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NICHOLAS WAPSHOTT KEYNES HAYEK O CONFRONTO QUE DEFINIU A ECONOMIA MODERNA TRADUÇÃO EDGAR ROCHA

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N I C H O L A S W A P S H O T T

K E Y N E S H A Y E K

O CONFRONTO QUE DEFINIU

A ECONOMIA MODERNA

T R A D U Ç Ã O E D G A R R O C H A

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ÍNDICE

PREFÁCIO 9

1: O Herói Encantador 13 Como Keynes se tornou no ídolo de Hayek, 1919-27

2: Fim do Império 27 Hayek sente diretamente a hiperinflação, 1919-24

3: As Linhas de Combate São Traçadas 41 Keynes refuta a ordem «natural» da economia, 1923-29

4: Stanley e Livingstone 59 Keynes e Hayek encontram-se pela primeira vez, 1928-30

5: O Homem que Matou Liberty Valance 79 Hayek chega de Viena, 1931

6: Duelo ao Amanhecer 95 Hayek faz uma crítica desagradável ao Tratado de Keynes, 1931

7: Tiros de Resposta 111 Keynes e Hayek defrontam-se, 1931

8: A Tarefa Italiana 127 Keynes pede a Piero Sraffa para continuar o debate, 1932

9: A Execução da Teoria Geral 141 A cura gratuita para o desemprego, 1932-33

10: Hayek Pestaneja 157 A Teoria Geral pede uma resposta, 1932-36

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11: Keynes Conquista a América 175 Roosevelt e os jovens economistas do New Deal, 1936

12: Emperrado no Capítulo 6 193 Hayek escreve a sua própria «Teoria Geral», 1936-41

13: A Estrada para Lado Nenhum 211 Hayek liga os remédios de Keynes à tirania, 1937-46

14: Os Anos Selvagens 231 Mont Pèlerin e a mudança de Hayek para Chicago, 1944-69

15: A Era de Keynes 251 Três décadas de prosperidade americana sem rival, 1946-80

16: A Contrarrevolução de Hayek 273 Friedman, Goldwater, Thatcher e Reagan, 1963-88

17: Recomeça a Batalha 293 Economistas de água doce e de água salgada, 1989-2008

18: E o Vencedor é… 313 Evitar a Grande Recessão, de 2008 em diante

AGRADECIMENTOS 325

NOTAS 327

BIBLIOGRAFIA SELECIONADA 381

ÍNDICE REMISSIVO 391

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O HERÓI ENCANTADOR

COMO KEYNES SE TORNOU NO ÍDOLO DE HAYEK, 1919-27

O maior debate da história da economia começou com o simples pedido de um livro. Nas primeiras semanas de 1927, Friedrich Hayek, um jovem economista de Viena, escreveu a John Maynard Keynes, para o King’s College de Cambridge, pedindo um manual de econo-mia escrito 50 anos antes, o livro de Francis Ysidro Edgeworth1 com o título exótico de Mathematical Psychics (Psíquica Matemática). Keynes respondeu com uma simples linha num postal sem ilustração: «Lamen-to dizer que o meu stock do Mathematical Psychics já se esgotou.»

Porque é que Hayek, um economista desconhecido e com pouca experiência, iria abordar nem mais nem menos do que Keynes, talvez o mais conhecido economista do mundo? Para Keynes, o pedido de Hayek era apenas mais uma carta na sua já cheia caixa de correio. O prodígio económico de Cambridge não guardou nenhum registo do pedido de Hayek, embora ele estivesse tão consciente da contribuição que estava a dar à posteridade através da sua abordagem ousada ao estudo da economia política que se tinha posto a conservar todas as notas e escritos, até à última das cartas. Os seus documentos pos-tumamente publicados, mesmo quando abreviados, enchem 13 volumes. Entretanto, Hayek parecia ter plena consciência do significado do seu pedido. Ele guardou como um tesouro a resposta seca de Keynes e preservou-a durante os 65 anos seguintes como lembrança pessoal e troféu profissional. O postal está hoje no arquivo Hayek da Hoover Institution no campus da Universidade de Stanford, em Palo Alto, Califórnia, e é uma prova tangível de que Hayek tinha instigado

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o primeiro contacto daquilo que se tornaria num intenso duelo sobre o papel do Estado na sociedade e o destino da economia mundial.

