JUVENTUDES E JOGOS DE TEMPO: TRABALHO
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UNIVERSIDADE DA REGIÃO DE JOINVILLE – UNIVILLE
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO - PRPPG
MESTRADO EM PATRIMÔNIO CULTURAL E SOCIEDADE – MPCS
JULIANA KUNZ SILVEIRA
JUVENTUDES E JOGOS DE TEMPO:
PRODUÇÃO DE SUBJETIVIDADES ENTRE MEMÓRIAS E EXPECTATIVAS DE
TRABALHO
JOINVILLE
2016
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JULIANA KUNZ SILVEIRA
JUVENTUDES E JOGOS DE TEMPO:
PRODUÇÃO DE SUBJETIVIDADES ENTRE MEMÓRIAS E EXPECTATIVAS DE
TRABALHO
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Patrimônio Cultural e Sociedade da Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE, como requisito para obtenção do grau de Mestre em Patrimônio Cultural e Sociedade, sob orientação da Professora Doutora Raquel Alvarenga Sena Venera.
JOINVILLE
2016
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Aos jovens aprendizes que me ensinam todos os dias os sabores da vida, me
inspiram e compartilham, sem esperar nada em troca, suas energias.
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AGRADECIMENTOS
Aos colegas do Mestrado e aos amigos do grupo de pesquisa que somaram
forças, compartilharam experiências e conhecimentos. Em especial a colega Ana
Paula Giostri de Andrade por me ensinar a sentir a vida e respirá-la com a leveza
que ela merece.
Aos professores da Faculdade Guilherme Guimbala por participarem da
minha formação pessoal e profissional e especificadamente ao Coordenador Julio
Schruber Jr., por, além de integrar a minha formação, me apoiar e incentivar para
que este trabalho fosse realizado.
Aos colegas, amigos e jovens aprendizes da GERAR. Estar com vocês é
adentrar em processo de constante aprendizagem. Em especial, à Karize Vaz, por
acreditar nesta pesquisa e confiar em minha condução.
Aos amigos queridos que compartilharam passos e trajetos desta caminhada.
Pela vida ter cruzado meu caminho com Raquel, aqui ocupando o “cargo” de
orientadora, mas que na realidade preencheu meu coração de outras tantas formas.
Sua sensibilidade transcende qualquer tentativa de explicação. Obrigada pela troca,
pelos ensinamentos, por me ouvir e por me mostrar o verdadeiro sentido da palavra
“humanidade”.
Aos meus pais, Jane e Silvio, por sempre acreditarem que tudo isso seria
possível, por me apoiarem independente do rumo de minhas escolhas, por me
amarem incondicionalmente. À minha querida irmã Gabriela, por estar sempre por
perto mesmo morando tão longe, você é minha inspiração hoje e sempre.
Agradeço especialmente àquele que esteve sempre ao meu lado e
humildemente doou seu amor em todo o processo. Augusto, minha “alma gêmea”
que de tão “gêmea” pode junto sentir os prazeres e desprazeres desta caminhada.
Sou muito grata à vida e a todos!
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Contamos histórias porque, afinal, as vidas humanas precisam e merecem ser
contadas.
Paul Ricoeur (2010, p. 129).
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RESUMO
Este trabalho busca estabelecer um diálogo interdisciplinar entre os campos do Patrimônio Cultural, Currículo e Psicologia Social. A partir da noção proposta por Thompson (2006) de que histórias de vida são patrimônios da humanidade, a pesquisa investiga, através da história oral e da (auto) biografia, como os jovens do Programa Aprendiz Legal são subjetivados em experiências iniciais no mundo do trabalho, considerando suas percepções diante dos jogos de tempo (presente/futuro e presente/passado). Ao longo desta investigação foram traçados pontos de aproximação dos jovens com as “retóricas holistas” da cidade, como sugeri Candau (2011), entendendo que o contexto social e histórico são instrumentos de constituição de sujeito. Como em um processo de finalização de um filme em “Super-8”, ao final apresenta-se a montagem e a sonorização das histórias de vida, por meio da narrativa das histórias coletadas e suas análises. O programa de aprendizagem prepara uma força de trabalho qualificada para um futuro ilusório. Não há emprego para todos e as perspectivas de futuro indicam que dificilmente haverá. O discurso sobre “ser um jovem trabalhador” legitima um lugar aos jovens, pois, pertencem e são reconhecidos pela sociedade devido à inclusão no Programa de Aprendizagem. Assim, profissionalizar-se é também incluir-se na relação com a cidade. Constituem-se nas histórias de passado e presente da cidade e de seus familiares. Joinville é para estes jovens, oportunidade de trabalho e crescimento profissional.
Palavras – chave: (Auto) biografia; Jovem Aprendiz; Patrimônio Cultural; Interdisciplinaridade.
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ABSTRACT
This work seeks to establish an interdisciplinary dialogue between the Cultural
Heritage, Curriculum and Social Psychology. From the conception proposed by
Thompson (2006) that life stories are the heritage of humanity, the research
investigates, through oral history and (auto) biography, as the young apprentice of
the Program called “Aprendiz Legal” are subjectified in early experiences in the world
of work, considering their perceptions before time games (present / future and
present / past). Throughout this research were created approach points of young
people with "rhetorical holists" of the city, as suggested Candau (2011),
understanding the social and historical context are instruments of constitution of
subject. As in a finalization process of a film "Super 8" at the end shows the
assembly and the sound of life stories through the telling of the stories collected and
their analysis. The learning program is preparing a skilled workforce for an illusory
future. There are jobs for all and future prospects indicate that it will be difficult. The
speech about "being a young worker" legitimizes a place for young people, therefore,
are recognized by society due to the inclusion in the “Aprendiz Legal” program. So if
professionalize also be included in the relationship with the city. They consist in the
past and present stories of the city and their families. Joinville is to these young
people, job opportunities and professional growth.
Key - words: (Auto) biography, Young Apprentice; Cultural Heritage; Interdisciplinarity.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Tabela 1 - Evolução da população economicamente ativa em Joinville por setor de atividade ......................................................................................................... 49 Tabela 2 - Movimento do emprego em Joinville, por área de atividades / admissões......................................................................................................................... 49
Quadro 1 – Pesquisa com os descritores “aprendiz” e “trabalho” no Portal de Periódicos CAPES/MEC ................................................................................. 54 Quadro 2 – Pesquisa com os descritores “jovem” e “aprendiz” no Banco de Teses da CAPES ............................................................................................................ 55 Quadro 3 – Pesquisa com os descritores “juventude” e “trabalho” no Banco de Teses da CAPES ....................................................................................................... 57 Quadro 4 – Pesquisa com os descritores “jovem aprendiz” na Base BDTD .... 58 Quadro 5 – Pesquisa com os descritores “jovem aprendiz” e “adolescente aprendiz” na Base Domínio Público ................................................................................ 59 Gráfico 1 – Quantidade de Trabalhos X Ano de publicação ............................. 60 Gráfico 2 – Quantidade de Trabalhos X Regiões ............................................ 61 Figura 1 – Representação de horizonte de expectativa e espaço de experiência ......................................................................................................................... 70
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 13
1 – “APRENDIZ LEGAL”: UMA PROJEÇÃO NO TEMPO ........................... 33
1.1 - DIÁLOGOS COM A PRODUÇÃO CIENTÍFICA ................................... 52
2 - HISTÓRIA ORAL: JOGOS DE TEMPO, SUBJETIVIDADE, CURRÍCULO E
PATRIMÔNIO .................................................................................................. 62
2.1 JOGOS DE TEMPO: PASSADO, PRESENTE E FUTURO .................... 63
2.2 (AUTO) BIOGRAFIA E HISTÓRIAS DE VIDA ........................................ 74
2.3 CURRÍCULO, PATRIMÔNIO CULTURAL E SUBJETIVIDADE.............. 79
2.4 O TRABALHO COMO PATRIMÔNIO CULTURAL JOINVILENSE ......... 88
3 – SUPER – 8: MONTAGEM E SONORIZAÇÃO DE NARRATIVAS (AUTO)
BIOGRÁFICAS ................................................................................................ 96
3.1 NARRATIVAS DE VIDAS JOVENS ....................................................... 98
3.1.1 Sofia ................................................................................................ 99
3.1.2 Isabela ...........................................................................................101
3.1.3 João Pedro ....................................................................................104
3.1.4 Arthur ............................................................................................105
3.1.5 Ana Júlia........................................................................................107
3.1.6 Antônio Carlos ..............................................................................109
3.1.7 Henrique ........................................................................................110
3.1.8 Alice ...............................................................................................111
3.2 ANÁLISE E SELEÇÃO DAS CENAS DA VIDA .................................112
3.2.1 Cena 1: O passado presente dos genitores: uma construção do ser
hoje e uma expectativa do amanhã ......................................................114
3.2.2 Cena 2: É só abrir os olhos: a herança na narrativa, Joinville como
uma cidade de trabalhadores e oportunidades ...................................117
3.2.3 Cena 3: As etiquetas brilham aos olhos dos jovens: o trabalho como
acesso ao consumo ..............................................................................123
12
3.2.4 Cena 4: A escolha de ser “jovem aprendiz”: por experiência,
conhecimento e estratégia....................................................................126
3.2.5 Cena 5: Aprendizagem teórica uma forma de “encher o currículo”
128
3.2.6 Cena 6: O Programa “Aprendiz Legal” como ponte para o futuro131
3.2.7 Cena 7: O Programa para além do discurso ...............................133
3.2.8 Cena 8: Antes e depois da experiência no Programa “Aprendiz Legal”
134
3.2.9 Cena 9: A percepção das temporalidades ..................................135
3.2.10 Cena 10: Trabalhar é...................................................................137
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 138
APÊNDICE A ................................................................................................ 150
APÊNDICE B ................................................................................................. 151
ANEXO ........................................................................................................... 163
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INTRODUÇÃO
Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai, enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o
mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: - Me ajuda a olhar!
Eduardo Galeano (2002, p.12)
Já de início, peço “licença poética” para poder dissertar na primeira pessoa do
plural. Faço, pois, todo o trabalho se construiu no mínimo por quatro mãos. Penso
que toda construção é coletiva e social e não seria diferente para um trabalho que se
encontra imerso na interdisciplinaridade. Como falar em primeira pessoa do singular
se sou eu a estudar, a citar apenas alguns, os saberes da história, da psicologia e
da educação? Assumo o risco de contar primeiro o significado da escolha deste
tema, em primeira pessoa do singular, e um pouco do percurso teórico e
metodológico da pesquisa. Posteriormente apresentamos o que o leitor poderá
experimentar ao longo dos próximos capítulos. No último capítulo deste trabalho
peço uma segunda licença ao dissertar novamente em primeira quando traço
reflexões a respeito de minha autoformação enquanto pesquisadora. Pois, bem,
iniciemos...
Ao buscar sentido ao vivido lembro com muito carinho que, em minha
popularmente conhecida como “adolescência”, Franzoi, professor de teatro, fazia a
leitura de alguns trechos do “Livro dos abraços” de Eduardo Galeano antes de abrir
as cortinas e o espetáculo começar. A passagem que mais me tocava do livro é
intitulada de “a função da arte/1”. O coração palpitava, as mãos suavam e as pernas
tremiam ainda mais fortes ao saber que com a palavra “olhar” iniciaria mais uma
sessão. Qual seria então a função da arte se não possibilitar a experiência de olhar?
Ou até mesmo de abrir os olhos para um novo mundo, um mundo tão novo e tão
belo que era preciso de ajuda para saborear suas nuances?
Talvez Franzoi não se desse conta de como este simples ato de leitura tocava
profundamente os nossos corações, aprendizes do teatro da vida - de teatro e da
vida. A arte era uma forma de acessar o que não era possível pela consciência,
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pelas palavras, pela racionalidade. Acredito que o fazer da arte pode possibilitar um
mundo ainda não navegado, um mar ainda não explorado, uma experiência única.
Na “época” do vestibular parece que os pensamentos foram direcionados a
uma racionalidade que caberia dentro da prova. Nas aulas de literatura tínhamos um
contato um pouco maior com a arte, apesar de muitas vezes lermos obras
belíssimas, como “A rosa do povo” de Carlos Drummond de Andrade (1991), por
vezes a leitura se fazia não pela beleza da poesia, mas pela frequência em que caia
no vestibular. Digo isso, porque, o olhar espontâneo foi sendo podado devido às
“necessidades” da época em que eu me encontrava. Olhar este que, aos poucos,
livrou-se de sua cegueira, com a entrada na faculdade de Psicologia. E foi no estudo
da psiqué humana, que pude ver brechas, às vezes pequenas, por vezes um pouco
maiores e de lançar mão da criatividade que eu havia deixado lá na infância e no
início da juventude.
Quando ouvi no primeiro ano de faculdade que uma colega queria fazer seu
TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) sobre adolescentes, me deu arrepios! Como
alguém pode querer trabalhar “com isso”?! Ora, hoje vejo que na verdade eu estava
querendo me diferenciar do que eu mesma estava passando, eu ainda era uma
adolescente, mas queria firmar a mim mesma um lugar de adulta.
A então “adulta” decidiu que iria investigar outros temas, mas foi aí que a
professora de Psicologia Social pronunciou uma frase que me deixou intrigada: “a
adolescência não é natural, é construída” (BOCK, 2007). Ela explicou que a
adolescência é, na realidade, uma construção social e não uma fase da vida. Na
época essas palavras me trouxeram muita confusão, afinal, eu sempre ouvia da
minha mãe: “ah! isso é coisa de aborrecente, coisa dessa fase”.
