Kelly de Conti - Criação de Narrativas No Jornalismo de Dados - A Hierarquização Dos Elementos...

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Criação de narrativas no jornalismo de dados: a hierarquização dos elementos textuais e imagéticos como forma de produção de sentido Kelly De Conti Rodrigues 1 Orientadora: Eliza Bachega Casadei 2 Resumo: O estudo buscou analisar a infografia em base de dados no jornalismo digital a partir da investigação da estruturação discursiva dos dados textuais e imagéticos. Inicialmente, realizou-se uma pesquisa bibliográfica para compreender os conceitos envoltos no jornalismo de dados e também na evolução histórica da área da infografia. O estudo utilizou a metodologia da análise do discurso de linha francesa para investigar a construção de sentido na organização de dados estatísticos nos infográficos do Blog Estadão Dados e La Nación Data Blog. Verificou-se como a escolha da ordem de apresentação dos elementos e também a forma como eles estão dispostos influencia a narrativa. Entre os elementos considerados estão a relação entre texto e imagem; os elementos e formatos utilizados na composição (tabelas, gráficos, imagens e outros subsídios gráficos que influenciam a produção de sentido); a combinação de dados e a possibilidade de manipulação de filtros. A presente pesquisa contribui para a reflexão sobre os efeitos semânticos e os processos argumentativos nos objetos selecionados, questionando a visão de narrativa objetiva e 1 Aluna do programa de pós-graduação em Comunicação Midiática da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP. Graduada em Comunicação Social – Hab. em Jornalismo pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). E-mail: [email protected] 2 Doutora em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e professora da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (FAAC-UNESP). Mestre em Ciências da Comunicação e bacharel em jornalismo pela ECA-USP. Email: [email protected]

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Kelly de Conti - Criação de Narrativas No Jornalismo de Dados - A Hierarquização Dos Elementos Textuais e Imagéticos Como Forma de Produção de Sentido

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Criao de narrativas no jornalismo de dados: a hierarquizao dos elementos textuais e imagticos como forma de produo de sentidoKelly De Conti Rodrigues[footnoteRef:1] [1: Aluna do programa de ps-graduao em Comunicao Miditica da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho UNESP. Graduada em Comunicao Social Hab. em Jornalismo pela Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (UNESP). Bolsista da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo (FAPESP). E-mail: [email protected]]

Orientadora: Eliza Bachega Casadei[footnoteRef:2] [2: Doutora em Cincias da Comunicao pela Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo (ECA-USP) e professora da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicao da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (FAAC-UNESP). Mestre em Cincias da Comunicao e bacharel em jornalismo pela ECA-USP. Email: [email protected]]

Resumo:O estudo buscou analisar a infografia em base de dados no jornalismo digital a partir da investigao da estruturao discursiva dos dados textuais e imagticos. Inicialmente, realizou-se uma pesquisa bibliogrfica para compreender os conceitos envoltos no jornalismo de dados e tambm na evoluo histrica da rea da infografia. O estudo utilizou a metodologia da anlise do discurso de linha francesa para investigar a construo de sentido na organizao de dados estatsticos nos infogrficos do Blog Estado Dados e La Nacin Data Blog. Verificou-se como a escolha da ordem de apresentao dos elementos e tambm a forma como eles esto dispostos influencia a narrativa. Entre os elementos considerados esto a relao entre texto e imagem; os elementos e formatos utilizados na composio (tabelas, grficos, imagens e outros subsdios grficos que influenciam a produo de sentido); a combinao de dados e a possibilidade de manipulao de filtros. A presente pesquisa contribui para a reflexo sobre os efeitos semnticos e os processos argumentativos nos objetos selecionados, questionando a viso de narrativa objetiva e de interpretao nica, costumeiramente atribuda a dados numricos.Palavras-chave: anlise do discurso; infografia; jornalismo de dados; produo de sentido

IntroduoAo se abordar a representao objetiva da realidade, comum haver referncia a nmeros e estatsticas. A matematizao das idias age como legitimadora das informaes. No caso do jornalismo, os nmeros conferem credibilidade informao, criando uma tendncia capaz de agregar mais segurana no que diz respeito confiabilidade do contedo. Nesse contexto, os infogrficos passaram a preencher papel importante ao detalhar os dados e torn-los visualmente mais atrativos. Mas essa objetividade dos nmeros pode ser ilusria, j que os organizadores das informaes que iro compor o produto final utilizam mecanismos retricos para atribuir sentido. O objetivo deste estudo verificar a construo de sentido na infografia criada a partir do jornalismo de dados. Para isso, foram selecionados veculos que trabalham com esse tipo de produto jornalstico: Blog Estado Dados e La Nacin Data Blog. Com os resultados, observou-se a importncia da anlise discursiva da organizao de dados numricos.

MetodologiaInicialmente, realizou-se uma pesquisa bibliogrfica em torno dos conceitos que fazem parte dos estudos envolvendo o jornalismo em base de dados. J no estudo da construo de sentido na organizao de dados estatsticos no jornalismo digital, a pesquisa se baseou no mtodo da anlise do discurso de linha francesa. Foram selecionados infogrficos nos veculos anteriormente destacados para analisar a construo narrativa e as variveis que influenciam no sentido. Nessa perspectiva, o estudo considerou os seguintes parmetros: a relao entre texto e imagem; os elementos e formatos utilizados na composio (tabelas, grficos, imagens e outros subsdios grficos que influenciam a produo de sentido); a combinao de dados e a possibilidade de manipulao de filtros.

