913) e Virgílio de Sá Pereira, de codificar o instituto da medida de segurança,

sobreveio o Código de 1940, que adotando o sistema duplo binário, colocava a

medida de segurança paralelamente a pena, pois as duas sanções aplicavam-se

sucessivamente, tanto aos inimputáveis quanto aos imputáveis. Desta forma,

sendo o indivíduo considerado perigoso, as duas consequências jurídicas eram

aplicadas, configurando-se , portanto, o bis in idem, onde se pune duas vezes a

mesma pessoa por apenas um fato praticado.10

Para a imposição das medidas, exigia-se a prática de fato previsto como

crime, juntamente com a constatação da periculosidade do agente infrator,

porém o código previa também aplicação para aqueles considerados

presumidamente perigosos11, mesmo que eles não houvessem praticado crime.

                                                                                                               9 BARRETO, 1926. Ibidem., p. 65. 10 FERRARI,2011. Op. cit., p.35. 11 Art. 80 do Código Penal de 40: Durante o processo, o juiz pode submeter as pessoas referidas no art. 78, n. I, e os ébrios habituais ou toxicômanos às medidas de segurança que lhe sejam aplicáveis.

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Em 1984 com o advento da Lei de Execução Penal: Lei nº 7.209/84

houve, também, a reforma da parte geral do código penal por parte da lei nº

7.210/84, promulgadas na mesma data e trazendo importantes modificações

para o instituto da medida de segurança.

Primeiramente, o sistema adotado deixou de ser o duplo binário e passou

a ser o vicariante ou monista, onde a pena e a medida de segurança passaram a

ser sanções com aplicações diversas, destinando-se aquela aos imputáveis e

esta última aos inimputáveis e semi-imputáveis respectivamente. Além disso,

passou-se a não empregar mais as duas reprimendas penais a um mesmo fato,

tornando-as justapostas alternativamente: uma ou outra. Também, foi excluída a

possiblidade de presunção de periculosidade, só sendo possível aplicar tais

medias na ocorrência de um ilícito típico em conjunto com a comprovação da

periculosidade criminal.

Com isso, se fez necessário a determinação de realização de exame de

cessação de periculosidade para analisar a possibilidade ou não de extinção da

medida, uma vez que não foi delimitado um prazo máximo de execução, ficando

a liberação do paciente condicionada a averiguação do fim da sua

periculosidade.

Assim sendo, as medidas de segurança são hoje, uma sanção de função

eminentemente preventiva, que não tem prazo máximo de cumprimento, e que

se destinam apenas aos inimputáveis e semi-imputáveis que necessitem de

especial tratamento curativo.

1.2 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

As medidas de segurança nasceram da necessidade de uma intervenção

estatal diferente aos que não são capazes de compreender a ilicitude contida em

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         Art. 78 do Código Penal de 40: Presumem-se perigosos: I - aqueles que, nos termos do art. 22, são isentos de pena; II – os referidos no parágrafo único do art. 22; III – os condenados pro crime cometido em estado de embriaguez pelo álcool ou substância de efeitos análogos, se habitual a embriaguez; IV – os reincidentes em crime doloso; V – os condenados por crimes que hajam cometido como filiados a associação, bando ou quadrilha de malfeitores.  

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sua conduta, uma vez que segundo Aristóteles “devemos tratar igualmente os

iguais e desigualmente os desiguais, na medida da sua desigualdade” 12.

Este instituto, somente, é imposto aos portadores de alguma doença

mental, os inimputáveis ou semi-imputáeveis, que praticam um fato típico e

ilícito, nomeado de injusto penal, e que por isso oferecem certo grau de

periculosidade. Isto acontece, porque o Código Penal em seu art. 26, adota

como regra o critério biopsicológico, que qualifica como inimputável apenas as

pessoas que, no momento da ação ou da omissão, portam uma doença mental e

em razão dela não possuem a compreensão do caráter ilícito do fato ou na

conseguem agir segundo esse entendimento.

Deste modo, a medida de segurança nada mais é do que uma

providência Estatal, baseada no jus puniend, que busca o reestabelecimento da

ordem jurídica ofendida. Sendo, então, da mesma maneira que a pena privativa

de liberdade, classificada como uma espécie do gênero sanção penal, aplicada

ao infrator de uma norma jurídica, após o devido tramite processual.

A medida de segurança é, então, um instrumento que protege a

sociedade do indivíduo inimputável, que embora não culpável é perigoso, pois o

retira do convívio social, com o intuito de fazer cessar sua periculosidade

existente, por intermédio dos tratamentos adequados, para que o mesmo não

volte a delinquir, e, desse modo, não apresentem mais risco para a coletividade.

Com muita propriedade e seguindo esta mesma linha de raciocínio, o

autor Guilherme de Souza Nucci conceitua a medida de segurança como:

[...] uma forma de sanção penal, com caráter preventivo e curativo, visando a evitar que um autor de um fato havido como infração penal, inimputável ou semi-imputável, mostrando periculosidade, torne a cometer outro injusto e receba tratamento adequado.13

Ainda, permanecendo também neste mesmo entendimento, de acordo

com Cleber Masson:

                                                                                                               12 D’ AMARAL, Teresa Costa. Direito `a igualdade. Coluna do Jornal “O Globo”. 23 de maio de 104. Disponível em: https://oglobo.globo.com/opiniao/direito-igualdade-12575126. Acesso em: 23/04/2017  13 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 12. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. Pg. 545.

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Medida de Segurança é modalidade de sanção penal com finalidade exclusivamente preventiva, e de caráter terapêutico, destinada a tratar inimputáveis e semi-imputáveis portadores de periculosidade, com o escopo de evitar a prática de futuras infrações penais14

Diante de tal explanação, não nos resta dúvidas a respeito do caráter

sancionatório das medidas de segurança, que veio para coibir os atos

atentatórios à ordem social.

Apesar de grande parte dos doutrinadores concordarem com o

posicionamento exposto acima, qual seja, a medida de segurança como sanção

penal do estado, alguns autores discordam desse entendimento, posicionando-

se pelo caráter de tratamento curativo desse instrumento, onde não existe

qualquer resquício de reprimenda penal. Para eles, a medida de segurança

possui uma função estritamente administrativa de polícia.

Nesse sentido, Zaffaroni e Pierangeli idealizam uma natureza material-

formal da medida de segurança, onde materialmente tais medidas teriam cunho

administrativo, devido a não apresentação de um conteúdo punitivo,

caracterizando-a como um tratamento médico ou uma custódia psiquiátrica.

Entretanto, formalmente, seriam penais, em razão de ficarem impostas e

controladas pelo Poder Judiciário como incidentes de um processo penal. 15

Tal concepção não se sustenta, na medida em que esse instituto incide

diretamente no direito de liberdade do indivíduo, configurando-se uma sanção de

igual ou maior gravidade que a pena privativa de liberdade. Além disso, não se

pode esquecer, que as mesmas são reguladas pelos Códigos Penais e

submetidas à apreciação dos juízes penais, que deliberam quanto a sua

aplicação e execução durante o trâmite regular do processo penal.16

Por conseguinte, em se tratando dos propósitos específicos dessa

sanção, é inegável sua finalidade preventiva, ao passo que se relaciona com a

                                                                                                               14 MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado – Parte Geral – Vol. 1.ed.rev., atual e ampl. São Paulo: Método, 2016. Pg. 935. 15 ZAFFARONI, Raúl Eugenio; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral, volume 1. 8 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. P 731.  16 LEBRE, Marcelo. Medidas de segurança e periculosidade criminal: medo de quem? Disponível em: http://www.mpdft.mp.br/saude/images/saude_mental/Medida_seguranca_periculosidade_criminal.pdf>. Acesso em: 23/04/2017. p. 274.

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recuperação de indivíduos que possuem doença mental ou desenvolvimento

mental incompleto ou retardo, e que, por isso, são incapazes de compreender a

ilicitude das suas condutas.

Assim sendo, é uníssono entre os autores a negativa da existência da

finalidade retributiva, presente, portanto, apenas na aplicação de uma pena

privativa de liberdade.

Logo, ausente o fim retributivo, prevalece, na doutrina, a função de

prevenção especial, onde se busca tratar o agente com o escopo de impedir que

o mesmo volte a delinquir, e assim ressocializá-lo, permitindo seu retorno ao

convívio da sociedade. Nas palavras do autor Paulo Queiroz a finalidade

principal é evitar a reincidência. 17

Como finalidade secundária encontra-se a prevenção geral, que alcança

não só o doente mental, mas toda a coletividade, isto porque quando um delito é

cometido, quebra-se a ordem social, que precisa ser reestabelecida. Caso não

houvesse a aplicação da medida de segurança, existiria tanto a possibilidade de

o infrator voltar a delinquir, quanto dos demais cidadãos, que amparados pela

impunidade, não veriam óbice a prática da conduta ilícita.

Nessa perspectiva, o emprego de tal punição evitaria o cometimento não

só pelos antigos transgressores da norma penal, que tendo sua periculosidade

extinta deixarão de violar o ordenamento jurídico, como pelas outras pessoas

participantes da sociedade, que vendo a existência de uma proteção as bens

jurídicos, não irão confrontá-la.

Vale salientar, que em relação a prevenção geral não existe um consenso

entre os autores, que divergem quanto a existência de uma prevenção geral

positiva e uma prevenção geral negativa. Nessa esteira, Paulo Queiroz 18

sustenta não haver finalidade geral, nem positiva nem negativa, enquanto

Eduardo Ferrari 19 defende a existência da prevenção geral positiva, mas nega a

prevenção geral negativa.

                                                                                                               17 QUEIROZ, Paulo. Direito Penal: Parte Geral. 4 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 394. 18 QUEIROZ, 2008. Op. cit., p. 394/395. 19 FERRARI, 2001. Op. cit., p. 61/65.  

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1.3 DISTINÇÕES ENTRE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E MEDIDA DE

SEGURANÇA

A pena privativa de liberdade e a medida de segurança são espécies de

sanção penal, que possuem como uma de suas características a restrição de

liberdade daqueles a quem são impostas. Diante disto, e de outras similitudes

que elas possuem, são facilmente confundíveis, fazendo-se, assim, necessário

uma distinção entre elas.

Primeiramente, pode-se visualizar a diferença existente na aplicação

dessas sanções, uma vez que a medida de segurança é imposta por meio de

uma sentença absolutória imprópria, que tem como pressuposto a

periculosidade do indivíduo revelada pela prática de um injusto penal. Já a pena

privativa de liberdade é aplicada através de uma sentença penal condenatória,

fundamentada na culpabilidade do sujeito ativo de um crime.

Em seguida, essas penalidades se diferenciam quanto aos destinatários,

visto que as medidas de segurança são aplicadas exclusivamente aos

portadores de doença mental que praticam um ilícito penal, quais sejam, os

inimputáveis e semi-imputáveis que necessitam de um especial tratamento

curativo. Por sua vez, a pena destina-se aos imputáveis, mas também pode ser

aplicada aos semi-imputáveis, quando estes revelarem possuir discernimento

para entender o caráter ilícito da sua conduta. Em relação as semi-imputáveis, é

importante lembrar, que a aplicação da sanção penal é feita alternativamente, ou

seja, aplica-se pena privativa ou medida de de segurança, não sendo possível a

aplicação conjunta dessas reprimendas, já que o sistema vicariante superou o

sistema do duplo binário.

Ademais, uma das principais diferenças levantadas pela doutrina

relaciona-se com a finalidade das mesmas, posto que a pena possui uma

finalidade eclética 20 , isto é, um caráter retributivo-preventivo, que além de

corresponder ao mal causado pelo agente, procurar evitar o cometimento de

novos delitos, enquanto que a medida de segurança busca unicamente impedir a

reincidência, o que representa a finalidade da prevenção especial.

                                                                                                               20 MASSON, 2016. Op. cit., p. 936.

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Por fim, as duas punições ainda se diferenciam em relação ao período de

cumprimento, pois a pena, de acordo com o crime cometido, possui um prazo

máximo delimitado em lei, enquanto que a medida de segurança não possui um

prazo máximo de cumprimento, sendo indeterminado e vinculado ao

desaparecimento da periculosidade do sujeito, já que esta última só cessará

quando o agente não for mais considerado perigoso, o que afronta diretamente

nossa carta magna, como será visto mais adiante.

1.4 ESPÉCIES

Durante a vigência do Código Penal de 1940 as medidas de segurança

eram de duas modalidades, quais sejam, patrimoniais e pessoais. Aquelas

representadas pela interdição de estabelecimento ou sede de sociedade ou

associações e pelo confisco, foram revogadas pela reforma de 1984. Neste

diapasão, atualmente nosso ordenamento jurídico prevê apenas a imposição de

medidas de segurança pessoais.

Assim sendo, o Código Penal Brasileiro, em seu artigo 96, traz duas

espécies de medida de segurança pessoal, vejamos: “Art. 96. As medidas de

segurança são: I – internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico

ou, à falta, em outro estabelecimento adequado; II – sujeição a tratamento

ambulatorial ”.

A imposição de tais medidas está regulada pelo artigo 97 do Código

Penal, que determina a aplicação da medida detentiva, internação em hospital

de custódia, aos inimputáveis do artigo 26 do mesmo diploma legal, que

cometerem um delito. Excepcionalmente, quando o fato previsto como crime for

punido com pena de detenção, poderá o juiz instituir o tratamento ambulatorial,

tratando-se, neste caso, de medida de segurança restritiva.