Edgeworth interessou Hayek porque um dos assuntos que ele explorou em profundidade foi um tópico que iria ocupar tanto Keynes como Hayek: como é que os recursos escassos podem maximizar a «capacidade de prazer». O livro proibitivamente intitulado Mathe- matical Psychics: An Essay on the Application of Mathematics to the Moral Sciences (Psíquica Matemática: Um ensaio sobre a aplicação da matemática às ciências morais), publicado em 1881, era o trabalho mais conhecido de Edgeworth. Aí se antecipava um grande número de debates que iriam ocupar os economistas durante o século seguinte, incluindo noções de «concorrência perfeita», de «teoria dos jogos» e, mais importante para a batalha iminente entre Keynes e Hayek, a cren-ça de que qualquer economia alcançaria um estado de «equilíbrio» com todos os adultos fisicamente capazes empregados. Edgeworth foi tam-bém um apresentador precoce de teorias sobre o dinheiro e o sistema monetário, temas que, em 1927, tanto Keynes como Hayek tinham tratado com algum detalhe. Havia um pretexto, embora pequeno, que pode ter levado Hayek a contactar Keynes: Keynes tinha sucedido a Edgeworth como editor do Economic Journal, em 1911.

Mas porque é que Hayek havia de esperar que Keynes possuísse aquilo que ironicamente referiu como «o meu stock do Mathematical Psychics», como se ele tivesse uma reserva secreta das obras proibidas de Edgeworth, é difícil de descortinar. Embora Edgeworth fosse pou-co lembrado, mesmo entre os economistas britânicos, o Mathematical Psychics estava amplamente disponível. Embora houvesse uma divisão profunda entre a escola britânica de economia, centrada nos ensina-mentos do mentor de Keynes, Alfred Marshall2, de Cambridge, Ingla-terra, e a variedade continental, centrada nas teorias do investimento em capital (o dinheiro investido num negócio) exposta em Viena pelo mentor de Hayek, Ludwig von Mises3, havia entre os dois campos mui-tos contactos e algum desentendimento. A teoria económica ao estilo de Marshall era baseada numa compreensão comum do assunto, assim como na forma como os negócios funcionavam na prática, emanando

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da tradição mercantilista que tinha tornado a Grã-Bretanha na nação comercial mais bem-sucedida da história. As noções da «escola aus-tríaca» eram mais teóricas e mecânicas, derivando de uma compreensão intelectual e não prática sobre a forma como os negócios funcionariam.

A maior parte dos austríacos lia inglês e conhecia a tradição inglesa; os ingleses, de um modo geral, não sabiam alemão e ignoravam os trabalhos dos teóricos austríacos e alemães. Mas era tal a ligação entre os universitários que as fronteiras nacionais tinham pouco significado. O comércio de livros e revistas continuou durante os horrores da Primeira Guerra Mundial, mesmo quando os académicos se encontra-vam em lados opostos das trincheiras. O filósofo Ludwig Wittgenstein, amigo de Keynes em Cambridge e primo distante de Hayek4, escreveu a Keynes enquanto prestava serviço no exército austríaco na frente italiana: «Podia enviar-me [um novo volume do filósofo de Cambridge Bertrand Russell] e deixar-me pagar depois da guerra?»5 Keynes obse-quiou prontamente.6

Mesmo que Hayek não tenha podido encontrar um exemplar do Mathematical Psychics na grande biblioteca da Universidade de Viena, é difícil imaginar que o seu recurso seguinte seria o mundialmente conhecido Keynes. Keynes não era apenas um membro do King’s College de Cambridge que ensinava estudantes. Com 42 anos de idade, ele era famoso a nível mundial por causa do seu papel como negociador pelo Tesouro britânico na Conferência de Paz de Paris, a precursora do Tratado de Versalhes, que pôs fim ao cataclismo que foi a Primeira Guerra Mundial. Ao revelar ao público a xenofobia intensa e o desprezo nacionalísta que tinham guiado as deliberações de Paris, Keynes tinha -se tornado numa figura pública não só na Grã-Bretanha, mas também na Europa em geral, particularmente nas nações derrotadas da Áustria e da Alemanha.

