La Linguagem Oral a Hipermdia

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    DA LINGUAGEM ORAL LINGUAGEM DA HIPERMDIA

    reflexes sobre cultura e formao do educador

    Assim define Queiroz (1989:45) o ponto aonde leva-ram as transformaes que sofreram esses conceitos:Atualmente, quando estudiosos brasileiros falam de iden-tidade cultural ou de identidade nacional, referem-se, pois,a noes diferentes das utilizadas por seus colegas euro-peus. Nos dois casos, o que h em comum somente ofato de que ambas noes so em geral utilizadas comoinstrumentos para diferenciar uma cultura ou uma coleti-vidade do conjunto das demais. Estas noes podem setornar tambm armas para lutar contra qualquer perigoque ameace com o desaparecimento ou a coletividade, oua nao. O Brasil, cuja independncia no teve de seralcanada fora, no voltou sua arma ideolgica contraoutras sociedades; ela foi forjada principalmente parapropsitos internos. Na Europa, ao contrrio, onde asguerras constituram uma realidade constante, compuse-ram elas um campo apropriado para que nascessem doisconceitos diversos: um voltado para combater os inimi-

    gos exteriores, o outro se dirigindo diferenciao inter-na de coletividades na totalidade nacional.Mais complexo ainda o trabalho de rastrear como o

    avano do conhecimento nas cincias humanas e sociaisrelaciona-se com o campo educacional, em particular nasformas como se reflete, ou no, nas propostas de forma-o de educadores.

    Sem pretender adentrar esse desafio, tambm mais am-plo que os objetivos deste trabalho, vale, ainda que bre-

    ROSELIFISCHMANNProfessora do Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade de So Paulo

    e da Ps-Graduao da Universidade Mackenzie

    adoo de contedos ligados s questes cultu-rais na formao de educadores vem ganhandocada vez mais espao nas propostas curricula-

    res. Tal espao e visibilidade so proporcionais ao avan-o da construo do conhecimento no campo da educa-o, em suas relaes com o campo da cultura.

    claro que no se pretende discutir, aqui, o percurso doconceito de cultura nas pesquisas educacionais, tarefa queextrapola o escopo deste trabalho. Contudo, preciso lem-brar, em particular, que a cada momento histrico correspon-de certa abordagem do conceito de cultura, com repercussesno campo sociopoltico e, em decorrncia, educacional. Aproduo do conhecimento acadmico, por sua vez, ora dis-tancia-se desse movimento dialgico, ora o repercute e, emmomentos especficos, pode mesmo provoc-lo.

    Um exemplo dessa teia intrincada de relaes pode serencontrado no artigo Identidade cultural, identidade na-cional no Brasil, de Maria Isaura Pereira de Queiroz (1989).

    Ali existem duas anlises entrelaadas: uma que se referes relaes entre o conceito de identidade cultural e identi-dade nacional; e outra que atinente posio de cientis-tas sociais brasileiros comparativamente de europeusquanto aos mesmos conceitos. Tratada desde o sculo XIXpelas cincias sociais no Brasil, essa temtica sofreu mu-danas, vinculadas tanto ao estado do conhecimento emcada poca, quanto auto-imagem que os cientistas sociaisfaziam de si mesmos enquanto brasileiros e do pas.

    Resumo:Reflexes acerca de cultura e de linguagem, procurando direcion-las questo da formao de pro-

    fessores. Para isso, analisam-se resultados de duas pesquisas: uma conduzida por Betty Mindlin entre diversos

    grupos indgenas, publicada no livro Terra grvida; e outra, de cunho interdisciplinar, coordenada por Srgio

    Bairon, publicada em linguagem de hipermdia, em CD-ROM, Hipermdia, psicanlise e histria da cultura .

    Procura-se demonstrar como a temtica das culturas se encontra subjacente escolha do uso de diferentes

    linguagens para expressar diversas vises de mundo e diferentes problematizaes sobre o destino humano, do

    oral ao para-alm-da-escrita.

    Palavras-chave:cultura e linguagem; formao do educador; pesquisa e ducao.

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    vemente, lembrar o caso do tema transversal PluralidadeCultural, dos Parmetros Curriculares Nacionais(Bra-sil, 1997 e 1998) do MEC, por seus vnculos com a ques-to das relaes entre identidade cultural e identidade na-

    cional.Ao introduzir como proposta de mbito nacional a

    temtica da valorizao da diversidade, da superao dadiscriminao tno-culturo-racial e da crtica desigual-dade excludente, esse documento apontou a importnciados conhecimentos originrios de diversos campos parasua composio e compreenso. Deixou, portanto, suben-tendido o carter indispensvel de uma formao subs-tancial e diversa para os professores, o que posteriormenterefletiu-se no documentoReferenciais para Formao deProfessores(Brasil, 1999). Ao mesmo tempo, destacou ocarter vivencial da formao especfica na temtica, en-

    volvendo a convivncia intencional e interessada com di-versos grupos humanos. Contudo, a complexidade da pre-sena do campo cultural na formao de professoresapenas comea a se fazer presente, exigindo ainda mui-tos estudos por parte dos pesquisadores no campo educa-cional.

    Assim, este artigo busca oferecer algumas reflexes quecooperem nesse sentido, tendo como proposta apresentara contribuio de dois pesquisadores de diferentes reas,que trabalham o conceito de cultura de formas distintas,porm com resultado semelhante em termos de sua valo-rizao. Estes autores foram escolhidos por trazeremaportes diferenciados e complementares, oferecendo comisso material de contedo altamente heurstico para o cam-po da educao.

    Os autores escolhidos e suas obras so: Betty Mindlinem sua pesquisa junto a narradores indgenas, com desta-que para seu trabalho mais recente, Terra grvida; e Ser-gio Bairon, com a pesquisaHipermdia, psicanlise e his-tria da cultura, publicada em linguagem de hipermdia.Ser traada, posteriormente, uma comparao aproxima-tiva entre ambos, apresentando, ao final, algumas reflexesvoltadas para a formao do educador. Busca-se, assim,

    dar uma contribuio a esse campo to complexo, cada vezmais relevante e indispensvel nos estudos de educao,em geral, e da formao do educador, em particular.