A possibilidade de trabalhar com jovens ainda não havia me chamado a
atenção. Na minha visão, não havia o que explorar cientificamente em um momento
“tão complicado da vida”. Era o que eu pensava até ter a oportunidade de participar
de um projeto com jovens de uma comunidade em situação de vulnerabilidade
econômica e social da cidade de Joinville. Foi aí que despertou-se minha “jovem”
interior e sensibilidade à juventude.
Ao trabalhar com a juventude e perceber o encontro vivo com a
espontaneidade, esta que por vezes me escapa por força da racionalidade, me
apaixonei. Minha intenção aqui não é naturalizar a juventude e dizer que todo jovem
tem determinada característica ou que há espontaneidade em qualquer ato da
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juventude. Meu propósito é mostrar que foi justamente esse grupo que eu tanto
queria me diferenciar que me ajudou a trazer a tona a minha criatividade,
espontaneidade e por que não arriscar em dizer minha liberdade. Parece-me
pertinente trazer aqui uma fala de Michel Serres a qual compartilho “Espero que a
vida ainda me dê tempo o suficiente para continuar trabalhando nisso, na companhia
desses jovens aos quais me dediquei por sempre tê-los amado de forma respeitosa”
(SERRES, 2013, p.31).
E foi então que desde 2009 trabalho com a juventude, iniciando no projeto da
Comunidade do Morro do Amaral passando a trabalhar por dois anos pelo serviço
público na secretaria de Assistência Social de Joinville – SC, especificadamente em
um serviço de inclusão de jovens no mercado de trabalho pela lei da aprendizagem
e, por quase quatro anos, como psicóloga de uma instituição formadora de jovens
aprendizes.
Ao dar sentido no presente ao vivido no passado e as possibilidades futuras,
que significo a minha caminhada e minhas escolhas nestes jogos de tempo. Foi em
2010, na coordenação do primeiro grupo com jovens que, como ocorria no teatro,
senti, antes de entrar em cena, um frio na barriga, uma ansiedade, um entusiasmo e
um desafio contagiante. Senti e sinto até hoje ao poder adentrar na cena deste
diálogo e experimentar a juventude.
E por falar em diálogo, ao pesquisar sobre juventudes na internet encontrei
um blog que discute questões pertinentes à juventude. Ao procurar mais dados,
localizei uma instituição e um grupo de pesquisadores do Mestrado da Universidade
da Região de Joinville - Univille que de forma interdisciplinar faz a discussão de
currículo, construção de subjetividades juvenis entre outros temas. No ato, fitei os
nomes dos envolvidos e encontrei a professora Raquel ALS Venera. A historiadora
doutora em Educação pela Unicamp, e líder do grupo que discute de forma
interdisciplinar, questões que envolvam as juventudes. Posto isto, e sem muita
pretensão acadêmica de início, busquei o mestrado em Patrimônio Cultural e
Sociedade da Univille e solicitei uma reunião com a coordenadora do programa.
Ilanil Coelho – professora e coordenadora do programa - recebeu-me em sua
sala de uma maneira tão espontânea que já de princípio me senti a vontade. Expus
a ela a minha pretensão: gostaria de fazer uma pesquisa que pudesse traçar uma
relação entre patrimônio, juventude e trabalho. Perguntei se eu era um pouco
ousada em demasia. Contudo, para minha surpresa, Ilanil não só me entendia como
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tivera um insight: estudar a relação dos jovens com a memória do trabalho na
cidade. Fiquei muito contente com a acolhida, eu realmente não estava sozinha em
meus pensamentos e eles podiam ser compartilhados e aprimorados por outros
pesquisadores.
Inspirada nos diálogos com o grupo de pesquisa, onde é experienciada a
inter-relação de diferentes áreas do conhecimento, sendo problematizada em
conjunto com demais pesquisas, a interdisciplinaridade se construiu na prática
cotidiana do grupo. O grupo “Subjetividades e (auto) biografias” é parte de um
projeto maior intitulado “A pesquisa (auto) biográfica: desafios epistemológicos da
Educação e da Memória” coordenado pela Profª Dra. Raquel ALS Venera. Este
encontro de pesquisadores é lócus privilegiado de estudos sobre temas que
perpassam o patrimônio cultural, a educação, as juventudes, a memória, os jogos de
tempo, todos atravessados epistemologicamente pelos desafios da (auto) biografia e
das produções e leituras de subjetividades. E foi nesse encontro, nessa
possibilidade de problematizar de maneira interdisciplinar que nasceram as
inquietações desta pesquisa.
Portanto, a partir do encontro entre minha experiência com jovens aprendizes
e da nossa admiração pela juventude nasceu a seguinte questão de pesquisa: Como
os jovens do Programa “Aprendiz Legal” são subjetivados em experiências iniciais
no mundo do trabalho, considerando suas percepções diante dos jogos de tempo
(presente/futuro e presente/passado)? O presente estudo buscou através da História
Oral e da (auto) biografia, entendendo que tratam-se de interessantes metodologias
e formas de lidar com a fonte produzida, flagrar como os jovens aprendizes com
idades entre 14 a 22 anos participantes do Programa “Aprendiz Legal” na cidade de
Joinville – SC em 2015 reconhecem o mundo do trabalho a partir de suas produções
subjetivas em que pesam as memórias holistas construídas sobre cidade de Joinville
e sua “vocação” para o trabalho.
A pesquisa foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas individuais,
com duração de um a dois encontros nos quais foram abordados diversos aspectos
relacionados às histórias de vidas dos jovens aprendizes, bem como, memórias,
experiências e expectativas em relação ao trabalho.
Para que pudéssemos colocar em prática esta pesquisa, foi submetida em
outubro de 2014 ao Comitê de Ética e Pesquisa. Com a aprovação ao final de 2014
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(ANEXO A), tomou-se o cuidado de organizar uma data com os jovens aprendizes,
no início de 2015, e realizar um convite.
O convite foi feito em dia de curso, onde foram explanados os objetivos da
pesquisa, como funcionariam as entrevistas e a possibilidade de o jovem desistir a
qualquer momento da mesma. Dentro de um universo de 250 aprendizes
matriculados no programa, escolhemos os jovens que cursavam aos sábados a
capacitação obrigatória. Estes, por sua vez, receberam o Termo de Consentimento
Livre Esclarecido, TCLE (APÊNDICE A) e levaram para assinatura de seus
responsáveis, em caso de menores de idade, bem como, permaneceram com uma
cópia para terem acesso ao meu contato. Dos 15 jovens cursistas aos sábados, dez
se dispuseram a participar das entrevistas e oito entregaram o TCLE assinado.
Todos os jovens matriculados no curso aos sábados foram convidados a participar
da pesquisa independentemente do tempo de permanência no programa ou faixa
etária.
Um roteiro de apoio foi construído para nortear as entrevistas (APÊNDICE B).
Dos oito jovens, quatro são do gênero feminino e quatro do gênero masculino, com
faixa etária entre 14 e 22 anos. Ainda que a metodologia de coleta seja a oralidade,
o material de análise da pesquisa foi a narrativa transcrita. Dessa forma,
entendemos que estamos lidando com um método (auto) biográfico.
O conjunto de narrativas, entendidas como fragmentos de suas histórias de
vida, foi analisado a partir de referenciais teóricos. É por meio da (auto) biografia que
os jovens puderam narrar suas experiências pessoais, suas percepções e
representações do tempo presente, passado e futuro. Enunciamos estas
representações por meio da metáfora “jogos de tempo” na medida em que nos
deparamos com as conexões existentes entre as temporalidades flagradas pelo
historiador Koselleck (2006, 2014). Para “alcançar” as narrativas, entende-se que a
história oral foi uma ferramenta facilitadora no processo de adentrar pelas histórias
de vida dos jovens. Para dar conta teoricamente desta metodologia, Gomes e
Santana (2010), Matos e Senna (2011), Freitas (2002), Meihy e Holanda (2007),
Paulilo (1999) nos auxiliam em nossa discussão e Arfuch (2010) nos permite realizar
uma análise do discurso da (auto) biografia.
Para Arfuch (2010) a valorização da História oral se dá não apenas pela
democratização do sujeito e o reconhecimento das vozes marginais, mas também
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porque “está em jogo a possibilidade de aproximação com grandes configurações de
sentido” (ARFUCH, 2010, p.250). A este respeito a autora diz:
Democratização da palavra, recuperação da memória do povo, indagação do censurado, do silenciado, do deixado de lado pela história oficial ou, simplesmente, do banal, da simplicidade, frequentemente trágica, da experiência cotidiana: eis que o imaginário militante do uso da voz (dos outros) como dado, como prova e como testemunho de verdade científica e midiática (ARFUCH, 2010, p.250).
A presente pesquisa realizou-se em Joinville, a maior cidade do estado de
Santa Catarina. A promessa de Joinville como uma cidade de oportunidades já é
datada há mais de 40 anos quando ficou conhecida, conforme Coelho (2010) como
a “Manchester Catarinense”. Com a escassez de mão de obra na cidade, Joinville
recebeu e ainda recebe migrantes de várias localidades. Entendemos que estudar a
produção subjetiva de jovens trabalhadores da cidade, traz à tona a necessidade de
investigação a respeito das memórias e representações construídas por políticas e
discursos de um passado na perspectiva de compreensão do presente e
possibilidades de futuro.
A “Manchester Catarinense” possui uma narrativa que discorre sobre uma
herança de trabalho, e um jeito de dizer sobre si mesmo, que se constituiu e ainda
se reconhece como “um povo ordeiro, disciplinado e disposto ao trabalho”. As aspas
aqui se justificam em função das narrativas de identidade que circulam no cotidiano
da cidade, não diz respeito a uma fala especifica, entretanto, utilizando as palavras
de Joel Candau (2011), às narrativas de memórias holistas sobre Joinville. Cabe
aqui esclarecer que para Candau (2011, p. 29) “retóricas hoslitas” refere-se ao
[...] emprego de termos, expressões, figuras que visam designar conjuntos supostamente estáveis, duráveis e homogêneos [...] e tidos como agregadores de elementos considerados, por natureza ou convenção, como isomoformos. Designamos assim um reagrupamento de indivíduos (a comunidade, a sociedade, o povo), bem como representações, crenças, recordações (ideologia X ou Y, a religião popular, a consciência ou a memória coletiva) ou ainda elementos reais ou imaginários (identidade étnica, identidade cultural).
Nesta perspectiva, uma retórica holista não nasce holista. É uma narrativa de
um grupo que se esforça e tenciona transformar a sua narrativa histórica ou de
memória, como narrativa de todos. Dessa forma, o discurso do trabalho parece estar
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“ancorado” em uma narrativa que é uma construção simbólica dos pioneiros, os
imigrantes europeus que desbravam a “mata virgem”. Joinville é narrada como uma
cidade reconhecida pelo trabalho, ou a “cidade do trabalho”.
No entanto, a partir desta narrativa, adotamos a noção de Joinville não como
uma “cidade do trabalho” e sim, na realidade, como uma cidade de “trabalhadores”.
Apesar disso, o discurso dos pioneiros ainda se encontra circulando pelas ruas, os
desbravadores trabalharam e deixaram como legado a força do trabalho. Este
discurso patrimonial e como ele é curricularizado atravessa a memória da cidade a
partir do trabalho. Um exemplo deste discurso curricularizado e transmitido através
da historia de Joinville exteriorizada, por exemplo, através da “A Barca” e o
“Monumento ao Imigrante” os quais narram à chegada dos alemães em Joinville e
serão discutidos no capítulo “História Oral: Jogos de Tempo, Subjetividade, Currículo
e Patrimônio”.
Parece-nos que no discurso curricularinzante do patrimônio, que tem como
enfoque o trabalho, há um legado, ou melhor, desejo de herança, como se o
trabalho fosse um “bem” a ser dado de geração em geração. Posto isto, indagamos:
os aprendizes do Programa “Aprendiz Legal” significam estes sentidos de herança?
Levamos em conta, neste contexto, que o patrimônio sempre põe em jogo memórias
e experiências do passado.
Neste sentido, investigar o passado e considerá-lo como parte de processos
de subjetivação coletivos, constituidores de representações, memória e identidade,
pode abrir caminhos para a análise a respeito de como as juventudes subjetivam
este patrimônio e esta herança. Entendemos que estas narrativas do passado
podem estar relacionadas com a construção do tempo presente e as perspectivas de
futuro (jogos de tempo) em relação ao trabalho das juventudes.
A noção de tempo já foi estudada por Koseleck (2006, 2014) que desenvolveu
um estudo bastante particular a respeito do tempo, relação esta que faz sentido para
o presente trabalho. Koselleck (2006) entende que o presente resignifica tanto um
passado quanto um futuro, havendo assim uma conexão entre os jogos de tempo.
Para o autor, o passado pode ser compreendido como um “campo de experiência” e
o futuro como um “horizonte de expectativas”.
Mas será que para esses jovens este passado herdado, ou esta narrativa,
está presente? Para investigar essa percepção de tempo como também orientadora
de sua produção subjetiva no trabalho, optamos por trabalhar com as (auto)
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biografias dos jovens aprendizes. Para Queiroz (1988) a história de vida pode ser
entendida como um relato feito por meio de um narrador que narra sua existência
através do tempo e tenta reconstruir os acontecimentos que vivenciou e transmitir a
experiência que adquiriu.