A compreensão precoce que Keynes tinha da teoria económica e das finanças públicas era tão considerável que, quando a Grã-Bretanha declarou a guerra em setembro de 1914, ele foi contratado para ne-gociar um grande empréstimo junto de credores americanos. O em-préstimo era grande não apenas porque financiava o esforço de guerra

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a nível mundial da Grã-Bretanha, em defesa de um império que cobria metade do globo, mas também porque os banqueiros americanos não confiavam nos franceses e nos italianos para satisfazer o serviço da dívida, deixando à Grã-Bretanha o encargo de passar o empréstimo aos seus aliados. Os esforços de Keynes foram tão engenhosos, e os seus encantos tão eficientes para passar por cima da burocracia, que, quando a guerra acabou, Keynes juntou-se à equipa que iria dar conselhos sobre como fazer os alemães pagar por terem causado tantas mortes e tanta devastação.

Esta guerra foi a mais destruidora da história. Na sua raiz, a luta entre as potências centrais da Alemanha e da Áustria e os Aliados, abrangendo a Grã-Bretanha, a França, a Rússia e, eventualmente, os Estados Unidos, respeitava a território e a comércio mundial. Em pou-cas semanas, os dois lados tinham cavado milhares de quilómetros de trincheiras pouco profundas e desagradavelmente húmidas e frias a pouca distância umas das outras, a partir das quais os dois lados faziam saídas suicidas. A guerra marcou o fim de uma era cavalheiresca e o despontar da era moderna. As cargas de cavalaria e de artilharia com baionetas cederam lentamente lugar a batalhas de tanques, ataques com armas químicas e bombardeamentos aéreos. Ao fim de quatro anos terríveis, os alemães foram submetidos pela fome e, por altura do armistício, em 1918, quase dez milhões de soldados tinham morrido, mais oito milhões estavam «desaparecidos», mais de 21 milhões tinham sido feridos e perto de sete milhões de civis tinham perecido. Toda uma geração de jovens europeus tinha sido morta ou mutilada.

Como Hayek contou, Keynes era «quase um herói para nós, da Europa Central»7, devido à sua corajosa condenação dos líderes britânicos, franceses e americanos que impuseram reparações de guerra pesadíssimas aos cidadãos do que restava da aliança derrotada. O seu re-lato condenatório das conversações de Paris, As Consequências Económi-cas da Paz, foi publicado pouco meses depois de o Tratado de Versalhes ter sido assinado e tornou-se uma sensação a nível mundial. Continha ataques irreverentes aos líderes aliados, incluindo retratos devastado-res do presidente americano Woodrow Wilson, do primeiro-ministro

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francês Georges Clemenceau8 e do primeiro-ministro britânico David Lloyd George.9 As previsões de Keynes de que as pesadas reparações conduziriam a instabilidade política e a política extremista, e que poderiam dar origem a outra guerra mundial revelar-se-iam assus-tadoramente acertadas. O que Hayek não sabia quando tentou pela primeira vez contactar Keynes era o pano de fundo da muito burguesa rebelião do jovem professor de Cambridge.

Keynes nasceu numa família de universitários. O seu pai, Neville, escreveu livros de economia e era administrador da Universidade de Cambridge. A sua mãe, Florence, também era intelectual, graduada pelo colégio feminino Newnham College, de Cambridge, e tornou-se na primeira mulher a ser presidente da Câmara de Cambridge. Keynes tinha um molde intelectual mais independente e mais original do que a sua mãe ou o seu pai. Depois de ter andado em Eton, a melhor escola secundária para os filhos dos aristocratas britânicos, Keynes foi estudar matemática para King’s College, Cambridge. Em breve foi adotado pelo mentor do seu pai, Alfred Marshall, o principal farol da econo-mia inglesa, tendo escrito o manual de economia seguido em todo o mundo que falava inglês, Princípios de Economia (1890), no qual ele introduziu conceitos básicos de economia tais como a noção de que os preços resultavam do encontro da oferta com a procura e de que a utilidade de um objecto determinava o seu valor. Impressionado pelo brilhantismo de Keynes, Marshall instigou-o a abandonar a matemáti-ca e a canalizar a sua energia para a economia.