    PERMANNCIA E TRANSFORMAO

    A antroploga Betty Mindlin desenvolve h tempos umtrabalho de extrema relevncia. Trata-se da coleta de his-trias, diretamente na fonte que so os narradores indge-

    nas de diversas etnias, notadamente do norte do Brasil,fazendo, a seguir, a transposio da narrativa em lingua-gem oral, na maior parte das vezes nas lnguas de origem,para a escrita, em Portugus.

    Trabalho rduo, que somente tem sido possvel em ra-zo da experincia, competncia acadmica, dedicao ecompromisso da pesquisadora com os indgenas. Traba-lhando com diferentes grupos, vivendo o dia-a-dia dasaldeias, colaborando na organizao de sua defesa quan-do em contato com as novas levas de conquistadores daAmaznia, Betty Mindlin desenvolveu pesquisas, tanto apartir do Iam Instituto de Antropologia e Meio Ambien-te, contando com a cooperao de outros antroplogos,como Carmen Junqueira e Mauro Leonel, quanto juntoao Instituto de Estudos Avanados da Universidade de SoPaulo. Alm disso, a antroploga mantm processo de

    interlocuo permanente com pesquisadores de outrospases, marcando sua atuao por vivncia e abordagemcosmopolita, assim como por valorizao plena da diver-sidade cultural (Mindlin, 1998), em suas mltiplas, com-plexas e desafiantes faces.

    Formada originalmente em Economia, curso no quallecionou por algum tempo na USP e na Fundao GetlioVargas de So Paulo, Betty Mindlin soube tirar proveitodessa origem em sua ida para a Antropologia. De fato, oolhar acurado para a temtica da explorao e a viso cr-tica das singularidades do processo de desenvolvimentodo Brasil1foram aspectos que colaboraram em muito paraque a pesquisadora tivesse certo tipo de posicionamentoem relao temtica indgena.

    A marca notvel desse posicionamento o respeito peloser de cada indgena, pelo ser de cada grupo, ao mesmotempo em que convivem, evidentemente justapostas emseus trabalhos, a afirmao da capacidade indgena paraa autodeterminao e a certeza de que todo o apoio iden-tidade cultural de cada grupo indispensvel nos durosprocessos que o contato com a sociedade no-indgenaimpe (Mindlin, 1997b). por isso que sua presena emprol da causa indgena tem se feito, sobretudo, com os

    resultados de seu trabalho.Em suas pesquisas, sempre respeitando e fortalecendo asidentidades culturais dos diversos grupos indgenas com osquais trabalha, Betty Mindlin tem desenvolvido um vastolevantamento das histrias de cada um desses povos, agru-pando-as, posteriormente, por temas. Ressalta-se que essesagrupamentos so apenas uma forma de sistematizao, queoutros critrios poderiam ser adotados para classific-los, talsua riqueza e diversidade. Com isso, a pesquisadora vem

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    compondo um material precioso que permite aos indgenas,a um s tempo, o registro da memria e a possibilidade decompartilhar, cada qual, sua cosmologia com os demais, in-dgenas e no-indgenas. Como lembra Marcos Terena

    (1998:892): O desenvolvimento, reivindicado em nome dosdireitos humanos, tornar-se- capenga, cremos, caso noesteja acompanhado do desenvolvimento cultural, da auto-estima e de uma identidade tnica, compreensvel inclusiveao mundo que nos cerca, como um cdigo oral, legado pe-los velhos aos mais jovens.

    Na seqncia de um trabalho que j inclui Vozes daorigem, Tuparis e tarups,Moqueca de maridos, vem sejuntar o magnfico Terra grvida, que ser tratado aquide maneira particular.

    Seguindo, primordialmente, a tradio de Lvi-Strausse Franz Caspar,2as narrativas mticas recolhidas so par-

    te da histria desta Terra que h 500 anos chamada Bra-sil, e que graas a essa pesquisa podem ser afinal conhe-cidas em portugus, em linguagem atraente mesmo parao leitor menos acostumado s leituras antropolgicas.

    Preocupada em analisar o rico material coletado, a au-tora de Terra grvidaoferece uma introduo elucidativapara aqueles que j tenham familiaridade com esse tipode produo. Aqui se insere, por exemplo, a anlise queMindlin faz do mito do Gavio, retomando e comple-mentando a anlise feita por Lvi-Strauss em O cru e ocozido(Mindlin, 1999:27-30).

    Da mesma forma, esse ensaio introdutrio ter, semdvida, funo motivadora para aqueles que pouco tenhamse dedicado a essa verdadeira aventura, de mergulhar emmundos de mitos e personagens to pouco conhecidoscomo presentes na construo de referncias da diversi-dade constituinte do Brasil.

    possvel avaliar a complexidade do trabalho realiza-do por Betty Mindlin, ao serem observados os distintosprocedimentos metolgicos desenvolvidos em cada umdos trabalhos citados. Em Vozes da origem, as narrativasdos Suru foram gravadas, transcritas na lngua original,mediante uma escrita fontica prpria da lngua Suru de-

    senvolvida pela pesquisadora, para serem ento traduzidaspara o portugus, com o auxlio de intrpretes comple-mentando os prprios conhecimentos de Mindlin. Lem-bra a autora: claro que o estilo reflete minha prpriamaneira de escrever e com freqncia h uma espcie detraduo cultural, necessria para familiarizar o leitor comaspectos da vida indgena (Mindlin, 1999:261).

    J o livro Tuparis e tarupsfoi marcado por uma pe-culiaridade: os narradores Tupari falavam bem o portu-

    gus, sendo o trabalho da pesquisadora mais o de respei-tar seu estilo e sabor, conforme suas prprias palavras.

    Descrevendo o processo de pesquisa que resultou emMoqueca de maridose Terra grvida, o qual envolveu os

    Suru, Kamp, Gavio, Kano, Zor, Arara, Macurap,Jabuti, Aru, Arikapu, Ajuru e Tupari, Betty Mindlin as-sim registra o trabalho realizado: Gravei, talvez, duas cen-tenas de horas, quase sempre em lngua indgena. As tra-dues foram feitas, no palavra por palavra, seguindotranscries na lngua, como no caso Suru, mas por in-trpretes que ouviam as narrativas ao mesmo tempo queeu (tambm por outros, uma segunda ou terceira vez, aoouvirem as fitas), em geral pessoas com dons expressivose criativos. Ao escrever as histrias, levei em conta o seuportugus e seu estilo e a minha prpria imaginao, paratransmitir o clima dos mitos. Algumas histrias, assim, tm

    uma certa recriao, na forma de escrever, fiel, porm, aocontedo, sem invenes novas (Mindlin, 1999:262).

