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LABORATÓRIO DE REDAÇÃO – 2014 12 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias OSG.: 079751/14 PROPOSTA I (ENEM) Texto I FALAR BRASILEIRO LÍNGUAS AMEAÇADAS Uma pergunta comum, motivada pela curiosidade das pessoas, é: “Quantas línguas são faladas no mundo?”. O número que circula entre os estudiosos é 7.000, mas, como diz o ditado, “sete é conta de mentiroso”. Por quê? Porque é muito difícil estabelecer com precisão matemática a quantidade de línguas faladas no nosso planeta. A razão disso é que definir o que é uma língua não é tarefa das mais fáceis. Os linguistas podem empregar seus critérios científicos para decidir onde começa uma língua e onde termina outra, mas não existe consenso na comunidade dos pesquisadores. Se nem mesmo os especialistas conseguem responder, quando saímos do restrito ambiente científico a coisa se torna ainda mais complicada. Por isso, não tem outro remédio a não ser adotar um número convencional, mais ou menos aproximado da realidade — no caso, 7.000 línguas. Infelizmente, o número de línguas faladas no mundo, seja ele qual for, está em sério risco de sofrer uma drástica redução até o final do século XXI. Os processos violentos de uniformização cultural por imposição dos países mais ricos sobre os mais pobres, a redução das comunicações internacionais a um número pequeno de línguas (com o inglês dominando de longe todas as demais), as guerras e os genocídios, a mal denominada globalização (que é mesmo uma estadunização do resto do mundo), entre tantos outros fatores, vêm provocando o desaparecimento rápido de muitos idiomas particulares. Na Europa, por exemplo, calcula-se um número de 250 línguas ameaçadas de extinção. No Brasil, as quase 190 línguas indígenas ainda faladas também correm o risco de desaparecer em breve: algumas não têm mais do que meia dúzia de falantes. A morte das línguas é tão prejudicial à humanidade quanto a extinção de espécies animais e vegetais e a degradação do meio ambiente. Cada língua humana representa um modo muito particular de simbolizar o mundo, um experimento bem-sucedido de dar conta das tarefas cognitivas de um grupo social, um ambiente cultural específico para o desenvolvimento da vida de muitas e muitas pessoas, além de veículo de transmissão de saberes os mais variados, peculiares àquela comunidade. E muitos estudos comprovam a íntima relação entre diversidade linguística e biodiversidade. Por causa desse risco iminente, a Unesco produziu o Livro Vermelho das Línguas Ameaçadas, hoje substituído pelo Atlas das Línguas Ameaçadas do Mundo, que pode ser consultado on-line e traz dados atualizados permanentemente. Os países que têm o maior número de línguas em risco de desaparecimento, segundo o Atlas, são: Índia (197), Brasil (190), Indonésia (146), China (144), México (143), Austrália (108) e Papua Nova-Guiné (98). A preservação de línguas minoritárias depende sobretudo de políticas linguísticas explícitas, de projetos governamentais que protejam esses idiomas, estimulem seu emprego nos meios de comunicação e garantam seu ensino nas escolas. Muitos países já apresentam políticas linguísticas democráticas e progressistas desse tipo, como se dá no Brasil com nossa política de educação indígena. Infelizmente, porém, na maioria das situações de multilinguismo o que predomina ainda é a velha crença na máxima “um povo, uma nação, uma língua”, ou seja, a tentativa do poder central de exercer seu controle homogêneo sobre toda a população por meio de uma língua única, imposta muitas vezes, literalmente, a ferro e fogo, com o massacre sistemático das populações minoritárias. Marcos Bagno é linguista, escritor e professor da UnB - marcosbagno.org Texto II TRANSITIVIDADE VERBAL PODE VARIAR Ainda que intuitivamente, os falantes do português percebem que os verbos (palavras que indicam ação ou estado) têm comportamentos diferentes nas sentenças. Alguns deles requerem um complemento, outros não – e, às vezes, o mesmo verbo aparece em construções bastante diferentes. Formas como “viver” ou “morrer” costumam encerrar sentido completo. É simples entender algo como “Dez pessoas morreram” ou “Mulheres vivem mais que homens”. O conteúdo expresso por tais verbos não requer esclarecimento, diferentemente do que ocorreria numa construção como “Dez pessoas compraram”, que nos levaria a indagar o que essas pessoas compraram. Grosso modo, distinguimos assim os verbos intransitivos dos transitivos, mas engana-se quem toma por findo o assunto. O dinamismo da língua é tal que tanto os transitivos podem comportar-se como intransitivos quanto o contrário. Para enxergar isso, não precisamos ir muito longe. A língua de todos os dias é capaz de fornecer-nos material suficiente. Quantas vezes não ouvimos pessoas dizerem que “viveram experiências” ou mesmo que “fulano sabe viver a vida”? Nesses casos, o verbo “viver” deixa de ser intransitivo e passa a ser transitivo direto. Essa transformação, para além da sintaxe, opera alterações de nível semântico e estilístico.

