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    MUDANAS FISIOLGICAS

    A pessoa submetida a laringectomia parcial no apresenta necessariamente mudanas fsicas aparentes, pois as funes respiratrias,fonatrias e esfinctricas (protetoras) da laringe so geralmente preservadas.

    Por outro lado, a laringectomia total ou radical causa algumas modificaes aparentes, como o estoma traqueal - "buraco no pescoo"- que, s vezes, se apresenta com uma cnula no local. A abertura traqueal passa a ser o orifcio pelo qual feita respirao erequerendo muitos cuidados quanto higiene, pois a sua ligao direta com os brnquios e pulmo facilita a instaurao de infeces,e demais cuidados, principalmente no banho de chuveiro ou banheira, pela necessidade de se proteger contra a aspirao de gua, poisesta nova passagem de ar vai direto aos pulmes, podendo ocasionar um afogamento. Ficam, portanto, bastante prejudicadas tambmtodas as atividades esportivas e de lazer que envolvam gua.

    Outra modificao apresentada na voz. A fonte sonora antes era a larngea, e o ar do pulmo era usado para produzir a voz; sereadquirida, porm, esta passa a apresentar um tom diferente, meio rouco meio metlico (pelo menos assim que me escuto), pois afonte sonora esofgica (a vibrao da mucosa do esfago produz um som que tem que ser articulado pelo movimento da boca comoantes). Em alguns pacientes pode haver uma averso a esse tipo de voz, o que pode inibir o desenvolvimento da nova fala.

    Para se conseguir novamente a fala, seja atravs de prtese especfica ou da vibrao do esfago (a voz esofgica), necessrio umaprendizado com um profissional especializado: o fonoaudilogo. Pode-se falar tambm atravs de vibradores farngeos, que soaparelhos que reproduzem a voz por vibraes eltricas, quando aplicadas contra o pescoo. Produzem uma voz at compreensvel,

    mas de som desagradvel.

    Ocorrer da mesma forma a perda da respirao nasal, que, conseqentemente, ocasionar a reduo abrupta dos sentidos do olfato eda gustao total ou parcial, por falta de estmulo nas terminaes nervosas olfativas, percebendo-se apenas de forma leve os produtosde cheiro e gosto muito fortes.

    Podem existir algumas outras mudanas fisiolgicas, no entanto, como relato a minha experincia, aponto como mudanas principaisas citadas acima.

    MUDANAS PSICOLGICAS

    As mudanas psicolgicas podem comear com uma reao depressiva, no momento em que se toma conhecimento de que nas cordasvocais (laringe) existe um tumor cancergeno que precisa ser removido o mais rpido possvel. Nessa hora pensamos logo no pior.

    O sentimento de que essa doena a condenao morte se apossa da mente, e o medo dessa idia aniquilante. A ansiedadeaumenta com a notcia de que a fala normal no ser mais possvel, e que teremos que aprender a utilizar um novo tipo de voz.

    Normalmente a cirurgia realizada de imediato, e o estado ps-cirrgico no nada animador, pois o momento em que vocrealmente toma conhecimento de seu novo aspecto fsico, da mutilao e, por mais que o mdico explique, voc nunca imagina queseja como de fato. Esse impacto, juntamente com a dor da cirurgia, leva a um estado depressivo.

    difcil de se avaliar o real impacto psicolgico que uma pessoa sofre ao passar por uma cirurgia complexa, agressiva e dolorosa, e

    tambm ao tomar conscincia de sua deformao fsica e de se novo "estado de mudo". Neste ponto que o trauma fragiliza de talmaneira que a depresso se apossa totalmente do paciente.

    Seria uma preocupao importante para o cirurgio e para os profissionais de sua equipe observar se o paciente j est deprimidoantes de cirurgia, necessitando, por conta da depresso, de um atendimento especial no ps-cirrgico. Vrios autores a descrevemcomo um constante estado de desnimo, falta de vitalidade e tristeza, acompanhado por insnia, desinteresse, crises de choro, fadigasem motivo aparente, falta de esperana, indeciso, falta de apetite, concentrao debilitada, negligncia na limpeza pessoal e tambmum desejo passivo de morte ou pensamento suicidas.

    Muitos desses sintomas se apresentam aps a laringectomia e, no meu caso, resolveram-se espontaneamente. Os sintomas persistentesao longo dos meses so os que caracterizam uma depresso que necessita de tratamento mdico-psicolgico.