    O livro Terra grvida, para o qual este artigo volta oolhar mais detidamente, a partir do recorte temtico es-colhido, rene narrativas de sete grupos indgenas deRondnia: Macurap, Jabuti, Aru, Arikapu, Ajuru, Kanoe Tupari. Como j mencionado, o ensaio introdutrio nos facilita a leitura, como tambm possibilita perseguir,de maneira mais organizada, pistas para a compreensoda abordagem desses povos sobre temas universais, comoa vida e a morte, a origem do universo, do mundo, dosseres humanos, o que permitido, o que proibido, o beme o mal.

    Confrontando o rduo trabalho de pesquisa, com seu re-sultado, Betty Mindlin declara sua respeitosa forma de re-criao ou, talvez mais apropriadamente, de transcriao:3

    Procurei usar todos meus conhecimentos, em vez de ficarao p de uma letra que ainda no h. Isso no quer dizer queeu no tenha sido fiel tanto aos contedos quanto s formas no inventei, segui um clima (Mindlin, 1999:262).

    Colocando o direito de voz como princpio e o reco-nhecimento dos direitos dos narradores,4reafirma a auto-ra: Trata-se de um trabalho conjunto, feito por muitos

    contadores (Mindlin, 1999:263). Por isso, a pesquisadoratem um cuidado notvel ao traar os perfis dos narrado-res indgenas, exalando carinho e afeto pela histria decada um, em uma juno preciosa de atitude cientfica como mais indispensvel humanismo que a construo do co-nhecimento est a requerer.

    Do ponto de vista de contribuio formao de edu-cadores, torna-se subsdio singular conhecer esses narra-dores-pessoas, indgenas cujos nomes e sagas passam a

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    ser conhecidos e ento as narrativas ganham vida pr-pria, porque se sabe de onde vm.

    Sem dvida, ver despertar em si sentimentos de respei-to e solidariedade aquele que ler os perfis dos narradores,

    como Galib Pororoca Gurib Ajuru, Awru Odete Aru, Ar-mando Moero Jabuti, Pacor Marina Jabuti, Akk Francis-co Kano (o ltimo de seu povo), Amamoekb AninguiBaslio Macurap, Amoni Manuel Tupari. Dentre todos,devido aos limites deste artigo, foi selecionado um dos per-fis, que haver de falar sobre o carter vvido dos perfis tra-ados por Mindlin (1999:250): Aratori Teresa Macurap a viva inconsolvel de Dorodoim, me de Sawer Bas-lio Macurap e madastra de Menkaik Juraci Macurap. Vivena Baa das Onas, na A. I. Guapor. Chorando de saudade,contou histrias em Macurap, traduzidas por Sawer.

    Constituem-se, ainda, em informaes relevantes os

    dados que a autora traz sobre os povos de onde provm ashistrias e suas lnguas, assim como o glossrio que ofere-ce, material riqussimo a ser explorado tanto na formaode professores para Pluralidade Cultural, quanto na aplica-o em sala de aula, nos diferentes nveis de ensino.

    Observe-se que esse trabalho de Betty Mindlin, como osanteriores, complementa trabalhos de outros autores, j antesdirigidos especificamente a educadores, como os elaboradosa partir do Mari/USP, que j se tornaram clssicos (Silva,1987; Silva e Grupioni, 1995), alguns em cooperao com oMEC, alm de pesquisas de mestrado e doutorado que tmtrazido contribuio especfica para a compreenso datemtica de professores indgenas (por exemplo, Silva, 1997).

    Enquanto esses trabalhos trazem informaes indispen-sveis para a formao dos professores que atuam no sis-tema de ensino brasileiro, a complementao propiciadapelas obras de Betty Mindlin tem a ver com a possibilida-de de imerso dos professores, assim como de qualquerpessoa interessada, em mundos ricos e desconhecidos, queo preconceito e os interesses econmicos tm feito calar.

    Para finalizar esta parte da reflexo, ressaltando aindamais a relevncia e o carter indispensvel da leitura deTerra grvidapor professores e educadores em geral,

    com grande honra que aqui apresentada a carta dirigidapor Lvi-Strauss a Betty Mindlin:5

    Paris, 10 de maro de 2000

    Cara Senhora,

    Terra grvida, que a senhora houve por bem meenviar, um complemento muito precioso de suas

    obras precedentes. Nessa, como nas outras, a se-nhora reuniu uma rica mitologia proveniente de po-vos sobre os quais no se possui quase nada. O con-junto forma um corpus impressionante que guarda

    relao com as grandes coletneas clssicas da mi-tologia amerndia. Foi muito proveitoso para mim.Com meus agradecimentos, solicito, cara Senho-ra, que aceite a expresso de minha respeitosa ho-menagem.

    Claude Lvi-StraussProfessor EmritoCollge de France

    POR UMA NOVA LINGUAGEM

    O apelo da simplicidade que h no acesso a informa-es via Internet tem se constitudo em um caminho per-verso de simplificao das potencialidades presentes nasnovas tecnologias digitais. Em particular no campo daeducao, tal simplificao tem trazido perspectivas deensino a distncia, que so saudadas como o poten-cial por excelncia dessas tecnologias no campo da edu-cao.

    Ainda que valorizando as potencialidades comunica-tivas presentes na Internet como mdia interativa, ne-cessrio superar essa viso, quando se trata de ampliar ohorizonte de reflexo e, portanto, de compreenso do al-cance, dos limites e das possibilidades das tecnologiasdigitais como campo de construo de conhecimento,portanto com reflexos diretos na educao. Da, o cami-nho buscar o que se tem produzido de pesquisa nessecampo. Contudo, no-pesquisas escritas, que s fazem re-petir a lgica argumentativa da linguagem verbal racio-nal, mas sim aquelas que tragam a possibilidade devivenciar seus caminhos, provar as marcas que sofreram,partilhar o sentido e a prtica da autoria.

    por isso que este artigo trata da obra Hipermdia,psicanlise e histria da cultura, de Srgio Bairon6(co-

    ordenador geral) e Luis Carlos Petry. Publicado emhipermdia, este trabalho rompe os limites que esta ferra-menta que aqui usada palavras, tinta, papel tem. Tra-ta-se de trabalho vigoroso de pesquisa, desafiador e ou-sado na apresentao e na proposta. A pesquisa, seguindoa trilha acadmica anteriormente aberta pelo coordena-dor, no se limitou a trabalhar conceitos, dentro dos limi-tes habituais, porm rompeu barreiras convencionais, in-serindo-se nas tendncias mais avanadas da pesquisa atual

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    internacional, com requintes de pioneirismo, ao tambmproduzir, em linguagem de hipermdia, os resultados desua investigao.

