L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

22
O BRASIL DE HOJE: A POLÍTICA E A AGENDA SOCIAL * Fábio Wanderley Reis ** I. Democracia, capitalismo e a feição brasileira do problema da igualdade Tempos atrás, os teóricos do processo de desenvolvimento do estado- nação moderno falavam de três problemas articulados que seria necessário en fr en ta r e reso lv er: o pr oble ma da identidade, o da auto ri da de e o da igualdade. 1 O problema da identidade, que se refere à dimensão propriamente “nacional” do trinômio “estado -nação moderno ”, tem a ver com os aspectos de natu reza sociopsicológica ou cult ur al por meio dos quais a defini ção da identidade pessoal dos indivíduos vem a ser condicionada em medida importante pela inserção na coletividade nacional, que pode, assim, esperar contar com a lealdade de cada qual. O problema da autoridade diz respeito à edificação da aparelhagem administrativa e simbólica do estado, tornando-o capaz de presença e de ação efetivas junto à coletividade. Já o problema da igualdade, que representaria a face mais especificamente “moderna” da questão geral, refere-se ao desafio da plena incorporação político-social da população, em particular dos est rat os pop ula res , env olv endo a acomod açã o “co nst itucional” (em sentido sociologicamente denso da expressão, que não deixa de incluir aspectos legais) do convívio entre as classes sociais e a neutralização do potencial de conflitos nele contido. Este último aspecto se desdobra no tema delicado das relações entre a democracia e o capitalismo no processo que se dá em cada país. A grande questão há muito situada por aquilo que os teóricos mecionados designam como o problema da igualdade era a de se a incorporação popular poderia ocorrer de forma conseqüente sem que a mobilização produzida pelo capitalismo junto às estruturas sociais tradicionais desaguasse em disposições revolucionárias capazes de ameaçar a sobrevivência do próprio capitalismo. As alternativas 1

Transcript of L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

Page 1: L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

8/7/2019 L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

http://slidepdf.com/reader/full/l1-o-brasil-de-hoje-a-politica-e-a-agenda-social 1/22

O BRASIL DE HOJE: A POLÍTICA E A AGENDA SOCIAL*

Fábio Wanderley Reis**

I. Democracia, capitalismo e a feição brasileira do problema da igualdade

Tempos atrás, os teóricos do processo de desenvolvimento do estado-

nação moderno falavam de três problemas articulados que seria necessário

enfrentar e resolver: o problema da identidade, o da autoridade e o da

igualdade.1 O problema da identidade, que se refere à dimensão propriamente

“nacional” do trinômio “estado-nação moderno”, tem a ver com os aspectos de

natureza sociopsicológica ou cultural por meio dos quais a definição da

identidade pessoal dos indivíduos vem a ser condicionada em medida importante

pela inserção na coletividade nacional, que pode, assim, esperar contar com a

lealdade de cada qual. O problema da autoridade diz respeito à edificação da

aparelhagem administrativa e simbólica do estado, tornando-o capaz de presença

e de ação efetivas junto à coletividade. Já o problema da igualdade, querepresentaria a face mais especificamente “moderna” da questão geral, refere-se

ao desafio da plena incorporação político-social da população, em particular dos

estratos populares, envolvendo a acomodação “constitucional” (em sentido

sociologicamente denso da expressão, que não deixa de incluir aspectos legais)

do convívio entre as classes sociais e a neutralização do potencial de conflitos

nele contido.Este último aspecto se desdobra no tema delicado das relações entre a

democracia e o capitalismo no processo que se dá em cada país. A grande

questão há muito situada por aquilo que os teóricos mecionados designam como

o problema da igualdade era a de se a incorporação popular poderia ocorrer de

forma conseqüente sem que a mobilização produzida pelo capitalismo junto às

estruturas sociais tradicionais desaguasse em disposições revolucionáriascapazes de ameaçar a sobrevivência do próprio capitalismo. As alternativas

1

Page 2: L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

8/7/2019 L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

http://slidepdf.com/reader/full/l1-o-brasil-de-hoje-a-politica-e-a-agenda-social 2/22

históricas de solução estável e bem sucedida do problema assim posto pareciam,

até há pouco, compreender dois tipos de experiência: a dos países de capitalismo

avançado, em que o próprio amadurecimento do capitalismo teria vindo

viabilizar os mecanismos institucionais de democracia política e de incorporaçãosocial, em contraste com a suposição marxista do agravamento das contradições

e da eventual ruptura revolucionária (viabilização esta que se deu mais

cabalmente, embora não só, num modelo político-organizacional assumidamente

socialdemocrático); e a dos países que passaram por revoluções socialistas, com

a acomodação buscando-se em termos da supressão dos fundamentos

capitalistas da divisão da sociedade em classes sociais.A presença da questão social na agenda político-institucional do Brasil se

dá há muito em termos do que pode ser descrito como o problema constitucional

não resolvido, ou resolvido insatisfatoriamente. O decisivo lastro negativo a se

ter em conta no fracasso da incorporação social no Brasil e na manutenção do

quadro de enorme desigualdade social é, sem dúvida, a longa experiência

escravista do país. Algo que permite ver o que será talvez a essência, em termosde psicologia coletiva, do problema representado pela herança escravista

brasileira se tem com matéria jornalística de alguns anos atrás. A propósito da

virada de século e de milênio pela qual passamos recentemente, o jornal O

Estado de São Paulo republicou, em 31 de dezembro de 1999, um editorial

aparecido no mesmo jornal no dia 1o. de janeiro de 1901 sob o título de “Um

século”. Tratando-se de um momento que distava apenas alguns anos da

abolição da escravatura, o interesse da republicação consiste em que, na candura

com que o autor do editorial, ao discutir os eventos do século 19, manifesta o

espírito da época, marcado por aberto racismo e por clara perspectiva

eurocêntrica, algo mais fica evidente: na percepção do editorialista (e

provavelmente do establishment  brasileiro que ele presumivelmente pode ser 

tomado como representando), a ampla população negra então há pouco liberta

com certeza não fazia parte propriamente do povo brasileiro. A imagem do

2

Page 3: L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

8/7/2019 L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

http://slidepdf.com/reader/full/l1-o-brasil-de-hoje-a-politica-e-a-agenda-social 3/22

Brasil que transparece é antes a de um país europeu que acontecia ter recorrido

às conveniências da mão-de-obra escrava africana – e agora a via transformada

num problema. Não admira, por exemplo, na perspectiva que aí se tem, que

cerca de 50 anos mais tarde, em meados do século 20 (para tomar um ponto dereferência usado em comparações realizadas na imprensa brasileira a propósito

de dados educacionais negativos divulgados há pouco pelo Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatística), o país ainda não tivesse despertado para a

necessidade de investimentos maciços em educação – educar “essa gente”?