    Mesmo tendo uma boa recuperao, o laringectomizado passa a sentir-se discriminado socialmente, em funo de sua nova aparnciae do muco expelido pela tosse na abertura traqueal (estoma), e s vezes, do nariz, o que incontrolvel. Muitas vezes, tambm comtosse excessiva, o escorrimento do muco se torna uma aflio difcil de ser assimilada e pode, em muitas situaes, influenciardecisivamente na recuperao e na dificuldade quanto ao aprendizado da nova voz.

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    importante lembrar como o costume cria certas normas ou regras de aceitao social. Por exemplo, a atitude de se assoar o narizcom um leno ou at cuspir o muco do pulmo (escarro) podem ser aceitas. Entretanto, devido ao desconhecimento, rejeita-sesocialmente o fato de um laringectomizado enxugar o muco do estoma (buraco) em pblico, mesmo que seja por baixo da camisa oude qualquer protetor. Esta situao normalmente constrangedora, criando o receio ou vergonha de sair de casa e contribuindodecisivamente para a depresso.

    Em relao voz, a sociedade criadora de regras estabeleceu que a chave para o sucesso pessoas est em uma boa aparncia e em umaboa colocao vocal. Assim, possvel imaginar como se sente o laringectomizado em relao s suas perspectivas pessoais.

    Normalmente a comunidade segrega este paciente, pois no restam dvidas de que os fatores que mais influem para uma integraosocial e xito pessoal so uma boa comunicao oral, esta, a princpio, bastante alterada no paciente laringectomizado (LOFIEGO,1994).

    Como a comunidade no procura um maior conhecimento a respeito do assunto e no exostem campanhas de esclarecimentorealizadas por entidades governamentais ou particulares da rea da sade, estou tentando trazer alguma informao, mesmo que

    primria, afim de que a limpeza do muco do estoma seja um ato normal, como o ato de assoar o nariz. Isso facilitaria a ressocializaodo laringectomizado e diminuiria a seqela que leva ao estado depressivo. So da maior importncia tambm a compreenso e otratamento igualitrio por parte da famlia, dos amigos, colegas e de outras pessoas que venham a se relacionar com laringectomizadose, principalmente, dos profissionais envolvidos na reabilitao do paciente.

    Os profissionais da rea de sade envolvidos diretamente com o laringectomizado, principalmente os de fonoaudiologia, precisamsaber que o conhecimento sobre a recuperao vocal ps-cirrgica transcende as tcnicas adquiridas na graduao ou em todas as ps-graduaes, pois, acima de tudo, a nossa necessidade de um estmulo efetivo que possa nos mostrar a esperana de viver bem com anova situao fsica e vocal, em nosso meio social.

    No meu caso, no perodo ps-operatrio, quando comecei a realizar minhas sesses de fonoterapia, passei por umas sessessuperficiais de consultrio que no despertaram maiores interesses para o aprendizado. A fonoaudiloga "metralhava" com exercciose s se preocupava em exigir a realizao deles com perfeio, e no se importava com o meu estado de esprito, fazendo questoapenas de demonstrar o seu conhecimento sobre as tcnicas de recuperao da voz, de se mostrar a dona da situao e esquecendo-sede que diante dela estava uma pessoa muito fragilizada emocionalmente, estressada, depressiva com sua nova aparncia e perspectivade vida, que necessita muito de estmulos sentimentais e psicolgicos juntamente com a aplicao da parte tcnica, pois nesse

    momento a sensao da perda definitiva da voz parecia-me eminente. Alguns profissionais procuram recomendar a ingesto derefrigerantes, principalmente Coca-Cola, para facilitar o arroto e propiciar a fala. Este artifcio na realidade s prejudicial, pois orefrigerante gera muitas clicas. Em certas ocasies eu chegava a me dobrar de clica, e no o mtodo clinicamente recomendado

    para a emisso da voz esofgica. O profissional precisa tentar para o fato de que a resposta positiva para o seu trabalho dependediretamente do modo que ele est se dirigindo a seu paciente e a viso que este paciente tem do tratamento, para que o paciente sintamotivao de dar o retorno to esperado e necessrio sua avaliao. A intensidade desse retorno ser conseguida de acordo com oequilbrio emocional que o terapeuta conseguir transmitir ao paciente.

    Paciente, no sentido literal da palavra, o que temos de ser: pacincia tambm o que os nossos interlocutores devero ter.