Em Cambridge, Keynes fez amizades intensas com uma clique cujas ideias boémias guiariam os seus pensamentos e ações durante o resto da vida. O Grupo de Bloomsbury10, formado por escritores que em breve seriam famosos, como Lytton Strachey11, Virginia Woolf12 e E. M. Forster13, por artistas visuais, como Duncan Grant14, Vanessa Bell15 e Roger Fry16, e por outros, partilhava uma admiração pelas ideias de G. E. Moore17, um praticante da filosofia moral de Trini-ty College, Cambridge, que dava grande valor às amizades pessoais e à estética. O grupo rejeitava as bafientas convenções vitorianas, particu-larmente a sua moralidade sexual puritana, e os seus membros falavam

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uma linguagem privada para excluir os outros. As entrelaçadas vidas amorosas do grupo eram o cimento que os juntava. Eles continuaram a viver em estreita relação nas praças londrinas do bairro de Blooms-bury, que deu o nome ao grupo, e nas casas rústicas do sul de Inglaterra.

Keynes não era bonito, nem se considerava atraente, mas tinha uma presença física imponente. Ele tinha 1,85 metros de altura e caminhava com o corpo ligeiramente inclinado para a frente, um hábito que tinha adquirido enquanto jovem altivo. Logo que saiu de Eton, deixou cres- cer o bigode. Dignos de nota eram os seus bem implantados, quentes e convidativos olhos castanhos, que sugeriam uma atenção enlevada. Tanto os homens como as mulheres cediam à sua atração. A sua voz melíflua seduzia mesmo os que mais resistiam aos seus encantos. Como Hayek observou: «Aqueles de entre nós que tiveram a sorte de o co- nhecer pessoalmente em breve sentiam o magnetismo do conversador brilhante, com o seu largo leque de interesses e a sua voz sedutora.»18

Keynes distinguia-se um pouco do resto dos membros do Grupo de Bloomsbury, não por causa das suas inclinações pessoais – era um ávido colecionador de pintura moderna, um escritor prolífico e eloquente e um homossexual promíscuo e desavergonhado –, mas por causa do seu campo profissional. Enquanto os outros tinham uma existência artís-tica rarefeita fora da sociedade convencional, a partir da qual podiam disparar contra a ordem estabelecida com impunidade, os talentos económicos de Keynes atraíam muita procura por parte do governo do tempo da guerra. Como os membros do grupo não tardaram a fazer reparar, ele tinha-se juntado à classe dominante que eles despreza-vam. Como muitos no grupo, Keynes tinha pouca consideração pelo objetivo do governo de obter uma vitória clara e decisiva na Primeira Guerra Mundial e achava que, a fim de parar com a carnificina diária nas trincheiras, a guerra devia ser conduzida para um fim rápido, sem vitória de nenhum dos lados.

A guerra mal tinha começado, quando, em novembro de 1914, Keynes achou que era intolerável a extensão do banho de sangue da Frente Ocidental. «Estou absolutamente e completamente desolado», escreveu ele a Strachey. «É totalmente insuportável ver todos os dias

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os jovens a partirem… para a chacina. Cinco membros deste colégio, que eram alunos ou que tinham acabado de se graduar, já morreram.»19

À medida que a guerra continuava, a morte de jovens amigos dava conta do morticínio. «Ontem chegou a notícia de que dois estudantes foram mortos, e eu conhecia-os», escreveu ele ao seu ex-amante Duncan Grant. «E, hoje, a morte de Rupert.»20 A notícia de que o poeta de 28 anos Rupert Brooke tinha morrido a caminho do campo de batalha de Gallipoli chocou a nação, mas atingiu particularmente os seus amigos do King’s College.