Pondere-se que na Argentina o analfabetismo deixou de existir já no século 19,

enquanto no Brasil continuamos às voltas com ele ainda no século 21.Posto em outros termos, o que o Brasil do século 20 herdou é

inequivocamente uma sociedade de castas.2 Por certo, as grandes

transformações econômicas e estruturais experimentadas pelo país ao longo do

século, com a industralização, a intensa urbanização e seus correlatos,

resultaram em mudanças importantes também no plano da psicologia coletiva, e

é mesmo provavelmente legítimo reconhecer (ainda que com reservas quanto avisões mais benignas e exageradas)3 certa “inclusividade” do Brasil da

atualidade: tomem-se, por exemplo, a música popular e os esportes,

especialmente o futebol, onde as chances de êxito sem dúvida não dependem de

características raciais ou de um background social mais favorável. Além disso,

as mudanças estruturais se fizeram também acompanhar de extensa

incorporação no plano eleitoral, com consequências políticas de monta.4 Mas a

desigualdade econômica e social continua enorme, e não há dúvida de que o

famoso “fosso social” brasileiro segue existindo.5 De sorte que, na dialética

entre desigualdade, incorporação e exclusão, o problema constitucional

brasileiro acaba por assumir a feição do contraste (e da tensão) entre duas

categorias que o jornalista Marcos Sá Corrêa foi o primeiro a contrapor: os

eleitores e os contribuintes. Se tomamos os contribuintes como aqueles que têm

rendimentos suficientes para deverem pagar imposto de renda, o Brasil dos

3

Page 4: L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

8/7/2019 L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

http://slidepdf.com/reader/full/l1-o-brasil-de-hoje-a-politica-e-a-agenda-social 4/22

contribuintes se situa em torno de 10 milhões de pessoas; com reservas para as

variações mais ou menos circunstanciais de alíquotas, temos com ele, de toda

forma, cerca de um décimo do Brasil dos eleitores.

A projeção político-institucional dessa situação pode ser descrita emtermos da prevalência de um quadro geral de instabilidade “pretoriana”,

categoria utilizada em análises clássicas de Samuel Huntington para indicar a

situação em que, dada a fragilidade das instituições políticas e sua incapacidade

de processar adequadamente o jogo dos interesses, cada “força social” usa

diretamente na arena política os recursos de qualquer natureza de que disponha,

donde resulta o protagonismo dos militares pela peculiaridade dos recursos quecontrolam, os instrumentos de coerção física.6 Huntington distingue tipos de

pretorianismo –oligárquico, radical e de massas –, e a categoria do

“pretorianismo radical”, associada por ele à afirmação política das classes

médias, pode provavelmente aplicar-se à movimentação militar de princípios do

século 20 no Brasil, em particular ao chamado Movimento Tenentista. Seja

como for, nas várias décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial, trata-sesem dúvida do “pretorianismo de massas”, cujo foco reside na afirmação política

das massas populares –e, no contexto dos confrontos e tensões da Guerra Fria, o

protagonismo dos militares (que se dá normalmente com o beneplácito de outros

setores das elites do país, especialmente o empresarial) assume inequívoco

significado de resistência à ameaça de subversão revolucionária e socializante.

Essa ameaça, quaisquer que fossem os erros de avaliação das “condições

objetivas”, era efetivamente sentida como tal pelo establishment , imbuído de

uma espécie de “complexo de sublevação”, e o pretorianismo brasileiro do

último meio século tem um claro sentido “marxista” de enfrentamento social.

Nesse enfrentamento, o Brasil dos contribuintes (ou a parte “Bélgica” e próspera

da “Belíndia” que Edmar Bacha há tempos enxergou no país, parte esta na qual

acontecem cotidianamente as decisões de importância econômica) tendia a ver 

com suspeita o próprio processo eleitoral como tal (onde decisões

4

Page 5: L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

8/7/2019 L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

http://slidepdf.com/reader/full/l1-o-brasil-de-hoje-a-politica-e-a-agenda-social 5/22

potencialmente de crucial relevância econômica são entregues à nossa vasta

“Índia” eleitoral).

II. Ingovernabilidade e “hobbesianismo”

A instabilidade pretoriana do problema constitucional não resolvido nada

tem de peculiar ao Brasil. Na verdade, vistas numa óptica planetária, as formas

de “solução” do problema indicadas acima, envolvendo ou a prosperidade

capitalista com acomodação socialdemocrática ou a revolução socialista, são

antes excepcionais: a regra somos nós, isto é, os países subdesenvolvidos da

periferia do sistema capitalista mundial, a nos debatermos na prolongada

condição de instabilidade institucional e de experimentos autoritários mais ou

menos freqüentes. Mas há novidades e matizes nesse quadro. Por um lado, o

colapso recente do socialismo em plano mundial, na esteira da experiência de

autoritarismo político especialmente rígido e, ao cabo, de ineficiência

econômica que marcou os países socialistas, sugere que não cabe contar com

estabilidade real sem democracia (ainda que a repressão possa garantir a longa

duração da forma autoritária de organização) e que a solução real estaria nacombinação de prosperidade e democracia que se tornaria possível com o

capitalismo avançado. Por outro lado, os processos econômico-sociais ligados à

dinâmica recente da globalização vêm colocar em xeque o “compromisso

social” da socialdemocracia (envolvendo keynesianismo, welfare state e

composições “neocorporativas” entre o estado e associações empresariais e

sindicais)7

e trazer a possibilidade de eventual reabertura do problemaconstitucional até nos países de maior tradição de estabilidade democrática – 

embora essa ameaça se dê em circunstâncias nas quais a lógica mesma dos

mecanismos em jogo debilita alguns dos principais atores que protagonizavam o

compromisso político e social anterior e torna precárias as perspectivas

imediatas de reação conseqüente, por parte deles, às novas condições.

De qualquer modo, o colapso do socialismo mundial tem também o efeitode neutralizar o papel da ameaça da revolução socialista no jogo político, ao

5

Page 6: L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

8/7/2019 L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

http://slidepdf.com/reader/full/l1-o-brasil-de-hoje-a-politica-e-a-agenda-social 6/22

eliminar o eventual respaldo internacional para iniciativas que pretendessem

orientar-se nessa direção e ao esvaziar em grande medida a idéia mesma do

socialismo como opção atraente e eventualmente viável. No Brasil, como

provavelmente em outros países, isso tem o efeito de fazer arrefecer o“complexo de sublevação” mencionado e melhorar, por este aspecto, as

perspectivas de estabilidade democrática (comparem-se, por exemplo, o intenso

temor suscitado entre os empresários brasileiros pela campanha presidencial de

1989, quando lideranças empresariais importantes brandiam a ameaça de maciça

saída de empresários do país na hipótese da vitória de Lula, com a relativa

tranquilidade dos contatos de Lula com o mundo empresarial brasileiro em2002, apesar das suspeitas no plano internacional, especialmente nos meios