    O PROCESSO DE CONHECIMENTO DA DOENA

    Quando me propus a escrever este livro, fiz com o intuito de transmitir o fruto de observaes e experincias pessoais quetransformaram minha vida para as pessoas que, como eu, passaram pelo processo de laringectomia radical, com o objetivo principalde prevenir outras pessoas que por desconhecimento (quando se demora a descobrir que est com a doena), por medo (quando sesabe ou se desconfia de que se tem alguma coisa grave, mas tem-se medo da confirmao mdica), ou por qualquer outro motivo.

    Acho, inclusive, que o meu tumor foi desenvolvido por uma possvel irritao da mucosa das pregas vocais, o que tornou o tecidopropcio ao tumor. Desconfio que o meu caso foi ocasionado por estresse devido a uma situao de presso psicolgica no trabalho, oque gerou uma forte tenso que pode ter afetado as pregas vocais; talvez at pelo fato de ter que ficar calado, "engolir o sapo" sem

    poder responder altura, por receio de uma demisso. Esse estresse pode, em minha opinio, ter criado a pr-disposio.

    Comearei o relato de como se deu o conhecimento do meu tumor localizado nas pregas vocais que, por ter sido diagnosticadotardiamente, provocou todo o processo cirrgico da laringectomia total.

    A situao foi agravada pelo fato de que alguns de meus colegas de trabalho, em 1994, supostamente tinham conhecimento do malque me acometia. Constantemente eu era questionado por colegas de outras filiais se estava realmente doente, sem saber algo a

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    respeito, e no era possvel realizar um exame de laringoscopia direta pelo plano de sade da empresa. Este exame somente foisolicitado por um especialista, para o qual fui encaminhado atravs do mdico do trabalho da empresa que, contudo, no me alertoudo fato. Se tivesse feito, provavelmente as providncias seriam antecipadas, e talvez o problema pudesse ser eliminado com umalaringectomia parcial. S tomei conhecimento desse fato posteriormente, e apenas ento entendi por que aqueles colegas de outrasfiliais me ligavam perguntando se eu estava doente.

    A falta de aviso na poca adequada provavelmente agravou o problema, e s dois anos mais tarde, em setembro de 1996, procureinovamente um mdico, que me informou de todas as possibilidades da doena de acordo com suas caractersticas. Nesta ocasio, eu

    percebia uma rouquido cada vez mais acentuada alm de falta de ar sempre que fazia algum esforo. Esta falta de ar traziaconseqncias srias, como tonturas e taquicardia, o que atrapalhava consideravelmente o meu desempenho no trabalho e impedia queeu continuasse a praticar esportes, dos quais eu tanto gostava. Por indicao de meu amigos Duglas Wekerlin Filho, que sempre meapoiou, fui encaminhado ao Dr. Clvis Arns da Cunha para uma avaliao pr-operatria e, por indicao dele, fui encaminhado aoDr. Lauro Araki, oncologista especialista em cabea e pescoo, para uma nova avaliao.

    Hoje, atravs de conversas com o Dr. Lauro Araki e das pesquisas realizadas em livros tcnicos, sei que a disfonia, uma rouquidopersistente, pode levar a uma laringectomia. muito importante ressaltar que o diagnstico precoce dessa doena permite umtratamento menos traumtico e conseqentemente deixa menores seqelas.

    Por solicitao do Dr. Lauro Araki, foi realizado o exame de laringoscopia direta com retirada de material para bipsia, no Hospital N.S. das Graas, com o Dr. Evaldo Dacheux de Macedo Filho.

    O resultado da bipsia foi marcado para a semana seguinte, e fui alertado anteriormente pelo Dr. Lauro Araki de que muitoprovavelmente se tratasse de um tumor e, pela sua experincia profissional, havia uma grande possibilidade de que fosse maligno.Apesar disso, eu (talvez como uma auto-proteo) tinha uma convico muito grande da benignidade do tumor. comum acharmosque no temos nada que trar maiores conseqncias e que somos os donos da verdade.