    Mesmo correndo o risco de reduzir o alcance dessa obra

    j que aprisionada, aqui, regredida aos moldes con-vencionais importante o exerccio de dilogo, maisque um comentrio ou sntese (a qual seria mesmo im-possvel). Vale lembrar, em primeiro lugar, que essa obraexige uma imerso em sua proposta, no se entregando aum olhar. Trata-se de um contato passivo e ativo ao mes-mo tempo. Passivo, porque, se se pretende conhec-la, nohaver como no vivenci-la, ser necessrio haver umaentrega proposta, fruto, provavelmente, da formaopsicanaltica dos autores. Ativo, porque sero os sentidosdo leitor (denominao insuficiente para a relao que seestabelece nessa proposta) que guiaro o percurso.

    Porm, de que caminho se trata? A referncia a m-todo presente o tempo todo, na prpria metfora dolabirinto. O desvelar das intenes dos autores, contudo,surge apenas quando se tm em mente suas refernciasfilosfico-tericas: Heiddeger, Wittgenstein, Gadamer,Lacan, Certeau (este, historiador e psicanalista lacaniano,como o coordenador).

    De fato, da Hermenutica, a obra traz soberano o concei-to de jogo, conforme j trabalhado pelo coordenador em tra-balho anterior: Os jogos de linguagem apresentam a idiade que todo encontro com ela sempre movedio e de quefaz parte do seu prprio acontecer a busca da verdade. Noalemo, por exemplo, o termo Spiel (jogo, interpretao, ris-co, brincadeira) pretende acolher grande parte deste aconte-cer. Como tcnica, a multimdia radicaliza e ratifica o prin-cpio de que a linguagem tem seu verdadeiro sentido em todaao que se converte numa modificao daquele que a ex-perimenta. A linguagem multimiditica se apresenta comoum jogo, exatamente porque, tal como este, o sujeito desi mesma. () Brilhantemente explorado por Johan Huizingaem Homo Ludens, a concepo de jogo assume maior res-ponsabilidade no encontro entre a cultura e a linguagem. Oautor apresenta o jogo como elemento fundador das funes

    culturais, do Direito, da Poesia, da Guerra, etc., sobretudono sentido de impulsionar o jogador (een spelltje doen, emholands), independentemente de ser o resultado da ao deuma conscincia lgica. Esta seria, tanto em Huizinga, quantonas propostas hermenuticas, o principal fascnio no Spiel: jo-gar , sobretudo, ser jogado. O jogo dono dos jogadores(Bairon, 1995:83-84).

    De fato de Gadamer (1991:149), autor que perpassatoda a reflexo e proposta metodolgica do trabalho, a

    afirmao recorrente ao longo de Hipermdia: todo jo-gar um ser jogado.7Essa proposta fundamenta a rela-o que Gadamer estabelece entre jogo e obra de arte,tambm fundamental para se compreender a proposta, feita

    por Bairon, da adoo da esttica como via de compreen-so: O que teria que ser objeto de nossa reflexo noseria a conscincia esttica, mas a experincia da arte ().() a experincia da arte no nenhum objeto frente aoqual se encontre um sujeito que o para si mesmo. Pelocontrrio, a obra de arte tem seu verdadeiro ser no fato deque se converte em uma experincia que modifica a quema experimenta (Gadamer, 1991:144-145).

    Na proposta de Bairon, encontram-se obras de arte tra-zendo o uso de diferentes linguagens como busca de com-preenso universal. L esto fotografias amalgamadas emcolagens digitais, ou ento compondo telas, firmamento

    iluminado como no laboratrio de topologia, ou trazendoa escurido permanente por sobre o labirinto (seria o mer-gulho no inconsciente? No desconhecido? No que est aser conhecido?).

    Jogando (vivendo-se o ser jogado) no labirinto, a setado mouse desliza por sobre uma parede do labirinto sen-sibilizada, surgem imagens de Magritte, referncia cons-tante, que conduzem a outras experincias, nas quais dada a possibilidade de sair, nas alternativas iconogrficasque vo sendo desvendadas, ou ficar, e suportar a expec-tativa do que est por vir. O usurio/leitor/jogador encon-trar animaes que raptaro sua ateno, envolvendo-oem um clima impossvel de controlar. Um exemplo asara ardente futurista do desejo, danando inapreensvelao som de um mantra oriental. Ou qualquer outra coisaque seja a mesma representao visual e sonora, que oleitor/jogador venha a perceber: assim ser.

    As citaes cinematogrficas, de clssicos como Tem-pos Modernos,Metrpolis, 2001 Uma Odissia no Espa-o, entre outros, so um exerccio de pesquisa de filmesque tm profundo significado neste sculo que se encer-ra, vinculando-os a conceitos explorados pela Psicologia,pela Histria, pela Lingstica e pela Antropologia. As-

    sim, ora a Histria da Cultura fornece os elos da interdis-ciplinaridade,8ora a arte que o faz. J afirmara anterior-mente o autor: A livre criao daquele que produz umaobra de arte tem o potencial de abertura ao mundo, quenenhuma metodologia cientfica de tradio iluminista ga-rante. A liberdade de ao imagtica na arte pressupe,em essncia, uma igual liberdade de interpretao e ex-presso. Longe do domnio tcnico conteudstico, a com-preenso pode possibilitar um estar-no-mundo que pro-

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    mova o encontro daquele que interpreta com o que in-terpretado, ao ponto desta promoo revelar os horizon-tes envolvidos (Bairon, 1995:199).

    Vale ressaltar que as tecnologias digitais propiciam fa-

    cilidades no uso dos diversos recursos propiciados pela arte,em suas diversas manifestaes. Antecipando a riqueza comque exploraria esse potencial, Bairon (1995:209) afirmavaem trabalho anterior: () A linguagem da arte a lingua-gem do no-sentido, do desapropriar-se de qualquer signi-ficado, da valorizao da subjetividade, no a kantiana, masa da polifonia bakhtiniana.