Portanto, a escolha da medida de segurança aplicável não se motiva pela

necessidade de tratamento do indivíduo, mas sim pelo tipo de pena privativa de

liberdade cominada ao injusto praticado, que se for de reclusão cominará na

internação, porém caso seja de detenção estará o juiz autorizado a aplicar o

tratamento ambulatorial, quando as condições pessoais do agente autorizarem.

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Tal disposição é alvo de inúmeras críticas pela doutrina, que relata a

incoerência entre a finalidade curativa do instituto e o mandamento legal

supracitado, pois leva a internação várias pessoas que poderiam ser tratadas de

outra maneira. Além disso, acaba criando injustiças entre os inimputáveis e os

imputáveis, pois em alguns casos, crimes iguais são punidos de forma diferente,

e com intensidade diferente, levando a internação o inimputável e dando

liberdade ao imputável através de institutos despenalizadores.

Nesse sentido Nucci alega que “esse preceito é nitidamente injusto, pois

padroniza a aplicação da sanção penal e não resolve o drama de muitos doentes

mentais que poderiam ter suas internações evitadas.”21

Diante disto, alguns propostas foram formuladas com o fim de corrigir

essa iniquidade, dando a internação caráter excepcional, que só poderá ser

aplicada quando a periculosidade do individuo realmente apontar a necessidade

de tal medida.

É desta forma que vem se posicionando os Tribunais Superiores, tanto o

STF quanto o STJ, vêm decidindo por não determinar a aplicação da medida de

segurança pela gravidade do crime, mas sim pela sua periculosidade, como

comprova os julgados abaixo:

Execução. Condenação a pena de reclusão, em regime aberto. Semi-imputabilidade. Medida de segurança. Internação. Alteração para tratamento ambulatorial. Possibilidade. Recomendação do laudo médico. Inteligência do art. 26, § 1º do Código Penal. Necessidade de consideração do propósito terapêutico da medida no contexto da reforma psiquiátrica. Ordem concedida. Em casos excepcionais, admite-se a substituição da internação por medida de tratamento ambulatorial quando a pena estabelecida para o tipo é a reclusão, notadamente quando manifesta a desnecessidade da internação. (grifo nosso) 22 RECURSO ESPECIAL. CRIMINAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. INIMPUTÁVEL. MEDIDA DE SEGURANÇA. DELITO PUNÍVEL COM PENA DE RECLUSÃO. TRATAMENTO AMBULATORIAL. CABIMENTO. ART. 97. MITIGAÇÃO. ADEQUAÇÃO DA MEDIDA À PERICULOSIDADE DO AGENTE.

                                                                                                               21 NUCCI, 2016. Op. cit., p. 548. 22 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª turma. Habeas corpus nº 85401. Relator Ministro Cezar Peluzo.. Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7222350/habeas-corpus-hc-85401-rs> .Acesso em: 05/05/2017.

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1. A par do entendimento jurisprudencial deste Tribunal Superior, no sentido da imposição de medida internação quando o crime praticado for punível com reclusão - reconhecida a inimputabilidade do agente -, nos termos do art. 97do Código Penal, cabível a submissão do inimputável a tratamento ambulatorial, ainda que o crime não seja punível com detenção. (grifo nosso) 2. Este órgão julgador já decidiu que, se detectados elementos bastantes a caracterizar a desnecessidade da internação, e em obediência aos princípios da adequação, da razoabilidade e da proporcionalidade, é possível a aplicação de medida menos gravosa ao inimputável se, ainda, for primário e assim o permitam as circunstâncias que permeiam o delito perpetrado. 3. Consoante consignado pela Corte de origem, no caso dos autos, o ora recorrido nunca se envolvera em fato delituoso da mesma ou de natureza diversa, além de mostrar comportamento social adaptado e positivamente progressivo. 4. Conforme concluído pelo Tribunal a quo, "não se extrai desse quadro uma conclusão de periculosidade real e efetiva do apelante, capaz de justificar uma internação em hospital psiquiátrico ou casa de custódia e tratamento." A medida mais rígida, ademais, apresentaria risco ao progresso psicossocial alcançado pelo ora recorrido, além de nítido prejuízo ao agente, que, por retardo no julgamento dos recursos interpostos, teria restabelecida a sentença - datada de novembro de 2002 -, com a imposição da medida de internação, a qual, tantos anos após os fatos, não cumpriria seus objetivos. 5. Recurso especial não provido. 23

1.4.1 Medida de Segurança Detentiva A medida de segurança detentiva, está prevista no inciso I do artigo 96 do

Código penal, consistindo portanto, na internação em hospital de custódia e

tratamento psiquiátrico, ou, `a falta em outro estabelecimento adequado. Ela é

assim classificada porque priva a liberdade de locomoção do indivíduo,

retirando-o do convívio em sociedade.

Aplica-se obrigatoriamente aos inimputáveis e semi-imputáveis que

praticarem um fato punível com reclusão, e opcionalmente aos inimputáveis ou

semi-imputáveis que praticarem fato punivel com detenção, mas que não seja

                                                                                                               23 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 6ª turma. REsp 912668/SP. Relator Ministro Rogerio Schietti Cruz. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25044103/recurso-especial-resp-912668-sp-2007-0001922-4-stj?ref=juris-tabs> .Acesso em: 05/05/2017.

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indicado o tratamento ambulatorial. Neste caso a escolha entre aplicar ou não a

medida de segurança detentiva é feita com base na periculosidade do agente.

A internação e o tratamento psiquiátrico devem ser realizados em

estabelecimentos dotados de características hospitalares, como se depreende

do art. 99 do Código Penal. Trata-se de um hospital-presídio com o propósito de

tratar os pacientes, como também fazer a custódia do internado.24

1.4.2 Medida de Segurança Restritiva A medida de segurança restritiva, está prevista no inciso II do artigo 96 do

Código Penal, consistindo na sujeição ao tratamento ambulatorial. Ela é assim

classificada, porque não priva o paciente da sua liberdade, uma vez que é

cumprida através do comparecimento do doente mental ao hospital, nos dias

determinados pelo médico, para ser submetido à modalidade terapêutica

prescrita.

Aplica-se aos inimputáveis e semi-imputáveis que cometerem um fato

punido com detenção. Segundo Bitencourt, somente a pena de detenção não é

suficiente para determinar a aplicação do tratamento ambulatorial ao indivíduo

infrator, é necessário que as condições pessoais do agente se configurem

compatíveis com esse tratamento, ou seja, tais condições devem ser favoráveis

a conversão da internação para o tratamento ambulatorial.25

O tratamento ambulatorial, segundo o art. 101 da Lei de Execução Penal,

deve ser realizado também no Hospital de Custódia ou Tratamento Psiquiátrico,

ou em caráter subsidiário, em outro local com dependência médica adequada.

A LEP, em seu art. 43, garante a liberdade de contratação de médico de

confiança pessoal do internado ou do submetido a tratamento ambulatorial, por

seus familiares ou dependentes, a fim de orientar e acompanhar o tratamento.

Caso haja divergência entre o médico oficial e o particular, caberá ao juiz da

execução resolver o conflito.

                                                                                                               24 FERRARI, ,2001. Op. cit., p. 84. 25 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 20 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 861.  

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Outrossim, a medida detentiva não é imutável, uma vez que em qualquer

fase do tratamento ambulatorial, poderá o juiz determinar a internação do

agente, se essa providência for necessária aos fins curativos (art. 97, § 4º)26

Tal instituto é denominado de detração, e também é regulado pela Lei de

Execução Penal, que permite a conversão do tratamento ambulatorial em

internação toda vez que o agente revelar incompatibilidade com a medida (art.

184).

1.4.3 Medida de Segurança Preventiva O Código Penal de 1940 previu a possibilidade de aplicação provisória de

medida de segurança aos inimputáveis por doença mental ou desenvolvimento

mental incompleto, aos ébrios eventuais e aos toxicômanos. Todavia, com a

reforma de 84 este instituto foi revogado, aplicando-se aos doentes mentais a

prisão preventiva.

Não obstante, a lei 12.403/2011 inseriu o inciso VII no art. 319 do Código

de Processo Penal, incluindo a internação provisória entre as medidas

cautelares. Esta medida busca a não imposição da prisão preventiva aos

doentes mentais, aplicando tratamento mais adequado aos inimputáveis ou

semi-imputáveis.

Vale salientar, que está previsto no código unicamente a internação

provisória, não sendo possível a aplicação preventiva do tratamento

ambulatorial.

Para o emprego desse instituto foram previstos alguns requisitos,

considerados cumulativos vejamos:

1) O fato deve ter sido praticado com violência ou grave ameaça `a pessoa;

2) A perícia deve constatar a inimputabilidade ou semi-imputabilidade do

agente;

3) Deve existir o risco de cometimento de novas condutas ilícitas. 27

                                                                                                               26 BITENCOURT, 2014. Ibidem., p. 861. 27 MASSON, 2016. Op. cit., p. 945-946.

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1.5 CONVERSÃO DA PENA EM MEDIDA DE SEGURANÇA

A pena pode ser substituída por medida de segurança em duas situações:

uma quando se tratar de semi-imputáveis e a outra no surgimento superveniente

de doença mental ao condenado com pena privativa de liberdade.

1.5.1 Semi-imputabilidade

Confirmada a prática do delito pelo semi-imputável, e comprovada a sua

culpabilidade, deve o juiz aplicar a pena devida. A imposição de pena privativa

de liberdade com redução do artigo 26 do Código Penal, para aqueles que

cometem crime em virtude de perturbação de saúde metal ou por

desenvolvimento mental incompleto ou retardado, é regra no nosso

ordenamento jurídico.

Logo, sempre que comprovada a realização de uma infração penal pelo

semi-imputável deve o juiz condená-lo a pena prevista em lei. Assim, a

substituição pela medida de segurança acontece excepcionalmente, apenas

quando o delinquente necessitar de especial tratamento curativo.

Isto ocorre por disposição do artigo 98 também do Código Penal, que

possibilita tal substituição, apenas em relação a pena privativa de liberdade já

justaposta, dessa forma não se admite que se aplique diretamente a medida de

segurança, fazendo-se necessário a imposição anterior da pena privativa, para

depois substituí-la, mesmo que se recomende desde logo o tratamento curativo.

A pena, a depender do caso concreto, pode ser substituída tanto pela

internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, quanto pelo

tratamento ambulatorial.

1.5.2 Superveniência de Doença Mental

Quando, no curso do cumprimento da pena privativa de liberdade,

sobrevier ao condenado doença metal ou perturbação da saúde mental,

determina o artigo 183 da Lei de Execução Penal, a conversão da pena por

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medida de segurança. Isto advém por requerimento do Ministério Público, da

Defensoria Pública ou da Autoridade Administrativa, ou ainda de ofício pelo Juiz.

É importante ressaltar que, tanto na ocasião do semi-imputável quanto na

superveniência de doença mental, “a medida de segurança não poderá ter

duração superior ao correspondente à pena substituída.”28

Ademais, não se deve confundir esta hipótese com a do artigo 41 do

Código Penal, utilizada quando sobrevier uma doença mental não duradoura,

onde se transfere o condenado para o hospital de custódia ou tratamento

psiquiátrico durante o tempo necessário para a sua cura.29

                                                                                                               28 BITENCOURT, 2014. Op. cit., p. 867. 29 NUCCI, 2016. Op. cit., p. 548.

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CAPITULO II

APLICABILIDADE DA MEDIDA DE SEGURANÇA A medida de segurança, como já visto, emprega-se àqueles que por

doença mental ou desenvolvimento mental retardado ou incompleto, praticam

um injusto penal sem saber o caráter ilícito da sua conduta. Assim, para que sua

aplicação seja feita de forma justa e coerente, se faz necessário o

preenchimento de alguns pressupostos.

Da mesma forma, para que a extinção dessa medida seja efetivada é

necessário seguir determinados procedimentos, que analisam a possível

liberação do doente mental.

2.1 REQUISITOS DE APLICAÇÃO

O nosso ordenamento jurídico estabeleceu que a medida de segurança

aplicada como sanção criminal é unicamente a pós-delitual, ou seja, para que

seja imposta essa reprimenda penal é necessário que ocorra anteriormente a

prática de um fato criminoso. Ademais, este fato criminoso, obrigatoriamente

deve ser praticado por um inimputável ou semi-imputável que necessite de

especial tratamento curativo, caso contrário deverá ser cominada pena privativa

de liberdade

Concomitantemente com esses eventos, deve ser verificada a

periculosidade do autor, requisito indispensável para aplicação da medida de

segurança. Assim, somente a prática de um ilícito penal por um doente mental

não é suficiente, fazendo-se imprescindível a constatação da periculosidade do

agente infrator.

Dessa Maneira, Cezar Roberto Bitencourt, brilhantemente assevera que

são pressupostos obrigatórios para aplicação da medida de segurança a “prática

de fato típico punível”, a “periculosidade do agente” e a “ausência de

imputabilidade plena.”30

                                                                                                               30 BITENCOURT, 2014. Op. cit., p. 859-860.

 

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33

2.1.1 Ausência de Imputabilidade Plena

Como já é cediço saber, as medidas de segurança aplicam-se única e

exclusivamente aos inimputáveis e excepcionalmente aos semi-inimputáveis que

necessitarem de especial tratamento curativo. Aos imputáveis atribuem-se pena

privativa de liberdade.

À vista disso, o código penal brasileiro em seu artigo 26, caput, define

quem são os inimputáveis, e em seu parágrafo único, esclarece sobre os semi-

imputáveis, vejamos:

Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um terço a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com esse entendimento.