    Chegou o dia do resultado da bipsia. Coloquem-se no meu lugar e imaginem o impacto psicolgico que se deu quando tomeiconhecimento da malignidade do tumor. A notcia me fez cair do pedestal de minha auto-confiana. Foi um choque enorme saber danecessidade urgente da cirurgia, da extenso da doena, e este impacto transformou minha convico em tremedeira, em decepocom tudo, at mesmo com minha f me DEUS. Nessas horas o desespero nos faz pensar: - Por que eu? Por que DEUS estava sendoto injusto comigo? A dvida toma conta de todo o sentimento, principalmente o sentimento religioso. A cabea d um verdadeiro n,

    e este um n cego. Para que voc continue a ter estrutura psicolgica, necessrio muita ajuda da famlia e dos amigos. A depressoque toma conta de voc maior que toda a sua fora de vontade. Esse apoio de extrema importncia, pois no confortando, nessahora no existe conforto, do apoio psicolgico que mais necessitamos, e a famlia desenvolve um importante papel, na medida emque demonstra e nos faz entender que o mais importante, realmente, para eles, a nossa vida, e que haja o que houver, eles estaroconosco em plenitude. Atravs dessa fora voc readquire confiana para buscar a fora divina. Foi a coisa mais importante para eu

    parar de me lamentar, de me perguntar que mal havia feito para merecer este castigo e passar a confiar totalmente em DEUZ, a pedir,com todas as foras, que ele me ajudasse a superar tudo o que eu estava passando e que ainda iria passar.

    Procurar estar com DEUS, como uma fora divina, independente do credo ou religio, pois at o ateu que nega, demonstra acreditarquando diz que ateu graas a DEUS. preciso entender que DEUS pode no dar o milagre da cura fsica, mas, certamente, podernos dar o milagre da cura psicolgica. E, mais tarde, voc vai entender como isso importante. Nem sei como sa do consultrio doDr. Lauro Araki aps o diagnstico conclusivo da doena, mas pude perceber claramente o abismo que se abriu em minha mente, aoreceber toda a orientao sobre a cirurgia, suas seqelas, a recuperao ps-cirurgia, a nova voz que poderia aprender a utilizar, etc(apesar disso, nessa hora, nada do que foi explicado conseguiu se fixar em minha mente), e com a data da internao e da cirurgiamarcada. A ansiedade pela espera do dia da cirurgia muito grande, ela o envolve, e juntamente com o nervosismo e o medo,desenvolvem diversos sintomas como: insnia, dores de cabea, dores pelo corpo e, principalmente, dores de estmago e diarria.

    o estresse pr-cirrgico.

    O PROCESSO DA REALIDADE

    Abordarei agora os fatos ocorridos durante o perodo de internao, cirurgia, recuperao e o medo do convvio com o"desconhecido".

    O Perodo Cirrgico

    A minha internao se realizou em um domingo, dia em que poderia estar fazendo um churrasquinho com a famlia e amigos, pormse fazia necessrio realizar exames complementares, avaliaes, acompanhamento clnico, fisioterapia respiratria e o famoso jejum

    pr-operatrio. Foi um dia tenso, como sempre o dia que antecede a qualquer cirurgia, mas eu procurava manter -me controlado e

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    buscava o mximo possvel de descontrao, para desviar um pouco a mente do fato, apesar de consciente dele. Nesse perodo pr-operatrio tive a oportunidade de comear a me relacionar com o Dr. Alessandro Cury Ogata, a equipe de mdicos residentes etambm com as trs equipes de enfermagem (manh, tarde e noite).

    A cirurgia se realizou na 2 feira, 14 de Outubro de 1996, tarde. Foi quando eu tive uma grande decepo com o atendimentodispensado por uma profissional que s veio fazer a avaliao fonoaudiolgica poucos minutos antes de eu ser levado ao centrocirrgico, quando j me encontrava pr-anestesiado (Dormonid), sem condies de realizar as tarefas solicitadas. Mesmo assim, ela

    pedia que eu arrotasse, e como eu no conseguia, por uma questo at de criao, j que no meu tempo de criana arrotar era sinal defalta de educao, a fonoaudiloga pediu para que minha esposa e outras pessoas que estavam presentes no quarto arrotassem. Comominha esposa conseguiu e eu no, a fonoaudiloga prognosticou que, provavelmente, eu no conseguiria desenvolver a voz esofg ica.Mas se isso fosse com minha esposa, ela aprenderia mais facilmente a voz esofgica. Essa afirmao gerou revolta nas pessoas

    presentes e em mim, pois ela tirou as esperanas de eu voltar a falar.

    Ao ser levado para o centro cirrgico, no quarto ficou uma corrente forte de oraes que as amigas de trabalho da minha esposafaziam, para pedir a DEUA que iluminasse as mos dos mdicos participantes da cirurgia, ns tnhamos muita confiana no Dr. Lauroe sua equipe.