    No mundo contemporneo, vdeo, animao, colagem,efeitos, cinema, artes plsticas, etc., brigam para mante-rem a prpria identidade institucional; mas, como vimostudo indica que haver uma grande hibridao dos meiosde manifestao artstica, a ponto de no conseguirmos

    mais diferenciar o espao da arte, j que esta est cadavez mais tornando-se cotidiano.

    importante destacar que o uso de trabalhos comoHipermdia, na formao de professores, traz vantagensde vrias ordens. Primeiramente, como experincia decompreenso, incorporando o cognitivo e o sensitivo,oportunidades de ampliao de horizontes. Talvez algumindagasse como freqente de que serviria esse tipode vivncia, se for posteriormente condenado a traba-lhar em escolas que no dispem de facilidades da infor-mtica. Trata-se, contudo, de um modo de abordar o co-nhecimento, de lidar com a riqueza das produes culturaishumanas, no se aprisionando nos limites do impresso emtinta e papel. Uma vez vivenciada essa formao, o pro-fessor ter condies de buscar e oferecer recursos varia-dos a seus alunos.

    Isto porque, como j foi tratado, os conceitos de jogoe esttica so estruturadores da proposta analtica de

    Hipermdia.H trs verbos que expressam os objetivosbuscados por esse trabalho em hipermdia e que estovoltados para o usurio/leitor/jogador: imergir, pergun-tar, projetar.

    Enquanto jogo,Hipermdiaconvida a uma imerso, aps

    a qual no se tem como voltar atrs. O vivido j ter altera-do algo naquele que o vive, pela percepo, pelo conheci-mento, ainda que inapreensvel e por vezes indizvel.

    A profuso e riqueza de informaes oferecidas anun-ciam, por um lado, o volume e a durao das pesquisasprvias realizadas, dentro e a partir de diferentes regiona-lidades cientficas e artsticas. Tais pesquisas propiciaramlevantamento conceitual e iconogrfico ao longo de mui-tos anos, permitindo explorao de 30 conceitos, apre-

    sentados e compostos em 64 locais de interao que po-dem ser percorridos em diferentes nveis.9

    Uma vez imerso, o leitor/usurio/jogador v-se frenteao inesperado, ao incompreensvel, instigado ento a per-

    guntar. Atividade essencialmente hermenutica, perguntar inevitvel quando se percorre o labirinto, o qual se mos-tra e se esconde; oferece porm no o faz de forma simplista:provoca e, gentil, permite que se prossiga, ou no, at olimite de cada nvel sucessivo de imerso. Pelo sistema debusca de palavras, pode-se pular de um conceito para ou-tro, de uma regio para outra do labirinto, assim como setem a possibilidade de consultar, a qualquer momento, oregistro dos prprios passos, pelo navegador.

    O uso de tcnicas atualssimas, envolvendo clculos eminucioso trabalho de criao digital, traz a possibilida-de de girar 360 em torno de diferentes objetos, ao que

    parece buscando operar visualmente a noo de giro onto-lgico,10propiciado pelo perguntar.

    Imergir e perguntar complementam-se, como possibi-lidade de compreenso, no projetar. Bairon (1995:199)advertia em trabalho anterior: () a compreenso deveter presente que, tanto o comum, o peculiar, como o cien-tfico e o potico, devem ser o resultado tanto do compa-rativo, quanto da adivinhao. A adivinhao impres-cindvel na arte como na cincia, pois jamais pode serresultado somente da aplicao de regras.

    Se verdade que tal ao independe de suporte mate-rial, , contudo, extremamente facilitada pela exploraohermenutica feita pela via da linguagem da hipermdia,enquanto conjuno de diferentes linguagens e mdias,propiciada pela compatibilizao operada pela digita-lizao. A incompletude que se manifesta a cada intera-o, a impotncia a cada vai-e-vm, resultado do ser jo-gado (quando tudo o que se queria era jogar), levam busca de outros conceitos, de outras experincias estti-cas que projetaro o sujeito/leitor/usurio/jogador, quepouco a pouco se percebe autor.

    Nesse ponto ficam evidentes os dois princpios nortea-dores da proposta, elaborao e produo deHipermdia:

    a no-linearidade e a reticularidade.Ao propor o no-linear como elemento de compreensodo estar-no-mundo e do permanente recolocar-se, o traba-lho desafia as fronteiras das regionalidades cientficas. Con-tudo, isto feito com rigor e destreza, dentro da tradioproposta h tanto por Fernand Braudel e a fica evidente opapel da Histria da Cultura como elo interdisciplinar.

    Ao mesmo tempo, na hipermdia est sendo analisada,a escolha a cada momento coloca-se to atraente quanto

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    difcil, como criana em frente a vitrine de doces, pois feita uma oferta generosa de conceitos, referncias est-ticas, textos tericos, notas de rodap reflexivas, imagenspouco freqentes de autores (seria, a, um eco da aborda-

    gem enciclopdica doIl Seiscento, de Umberto Eco, umdos autores/obra de referncia do coordenador?).

    Com base nessa oferta generosa se constri, na prti-ca, a possibilidade de uma produtiva reticularidade quedesafia o institucional na cincia e na arte. Todo aqueleque se interessar poder ter o CD-ROM mo, para a qual-quer momento navegar, experimentar novos caminhos,descobrir novas nuances das criaes estticas belssimas,apresentadas em cores e sons, a fornecer-lhe contedo paraser, tambm, autor. O que mais poderia buscar a prpriaeducao?