Da leitura do artigo supracitado, percebe-se que o nosso código penal

adotou o critério biopsicológico, que oriundo da junção dos critérios biológico e

psicológico, exige a presença de dois fatores para considerar o indivíduo

inimputável ou semi-imputável. Primeiro deve ser constatada a presença de uma

doença mental no indivíduo, e segundo, em razão dessa doença, o agente

pratica um fato criminoso sem ter consciência da sua ilicitude, ou mesmo tendo

esta consciência, não conseguindo se portar de acordo tal percepção.

Não se adotou o critério unicamente biológico, porque este leva em conta

apenas a presença da doença mental, não se importando se no momento da

ação o agente tinha capacidade de se determinar ou de entender o caráter ilícito

dos fatos. Dessa forma, bastaria apenas a comprovação pericial da existência de

uma enfermidade mental para considerar um indivíduo inimputável ou semi-

imputável, a depender do grau de autodeterminação existente. Acontece que

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34

não raro são os casos de pessoas com doenças mentais capazes de

determinação e entendimento dos fatos.

Noutro giro, também não se adotou o critério exclusivamente psicológico,

porque este leva em consideração apenas o fato de o indivíduo não conseguir se

determinar ou não entender a ilegitimidade de suas ações, tornando, então, a

avaliação muito subjetiva, pois não apreciam o motivo que levou o sujeito a agir

de maneira inadequada.

Ademais, são várias as causas que levam a exclusão da culpabilidade,

mas nem todas geram aplicação da medida de segurança.

De acordo como o artigo 27 do Código Penal, também são considerados

inimputáveis os menores de dezoito anos, entretanto à eles não se aplicam nem

medida de segurança, nem pena privativa de liberdade. Por isto, o Estatuto da

Criança e do Adolescente - Lei nº 8.069/90 - prevê a destinação de medidas

socioeducativas.

Igualmente são considerados inimputáveis, pelo § 1º, do artigo 28 do

mesmo diploma legal, aqueles que cometem delito completamente incapazes de

entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse

entendimento, por causa de embriaguez proveniente de caso fortuito ou força

maior. Neste caso, o agente está isento de qualquer tipo de sanção penal,

portanto, não se sujeita a medida de segurança.

Logo, pode-se concluir que a única causa que gera inimputabilidade e dar

ensejo a aplicação de medida de segurança, é a existência de enfermidade

mental, prevista no citado artigo 26 do código penal.

2.1.2 Prática de Fato Típico Punível Um dos principais requisitos de aplicação da medida de segurança é a

ocorrência prévia da prática de um fato criminoso, isto porque a nossa legislação

pátria adotou como regra a medida de segurança pós-delitual, aplicando-se o

princípio da anterioridade. Tal requisito tem como finalidade dar proteção jurídica

ao cidadão, pois proíbe a destinação de sanção penal antes da realização de um

delito.

Dessa forma, Ferrari afirma que

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35

“A medida de segurança que prescindir da prática de um ilícito-típico não constituir-se-á em espécie de sanção penal, mas em medida terapêutica administrativa. O delito é assim, um marco para a incidência da medida de segurança criminal”31

Percebe-se, então, que as medidas administrativas não tem como

pressuposto a prática de um delito, bastando a presença do perigo oferecido

pelo agente portador de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto

ou retardado, para a sua imputação. Dessa maneira, não possuem caráter

punitivo.

A doutrina nacional majoritariamente adota a teoria tripartite a respeito da

conceituação do crime, afirmando que para configurar a execução efetiva de um

delito deve necessariamente ocorrer a prática de um fato típico, ilícito e culpável.

Diante disto, surgem algumas discussões a respeito do evento motivador da

aplicação da medida de segurança, uma vez que segundo essa teoria o

inimputável não comete crime, já que está excluída sua culpabilidade.

Para aqueles que minoritariamente defendem a concepção bipartite do

crime, configurando-o com fato típico e ilícito, não há qualquer polêmica a

respeito da aplicação da medida de segurança, isto porque a culpabilidade, para

eles, é apenas uma condição de punibilidade, servindo como pressuposto de

pena privativa de liberdade. São adeptos dessa teoria Damásio de Jesus,

Mirabette, Dotti, entres outros.

Neste caso a culpabilidade estaria para pena, assim como a

periculosidade estaria para a medida de segurança.

Em contrapartida, os que acreditam que a culpabilidade integra o crime,

explicam a aplicação da medida de segurança pela prática de um injusto penal,

entendido como um fato típico e antijurídico, que apesar de não constituir crime,

é desaprovado pelo direito e por isso deve ser reprimido e prevenido. Esse

entendimento é adotado por diversos autores como Zaffaroni, Pierangeli, Nucci,

Greco, Bitencourt, Fragoso, etc.

Nessa esteira, Zaffaroni e Pierangeli sintetizam do seguinte modo:

                                                                                                               31 FERRARI, 2001. Op. cit., p.135.

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36

Na doutrina, chamamos conduta típica e antijurídica um “injusto penal”, reconhecendo que o injusto penal não é delito, e sim que, para sê-lo, é necessário que seja também reprovável, isto é, que o autor tenha tido a possibilidade exigível de atuar de outra maneira, requisito que não se dá por exemplo na hipótese de “louco” (de quem, em razão de sua incapacidade psíquica, não se pode exigir outra conduta). Esta característica de reprovabilidade do injusto do autor é o que denominamos culpabilidade e constitui a terceira característica especifica do delito.32

Dessa forma, o injusto penal ocorre quando se tem a prática de uma

conduta descrita nas leis penais, e que seja contrária ao direito, portanto ilícita, e

por isso, não amparada pelo ordenamento jurídico.

Assim, a inimputabilidade por doença mental, isenta o indivíduo de pena,

mas autoriza a aplicação da medida de segurança, isso porque como salienta

Greco, “no caso de ataque de inimputáveis, o ordenamento jurídico não protege

esse tipo de comportamento. A agressão é considerada injusta, e não justa

como no estado de necessidade.” 33 , portanto, deve ser o agente

responsabilizado por sua ação.

É importante lembrar, que a ocorrência do injusto penal desconfigura-se

quando falta prova do crime ou da autoria, ou quando presente alguma causa de

exclusão de ilicitude, ou até mesmo de exclusão de culpabilidade como, erro de

proibição invencível, coação irresistível, obediência hierárquica e embriaguez

completa fortuita ou por força maior, excetuando-se apenas a inimputabilidade

por enfermidade mental. Nesses casos , não há imposição de sanção penal.34

2.1.3 Periculosidade do agente

Como se deduz da leitura do § 1º do artigo 97 do código penal, o último

requisito indispensável para a determinação das medidas de segurança é a

presença de periculosidade do agente, podendo ser entendida como o perigo

que o indivíduo portador de enfermidade mental oferece para a sociedade, por

                                                                                                               32 ZAFFARONI; PIERANGELI, 2009. Op. cit., p. 338-339.  33 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 16 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2014. P. 355/356. 34 BITENCOURT, 2014. Op. cit., p. 860.

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37

apresentar instintos ou desvios de conduta que o tornam propenso à prática de

delitos.

Neste diapasão, diferencia-se a periculosidade social da periculosidade

criminal, àquela evidenciada antes mesmo do cometimento de um crime,

legitima-se “pelo simples comportamento desajustado comunitariamente” 35 ,

sendo a perigosidade constatada apenas pela personalidade do indivíduo. Já a

periculosidade criminal resulta justamente do cometimento de um fato descrito

como crime, sendo evidenciada após o injusto penal, consistente na

“probabilidade de o agente vir a cometer novos fatos ilícitos-típicos.36

O direito brasileiro, em matéria de medida de segurança como punição do

estado, reconhece somente a periculosidade criminal, visto que, vige no nosso

ordenamento jurídico o princípio da reserva legal, previsto no artigo 5º, inciso

XXXIX, da Constituição Federal, aplicável analogicamente ao instituto das

medidas de segurança, que além de outros mandamentos também prediz não

haver reprimenda penal, sem anterior infração da norma.

Diante disto, não se pode considerar o indivíduo perigoso para fins

punitivos, sem que o mesmo tenha dado motivo para isto. Ferrari, considera

ilegítimo, em um Estado Democrático de Direito, a adoção da periculosidade

social como pressuposto para aplicação da medida de segurança, devendo

haver imediata substituição para periculosidade criminal, que visualiza a real, e

não a mera possibilidade, de o indivíduo voltar a delinquir.37

Bitencourt, então, define a periculosidade criminal como “um estado

subjetivo mais ou menos duradouro de antissociabilidade”. Afirmando também

ser “um juízo de probabilidade – tendo por base a conduta antissocial e a

anomalia psíquica do agente – de que este voltará a delinquir.”38

Isto posto, percebe-se que a periculosidade é vista como a efetiva

probabilidade, vista como a realização concreta e potencial, da prática de uma

infração. Não se conformando com a mera possibilidade de reincidência.

O Código penal divide a periculosidade criminal em presumida e real. A

periculosidade presumida ocorre nos casos em que a lei, de forma absoluta,

expressamente determina a periculosidade do sujeito, estando prevista no caput                                                                                                                35 FERRARI, 2001. Op. cit., p. 155. 36 FERRARI, 2001. Op. cit., p.156.  37 FERRARI, 2011. Op. cit., p. 155/156. 38 BITENCOURT, 2014. Op. cit., p. 860.  

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38

do artigo 26 do mencionado diploma legal, para os inimputáveis que, devido a

enfermidade mental, são completamente incapazes de se autodeterminar. Já a

periculosidade real é aquela que carece de verificação pelo juiz, devendo ser

provada no caso concreto, e refere-se aos semi-imputáveis do parágrafo único

do mesmo artigo supracitado, que não são inteiramente incapazes, possuindo

algum discernimento, e, por isso, cabe ao juiz, em cada caso concreto, com o

auxilio de laudos periciais, determinar se eles necessitam ou não de especial

tratamento curativo.

Além disso, a periculosidade pode ser classificada em abstrata e

concreta. A periculosidade abstrata é aquela que se baseia apenas em

suposições ou deduções, não existindo nenhum elemento concreto que

comprove que determinado indivíduo seja perigoso, por isso é totalmente

rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal. Já a periculosidade concreta é

evidenciada por meio de provas sólidas de que o agente infrator oferece real

perigo a sociedade, sendo, portanto, a utilizada pelos tribunais brasileiros.39

Há, ainda, quem divida a periculosidade em subjetiva e objetiva, sendo

periculosidade subjetiva aquela que decorrente da avaliação de perigo revelado

pelo autor do crime, podendo ser considerada de forma presumida (art. 26

caput) ou de forma real (art. 26, parágrafo único). Já a periculosidade objetiva

deriva do fato em si praticado pelo doente mental, da gravidade do injusto penal

cometido.

José Frederico Marques fala em fatores e sintomas da periculosidade,

que transformam o indivíduo em um ser capaz com probabilidade de delinquir,

onde os fatores são elementos externos ou internos “referentes às condições

físicas individuais, morais e culturais, condições físicas do ambiente, de vida

familiar ou de vida social”, reveladores da personalidade do indivíduo. E os

sintomas são os “antecedentes criminais, civis ou administrativos, os motivos

determinantes da prática delituosa e suas circunstâncias”.40

Diante disto, surge um problema: conseguir limitar a análise de

periculosidade para aplicação da Medida de segurança em virtude da realização

do risco pela causação do autor, ou seja, discernir uma forma de limitação do                                                                                                                39 COELHO, Alexs Gonçalves. Prisão Preventiva: ordem pública e periculosidade do agente. 2009. Disponível em: <  http://jus.com.br/artigos/13082/prisao-preventiva-ordem-publica-e-periculosidade-do-agente>. Acesso em 15/06/2017. 40 MARQUES, José Frederico. Direito Penal. vol.III. Rio de Janeiro: Forense, 1978. P. 289.  

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39

alcance da periculosidade subjetiva, evitando-se as avaliações de um Direito

Penal do Autor. Ao mesmo tempo, encontrando um instrumento válido de

proteção de vítimas potenciais diante do "perigo" revelado. Neste sentido, o

perigo é revelado pela prática do crime (situação objetiva), mas a periculosidade

presumida advém da ausência de possibilidade de traçar um prognóstico causal

perfeito em virtude de um estado de doença mental: quais as previsões e

expectativas podem se concretizar diante da loucura? Enfim, a periculosidade

objetiva é revelada pelo fato e a subjetiva depende de avaliações, presumidas

ou reais, dos autores de crime que tenham doença mental ou desenvolvimento

mental incompleto ou retardado.

Assim sendo, algumas críticas são feitas pela doutrina a respeito do

requisito da periculosidade, dado que sua análise é feita principalmente sobre

elementos subjetivos, não existindo um critério que comprove com certeza que o

autor voltará a cometer delitos, o que leva a insegurança jurídica, pois baseada

tão só em indícios, a probabilidade de o infrator voltar a delinquir é hipotética e

abstrata, sendo, por conseguinte, suscetível a erros.

Deste modo, discorrendo sobre esse pressuposto, Ferrari, salienta que

ao conceito de perigo criminal constitui a probabilidade do dano, não significando que a certeza do perigo importe na precisão do dano, de modo que, ainda que averiguada a certeza do perigo de novos crimes, não se pode nunca ter a convicção de que tais delitos efetivamente serão cometidos. 41

Não obstante, a periculosidade criminal possui grande importância para o

instituto das medidas de segurança, pois além de ser necessária para o

emprego das mesmas, é igualmente indispensável para a sua extinção, uma vez

que só é liberado desta sanção penal o indivíduo que tem a sua periculosidade

cessada, constado isso num Exame Pericial.

2.2 EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

                                                                                                               41 FERRARI, 2001. Op. cit., p.157.

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40

Por previsão do parágrafo único do artigo 96 do Código Penal, são

aplicáveis às medidas de segurança todas as causas de extinção da

punibilidade, não se impondo medida de segurança, nem subsistindo a quem

tenha sido imposta quando a punibilidade do autor for extinta.