financeiros). Mas as novidades na cena econômica e política mundial, primeiro

com a crise do welfare state desde os anos 70 e em seguida com a intensificação

da globalização e de seus mecanismos próprios, introduzem na cena política a

questão da “governabilidade”, que vem a ocupar intenso espaço nas discussões

políticas brasileiras em seguida ao colapso do regime de 1964.8

Por certo, o próprio pretorianismo de que se falou acima pode ser visto

como representando a forma mais clássica de ingovernabilidade em tempos

modernos. A ele pode ser acrescentada a forma em torno da qual o tema da

governabilidade se introduziu nas ciências sociais da atualidade, com

participação decisiva do mesmo Huntington que antes se ocupara do

pretorianismo: aquela forma que se poderia designar, ressaltando o ponto focal

das análises desse autor, como a “ingovernabilidade de sobrecarga”. Ocorrendo

num quadro de crise fiscal do estado e de demandas crescentes a ele dirigidas,

cumpre destacar que se trata aqui de uma condição que contrasta fortemente, por 

um aspecto central, com a ingovernabilidade pretoriana da precária capacidade

de processamento institucional do confronto dos interesses, pois a

ingovernabilidade de sobrecarga se enraíza na existência e na institucionalização

de um estado aberto e sensível à multiplicidade dos interesses, o qual

6

Page 7: L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

8/7/2019 L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

http://slidepdf.com/reader/full/l1-o-brasil-de-hoje-a-politica-e-a-agenda-social 7/22

supostamente se destempera a certa altura diante do excesso de demandas (o

“destempero democrático”, na expressão de Huntington).9 

Mas as novas condições mundiais, associadas à exasperação de certos

traços que há muito acompanham a desigualdade e as deficiências sociaisbrasileiras, expõem com força o Brasil a uma terceira forma, que se poderia

chamar de “ingovernabilidade hobbesiana”. Trata-se, neste caso, da deterioração

difusa do tecido social, da criminalidade e da violência urbana crescentes, do

surgimento de espaços onde a autoridade estatal não tem condições de se fazer 

valer de modo efetivo – e, assim, do comprometimento da capacidade de ação

do estado no plano da própria manutenção da ordem pública e da segurançacoletiva. Na verdade, seria possível dizer que esse comprometimento faz

emergir o problema constitucional em sentido mais comezinho e básico,

transformando-o no problema, de que se ocupou Hobbes, da constituição ou

preservação da autoridade capaz de garantir o anseio fundamental por segurança

e ordem.

Naturalmente, o “hobbesianismo” representa uma importante face nova dapresença do social na agenda político-institucional. É bem claro que ele ocorre

mesmo nos países de capitalismo avançado, com a crise do keynesianismo e do

estado de bem-estar e a perversidade social da globalização, o desemprego, a

informalização e a precarização do trabalho redundando em desigualdade

crescente, incremento da violência urbana e, especialmente nos Estados Unidos,

a “hipercriminalização” e a explosão da população carcerária.10 Com respeito ao

Brasil, porém, podem destacar-se dois aspectos articulados em razão dos quais

os fenômenos correlatos assumem características e significado especiais.

Em primeiro lugar, a peculiaridade brasileira a respeito é indicada pelo

fato simples de que analistas interessados na deterioração social e na

desigualdade que vêm penetrando os países economicamente avançados têm se

referido ao Brasil para a própria caracterização de tais processos: tratar-se-ia,

como sugere Goran Therborn, da “brasilização do capitalismo avançado”,11 em

7

Page 8: L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

8/7/2019 L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

http://slidepdf.com/reader/full/l1-o-brasil-de-hoje-a-politica-e-a-agenda-social 8/22

que a desigualdade que há muito nos distingue passaria a manifestar-se também

naqueles países, com a substituição do componente social da cidadania e dos

“direitos sociais” pelas asperezas do mercado. Ora, para o Brasil, fatalmente

inserido ele próprio na dinâmica nova a operar em escala mundial, isso indicacom clareza que as deficiências sociais tradicionais do país se vêem cumuladas

pelas consequências sociais negativas do mundo novo da globalização, com o

risco de que seus efeitos sejam potencializados.

Por outro lado, o caráter sombrio e especialmente perverso do

hobbesianismo brasileiro se liga a algo mais. Trata-se de que, dadas as

dimensões do fosso social brasileiro, o processo de transformação estrutural por que passou o país, se por um lado altera em sentido benigno e incorporador a

psicologia coletiva das elites e das camadas médias (o racismo afirmativo do

editorialista de 1901 seguramente não corresponde às disposições hoje

dominantes, mesmo se merece reservas a idéia da “democracia racial” como

descrição adequada das nossas relações raciais), por outro lado não pode deixar 

de alterar também em direção mais agressiva e reivindicante o conformismo e apassividade próprios das relações de castas. Fernando Henrique Cardoso dizia

há algum tempo, quando presidente da República, que o Brasil não é mais um

país subdesenvolvido, mas sim um país injusto. À parte os dados objetivos que

permitem constatar a manutenção da desigualdade brasileira, e da “injustiça”

nesse sentido, a observação do ex-presidente se revela certa num sentido

especial: o de que o Brasil se vem tornando um paíssubjetivamente

injusto, em

que o sentimento de injustiça penetra aos poucos as camadas mais pobres da

população, submetidas aos deslocamentos e às condições novas de uma

sociedade de grandes aglomerações urbanas e de intensa exposição aos meios de

comunicação de massas, especialmente a televisão. E cabe acrescentar que,

nesse contexto, nem mesmo as melhorias resultantes de políticas sociais

relativamente bem sucedidas são razão para esperar que as consequências

sociais negativas venham a ser atenuadas. Pois as melhorias podem não

8

Page 9: L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

8/7/2019 L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

http://slidepdf.com/reader/full/l1-o-brasil-de-hoje-a-politica-e-a-agenda-social 9/22

representar de pronto, para muitos, senão a oportunidade para tomar consciência

mais aguda da precariedade de sua condição e para o aparecimento de

disposições aguerridas e inconformistas. Mas um importante matiz a ponderar é

o de que, dada a combinação das circunstâncias estruturais novas e velhas com alimitação quanto aos recursos intelectuais das parcelas amplamente majoritárias

da população, resultante das deficiências que se mantêm na estrutura

educacional brasileira, dificilmente se poderia esperar que o surgimento e a

difusão do inconformismo viessem a tomar predominantemente um rumo

político e construtivo (que não é tampouco estimulado pela nova dinâmica

econômica): não obstante avanços como o crescimento bastante intenso de certoassociativismo e a proliferação de organizações não-governamentais,12 a

manifestação mais clara e dramática do inconformismo consiste antes na intensa

expansão da violência criminosa e da insegurança que caracterizam a forma

hobbesiana de ingovernabilidade. Daí que o Brasil da última geração, ao mesmo

tempo em que presenciava avanços como a queda acentuada do analfabetismo, a

redução da mortalidade infantil e da pobreza absoluta e o acesso dos menosfavorecidos ao consumo de coisas como geladeiras, televisores e mesmo

automóveis, tenha se tornado também o país dos sequestros, dos vidros dos

automóveis fechados contra a ameaça dos pivetes, dos carros blindados, das

chacinas corriqueiras na periferia das grandes cidades, das guerras de traficantes

nas favelas, do linchamento de crianças tomadas pelo estado sob sua tutela, das

banais rebeliões nos presídios.