Apesar das suas tendências pacifistas, Keynes estava preparado para pôr o seu intelecto ao trabalho para o esforço de guerra, menos por causa de ele ser patriota do que por ter ficado intrigado com os enigmas da política pública do tempo de guerra. Keynes desempe- nhou um papel mais importante no esforço de guerra do que qualquer outro funcionário não eleito. Ele era bom nisso. Como explicou o seu biógrafo R. F. Harrod21: «Ele ocupava uma posição-chave no que era, sem dúvida, o centro do esforço económico inter-aliado; ele concebia a política e, com efeito, era o responsável de última instância pelas de-cisões.»22 Era um aspeto da vida de Keynes que o distinguia de Hayek: enquanto Hayek se ocupava com a teoria económica e mantinha uma distância deliberada da política, Keynes estava interessado na aplicação da economia como meio de melhorar a vida dos outros.

Quando a guerra entrou no seu segundo ano, 1915, a tentativa de Keynes de reconciliar o seu posto no Tesouro com a sua crença de que a guerra era imoral começou a afetar as suas amizades no Grupo de Bloomsbury. No início de 1916, ele foi pressionado para se juntar a eles registando-se como objetor de consciência para evitar o serviço militar.23 O insultuoso Strachey, o qual tinha perdido para Keynes o afeto de Grant, foi o mais claro em tornar conhecido o seu desa-grado pela ocupação de Keynes. Depois de Edwin Montagu, secretário financeiro do Tesouro, ter tido uma tirada sedenta de sangue contra os alemães, Strachey recortou a respetiva notícia de jornal e colocou-a no lugar de Keynes à mesa de jantar, cobrindo-a com uma nota que dizia: «Caro Maynard, porque é que ainda está no Tesouro? Cordialmente

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seu, Lytton.»24 Strachey disse ao seu irmão James: «Eu ia enviá-la pelo correio, mas calhou que ele viesse jantar a Gordon Square onde eu também estava. Por isso, pus a carta no seu prato. Ele ficou verdadeira-mente aborrecido.» Strachey continuou: «Qual era a utilidade de ele continuar a imaginar que fazia bem em estar com pessoas daquelas? O pobre rapaz pareceu muito franco ao falar sobre o assunto e admitiu que parte da razão para ficar era o prazer que ele retirava de ser capaz de fazer o trabalho tão bem. Ele também parecia pensar que estava a prestar um grande serviço ao país poupando alguns milhões [de libras] por semana.»25

A pressão levou Keynes a considerar pedir a demissão, tendo começado a passar muito tempo a defender os seus amigos objetores de consciência para lhes evitar sentenças de prisão. Mas continuou a estar convencido de que o seu envolvimento na gestão da guerra estava certo e de que a sua contribuição levava a uma política mais benigna do que se deixasse o trabalho a outros. Quando veio a paz, em no-vembro de 1918, ele estava satisfeito por ter resistido a retirar-se para a calma irressponsabilidade de King’s College. Mas o fim da guerra não o dispensou do seu trabalho público. Como uma das pessoas mais importantes na política britânica da guerra, em janeiro de 1919 ele partiu para a Conferência de Paz de Paris para servir de consultor ao primeiro-ministro Lloyd George sobre estratégia de negociação.

Keynes tinha poucas ilusões sobre as conversações e abordou-as da mesma forma com que tinha justificado o seu envolvimento na gestão da guerra: divertia-o estar envolvido tão intimamente nos assuntos da nação. Ele achava que o resultado seria mais justo e menos incivilizado, se não pudesse ser civilizado, se ele participasse. Ele sentia angústia de culpa por ter alimentado a máquina da guerra até então e esperava expiar esses sentimentos garantindo que o tratado era justo. Como expressou o seu biógrafo Robert Skidelsky26: «Ele estava à procura de uma maneira de praticar um ato de reparação pessoal.»27

A primeira preocupação dos Aliados era garantir que «a Alemanha pagará compensação por todos os danos causados à população civil dos Aliados e à sua propriedade pela agressão da Alemanha, por terra,

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por mar e pelo ar.»28 Os franceses, liderados pelo engelhado primeiro -ministro Georges Clemenceau, eram os mais obstinados em insistir que as nações derrotadas deviam pagar pela destruição física e humana que tinham desencadeado. Mas os Aliados em breve deram por si num dilema. Quanto mais pediam o confisco dos ativos internos e dos inves-timentos alemães no estrangeiro, as suas indústrias do carvão e do aço, a sua frota de marinha mercante e assim por diante, menos a Alemanha seria capaz de lhes pagar em montantes anuais. O estabelecimento de nações novas, como a Hungria, a Polónia e a Checoslováquia, as quais, quando eram membros dos ex-impérios alemão e austro-húngaro, enviavam os seus excedentes de produtos para as capitais imperiais, diminuíam ainda mais a capacidade para pagar das nações conquistadas.