Sobre as abordagens com métodos qualitativos como os bigráficos, Silva et al
(2007) explanam que elas possuem “compromisso com a história como processo de
rememorar, com o qual a vida vai sendo revisitada pelo sujeito” (SILVA et al, 2007,
p.27). Ao utilizar a memória como acesso a uma história particular, os autores
reconstroem suas narrativas em um processo que Chauí (1973) acredita ser na
verdade não apenas um lembrar novamente, ou (re) lembrar, mas sim um processo
de se (re) fazer. Nesse processo, acredita-se possível investigar a constituição do
sujeito a partir de suas experiências pessoais e profissionais.
Nesta pesquisa os sujeitos que são porta-vozes de suas histórias e
protagonistas de suas biografias possuem “apenas” alguns anos de vida.
Poderíamos nos indagar: que experiências há um jovem de apenas 15 anos para
contar sobre sua vida? O que pode haver de interessante em uma história de vida a
qual teve apenas 15 anos vivido? É na contramão deste raciocínio que o presente
trabalho debruçou-se: acreditamos que há experiências em 15 anos de vida e, não
importa aqui a quantidade de tempo vivido, todavia a intensidade da relação com
esse tempo.
Para adentrarmos ainda mais nestas experiências e embasar as reflexões,
buscamos autores que dessem conta deste diálogo interdisciplinar. Para isso, alguns
conceitos teóricos foram apropriados, como a Psicologia Social e, neste âmbito, a
contribuição especificadamente da psicologia sócio-histórica, formulações acerca do
patrimônio, além do entendimento sobre memória e tempo.
No entanto, antes de avançarmos, vale aqui colocar qual a concepção de
sujeito em que baseia a psicologia sócio-histórica. Entende-se que “[...] cada ser
humano se constitui como uma pessoa totalmente única (por suas experiências e
sua história de vida) e que ressalta a importância das práticas culturais na definição
do desenvolvimento psicológico do sujeito” (SABOYA, 2001, p.2). Nesta perspectiva
o sujeito é compreendido como um ser que se constitui a partir de seu próprio
movimento, de suas relações sociais, bem como pelas condições socioculturais que
o permeiam. Em relação ao exposto Bock e Liebesny (2003) explanam que:
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O homem, ao nascer, é candidato à humanidade e, no contato com os outros homens e em sua atividade sobre o mundo material, o homem se humaniza, isto é, se apropria da humanidade contida em seu mundo cultural e social, sendo este resultado da atividade de gerações anteriores. [...] Assim, em um movimento ininterrupto, os homens vão criando a humanidade e ao se objetivarem no mundo material o humanizam, permitindo que novas gerações se apropriem dela (BOCK; LIEBESNY, 2003, p. 207-208).
Portanto, entendemos aqui que o sujeito não nasce dotado de aptidões e
habilidades históricas da humanidade, pois elas são conquistadas e criadas. Bock e
Liebesny (2003) denominam o indivíduo como candidato à humanidade, que está no
mundo material, cristalizada nos objetos, nas palavras e nos fenômenos da vida
humana. Esta compreensão de indivíduo que se torna sujeito no seu mundo será
muito importante para a discussão acerca da constituição das juventudes como
fenômenos socialmente construídos, as quais serão abordadas ao longo do trabalho.
A respeito da articulação entre histórias de vida e memória, no Brasil,
conforme Lima (2014), a utilização técnica de história de vida passou a ser - após
um breve aparecimento nas décadas de 40 e 50 - pouco considerada, por ser
entendida como método “infectado de subjetividade” (LIMA, 2014, p.18),
diferentemente das técnicas estatísticas. Entretanto, foi na obra de Ecléa Bosi sobre
memória social que a história de vida e a História Oral reaparecem com destaque,
como técnica de investigação que produz material possível de ser analisado.
Deste modo o livro “Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos” de Ecléa
Bosi (1994) é considerado um importante estudo que aborda as histórias de vida de
maneira bastante particular e sensível e é tido como um marco na utilização de
história de vida. Para Bosi (1994) nem sempre lembrar é reviver, mas sim,
reconstruir, repensar, refazer por meio de imagens e pensamentos de, as vivências
passadas. Para a autora,
A memória não é sonho, é trabalho. [...] Por mais nítida que nos pareça a lembrança de um fato antigo, ela não é a mesma imagem que experimentamos na infância, porque nós não somos os mesmos de então e porque nossa percepção alterou-se e, com ela, nossas idéias, nossos juízos de realidade e de valor. O simples fato de lembrar o passado, no presente, exclui a identidade entre as imagens de um e de outro, e propõe a sua diferença em termos de ponto de vista (BOSI, 1994, p.55).
Esclarecemos que traremos nesta dissertação a “juventude” em seu plural:
“juventudes”. Narramos no plural como tentativa de abarcar o multipluralismo desta
“categoria”. É importante ressaltar que outros autores tem investigado a juventude a
22
partir de suas múltiplas determinações, baseada principalmente na teoria dos
estudos culturais.
Palavras como infância, adolescente, juventude e velhice fazem parte do
cotidiano, são fases que dividem “o caminho da vida”. Apesar destas delimitações,
as fases enunciadas anteriormente fazem parte de um constructo histórico e social.
Deste modo, para o presente trabalho, a juventude não é uma categoria única, é na
verdade uma denominação construída culturalmente, que corrobora com a
enunciação de Reguilo:
[...] no se trata de una “esencia” y, en tal sentido, la mutabilidad de lós criterios que fijan los límites y los comportamientos de lo juvenil, está necesariamente vinculada a los contextos sociohistóricos, producto de las relaciones de fuerza en una determinada sociedad (REGUILLO, 2007, p. 48).
Segundo Abramovay e Esteves (2007) a juventude é uma construção social,
sendo resultado das múltiplas formas que uma sociedade caracteriza a sua
juventude. Para Novaes (2006) não há limites de idade fixos, a delimitação pela faixa
etária não caracteriza juventudes iguais, para a autora “jovens com idades iguais
vivem juventudes desiguais” (NOVAES, 2006, p. 105).
Feito este primeiro esclarecimento, abordaremos neste momento o Programa
de Aprendizagem que é pano de fundo da presente pesquisa. Nesta perspectiva é
importante esclarecer o contexto histórico ao qual o Programa em questão se
constitui. Em 2003 a Fundação Roberto Marinho iniciou a articulação de ações com
foco na Lei da Aprendizagem (Lei 10.097/2000) e em 2005 desenvolveu o Programa
denominado “Aprendiz Legal”. Construído com o intuito inicial de atender a uma
demanda específica gerada pela empresa Petrobrás, o Programa foi posteriormente
ampliado, sendo implementado em todos os estados brasileiros através de parceiros
sociais como ONGs (organizações sem fins lucrativos – não-governamentais) e
OSCIPs (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público).
Deste modo, o “Aprendiz Legal” foi desenvolvido pela Fundação Roberto
Marinho (FRM) para o atendimento da Lei da Aprendizagem e sua regulamentação,
o Decreto nº 5598/2005. Trata-se de um programa de formação profissional de
jovens para o mundo do trabalho e atende a legislação da aprendizagem realizando
a capacitação teórica obrigatória, prevista em lei, por esta modalidade de trabalho.
Conforme Manual Institucional de Perguntas e Respostas, o “Aprendiz Legal” tem
como objetivo:
23
Promover o desenvolvimento de competências e habilidades que levem os aprendizes a buscar novas soluções para responder a diferentes desafios em sua vida pessoal e profissional, exercendo criticamente a cidadania e atuando com proficiência nas empresas (GUIA DE PERGUNTAS E RESPOSTAS, 2012, p.17).
O “Aprendiz Legal”apresenta ainda como objetivos específicos:
Discutir o conceito de trabalho em diferentes dimensões; Contextualizar o profissional no mundo do trabalho contemporâneo; Avaliar o novo cenário e o trabalho de administração e gestão vivenciando experiências empreendedoras com ética, criatividade e protagonismo; Identificar métodos e ferramentas de planejamento; Sistematizar informações discutidas na instituição formadora e aplicá-las na empresa (MANUAL DE CONCEPÇÃO E SIGNIFICADO, 2010, p.4).
A partir destes objetivos o Programa apresenta uma estruturação pedagógica
baseada em princípios metodológicos, pedagógicos e éticos, bem como, enuncia
conceitos estruturantes, transversais e um eixo que considera a base do Programa.
Para tanto, os princípios pedagógicos são: “desenvolvimento de competências,
abordagem interdisciplinar, contextualizada, hipertextualidade e avaliação por
competências” (GUIA DE PERGUNTAS E RESPOSTAS, 2012, p. 21). Em relação
ao princípio metodológico, a FRM utiliza os conceitos de flexibilidade, gestão
compartilhada e abordagem hipertextual e, como fundamento ético, respeito às
diferenças. Sobre os conceitos estruturantes, o Manual esclarece que
São estruturantes os conceitos de Trabalho, entendido como um dever social, Juventudes, discutido com o foco na construção das identidades juvenis e Linguagens, fundamental para o desenvolvimento de competências (MANUAL DE CONCEPÇÃO E SIGNIFICADO, 2010, p.11).
O programa enuncia que há um “eixo condutor” traduzido pelo conceito de
cidadania multicultural, entendida como
A cidadania assim qualificada (multicultural) deixa de ser algo abstrato e enfatiza o reconhecimento do outro, da diversidade e das diferentes culturas que convivem no mesmo espaço. Imprime o respeito às diferenças pessoais em todos os sentidos: física, étnica, de gênero etc (MANUAL DE CONCEPÇÃO E SIGNIFICADO, 2010, p.6).
Assim, o currículo do Programa está organizado com base no
desenvolvimento de competências, sendo estas entendidas como “a mobilização de
24
recursos cognitivos para a compreensão do mundo” (GUIA DE PERGUNTAS E
RESPOSTAS, 2012, p. 22). Além disso, explana sobre o conceito de habilidades,
sendo compreendida como a operacionalização da competência, o “saber fazer”.
Com isto, o currículo organiza 32 competências que possuem a pretensão de serem
desenvolvidas ao longo da permanência do aprendiz no curso teórico obrigatório.
Na sequência seguem as competências que o programa considera como
fundamentais na formação dos jovens aprendizes e que perpassam a capacitação
teórica:
Trabalhar em equipe, demonstrando atitudes de respeito ao outro e de valorização da cooperação e da parceria; Utilizar diferentes linguagens como meio de expressão, informação e comunicação; Entender o impacto das tecnologias da comunicação na vida, nos processos de produção, no desenvolvimento do conhecimento e na vida social; Exprimir-se com correção e clareza tanto na língua materna como na linguagem matemática; Criar/Ampliar condutas de indagação, análise, problematização e protagonismo diante de situações novas, problemas ou questões da vida pessoal, social, política, econômica e cultural e Sistematizar e hierarquizar
informações (GUIA DE PERGUNTAS E RESPOSTAS, 2012, p.22).
A respeito dos atores envolvidos no programa, é importante esclarecermos
sobre suas funções. A Fundação Roberto Marinho tem como papel a gestão
institucional e pedagógica do Programa “Aprendiz Legal”, onde responde pelo
gerenciamento da marca, execução da comunicação e monitoramento da aplicação
da metodologia do programa por meio de formação continuada a todos os agentes
envolvidos no processo, desenvolvimento de materiais didáticos e administração de
um ambiente virtual (GUIA DE PERGUNTAS E RESPOSTAS, 2012). A FRM coloca
o “Aprendiz Legal” em prática através de franquias sociais, sendo assim executadas
por parceiros da fundação. A instituição licenciada (instituição que firmou parceria
com a FRM) fica responsável pela aplicação do “Aprendiz Legal”, colocando em
prática a gestão educacional do aprendiz, realizando o curso de formação
profissional, intermediando a contratação do jovem e supervisionando a
aprendizagem na empresa, desde o processo de seleção até o final do contrato. A
instituição parceira também é denominada de instituição formadora, tendo assim,
papel de articular com entidades e organizações públicas ações em prol do
cumprimento da Lei. Além disso, tem o dever de acompanhar o desempenho do
jovem no curso e na empresa, bem como, estabelecer contato com a família do
aprendiz contratado.
25
Em Santa Catarina e no Paraná a instituição formadora parceira e executante
do Programa “Aprendiz Legal” é a OSCIP GERAR. Fundada no ano de 2003, com
sede em Curitiba – Paraná, a OSCIP Gerar tem como seus principais objetivos a
valorização do ser humano, a conservação do meio ambiente e a preservação da
cultura. Possui convênio e parceria com entidades públicas e privadas por meio de
projetos em áreas ambientais, educacionais e sociais. No ano de 2009 a OSCIP
fechou uma parceria com a FRM para execução do projeto “Aprendiz Legal”. O
trabalho iniciou em Curitiba (sede da GERAR) e logo de início já contou com adesão
de várias empresas para financiar o programa.
Com isto a GERAR estudou estratégias para ampliar sua atuação com o
“Aprendiz Legal” e em 2011 implantou o programa na maior cidade do estado de
Santa Catarina: Joinville. Ao mesmo tempo, o programa foi sendo expandido em
outras cidades do estado do Paraná e, posteriormente, para outros municípios de
Santa Catarina. Atualmente, possui o programa em subsedes que compreendem
cidades ao redor, conhecidas como subsedes. No Paraná as subsesdes estão
localizadas nas cidades de Foz do Iguaçu, Guarapuava, Ponta Grossa, Londrina,
Cascavel. Já em Santa Catarina, estão instaladas em Joinville, Araquari, Itapoá,
Blumenau e Foz do Itajaí.