    A demora foi grande, a tenso para a famlia e amigos tambm, mas deu tudo certo, apesar de que pela extenso do tumor, os mdicostiveram que proceder a retirada total da laringe, afim de evitar que o tumor pudesse se propagar e deixar seus vestgios. Foi colocadauma prtese traqueo-esofgica para permitir que, quando o estoma fosse fechado externamente com o dedo, houvesse uma passagem

    de ar da traquia para o esfago, a qual facilitaria a emisso da voz.

    Nessa hora, inconscientemente, eu passava por um estresse cirrgico.

    Quando voltei totalmente a mim, apesar da satisfao de me sentir vivo, tive a horrvel sensao de estar com uma sonda nasogstrica,que um tubo colocado na narina, que desce at o estmago. Pior ainda foi saber que ela ficaria por algum tempo, pois seria atravsdela que passaria a me alimentar, temporariamente. A sonda causava muito desconforto e muita secreo nasal, alm da secreonormal advinda do traqueostoma, e o processo de aspirao para limpeza tinha que se realizar a todo o instante, o que tambmcausava muito incmodo.

    Um fato que marcou muito esse perodo foi a visita da Dra. Tami K. Seitz, homeopata, amida da famlia, que fez uma massagem nos

    meridianos localizados na sola dos meus ps. impressionante e indescritvel a energia que flua dos meus ps para todo o meu corpoe a sensao de restabelecimento que sentia me fortalecer, apesar de ainda meio anestesiado.

    A fisioterapia respiratria realizada diariamente muito ajudou na recuperao, pois o fato de conseguir expelir toda a secreo, quedurante a operao naturalmente absorvida pelos brnquios, fez com que eu no ficasse aflito, preocupado ou exausto com a falta dear que normalmente ocorre nesse processo.

    Passada a fase cirrgica, voc j conseguiu o mais importante que viver. Agora comeam os temores das dores, da cicatrizao, daalimentao nasogstrica, enfim, de tudo, principalmente das conseqncias que ho de vir.

    O Perodo Ps-Cirrgico

    Agora voc j pode levantar e ir ao banheiro, onde com surpresa se olha no espelho e v como ficou a aparente deformao fsica quese processou no seu corpo, com a realizao do estoma (orifcio na base do pescoo, que serve para respirar). outro impacto

    psicolgico, voc se acha o pior dos homens, acha que no mais uma pessoa que possa voltar a ter um convvio social normal, passaa ter uma certa vergonha e achar que, em funo do estoma e da secreo que dele provm, as pessoas passaro a sentir (desculpem otermo chulo) nojo.

    Apesar do Dr. Lauro ter explicado, antes da cirurgia, como ficaria, havia at feito um desenho, mas naquela hora a explicao passoudespercebida, voc consegue imaginar o que realmente ser. Voc se sente super deprimido com a situao pela qual est passando. Anova realidade totalmente diferente da situao que voc viveu anteriormente. O processo de mudana, por si s, j provoca muitareao nas pessoas, imaginem como se passa em nossa cabea, essas grandes mudanas fsicas que ocorreram, e as mudanas do

    modo de vida que ocorrero.

    Outro desafio o primeiro banho, esse uma prova real de que existe um mar de dvidas e incertezas na mente do laringectomizado.Ser que vai entrar gua no estoma e eu vou me afogar? Como fazer para a gua no entrar? Qual ser a conseqncia se entrar guano estoma, mesmo que seja pouca? Ela vai para o pulmo? E eu posso morrer afogado por isso? Todas essas perguntas ocorrem, antes

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    que tenhamos coragem de questionar o mdico, provavelmente pelo medo da resposta, por receio de nossa ignorncia (no sentido dodesconhecimento), ou at para no demonstrar fraqueza, agora em relao ao desconhecido.

    Veio o momento do banho, procurem imaginar a situao e participem comigo desse fato inusitado. O enfermeiro Natanael colocouum plstico protegendo o orifcio (estoma), e l fui eu para baixo do chuveiro, envolto de todo o medo caracterstico de quem enfrentauma nova situao que representa perigo. Entro no chuveiro ou no? O corao bate a mil. O enfermeiro procurava me orientar e medeixar mais confiante. Aos poucos fui absorvendo a experincia do banho, que o Natanael me transmitia, e apesar dos sustos causados

    por alguma absoro de gua e de um certo nervosismo pela dificuldade de respirar, motivada pelo plstico colocado como prote tor,mas esse obstculo foi transposto. Aprendi que cada um deve ter a sua maneira mais adequada para tomar seu banho. No meu caso,adaptei-me melhor ficando de costas para o chuveiro, dividindo o banho em duas etapas, primeiro a parte do trax para baixo e,

    posteriormente, lavo a cabea e o pescoo, com todo o cuidado.