E havia outras complicações. Um resultado do conflito foi a revolução bolchevique na Rússia, a qual tinha derrubado brutal-mente os democratas mencheviques que tinham posto fim ao domínio do czar Nicolau II e fez a paz com as Potências Centrais. Se os Alia-dos não garantissem que as populações vencidas podiam pagar o que lhes era pedido, eles podiam enfraquecer de tal maneira a democracia nas nações derrotadas que o comunismo espalhar-se-ia para ocidente. Na realidade, mal o imperador Guilherme II foi deposto, em novem-bro de 1918, quando a derrota da Alemanha era vista como inevitável, o novo governo democrático foi desafiado por um golpe conduzi-do pelos marxistas revolucionários da Liga Spartacus, liderados por Rosa Luxemburgo.29 No entanto, os Aliados continuaram a tornar as condições maduras para os extremistas. Enquanto discutiam entre eles os montantes a impor ao governo alemão de Weimar, mantiveram o bloqueio que tinha provocado a rendição alemã. Não foi preciso esperar muito tempo e um desastre humanitário submergiu a Alemanha e a Áustria, causando um estado de miséria geral que proporcionava as circunstâncias perfeitas para os revolucionários obterem apoio.

Em Paris, Keynes tornou-se um campeão das nações vencidas. Argumentava que a Alemanha não devia ser eliminada pela fome e esforçou-se por garantir que a Áustria, em particular, seria tratada com maior clemência, um facto que se tornou amplamente conhecido em

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Viena, para onde o jovem Hayek tinha recentemente regressado vin-do da frente italiana. Keynes fez amizade com o Dr. Carl Melchior30, sócio do banco de Hamburgo M. M. Warburg e negociador chefe pelos alemães em Paris. Num encontro secreto especificamente proibi-do pelos Aliados, os dois homens cozinharam um acordo no qual os abastecimentos alimentares começariam a chegar à Alemanha se a marinha mercante alemã se rendesse aos Aliados.

Em maio de 1918, Keynes fez um apelo em nome das mulheres e crianças esfomeadas da Áustria. De acordo com a ata da reunião que tinha estabelecido o acordo com Melchior, «o sr. Keynes afirma que desejaria poder apresentar adequadamente as horríveis condições prevalecentes na Áustria. As pessoas estavam a morrer de fome em grande escala e os britânicos já lhes estavam a emprestar montantes substanciais para comprar comida. Uma grande parte da população não tinha roupa. As pessoas estavam em situação desesperada e já tinham sido horrivelmente punidas pela sua participação na guerra.»31 Foi a posição de Keynes contra os vencedores a propósito dos apuros dos austríacos, tanto quanto a sua oposição ao Tratado de Versalhes, que garantiu o estatuto de herói que lhe foi concedido por Hayek e os seus amigos vienenses.

Keynes, achando que as reparações se mostrariam desastrosas para as perspetivas de paz permanente na Europa, sentiu-se crescentemente infeliz. «Estou completamente extenuado, em parte devido ao traba-lho, em parte devido à depressão face ao mal que me rodeia», escreveu ele à mãe. «A paz é ultrajante e impossível e só pode trazer infortúnio… Fui cúmplice em toda esta maldade e loucura, mas agora o fim está à vista.»32 Escreveu a Grant, o qual se tinha disfarçado de trabalhador rural para evitar o serviço militar, que os líderes dos Aliados «tiveram uma oportunidade de assumir uma visão grandiosa, ou pelo menos humana, do mundo, mas recusaram sem hesitar.»33 Ele escreveu ao ministro das Finanças, Austen Chamberlain: «O primeiro-ministro está a conduzir-nos para um atoleiro de destruição. O acordo que ele está a propor à Europa destrói a respetiva economia e deve causar uma redução de população em milhões de pessoas… Como é que pode

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esperar que eu ajude nesta farsa trágica.»34 Chamberlain, que tinha, uma semana antes, expressado o seu «sentimento forte de que uma conti-nuação dos seus serviços seria de grande importância»35, não respondeu.