Para que o programa seja colocado em prática é necessário que a instituição
formadora articule parceria com uma instituição local de ensino onde ocorrerão as
aulas de aprendizagem, bem como, com empresas interessadas em fazer a adesão
ao programa. Em relação à parceria educacional local, em Joinville, a GERAR está
alocada dentro da Universidade da Região de Joinville – Univille. A principal
finalidade da parceria com a instituição de ensino é a utilização do espaço físico
(salas de aula e instalações de apoio ao aprendiz) para a aplicação das aulas
teóricas.
A respeito da outra parceria citada, uma empresa fecha contrato com a
GERAR ao solicitar a implementação do Programa “Aprendiz Legal” ficando a cargo
do empregador (empresa contratante) pagar os honorários para a OSCIP realizar a
formação teórica obrigatória prevista em Lei. Ao contratar os serviços da
aprendizagem, a empresa pagará um valor mensal para que cada aprendiz
contratado receba o curso de capacitação. Neste valor é englobada a mensalidade,
o uniforme, além dos materiais didáticos da FRM utilizados em sala de aula. A
GERAR, em contrapartida, oferece o apoio para implementação e condução do
26
programa de aprendizagem na empresa, tendo profissionais responsáveis por
acompanhar o desenvolvimento do jovem, sanar as dúvidas do empregador, realizar
capacitação dos funcionários da empresa sobre a Lei da Aprendizagem, realizando
assim a gestão do programa em parceria com a empresa. É na empresa que o
jovem aprendiz realizará as atividades práticas, sendo acompanhado por um
funcionário da mesma.
Com esta estrutura, a GERAR realiza ações de divulgação do Programa e
das vagas de trabalho para jovem aprendiz. A divulgação é feita principalmente via
internet utilizando-se de redes sociais, pois, a OSCIP entende que esta é a melhor
forma de estar em contato com a juventude. Para fazer parte do Programa o jovem
precisa ter entre 14 e 24 anos, estar frequentando a escola (Ensino Fundamental ou
Médio), ou já ter concluído o Ensino Médio, e cadastrar-se no site da instituição
GERAR, colocando seus dados em uma espécie de currículo. Além da divulgação
via redes sociais, a instituição possui a metodologia de divulgação em escolas da
cidade, dando ênfase nos bairros em que há empresas parceiras do Programa e,
deste modo, potenciais locais para vagas. Tanto online quanto presencialmente o
Programa possui o discurso de que trabalhar é uma forma positiva de se ocupar o
tempo, que o jovem irá receber um curso gratuito (caso fosse pagar seria “muito
caro”, assim a empresa “adota” este jovem) e, além disso, terá a oportunidade de
aprender um ofício. Assim o discurso corre em torno de uma valorização do trabalho
e do jovem trabalhador como aquele que ocupa seu tempo de maneira positiva e
produtiva e que possui através do salário o acesso ao consumo e com isso a
possibilidade de, em alguma medida, se tornar independente financeiramente dos
pais/responsáveis. O atrativo está, também, no fato do jovem possuir uma carga
reduzida de trabalho e por isso “não terá prejuízos” em seus compromissos
escolares e na convivência com família e amigos. O discurso ainda usa como
argumento o número de jovens aprendizes que há no programa e, que assim, vários
estão “no mesmo barco” e indica que aqueles que não são aprendizes “estão fora”
nadando a deriva do barco da “empregabilidade”.
É a partir deste cadastro que a equipe interna da OSCIP irá selecionar o perfil
dos candidatos que são considerados compatíveis com os requisitos solicitados pela
empresa contratante. Deste modo, há a busca de um perfil do jovem conforme a
vaga em aberto, havendo escolha entre aqueles que são considerados compatíveis
com o Programa e com a vaga da empresa para além dos critérios de idade e
27
escolaridade previstos em Lei. Percebemos, então, que há um funil que decanta os
jovens que serão selecionados. Não há clareza nestes critérios uma vez que a
legislação permite apenas critérios de idade e escolaridade. Há uma lacuna no
entendimento do motivo que faz com que determinado jovem seja aprovado ou não
pela empresa. A instituição formadora fará um primeiro filtro, mas a “decantação”
final é feito pela contratante, não havendo nitidez nos critérios estabelecidos para a
contratação ou não dos jovens.
O processo para entrada no programa, como dito, inicia com a divulgação das
vagas em redes sociais e presencialmente nas escolas e o preenchimento do
cadastro online. Havendo vagas em aberto a equipe da GERAR irá contatar, via
telefone, o jovem cadastrado e convidá-lo para uma explanação do Programa de
forma presencial. Este convite para o jovem conhecer o programa tem o intuito tanto
de esclarecer como funciona a legislação e o programa em si, bem como, fazer uma
análise de adequação deste jovem para a vaga em aberto. Esta análise se dá
através da averiguação da idade, escolaridade e, principalmente, da motivação do
jovem para iniciar em um programa de aprendizagem. Esta motivação diz respeito
ao desejo de fazer parte e também a disponibilidade de horário para trabalhar. Além
disso, a pessoa responsável em ministrar as informações fornece dicas de como o
candidato a aprendiz deve se comportar em uma entrevista de emprego, ou seja,
para que o jovem esteja de acordo com o que o mundo do trabalho espera dele:
alguém comprometido, responsável e com objetivos profissionais e pessoais
estabelecidos. Isto é, adequado a este mundo que busca aprendizes não “para
aprender”, mas que já venham “prontos”, apenas para produzir. Após receber as
orientações do programa e a preparação para entrevista, os candidatos preenchem
um formulário com informações pessoais e com perguntas a respeito de sua
vontade/motivação em ser jovem aprendiz e participar do corpo de funcionários da
empresa que está com vaga em aberto. Depois de receber este primeiro contato, ele
será encaminhado para entrevista e é de responsabilidade da empresa a escolha do
aprovado. Sendo aceito no processo, a equipe da instituição fará comunicado para
que ele compareça ao Programa junto com sua família com o intuito de receber as
orientações sobre o programa e da legislação da aprendizagem além de assinar seu
contrato de trabalho. O momento de assinatura do contrato é onde a família fará
aproximação com o programa e conhecerá como será o dia a dia do jovem. Os
28
candidatos não aprovados serão encaminhados para outras oportunidades, quando
existirem.
Além de ter o papel de formar e orientar os aprendizes nas atividades práticas
da ocupação para as quais foram contratados, a empresa fará a gestão trabalhista,
ou seja, irá administrar o salários, benefícios e demais encargos já que a
contratação do aprendiz prevê assinatura na carteira de trabalho. Em uma
organização específica do “Aprendiz Legal”, o jovem irá trabalhar 04 dias na semana
na empresa contratante, sendo a carga de 4 ou 6 horas diárias de trabalho
(conforme acordado em contrato). Em um dia da semana, podendo ser segunda,
sexta ou sábado, o jovem fará sua carga horária teórica, considerada como hora
trabalhada e prevista em contrato, para contemplar as exigências da legislação.
Assim, a rotina do jovem “Aprendiz Legal” consiste em trabalhar 04 dias na semana,
conhecida como aprendizagem prática, e 01 dia da semana realizando a
aprendizagem teórica. O jovem permanecerá no programa conforme carga horária
prevista em contrato. Assim sendo, os aprendizes que realizam 04 horas diárias de
aprendizagem terão um contrato de 17 meses e aqueles que fazem 06 horas ficarão
11 meses vinculados à empresa. Ao término do contrato a empresa pode fazer a
efetivação deste aprendiz, ou seja, contratar como um funcionário efetivo, havendo
assim, a mudança para uma contratação de tempo indeterminado.
No dia em que jovem está na instituição formadora ele recebe a capacitação
teórica conforme o curso que está cadastrado no Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE) e aprovado para aplicação. Assim o MTE que irá avaliar e aprovar o currículo
do curso de formação profissional para jovem aprendiz. O Programa “Aprendiz
Legal” diz ter um diferencial de outros programas de aprendizagem, pois, seu foco
principal está no desenvolvimento do comportamento do jovem aprendiz. Portanto, o
intuito principal não é formar jovens técnicos e sim jovens que tenham uma conduta
adequada para o mercado de trabalho. O discurso preconiza que importante é ter
alguém moldado comportamentalmente (e subjetivamente?) ao mundo do trabalho e
posteriormente seja desenvolvida sua capacidade técnica. Assim, prescreve que é
mais fácil desenvolver o conhecimento técnico do que o comportamental, ficando a
cargo do programa a parte “mais difícil”, ou seja, a disciplinarização de um jovem
“adolescente”.
O curso de formação profissional da Fundação Roberto Marinho é dividido em
03 módulos, sendo eles: módulo inicial, módulo básico e módulo específico. Como
29
dito anteriormente, todos são ministrados espaços da Universidade da Região de
Joinville - Univille. O módulo inicial é construído pela instituição executora do
programa, sendo, no caso de Joinville, a GERAR. O nome deste módulo faz
referência ao início do jovem no programa, ou seja, ao ser contratado e antes de
iniciar na empresa, o aprendiz passará 04 semanas em formação inicial na GERAR
recebendo conteúdos próprios para quem nunca trabalhou ou possui pouca
experiência de trabalho. Os conteúdos são relacionados aos temas: Lei da
Aprendizagem, Planejamento Estratégico Pessoal (PEP), Marketing Pessoal,
Comunicação Empresarial e Cidadania com Qualidade.
O segundo módulo denominado Módulo Básico possui livro de apoio que está
organizado – em três unidades, a saber: Unidade 1: Juventudes – Identidades,
trabalho e cidadania; Unidade 2: Juventudes – Cultura, trabalho e sociedade e
Unidade 3: Juventudes – Informação, trabalho e protagonismo. Os conteúdos de
cada unidade são estruturados de acordo com um conjunto de competências,
habilidades e conhecimentos considerados pela FRM como necessários à formação
do aprendiz. Sobre o módulo inicial a FRM coloca que
[...] por meio dos temas “Identidades”, “Trabalho” e “Linguagens¨, os jovens vão se familiarizar com assuntos como legislação trabalhista, direitos do trabalhador, responsabilidade social das empresas, cultura empresarial, organização empresarial, planejamento, projetos, orçamento, legislação fiscal, saúde e segurança no trabalho, ergonomia e acessibilidade. Nele, o trabalho é apresentado por meio de um diálogo entre teoria e prática baseado, sobretudo, nas experiências e nos contextos de vida dos aprendizes. Tem como objetivo geral situá-los no mundo do trabalho e prepará-los para exercerem criticamente a sua cidadania, por meio da vivência de atividades que estimulem o seu protagonismo e o desenvolvimento da sua autonomia (MANUAL DE ABORDAGEM METODOLÓGICA E ORIENTAÇÃO PARA O MÓDULO BÁSICO,s/n, p.39).
Já o Módulo chamado de “Específico” possui o conteúdo voltado para a
ocupação específica que deve corresponder à função do aprendiz na empresa. A
FRM possui formação nos seguintes cursos: Auxiliar de Alimentação: preparo e
serviços, Auxiliar de Produção Industrial, Comércio e Varejo, Logística, Ocupações
Administrativa, Práticas Bancárias, Telesserviços, Turismo e Hospitalidade e
Telemática. Em Joinville, os cursos que estão em andamento atualmente – e que
por consequência possuem maior procura pelas empresas contratantes – são:
Ocupações Administrativas e Logística.
30
O Programa “Aprendiz Legal” entende como fundamental para o
desenvolvimento pessoal do aprendiz a valorização de sua história e experiências
de vida, as relações interpessoais estabelecidas na instituição formadora e na
empresa e da ampliação de seus recursos cognitivos, ampliação essa, provocada
pelos tipos diferenciados de situações de aprendizagem vivenciadas coletivamente.
Diante desta proposta curricular, alguns questionamentos são pertinentes: Como a
política de juventude, por exemplo, a proposta pela Lei 10.097/2000, pode atribuir
sentidos e significados para as próprias juventudes trabalhadoras? Como as
intencionalidades e tensões dessa política pública e as articulações entre os jogos
de tempo no interior dessa política curricular, são significados pelos jovens?
A partir destas reflexões apresentamos mais algumas inquietações: algumas
décadas se passaram e Joinville é ainda referenciada como uma cidade de
oportunidades, mas será que as juventudes percebem e tomam para si estas
oportunidades? Essas oportunidades fazem parte das expectativas de
presente/futuro dos jovens? Será que o discurso da lei e da própria cidade é uma
promessa de emprego que está sendo cumprida para as juventudes e continuarão
quando estes entrarem no mercado de trabalho efetivo? Será que esta cultura do
labor é também constituinte do processo de subjetivação dos jovens aprendizes do
município? A Lei da Aprendizagem vem como discurso capaz de subjetivar corpos e
moldá-los para o mundo do trabalho? Qual o discurso que está sendo transmitido?
São estes entraves, indagações e problematizações que a pesquisa pretendeu, de
certa forma, desbravar.
Em relação às inquietações dos discursos a partir do currículo proposto pela
Lei da Aprendizagem, se faz necessário à aproximação com as Teorias do Currículo.
Assim, o trabalho se situa a partir dos estudos das teorias pós-críticas do currículo
na medida em que estas podem esclarecer a respeito das tensões políticas, sociais
e culturais que permeiam a construção curricular. Diante do exposto, tivemos o
intuito de desenvolver a aproximação existente entre Currículo, Patrimônio Cultural e
Psicologia Social.
Pensar interdisciplinarmente é de grande valia para um trabalho que busca
flagrar as sensações de tempo dos jovens aprendizes, suas constituições subjetivas,
suas relações com as memórias holistas da cidade e com o currículo do Programa.