Havendo a extinção da punibilidade não resta dúvida quanto a cessação

da aplicação da medida de segurança, já que não há mais justificativa para o jus

puniend do Estado, encontrando-se finda a pretensão punitiva, mesmo que na

modalidade de tratamento.42

2.3 AÇÃO DE PREVENÇÃO PENAL

A ação de prevenção penal é o nome dado a ação instaurada com o fim

exclusivo de aplicar medida de segurança ao réu. A inicial acusatória tem por

objetivo requerer a aplicação da sanção penal43. Apesar disso, a peça inaugural

do processo penal na ação aqui tratada, não irá requerer a condenação do réu,

mas sim a absolvição impropria, pois é através desta sentença que a medida de

segurança é aplicada.

Isto acontece porque a culpabilidade do autor do fato é excluída pela

inimputabilidade, não se considerando que o doente mental pratique,

formalmente, um crime, considerado um fato típico, ilícito e culpável. Entretanto,

sua conduta típica e ilícita é contrária ao ordenamento jurídico, e apesar de não

gerar aplicação de pena privativa de liberdade, dá ensejo ao emprego das

medidas de segurança.

Embora a sentença justaposta seja de absolvição, nada impede que uma

sanção penal seja designada, pois o artigo 386, parágrafo único, III, do Código

de Processo Penal, afirma que “Na sentença absolutória o juiz : III- aplicará a

medida de segurança se cabível”.

                                                                                                               42 NUCCI, 2016. Op. cit., p. 546-547.  43 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 12ª ed. Rev. e atual. Salvador: Juspodvim, 2017. p. 281.  

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41

Além disso, esse entendimento já é sumulado pelo Supremo Tribunal

Federal que editou a súmula 422, que diz: “A absolvição criminal não prejudica a

medida de segurança, quando couber, ainda que importe privação de liberdade.”

2.4 EXECUÇÃO

A execução das medidas de segurança está disciplina pelos artigos 171,

172, 173 e 174 da Lei de Execução Penal.

Tais artigos, dispõem que transitada em julgado a sentença que fixou o

cumprimento da medida de segurança, é obrigatória a expedição da guia de

internamento ou tratamento ambulatorial pela autoridade judiciária competente,

de forma que, o cumprimento das medidas só se efetivará com a apresentação

deste documento.

A guia de execução deverá ser remetida para a autoridade administrativa

com todas as informações necessárias, como também será dada ciência ao

Ministério Público do seu recolhimento.

Logo, recebida a guia de internamento ou tratamento ambulatorial, será

iniciada a execução das medidas de segurança, com o encaminhamento do

inimputável ao hospital de custódia, bem como para o tratamento indicado.

2.5 DESINTERNAÇÃO PROGRESSIVA

A desinternação progressiva trata-se da passagem de cumprimento da

medida de segurança detentiva, para a medida de segurança restritiva, ou seja,

durante o cumprimento da medida, percebendo que a internação não é mais

necessária, mas que ainda é preciso um especial tratamento, é possível

convertê-la em tratamento ambulatorial, preparando o doente mental infrator

progressivamente para a voltar ao convívio em sociedade.

Esta atitude não está prevista expressamente em nenhuma legislação,

porém tanto a doutrina majoritária quanto os tribunais superiores apoiam essa

determinação, de maneira que ela vem sendo comumente aplicada.

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42

2.6 EXTINÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA

Ao contrário das penas privativas de liberdade, que se extinguem pelo

decurso do prazo estipulado na sentença condenatória, as medidas de

segurança não possuem prazo máximo preestabelecido, e, por isso, não se

findam com o simples cumprimento de um termo final.

A legislação pátria não estabelece um limite máximo de duração desta

sanção penal, sendo, portanto, indeterminado o prazo de execução, que durará

enquanto permanecer o perigo identificado no infrator, ou seja, durará enquanto

persistir a necessidade do tratamento, com finalidade curativa da periculosidade

do agente.

Assim, aplicada a medida de segurança, não existe uma data

predeterminada para o seu fim, podendo durar poucos ou muitos anos, de forma

que ela poderá perdurar até o falecimento do paciente.

Dessa forma o Código Penal estabelece no § 1º do artigo 97 que: “A

internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado,

perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação

da periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de um a três anos.”

A extinção da medida de segurança está, então, vinculada a cessação da

periculosidade do autor, que só pode ser verificada por meio de perícia médica,

a qual avaliará as condições pessoais do paciente, e principalmente a

probabilidade de o indivíduo não voltar a delinquir, para que o mesmo seja

considerado curado e possa voltar a conviver no meio social.

O prazo de um a três anos previsto no parágrafo supramencionado, não

constitui um limite máximo das medidas de segurança, na verdade é apenas um

termo determinado pelo juiz na sentença absolutória imprópria para realização

do primeiro exame de cessação de periculosidade, considerado pela legislação

nacional e pela doutrina um prazo mínimo de duração da medida imposta.

Regulada pela Lei de Execução Penal, a cessação da periculosidade será

averiguada quando terminar o prazo mínimo de duração das medidas de

segurança, devendo a autoridade administrativa remeter ao juiz, até um mês

antes do termo final, relatório minucioso, devidamente instruído com laudo

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43

psiquiátrico, que o habilite a decidir sobre a revogação ou a permanência da

medida (artigo 175).

Caso a autoridade administrativa não envie automaticamente o relatório, o

juiz, ex ofício, pode instaurar procedimento, com o fim de requisitar tal

documento. Também pode fazer essa requisição o Ministério Público, o

Conselho Penitenciário, ou qualquer outro interessado ou quem o represente.

Conforme o artigo 176 da LEP, pode haver antecipação do exame de

cessação a periculosidade, podendo até mesmo ocorrer antes do término do

prazo mínimo fixado na sentença. Para isso, necessária se faz a presença de

elementos indicativos da cura do doente mental infrator, e o requerimento

fundamentado do Ministério Público ou do interessado, seu procurador ou

defensor.

Recebido os autos com a juntada do relatório, ou realização das

diligências, serão ouvidos, sucessivamente o Ministério Público e o curador ou

defensor, no prazo de três dias cada um, devendo ser nomeado curador ou

defensor ao agente que não o tiver.

Mesmo que já expirado o prazo mínimo de duração da medida imposta,

pode o juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, determinar

novas diligências. Cumpridas estas diligências ou ouvidas as partes, o juiz tem o

prazo de cinco dias para proferir sua decisão.

Se o exame de cessação de periculosidade for desfavorável, atestando a

continuidade das características perigosas do indivíduo, o juiz decidirá pela

permanência da medida de segurança, e o agente continuará internado ou

submetido a tratamento ambulatorial, até que nova análise ateste sua

recuperação.

Neste caso, o § 2º do artigo 97 do Código Penal, certifica que novos

exames deverão ser realizados a cada ano, ou a qualquer tempo, se determinar

o juiz da execução

Dessa maneira, sobre a verificação da cessação da periculosidade,

explica Bitencourt que:

A determinação legal é de que o exame seja realizado no fim do prazo mínimo fixado na sentença e, posteriormente, de ano em ano. Mas esse é o exame legal obrigatório. No entanto, o juiz da execução pode determinar, de ofício, a repetição do exame a

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44

qualquer tempo. Cumpre ressaltar que a determinação oficial a qualquer tempo, só pode ocorrer depois de decorrido o prazo mínimo, isto é, o juiz pode determinar de ofício a repetição do exame. 44

Por outro lado, se o resultado do exame de cessação de periculosidade

for favorável, atestando a cura do paciente ou até mesmo a considerável

diminuição da perigosidade, o juiz se concordar com o laudo, pode determinar a

desinternação ou a liberação condicional, colocando o agente em liberdade sob

algumas condições.

A desinternação condicional aplica-se aos inimputáveis ou semi-

imputáveis que estavam submetidos a internação em hospital de custódia e

tratamento psiquiátrico, e a liberação condicional destina-se àqueles em

execução do tratamento ambulatorial.

A desinternação e a liberação são condicionais, por deliberação do artigo

178 da LEP que determina a aplicação, pelo juiz, das mesmas condições do

livramento condicional ao doente mental, que passará por um período de

transição para ter sua sanção efetivamente extinta.

Assim, sempre e obrigatoriamente, o juiz da execução, na decisão de

desinternação ou liberação, decretará o cumprimento das seguintes condições:

obter ocupação lícita, dentro do prazo razoável se for apto para o trabalho;

comunicar periodicamente ao juiz sua ocupação; não mudar do território da

comarca do juízo da Execução, sem prévia autorização deste (Art. 132 da LEP).

Pode ainda, facultativamente, serem impostas as obrigações de não

mudar de residência sem comunicação ao juiz e à autoridade incumbida da

observação cautelar e de proteção; de recolher-se à habitação em hora fixada; e

de não frequentar determinados lugares.

Muito comum também é a estipulação das obrigações de não ingerir

bebida alcoólica e de frequentar certos grupos de apoio.

Se for permitido ao liberado ou desinternado residir fora da comarca do

Juízo da Execução, deve-se remeter cópia da decisão ao juízo do lugar para

onde ele houver se transferido e à autoridade incumbida da observação cautelar

e de proteção (Art. 133 da LEP).

                                                                                                               44 BITENCOURT, 2014. Op. cit., p. 867/868.

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45

Em conformidade com o § 3º do artigo 97 do Código Penal, a

desinternação e a liberação serão sempre condicionais, não havendo hipótese

de extinção das medidas de segurança sem o período anterior de observação,

onde durante um ano o agente não pode praticar nenhum fato que indique a

persistência da sua periculosidade, caso contrário será restabelecida a medida

anterior.

Nota-se que o dispositivo legal retromencionado fala em “ fato indicativo

de persistência de sua periculosidade”, e não em cometimento de novo injusto

penal, portanto, não é necessário que o indivíduo pratique um novo fato típico e

antijurídico, bastando qualquer situação que indique a permanência da

periculosidade.

Passado um ano sem que o indivíduo pratique qualquer fato que indique a

persistência de sua perigosidade, a medida de segurança será definitivamente

extinta.

Ressalta-se que o artigo 179 da Lei de Execução Penal, só permite o

efetivo cumprimento da desinternação ou da liberação condicional, após o

trânsito em julgado da sentença que as estipulou, uma vez que interposto

recurso contra essa decisão, suspender-se-á o início do período de observação,

permanecendo a execução da medida de segurança até o julgamento do

recurso.

O recurso cabível das decisões do juiz da execução penal é o agravo em

execução, que em regra não possui efeito suspensivo, configurando-se, então,

exceção a norma do artigo 197 da Lei de Execução Pena a suspensão

supracitada.

Diante do exposto, é possível observar o total descompasso das normais

penais, posto que, em desrespeito ao princípio da igualdade, tratam

completamente diferente as duas modalidades de sanção criminal, tornando as

medidas de segurança uma punição mais severa, pois uma vez iniciada não se

sabe qual o seu fim, enquanto que a pena privativa de liberdade tem seu

começo e seu fim bem delimitados.

Além do mais, a maneira como são extintas as medidas de segurança é

um assunto bastante polêmico na doutrina, que em grande parte questionam a

subjetividade presente no exame de cessação da periculosidade, e não

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concordam com a indeterminação temporal do Código Penal, como será visto

mais adiante.

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CAPÍTULO III

A INDETERMINAÇÃO TEMPORAL DA MEDIDA DE SEGURANÇA

O prazo de duração das medidas de segurança, como já visto, é regulado

pelo § 1º do artigo 97 do Código Penal, que vincula o fim da aplicação desta

sanção penal à cessação da periculosidade por parte do infrator.

Dessa maneira, o legislador apenas delimitou o prazo mínimo de duração

da medida imposta, sendo este de 1 a 3 anos, como já fora tratado. Entretanto,

no que diz respeito a imposição de um limite ao poder de punir do Estado, o

legislador foi omisso, uma vez que não estipulou um prazo máximo de

cumprimento das medidas de segurança, fazendo com que sua duração fosse

indeterminada e ilimitada.

Assim, as medidas de segurança perduram por tempo indeterminado, até

que seja averiguada, por meio de perícia médica, a cessação da periculosidade

do autor, podendo inclusive o infrator passar o resto da sua vida cumprindo esta

penalidade, pois enquanto não atestada a extinção da periculosidade,

permanecerá a aplicação da medida estabelecida.

Diante disto, a doutrina dividiu-se entre os que concordam e os que

discordam com esta indeterminação temporal, ou seja, parte dos doutrinadores

posiciona-se favoravelmente ao descrito no Código Penal, defendendo a

recepção do dispositivo pela constituição federal, e outra parte se posiciona de

modo desfavorável, afirmando que tal preceito não se compatibiliza com a atual

carta magna brasileira, uma vez que fere diversos princípios constitucionais.

