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    A essncia do trabalho corporal

    Klauss Vianna e Marco Antnio de Carvalho

    A essncia do trabalho corporal que proponho a busca da sintonia e daharmonia com nosso prprio corpo, o que possibilita chegar elabora!o deuma dana singular, original, di"erenciada e por isso mesmo rica em movimentoe e#press!o$ %ara ser intrprete de minhas emo&es, tenho necessariamenteque me despo'ar de uma imagem que me "oi de alguma "orma imposta paraadotar a postura que corresponde minha tra'etria pessoal e minhae#istncia cotidiana$ ( o mesmo que apagar um quadro cheio de "rases va)iasque me "oram ditadas para dar in*cio ao aprendi)ado de um novo al"abeto, deuma linguagem capa) de tradu)ir aquilo que verdadeiramente sinto e queroe#pressar$ +ea"irmo que um corpo inteligente um corpo que consegue se adaptar aosmais diversos est*mulos e necessidades, ao mesmo tempo que n!o se prende a

    nenhuma receita ou "rmula preestabelecida, orientandose pelas maisdi"erentes emo&es e pela percep!o consciente dessas sensa&es$ -o entanto, muito comum a tendncia assimila!o de posturas que n!orevelam o nosso modo de ser, mas que tm como re"erncia modelos e#terioresa ns mesmos como, por e#emplo, os nossos pais$ . a uma determinadapostura corresponde uma "orma de agir e pensar$ .nt!o, se n!o realmentenossa postura que procuramos ostentar, como podemos desenvolver a&es eidias prprias/ -o trabalho corporal 0 mas n!o s nele 0 muito importanteperceber nossa imagem a partir das re"erncias mais *ntimas e interiores$ 1bviamente, a todo instante somos submetidos a uma srie decondicionamentos sociais e culturais$ 2e acordo com a lgica e a disciplina deum mundo orientado para o trabalho, somos levados mais completaimobilidade e a desempenhar uma "orma mec3nica de gestos$ 1 universo daprodu!o ho'e um universo de trabalho alienado, onde tambm os corpos s!osubmetidos a um con'unto de pr4ticas de domestica!o social$ .ssa ordem comea a so"rer um revs, no entanto, no momento em que nosrecusamos a desempenhar certos papis segundo "rmulas preestabelecidas$-esse sentido, um corpo livre de condicionamentos e dono de suas e#press&esem alguma medida se revela um incmodo ordem social e#istente, uma ve)que busca recuperar a percep!o da totalidade dentro de uma sociedade"undada e#atamente na "ragmenta!o$ .ssas observa&es s!o ainda muito super"iciais diante do universo que oprprio corpo humano$ Certamente, h4 muita coisa que at ho'e n!o "oi poss*velcompreender e que talve) transcenda qualquer plano de entendimento$ Aindaassim, os problemas e obst4culos que se apresentam diante de ns no cotidiano

    obrigam ao encadeamento de a&es e busca de solu&es que podem vir a sermais ou menos satis"atrios, matando ou vivi"icando o corpo$ 5ma boa rela!o postural pode ser conseguida a partir do equil*brio entre asdiversas partes do corpo$ -esse processo, o mais importante a rela!o deequil*brio entre a parte anterior do tronco e a parte posterior das pernas, emoposi!o "ora e#ercida pela musculatura anterior das pernas$ A musculatura correspondente parte posterior do corpo aquela que nosmantm em p e tambm a que mais cedo nos derruba$ A "alta de e#erc*ciosapropriados ou e#ecutados de maneira equivocada "a) com que essamusculatura se torne mais "orte e mais tensa ainda, pre'udicando a a!o damusculatura anterior, que nos direciona$ Assim, se a "ora posterior permite um certo equil*brio, a "ora muscular

    anterior orienta esse equil*brio no espao$ %odemos, ent!o, di)er que as nossas

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    costas s!o a base de sustenta!o de nossa "orma, e a nossa "rente o ponto departida de nosso movimento$ 6uanto s partes superior e in"erior do corpo, podemos di)er que a di"erenab4sica reside no es"oro muscular que se volta para bai#o, na parte in"erior, epara cima, na parte superior$ -os dois casos, o desenho muscular descreve umadiagonal espiralada que parte sempre do centro do corpo em dire!o se#tremidades$ 7e voc observar seu corpo e toc4lo cuidadosamente, encontrar4 di"erenasenormes quanto "le#ibilidade, percep!o e sensibilidade entre as partesanterior e posterior, in"erior e superior, direita e esquerda$ %erceber4 regi&esmais tensas ou mais sens*veis do que outras, pontos do corpo onde a pele mais macia ou onde os m8sculos s!o mais "le#*veis$ 2evido a incorre&es, v*cios de postura ou problemas "*sicoemocionais, amusculatura posterior das pernas e a musculatura anterior do tronco tendem a seatro"iar, o que comum maioria das pessoas e se torna ainda mais evidente aolongo dos anos, com o ac8mulo de tens&es de toda ordem$ A esse encurtamento dos grupos musculares que, teoricamente, seriamrespons4veis pelo trabalho de abertura, corresponde uma sobrecarga da parte