A aproximação dos campos e o desafio de um diálogo, apesar da aparente
31
divergência, fortalecem e constroem novas formas de se pensar e pesquisar o
interdisciplinar.
Neste sentido Almeida Filho (2000) postula a respeito da composição dos
campos disciplinares, sendo eles compostos por pessoas e não abstrações, neste
âmbito, Bellé et al (2015, p.15) aponta que “quem precisa circular não são os
campos tampouco os discursos, precisam circular os sujeitos dos discursos, pela via
da orientação à ação”. Buscamos ir literalmente aos campos, por meio, do grupo de
estudos colocamos a práxis em ação e debatamos a partir de vários prismas a
questões que se tratam deste trabalho.
Voltando a falar em tempo e memória, os sentidos que vêm nessas biografias,
ou aquilo que entendemos quando dizemos “educação para ou pelo trabalho”
significamos hoje em função de um sentido construído no tempo. Nesse âmbito,
interessamos buscar a história da educação profissional no Brasil a partir dos
estudos de Venera (2009), Hélica Silva Carmo Gomes (2007, 2015) e Eraldo Leme
Batista (2015).
Partindo destas reflexões iniciais, os capítulos estão organizados na seguinte
sequência: inicialmente o primeiro capítulo intitulado “Aprendiz Legal”: uma projeção
no tempo dissertamos a respeito da Lei da Aprendizagem, as políticas públicas para
a juventude e pontuamos sobre a inclusão do jovem no texto jurídico. Além disso,
contextualizamos a educação profissional por meio de seu percurso histórico,
problematizamos o mundo do trabalho contemporâneo e dialogamos com as
produções científicas.
No segundo capítulo “História Oral: Jogos de Tempo, Subjetividade, Currículo
e Patrimônio” apresentamos nossas escolhas teóricas como a caixa de ferramentas
com métodos e instrumentos de análise selecionados para dar conta das questões
de pesquisa, construindo assim um diálogo interdisciplinar entre os campos da
Psicologia Social, Patrimônio Cultural e Currículo. Buscamos isso fazendo uso do
método de pesquisa da história oral e das ferramentas de análise (auto) biográficas,
da noção de sujeito a partir da Psicologia Social e da reflexão do trabalho como
“herança” joinvilense.
Na sequência o último capítulo intitulado “Super - 8: montagem e sonorização
de narrativas (auto) biográficas” é constituído primeiramente por pelo
compartilhamento de um texto de própria autoria que constrói um elo entre minha
experiência quando jovem e as vivências atuais com a juventude.
32
Nesta seção apresentamos ainda, por meio da analogia com o filme “Super-
8”, a seleção e montagem das histórias de vida dos jovens aprendizes e
posteriormente analisamos o “curta-metragem” construído através do percurso da
pesquisa. Esta analogia não é descolada de minha experiência pessoal. Assisti a
diversos filmes na minha infância através deste aparelho na companhia de meu pai.
Ter um “Super- 8” em casa me dava a sensação de ter um cinema “só para mim”.
Assim, as narrativas são entendidas aqui como histórias de vidas que, ao serem
interpretadas pelas pesquisadores, recebem recortes próprios. Pelo processo de
“filmagem” da vida trazemos as significações dos jovens diante dos jogos de tempo,
memórias, constituição subjetiva, expectativas de trabalho e suas relações com as
narrativas holistas da cidade. Após tecemos considerações finais acerca das
experiências vivenciadas com a construção desta dissertação.
33
1 – “APRENDIZ LEGAL”: UMA PROJEÇÃO NO TEMPO
Neste primeiro momento abordaremos questões concernentes a Lei da
Aprendizagem, as políticas públicas para a juventude e a inclusão do jovem no texto
jurídico. Na sequência realizamos a contextualização da educação profissional por
meio de seu percurso histórico, problematizamos o mundo do trabalho
contemporâneo e apresentamos o estado da arte das produções científicas a
respeito dos temas “juventude” e “trabalho”.
A temática juventude tem gerado um debate que há pouco tempo ganhou
espaço nas políticas públicas brasileiras. Levando-se em conta que a Lei da
Aprendizagem (Lei 10.097) entrou em vigor em 2000, entende-se que há pouco mais
de uma década existe uma regulamentação específica para a inserção de jovens no
mercado de trabalho.
Em 2005 houve a criação da Política Nacional de Juventude (PNJ) e a
alteração da Lei da Aprendizagem, através do Decreto 5.598, que passou a
abranger uma faixa etária maior com a inclusão de jovens até 24 anos de idade.
Vale lembrar que a criação do PNJ se deu no contexto de outros procedimentos
políticos no âmbito nacional e também das relações supranacionais. Um ano antes,
em 2004, o Grupo Interministerial da Juventude foi constituído a partir de um
ajuntamento de 19 ministérios, secretarias e órgãos especializados com o objetivo
de construir um diagnóstico sobre o jovem brasileiro e organizar ações já existentes
ou em fase de projetos nessas instâncias e centralizá-las em uma política nacional
de juventude. Na finalização do trabalho o grupo sugeriu o lançamento do Programa
Nacional de Inclusão de Jovens: Educação, Qualificação e Ação Comunitária, que
ficou conhecido também como “ProJovem1”, a constituição da Secretaria Nacional
de Juventude e a implementação do Conselho Nacional de Juventude (BRASIL,
2006).
Ao destacar o PNJ nessa pesquisa é preciso ter em mente esse contexto: “em
2004 ainda a UNESCO, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, o
1 Sobre o programa ProJovem, ver a dissertação de ANDRADE, Ana Paula Giostri de. Identidades e
significações de juventudes no Projovem: entre a memória/experiência e a demanda/projeto desejado. 2013. 136f. Dissertação (Mestrado em Patrimônio Cultural e Sociedade) Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE, Joinville.
34
IBGE, e organizações não-governamentais se voltaram a analisar o jovem em duas
grandes categorias: escola e trabalho” (ANDRADE, 2013, p.54).
Como resultado, o diagnóstico apontava que o jovem brasileiro estava com
pouca escolarização e subtraído do mercado de trabalho. Esse dado direcionou as
políticas públicas brasileiras uma vez que o texto da PNJ2 afirma que
majoritariamente esse é perfil do jovem brasileiro o que justifica as políticas de
educação e profissionalização que se sucederam.
Nesse sentido, e a grosso modo, considerando o fato dos jovens comporem o contingente populacional mais vitimizado pelas distintas formas de violência presentes no Brasil; enfrentarem enormes dificuldades de ingresso e permanência no mercado de trabalho; sofrerem impedimentos no acesso a bens culturais; não terem assegurado o direito a uma educação de qualidade e não receberem tratamento adequado no tocante as políticas públicas de saúde e lazer, o reconhecimento de seus direitos deve estar alicerçado em uma perspectiva ampla de garantia de uma vida social plena e de promoção de sua autonomia. Portanto, seu desenvolvimento integral é legítimo e de interesse de todo o conjunto da sociedade (BRASIL,2006, p. 7).
Se anteriormente a Lei de Aprendizagem – 10.097/2000 era conhecida como
“menor aprendiz” a partir de dezembro de 2005 com o Decreto 5.598 passa a ser
conhecida como a “Lei do Jovem Aprendiz”. Deste modo, é somente a partir de 2005
que jovens com mais de 18 anos tem acesso a esta política de trabalho. A
construção deste decreto não se dá de maneira singular ou separada de um
contexto de manifestações pelo direito da juventude, pelo contrário, ela vai ao
encontro da criação do PNJ e das ações do Conselho Nacional da Juventude
(Conjuve). O Conjuve é um órgão articulado à Secretaria Nacional de Juventude da
Secretaria-Geral da Presidência da República e tem como objetivo, entre outros,
“propor estratégias de acompanhamento e avaliação e diretrizes para a promoção
de políticas públicas de juventude no Brasil” (BRASIL, 2011, p. 11). Conforme texto
do PNJ algumas ações merecem destaque no primeiro ano de trabalho do Conjuve.
Foi em novembro de 2005 que o conselho colocou em debate e sugeriu alterações
em relação à Lei da Aprendizagem, ocorrendo em dezembro daquele ano a
alteração do público alvo (de 18 para 24 anos), conforme escrito no início do
parágrafo. Foi nesta trama pela busca dos direitos ao jovem que a Lei da
aprendizagem também sofre modificações.
2 Fragmento extraído do documento: Política Nacional de Juventude: Diretrizes e Perspectivas. 2006.
Disponível em: < http://library.fes.de/pdf-files/bueros/brasilien/05611.pdf>Acesso em: 09. jun. 2015.
35
A alteração de acesso à política da aprendizagem para 24 anos é um marco
na luta pelos direitos sociais do jovem. O reconhecimento das necessidades de
políticas públicas para o jovem e sua inclusão no texto jurídico é recente no Brasil
(SPOSITO; CARRANO, 2008). Haja vista que na própria constituição de 1988 não
há inclusão da juventude, mas sim, de crianças e adolescentes, o mesmo ocorre
com o texto do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) em 1990. Neste âmbito
é importante lembrar que somente com a Emenda Constitucional nº 65, de 13 de
julho de 2010 que são alterados a denominação do Capítulo VII do título VII e do
artigo 227 para “cuidar dos interesses das juventudes”, conforme exposto na
constituição federal:
Art. 1º O Capítulo VII do Título VIII da Constituição Federal passa a denominar-se "Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso". Art. 2º O art. 227 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades
não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos: II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação. § 3º .......................................................................................... III - garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola;
VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins [grifo
nosso]. (BRASIL, 2010).
Apesar de a categoria “juventude” não estar contemplada no ECA - estando
apenas uma parte da população jovem representada pelo termo “adolescente”,
Sposito e Carrano (2008) acreditam se tratar de um importante momento no que
tange à legislação. Neste sentido, afirma que ao menos aparece no texto jurídico o
termo “adolescente”, iniciando a visibilidade da juventude neste contexto. A respeito
das ações públicas considerando a categoria “adolescente”, Sposito e Carrano
argumentam que
36
No entanto, parte das atenções tanto da sociedade civil como do poder público voltou-se, nos últimos anos, sobretudo para os adolescentes e aqueles que estão em processo de exclusão ou privados de direitos (a faixa etária compreendida pelo ECA). Esse duplo recorte – etário (adolescentes) e econômicosocial – pode operar com seleções que acabam por impor modos próprios de conceber as ações públicas (SPOSITO; CARRANO, 2008, p.19).
Deste modo, as políticas públicas passam a ser construídas a partir da faixa
etária e com os determinantes sociais, excluindo assim, um conjunto de indivíduos
que também são possuidores de direitos, mas que não estão contemplados nos
textos jurídicos: os jovens (SPOSITO; CARRANO, 2008). Neste âmbito os autores
argumentam que
De outra parte, no conjunto das imagens não se considera que, além dos segmentos em processo de exclusão, há uma inequívoca faixa de jovens pobres, filhos de trabalhadores rurais e urbanos (os denominados setores populares e segmentos oriundos de classes médias urbanas empobrecidas), que fazem parte da ampla maioria juvenil da sociedade brasileira e que podem estar, ou não, no horizonte das ações públicas, em decorrência de um modo peculiar de concebê-los como sujeitos de direitos (SPOSITO; CARRANO, 2008, p.19).
Assim, quando a Lei da aprendizagem é construída em 2000, vem carregada
desta maneira de relatar quem são as pessoas de direitos, sendo elas crianças e
adolescentes. Deste modo, a lei do jovem aprendiz vem abarcar aquele mesmo
sujeito do ECA, ou seja, aquele que com 14 anos é considerado adolescente mas é
também indivíduo de direito para as políticas do trabalho. A mudança em 2005 para
a inclusão de uma parcela da juventude, parcela, pois conforme PNJ jovem é aquele
considerado entre 15 a 29 anos (BRASIL, 2006)3, traz a tona algo que não estava
bem delimitado até então, ou melhor, estava tão limitado que somente crianças e
adolescentes eram sujeitos de direitos específicos. Desta forma, a “lei do menor
aprendiz” possuía um esvaziamento de sentido que foi preenchido quando os jovens
passam a ser contemplados neste contexto.
Assim sendo, a lei do Jovem aprendiz vem trazer para a cena um sujeito que
a pouco vem ganhando espaço e que ainda está em um campo de amplos debates.
A lei do jovem aprendiz pretende definir um sujeito ao qual direciona o texto jurídico.
3 Conforme texto da Política Nacional de Juventude: “Este é um padrão internacional que tende a ser
utilizado no Brasil. Nesse caso, podem ser considerados jovens os adolescentes-jovens. (cidadãos e cidadãs com idade entre os 15 e 17 anos), os jovens-jovens. (com idade entre os 18 e 24 anos) e os jovens adultos (cidadãos e cidadãs que se encontram na faixa-etária dos 25 aos 29 anos)” (BRASIL, 2006, p. 5).
37
Se o campo ainda continua com diversas tensões, o decreto de 2005 vem ao menos
dizer quem é este sujeito. Ele não é, na verdade um “menor” qualquer, ele é um
jovem de determinado perfil etário (entre 14 e 24 anos), com determinada
escolaridade (frequentando a escola ou já ter concluído o Ensino Médio) que possui
direito de ser incluído no mercado de trabalho.