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LABORATÓRIO DE REDAÇÃO – 2014 12

Linguagens, Códigos e suas TecnologiasOSG.: 079751/14

PROPOSTA I (ENEM)

Texto I

FALAR BRASILEIROLÍNGUAS AMEAÇADAS

Uma pergunta comum, motivada pela curiosidade das pessoas, é: “Quantas línguas são faladas no mundo?”. O número que circula entre os estudiosos é 7.000, mas, como diz o ditado, “sete é conta de mentiroso”. Por quê? Porque é muito difícil estabelecer com precisão matemática a quantidade de línguas faladas no nosso planeta. A razão disso é que defi nir o que é uma língua não é tarefa das mais fáceis. Os linguistas podem empregar seus critérios científi cos para decidir onde começa uma língua e onde termina outra, mas não existe consenso na comunidade dos pesquisadores. Se nem mesmo os especialistas conseguem responder, quando saímos do restrito ambiente científi co a coisa se torna ainda mais complicada.

Por isso, não tem outro remédio a não ser adotar um número convencional, mais ou menos aproximado da realidade — no caso, 7.000 línguas. Infelizmente, o número de línguas faladas no mundo, seja ele qual for, está em sério risco de sofrer uma drástica redução até o fi nal do século XXI. Os processos violentos de uniformização cultural por imposição dos países mais ricos sobre os mais pobres, a redução das comunicações internacionais a um número pequeno de línguas (com o inglês dominando de longe todas as demais), as guerras e os genocídios, a mal denominada globalização (que é mesmo uma estadunização do resto do mundo), entre tantos outros fatores, vêm provocando o desaparecimento rápido de muitos idiomas particulares.

Na Europa, por exemplo, calcula-se um número de 250 línguas ameaçadas de extinção. No Brasil, as quase 190 línguas indígenas ainda faladas também correm o risco de desaparecer em breve: algumas não têm mais do que meia dúzia de falantes. A morte das línguas é tão prejudicial à humanidade quanto a extinção de espécies animais e vegetais e a degradação do meio ambiente. Cada língua humana representa um modo muito particular de simbolizar o mundo, um experimento bem-sucedido de dar conta das tarefas cognitivas de um grupo social, um ambiente cultural específi co para o desenvolvimento da vida de muitas e muitas pessoas, além de veículo de transmissão de saberes os mais variados, peculiares àquela comunidade. E muitos estudos comprovam a íntima relação entre diversidade linguística e biodiversidade.

Por causa desse risco iminente, a Unesco produziu o Livro Vermelho das Línguas Ameaçadas, hoje substituído pelo Atlas das Línguas Ameaçadas do Mundo, que pode ser consultado on-line e traz dados atualizados permanentemente. Os países que têm o maior número de línguas em risco de desaparecimento, segundo o Atlas, são: Índia (197), Brasil (190), Indonésia (146), China (144), México (143), Austrália (108) e Papua Nova-Guiné (98).