Resultados e discusso

O jornal The Times publicou, em 20 de abril de 1801, o esquema de uma batalha naval entre a frota inglesa e a dinamarquesa. Ele ainda estava longe dos modelos modernos de infografia, mas, a seu modo, narrou a estratgia que levou vitria britnica, de acordo com Teixeira (2010, p. 16). Contudo, a mesma pesquisadora afirma que, segundo Peltzer (1991) e Sancho (2001), o primeiro infogrfico publicado pela grande imprensa aquele intitulado Mr. Blights House, veiculado na primeira pgina do The Times, em 07 de abril de 1806. Ele explicava um assassinato, detalhando o passo-a-passo do homicida quando estava dentro da casa, a trajetria da bala que matou Isaac Blight e o local onde o homem caiu morto (TEIXEIRA, 2010, p.17).Os exemplos citados fizeram parte dos passos iniciais do infografismo, o qual ganhou diversos modelos e formas de representao ao longo dos anos. Aliando elementos icnicos e tipogrficos, essa modalidade discursiva do jornalismo pode agregar vrios formatos, como mapas, fotografias, ilustraes, grficos, tabelas, etc. Considerando aqueles que so produzidos na web, ainda possvel utilizar recursos como udios, vdeos e filtros de manipulao das informaes pelo usurio.J a utilizao de bases de dados numricas no jornalismo ganhou mais recorrncia sobretudo no final da dcada de 1960. Nesse momento, houve o desenvolvimento do chamado Jornalismo de Preciso a partir do qual derivaram as tcnicas do Jornalismo Guiado por Dados, conforme ficou mais conhecido atualmente com Philip Meyer, ento reprter do Detroid Free Press. O jornalista desenvolveu a reportagem The People Beyond 12th Street, em 1967, que propunha a utilizao de metodologias de pesquisa das Cincias Sociais para conhecer as causas e as caractersticas dos participantes de motins urbanos que aconteciam com frequncia na cidade. Nesse contexto, buscou-se agregar objetividade e credibilidade ao jornalismo, uma vez que, quando se tratam de dados estatsticos, h uma tendncia de considerar a existncia de um nico discurso possvel, como se os nmeros no criassem diferentes narrativas e variadas interpretaes. A suposta preciso dos dados criou uma aura que, muitas vezes, isenta-os de dvidas e crticas, atribuindo a eles uma atmosfera de objetividade. Com isso, ganha cada vez mais evidncia a utilizao de dados numricos, sobretudo oriundos de pesquisas de instituies de credibilidade perante a sociedade em geral, para legitimar o discurso jornalstico.Nos objetos analisados nesta pesquisa, pudemos notar diversas variaes narrativas passveis de serem elaboradas a partir dos mesmos dados estatsticos. Entre os fatores que contribuem para influenciar as interpretaes esto a forma grfica escolhida para serem representados, as informaes/dados escolhidos e sua hierarquizao, as fontes de coleta destas, alm da prpria interpretao primria realizada pelo jornalista ao observar os documentos. Os sentidos, portanto, so construdos a partir de subsdios como os mencionados.Esses elementos ficam claramente expostos, por exemplo, em infogrficos como Dilma enfrenta o incio de mandato mais difcil em duas dcadas. Entenda o porqu, no qual a equipe do Estado Dados utiliza uma sequncia de quatro grficos de diferentes formatos para criar uma narrativa a respeito da expectativa da populao brasileira em relao aos ndices inflacionrios e de desemprego, alm do apoio recebido pela presidente no Congresso. A sequncia de frases utilizadas antes de casa grfico cria uma expectativa negativa em relao ao mandato da atual chefe do Executivo do Brasil, mesmo no caso de nmeros que seriam positivos para Dilma. No se trata de um erro por parte dos jornalistas que produziram o contedo, mas esta uma interpretao que corrobora com o sentido que desejam criar nesse produto jornalstico. O que esta pesquisa busca mostrar , justamente, esta possibilidade de elaborao de diferentes discursos a partir dos mesmos dados.

Consideraes finaisO trabalho do profissional que ir compor as informaes textuais e imagticas de um infogrfico caminha pelas tcnicas argumentativas que nortearo os sentidos que pretende criar a partir dos dados que tem em mos. Como bem destaca Perelman (2005, p.53-131):

[...] voltada para o futuro, ela [a argumentao] se prope provocar uma ao ou preparar para ela, atuando por meios discursivos sobre o esprito dos ouvintes. Essa forma de examin-la permitir compreender vrias de suas peculiaridades, notadamente o interesse que apresenta para ela o gnero oratrio. [...] Os acordos de que dispe o orador, nos quais pode apoiar-se para argumentar, constituem um dado, mas to amplo e suscetvel de ser utilizado de modos diversos, que a maneira de prevalecer-se dele apresenta um importante capital.

O autor ainda destaca o fato de que a organizao dos dados com vistas argumentao consiste no s na interpretao deles, mas tambm na apresentao de certos aspectos desses dados, graas aos acordos subjacentes na linguagem que utilizada (PERELMAN, 2005, p.143). Para ele, essa escolha se manifesta de forma mais aparente pelo uso do epteto, ou seja, pela utilizao de qualificaes que enfatizam e complementam o conhecimento a respeito do objeto.A partir das anlises dos infogrficos selecionados neste estudo, destacam-se trs elementos para a leitura crtica desses objetos: a) Analisar os dados selecionados e seus cruzamentos com as informaes organizadas no infogrfico, observando suas formas de construo de sentido; b) Inquirir a respeito dos diferentes elementos e formatos utilizados na composio de infogrficos, como a escolha por um tipo de grfico (ilustraes, grfico de barras, linhas, disperso etc.) em detrimento a outro ou a insero de determinadas imagens; c)Avaliar a relao entre texto e imagem na construo das narrativas nos infogrficos, analisar suas intencionalidades e tambm a hierarquia/nfase dada a cada um deles.

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