Por conseguinte, a partir de 2005, a Lei da Aprendizagem possibilita a
inserção de jovens de 14 a 24 anos no mercado de trabalho por meio de um contrato
especial. O contrato de aprendizagem pressupõe assinatura na carteira de trabalho,
é regido por tempo determinado e os aprendizes recebem, a partir do financiamento
por parte dos empregadores, um curso profissionalizante para complementar a
aprendizagem prática. Na tentativa de abarcar a aprendizagem e organizar um
programa em consonância com a legislação, a Fundação Roberto Marinho
desenvolveu em 2005, o programa de aprendizagem “Aprendiz Legal”. Pensado com
o intuito inicial de atender a uma demanda específica gerada pela empresa
Petrobrás, o programa foi posteriormente ampliado, sendo implementado em todos
os estados brasileiros através de parceiros sociais como ONGs (organizações sem
fins lucrativos – não-governamentais) e OSCIPs (Organizações da Sociedade Civil
de Interesse Público).
Segundo o contexto exposto anteriormente, o projeto “Aprendiz Legal” é
desenvolvido justamente após a criação do PNJ e o decreto 5.595. Problematizando
o sentido de “legal”, entende-se que está representando as tensões desta época em
específico, onde os jovens começam a ser convidados a comparecer nos textos
jurídicos, ou seja, existe uma “legalidade” nessa contratação do trabalho de um
“menor de idade”. Todavia, a palavra funciona como um trocadilho, quando é
entendido também como um programa “bacana”, “maneiro” e neste sentido legal e
ao mesmo tempo firmar que há sim uma legislação que contempla, que há
legalidade e que os jovens estão, a partir de agora, imbricados nas políticas
públicas. O sentido de legal é aqui implicado de maneira consciente, regulando os
sentidos perante o programa, trazendo a tona o que o ECA não conseguiu abarcar e
tentando dizer que é “bacana”, neste momento, falar em juventude, já que 2005 é
um ano importante para a política de juventude.
O “Aprendiz Legal” trata-se de um programa de formação profissionalizante
de jovens para o mundo do trabalho e atende a legislação da aprendizagem
realizando a formação profissionalizante teórica e obrigatória por esta modalidade.
38
Os materiais didáticos do “Aprendiz Legal” são organizados de forma a desenvolver
competências em aprendizes que estão iniciando um processo de
profissionalização.
Conforme Gomes e Batista (2015) o modelo de educação profissional
brasileiro vem passando por diversas reestruturações ao longo da história. Estas
mudanças ocorrem devido à necessidade, e intenção, de que haja uma
reorganização do modelo entendido como tradicional, visando uma nova formação
para o trabalho. Ainda segundo os autores, neste caminho a “pedagogia da
competência” responde a essa demanda que, através da educação profissional,
dedica-se a formar futuros trabalhadores de acordo com os moldes de produção
capitalista. As transformações no campo da educação profissional ocorrem,
principalmente, devido à necessidade de adequação às exigências do mercado o
que acaba por restringir a abrangência do próprio ensino.
Vale lembrar que a lógica das “competências” e também das “habilidades”
vem apontando caminhos para construção de currículos em todas as modalidades
de ensino no Brasil desde a década de 1990. Essa afirmação é possível a partir de
uma breve observação das diretrizes curriculares expedidas pelo Conselho Nacional
de Educação4, ou ainda uma rápida leitura nos Parâmetros Curriculares Nacionais5,
e acompanhando os discursos e orientações em cursos de formação de professores.
No entanto, não seria diferente nos cursos oferecidos no Programa “Aprendiz Legal”.
Indo ao encontro do percurso histórico da educação profissionalizante
brasileira, esta organização curricular também é vista em grandes sistemas de
educação profissionalizante no país, como nos chamados “Sistema S”. O “Sistema
S” foi constituído pelo governo federal, na gestão do ministro Capanema, na década
de 40 com o intuito de qualificar a população para atender os setores industriais e
comerciais que estavam em um crescente desenvolvimento devido ao momento do
pós-guerra. É importante lembrar que a Constituição Federal de 1937 abriu
significativamente ao setor privado a concessão para o investimento em educação.
A indústria se viu contemplada ao organizar no “Sistema S” a formação de mão de
obra para sua demanda, que naquele momento se firmava em um modelo fordista,
ou seja, era necessário formar especialistas de linhas de produção industrial.
Conforme Gomes e Batista (2015) atualmente este sistema é integrado pelo setor
4Disponível em: <portal.mec.gov.br/cne> acesso em 04 mai. 2015.
5 Disponível em <portal.mec.gov.br/cne> acesso em: 04 mai. 2015.
39
industrial representado pelo SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e
SESI (Serviço Social da Indústria), setor de comércio e serviço composto pelo
SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) e SESC (Serviço Social do
Comércio), setor agrícola SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), setor
do Transporte SENAT (Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte) e SEST
(Serviço Social do Transporte).
A pedagogia da competência, no entanto, aparece no Brasil em outro
contexto histórico, em meados da década de 1990 e é baseada na maneira de
produção toyotista, que possui como premissa para o trabalho as máximas
conhecidas como: mecanização flexível, política do controle de qualidade, gerência
participativa, multifuncionalização da mão de obra, sistema Just in time (no momento
certo), trabalhadores rápidos e preparados para agir em situações imprevistas
(GOMES; BATISTA, 2015). É preciso também contextualizar a década de 1990
marcada pelas políticas educacionais pós-abertura política no Brasil e uma
adequação as exigências dos discursos democráticos internacionais, mas também
ao mercado. A década de 1990 iniciou com a Conferência Mundial de Educação
para Todos, em Jomtien, quando a agenda brasileira foi desenhada, seguida da
Declaração de Nova Delhi, e por consequência o desdobramentos das políticas
nacionais em consonância as discussões da Unicef, Banco Mundial, Pnud e Unesco.
(VENERA, 2009). Vale ainda destacar que
A Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada na cidade de Jomtien, Tailândia foi um encontro que consagrou, no campo educacional o que o Consenso de Washington consagrou no plano econômico-político, reservadas as devidas diferenças. Ambas, em última instancia traçaram diretrizes para a “Era do Mercado” (VENERA, 2009, p. 102).
Quanto a questão das competências, Venera registra que os documentos que
se seguiram, tanto para direcionar currículos, quanto para formar profissionais,
estavam pautados na crença racionalista de que através da competência técnica e
científica se criaria trabalhadores para as demandas do mundo atual, leia-se para o
mercado e para a forma de produção toyotista (VENERA, 2009).
Ao investigar o fetiche da pedagogia da competência na educação, Hélica
Silva Carmo Gomes, em sua pesquisa de Mestrado na área de Educação, percebe
claramente esta ideia no currículo de duas escolas do “Sistema S”. Na investigação,
Gomes (2007) esclarece que o intuito da pedagogia da competência como
40
organizadora de um currículo de educação profissional é “educar o sujeito utilizando
um currículo que promova o desenvolvimento de competências individuais e
coletivas para o trabalho, nos moldes do toyotismo” (GOMES, 2007, p.54).
Historicamente percebe-se então que o “Sistema S”, que nasceu na lógica fordista,
na década de 1940, se adequa as formas de produção toyotista, na década de 1990.
O que nos afirma que as estratégias de formação estão se adequando a lógica de
produção e consumo.
Se este ideário é encontrado em uma corrente atual de currículo profissional,
é interessante frisar que até o século XIX não havia registros de uma organização
sistemática para a educação profissional no Brasil. As primeiras intenções de
educação profissional surgem a partir de 1809 com a criação do Colégio das
Fábricas por Dom João VI. O Colégio das Fábricas tinha como objetivo receber
artistas e aprendizes vindos de Portugal. Conforme documento base do Ministério da
Educação a respeito da Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrado ao
Ensino Médio produzido em 20076, o século XIX foi marcado por iniciativas de
instituições para o ensino das primeiras letras e iniciação em ofícios cuja demanda
era predominantemente crianças pobres, órfãos ou abandonadas.
Conforme Brasil (2007) há um histórico inicial de assistencialismo na criação
da educação profissional. No final do século XVIII a necessidade de mão de obra
mais qualificada era latente em virtude das promessas de crescimento do país,
impulsionados pelas indústrias que aqui se instalavam. Entretanto, o trabalho mais
pesado ainda era designado à camada economicamente mais baixa da população,
herança de uma sociedade altamente escravocrata. No ano de 1891 ocorre a
publicação da primeira Constituição do novo regime de governo do Brasil, a
República. Fica instituído que cada esfera governamental ficaria responsável por
uma parte do ensino público. Ou seja, a União cuidaria do ensino superior e do
ensino secundário, e os Estado cuidariam o ensino primário e o ensino profissional.
Com estas mudanças em 1906, na gestão de Nilo Peçanha, presidente do Estado
do Rio de Janeiro, foi criado, em setembro, 04 escolas profissionais no estado. É
importante lembrar que um ano antes do início da República uma importante ação 6 BRASIL. Ministério da Educação: Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao
Ensino Médio. Documento Base. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf/documento_base.pdf> Acesso em: 06 jun. 2015.
41
política materializou a mudança na forma de produção para a nova República: a
abolição da escravatura. Esse ato nem sempre é lembrado no contexto da educação
profissional, mas as análises históricas possíveis a partir dessa consideração são
potentes para entender o contexto. Os sentidos de trabalho até esse momento
estavam relacionados à “inferioridade”, “escravidão”, “função menor”. A República
que iniciou a partir da mão de obra operária havia de (re)significar o trabalho. A
pergunta que se faz ao dado histórico de 1906 no Rio de Janeiro é “que sentido de
trabalho balizava essa formação profissional, oito anos após a abolição dos
escravos?” Não existe a pretensão de resolver essa questão nessa pesquisa,
apenas uma reflexão histórica.
Já no início do século XX houve mudanças e o ensino profissional foi
perdendo seu caráter assistencialista para a prática profissional (BRASIL, 2007).
Em 1909, Nilo Peçanha, então presidente do país, criou as Escolas de Aprendizes
Artífices.
A criação das Escolas de Aprendizes Artífices e do ensino agrícola evidenciou um grande passo ao redirecionamento da educação profissional no país, pois ampliou o seu horizonte de atuação para atender necessidades emergentes dos empreendimentos nos campos da agricultura e da indústria (BRASIL, 2007, p. 11).
Ainda na primeira década do século XX algumas ações realizadas
contribuíram para a consolidação do ensino técnico-industrial no país. A primeira
delas foi a realização do “Congresso de Instrução” que levou ao congresso nacional
a ideia da promoção do ensino prático industrial, agrícola e comercial. Segundo
documento em comemoração ao centenário da Rede Federal de Educação
Profissional e Tecnológica produzido pelo Ministério da Educação7 é possível
perceber aqui uma ideia muito próxima da realidade do jovem aprendiz que existe
nos dias atuais. Naquela oportunidade, através da manutenção do programa pela
União e pelos Estados, seriam criados campos e oficinas escolares, destinadas aos
alunos do ginásio, habilitados como aprendizes.
7 BRASIL. Ministério da Educação: centenário da rede federal de educação profissional e tecnológica.
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/centenario/historico_educacao_profissional.pdf > Acesso em: 05 mar. 2015
42
Outro ponto significativo foi o aumento do valor destinado para a educação
profissionalizante pela Comissão de Finanças do Senado. Tal ato contribuiu para os
Estados criarem escolas técnicas e profissionais em algumas áreas como na
Estrada de Ferro Central do Brasil, a Escola Prática de Aprendizes das Oficinas do
Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro.
Alguns anos depois, no período da Primeira Grande Guerra, o Brasil, que até
então importava produtos, precisou rever esta prática. O resultado foi a necessidade
de produção “em casa”. Com isto, a quantidade de indústrias cresceu
consideravelmente e, consequentemente, a quantidade de trabalhadores (GARCIA,
2000). Deste modo, as décadas de 30 e 40 representam períodos marcados por
grandes transformações políticas, econômicas e educacionais na sociedade
brasileira. Neste período, o ensino técnico e profissional faz parte da legislação mais
importante do país, a Constituição Federal de 1937. O artigo 129 da carta magna
vigente na época contempla a temática sendo a primeira a possuir um artigo
exclusivo para regulamentação da educação técnica e profissional.
Conforme Aguiar (2010), o cuidado em garantir a educação básica e
profissionalização à infância e juventude em vulnerabilidade social e econômica
também continuou no Estado Novo com a Constituição de 1937. Para Aguiar (2010),
além do artigo 129 ser referência à obrigação do Estado em garantir o acesso à
escolarização e acesso ao ensino profissionalizante, ficava estabelecida a
responsabilidade dos sindicatos e indústrias de criar escolas de aprendizes para os
filhos de seus sindicalizados e operários, respectivamente, podendo contar com o
apoio e subsídios do governo. Essa parceria com o setor privado foi o que
impulsionou o “Sistema S”, como já mencionado.
Assim, com o processo de industrialização e modernização das relações de
produção houve a necessidade de regularização e um posicionamento dos
governantes a respeito da educação nacional. Isto fez com que vários Decretos-Leis
fossem criados para normatizar e dar conta desta nova demanda no país, a
educação. Conhecida como Reforma da Capanema (nome em alusão ao ministro
da educação Gustavo Capanema) um conjunto de Leis Orgânicas da Educação
Nacional foi criado para normatizar a educação no país. Conforme Brasil (2007) os
principais decretos foram os seguintes: Decreto nº. 4.244/42 – Lei Orgânica do
Ensino Secundário; Decreto nº. 4.073/42 – Lei Orgânica do Ensino Industrial;
Decreto nº. 6.141/43 – Lei Orgânica do Ensino Comercial; Decreto nº. 8.529/46 – Lei
43
Orgânica do Ensino Primário; Decreto nº. 8.530/46 – Lei Orgânica do Ensino Normal
e; Decreto nº. 9.613/46 – Lei Orgânica do Ensino Agrícola. Além disso, o Decreto-Lei
nº. 4.048/1942 – cria o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), que
deu origem ao “Sistema S”.