Keynes retirou-se do Hotel Majestic, o qual abrigava o resto da equipa do Tesouro, e procurou santuário num apartamento próximo do calmo e verdejante Bosque de Bolonha, na parte ocidental da cidade. Ele sofreu uma depressão nervosa e escreveu à mãe: «Passo mais de metade do meu tempo na cama e só me levanto para encontros com o ministro das Finanças, com [o seu aliado na argumentação contra reparações punitivas, o marechal sul-africano J. C.] Smuts36 e com o primeiro-ministro [Lloyd George]… Na semana passada tinha um ar desgraçado e, não gostando disso, fui instantaneamente para a cama.»37 Convencido de que podia fazer muito pouco para levar alguma sanidade ao tratado, Keynes demitiu-se, escrevendo a Lloyd George: «Devo comunicar-lhe que no sábado abandono esta cena de pesadelo. Não posso fazer mais bem nenhum aqui… A batalha está perdida.»38

Incendiado pelo que tinha visto e ouvido em Paris, Keynes decidiu fazer bom uso da experiência e, passadas duas semanas, estava escon-dido numa casa de campo propriedade de Grant e da respetiva mu-lher, Vanessa Bell, em Charleston, no Sussex Oriental, para, de forma calma, completa, impiedosa e, muitas vezes, divertida, expor o carácter perigosamente absurdo das exigências dos vencedores. Ele escreveu As Consequências Económicas da Paz num ritmo furioso. O seu argu-mento principal era que as conversações de paz não foram nada disso. O apetite de vingança e o desejo de ver a Alemanha permanentemente humilhada por ter provocado o que ele descreveu como «a Guerra Civil europeia»39 provavelmente conduziriam a outro conflito mun-dial. «Movido por ilusões insanas e por um amor-próprio temerário, o povo alemão derrubou as bases sobre as quais vivemos e construímos», escreveu Keynes. «Mas os porta-vozes dos povos francês e britânico correram o risco de completar a ruína.»40

Keynes queria que os seus leitores compreendessem a enormidade do castigo esmagador imposto pelos Aliados e que a Alemanha era incapaz de cumprir as suas obrigações à luz do tratado. Inspirando-se

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no texto satírico de Strachey Vitorianos Eminentes, o qual destruía ído-los britânicos como a enfermeira heroína da Guerra da Crimeia, Flo-rence Nightingale, Keynes captou a imaginação do público dizendo mal das personalidades que se encontravam para uma triste conferên-cia diária no escritório do presidente Wilson em Paris. Clemenceau, «um senhor muito idoso que guardava a sua força para as ocasiões importantes… fechava muitas vezes os olhos e recostava-se na sua cadeira com uma impassível cara de pergaminho, com as mãos enluvadas e os dedos entrelaçados à sua frente.»41 A atitude do primeiro -ministro francês era que «nunca se deve negociar com um alemão ou ser conciliatório com ele; deve-se dar-lhe ordens», e ele achava que «uma paz magnânime ou de tratamento justo… só podia ter como efeito o encurtamento do tempo da recuperação da Alemanha e o apressar do dia em que ela ameaçaria a França com a sua população mais numerosa.»42

Keynes foi igualmente mordaz acerca de Lloyd George, embora a sua mãe o tenha persuadido a omitir uma passagem ofensiva que o descrevia como «uma sirene, um bardo com patas de bode, um meio humano visitante do nosso tempo vindo da antiguidade celta, cheia de mágica e de bosques encantados.»43 Mas Keynes manteve a acusação de que Lloyd George tinha cinicamente convocado uma eleição geral no meio das negociações de Paris para garantir a vitória do seu governo do Partido Liberal e tinha depois tomado parte numa guerra de lances com os seus rivais conservadores acerca de quem levaria primeiro a Alemanha à miséria.