A preservação de línguas minoritárias depende sobretudo de políticas linguísticas explícitas, de projetos governamentais que protejam esses idiomas, estimulem seu emprego nos meios de comunicação e garantam seu ensino nas escolas. Muitos países já apresentam políticas linguísticas democráticas e progressistas desse tipo, como se dá no Brasil com nossa política de educação indígena. Infelizmente, porém, na maioria das situações de multilinguismo o que predomina ainda é a velha crença na máxima “um povo, uma nação, uma língua”, ou seja, a tentativa do poder central de exercer seu controle homogêneo sobre toda a população por meio de uma língua única, imposta muitas vezes, literalmente, a ferro e fogo, com o massacre sistemático das populações minoritárias.

Marcos Bagno é linguista, escritor e professor da UnB - marcosbagno.org

Texto IITRANSITIVIDADE VERBAL PODE VARIAR

Ainda que intuitivamente, os falantes do português percebem que os verbos (palavras que indicam ação ou estado) têm comportamentos diferentes nas sentenças. Alguns deles requerem um complemento, outros não – e, às vezes, o mesmo verbo aparece em construções bastante diferentes.

Formas como “viver” ou “morrer” costumam encerrar sentido completo. É simples entender algo como “Dez pessoas morreram” ou “Mulheres vivem mais que homens”. O conteúdo expresso por tais verbos não requer esclarecimento, diferentemente do que ocorreria numa construção como “Dez pessoas compraram”, que nos levaria a indagar o que essas pessoas compraram.

Grosso modo, distinguimos assim os verbos intransitivos dos transitivos, mas engana-se quem toma por fi ndo o assunto. O dinamismo da língua é tal que tanto os transitivos podem comportar-se como intransitivos quanto o contrário.

Para enxergar isso, não precisamos ir muito longe. A língua de todos os dias é capaz de fornecer-nos material sufi ciente. Quantas vezes não ouvimos pessoas dizerem que “viveram experiências” ou mesmo que “fulano sabe viver a vida”? Nesses casos, o verbo “viver” deixa de ser intransitivo e passa a ser transitivo direto. Essa transformação, para além da sintaxe, opera alterações de nível semântico e estilístico.

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Laboratório de Redação – 2014

2 Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

OSG.: 079751/14

A escolha do verbo “viver” (não de “vivenciar” ou “passar por”) sugere forte vínculo entre a noção de viver e a de passar por tais experiências. Em “viver a vida”, enfatiza-se a ideia de viver intensamente, aproveitando as boas coisas da vida.

O processo inverso também pode ocorrer. Veja-se o próprio verbo “comprar” na seguinte construção: “Pesquisas revelam que mulheres compram mais que homens”. Importa saber não aquilo que as mulheres compram, mas, sim, que a ação em si é praticada com mais intensidade por elas, independentemente do objeto da compra. O verbo “comprar” adquiriu nesse contexto o comportamento de um intransitivo.

Há verbos que podem assumir várias nuances de signifi cado, geralmente associadas a mudanças de predicação. “Falar”, por exemplo, pode ir além do sentido básico de “exprimir por meio de palavras”. Quando dizemos “Fale a verdade”, “falar” é transitivo direto. Seu sentido só se completa com o substantivo “verdade”, sobre o qual a ação recai. Se, no entanto, dissermos “Fala sério!”, o verbo será intransitivo. Deixa de ser importante o que se fala para que ganhe relevância o modo de falar (seriamente). É também como intransitivo que o verbo aparece em sentenças como “Ela falou no funeral” (“fez um discurso”) ou “Esse papagaio fala?” (“falar” agora alude à capacidade de praticar a ação em si).

Numa construção corriqueira como “Falaram de você ontem”, “você” não é o objeto da ação, mas o “assunto”. Essa ideia também se expressa em locuções iniciadas por “em” ou “sobre” ligadas ao verbo “falar” (“Falando nisso...”, “Vamos falar sobre isso”). A mesma ação de “falar de alguém” pode, em certos contextos, assumir o traço semântico de “fazer crítica” ou “fofoca” (“Fulano fala até da própria mãe”, “A moça já estava falada na vizinhança”).