    Imagens cujas texturas so revestidas de conceitos,

    jogos de criana, como o jogo da velha, aplicados a con-ceitos extremamente complexos, trilhas musicais sens-veis, com um qu de pico por vezes, locues instigantesque exploram as possibilidades sonoras da lngua portu-guesa. a estimulao do campo perceptivo, jogando comos sentidos de uma nova e distinta maneira, que permiteapenas concluir com a prpria obra: aqui est uma novasrie infinita.11

    DO NO-ESCRITO AO PARA-ALM-DA-ESCRITA

    Como se o Mar se abrisse

    E nos mostrasse outro Mar

    E este ainda ainda outro e os Trs

    Fossem s antecipao

    De Perodos de outros Mares

    Por Praias no visitados

    Estes tambm a Beira de Mares indevassados

    A Eternidade so os Mares que viro

    Emily Dickinson (1999:51)

    Ler Terra grvidae outros trabalhos semelhantes deBetty Mindlin descobrir o Brasil para alm da informa-o que til, porm insuficiente como proposta de en-contro de alteridade indispensvel, no caso. encon-trar o vigor e beleza da diversidade, constituinte douniversal. Trata-se de contribuio para transformar men-talidades construdas a partir de ensinamentos nas esco-las, a tantos, por tanto tempo, que criaram um imaginriodo ndio brasileiro, que, por desinteresse cultural e in-

    teresses de dominao, disseminaram a ignorncia comrelao riqueza da diversidade brasileira. Mentalidadena qual os grupos indgenas, apesar do desaparecimentode muitos pelas polticas histricas de conquista e explo-

    rao, ainda permanecem como mais de duas centenas degrupos, falando quase o mesmo tanto de lnguas.

    Vale tambm o desafio de jogar o jogo proposto porBairon. Estudar jogando, jogar estudando. Descobrir astrilhas das prprias possibilidades de criao, nas mlti-plas formas de percorrer o labirinto e nas idas e voltaspor entre os nveis. Nos caminhos do labirinto, dar coma cara na parede pode ser produtivo, porque permite atra-vessar o limite, por meio da compreenso de novos pla-nos, com novas experincias estticas.

    Roberto Gambini, fazendo o prefcio de Tuparis etarups, pode ser aqui invocado para auxiliar a compreen-

    so de quo prximas so as abordagens de Betty Mindline Srgio Bairon: Os mitos revelam o fundo da alma. Ofundo da alma no da mente repleto de imagensincomuns, bizarras, inesperadas, que chocam e exaspe-ram a mente consciente porque a desafiam, como a pro-var-lhe que aquilo que chama de realidade apenas umarranjo temporrio e artificial das coisas, que tudo seassim parece, mas que o ser abismal e inesgotvel. Alinguagem mtica especialmente esta, brasileira, chei-rando a mato, inusitada e nova, ainda que milenar sub-verte a ordem das coisas, provocando releituras do mun-do. Um mito contm tanta verdade sobre a natureza doreal quanto a mais profunda intuio da psicologia doinconsciente. A reside seu valor, que ultrapassa os cdi-gos estticos da literatura e da arte. Um mito vale noapenas por ser belo, mas porque contm uma centelha deconhecimento roubado aos cus como o fogo de Prome-teu ou da arara (Gambini, 1993:12).

    Embora o cheiro de mato possa aqui ser trocado por cria-o digital impactante, Lcia Santaella, ao fazer a apresen-tao deHipermdia, tambm explora a temtica da profu-so e da quebra da linearidade como fator de subverso e decompreenso: Assim como a hipermdia como tcnica per-

    mite a integrao sem suturas das diferentes mdias e lin-guagens, isomorficamente nesta hipermdia integram-se, emcruzamentos e sobreposies, em vizinhanas e coabitaes,o conceitual e o criador, o intelectual e o esttico, as super-fcies e palimpsestos de textos, imagens, falas e sons, estra-das e sinalizaes, cones e pistas de navegao que inter-mitentemente lanam ao leitor piscadelas secretas parafisg-lo nessa aventura intelectual em que pensamento extase sinestsico se enlaam (Santaella, 2000).

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    Assim tambm encontra-se o uso deliberado da pr-pria imaginao, em que a criatividade transbordada dis-ciplinada pelos objetivos buscados: a temtica do autor/produtor (Williams, 1992) e o convite ao leitor/autor. Em

    Bairon (1995), eis o que prope, como j foi visto: Aliberdade de ao imagtica na arte pressupe, em essn-cia, uma igual liberdade de interpretao e expresso.Em Mindlin (1999:263), essa proposta tambm afirma-se como convite: Espero, como no caso de meus traba-lhos anteriores, que as tradues sejam refeitas, com baseno registro gravado que tenho nas vrias lnguas ou utili-zando novas gravaes. Conservo as gravaes e as tra-dues de cada narrativa e de cada Narrador; minha do-cumentao uma espcie de museu ou arquivo para osndios ou outros pesquisadores e todo o livro pode serreescrito por escritores ndios ou outras pessoas.

    A escola, como nossa civilizao, tem valorizado de-mais o verbal e o racional. A formao de professores seafirma nessa mesma atitude, fechando um ciclo vicioso, atransmisso de certo tipo de conhecimento que se pretendelinear, que se multiplica e reproduz como se fosse linear,instaurando facilmente a falta de motivao para o estudo.Acomoda-se, como analisa Bachelard (1984:167): Chegauma altura em que o esprito gosta mais daquilo que con-firma o seu saber do que daquilo que o contradiz, prefereas respostas s perguntas. Passa ento a dominar o instintoconservativo e o crescimento espiritual cessa.

    O conhecimento veiculado ento pela escola parece es-gotar-se em si, sem utilidade, o que de certa forma ver-dade, se o que se oferece arrefece qualquer vontade de co-nhecer mais. Como cessar a capacidade de indagar? Comoromper o fluxo de interesse? Vale lembrar uma vez maisBachelard (1984:166): O esprito cientfico proibe-nos deter uma opinio sobre questes que no compreendemos,sobre questes que no sabemos formular claramente. preciso, antes de tudo, saber formular problemas.

    A oferta de vivncias estticas polissmicas, muitas vezestrazendo o recurso palindia como desafio, a possibili-dade de aprofundamento por nveis, a ausncia de uma

    estrutura que se bastaria a si, a abertura para a ao co-autoria, portanto do leitor/jogador/navegador ao escolher,tudo isso significa, para os padres at aqui vividos, umamudana substancial nas possibilidades educacionais.

    Do ponto de vista do desenvolvimento curricular naescola, em seus diferentes nveis, essa abordagem facilitaa prpria compreenso da idia de transversalidade e daelaborao de projetos desenvolvidos em torno de temascom tal caracterstica. Assim, a formao de professores

    pode incorporar esse tipo de leitura/jogo/aventura/auto-ria com grandes vantagens, comparativamente ao uso demeios convencionais.