De acordo com Ferrari, os doutrinadores que defendem a ausência de

limites máximos (indeterminação) e a obrigatoriedade de limites mínimos, assim

o fazem por duas razões: primeiro porque partem da ideia de que os doentes

mentais e os imputáveis são diferentes, e por isso devem ser tratados de formas

distintas, sendo esses elementos mais um fator de diferenciação, e, depois,

 

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porque consideram o doente mental uma pessoa perigosa, que traz riscos para a

sociedade, pois possui grande probabilidade de voltar a delinquir.45

Todavia, em um Estado Democrático de Direito, não é possível que a

intervenção estatal seja ilimitada, sendo indispensável a presença de limites ao

poder do Estado, como por exemplo ao jus puniend, logo, deve ser aplicada as

medidas de segurança criminais todo conteúdo garantístico relativo às penas.46

Isto porque, como ressaltado anteriormente, ambas configuram espécie

de reprimenda penal que retiram do individuo um direito fundamental, qual seja,

a liberdade. Ademais, é inadmissível que o doente mental infrator seja

considerado pior criminoso que o imputável delituoso, dado que os índices entre

os imputáveis de retorno ao crime são elevadíssimos (em torno de 70%)47, não

se justificando o tratamento mais rigoroso das medidas de segurança na

probabilidade de os inimputáveis voltarem a delinquir

Além disso, a medida de segurança detentiva e a pena privativa de

liberdade possuem execução similar, de forma que são sentidas de igual

maneira por aqueles que a elas estão submetidos, já que segregam o sujeito

afastando-o do restante da sociedade, configurando-se, então, como sanções

aflitivas. 48

Assim, é patente a desproporção existente entre a pena privativa de

liberdade e a medida de segurança, pois em relação as primeiras, o artigo 75 do

Código Penal estipulou o tempo máximo de 30 anos de execução, por mais que

a sentença estipule uma pena maior.

Desta forma, mesmo que se busque justificar o tratamento diferenciado

dessas duas reprimendas penais, pelas distintas finalidades, onde a medida de

segurança visa o tratamento do indivíduo para fazer cessar sua periculosidade, e

a pena além do fim preventivo também possui o retributivo, a verdade é que na

prática a diferença é quase inexistente, como fora tratado logo acima.

Sob outro enfoque, porém chegando a mesma conclusão, Paulo Queiroz

afirma:                                                                                                                45 FERRARI, 2001. Op. cit., p. 181. 46 FERRARI, 2001. Op. cit., p.177. 47 http://institutoavantebrasil.com.br/brasil-reincidencia-de-ate-70. Acesso em: 10/07/2017 48 MONTEIRO, Lizianni de Cerqueira. Breves considerações sobre a medida de segurança à luz da constituição federal. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/salvador/lizianni_de_cerqueira_monteiro.pdf>. Acesso em: 10/07/2017. p. 1752-1753.

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Conclusivamente, distinção ontológica alguma há entre penas e medidas de segurança, pois ambas perseguem, essencialmente, os mesmos fins e supõem o concurso de idênticos pressupostos de punibilidade: fato típico, ilícito, culpável e punível. A distinção reside, portanto, unicamente nas consequências: os imputáveis estão sujeitos à pena e os inimputáveis, à medida de segurança, atendendo-se a critério de pura conveniência político-criminal ou de adequação.49

Neste diapasão, não existe argumento plausível para o tratamento

desigual destinado as medidas de segurança, devendo ser aplicadas as mesmas

garantias concedidas a pena privativa de liberdade.

Não obstante, há quem defenda a manutenção do diferente tratamento

para cada uma das espécies de sanção penal, são os adeptos do

posicionamento legalista, que prezam pela validade da indeterminação temporal

das medidas de segurança.

Para justificar tal posicionamento, os defensores da recepção do § 1º do

artigo 97 do Código Penal, se pautam no caráter curativo dessa reprimenda,

afirmando que nenhum tratamento é suspenso antes da real cura do paciente, e

assim, necessário se faz a comprovação da cessação da periculosidade do

sujeito, para que o mesmo seja considerado apto a volta em viver em

sociedade.

Ademais, sabe-se que não é difícil encontrar posicionamentos daqueles

que negam, até mesmo, a presença do caráter punitivo das medidas de

segurança, tratando-as apenas como remédio para a periculosidade do autor.

Guilherme de Sousa Nucci, apesar de não negar o caráter de sanção

penal das medidas de segurança, concorda com a indeterminação temporal,

defendendo uma interpretação restritiva do artigo 75 do Código Penal, onde as

disposições desta determinação legal não se estendem as medidas de

segurança, uma vez que diferem das penas. Em sua opinião, deve o doente

mental infrator permanecer sob custódia do Estado, até que se verifique sua

cura.50

Dessa forma, dispõe o renomado autor que:                                                                                                                49 QUEIROZ, Paulo de Souza. Penas e medidas de segurança se distinguem realmente?. Disponível em: <http://pauloqueiroz.net/penas-e-medidas-de-seguranca-se-distinguem-realmente/>. Acesso em: 10/07/2017. 50 NUCCI, 2016. p. 549.  

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[...] apesar de seu caráter de sanção penal, a medida de segurança não deixa de ter o propósito curativo e terapêutico. Ora, enquanto não for devidamente curado, deve o sujeito submetido à internação permanecer em tratamento, sob custódia do estado. Seria demasiado apego à forma transferi-lo de uma hospital de custodia e tratamento criminal para outro, onde estão abrigados insanos interditados civilmente, somente porque foi atingido o teto máximo da pena correspondente ao fato criminoso praticado, como alguns sugerem, ou teto máximo de 30 anos, previsto no art. 75, como sugerem outros.51

Rogério Grego, em certos momentos, também compartilha com esse

posicionamento, tendo em vista que ao reconhecer a deficiência do Estado em

fornecer um tratamento eficaz para seus doentes, trata a medida de segurança

como remédio e não como uma pena, que deve ser aplicado corretamente a

cada paciente, para que o mesmo não ofereça mais riscos e seja liberado, dessa

forma defende a manutenção da medida imposta caso os riscos não sejam

anulados. 52

Nas palavras do exímio autor:

Se a internação não está resolvendo o problema mental do paciente ali internado sob regime de medida de segurança, a solução será a desinternação, passando-se para o tratamento ambulatorial, [...]. Mas não podemos liberar completamente o paciente se este ainda demonstra que, se não for corretamente submetido a um tratamento médico, voltará a trazer perigo para si próprio, bem como para aqueles que com ele convivem.53

Com a devida vênia, não podemos concordar com esses pensamentos,

uma vez que a medida de segurança, tal qual a pena configura-se como uma

espécie de sanção penal, que procura prevenir a reiteração de novos delitos.

Portanto, do mesmo modo que os inimputáveis, os imputáveis que cometeram

um crime, também oferecem riscos a sociedade, e nada garante que após o

cumprimento de sua pena, não voltem a delinquir, entretanto à eles é garantido a

limitação do poder de punir do Estado.

Na verdade, os imputáveis não só oferecem igual perigo, como o índice

de reincidência é elevadíssimo, mas, mesmo assim, continuam a ser                                                                                                                51 NUCCI, 2016. Op. cit., p. 549. 52 GRECO, 2014. Op. cit., p. 687/689. 53 GRECO, 2014. Op. cit., p. 689.  

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beneficiados, pela expressa previsão de um prazo máximo de 30 anos para a

execução, estipulado no artigo 75 do Código Penal.

Ademais, restringir a intepretação do artigo ora mencionado, é negar e,

por vezes, se omitir quanto aos direitos daqueles que necessitam de especial

tratamento, como por exemplo, o direito a dignidade da pessoa humana, que

visa tratamentos adequados e humanitários para todos os indivíduos sem

nenhuma distinção.

Resta claro que a presente obra monográfica se posiciona pela não

recepção do § 1º do artigo 97 do Código Penal, considerando revogado o

referido dispositivo de lei por ausência de recepção.

Da mesma maneira, se posicionam os que defendem uma visão

constitucionalista da matéria, pois visualizam violação a importantes princípios

previstos na nossa carta magna e, assim, buscam dar soluções para resolver

este conflito.

3.1 A NÃO RECEPÇAO DO § 1º DO ART. 97 DO CÓDIGO PENAL

O atual código penal brasileiro foi elaborado em 1940, possuindo uma

única reforma em sua parte geral no ano de 1984. Em relação ao instituto da

medida de segurança, sabe-se que desde de 1940 sua regulamentação foi

estabelecida, alterando-se apenas o sistema por ela adotado, já que na reforma

realizada o sistema que antes era o do duplo binário, passou a ser o vicariante.

À vista disso, em 1988 promulgou-se a nossa atual constituição, que com

as mudanças promovidas pelo neoconstitucionalismo, ganhou status de norma

suprema, uma vez que se tornou parâmetro de validade para as demais normas

infraconstitucionais.

No tocante as normas infraconstitucionais elaboradas antes da

constituição de 1988, no caso o nosso código penal, o direito intertemporal

(aquele que relaciona o direito do passado com o presente e o futuro)

determinou que deve ser aplicado o instituto da recepção, onde “a nova

Constituição, independente de qualquer previsão expressa, recebe norma

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infraconstitucional pertencente ao ordenamento anterior, com ela compatível,

dando-lhe, a partir daquele instante, nova eficácia.” 54

A contrário sensu, as normas infraconstitucionais que não forem

compatíveis com os ditames da nova constituição deveram ser consideradas não

recepcionadas, e portanto, revogadas. Segundo, Pedro Lenza, nesta ocasião,

não há que se falar em situação de inconstitucionalidade alguma, mas apenas

em revogação por ausência de recepção.55

Corroborando esse entendimento, encontra-se o Supremo Tribunal

Federal, uma vez que não admite a teoria da inconstitucionalidade

superveniente, que sustenta ser impossível falar em revogação quando não se

tratar de normas de mesma natureza, devendo ser declarada inconstitucional

uma normal que anteriormente era constitucional, mas que passou a ser

inconstitucional por causa de nova constituição ou de uma mudança de

entendimento.

É o exposto no julgado abaixo:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - IMPUGNAÇÃO DE ATO ESTATAL EDITADO ANTERIORMENTE A VIGENCIA DA CF/88 - INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE - INOCORRENCIA - HIPÓTESE DE REVOGAÇÃO DO ATO HIERARQUICAMENTE INFERIOR POR AUSÊNCIA DE RECEPÇÃO - IMPOSSIBILIDADE DE INSTAURAÇÃO DO CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO - AÇÃO DIRETA NÃO CONHECIDA . - A ação direta de inconstitucionalidade não se revela instrumento juridicamente idôneo ao exame da legitimidade constitucional de atos normativos do poder público que tenham sido editados em momento anterior ao da vigência da constituição sob cuja égide foi instaurado o controle normativo abstrato. A fiscalização concentrada de constitucionalidade supõe a necessária existência de uma relação de contemporaneidade entre o ato estatal impugnado e a carta política sob cujo domínio normativo veio ele a ser editado. o entendimento de que leis pré-constitucionais não se predispõem, vigente uma nova constituição, a tutela jurisdicional de constitucionalidade in abstracto - orientação jurisprudencial já consagrada no regime anterior (rtj 95/980 - 95/993 - 99/544) - foi reafirmado por esta corte, em recentes pronunciamentos, na perspectiva da carta federal de 1988

                                                                                                               54 <http://www.ipccursos.com.br/site/com_conteudos.aspx?id=197#.WUrIV1PyuCQ>. Acesso em: 20/07/2017  55 LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 20ªed. rev., atual.e ampl. São Paulo: Saraiva, 2016. Pg.237.  

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53

. - A incompatibilidade vertical superveniente de atos do poder público, em face de um novo ordenamento constitucional, traduz hipótese de pura e simples revogação dessas espécies jurídicas, posto que lhe são hierarquicamente inferiores. O exame da revogação de leis ou atos normativos do poder público constitui matéria absolutamente estranha a função jurídico-processual da ação direta de inconstitucionalidade. 56

Diante disto, o instituto aplicável ao § 1º do art. 97 do código penal é o da

recepção. Acontece que o prazo indeterminado das medidas de segurança,

previsto em tal dispositivo, não possui compatibilidade com a CF de 88, posto

que fere frontalmente diversos princípios constitucionais expressos e implícitos,

e também do código penal, tais como, os princípios da proporcionalidade, da

igualdade, da legalidade, da dignidade da pessoa humana e, especialmente, o

princípio da proibição de penas com caráter perpétuo.

Assim, o presente trabalho considera o § 1º do art. 97 do código penal

com não recepcionado pela constituição federal , porquanto apesar da condição

especial do portador de doença mental, deve ser assegurado a ele todos os

direitos e garantias previstas constitucionalmente, não podendo, deste modo,

serem privados de sua dignidade humana ou menos ainda, serem submetidos a

pena perpétua.

Sendo assim, diversos são os posicionamentos que defendem a

liberdade do cidadão, buscando impor limites ao jus puniend do Estado, e

fazendo com que seja assegurado ao inimputável todas as garantias concedidas

aos imputáveis.

3.1.1 Violação ao Princípio da Proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade, está implícito no texto constitucional e

previsto no artigo 59 do Código Penal, que estabelece que o juiz deve aplicar a

quantidade de pena, “conforme seja necessário e suficiente para reprovação e

prevenção do crime”.

                                                                                                               56 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. ADI 7 DF. Relator Celso de Mello. Disponível em: < https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14709442/acao-direta-de-inconstitucionalidade-adi-7-df>. Acesso em: 20/07/2017. .  

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54

O princípio da proporcionalidade pode ser visto sob duas vertentes: a

vertente da proibição do excesso, e a da proibição da proteção deficiente.

Quando é visto sob o aspecto da proibição do excesso, o princípio da

proporcionalidade é definido como uma garantia negativa, já que estabelece

uma correlação entre a sanção a ser aplicada e o crime praticado, onde a

penalidade deve ser imposta na quantidade suficiente para reparar o crime e

evitar a reincidência, não podendo extrapolar, de forma alguma, a finalidade

desejada, e exagerar de tal maneira, que cause um mal ao indivíduo.

Deve-se aplicar a punição criminal de modo que não seja tão branda à

incitar o cometimento de novos delitos, como o exercício arbitrário das próprias

razões, nem seja tão exagerada ao passo de perder a relação entre a

penalidade e o crime cometido, ultrapassando os limites da culpabilidade do

autor.