    Outra situao que tambm causava um certo temor, inicialmente, era a limpeza ou seco do muco ou secreo do traqueostoma.Mas, logo, j o fazia sozinho, sem a ajuda dos enfermeiros.

    Durante vrios dias eu me alimentei pela sonda nasogstrica (que o tubo que entra pelo nariz e vai at o estmago, para conduzir aalimentao), pensando em quando eu voltaria a sentir o sabor do alimento que eu estava comendo, ou quando eu poderia tomar, pelomenos, um copo de gua.

    Foram onze dias internado, com constante acompanhamento mdico, curativos, aspiraes da secreo, alimentao nasogstrica,

    fisioterapias respiratrias, etc. Chegou o dia em que eu deveria fazer o exame de contraste pelo esfago, para verificar o andamento dacicatrizao. Voc fica horas tirando vrias radiografias da rea do pescoo, mas o pior o lquido que voc tem que engolir (ta coisaruim), mas, o que mais interessa, que o resultado foi muito bom, e a partir da recebi autorizao do Dr. Lauro Araki para comear ame alimentar pela boca. Primeiramente era s lquido, e a primeira coisa que pedi foi um copo de gua. Que delcia! Posteriormente

    passei para comida pastosa e, aps alguns dias, pude voltar alimentao slida com restries (comidas pastosas, at comearem ascomidas slidas sem muito tempero).

    Finalmente, recebi alta hospitalar, e a volta para casa foi motivo de muita emoo, tanto pela despedida do pessoal do hospital, quedurante todo esse tempo me dispensou cuidados e carinho, como tambm pela chegada minha casa, a saudade de estar junto famlia, das minhas coisas pessoais que muito ajudam na recuperao psicolgica. Agora voc recebe visita dos amigos em seu

    prprio ambiente, onde voc se sente muito mais seguro e vontade. Aos poucos a alimentao foi sendo restabelecida, at ser

    permitida a normalidade alimentar. A cicatrizao da cirurgia foi muito boa e em nenhum momento senti dores. Graas a Deus!

    Apesar de todos os receios, inclusive o de no saber se havia ou no extirpado o tumor, se a doena estava afastada ou se estavamsimplesmente procurando no me deixar deprimido, eu consegui desenvolver muita fora interior, no s pelo apoio da famlia e dosamigos, como tambm pelo tratamento carinhoso e dedicado de toda a equipe de enfermagem, fisioterapeuta e mdicos do setor deOncologia do Hospital Nossa Senhora das Graas.

    As Conseqncias

    O tempo foi passando, a recuperao foi caminhando, um, dois meses, revises mdicas, e finalmente, o Dr. Lauro deu permisso paravoltar a trabalhar, sem excessos ou exageros.

    O laringectomizado continua sempre sentindo ou pensando que sente alguma coisa. Acho que normal em um processo cirrgicotraumtico, como o foi no nosso caso. Mas o meu trabalho, que era de atendimento e relacionamento com o pblico, levou-me a

    perceber que com relao mudana fsica ocorrida, ela pouco afetava a minha condio de trabalho, porm a voz, a conversao,estas haviam ficado seriamente comprometidas, em sua maior forma de expresso. Se causava um certo impacto nas pessoas, muitoat por curiosidade, ao mesmo tempo dava-me a oportunidade de perceber que era por total desconhecimento. Eu aproveitava paraescrever, era a maneira que eu tinha de me comunicar e explicar s pessoas todo o processo, para que elas entendessem o que umlaringectomizado. De um modo geral, essa ocupao do meu tempo na loja trouxe bastante progresso ao meu processo derecuperao, pois eu me sentia til. Pude sentir, claramente, que a nica dificuldade que eu tinha, nesse caso, era com a falta da voz. Eessa dificuldade dependeria de muito trabalho com a fonoaudiloga e, principalmente, da minha pacincia e persistncia, ao longo dotempo.