    O que a se observa a mesma escolha da possibilida-

    de de viver mais a busca da compreenso que do conhe-cimento, mediante a mesma liberdade de criao, a mes-ma imerso no sensvel para alm do racional, que h nanarrativa indgena, e que nesta marcada pela simplici-dade dos recursos estticos usados. Assim, o corpo tor-na-se instrumento, pela voz, pelo gesto, pela expresso,com o que se garante a permanncia e, ao mesmo tempo,a transformao da mensagem, a cada vez. EmHipermdia,em meio ao percurso, reverbera-se a mesma afirmao:Corpo ferramenta.

    O trabalho de Bairon tambm assemelha-se pesquisade Betty Mindlin na preocupao da permanncia do tra-

    dicional no novo. Em suas pesquisas, Mindlin colhe mi-tos de narrativas orais e faz seu registro, como forma degarantir sua permanncia entre os indgenas e de busc-la na sociedade brasileira, divulgando-a. A passagem dooral ao escrito se faz, assim, pelo bem de ambos.

    Bairon faz dialogar entre si conceitos de regionalidadescientficas distintas, explorando ao longo da pesquisa oconceito de cultura, fazendo inmeros exerccios herme-nuticos no percurso do labirinto, fundindo linguagens ho-je tradicionais escrita, fotografia, cinema, vdeo, som ,mediante as possibilidades da linguagem da hipermdia.Com isso enriquece o j existente como as precisas ci-taes de cinema e explora as possibilidades heursticasda realizao da investigao conceitual com a nova fer-ramenta, a hipermdia.

    Vale lembrar que Bachelard (1984:171), comentandocaractersticas do livro do ensino cientfico moderno,afirma: Mal se lem as primeiras pginas, v-se que osenso comum deixa de poder falar; deixam igualmentede se ouvir as perguntas do leitor. A frase Amigo leitorseria de bom grado substituda por um aviso severo:Alu-no, toma ateno!O livro pe as suas prprias questes.O livro comanda.

    Esse ponto oferece possibilidades de se apresentar umdos aspectos que mais diferencia o tipo de ensino a dis-tncia que vem se fazendo e as estruturas hipermiditicas.Com freqncia, o uso da Internet como suporte tem sidoapontado como veculo preferencial dessa modalidade deensino, beirando freqentemente um ufanismo tecno-lgico, de resto j vivenciado na dcada de 60 com a idiade educao pelo rdio e pela tev e nos anos 80 com adisseminao do vdeo. Todas essas propostas puderam

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    ser incorporadas aos processos de ensino, cooperando nadifuso de conhecimento. Contudo, recomenda a cautelahistrica que se evite a empolgao de cunho substitutivo(nada que no seja isso).

    De fato, o que se tem visto em sua grande maioria aindaapresenta limites, seja de ordem tcnica, seja de ordemconceitual. Do ponto de vista de estruturas, essa condu-o, que talvez poderia ser chamada de heteroconduo,freqentemente apresenta uma lgica pronta, em que mes-mo as alternativas so evidentemente limitadas. Do pontode vista conceitual, muitas vezes repete-se, disfarada, aestrutura linear dos livros tradicionais, pouco havendo,ento, de explorao efetiva da capacidade analtica que omeio digital propicia.

    Alm disso, a restrio imediata de permanncia naInternet, pelo acesso por assinaturas de tempo limitado,

    significa a submisso lgica de mercado; mesmo nosportais gratuitos, essa lgica est presente pela exposioa mensagens de patrocinadores, os quais, por sua vez,determinam o que , ou no, relevante.

    Embora pedindo estudo especfico, interessante lem-brar, por exemplo, que a divulgao massiva da Internetno Brasil como meio de comunicao, popularizando ocomputador como instrumento, deu-se em uma novela

    Explode corao (Rede Globo, 1995)12 onde a ciganaDara trava contato, com aquele por quem se apaixonaria,em um chat. Vale observar a estratgia de marketingembutida na novela, em particular por associar a novatecnologia ao esoterismo, pela presena cigana, com lei-tura do futuro atravs de mos, de cartas de baralho, acen-tuando o esteretipo, com relao aos ciganos, e, qui, ailuso de que a Internet seria algo mgico.

    No se trata, aqui, de minimizar as facilidades e possi-bilidades presentes na Rede. Mesmo a simples dissemina-o de mensagens em correntes, uso entre internautasatualmente to corriqueiro quanto envergonhado,13pode terum papel a cumprir, por exemplo, na descoberta maravi-lhada que idosos fazem da Internet como meio de comuni-cao, assim como solitrios em geral. Ou ainda, vale lem-

    brar as listas de discusso, originariamente praticadas emmeios acadmicos, nos primrdios da Internet, e hoje qua-se obrigatrias entre organizaes no-governamentais emovimentos sociais (Castells, 1999).

    Sem dvida h grandes vantagens no uso e na consul-ta Internet, para fins educacionais, mas ela, em si, aindano propicia possibilidades de explorao conceitual comose observa em outros produtos digitais, como no exem-plo de hipermdia aqui analisado e a o suporte do CD-

    ROM mais adequado, por permitir sua explorao commaior liberdade, sem as presses presentes quando semarca, como se faz no Brasil, a durao da consulta pelotempo conectado.

    Os autores aqui estudados tambm tm em comumabordar o presente como duradouro, porque mutvel, oser humano que vive da tradio ao futuro como um ni-co tempo. Lembram, a, Grahame Clark, arquelogo queressalta a importncia de salvar a tradio, no permitin-do que se fossilize. Reverbera essa atitude, sem dvida,na preocupao tica de Betty Mindlin, ao recolher as nar-rativas, assim como em Bairon, ao se deter na construodigital de objetos tridimensionais, permitindo ao usurio/jogador conhecer, por exemplo, a sala de Freud em Vie-na, sua cadeira (a girar, em uma das brincadeiras de cria-o), o famoso div, sua vitrine de objetos.

    Vale lembrar que a noo de aventura e a se inclui aviagem/navegao pelo tempo e pelo espao, pelo diver-so e pelo idntico encontra-se tanto em Terra grvidaquanto emHipermdia. So exploraes dos conceitos decultura e de linguagem, que permitem pronunciar viven-cialmente a pluralidade presente em ambos.