Procura-se, aqui, uma aplicação justa de qualquer reprimenda penal, sem

excessos ou abrandamentos, e com equilíbrio, onde os delitos e as penas são

proporcionais.

Sob o aspecto da proibição da proteção deficiente, o principio da

proporcionalidade é visto como uma garantia positiva do Estado, que assume o

papel de protetor de diversos direitos fundamentais. Aqui a preocupação do

sistema jurídico está no fato de o Estado não proteger suficientemente

determinado direito fundamental, deixando de aplicar os mecanismos de tutela

cabíveis para tal proteção. 57

Esta vertente, cria um dever de proteção para o Estado, visto como

estado-juiz e estado-legislador, onde ambos os poderes possuem a obrigação

de defender os direito fundamentais, evitando que eles sejam violados.

A proibição de proteção deficiente pode definir-se, segundo Bernal

Pulido 58 como “um critério estrutural para a determinação dos direitos

                                                                                                               57 STRECK, Lenio Luiz. A dupla face do princípio da proporcionalidade e o cabimento de mandado de segurança em matéria criminal: superando o ideário liberal-individualista-clássico. Disponível em: <http://www.mprs.mp.br/areas/atuacaomp/anexos_noticias/untermassverbot.pdf>. Acesso em: 22/07/2017. p. 15. 58 BERNAL PULIDO, Carlos. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentals. Madrid: CEPC, 2002, em especial p. 798 e segs, apud STRECK, Ibidem. Acesso em: 22/07/2017.

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fundamentais, com cuja aplicação pode determina-se um ato estatal – por

antonomásia, uma omissão – viola um direito fundamental de proteção.”

Portanto, percebe-se que o princípio da proporcionalidade possui uma

dupla face: uma de proteção positiva, onde um ato estatal pode violá-lo se for

abusivo, e outra de proteção negativa/de omissões estatais, onde um ato estatal

também pode violar este mesmo princípio no momento em que há uma proteção

insuficiente de um direito fundamental, ou seja, há uma deficiência na proteção

estatal de determinado bem jurídico.59

Neste sentido Ingo Sarlet afirma que

a noção de proporcionalidade não se esgota na categoria da proibição de excesso, já que vinculada igualmente a um dever de proteção por parte do Estado, inclusive quanto a agressões contra direitos fundamentais provenientes de terceiros, de tal sorte que se está diante de dimensões que reclamam maior densificação, notadamente no que diz com os desdobramentos da assim chamada proibição de insuficiência no campo jurídico-penal e, por conseguinte, na esfera da política criminal, onde encontramos um elenco significativo de e exemplos a serem explorados.60

Isto posto, ao analisar o prazo indeterminado das medidas de segurança,

previsto no § 1º do art. 97 do Código Penal, constata-se que este dispositivo

viola o principio da proporcionalidade nas suas duas vertentes.

Na primeira vertente, de proibição do excesso, as medidas de segurança

ferem este princípio na medida que se configuram como uma sanção

extremamente severa e, portanto, desproporcional, pois não possuem nenhuma

relação com o delito praticado, fazendo com que todo agente inimputável que

cometa um injusto penal e, independentemente da gravidade da ofensa

cometida, fique cumprindo esta penalidade indeterminadamente.

Não é razoável, por exemplo, que o indivíduo que pratique o delito de

lesão corporal leve, cuja pena máxima é de um ano de detenção, possa ficar

sujeito a quatro, sete, dez ou mais anos de medida de segurança.61

                                                                                                               59 STRECK, ibidem. Acesso em: 22/07/2017. P.22/23. 60 SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição e Proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entre proibição do excesso e de insuficiência. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/15113-15114-1-PB.htm>. Acesso em: 22/07/2017. p 2. 61 QUEIROZ, 2008. Op. cit., p. 396.

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Na segunda vertente, da proibição da proteção deficiente, a violação

normalmente, acontece por causa de uma omissão do Estado, no que diz

respeito ao cumprimento de um dever de proteção ou de tutela

constitucionalmente assegurado.62

Dessarte, a indeterminação temporal das medidas de segurança também

o viola, uma vez que cabe ao Estado o dever de proteger o direito fundamental a

liberdade, a igualdade, a dignidade da pessoa humana e vários outros, que não

estão sendo devidamente protegidos diante de tamanha omissão do legislador,

que não estipulou prazo máximo de cumprimento dessa sanção penal.

Assim sendo, verifica-se o total desrespeito pelas medidas de segurança

ao princípio da proporcionalidade, pois tal preceito visa uma boa medida que não

se aproxime desses extremos, vistos tanto como excessos do Estado, onde, na

seara penal, extrapola o limite necessário para repressão e prevenção do crime,

quanto como a proteção deficiente, onde o Estado protege de forma deficiente

bens jurídicos relevantes.

3.1.2 Violação ao Princípio da igualdade O princípio da igualdade pode ser tratado sobre dois vieses, um formal e

um material. Sobre o enfoque formal determina que “todos são iguais perante a

lei, sem distinção de qualquer natureza” (caput do art. 5º da Constituição

Federal), já sobre o aspecto material, partindo da concepção aristotélica, diz que

deve se conferir tratamento igual aos iguais, e desigual aos desiguais, na

medida de suas desigualdades.63

Entretanto, essa pequena diferenciação, entre os iguais e desiguais,

apontada por Aristóteles, tem seus limites, não permitindo o privilégio de uns em

detrimento de outros, nem ao menos qualquer tipo de discriminação, buscando

apenas definir regras de comportamento para que todos que viviam em

sociedade sejam tratados igualmente.

Destarte, o Código Penal ao estabelecer que as medidas de segurança

serão cumpridas indeterminadamente fere o principio da igualdade, visto que                                                                                                                62 SARLET, Ibidem, p. 15. 63 FERRARI, 2001. Op. cit., p.124.

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privilegia os imputáveis aos inimputáveis, pois desfere tratamento diferenciado,

onde os imputáveis possuem um prazo máximo de cumprimento da sua pena, e

os inimputáveis serão privados da sua liberdade indefinidamente, até que seja

cessada sua periculosidade.64

Essa desigualdade torna-se mais aparente quando visualizamos um caso

prático onde o inimputável e o imputável cometem o mesmo delito, e cumprem

sanções penais por tempos diferentes, sendo a reprimenda do inimputável mais

severa, já que cumprirá a sua punição por tempo indefinido e provavelmente em

maior tempo que o imputável.65

Neste diapasão, Ferrari alerta que

Os infratores-doentes mentais não podem ser tratados de forma mais severa se comparado aos imputáveis. Devem possuir os mesmos direitos e instrumentos garantísticos enunciados em nossa Constituição Federal, não podendo a doença mental servir como fundamento à discriminação. 66

3.1.3 Violação ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana Prevista no artigo 1º, III, da Constituição Federal, a dignidade da pessoa

humana se configura como um fundamento essencial para o Estado

Democrático de Direito. Configura-se, hoje, como princípio norteador de todo

ordenamento jurídico, servindo como parâmetro de aplicação, integração e

interpretação das normas jurídicas.

A dignidade da pessoa humana é tida como um valor moral inerente a

todos os seres humanos, sem distinções de qualquer natureza, incondicional e

irrenunciável, uma vez que é qualidade que já nasce com toda e qualquer

pessoa.

Este princípio impõe ao Estado e também a toda a sociedade o dever de

respeito ao ser humano, que na visão de Kant deve ser tratado como um fim em

                                                                                                               64 QUEIROZ, 2008. Op. cit., p.396. 65 FERRARI, 2001. Op. cit., p.125. 66 FERRARI, 2001. Op. cit., p.125.

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si mesmo, proibindo-se a coisificação do indivíduo. 67 Assim, a dignidade “pode

ser considerada atingida toda vez que a pessoa concreta for rebaixada à

condição de objeto, tratada como um mero instrumento, como uma coisa.” 68

Ingo Sarlet define a dignidade da pessoa humana da seguinte forma:

[...] temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. 69

Dessa forma, temos que a dignidade, nada mais é, do que uma garantia

de tratamento adequado e correto ao ser humano, com as condições mínimas

para se viver decentemente.

Penalmente falando, esse princípio relaciona-se diretamente com a

questão da humanidade das sanções, uma vez que proíbe penas de morte, de

caráter perpetuo, de banimento, de trabalho forçado e cruéis (art. 5º, LXVII, da

Constituição Federal), ou qualquer punição que seja desnecessária e que cause

degradação do ser humano.

Assim, o nosso ordenamento jurídico proíbe qualquer forma de tratamento

com crueldade ou aplicação de barbaridade ao indivíduo, mesmo que este tenha

ofendido o direito pátrio anteriormente, já que tanto a nossa constituição, quando

                                                                                                               67 QUEIROZ, Victor Santos. A dignidade da pessoa humana no pensamento de Kant. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7069/a-dignidade-da-pessoa-humana-no-pensamento-de-kant. Acesso em: 22/07/2016. 68 SANTANA, Nathália Macêdo. O Princípio Da Dignidade Humana E Sua Relação Com O Direito Penal. Disponível: http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/viewFile/1387/1074. Acesso em; 22/07/2016. Pg. 6. 69 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5 ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 62.

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o nosso código penal, conferem direitos os presos, proibindo também para eles

tratamentos dessa natureza.

Acontece que, a indeterminação temporal da medida de segurança, se

mostra como uma forma ilimitada de punir o infrator, trazendo um sofrimento

permanente e cruel ao indivíduo que se vê submetido a uma sanção penal sem

previsão de liberdade. O doente mental fica a mercê do Estado, servindo como

instrumento de repressão social, pois com a sua permanência na internação ou

no tratamento ambulatorial o Estado mostra aos demais indivíduos a sua força

punitiva, dando uma falsa sensação de segurança.

Desta maneira, a dignidade desses indivíduos portadores de doença

mental, é claramente ofendida, uma vez que, eles não são vistos como um fim

em si mesmo, mas como um objeto utilizado pelo Estado, além disso vários

direitos básicos inerentes a todo ser humano, como a proibição de sanções de

caráter perpétuo ou cruéis, não são assegurados.

3.1.4 Violação ao Princípio da Legalidade As medidas de segurança, sem dúvida alguma, também estão

submetidas ao princípio da legalidade, expressamente previsto no artigo 5º,

inciso XXXIX, da Constituição Federal, e no artigo 1º do Código Penal.

Esse princípio possui vários sentidos, o principal deles advém da primeira

parte dos ditames legais supracitados que diz: “não há crime, sem lei anterior

que o defina”. Esse preceito, refere-se a estrita obediência da lei, onde não é

possível impor medida de segurança sem anterior previsão legal, nem aplicar

sanção penal sem anterior infração da norma.

Porém, a violação ao princípio da legalidade, não ocorre na concepção

acima descrita, mas sim na segunda vertente que é extraída da ultima parte dos

artigos mencionados, que afirmam não existir “pena sem prévia cominação

legal”. Depreende-se, assim, que todo sujeito possui o direito de saber,

previamente, a quantidade exata de sanção que deverá cumprir, sendo proibido

a estipulação de punições penais indefinidas temporalmente.

Segundo Bittencourt “todo cidadão tem o direito de saber

antecipadamente a natureza e a duração das sanções penais, [...], a que estará

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sujeito se violar a ordem jurídico penal, [...]”, na concepção do autor aplica-se à

medida de segurança o princípio da anterioridade legal. 70

Desta forma, o § 1º do art. 97 do código penal viola claramente o principio

da legalidade, pois determina que as medidas de segurança perdurarão

enquanto não cessar a periculosidade do autor, ou seja, que esta sanção durará

por tempo indefinido, não possibilitando ao indivíduo a ciência do tempo que

permanecerá sob custódia do Estado.

3.1.5 Violação ao Princípio da Vedação de Penas com Caráter Perpétuo

A Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XLVII, “b”, proíbe a

aplicação de penas com caráter perpétuo, quando expressamente afirma: “XLVI

– Não haverá penas: b) de caráter perpétuo”.

Acontece que, ao afirmar que as medidas de segurança, tanto a de

internação quanto a de tratamento ambulatorial, correm por tempo

indeterminado, o legislador possibilitou a existência de sanção com caráter

perpétuo, ferindo gravemente a nossa carta magna.

Com a indeterminação temporal, o sujeito fica indefinidamente sob

custódia do estado, sendo possível até, que essa submissão perdure “durante

toda a vida de um pessoa, sempre que não advenha uma perícia indicativa de

cessação da periculosidade do submetido”71, caracterizando-se, então, como

uma sanção perpétua.

Não é apenas hipotética a possibilidade de um indivíduo passar o resto da

sua vida cumprindo medida de segurança, infelizmente existem casos concretos

dessa enorme irregularidade, o mais famoso deles aconteceu com o Índio

Febrônio, que morreu cumprindo medida de segurança em um hospital de

custódia no Rio de Janeiro, onde passou 57 anos da sua vida, dado que foi

internado com 27 anos e faleceu com 84 anos, ainda dentro do hospital.72

                                                                                                               70 BITENCOURT, 2014. Op. cit., p. 859. 71 ZAFFARONI; PIERANGELI, 2009. Op. cit., p. 733. 72 GOMES, Luiz Flávio. O Louco Deve Cumprir Medida de Segurança Perpetuamente?. Disponível em: http://ww3.lfg.com.br/public_html/article.php?story= 20050104182907491>. Acesso em: 27/07/2017.

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Apesar de não serem propriamente penas, não há duvidas quanto a

sujeição das medidas de segurança ao princípio da vedação das penas de

caráter perpétuo, primeiro porque trata-se de uma cláusula pétrea que deve ser

observada por todos, e depois porque restringe o direito à liberdade do cidadão,

e qualquer restrição de liberdade deve ser regulada para que não ocorra

ferimentos a garantias fundamentais.