III. Brasil, Argentina e a política

Se consideramos a questão de como Brasil e Argentina se comparam na

perspectiva dos problemas gerais indicados, é bastante evidente, naturalmente,

que os dois países compartilham a experiência do pretorianismo e que essa

experiência pode ser vista como envolvendo o mesmo significado básico deenfrentamento social. Contudo, as importantes diferenças no que se refere ao

9

Page 10: L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

8/7/2019 L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

http://slidepdf.com/reader/full/l1-o-brasil-de-hoje-a-politica-e-a-agenda-social 10/22

avanço social que a Argentina soube conquistar há muito tempo, em comparação

com a herança escravista e a desigualdade brasileiras, têm ramificações também

importantes do ponto de vista político-eleitoral. O que não impede que surjam

indagações quanto às consequências institucionais dessas ramificações, queparecem equívocas.

O aspecto decisivo tem a ver com o fato de que a população argentina é,

de longa data, certamente muito mais atenta, sofisticada e mobilizada

politicamente do que a brasileira. Para usar dados do começo da década de 1970,

que tenho à mão, no Brasil de então era necessário ir ao nível mais alto entre

cinco categorias de escolaridade (a categoria correspondente a curso secundáriocompleto ou curso universitário) para se alcançar uma porcentagem (39 por 

cento) de pessoas capazes de perceber a relevância do governo nacional para sua

vida cotidiana comparável à que podia ser encontrada na Argentina, na mesma

época, entre as pessoas de classe baixa (39,9 por cento, em classificação que

incluía ainda a classe “média” e a classe “alta”).13 Dados recentíssimos do

Latinobarómetro, relativos ao ano de 2002, indicam a persistência de padrões designificado geral análogo: assim, enquanto no Brasil a porcentagem dos

entrevistados em amostra nacional que declaram não saber ou simplesmente não

respondem à pergunta “Que significa a democracia?” alcança o nível de 63 por 

cento (a proporção mais alta, por ampla margem, entre 17 países latino-

americanos estudados), a porcentagem correspondente na Argentina não vai

além de 12 por cento;14 além disso, os argentinos manifestam, de maneira que se

mostra claramente correlacionada com as diferenças educacionais, muito maior 

apoio geral à democracia do que os brasileiros, muito menor disposição geral a

admitir reservas à operação da democracia em razão de circunstâncias “difíceis”

ou de problemas econômicos e muito maior congruência entre as disposições

reveladas quanto às diferentes dimensões que aí transparecem (por exemplo, no

que diz respeito à admissão, entre os que se declaram “democratas”, de

restrições à democracia ou do recurso circunstancial ao autoritarismo).15

10

Page 11: L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

8/7/2019 L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

http://slidepdf.com/reader/full/l1-o-brasil-de-hoje-a-politica-e-a-agenda-social 11/22

Como quer que seja, o alheamento político das camadas populares do

eleitorado do Brasil e as inequívocas deficiências correlatas no plano das

disposições e atitudes são um aspecto marcante do cenário político do país.

Cumpre ressaltar que essas características não resultam em total falta deconsistência do eleitorado popular, que viesse a fazer dele um eleitorado

passível de ser submetido a manipulações sem limites. O conjunto de traços

exibidos pelo eleitorado popular brasileiro, com suas nuances e ambiguidades,

pode descrever-se em termos de certa mescla, que rotulei às vezes de “síndrome

do Flamengo”, em alusão à mais popular equipe de futebol do país. Essa mescla

contém, por uma parte, certa “consistência populista”, correspondente àtendência dos estratos menos favorecidos a estruturar o universo político em

termos de imagens singelas (que envolvem apenas a contraposição tosca entre o

popular e o elitista, os “pobres” e os “ricos”) e a identificar-se reiteradamente

com figuras ou partidos políticos percebidos como correspondendo ao lado

“popular” (o “Flamengo”); por outra parte, há também o componente errático

decorrente de que, na carência de sofisticação intelectual e ideológica e daorientação para issues ou questões específicas de qualquer tipo, não se pode

contar com que esses estratos do eleitorado venham a encontrar o rumo que os

norteia de maneira “objetivamente” consistente em circunstâncias em que o

ambiente político-eleitoral em que atuam se mostra ele próprio cambiante e

fluido (ou seja, o “Flamengo” pode assumir formas variadas e eventualmente

surpreendentes se consideradas à luz de categorias como esquerda e direita).16 

Por certo, o elemento correspondente à peculiar consistência populista é o que

responde, nessa síndrome, pela existência de limites à manipulação (que ficaram

claros, de modo especialmente significativo, nas dificuldades deparadas pelo

antipopular regime ditatorial de 1964 para legitimar-se no plano eleitoral, não

obstante as muitas manobras legais). Por outro lado, é esse mesmo elemento de

apego difuso ao “popular” que se articula, na percepção do establishment , com o

populismo e suas incertezas, em particular com a idéia de “massas

11

Page 12: L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

8/7/2019 L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

http://slidepdf.com/reader/full/l1-o-brasil-de-hoje-a-politica-e-a-agenda-social 12/22

manipuláveis” eventualmente propensas a se deixarem transformar em

instrumentos de projetos de “subversão”, e com a deslegitimação conseqüente

do próprio processo eleitoral. Não obstante o componente de paranóia contido

em tal visão, bem como seu aparente arrefecimento nas novas condições dopanorama internacional, não há como negar a afinidade da síndrome em questão

com o que há de mais negativo no populismo – é bom lembrar, afinal, que ainda

há pouco foi possível a um Collor empolgar o poder no país com alguns truques

de marketing . E os perigos persistentes do substrato sociopsicológico do

populismo que aí se tem, o qual ameaça comprometer a idéia de uma

democracia capaz de operar institucionalmente de forma estável, são indicadoscom nitidez nos dados de um projeto brasileiro executado alguns anos atrás:

somente entre os entrevistados de nível universitário não se encontrava, nesses

dados, a concordância da ampla maioria com um item de questionário de claro

ânimo antiinstitucional, e mesmo autoritário, em que se desqualificavam os

partidos políticos e se afirmava que, em vez deles, o que o país necessita é “um

grande movimento de unidade nacional dirigido por um homem honesto edecidido” (e registre-se que até entre os entrevistados de nível universitário a

proporção de concordância alcançava ainda os 36 por cento).17 Naturalmente,

torna-se difícil pretender atribuir maior consistência à preferência declarada pela