Para Keynes, o mal do tratado estava, na realidade, nos detalhes. A Alemanha tinha de entregar a região rica em carvão da Alsácia-Lore-na, a qual tinha sido conquistada na Guerra Franco-Prussiana de 1870, assim como as províncias de minas de carvão do Sarre e da Alta Silésia. Keynes achava que «a entrega do carvão destruirá a indústria alemã.»44 Além disso, a Alemanha perderia os seus rios navegáveis, como o Reno, a favor de uma organização internacional e cederia a sua frota mercante e a maior parte das locomotivas e do material rolante dos seus cami-nhos de ferro. Ele achava que «o futuro industrial da Europa é negro e as perspetivas de revolução são muito boas.»45

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O Herói Encantador

Depois, vinham as reparações. Keynes revelou que a principal intenção da França era garantir que a Alemanha era reduzida a uma nação de rurais pobres, enquanto os franceses e os italianos tinham um objetivo secundário: salvar as suas economias, que estavam na bancar-rota. Não importava que a Alemanha também estivesse na bancarrota, que a bancarrota tivesse levado à sua rendição e que não estivesse em posição de obter os fundos necessários através de impostos ou por empréstimo. Keynes salientou as vingativas populações aliadas, cujo desejo de vingança era tão forte que «um número para a possível capaci-dade de pagar da Alemanha… seria muito pequeno face às expetativas populares.»46 O montante em que o tratado insistia estava muito acima dos meios da Alemanha. «Com efeito, a Alemanha comprometeu-se a pagar aos Aliados a totalidade do seu excedente perpetuamente.»47 O veredito de Keynes era que o tratado «esfola os alemães vivos todos os anos» e que o tratado mostraria ser «um dos atos de um vencedor cruel mais ultrajantes da história dos povos civilizados.»48

Entregue ao editor, a Macmillan, em novembro de 1919, As Conse-quências Económicas foram apressadamente impressas no mês seguinte. Até Strachey, que desde que perdera Grant para Keynes era hipercrítico em relação aos esforços literários do seu amigo, não podia disfarçar que estava deliciado. «Caro Maynard», escreveu ele. «O seu livro chegou ontem e eu li-o de uma assentada… Quanto ao argumento, é cer-tamente muito arrasador, muito terrível.»49 Keynes respondeu, com ironia, que o livro tinha sido bem recebido. «O livro tem sido abafado num dilúvio de aprovação», escreveu ele. «Cartas de ministros do gabi-nete chegando a cada distribuição do correio dizendo que concordam com todas as palavras etc., etc. Estou à espera a todo o momento de um memorando do primeiro-ministro dizendo que o livro representa profundamente as suas ideias e que está lindamente escrito.»50

A imprensa chauvinista acusou Keynes de ser pró-alemão e sugeriu que ele não compreendia que era importante que a Alemanha fosse adequadamente punida. Um jornal recomendou que lhe fosse concedida a Cruz de Ferro, uma das mais altas condecorações alemãs por valen-tia. Chamberlain, o empregador de Keynes, acusou-o de deslealdade.

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«Sinceramente, lamento que alguém que ocupou uma posição de tanta confiança… se tenha sentido impelido a escrever tais coisas acerca do papel que o seu país desempenhou», escreveu ele. «Não posso deixar de pensar que o nosso percurso internacional não se tornou mais fácil com tais comentários.»51 O livro, descrito por Harrod como «um dos melhores trechos de polémica da língua inglesa»52 e por Skidelsky como «uma declaração pessoal única na literatura do século XX»53, iria transformar a vida de Keynes. De então em diante, ele passou a ser procurado pelos jornais de todo o mundo para emitir comentários sobre o tratado e sobre tudo o que tivesse a ver com comércio mundial e sobre a economia.

As vendas do livro contam a sua própria história. A primeira edição americana de 20 000 exemplares esgotou-se imediatamente. Em abril de 1920, o total era de 18 500 na Grã-Bretanha e de 70 000 nos Esta-dos Unidos. Foi traduzido para francês, flamengo, holandês e italiano, assim como para russo, romeno, espanhol, japonês e chinês. Em junho, as vendas mundiais excediam 100 000 exemplares. Agradou muito a Keynes que o livro tenha sido também traduzido para alemão. E foi a edição alemã que se tornou tão popular em Viena. Como Hayek viria a fazer notar: «As suas Consequências Económicas da Paz tinham-no tornado mais famoso no continente do que em Inglaterra.»54