Logo, não há como considerar recepcionado § 1º do art. 97 do Código

Penal, que estipula a indeterminação temporal das medidas de segurança,

devendo ser aplicada uma limitação temporal que regularize essa grave violação

da constituição.

Desse mesmo modo se posicionam Zaffaroni e Pierangeli quando

declaram que “não é constitucionalmente aceitável que, a título de tratamento,

se estabeleça a possibilidade de uma privação de liberdade perpétua, como

coerção penal. Se a lei não estabelece o limite máximo, é o interprete que tem

obrigação de fazê-lo.” 73

Esse é o entendimento de grande parte da doutrina e recentemente dos

tribunais superiores que formaram dois posicionamentos diferentes para

determinar o limite máximo de cumprimento das medidas de segurança.

A primeira corrente defendida pelo Supremo Tribunal Federal e por parte

dos operadores do direito, baseada no artigo 75 do Código Penal, entende que o

limite máximo das medidas de segurança deve ser de 30 anos, ou seja,

independente do crime praticado, pode o indivíduo ficar internado ou em

cumprimento de tratamento ambulatorial, até que cesse sua periculosidade,

durante trinta anos, completado este prazo máximo, o paciente deve ser

liberado.

Os autores Júlio Mirabete e Renato Fabrini são exemplos de

doutrinadores que seguem essa linha de entendimento afirmando que

[...] a indeterminação temporal do prazo da medida de segurança pode ensejar violação à garantia constitucional que proíbe penas de caráter perpétuo, a ela deve ser estendido o limite fixado no art. 75 do CP, que fixa em 30 anos o tempo máximo de cumprimento da pena privativa de liberdade.74

                                                                                                               73 ZAFFARONI; PIERANGELI, 2009. Op. cit., p. 733. 74 MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 351.

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A segunda corrente adotada em julgados do Superior Tribunal de Justiça

e por outra parte da doutrina, limita o cumprimento das medidas de segurança

ao prazo máximo da pena fixado abstratamente ao delito cometido, assim, as

medidas de segurança só poderão durar até o limite fixado no Código Penal para

cada delito correspondente ao injusto praticado.

Atualmente esse posicionamento vem ganhando força, e muitos são os

seus adeptos. Podemos apontar como exemplo o autor André Copetti, que

citado por Greco, assevera ser injustificável a manutenção em estabelecimento

psiquiátrico forense de doente mental infrator, que no tempo máximo de pena

correspondente ao delito, não recuperou sua sanidade mental. Completa ainda

dizendo que nesses casos, deve o internado “ser tratado como qualquer outro

doente mental que não tenha praticado qualquer delito.”.75

3.2 POSICIONAMENTOS DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

  A não recepção do § 1º do art. 97 do código penal, deixou uma lacuna

normativa a ser preenchida, uma vez que apesar da patente desconformidade

deste dispositivo com a constituição, nenhum outro foi estabelecido em seu, até

porque ainda hoje não existe consenso sobre esse assunto. Dessa forma, a

duração de cumprimento das medidas de segurança é assunto sem

regulamentação expressa em lei.

Diante disto, e de toda polêmica que envolve o assunto aqui tratado, os

tribunais superiores brasileiros, mais especificadamente, o Supremo Tribunal

Federal e o Superior Tribunal de Justiça, proferiram decisões buscando

solucionar este impasse. Ambos os tribunais posicionaram pela determinação de

um prazo máximo, entendendo que a indeterminação temporal viola direitos e

garantias constitucionais.

O Supremo Tribunal Federal foi o primeiro a se posicionar, em 16 de

agosto de 2005 proferiu importante decisão em sede do Habeas Corpus nº 84.

219, entendendo ser extensível as medidas de segurança a limitação temporal

                                                                                                               75 GRECO, 2014. Op. cit., p. 687.

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prevista no artigo 75 do Código Penal, assim a execução das medidas de

segurança não poderá ultrapassar 30 anos.

O caso em questão tratava-se do pedido de “extinção de medida de

segurança aplicada à paciente, diagnosticada como doente mental pela prática

do delito de homicídio, cujo cumprimento em hospital de custódia e tratamento,

já ultrapassava 30 anos.”76

O STF, dando uma interpretação sistemática e teleológica ao § 1º do

artigo 97 do Código Penal, deferiu, parcialmente, a ordem, com o propósito de

cessar a medida de segurança, mas determinou que fosse aplicado, por

analogia, o artigo 682, § 2º do Código de Processo Penal, para que se inicie o

processo de interdição civil, nos termos dos artigos 1769 e seguintes do Código

Civil.

Para maior elucidação desse julgado, transcreve-se a ementa do acordão

do STF, bem como parte do voto do Ministro Relator Marco Aurélio:

MEDIDA DE SEGURANÇA - PROJEÇÃO NO TEMPO - LIMITE. A interpretação sistemática e teleológica dos artigos 75, 97 e 183, os dois primeiros do Código Penal e o último da Lei de Execuções Penais, deve fazer-se considerada a garantia constitucional abolidora das prisões perpétuas. A medida de segurança fica jungida ao período máximo de trinta anos.77 No mérito valho-me do que tive oportunidade de consignar, ao deferir a medida acauteladora: Observe-se a garantia constitucional que afasta a possibilidade de ter-se prisão perpétua. A tanto equivale a indeterminação da custódia, ainda que implementada sob o ângulo da medida de segurança. O que cumpre assinalar, na espécie, é que a paciente está sob a custódia do Estado, pouco importando o objetivo, há mais de trinta anos, valendo notar que o pano de fundo é a execução de título judiciário penal condenatório. O artigo 75 do Código Penal há de merecer o empréstimo da maior eficácia possível, ao preceituar que o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a trinta anos. Frise-se, por oportuno, que o artigo 183 da Lei de Execução Penal delimita o período da medida de segurança, fazendo-o no que prevê que esta ocorre em substituição da

                                                                                                               76 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo nº 397. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo397.htm#MedidadeSegurançaeLimitaçãoTemporal-2>. Acesso em: 27/07/2017. 77 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 1ª turma. Habeas Corpus nº 84219. Relator Ministro Marco Aurélio de Mello. p.285. Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/763647/habeas-corpus-hc-84219-sp >. Acesso em: 27/07/2017.

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pena, não podendo, considerada a ordem natural das coisas, mostrar-se, relativamente à liberdade de ir e vir, mais gravosa do que a própria apenação. É certo que o § 1º do artigo 97 do Código Penal dispõe sobre prazo da imposição da medida de segurança para inimputável, revelando-o indeterminado. Todavia, há de se conferir ao preceito interpretação teleológica, sistemática, atentando-se para o limite máximo de trinta anos fixado pelo legislador ordinário, tendo em conta a regra primária vedadora da prisão perpétua.78

Logo, é possível concluir que a jurisprudência do Supremo, posiciona-se a

favor da estipulação de prazo máximo para as medidas de segurança,

estabelecendo que se estenda a esse instituto o limite previsto para as penas

privativas de liberdade, ou seja, 30 anos.

Ademais, determina que seja aplicado o procedimento de interdição civil,

regulado pelos artigos 1769 e seguintes do Código Civil, para os inimputáveis ou

semi-imputáveis que não obtiveram a cessação de sua periculosidade durante

os trinta anos de execução das medidas à eles impostas.

Essa decisão constitui-se um significativo marco para limitação temporal

das medidas de segurança, uma vez que garantiu aos inimputáveis e semi-

imputáveis vários direitos fundamentais anteriormente violados, como por

exemplo o da vedação de pena de caráter perpétuo.

Apesar disso, a violação ao princípio da igualdade ainda permanece, pois

mesmo que estipulado o prazo máximo das medidas de segurança em 30 anos,

comparada com a pena privativa de liberdade, ainda há desvantagem, visto que

o imputável que cometer crime, além de não poder ser privado da sua liberdade

por mais de 30 anos, também é beneficiado pelo limite previsto abstratamente

no Código Penal para cada ilícito-típico.

Exemplificando, se um imputável e um inimputável praticarem,

igualmente, o delito de furto simples, previsto no artigo 155 do Código Penal, o

imputável não poderá ficar restrito da sua liberdade por mais de 4 anos,

enquanto que o inimputável poderá ter sua liberdade restringida até 30 anos.

Neste diapasão, o Superior Tribunal de Justiça levando em conta os

princípios da isonomia, proporcionalidade e razoabilidade, vem entendo,

                                                                                                               78 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 1ª turma. Habeas corpus nº 84219. Relator Ministro Marco Aurélio de Mello. p.289/290. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=79519>. Acesso em: 27/07/2017.

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corretamente, que a limitação temporal das medidas de segurança, deve-se fixar

pelo máximo de pena abstratamente prevista, não podendo também ser superior

a 30 anos. Sua principal manifestação se deu em 20 de março de 2012, em sede

do Habeas Corpus nº 20.8336, vejamos:

HABEAS CORPUS. PENAL. INIMPUTÁVEL. APLICAÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA. PRAZO INDETERMINADO. PERSISTÊNCIA DA PERICULOSIDADE. IMPROPRIEDADE DO WRIT. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. DECRETO N.º 7.648/2011. VERIFICAÇÃO DE INCIDÊNCIA. NECESSIDADE. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL DE PENAS PERPÉTUAS. LIMITAÇÃO DO TEMPO DE CUMPRIMENTO AO MÁXIMO DA PENA ABSTRATAMENTE COMINADA. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO, PARA DETERMINAR O RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DAS EXECUÇÕES. 1. Na hipótese, o Tribunal de origem, após exame do conjunto fático-probatório dos autos, concluiu pela necessidade de prorrogação da internação do Paciente em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, por não restar evidenciada a cessação de sua periculosidade, embora tenham os peritos opinado pela desinternação condicional do Paciente. Assim, para se entender de modo diverso, de modo a determinar que o Paciente seja submetido a tratamento em Hospital Psiquiátrico Comum da Rede Pública, e não em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, seria inevitável a reapreciação da matéria fático-probatória, sendo imprópria sua análise na via do habeas corpus. 2. Por outro lado, nos termos do atual posicionamento desta Corte, o art. 97, § 1.º, do Código Penal, deve ser interpretado em consonância com os princípios da isonomia, proporcionalidade e razoabilidade. Assim, o tempo de cumprimento da medida de segurança, na modalidade internação ou tratamento ambulatorial, deve ser limitado ao máximo da pena abstratamente cominada ao delito perpetrado e não pode ser superior a 30 (trinta) anos. 3. Além disso, o art. 1.º, inciso XI, do Decreto n.º 7.648/2011, concede indulto às pessoas, nacionais e estrangeiras "submetidas a medida de segurança, independentemente da cessação da periculosidade que, até 25 de dezembro de 2011, tenham suportado privação de liberdade, internação ou tratamento ambulatorial por período igual ou superior ao máximo da pena cominada à infração penal correspondente à conduta praticada ou, nos casos de substituição prevista no art. 183 da Lei de Execução Penal, por período igual ao tempo da condenação". 4. Habeas corpus não conhecido. Writ concedido, de ofício, para determinar que o Juízo das Execuções analise a situação do Paciente, à luz do que dispõe o art. 1.º, inciso XI, do Decreto n.º 7.648/2011. (grifo nosso)79

                                                                                                               79 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Quinta Turma. Habeas Corpus 20.8336. Relatora Ministra Laurita Vaz. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21607563/habeas-corpus-hc-208336-sp-2011-0125054-5-stj?ref=juris-tabs >. Acesso em: 27/07/2017.

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Essa decisão significou um enorme avanço na temática da limitação

temporal das medidas de segurança, já que comparada com o posicionamento

do STF, é a que melhor se amolda aos ditames da Constituição Federal, pois

garante tratamento igual aos imputáveis e inimputáveis.

Ademais, o posicionamento estampado pelo STJ garante uma aplicação

de uma punição mais justa e proporcional, não havendo violação aos preceitos

da carta magna e nem excessos que prejudiquem o inimputável ou semi-

impurtável, devendo, então, ser adotada pelos tribunais brasileiros, que têm a

incumbência de tomar suas decisões de maneira equitativa.

Diante disto e de toda a insegurança jurídica gerada pelos entendimentos

divergentes dos tribunais superiores, em 13 de maio de 2015, a Terceira Seção

do Superior Tribunal de Justiça aprovou súmula de número 527, com o seguinte

enunciado: “o tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar

o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado.”80

Publicada em 18 de maio de 2015, a súmula 527, representa o resumo

dos entendimentos empreendidos nos julgamentos do tribunal, e apesar de não

ser dotada de efeito vinculante, serve de orientação a toda comunidade jurídica

sobre a jurisprudência consolidada do STJ.81

Com a edição da súmula supracitada, o STJ buscou amenizar a

problemática que gira em torno da indeterminação temporal das medidas de

segurança, fazendo com que seu entendimento ganhasse ainda mais força,

sendo, hoje, o entendimento mais aplicado pelo demais tribunais, como

exemplifica as ementas colacionadas abaixo: EMENTA: AGRAVO EM EXECUÇÃO. PLEITO DE RECONHECIMENTO DE EXTINÇÃO DA PENA PELA PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. CAUSAS DE INTERRUPÇÃO PRESENTENS. SENTENÇA CONDENATÓRIA CONSUBSTANCIADA EM DOIS ANOS DE RECLUSÃO. TRÂNSITO EM JULGADO. EXECUÇÃO.SUPERVENIENTE RECONHECIMENTO DE DOENÇA MENTAL COM SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL POR MEDIDA DE SEGURANÇA - A MEDIDA DE

                                                                                                               80 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 527. Diário de Justiça Eletrônico, Edição 1734, Brasília-DF. 18 de maio de 2015. Seção 3. p 1. 81 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/sites/ STJ/Print/pt_BR/noticias/noticias/STJ-edita-mais-tr%C3%AAs-s%C3%BAmulas-na-%C3%A1rea-penal>. Acesso em: 27/07/2017.  