democracia, já de si comparativamente pequena (os dados do Latinobarómetro

acima mencionados mostram o Brasil, em 2002, como o país latino-americano

com menor proporção de respostas – 37 por cento – em que se declara preferir a

democracia a qualquer outra espécie de regime), em circunstâncias em que basta

a alusão a traços ou ocorrências que tendem a ser percebidos de maneira positiva

(honestidade, capacidade de decisão, união nacional) para que as pessoas se

revelem dispostas a abrir mão de requisitos institucionais dela em favor de

lideranças pessoais “fortes”.18

Se voltamos à comparação entre Brasil e Argentina, esta teve,

obviamente, suas próprias e marcantes experiências populistas, especialmente

12

Page 13: L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

8/7/2019 L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

http://slidepdf.com/reader/full/l1-o-brasil-de-hoje-a-politica-e-a-agenda-social 13/22

com Perón. Mas a resiliência e a durabilidade do próprio peronismo podem

provavelmente ser ligadas ao caráter comparativamente mais alerta e intenso do

envolvimento político da população argentina. Se é bem claro o sentido em que

esse caráter representa algo preferível relativamente à situação brasileira, acontrapartida (na qual se introduzem os aspectos equívocos a que se aludiu

acima quanto às ramificações políticas do avanço social argentino com respeito

ao Brasil) reside no fato de que a maior capacidade de mobilização política, que

vimos de novo manifestar-se com vigor na crise econômica recente, torna o

próprio pretorianismo argentino muito mais dramático do que o brasileiro: ele

tem mais nitidamente a feição de “guerra interna”, a experiência autoritáriaapresenta traços mais feios, a “guerra suja” assume proporções bem mais

trágicas. Numa perspectiva algo cínica, talvez fosse possível explorar a idéia de

uma espécie de gullibility theory of democracy, ou de visão na qual, ao menos

na ausência de prosperidade sustentada que permita um jogo em que todos

ganhem, a estabilidade democrática dependeria de certa candura ou ingenuidade

(o que naturalmente se liga com velhas idéias em que a democracia é associadacom certo grau de apatia ou passividade da população)19: nessa perspectiva, o

contra-exemplo talvez mais claro seria justamente o caso argentino, onde os

níveis europeus de prosperidade alcançados precocemente não puderam depois

ser mantidos.20 E o que poderia ser visto como surpreendente (ou talvez como

algo a corroborar de novo os traços positivos que lastreiam a relevância que a

política adquire aos olhos dos argentinos) é a penetração relativamente limitada

da forma “hobbesiana” de erosão social, não obstante sua intensificação recente.

IV. Vantagens do atraso?

No Brasil, em contraste, teríamos podido nos beneficiar de certas

“vantagens do atraso”. A “síndrome do Flamengo” de que se falou acima, em

vez de um eleitor inteiramente “volátil”, está antes associada com a tendência doeleitor popular a criar identificações ou antagonismos estáveis com lideranças ou

13

Page 14: L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

8/7/2019 L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

http://slidepdf.com/reader/full/l1-o-brasil-de-hoje-a-politica-e-a-agenda-social 14/22

partidos que operem de maneira continuada e adquiram suficiente visibilidade.

Nessa perspectiva, pode-se sustentar que um aspecto relevante das dificuldades

políticas brasileiras nas últimas décadas tem a ver com a fluidez do sistema

partidário que decorre, não da “volatilidade” do eleitorado popular em expansãoacelerada, mas da manipulação institucional produzida no confronto político

como resposta às consequências sobre o processo político-eleitoral de algo em

que se revelam antes as tendências mais constantes daquele eleitorado: vejam-se

o crescimento eleitoral continuado do PTB no período 1945-64 (certamente um

dos fatores da crise que leva ao golpe no fim do período), a afirmação eleitoral

do MDB no momento em que, em 1974, os embaraços do regime ditatorialpermitem a esse partido uma mensagem aguerrida de tonalidades populares, a

gradativa e firme penetração do PT no novo período democrático, culminando

com a vitória nas eleições presidenciais de 2002. Um desafio crucial, assim,

seria o de se criarem condições que, em vez da permanente turbulência do

quadro partidário, permitam a essa propensão às identificações de cunho popular 

assumir a forma de identidades partidárias estáveis, de modo a canalizar institucionalmente a participação político-eleitoral das massas e a mitigar ou

neutralizar a atração exercida por lideranças de tipo propriamente populista ou

personalista.21

A ambivalência dos traços dessa síndrome tem implicações relevantes

para a experiência que o país vive agora com a afirmação do PT e o acesso de

Lula à Presidência. Um primeiro aspecto é o de que o êxito eleitoral do partido

dificilmente poderia ser visto como significando o apoio da massa popular às

idéias radicais e socializantes que o marcaram em sua origem. Assim como

ocorreu com o PTB associado a Getúlio Vargas, o “pai dos pobres”, e com o

MDB de 1974, que a percepção popular passou a identificar como o “partido dos

pobres”, como mostraram as pesquisas,22 assim também, descontadas certas

“vanguardas” de maior informação e envolvimento políticos, o apoio trazido a

14

Page 15: L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

8/7/2019 L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

http://slidepdf.com/reader/full/l1-o-brasil-de-hoje-a-politica-e-a-agenda-social 15/22

um “partido dos trabalhadores” certamente se deve, em boa medida, às próprias

deficiências do eleitorado popular de que se nutre há muito o populismo.23 

Isso não impede, porém, que se destaquem as peculiaridades da

experiência que se dá em torno do PT. Temos com ele, para começar, umesforço que, apesar da importância da figura de Lula e outras lideranças, se

orientou desde o início não em bases personalistas, mas antes pelo empenho de

construção de uma instituição partidária sólida, em que o debate interno e o

incentivo à militância não impedissem a disciplina e a atuação eficaz. Além

disso, os traços que conformaram o partido resultam na combinação de fatores

“populistas” de atração eleitoral (incluindo a figura de Lula e seu carismapessoal, não obstante o que ela tem de peculiar, por sua origem mais

autenticamente popular, diante da posição social privilegiada das lideranças

populistas típicas) com maior apego a idéias e princípios, justificando a

expectativa de que o êxito eleitoral, e consequentemente a perspectiva de que o

partido chegue a representar um instrumento efetivo de canalização da

participação política popular, venha a ocorrer com preservação mais adequadada consistência institucional e do compromisso popular do que em outros casos

na história dos partidos brasileiros. Finalmente, a afirmação mais cabal do PT,

com o acesso à Presidência da República, dá-se em circunstâncias em que o

necessário aprendizado de realismo eleitoral se associa com o aprendizado de

realismo também quanto ao exercício do governo e à administração do país,

imposto pelo mundo novo da globalização e do pós-socialismo e pelo cenário

econômico adverso no plano internacional com que o partido se defronta ao

deparar a oportunidade real de assumir o poder.