    O trabalho de Mindlin evidentemente vinculado pluralidade cultural brasileira, cooperando, assim, na cons-truo/transformao da identidade cultural/identidadenacional de que se tratava logo ao incio deste artigo. Con-tudo, vai alm, trata do universal, como lembra Gambini(1993:13): () esses contos brasileiros recolhidos no matomereceriam a ateno de exegetas do nvel de AntonioCandido, Joseph Campbell ou Marie Louise von Franz.Quem sabe assim ns brasileiros comearamos a valori-zar aquilo que diz a alma ancestral de nossa terra e tera-mos algo que nos enaltecesse para mostrar ao mundo.

    Da mesma forma, o trabalho de Bairon tambm umproduto tipicamente brasileiro, a configurar novas per-cepes/criaes que o Brasil propicia, mas se abre tam-bm para o mundo, de onde igualmente tira inspirao.Como afirma Santaela (2000): No tenho dvidas de queeste magnfico trabalho ser um marco na histria da

    hipermdia no s no Brasil mas tambm em um contextointernacional, pelo hibridismo denso cuja germinao s asopa bitica do sincretismo prprio cultura brasileira po-deria propiciar.

    Trazem ambos, Mindlin e Bairon, os desafios de umarealidade complexa, da qual muitas vezes a escola e a for-mao de professores tm estado distantes a compreen-so de como se faz cotidianamente a constituio da iden-tidade cultural e da identidade nacional no Brasil.

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    Terra grvida, como quer seu nome, traz dessa com-plexidade a permanncia e o novo, o milenar desconhe-cido. , em si, um convite para que o educador repensesuas prticas mediante subsdios efetivos, sendo tocado

    pelas histrias e pelos mitos que trazem a vida de gruposindgenas. Indgenas que, ao serem tratados na escolacomo tm sido ou seja, como se fossem, independente-mente de seus grupos, homogneos restos de um passado, so invizibilizados como parte constituinte deste pre-sente plural e diverso que de fato o Brasil .

    Para Bairon, a complexidade referida significa avan-ar nas possibilidades tecnolgicas sem cair num deter-minismo maqunico aparentemente aberto, mas sem pers-pectivas, porque aprisionado na tecnologia como valor emsi. Ao invs disso, o que faz , avanando nas possibili-dades hipermiditicas, repercutir as construes culturais

    e cientficas, reconstruir e ampliar as possibilidades decriao esttica e conceitual, de capacidade de perguntare buscar, capacidades especificamente humanas. Hiper-mdia, pois, um convite para a aproximao a um meioque, pela mitificao indevida, visto por muitos educa-dores, pelas condies de nosso pas, como futuro ina-cessvel, com o que se perde de vista este presente no qualest entre ns, por toda parte, determinando nossa exis-tncia, espera de que tomemos as rdeas desse proces-so. A reiterao hermenutica de que o ser se define peloentorno, soberano no mapa do labirinto, o convite reflexo e o alerta que os educadores no podem deixarde perceber.

    NOTAS

    E-mail da autora: [email protected]

    A autora vice-presidente do Jri I nternacional do Prmio Unesco de Educaopara a Paz, Paris e diretora-presidente do Instituto Plural SP.

    1. Ainda em sua fase de trabalho como economista, Betty Mindlin coordenou apublicao de uma coletnea que se tornou um clssico, contando com intelec-tuais poca tempos de chumbo perseguidos pelo governo au toritrio, reuni-dos em torno do Cebrap, logo aps sua fundao. Trata-se da obra Planejamentono Brasil, publicada pela editora Perspectiva, em 1970.

    2. Ainda esto presentes no trabalho de Mindlin, como referncias, Pierre Clastres,Roger Bastide, Berta Ribeiro, entre outros.

    3. A referncia, aqui, a idia de transcriao como presente na traduo/transcriao deBlanco , de Octvio Paz, por Haroldo de Campos (1986).

    4. Em trabalho anterior, Mindlin (1997b) chega a discutir a questo dos direitosautorais e como a equaciona.

    5. A autora apresenta os mais profundos e sinceros agradecimentos a Betty Mindlinque lhe possibilitou acesso carta de Lvi-Strauss, bem como autorizou sua in-cluso neste artigo preparado especificamente para esta revista.

    6. Professor no Programa de Ps-Graduao em Semitica da PUC So Pauloe do Programa de Ps-Graduao em Educao, Arte e Histria da Cultura daUniversidade Presbiteriana Mackenzie.

    7. Vale a pena lembrar que Richard Sennett vale-se d o conceito hermenutico dejogo par a analisar as rela es ent re pbli co e privado, trab alho que j foi utiliza -do para uma reflexo sobre a temtica da escola pblica e da prtica do profes-sor, bem como da equipe escolar (Fischmann, 1994).

    8. Em seu trabalho A margem e a li nguagem da hipermdia , o ttulo de um doscaptulos exatamente Histria como elo da interdisciplinaridade (Bairon, s/

    data).9. So citados, a seguir, a ttulo de ilustrao, alguns dos conceitos oferecidos escolha emHipermdia , por sobre o mapa do labirinto: alteridade, cincia, cul-tura, cultura material, desejo, espelho, fenmeno, fragmentos, hermenutica,hipermdia, horizonte, incompletude, jogo, lexia, linearidade, linguagem ordi-nria, no-dito, oralidade, significante, sujeito, techn, inconsciente, verdade.

    10. Ver, por exemplo, Gadamer (1991, parte III).

    11. Por exemplo, no jogo da velha em Hipermdia .

    12. J que se trata de unir teoria e prtica, foi necessrio consultar a Internetpara se conhecer a autoria, a saber, Glria Perez, e a data exata da estria danovela: novembro de 1995 (www.members.tripode.com/~korber/novelas.htm).Agradeo a rica Sacato Tongu pelo levantamento.

    13. Freqentemente chegam mensagens encaminhadas de terce iros, com comen-trios do tipo esse valia a pena, no g osto desse tipo de coisa, mas neste casoem particular, at o abertamente ambguo se disserem que eu mandei, nego. interessante tambm observar que essas mensagens tm certa caracterstica

    adolescente, como de resto a prpria esttica geral da Internet, lembrando o es-tilo MTV, o que parece se justificar, e m particular, pelo fato de que comumadolescentes serem os responsveis por pginas, proliferando webdesignersextremamente jovens, notcia comum em levantamentos da grande imprensa.

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