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SEGURANÇA NÃO PODE TER CARÁTER PERPÉTUO.INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 527 DO STJ E DA LEI 10.216/2001 QUE TRATA SOBRE "A PROTEÇÃO E OS DIREITOS DAS PESSOAS PORTADORAS DE TRANSTORNOS MENTAIS E REDIRECIONA O MODELO ASSISTENCIAL EM SAÚDE MENTAL" - APLICAÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA JÁ NO CURSO DA EXECUÇÃO, SEGUE-SE O MESMO RACIOCÍNIO ALIADO AO CONSECTÁRIO DA COISA JULGADA, DE MODO QUE PELA LEITURA SISTEMATIZADA DO ORDENAMENTO JURÍDICO, DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, À PROTEÇÃO AOS DIREITOS DAS PESSOAS PORTADORAS DE TRANSTORNOS MENTAIS É DE SE DIZER, PORTANTO, QUE A MEDIDA DE SEGURANÇA QUE ASSIM FOI CONVERTIDA JÁ NO CURSO DA EXECUÇÃO NÃO PODE ULTRAPASSAR O TEMPO MÁXIMO PREVISTO COMO PENA IMPOSTA DE FATO NA SENTENÇA - MÍNGUA DE INFORMAÇÕES NOS AUTOS DE EXECUÇÃO ACERCA DA APLICAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA E SUAS INTERRUPÇÕES, CERTA INSTABILIDADE Recurso de Agravo nº 1.400.992-2 fls. 2ESTADO DO PARANÁ PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇANAS INFORMAÇÕES CONSTANTES DOS AUTOS DE EXECUÇÃO, IMPOSSIBILIDADE DE SE AUFERIR A SITUAÇÃO REAL EXISTENTE NO PROCESSO DE EXECUÇÃO - RECURSO DESPROVIDO COM DETERMINAÇÃO, DE OFICIO, PARA QUE O JUÍZO A QUO VERIFIQUE O CUMPRIMENTO OU NÃO DOS DOIS ANOS REFERIDOS, EXCETUANDO-SE AS INTERRUPÇÕES, APLICANDO-SE A MÁXIMA DA COISA JULGADA, A FIM DE DECLARAR EXTINTA A PENA PELO CUMPRIMENTO, O QUE NÃO IMPORTARÁ NECESSARIAMENTE EM DESACOLHIMENTO DO AGENTE, DIANTE DA EXISTÊNCIA DE SENTENÇA DE ABSOLVIÇÃO IMPRÓPRIA COM APLICAÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA DATADA DE 02.06.2015 - AUTOS 1441-05.2011.8.16.0068, ALÉM DE OUTRO FEITO EM ANDAMENTO. (TJPR - 5ª C.Criminal - RA - 1400992-2 - Curitiba - Rel.: RUY ALVES HENRI QUES FILHO - Unânime - - J. 10.03.2016)82.

EMENTA: APELAÇÃO CRIME. LESÃO CORPORAL. INIMPUTABILIDADE RECONHECIDA. FIXAÇÃO DE PRAZO MÁXIMO DE DURAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA. TRATAMENTO AMBULATORIAL QUE NÃO PODE SER SUPERIOR À PENA MÁXIMA ABSTRATAMENTE COMINADA AO DELITO.SÚMULA 527 DO STJ. PRAZO MÍNIMO PARA REALIZAÇÃO DE EXAME DE CESSAÇÃO DE PERICULOSIDADE (01 ANO, ART. 97, §1º, CP) QUE COINCIDE COM O PRAZO DE DESINTERNAÇÃO COMPULSÓRIA. FIXAÇÃO DE PRAZO MENOR PARA REALIZAÇÃO DO EXAME. MEDIDA BENÉFICA AO RÉU. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE.SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJPR - 1ª C.Criminal - AC -

                                                                                                               82 <https://www.jusbrasil.com.br/busca?q=s%C3%BAmula+527+do+stj>. Acesso em: 28/07/2017.  

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1368828-5 - Pitanga - Rel.: Naor R. de Macedo Neto - Unânime - - J. 08.10.2015) 83. APELAÇÃO CRIMINAL – ARTIGO 15 DA LEI N. 10.826/2003 – PRETENDIDA DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DO ART. 132 DO CP – INCABÍVEL - CONDUTA PRATICADA QUE CONSTITUI CRIME MAIS GRAVE - MEDIDA DE SEGURANÇA - LIMITE DE DURAÇÃO DE ACORDO COM A PENA MÁXIMA COMINADA EM ABSTRATO AO DELITO COMETIDO – APLICAÇÃO DA SÚMULA 527DO STJ – PARCIALMENTE PROVIDO. (TJMS - 3ª C.Criminal - APL - APL 00099005020078120002 MS 0009900-50.2007.8.12.0002- Mato Grosso do Sul - Rel.: Des. Dorival Moreira dos Santo - J. 03.12.2015) 84.

Isto posto, não nos resta dúvidas de que o entendimento esboçado pelo

STJ deve prevalecer, uma vez que é a solução, evidentemente, mas benéfica

para o inimputável e o semi-imputável, que necessite de especial tratamento

curativo, e que assegura todos os direitos e garantias fundamentais previstos

constitucionalmente.

Em relação aos inimputáveis ou semi-imputáveis que cumprirem medida

de segurança pelo tempo máximo abstratamente cominado ao delito, e não

obtiverem a cessação de sua periculosidade, adota-se o posicionamento

também defendido pelo STF, onde os doentes mentais infratores devem ser

tratados da mesma forma que aqueles que não cometeram nenhum injusto

penal, se encerrando a submissão ao sistema penal, e iniciando um tratamento

na da esfera civil e administrativa, por meio da interdição prevista no artigo 1769

e seguintes do Código Civil.

                                                                                                               83 <https://www.jusbrasil.com.br/busca?q=s%C3%BAmula+527+do+stj>. Acesso em: 28/07/2017  84 <https://www.jusbrasil.com.br/busca?q=s%C3%BAmula+527+do+stj>. Acesso em: 28/07/2017  

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CONCLUSÃO  

 

O presente trabalho, durante o desenrolar dos três capítulos, buscou

esclarecer e se posicionar sobre a problemática que gira em torno da duração da

execução das medidas de segurança, uma vez que o código penal brasileiro em

seu artigo 97, §1º, estipulou a indeterminação do cumprimento de tal instituto,

vinculando a possível liberdade do individuo a constatação do fim da sua

periculosidade. Portando, segunda as normais legais expressas o inimputável e

o semi-imputavel sujeito a medida de segurança deve ficar a ela submetido até

que um laudo médico comprove que o mesmo já não mais oferece perigo a

sociedade, ou seja, que ele não voltará mais a delinquir.

Para tratar desse tema bastante polêmico, foi necessário uma elucidação

sobre o instituto das medidas de segurança, e assim demonstrar que da mesma

forma que a pena privativa de liberdade, elas configuram-se como espécie do

gênero sanção penal, já que são aplicadas como forma de punição àqueles que

praticam um injusto penal sem consciência de sua ilicitude ou mesmo que

possuam essa consciência não conseguem se determinar de acordo com tal

entendimento. A quantidade de maior ou menor discernimento quanto a ilicitude

do fato é que vai determinar se um individuo é completamente inimputável ou

semi-inimputável, pois os primeiros são completamente incapazes de entender o

caráter ilícito, enquanto os segundos possuem o grau de discernimento

reduzido.

Sendo assim, as medidas de segurança são ferramenta do jus puniend

estatal, e como todo poder dado ao Estado deve ser limitado, o mesmo se aplica

a este instituto que deve obedecer e respeitar todas as regras e princípios

constitucionais e penais, expressos e implícitos, tais como os princípios da

dignidade da pessoa humana, da legalidade, da igualdade, da

proporcionalidade, e da vedação de penas com caráter perpetuo.

Nesse caso, o principio da dignidade da pessoa humana veda que

o indivíduo seja usado como instrumento, como coisa para a execução de um

fim. Busca garantir ao ser humano um tratamento adequado, com condições

mínimas para se viver decentemente, inclusive para àqueles que se encontram

 

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cumprindo uma reprimenda penal. Diante disto, proíbe penas desumanas, cruéis

ou qualquer punição que seja desnecessária e ilimitada que cause qualquer tipo

de sofrimento a pessoa humana, exigindo como pressuposto de toda sanção a

limitação temporal de sua duração.

O principio da proporcionalidade estabelece que deve haver uma

correlação entre a sanção aplicada e o fato cometido, de forma que a

reprimenda não seja tão branda a incitar o cometimento de novos delitos,

violando a sua vertente da proibição da proteção deficiente, nem tão severa, ao

passo de extrapolar os limites necessários a repressão da infração, violando a

sua vertente da proibição dos excessos.

Já o princípio da igualdade define que todos devem ser tratados de igual

maneira, não permitindo o privilégio de uns em detrimento de outros, nem ao

menos qualquer tipo de discriminação. Proibindo, portanto, distinções

dessarroadas entre imputáveis e inimputáveis.

Em complemento o princípio o da legalidade, garante a todo cidadão o

direito de saber, previamente, a quantidade exata de sanção que deverá cumprir,

sendo vedado a estipulação de punições indefinidas temporalmente.

Por fim, temos o princípio da vedação de penas com caráter perpetuo,

que apesar de se referir a “penas”, também é aplicado as medidas de

segurança, uma vez que trata-se de uma garantia fundamental de todo e

qualquer cidadão, configurando-se como uma cláusula pétrea, que deve ser

observada por todos. Tal princípio proíbe, claramente, a existência de sanção

penais indefinidas, que perdurem durante toda a vida de uma pessoa.

Infelizmente tais preceitos não são observados pelo § 1.º do artigo 97 do

Código Penal, já que como foi supracitado, tal dispositivo submete o doente

mental a punição sem prazo determinado, findando apenas com a comprovação,

mediante perícia médica, da cessação da periculosidade do autor, o que permite

a existência de sanção eterna, desfere tratamento desigual entre os imputáveis e

inimputáveis ou semi-imputáveis e desrespeita todos os demais princípios acima

expostos.

Diante de tamanha irregularidade, este trabalho se posiciona pela

revogação pela não recepção do artigo supramencionado, uma vez que trata-se

de dispositivo anterior a constituição federal de 88 e incompatível com os

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preceitos nela estampados. Não é possível falar em inconstitucionalidade de tal

preceito, pois o nosso ordenamento jurídico veda a chamada

inconstitucionalidade superveniente, qual seja, de normas anteriores a

constituição vigente.

Corroborando este entendimento, encontram-se decisões do Supremo

Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, que aplicam um determinado

prazo para o cumprimento das medidas de segurança, pois também entendem

irregular a indefinição temporal das medidas de segurança.

O STF, ao julgar o Habeas Corpus nº 84.219-4, utilizou-se de uma

interpretação sistemática e teleológica dos artigos 75, 97 e 183, os dois

primeiros do Código Penal e o último da Lei de Execuções Penais, a fim de

estender às medidas de segurança o limite temporal de 30 anos aplicado nas

penas privativas de liberdade.

Com isso, a garantia constitucional abolidora das penas perpétuas foi

observada. Entretanto, a violação ao princípio da igualdade ainda permanece, já

que aos imputáveis, além da garantia prevista no artigo 75 do Código Penal,

também lhes é assegurado o prazo máximo abstratamente cominado,

especificamente, em cada delito. Dessa forma, a decisão emanada pelo

Supremo Tribunal Federal trouxe um enorme avanço, porém não pode ser

considerada a decisão ideal ou mais benéfica.

Nesse plano, o Superior Tribunal de Justiça foi mais além, ao passo que

interpretando o artigo 97, § 1.º, do Código Penal em consonância com os

princípios da isonomia, proporcionalidade e razoabilidade, posicionou-se a favor

da aplicação às medida de segurança do limite máximo de pena abstratamente

prevista ao delito praticado, como também a limitação de 30 anos estipulada no

artigo 75 do Código Penal. Dessa maneira, todos os direitos, princípios e

garantias constitucionais são respeitados, sendo consequentemente a decisão

mais favorável.

Ademais, em 18 de maio de 2015, o STJ consolidando os entendimentos

empreendidos nos seus julgamentos, aprovou súmula de número 527, que limita

o prazo de duração das medidas de segurança a pena abstratamente cominada

ao delito praticado. Esta súmula apesar de não ser dotada de efeito vinculante,

representa um grande progresso na temática do prazo máximo das medidas de

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segurança, de forma que é a orientação comumente utilizada pelas demais

tribunais brasileiros.

Por fim, em se tratando dos doentes mentais infratores que mesmo tendo

cumprido medida de segurança pelo prazo máximo determinado permanecem

com a periculosidade presente, o STJ e o STF, de forma igualitária, entendem

que deve ser aplicada a interdição civil prevista no artigo 1769 e seguintes do

Código Civil, se encerrando, assim, a submissão ao sistema penal.

Isto posto, não restam dúvidas de que §1º do art. 97 do Código Penal não

pode ser aplicado aos inimputáveis e semi-imputáveis, sendo portanto

substituído pelas decisões que aqui foram expostas, e preferencialmente pela

posição estipulada pelo STJ, pois caso contrário o doente mental infrator terá

suas garantias constitucionais violadas.

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