A ação de falar pode ser dirigida a alguém (“A ministra falará hoje à imprensa”, “Não fale com o motorista”) ou mesmo ser tomada como recíproca (“A gente se fala amanhã”). A capacidade de se expressar em determinada língua é indicada pelo verbo “falar” seguido do nome da língua (“Fala alemão”), mas o emprego de certa língua para exprimir alguma coisa aparece em construção preposicionada (“Falou em alemão com o ministro”). São incontáveis os exemplos do dinamismo da língua.

Thaís Nicoleti é consultora de língua portuguesa.

• Os textos anteriores são elementos motivadores para lhe servir de referência durante a elaboração do seu. Com base nessa condição, produza texto dissertativo-argumentativo, utilizando os seus conhecimentos de mundo e as suas experiências acumuladas ao longo de sua formação educacional. O seu texto deverá partir do seguinte tema:

Tema: A PRESERVAÇÃO DA LÍNGUA COMO RECURSO CULTURAL.

PROPOSTA II (ENEM)

Texto I

O Povo, 16 de janeiro de 2014.

Texto II

Diário do Nordeste, 18 de janeiro de 2014.

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3Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

OSG.: 079751/14

Texto III

“O país vive um verdadeiro caos no que tange à situação dos presídios. Em verdade, isso já era esperado, tendo em vista que várias décadas do século passado transcorreram sem que houvesse por parte dos órgãos competentes um “olhar” mais acurado acerca de como estão alojados aqueles que praticam ações delituosas e o que acontece no mundo fora dos espaços de carceragem. Isso implica dizer que não existiu um acompanhamento desse embate. Daí não estar havendo surpresa com os acontecimentos que estamos testemunhando.”

Professora Luiza Ferreira

• Após leitura dos textos dados anteriormente, elabore uma dissertação argumentativa, fazendo uso da linguagem padrão. Extraia deles o maior número de ideias possível, a fi m de uni-las aos seus conhecimentos de mundo e às suas experiências adquiridas no processo de sua formação pessoal. A sua produção deverá ter por base o seguinte tema:

Tema: A SITUAÇÃO DOS PRESÍDIOS BRASILEIROS.

PROPOSTA III (OUTROS VESTIBULARES)

PRA SEMPRE

Cadê o menino?É, o moleque de calças curtas que agora pouco corria sem destino por aqui, você não viu?Mas ele passou bem diante dos teus olhos e quase te derrubou, tamanha bagunça que fez no teu coração.E a menina?Como “Que menina?”, aquela com tranças enormes arrastando pelo chão, uma bonequinha.Passou chupando o dedo pulando de pé em pé jogando amarelinha.O menino, onde se escondeu aquele menino?É, esse barco sem rumo que te fez embarcação?O Traquina serelepe passou com uma pipa na mão:“Manda buscá! Manda buscá!”E a linha de cerol quase corta teu braço, quase arranca o sol do céu, viu não?A menina está vendo ela? Como “Qual?”Aquela ruiva de sarda pintada de lápis de cera ou a negra com dentes de estrelas no balanço da lua, tanto faz...Não viu nenhuma delas?Desataram na tua ladeira zombando das tuas rugas, das fugas que fi caram para trás.Está sentindo o mundo parar e o tempo que não almejo?Lá no silêncio do universo, sem passado nem presente, eles se encontram para o primeiro beijo.Pode vê-los jurando amor eterno?Não? Que pena.Estão diante dos teus olhos fazendo bagunça no teu coração.Bora viver, quanto mais se vive, menos se morre.

Sérgio Vaz

• Após leitura do texto acima, elabore uma narração utilizando o menino da história em outra situação. Procure utilizar o maior número de características extraídas do diálogo travado entre ele e o outro personagem. Use linguagem padrão e, caso prefi ra, também apresente passagens dialógicas. Acresça ao texto um mistério.

Erbínio: 09/04/2014 – Rev.: Amélia