Larissa Azevedo
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MEMÓRIA SENSORIAL
Gosto de infância As lembranças ativadas pelos cinco sentidos humanos
Um simples cheiro é capaz de remeter a inúmeras lembranças e experiências
amortecidas no inconsciente. A melodia de uma música ou o gosto de uma comida tem
o poder de nos fazer lembrar um acontecimento que há muito passou e deixou saudade.
Menos de um segundo e aquela sensação acaba tocando em algum lugar dentro de nós,
nos fazendo lembrar momentos bons e outros nem tão bons assim.
Isso acontece por causa de um fenômeno que ocorre no nosso cérebro, que faz
com que circunstâncias fiquem marcadas na memória e sejam ativadas quando, por
exemplo, essas sensações são sentidas. Ou seja, o cheiro de uma substância fica
associado a algo que armazenamos e, quando o sentimos novamente, nos lembramos
daquela situação vivida. A Ciência define isso como Memória Sensorial, ou seja, a
capacidade que o cérebro tem de reter pequenas e grandes informações que chegam até
ele através dos cinco sentidos básicos: audição, olfato, visão, tato e paladar.
Segundo Eduardo Rodrigues, neurologista chefe do Hospital Centenário, de São
Leopoldo, a memória sensorial é o registro inicial das informações, e ocorre nos
primeiros segundos em que as coisas são percebidas graças às informações detectadas
pelos órgãos sensoriais. “Esse registro inicial ocorre em regiões perceptivas do cérebro,
tais como o córtex occipital para a visão, o córtex temporal para a audição, e o córtex
parietal, no caso do tato”, explica.
“Isso daqui tem cheiro de infância”, diz a estudante de medicina de 23 anos,
Paola Rabaioli, quando sente o cheiro de erva cidreira. “Isso lembra quando eu era
criança e a minha avó fazia chá para mim antes de dormir. Que saudade dela!” Em
apenas uma provocação, ela lembra de todo o contexto da sua infância, quando esperava
a semana inteira para ficar na casa da avó nos sábados.
O mesmo acontece com a estudante de publicidade e propaganda Laura Pita, de
22 anos. “Quando eu era pequena, minha prima mais velha morava em Caxias do Sul.
Quando ela vinha me visitar, me enfeitava e me arrumava para passearmos. Ela sempre
passava em mim o mesmo perfume, e toda vez que eu sinto o cheiro dele me lembro
dela e de como era divertido quando ela vinha.”
A memória humana é capaz de realizar uma rica variedade de operações. De um
lado, permite identificar e classificar sons, sinais, cheiros, gostos e sensações. De outro,
é capaz de reter e manipular informações adquiridas durante a vida. Consiste em um
conjunto de procedimentos que permite manipular e compreender o mundo, levando em
conta o contexto atual e as experiências individuais. Esses procedimentos envolvem
mecanismos de codificação, retenção e recuperação.
Cada sentido corresponde a uma parcela do desenvolvimento humano, ou seja, a
Memória Sensorial não funciona apenas para nos fazer lembrar cenas que vivemos, mas
também compreende em auxiliar na formação do ser humano. Quando um dos sentidos
falha, pode acarretar problemas. Quem tem dificuldade, por exemplo, na memória
visual, ou fotográfica, como é chamada popularmente, pode ter problemas para aprender
a escrever. Deficiência em algum grau de audição pode acarretar problemas para
aprender a falar, ou na aprendizagem, para fixar informações que lhe são ditas.
Um dos principais fatores que diferencia a Memória Sensorial dos outros tipos
de memória é que esse sistema funciona em menos de dois segundos. Esta pequena
janela de tempo é mais do que suficiente para que o cérebro processe, analise e
interprete a mensagem. Se o cérebro conseguir caracterizar a informação como
importante, ela fica retida permanentemente.
As irmãs Julia e Natália Dörr nasceram em Panambi, região central do Rio
Grande do Sul. Lá elas passaram a primeira parte da infância e de onde guardam muitas
lembranças. “Eu era muito pequena quando saímos de lá. Tinha sete anos quando nos
mudamos, mas lembro fortemente da casa em que morávamos. As escadas da parte de
trás eram de pedra e rodeadas de flores. Lembro que sentava lá para brincar com a nossa
cachorrinha. Lembro tão bem que às vezes ainda sonho com o lugar. O cheiro da grama,
o vento no rosto e os casacos que tínhamos que usar por causa do frio”, relembra Júlia.
“Nossos avós moravam lá também e eu não esqueço o cheiro do porão da casa deles.
Não consigo nem identificar exatamente o que era, mas eu consigo lembrar que tinha a
ver com comidas e ervas naturais. Para mim, aquele cheiro é apenas daquele lugar”,
conta Natália.
Segundo o neurologista Rodrigues, dentre todos os sentidos, o mais forte para
armazenas informações é o olfato. “Quando ligado às emoções, é o mais eficaz de todos
os sentidos, isto porque está intimamente conectado ao sistema nervoso central,
diretamente associado aos estados emocionais.” O aroma é também muito importante
para o ser humano, pois possuímos a chamada ‘memória olfativa’, que nos capacita para
associar aromas a situações vividas anteriormente. Quando se sente novamente um
mesmo aroma, é possível reviver as emoções de certas experiências. “Os aromas
exalados têm a propriedade de despertar o nosso inconsciente coletivo, presente em
nossa mente mais profunda”.
A estudante de fisioterapia Bruna Rossi, 22 anos, tem fortes memórias visuais.
Em uma das viagens que fez com a família para a Europa, uma das cenas que mais lhe
marcou foi na França. “Eu lembro a sensação que tive quando era nove e meia da noite
em Paris, meus pés doíam de tanto caminhar e o céu ainda estava claro, como se fosse
cinco da tarde. Senti como se o dia tivesse sido muito bem aproveitado.” Até hoje ela se
lembra com clareza do final de dia em uma das cidades mais românticas do mundo.
Quanto mais sentidos forem aguçados no momento em que o fato acontece,
maior vai ser a intensidade e a clareza da lembrança.