As consequências disso do ponto de vista do processo político-

institucional brasileiro e das perspectivas que se abrem para a democracia no

país podem ser de grande importância. Pois o acesso da “esquerda” ao poder (há

muito o foco mesmo dos temores que se davam em torno de nosso problema

constitucional não resolvido) acaba ocorrendo em circunstâncias em que se torna

15

Page 16: L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

8/7/2019 L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

http://slidepdf.com/reader/full/l1-o-brasil-de-hoje-a-politica-e-a-agenda-social 16/22

possível o desarmamento dos espíritos e a eventual convivência institucional

consolidada entre setores de opinião e focos de interesse que sempre se viram

com suspeita ou hostilidade. Surge, assim, a possibilidade de que venhamos a

repetir, por aspectos relevantes, a trajetória seguida pela socialdemocracia emdiversos países europeus (não obstante os obstáculos que ela enfrenta agora

internacionalmente), e de que, sejam quais forem os êxitos ou dificuldades

administrativas e os eventuais avanços sociais obtidos, possamos passar com

sucesso pelo teste crucial de ver chegar a bom termo institucional o governo de

um partido ainda há pouco percebido como a face nova da antiga e inaceitável

ameaça de subversão, com a entrega da faixa presidencial ao sucessor emcondições de normalidade. Em tal eventualidade, seria com certeza possível

falar de perspectivas favoráveis à consolidação da própria democracia brasileira,

com a superação de nossa longa instabilidade pretoriana. Resta esperar que as

muitas turbulências que o governo Lula seguramente terá pela frente, dadas as

incertezas do quadro político e econômico mundial e os embaraços da dinâmica

interna do partido e da difícil superação de inexperiências e velhos sectarismos,não cheguem a comprometer as perspectivas institucionais mais positivas. E, na

melhor das hipóteses, que a caminhada difícil a ser empreendida possa resultar 

em pelo menos deflagrar um processo mais consistente e conseqüente rumo à

condição em que nossa democracia política venha a ser a expressão (e o

instrumento) de uma sociedade autenticamente pluralista, justa e igualitária.

Se presumimos condições favoráveis quanto aos aspectos mencionados, a

grande reserva tem a ver com coisas que se ligam ao quadro de deterioração

hobbesiana assinalado e suas conexões com a grande desigualdade e a herança

escravista do país. O subtítulo de nossa sessão fala de “novas formas de

representação”, tema que remete a novidades que emergem em correspondência

com categorias como a “sociedade civil” e a chamada “democracia

participativa”. É certo que o Brasil experimentou recentemente, como se disse,

grande crescimento do associativismo, além de alguma experimentação com

16

Page 17: L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

8/7/2019 L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

http://slidepdf.com/reader/full/l1-o-brasil-de-hoje-a-politica-e-a-agenda-social 17/22

formas de democracia participativa, como o envolvimento de cidadãos em

conselhos setoriais que se articulam com a aparelhagem do estado. Mas não há

como deixar de registrar a significação ainda limitada de experimentos como

esses diante dos obstáculos que a herança da desigualdade continua a colocar.Os dados do projeto brasileiro anteriormente mencionado trazem, a respeito,

algumas indicações de significado potencialmente grave.24 

Assim, quando se examinam, nesses dados, as disposições da população

brasileira relativamente à garantia dos direitos civis fundamentais, expressa em

termos da opinião a respeito de temas dramáticos como a ação dos “esquadrões

da morte” na periferia das grandes cidades, do linchamento de bandidos pelapopulação e do recurso à tortura pela polícia, vê-se não só que, em comparação

com o que se dá quanto ao apoio em abstrato à democracia (especialmente

entendida em termos político-eleitorais), há forte queda no nível geral de apoio

às posições ou opiniões que se presumiriam “democráticas”, mas também que o

desapreço pelos direitos civis penetra fortemente mesmo os setores educados e

sofisticados, também em contraste com o que ocorre quanto à democraciapolítico-eleitoral, que apresenta mais intensa correlação positiva com educação.

A categoria geral dos altamente favoráveis à defesa dos direitos civis das

pessoas não ultrapassa o nível dos 18 por cento, contra níveis como 31 e 42 por 

cento em categorias análogas (de opinião altamente positiva) no que se refere ao

apoio à democracia político-eleitoral. Observadas as distribuições por 

escolaridade, vamos encontrar, por exemplo, nos níveis inferiores dessa variável

(até ensino fundamental completo, ou seja, oito anos de estudos ou menos),

proporções que variam de 51 a 59 por cento concordando, de maneira mais ou

menos qualificada, com as chacinas praticadas pelos esquadrões da morte ou

com o linchamento de bandidos, concordância esta que alcança ainda a

proporção de 30 por cento mesmo entre os entrevistados de nível universitário.

No que se refere às disposições dos estratos menos educados, tais

observações talvez se devam, em parte, ao crescimento da criminalidade e da

17

Page 18: L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

8/7/2019 L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

http://slidepdf.com/reader/full/l1-o-brasil-de-hoje-a-politica-e-a-agenda-social 18/22

violência, cujas vítimas principais se encontram justamente dentre a população

mais pobre e menos educada, possivelmente levando-a a certa propensão

especialmente intensa a identificar a garantia dos direitos civis com indevida

proteção a bandidos. Mas, se a violência dos bandidos talvez justificasse essaavaliação, que dizer da ação criminosa e da violência da própria polícia, que

também atinge sobretudo os setores mais carentes?

A melhor explicação talvez esteja em algo mais, que permite integrar as

observações sobre direitos civis com o maior apoio que, bem ou mal, é dado à

democracia político-eleitoral. A democracia político-eleitoral se tornou parte de

uma cultura convencional no mundo de hoje e também, certamente, na parcelamais educada da própria população brasileira. Esse caráter convencional torna

mais fácil a adesão a ela mesmo nos estratos populares e intelectualmente pouco

sofisticados, criando, em algum grau, a tendência à pronta verbalização dos

valores democráticos. Mas, nas circunstâncias de uma sociedade elitista e de

pesada herança escravista, a idéia de direitos civis a serem garantidos

igualmente para todos está longe de integrar a cultura convencional – o que éclaramente corroborado pelo próprio fato de que o descrédito dos direitos civis

ocorre também nos níveis médios da estrutura social e até nos estratos mais altos

(pondere-se a indiferença com que a sociedade em geral se inteira das notícias

sobre as chacinas corriqueiras entre os cidadãos de segunda classe do país: cabe

duvidar de que ficaríamos todos chocados, e de que o estado seria

dramaticamente mobilizado, se algo semelhante começasse a ocorrer 

regularmente nos Jardins de São Paulo ou em Ipanema?). Daí que se torne uma

proeza intelectualmente e moralmente mais exigente, e em consequência mais

difícil para os estratos populares, a de apreciar devidamente o significado dos

direitos civis. E, apesar das crescentes minorias aguerridas e prontas à ação até

mesmo violenta e criminosa, nas disposições que os dados revelam parece

sobreviver, entre aqueles que integram o Brasil dos mais pobres, um elemento

de deferência que pertence antes às relações de castas e em razão do qual eles se

18

Page 19: L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

8/7/2019 L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

http://slidepdf.com/reader/full/l1-o-brasil-de-hoje-a-politica-e-a-agenda-social 19/22

mostram pouco propensos a afirmar sua própria dignidade e sua condição de

cidadãos autênticos.