    posterior do tronco e da parte anterior das pernas, que passam a atuar nosentido de buscar uma compensa!o$ 1bviamente, n!o se trata de uma regrageral, mas de uma tendncia comum maioria das pessoas$ %or isso, mepermito sugerir como reali)ar um trabalho corporal no sentido de conseguir umaboa rela!o postural$ -ormalmente, os e#erc*cios "eitos para o "ortalecimento das pernas s!o malorientados e acabam "orti"icando ainda mais o quadr*ceps, criando as chamadas9pernas de 'ogador9$ :ais e#erc*cios, e#ecutados sem o encai#e correto dasarticula&es e com e#trema violncia, acabam causando uma grandedespropor!o muscular entre as partes posterior e anterior das pernas$ 5ma maneira "4cil de veri"icar o encurtamento da musculatura posterior abai#ar e tentar tocar o ch!o com as m!os, procurando ao mesmo tempo manter

    as pernas alongadas ao m4#imo$ :eoricamente, nesse movimento os abdutoresdevem estar todos em a!o, preservando os espaos de articula!o para ummelhor trabalho muscular$ %ara compensar o encurtamento, porm, o corpo deve cair ligeiramente paraa "rente e os 'oelhos devem estar levemente voltados para "ora, no sentido doalongamento m4#imo poss*vel$ Alm disso, importante preservar os espaosarticulares, tanto no movimento de abai#ar quanto no de levantar$ As articula&es atuam, ent!o, como verdadeiras dobradias, desde a cabea,passando pelo pescoo, o esterno, a crista il*aca, a co#o"emoral, o 'oelho, otorno)elo e o metatarso$ ( interessante notar que esse tipo de movimentocorporal s e#iste entre os povos ocidentais e, mesmo assim, entre os adultos;as crianas e os chamados povos primitivos n!o e#ecutam esse movimentoinstintivamente$ 6uando se abai#am, sentam ou levantam, percorrem umcaminho sinuoso e espiralado$ 1utro "ato interessante observar o momento emque uma pessoa desmaia; o corpo nunca cai para a "rente, mas em diagonal,passando pelas articula&es laterais$ Ao considerar nosso desequil*brio postural n!o poss*vel reconhecer umprocedimento que se aplique a todos os seres humanos indiscriminadamente$ -ocaso das pessoas gordas, por e#emplo, a "lacide) aparente re"lete a rigide)provocada por tens&es pro"undas$

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    emocional e, portanto, postural$ 2a* a necessidade de todo o trabalho deprepara!o e conscienti)a!o de que "alei em toda a primeira parte do livro, eque costuma revelar a di"iculdade que as pessoas tm de en"rentar esseprocesso de reestrutura!o, pre"erindo, muitas ve)es, desistir '4 no in*cio dotrabalho e se con"ormar com o que est4 convencionado e reconhecidosocialmente por todos$ .#iste um medo muito grande do autoconhecimento e amaioria das pessoas n!o resiste ao processo inicial, que sem d8vida requer umagrande dose de vontade e despo'amento$ Mas, quando a pessoa vence esse tipo de bloqueio e passa a e#perimentarum certo equil*brio postural, tambm a sua postura intelectual e emocional so"resigni"icativas altera&es$ 1 "ato que o trabalho corporal encerra uma dimens!oteraputica, na medida em que toma o corpo como re"erncia direta de nossae#istncia mais pro"unda$ 2a mesma "orma como muito di"*cil obter um equil*brio postural estandoemocionalmente desequilibrado, tambm muito di"*cil manter um equil*briointelectual e emocional sem estar numa boa rela!o de equil*brio postural$ 7abemos que o corpo est4 su'eito a limita&es naturais correspondentes aestrutura, peso, rela!o com o espao e outras mais, mas isso nada tem a ver

    com as limita&es e condicionamentos decorrentes de bloqueios e tens&esacumulados ao longo de toda uma vida$ 1 corpo humano normalmenteatravessado por um "lu#o energtico que, se n!o "or interrompido por essesbloqueios e tens&es, permite que o movimento "lua livremente$ 1 esterno e os quadris s!o as duas usinas do corpo e precisamos conhecere respeitar esse papel$ 1 esterno lanado para cima, na dire!o do cu,enquanto os quadris se voltam para bai#o, na dire!o da terra$ %elas pernas eps, mantenho minha origem tel8rica, animal$ %elo tra# e cabea, avano nodom*nio da emo!o e da ra)!o$ 2esse equil*brio de "oras opostas e complementares nasce minha dana$Mas se busco demais o ch!o, acentuo meu peso em rela!o gravidade, o solome pu#a para bai#o$ 2o mesmo modo, se ultrapasso meu ponto de eleva!o,

    perco o equil*brio e minha base de sustenta!o$ Como lembra o ditado, nemtanto ao cu, nem tanto terra$ A postura, portanto, n!o uma coisa "i#a$ ( t!o "le#*vel quanto o galho debambu e pro"undo como suas ra*)es, o que permite que meu ei#o oscile para a"rente e para tr4s, de acordo com meu estado "*sicoemocional$ %orm, grande"le#ibilidade deve corresponder uma enorme "ora e resistncia$ Assim como obambu, o corpo humano tem a propriedade de se dobrar sem se quebrar 0quando respeitamos sua nature)a e colocamos em pr4tica suas potencialidades$

    =ragmento do cap*tulo V deA dana$ 7!o %aulo, .ditora 7iciliano,>??@, pp$ >>>>?$Klauss Vianna, bailarino e coregra"o, criador da tcnica de danaque tem o seu nome$