    Um fato que me chamou bastante a ateno foi o da minha esposa Maria Clara, e principalmente os meus filhos Cludio Thiele eErick Thiele, aps o meu retorno para casa, terem desenvolvido um processo de leitura labial, eles entendiam o que eu sussurrava etransmitiam aos meus interlocutores, servindo como uma espcie de intrpretes. Isso fazia com que eu no ficasse to ansioso, e atnervoso, com o fato de no me fazer entender quando tentava me expressar. Com o passar do tempo, eu percebia nitidamente que

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    conseguia um bom nvel de superao de todas as conseqncias advindas da laringectomia, tais como a deformao fsica aparente eat da limpeza da secreo do estoma, causada pela tosse. Porm, nem tudo so flores, a vida tambm tem muitos espinhos.

    Em maro de 1977 comeou a parecer um problema: meu estoma(buraco) comeou a se fechar, dificultando bastante a limpeza daprtese, bem como causando bastante falta de ar. Foi uma preocupao. Procurei o meu mdico, Dr. Lauro Araki, que em seuconsultrio procedeu ao alargamento do estoma, utilizando um bisturi a laser. Foi um processo muito dolorido e estressante, realizadocom anestesia local. Passado um ms, abril de 1997, repetiu-se o problema com o fechamento do estoma, e novamente todo o

    processo estressante de alargamento do orifcio. Mais um ms, maio de 1997, e novamente apareceu o problema, eu estava cada vezmais preocupado com a constncia do fato e senti que o Dr. Lauro Araki tambm, por isso resolveu realizar um novo procedimento,utilizando o laser com CO2, menos dolorido, porm estressante da mesma forma. Como o problema persistiu e apresentou-senovamente em menos de um ms, o Dr. Lauro Araki indicou a realizao de uma traqueosplastia, a fim de solucionar de vez.

    No dia 17 de junho de 1997, as 9 horas, compareci para internamento no Hospital Nosso Senhora das Graas, e aps internado, recebia visita do Dr. Alessandro Ogata, que solicitou a realizao dos procedimentos pr-operatrios. Em seguida, vieram as enfermeirasverificar a presso, pulsao, temperatura, e j colocaram o soro.

    Na parte da tarde fui encaminhado ao centro cirrgico para a realizao da traqueosplastia. No transcorrer do ato cirrgico, o Dr.Lauro Araki verificou que havia um processo infeccioso muito grande, ocasionado por uma rejeio orgnica prtese, sendonecessria a retirada da mesma, para uma boa recuperao das paredes do esfago e da traquia.

    De um modo geral, a cirurgia transcorreu muito bem e a recuperao tambm foi muito boa, mesmo tendo passado dois dias direto nosoro e seis dias posteriores s com alimentao oral lquida.

    Houve necessidade da retirada da prtese, pois ela, por problemas de rejeio orgnica, no executava a funo para a qual havia sidoimplantada.

    Apesar de a cirurgia ter apresentado algumas conseqncias temporrias, a teoria diz que: - Se o tecido cicatrizador diminuir aelasticidade do esfncter, dificilmente a fala ser boa. Na melhor possibilidade ser explosiva e em staccato, j que o ar engolido parao estmago ser inevitvel e sua sada s poder ser feita atravs de um arroto. Uma fala adequada no poder se desenvolver sem ouso do msculo esofgico, ou a vibrao do ar na sua passagem uma "luz" estreita do curso esfago-farngico reconstrudo, no caso defaringolaringectomia"(GREENE, 1983).

    Contrariando a teoria, e at prognsticos mdicos, apesar de eu ter o esfncter retalhado para colocao da prtese, e posteriormente aretirada dela, pouco afetou a voz esofgica desenvolvida anteriormente, embora tenha sofrido bastante alterao em funo no s doato cirrgico, ma tambm do estresse causado pelo processo.

    Se a voz normal sofre alteraes em funo do sistema nervoso, emoes, sustos, ansiedade, etc., logicamente a voz esofgica muitomais suscetvel a alteraes, pois as paredes do esfago no tm a funo natural de vibrar para produzir som, ela o faz por umanecessidade de substituio das cordas vocais, quando treinada para este fim. Como eu estava passando por um processo desgastante,estressante, foi normal a dificuldade para falar, bom como a tonalidade baixa com que a voz saa.

    BIBLIOGRAFIA

    LARINGECTOMIZADO Aprenda a se conhecer, Antonio Carlos da Fonseca SITE:

    http://www.grala.com.br/textos/larin2.htm#inicio

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