Esse esforço governamental evidencia a importância que passou a ter a educação dentro do país e, em especial, a educação profissional, pois foram definidas leis específicas para a formação profissional em cada ramo da economia e para a formação de professores em nível médio (Brasil, 2007, p.12).
Observa-se que nesse momento da história da educação profissional o
sentido de trabalho, que no início da república foi também relacionado a “posição
social inferior”, já se aproximava ao sentido de “civilidade”, “dignidade”. A identidade
do trabalho já era local e desejo e, através do trabalho, se conquistava a dignidade
humana. O número de políticas e investimentos públicos nessa direção nos dá
pistas da urgência de se criar um corpo de especialistas técnicos naquele momento
histórico em que os egressos dos cursos profissionais, como os do “Sistema S”,
eram absorvidos pelas fábricas.
Conforme o texto Brasil (1999), para entendermos a história do
desenvolvimento da formação profissional no país é preciso ter em mente que a
educação brasileira é marcada por uma dualidade: a formação não direcionada para
o trabalho, chamada propedêutica, e a formação que tem por objetivo a preparação
da mão de obra, a profissional. O Ensino Médio é composto por esta dualidade, e
assim sua história é a história da tensão entre a necessidade de formar pessoas
para o exercício profissional e alunos para continuarem no ensino superior. Esta
dualidade é responsável pela organização dos cursos, a partir das Leis Orgânicas na
década de 40. Apesar da nova legislação, ainda há uma clara separação entre o
curso médio voltado para ingresso no ensino superior onde havia o ensino de artes,
ciências e letras e aquele voltado ao mundo do trabalho onde havia o conhecimento
geral e o conhecimento específico em áreasindustrial e comercial. Muitos são os
trabalhos que analisaram esse binarismo e já não causam estranhamento as
análises que apontam a divisão clara de classes sociais nesses dois modelos de
formação.
É com a promulgação da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961- Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (a então conhecida LDBEN) - que há uma
44
tentativa formal de articular o ensino secundário e profissional para fins de acesso
ao ensino superior. Entretanto, Brasil (2007) ressalta:
[..,.] a primeira LDB, [...] dá plena equivalência entre todos os cursos do mesmo nível sem a necessidade de exames e provas de conhecimento visando à equiparação. Esse fato colocava, formalmente, um fim na dualidade de ensino. É importante frisar que essa dualidade só acabava formalmente já que os currículos se encarregavam de mantê-la, uma vez que a vertente do ensino voltada para a continuidade de estudos em nível superior e, portanto, destinada às elites, continuava privilegiando os conteúdos que eram exigidos nos processos seletivos de acesso à educação superior, ou seja, as ciências (BRASIL, 2007, p.13).
Essa narrativa histórica, em Brasil (2007), nos dá pistas de que, ainda que os
textos das políticas intencionassem um sentido articulado para o ensino secundário
e, que os sentidos de trabalho já estivessem associados à valores de “civilidade” e
“dignidade”, os sentidos permaneciam em disputa. É possível inferir que o sentido de
“segunda classe” para a formação profissional e o “clássico” propedêutico para os
“bens nascidos” tencionavam em uma longa duração de sentidos. Não mais o
mesmo sentido do trabalho escravo, mas ainda com a conotação de inferior.
Apesar de não termos as fontes necessárias para assegurar uma narrativa
histórica com detalhes nesse período, temos algumas pistas do contexto histórico da
época que nos possibilita afirmar que as tensões de classe, entre formação para o
trabalho e formação clássica propedêutica estavam em acirrados conflitos. A LDB
citada, ao mesmo tempo em que orienta para a articulação dos modelos de
formação secundária, também entrega ao setor privado a honra de organizar os
conteúdos a partir das demandas fabris. É importante ressaltar que em 1946 o Brasil
experimentou pela primeira vez a democracia, que ficou conhecida na história como
1ª abertura política. A década de 1950 no Brasil, conhecida como a década
democrática, foi marcada pelo MEB, Movimento de Educação de Base, dirigido para
a classe trabalhadora, com o objetivo de ampliar o universo cultural e educacional,
diretamente vinculado à Igreja Católica, à Conferência Nacional dos Bispos (CNBB)
e mantido economicamente pelo governo federal.
Também ficaram conhecidos os CPCs – Centros Populares de Cultura, que
nasceram dentro da União Nacional dos Estudantes, com uma influência da
esquerda cristã, chamada de teologia da libertação. Espaços geradores da
Pedagogia da Libertação e da proposta pedagógica de Paulo Freire dirigida para a
45
alfabetização de adultos trabalhadores, marcada por um conceito de educação
popular, expresso na frase: “Todo ato educativo é um ato político”, que indica
rupturas na educação dos trabalhadores e tenciona com a política nacional.
Atualmente vivemos na segunda abertura política no Brasil, também em um
contexto democrático, e o acesso ao ensino profissionalizante via Lei da
Aprendizagem é realizado, em sua maioria, por jovens que estão cursando as
escolas públicas e que possuem dificuldade de acesso às universidades. O que se
percebe é que apesar de haver a tentativa de descontinuidade da dualidade
discorrida acima, ainda hoje ela está presente, separando os jovens que conseguem
cursar o Ensino Médio privado e que por vezes não tem a necessidade de estar em
ensino profissionalizante e os jovens que precisam cursar o profissionalizante devido
a maior possibilidade e necessidade de ingressar no mundo do trabalho por meio
deste.
Contudo, seria um erro afirmar que a história se repete. A reflexão aqui
apenas destaca que as tensões continuam ao longo do tempo e os sentidos das
coisas são flutuantes, intercambiam. Os sentidos se rompem, entretanto,
também apresentam longa duração no tempo.
Com a LDB de 1971, o governo militar implanta uma necessidade, via
legislação, de eliminar a dualidade do ensino tendo no primeiro e segundo graus
com o objetivo de “proporcionar ao educando a formação necessária ao
desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realização,
qualificação para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania”
(Brasil 1999, p.55). Porém, a LDB 1971 aparentemente elimina a dualidade pois, na
prática, o que se percebe é um currículo ainda voltado para o ensino do trabalho e
um currículo voltado para o ensino de acesso ao nível superior. Neste sentido, Brasil
(2007) expõe que a dualidade
[...] só acabava formalmente já que os currículos se encarregavam de mantê-la, uma vez que a vertente do ensino voltada para a continuidade de estudos em nível superior e, portanto, destinada às elites, continuava privilegiando os conteúdos que eram exigidos nos processos seletivos de acesso à educação superior, ou seja, as ciências, as letras e as artes (BRASIL, 2007, p.13).
Ainda sobre o Governo Militar, a LDB 1971, em seu artigo quinto, observa a
necessidade da profissionalização estar em consonância com o que o mercado de
46
trabalho necessita, sendo feitos levantamentos periódicos a partir da necessidade do
processo produtivo. Este processo pode ser observado nos cursos
profissionalizantes da aprendizagem atuais, onde a maior demanda do mercado faz
com que haja a criação dos cursos. Desta forma, a aprendizagem profissional, por
estar voltada ao mercado de trabalho, segue ainda esta lógica onde tanto a abertura
quanto o fechamento de um curso profissionalizante nível aprendizagem está
relacionada com o mercado. Observa-se que o tempo da formação propedêutica é
descompassado da demanda do mercado e a orientação da formação para a
continuidade no ensino superior não atende a urgência fabril.
Conforme texto de Brasil (1999) a lei de 1971 “não vingou”. Várias alterações
foram realizadas até chegar em 1982 com a lei número 7044 que previa a retomada
da antiga distinção, entre ensino de formação geral (básico) e ensino de caráter
profissionalizante. Com a lei de 1982,
A velha dualidade que, na prática, não havia sido questionada, voltava, assim, a se manifestar, mas agora sem os constrangimentos legais. No entanto deixou como legado sua contribuição para tornar ainda mais ambíguo e precário o Ensino Médio e para a desestruturação do ensino técnico oferecido pelas redes estatais [...] (BRASIL, 1999, p.55).
Em 1994, com a criação da lei 8.948, expande-se a legislação de número
6.545/1978, instituindo o Sistema Nacional de Educação Tecnológica e
transformando as Escolas Técnicas Federais e as Escolas Agrotécnicas Federais
em CEFETs – Centros Federais de Educação Tecnológica. Vale ressaltar que cada
instituição seria regulamentada por decreto tendo em vista as características de
funcionamento de cada centro, como instalações físicas e quadro de funcionários. Já
em 1996, com a sanção da Lei 9.394, a Educação Profissional passa a ser tratada
separadamente da Educação Básica.
Essa inscrição jurídica que separa a Educação Profissional da Educação
Básica possibilitou a criação da Lei da Aprendizagem no ano de 2000, ancorada na
CLT, mas com um texto próprio e especifico para a aprendizagem e em 2005 o
decreto regulamentador. Assim, conforme a política em análise, após a ultima LDB,
a educação brasileira fica estruturada em dois níveis, sendo eles básico e superior,
tendo a educação profissional e tecnológica a categorização em outro espaço que
não dentro da estrutura de organização da Educação Básica (BRASIL, 2007).
47
O documento elaborado pelo Ministério da Educação em 20048 aponta que a
educação profissional e tecnológica é um elemento estratégico para construção da
cidadania e para inserção de jovens e trabalhadores na sociedade. Neste
documento é reforçada a necessidade de entender esta formação de maneira não
reducionista, compreendendo que a educação profissional e técnica não se tratam
de um treinamento para a empregabilidade ou para tarefas instrumentais.
O documento preconiza a educação profissional e tecnológica como
fenômeno amplo e complexo, onde “a questão fundamental da educação profissional
e tecnológica envolve necessariamente o estreito vínculo com o contexto maior da
educação circunscrito aos caminhos históricos percorridos por nossa sociedade”
(BRASIL, 2004, p.7). O documento aponta ainda a necessidade, e o desafio, de se
construir uma política educacional que consiga integrar a formação profissional ao
campo de um sistema educacional universal e democratizado.
Nesse âmbito, a educação profissional e tecnológica deverá ser concebida como um processo de construção social que ao mesmo tempo qualifique o cidadão e o eduque em bases científicas, bem como ético-políticas, para compreender a tecnologia como produção do ser social, que estabelece relações sócio históricas e culturais de poder (BRASIL, 2004, p.7)
A necessidade de superar a dualidade histórica é percebida neste material
produzido em 20049 como condição imperiosa para que avance no processo de
construção de políticas públicas no âmbito da educação profissional. No entanto, a
tensão continua quando no mesmo tempo histórico as orientações pedagógicas
pautadas na competência têm, em última instância, uma orientação de resposta às
demandas da produção toyotista. Neste sentido, é apontado que devem ser
reconhecidas funções instrumentais concebidas como tarefas e funções
desenvolvidas por todo o cidadão. Neste sentido, esclarece que
Impõe-se, portanto, um novo princípio educativo que busque progressivamente afastar-se da separação entre as funções intelectuais e as técnicas com vistas a estruturar uma formação que contemple ciência, tecnologia e trabalho, bem como atividades intelectuais e instrumentais. Nesse contexto, infere-se que somente a formação profissional e tecnológica não é suficiente, pois o próprio capital moderno reconhece que
8 BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Proposta em
discussão: políticas públicas para a educação profissional e tecnológica. Brasília, abr. 2004.
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf/p_publicas.pdf> Acesso em: 10 jun. 2015. 9 Id. Ibid.
48
os trabalhadores necessitam ter acesso à cultura sob todas as formas e, portanto, à educação básica (BRASIL, 2004, p.8).
O documento pontua a necessidade de ampliar o conceito de educação
profissional para uma educação que trata da instrumentalidade e da intelectualidade
com vistas ao acesso a cultura. Entretanto, infere-se o questionamento: a prática da
educação profissional está realmente ancorada nesta visão holística? Ou, a
formação para a produção toyotista exige a visão holista? Os “usuários” desta
educação recebem o ensino instrumental e intelectual? Será que a dualidade foi
finalmente eliminada? Os jovens estão sendo preparados para viver em uma
sociedade complexa e não somente para atender uma demanda do capital? Para
problematizar as indagações acima propomos trazer aqui a discussão a respeito do
mundo do trabalho contemporâneo.
Segundo Antunes e Alves (2004), para entendermos o mundo do trabalho
hoje é preciso termos em mente uma noção ampliada de trabalho. A classe
trabalhadora passa atualmente por um processo multiforme, diferente do século
passado (ANTUNES; ALVES, 2004). Conforme os autores, as tendências
contemporâneas giram em torno, entre outros, da redução do proletariado industrial
fabril típico da era taylorista e fordista.