Autores que se têm dedicado ao tema do desenvolvimento moral, como

Lawrence Kohlberg e Jürgen Habermas, falam da moralidade convencional e desua superação na condição de autonomia moral de todos.25 Numa sociedade

marcadamente desigual, porém, superar a moralidade convencional envolve o

desafio mais difícil de superar formas de dominação social.

19

Page 20: L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

8/7/2019 L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

http://slidepdf.com/reader/full/l1-o-brasil-de-hoje-a-politica-e-a-agenda-social 20/22

* Preparado para apresentação no Seminário Brasil-Argentina - A Visão do Outro, intitulado "Sobre aQuestão Social" e realizado nos dias 13 e 14 de novembro de 2003, em Buenos Aires, sob o patrocínioda Asociación Argentina de Políticas Sociales (AAPS), do Instituto para la Integración de AméricaLatina y el Caribe (BID-INTAL), da Fundação Alexandre Gusmão (FUNAG) e da Fundación Centrode Estudios Brasileiros (FUNCEB). Publicado em El Debate Político: Revista Iberoamericana deAnálisis Político, ano 1, no. 2, dezembro de 2004.**

Cientista político, Professor Emérito da Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil. E-mail:[email protected]  1 Um exemplo da literatura que se ocupava dos problemas indicados se tem com Dankwart A. Rustow,A World of Nations: Problems of Political Modernization, Washington, D.C., The BrookingsInstitution, 1967.2 Pode-se acrescentar outra observação, como ilustração adicional disso: a de que, na obra de Machadode Assis, grande mestre da literatura brasileira que retrata finamente o Rio de Janeiro do século 19 (eele próprio mulato), simplesmente não há negros, a não ser pela menção ocasional à figura de um ououtro escravo. Tratando-se dos ocupantes do porão da sociedade, supostamente não eram de interessecomo tema literário.3 Um exemplo recente é o best-seller de Domenico de Masi, O Ócio Criativo, Rio de Janeiro, EditoraSextante, 2000, onde há insistentes referências a um Brasil idealizado de maneira claramentedesfrutável.4 “De 1945 a 2000, a população passou de 46 milhões para quase 170 milhões de habitantes, com umaumento de 268,58%, enquanto o eleitorado, que era de 7,4 milhões em 1945, passou a 115 milhões em2002, com um crescimento, no período, de 1453,7%; em 1945, somente 16,10% da população estavaminscritos para votar, enquanto (...) tomando-se o eleitorado inscrito em 2002 como proporção dapopulação em 2000 verifica-se que 67,88% dos brasileiros têm cidadania eleitoral”. Veja-se Mônica M.M. de Castro, “Eleitorado Brasileiro: Composição e Grau de Participação”, em Lúcia Avelar e AntônioOctávio Cintra (orgs.), Sistema Político Brasileiro: Uma Introdução, São Paulo, Fundação KonradAdenauer/Editora UNESP, 2004.5 Para ilustrar com dados referidos ao eleitorado, de relevância direta para aspectos a seremconsiderados adiante, veja-se também Mônica M. M. de Castro, artigo citado: “(...) 33% dos homens e31% das mulheres têm somente até 3 anos de estudo e, portanto, não completaram nem mesmo o antigocurso primário; 60,43% dos homens e 56,95% das mulheres têm até o ensino fundamental incompleto,e somente 21,18% e 24,59% respectivamente têm o ensino médio completo ou grau mais alto deescolaridade. Os dados indicam que a grande maioria do eleitorado brasileiro tem grau baixo deescolaridade. Somente uma minoria [4,79% entre os homens e 5,01% entre as mulheres] tem educaçãode nível superior, com 15 ou mais anos de estudo.”6 Veja-se Samuel Huntington, Political Order in Changing Societies, New Haven, Yale UniversityPress, 1968, especialmente capítulo 4, “Praetorianism and Political Decay”.7 Sobre o compromisso socialdemocrático, vejam-se, por exemplo, Adam Przeworski, Capitalism and Social Democracy, Nova York, Cambridge University Press, 1985; e J.-A. Bergougnoux e B. Manin,La Social-Démocracie ou le Compromis, Paris, PUF, 1979.8 Cabe notar que o debate em torno da governabilidade se cerca (não só no Brasil) de impropriedades econfusões, a começar por impropriedades semânticas em que a expressão é tomada para indicar umacaracterística da aparelhagem do estado (sua eficiência ou capacidade governativa), omitindo-se o fatode que o atributo de ser mais ou menos governável é um atributo daquilo que é governado, ou seja, dasociedade. Mas, entendida a expressão em termos de eficiência governativa, o desiderato da malchamada “governabilidade” não envolve senão o problema “técnico”, e de certa forma banal, demanejar adequadamente os meios disponíveis para a realização de fins tomados como dados. Do pontode vista da democracia, que supõe fins múltiplos de numerosos atores e de conciliação problemática, acapacidade governativa só interessa na medida em que se ligue com o desafio de criar governabilidade

Page 21: L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

8/7/2019 L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

http://slidepdf.com/reader/full/l1-o-brasil-de-hoje-a-politica-e-a-agenda-social 21/22

no sentido próprio: o de criar a sociedade que seja governável por boas razões, vale dizer, aquela emque os diferentes interesses e correntes de opinião reconheçam no estado, em grau significativo, oagente autêntico de todos. Nesse plano é que estamos diante de problemas substantivos e propriamentepolíticos.9 Samuel Huntington, “The Democratic Distemper”, em N. Glazer e I. Kristol (eds.) The AmericanCommonwealth, Nova York, Basic Books, 1976, versão abreviada do capítulo de Huntington sobre os

Estados Unidos no relatório para a Comissão Trilateral preparado por ele em colaboração com MichelCrozier e Joji Watanuki sob o título The Governability of Democracies.10 Veja-se, por exemplo, Jonathan Simon, “Governing through Crime”, manuscrito, janeiro, 1997.11 Veja-se Goran Therborn, “The Two-Thirds, One-Third Society”, em Stuart Hall e Martin Jacques(eds.) New Times: The Changing Face of Politics in the 1990s, Londres, Lawrence & Wishart, 1989.12 Veja-se, por exemplo, Wanderley Guilherme dos Santos, “A Democracia e seu Futuro no Brasil”, emJoão Paulo dos Reis Velloso (org.) Como Vão o Desenvolvimento e a Democracia no Brasil? , Rio deJaneiro, José Olympio Editora, 2001.13 Os dados argentinos são tomados de Jeane Kirkpatrick, Leader and Vanguard in Mass Society,Cambridge, Mass., MIT Press, 1971, pág. 159. Os dados brasileiros correspondem a pesquisa amostralexecutada por Philip Converse, Peter McDonough e Amaury de Souza, em 1973, sobre “Representaçãoe Desenvolvimento no Brasil” (veja-se Fábio W. Reis, Political Development and Social Class:Brazilian Authoritarianism in Perspective, tese de doutorado não publicada, Harvard University, 1974,especialmente pág. 331, tabela 6.9).14 Dados de informes divulgados pelo Latinobarómetro e publicados na imprensa internacional.15 Essas observações resultam de manipulações dos dados feitas pelo próprio autor, a convite doLatinobarómetro, em análises ainda não publicadas. Quanto ao último aspecto destacado (o dacongruência entre as várias dimensões), uma ressalva necessária parece relacionar-se com a grandecrise econômica argentina dos últimos anos e seus efeitos no ânimo político da população: trata-se daalta insatisfação, entre os argentinos, com a maneira como opera a democracia. Apesar de que a feiçãogeral dos dados sugira certa convergência argentina com a tendência internacional ao aumento do quealguns têm chamado de “democratas insatisfeitos” (veja-se Hans-Dieter Klingemann, “MappingPolitical Support in the 1990s: A Global Analysis”, em Pippa Norris [ed.], Critical Citizens: Global Support to Democratic Governance, Oxford, Oxford University Press, 1999), a insatisfação, naArgentina, não só cresce com o crescimento do nível educacional (de modo algo peculiar em confrontocom outros países latino-americanos, incluído o Brasil), como também resulta em que a congruência deopiniões nos níveis educacionais mais altos se reduza, criando, nesses níveis, certa “contaminação” emque mesmo os que se declaram satisfeitos com a operação da democracia se mostram,surpreendentemente, mais prontos do que os de níveis educacionais mais baixos a manifestar reservasquanto à democracia ou a admitir o autoritarismo em razão de problemas econômicos.16 Para uma apresentação sintética das verificações relevantes com respeito ao eleitorado brasileiro,veja-se Fábio W. Reis, “Institucionalização Política (Comentário Crítico)”, em Sergio Miceli (org.), OQue Ler nas Ciências Sociais Brasileiras (1970-1995), São Paulo, Editorial Sumaré/Anpocs, 1999.17 Trata-se de dados produzidos pelo projeto “Pacto Social e Democracia no Brasil”, coordenado peloautor, cujo trabalho de campo foi executado em 1991-92 junto a uma amostra da população de BeloHorizonte e a amostras especiais de trabalhadores dos estados de Minas Gerais e de São Paulo. Para adescrição do projeto e a análise de diversos aspectos relevantes dos resultados obtidos, veja-se FábioW. Reis e Mônica M. M. de Castro, “Democracia, Civismo e Cinismo: Um Estudo Empírico sobreNormas e Racionalidade”, Revista Brasileira de Ciências Sociais, Vol. 16, Nº 45, fevereiro, 2001,págs. 25-46.18 Vale a pena notar que o item sobre “homem honesto e decidido” foi introduzido no questionário denosso projeto, ao lado de outros, com a intenção de se obter um teste preliminar de certas sugestões deGuillermo O’Donnell sobre a idéia de “democracia delegativa” (parte do projeto contou com a

Page 22: L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

8/7/2019 L1-O Brasil de hoje-A política e a agenda social

http://slidepdf.com/reader/full/l1-o-brasil-de-hoje-a-politica-e-a-agenda-social 22/22

colaboração de O’Donnell e sua equipe de então no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).Apesar de que os dados relativos a outros indicadores não sustentem a idéia da suposta propensão“delegativa” por parte do eleitorado brasileiro (como os que indicam a inexistência de uma preferênciamajoritária no sentido de que o presidente da República seja deixado em paz pelos demais poderes paragovernar como quiser), isso não impede que o fraseado da pergunta em questão seja suficiente para quese tenha o apoio difundido à idéia de uma liderança pessoal forte e capaz de afirmar-se fora da órbita

partidária e institucional.19 Para a retomada mais recente de teses análogas a propósito da análise de dados canadenses, veja-seDavid J. Elkins, Manipulation and Consent: How Voters and Leaders Manage Complexity, Vancouver,University of British Columbia Press, 1993.20 Uma evocação pessoal é talvez de algum interesse a esse respeito. Passando por Buenos Aires hámais de 40 anos, em dezembro de 1963, quando estudante da FLACSO em Santiago do Chile, lembrode haver participado, na companhia de Fernando Henrique Cardoso, de um almoço com cientistassociais argentinos. O tema dominante da conversação foi, já então, a crise argentina, e a interpretaçãoque prevaleceu a vinculava à idéia de que o país, demasiado bem ajustado à divisão internacional dotrabalho própria de fins do século 19 e começos do século 20, não soubera adaptar-se às mudanças quesobrevieram na economia mundial.21 Cabe registrar que há aqui uma espécie de jogo dialético, pois a identificação popular mais intensa eextensa com os partidos é ela própria um fator importante de que eles venham a adquirir maior consistência. Lembre-se, a respeito, como o “troca-troca” partidário de que tanto se fala presentemente,em que os parlamentares mudam de um partido a outro de acordo com conveniências momentâneas,não existiu com intensidade sequer remotamente parecida durante o período 1945-64. Talvez pelosenfrentamentos em torno da figura de Getúlio Vargas e a referência popular que ela representava, nãoera permitido aos políticos jogar de maneira inconseqüente com as identidades de “pessedista” (adeptodo PSD, varguista), “udenista” (adepto da UDN, antivarguista) e, depois, “petebista” (adepto do PTB,também criação de Vargas), sob pena de se arriscarem à punição eleitoral. Aliás, mesmo agora aporcentagem de reeleição entre os políticos que mudam de legenda é bem menor do que a que ocorreentre os que permanecem fiéis aos seus partidos de origem.22 Veja-se, por exemplo, Fábio W. Reis, “As Eleições em Minas Gerais”, em B. Lamounier e F. H.Cardoso (orgs.), Os Partidos e as Eleições no Brasil , Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1975.23 Dados relativos às eleições de 1982 mostram, por exemplo, que, nos níveis inferiores de renda, oseleitores da cidade de São Paulo que se declaravam identificados com o PT incluíam grandesproporções cujas posições quanto a vários itens de opinião (participação política dos militares, apoio agreves como recurso político etc.) eram o oposto do que se esperaria com base no perfil ideológico dopartido. Veja-se Fábio W. Reis e Mônica M. M. de Castro, “Regiões, Classe e Ideologia no ProcessoEleitoral Brasileiro”, em Fábio W. Reis, Mercado e Utopia: Teoria Política e Sociedade Brasileira(ed.) São Paulo, Edusp, 2000.24 Veja-se Reis e Castro, “Democracia, Civismo e Cinismo”, artigo citado, para a análise mais detida domaterial pertinente.25 Veja-se, por exemplo, Jürgen Habermas, “Moral Development and Ego Identity”, em J. Habermas,Communication and the Evolution of Society, Boston, Beacon Press, 1979.