Com a reestruturação do capital, novas formas de trabalho são constituídas,
havendo a tendência de redução dos trabalhadores em empregos formais e
estáveis. O processo de desindustrialização acaba gerando uma nova forma de
trabalho, como dito, como trabalhos em escalas “parciais”, temporário, aumento da
terceirização de serviços e trabalho informal. Antunes e Alves (2004) apontam ainda
como tendência contemporânea o trabalho feminino que vem atingindo
porcentagens consideráveis, principalmente em trabalhos part-time, precarizado e
desregulamentado. Vale ressaltar neste âmbito que, apesar de uma absorção do
capital ao trabalho feminino, os salários não são proporcionais se comparados aos
homens, trazendo à tona a discussão acerca da dificuldade também de igualdade
em relação aos direitos sociais e do trabalho. Os autores apontam que outra
propensão atual diz respeito ao aumento dos setores de serviços. Este setor tem
aumentado o índice de geração de emprego devido à reestruturação produtiva,
“acolhendo” os trabalhadores desempregados das indústrias. Sobre este
“acolhimento”, que aqui é entendido como incorporação de trabalhadores, Antunes e
Alves (2004) esclarecem que:
49
Se entretanto inicialmente se deu uma forte absorção, pelo setor de serviços, daqueles(as) que se desempregavam do mundo industrial, é necessário acrescentar que as mutações organizacionais, tecnológicas e de gestão também afetam fortemente o mundo do trabalho nos serviços, que cada vez mais se submetem à racionalidade do capital e à lógica dos mercados (ANTUNES; ALVES, 2004, p. 338).
Em relação a realidade apontada acima (diminuição do setor industrial e o
aumento do setor de serviços), é pertinente trazer os dados do município de
Joinville. No documento produzido pelo IPPUJ (Fundação Instituto de Pesquisa e
Planejamento para o Desenvolvimento Sustentável de Joinville) chamado “Joinville
Cidade em dados 2015”, no que tange ao item “emprego”, o caderno apresenta
tabelas explicativas. As informações sobre este item foram baseadas nos dados
fornecidos pelo Ministério do Trabalho e Emprego por meio do Programa de
Disseminação de Estatísticas do Trabalho.
Segue abaixo tabelas com esses dados:
Tabela 1 - Evolução da população economicamente ativa em Joinville por setor de atividade.
Fonte: IPPUJ: Joinville Cidade em Dados 2015 / fonte secundária
Tabela 2 - Movimento do emprego em Joinville, por área de atividades / admissões.
Fonte: IPPUJ: Joinville Cidade em Dados 2015 / fonte secundária.
50
Podemos perceber que o setor de serviços é aquele que possui maior índice
em admissões, bem como, com a maior população economicamente ativa. Assim, se
historicamente a cidade foi reconhecido como de oportunidades na área industrial,
observamos que pelo menos desde 2005 o setor de serviços possui grande
representação no índice de população economicamente ativa.
Voltando às tendências do mundo do trabalho contemporâneo, há altos
índices de exclusão dos jovens do mundo do trabalho. Estes não encontram
oportunidade de inserção e que acabam elevando ainda mais os números do
trabalho precário, informal e o desemprego. É nesta instância que a Lei da
Aprendizagem se insere, na tentativa de implementar uma forma de “obrigar” o
empregador a contratar jovens que estão à margem do mundo do trabalho.
Junto à exclusão dos jovens, há também a dificuldade de inserção dos
trabalhadores “mais velhos”, com idade próxima aos 40 anos. Nesse sentido é
importante salientar que atualmente o mundo do trabalho tem filtrado trabalhadores
das eras fordista e taylorista por trabalhadores “polivalentes e multifuncionais”
(ANTUNES, 1999) características da era toyotista. E ao mesmo tempo em o mundo
do trabalho dispersa os jovens e os “idosos” utiliza-se a força de trabalho infantil,
realidade infelizmente presente em todo território brasileiro. Esse paradoxo acaba
sendo uma realidade contemporânea onde o mundo do trabalho é atravessado por
diversas mudanças. Ou seja, ao mesmo tempo em que há a reestruturação do
emprego, exigindo novas competências, ele fecha postos e portas para o trabalho
dos jovens e dos “idosos”.
O Programa “Aprendiz Legal” insere-se neste mundo do trabalho de
transformações de várias ordens. Parece estar baseado no toyotismo, onde precisa
de perfis específicos e polivalentes para contribuir cada vez mais para a construção
de produtos ainda melhores e competitivos. É do modelo de “reprodução” de tarefas
fordista para o modelo de participação que visa a melhoria dos produtos e da
empresa, que se pede mais do que o trabalho mecânico do trabalhador. Intervir nos
processos produtivos de forma ativa, desenvolver competências e habilidades
específicas para a cooperação com o crescimento do mercado, fazer-se ciente das
políticas da empresa. Os novos modelos de gestão fazem com que os jovens
aprendizes entreguem não somente o corpo (como na era fordista/taylorista), mas
aqui também se entrega a alma.
51
A capacitação para o trabalho parece surgir para conseguir dar conta daquilo
que escapou “às mãos” do modelo de produção, assim, forma pessoas, ou melhor,
jovens para o mundo trabalho. Dito de outra forma: o curso teórico irá tentar dar
sentido ao modo de produção onde o sujeito pode e deve intervir nesse modelo,
fazendo parte do sistema e ajudando a criar algo ainda mais competitivo. A
capacitação, então, irá ajudar a legitimar a participação no processo (lembramos
aqui do modo toyotista), mostrando o quanto importante é “eu também deixar minha
marca” e ser parte da cadeia produtiva, ou melhor, deste mundo do trabalho.
Importante ressaltar que há uma crescente expansão do “terceiro setor” como
alternativa de trabalho para além dos setores indústrias e de serviços e que, apesar
de ser uma possibilidade, está longe de compensar o desemprego estrutural. Há
ainda outras transformações no mundo do trabalho, como a expansão de pequenas
e médias unidades produtivas por meio do trabalho em domicílio e o processo de
mundialização produtiva ou transnacionalização.
A nova forma de ser do trabalho compreende uma maneira ampliada de
trabalho. Este trabalho, ou melhor, o trabalhador é aquele que vende sua força de
trabalho, não se limitando ao conhecido trabalhador industrial do século passado,
mas sim uma nova concepção que se modifica na medida em que há também
transformações econômicas e sociais. Irá abranger os trabalhadores produtivos ou
improdutivos, formais ou informações, ou seja, aquele que vende sua “força de
trabalho como mercado em troca de salário” (ANTUNES; ALVES, 2004, p.342).
Para compreender a dimensão ontológica do envolvimento do trabalho e
assim conseguirmos refletir acerca da constituição subjetiva dos jovens aprendizes é
interessante buscarmos o conceito de subsunção que aparece em Marx no “Capítulo
VI inédito” da obra o “O capital” e que também foi analisado por Antunes e Alves
(2004). O termo subsunção é usado para dizer a respeito da relação entre trabalho
e capital. O importante aqui é não desconsiderar que esta relação é também vista
como submissão, mas para, além disso, há uma relação dialética e mais complexa
do que uma simples e “dócil” submissão do trabalho ao capital, há na verdade uma
relação de subsunção. A subsunção entre trabalho e capital pode ser explicada a
partir da noção de que a força de trabalho faz parte de um contexto mais amplo, ou
seja, o capital, nas palavras de Antunes e Alves (2004, p.343) “o trabalho constitui o
capital”. Essa constituição se dá por uma subsunção, assim entende-se que a força
52
de trabalho é um elemento vivo e que há jogos de poder e mediação de forças
constantes com o capital.
Segundo Antunes e Alves (2004, p. 346) o modo de produção capitalista
pressupõe, desde o início, a “formas de captura da subjetividade operária pelo
capital”. Ao longo do tempo, com o taylorismo/ fordismo e posteriormente com o
toyotismo, a mudança que ocorre é a implementação do elemento subjetivo, ou seja,
no taylorismo/fordismo a subsunção se dava a nível formal e no toyotismo ela ocorre
de forma real, onde há a busca de capturar a subjetividade de modo integral. Assim
a “captura” subjetivada no toyotismo acontece de modo efetivo, no dia a dia da
fábrica onde o comprometimento do funcionário e sua participação no trabalho
acabam por aprimorar ainda mais o controle do capital na dimensão subjetiva do
sujeito.
Nesta relação entre fordismo e toyotismo, Antunes e Alves esclarecem que
Se o fordismo expropriou e transferiu o savoir-faire do operário para a esfera da gerência científica, para os níveis de elaboração, o toyotismo tende a re-transferi-lo para a força de trabalho, mas o faz visando a apropriar-se crescentemente de sua dimensão intelectual, das suas capacidades cognitivas, procurando envolver mais forte e intensamente a subjetividade operária (ANTUNES; ALVES, 2004, p. 356).
Para auxiliar o processo de reflexão e possíveis respostas a essas
indagações iniciais, parte-se da necessidade de se entender no campo quais
pesquisas já foram realizadas a respeito da juventude, trabalho e educação
profissional. Deste modo, neste momento serão apresentadas as produções
científicas brasileiras acerca do tema juventude e trabalho.
1.1 - DIÁLOGOS COM A PRODUÇÃO CIENTÍFICA
Buscamos os trabalhos disponíveis nas bases de dados científicas online,
anunciadas abaixo, que tivessem também como motivação a pesquisa sobre jovens
contratados via Lei da Aprendizagem (jovem aprendiz) e, por consequência, a
interface da juventude com o mundo do trabalho.
As bases de dados online eleitas para esta pesquisa apresentam amplo
número de trabalhos em seu acervo, além de ser referência em divulgação de
produção científica de qualidade no país. Deste modo, as bases de dados
53
norteadores deste estudo são: Portal de Periódicos da CAPES/MEC10, Biblioteca
Digital de Teses e Dissertações (BDTD) do Instituto Brasileiro de Informação
Científica e Tecnológica (IBICT)11, Banco de Teses da CAPES12 e Portal Domínio
Público – Pesquisa Teses e Dissertações13.
Na base de dados denominada Portal de Periódicos CAPES/MEC, utilizamos
descritores “aprendiz” e “trabalho”, no recorte temporal de 2000 até 2015 e tendo
como filtro trabalhos na língua portuguesa. Ao todo foram encontrados 182 registros.
Deste universo, apenas oito discorrem a respeito do jovem aprendiz contratado via
Lei 10.097/2000 (Lei da Aprendizagem). Os outros 174 trabalhos utilizam o termo
“aprendiz” como referência àquele sujeito que aprende, o qual está em processo de
aprendizagem de um conhecimento, diferente do aprendiz contratado via Lei da
Aprendizagem, o qual é foco deste trabalho.
Abaixo segue tabela elucidativa com dados resumidos dos oito estudos
encontrados:
Quadro 1 – Pesquisa com os descritores “aprendiz” e “trabalho” no Portal de Periódicos CAPES/MEC
Portal de Periódicos CAPES/MEC
Local/ tipo de trabalho
Título Ano Resumo Autores
Universidade Estadual de Campinas/ Dissertação
'Novo' modelo de formação no SENAI.
2006 Analisa a mudança de organização curricular de um programa de aprendizagem, ponderando a estrutura do antigo modelo de formação de jovens para o novo modelo construído a partir dos anos 90.
Dorival Pereira de Souza.
Programa de Pós-Graduação em Economia aplicada da USP/ Tese
Jovens e adultos no mercado de trabalho: impacto dos programas de transferência condicional de renda e uma análise agregada usando séries temporais
2007 Discorre a respeito do efeito que o aumento da idade mínima legal para ingresso no mercado de trabalho no Brasil teve na oferta de trabalho dos adolescentes de 14 e 15 anos de idade.
Andrea Rodrigues Ferro.
10
Disponível em: <http://www.periodicos.capes.gov.br> Acesso em: 07. Jan. 2015. 11
Disponível em: <http://bdtd.ibict.br/> Acesso em: 07. Jan. 2015. 12
Disponível em: <http://bancodeteses.capes.gov.br/> Acesso em: 08. Jan. 2015. 13
Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br > Acesso em: 08. Jan. 2015 .
54
Escola de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz / Tese
Modos de subjetivação na condição de aprendiz: embates atuais
2003 Analisa a produção de subjetividades de jovens participantes de uma oficina artística de uma ONG (Organização Não Governamental) no Rio de Janeiro.
Silvana Mendes Lima; Carlos Minayo-Gomez.
PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo/ Dissertação
A contratação de aprendizes: reflexo da aprendizagem de adolescentes na cultura organizacional
2008 Discute a influência da contratação de jovens aprendizes na cultura organizacional de uma empresa, tendo como análise os documentos que regulamentam o projeto de inserção de jovens no mercado de trabalho na cidade de Umuarama – PR, bem como, utiliza a metodologia de entrevistas com os adolescentes aprendizes, educadores do curso de aprendizagem, representas de empresas e do Ministério Público e Ministério do Trabalho e Emprego.
Nicéia Luzia Selete Silva.
Programa de Pós Graduação em Enfermagem da Universidade de São Paulo / Tese
O trabalho do adolescente como aprendiz na cidade de Campinas, Estado de São Paulo.
2008 Pesquisa com foco na saúde do trabalhador aprendiz, onde foi realizado entrevistas com jovens aprendizes de uma empresa em Campinas – São Paulo.
Ângela Cristina Puzzi Fernandes.
Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul / Artigo
Aprendiz versus trabalhador: adolescentes em processo de aprendizagem.
2009 O estudo pretendeu conhecer a experiência de adolescentes em processo de inserção laboral através da condição de aprendiz em uma empresa pública em Porto Alegre- RS. Foram realizados grupos focais e aplicação de questionário sociodemográfico.
Mayte Raya Amazarray.
Universidade de São Paulo / Dissertação
O desafio da lei do jovem aprendiz: um estudo da aplicação da lei 10.097/00 como política pública na inclusão de jovens no mercado de Trabalho.
2011 Teve como objetivo estudar os pontos facilitadores e dificultadores da execução da lei da Aprendizagem. Por meio de entrevistas semi-estruturadas com empresas contratantes de jovens aprendizes, empresas não contratantes, entidades não executoras da lei da aprendizagem e jovens aprendizes.
Hugo Hidemi Matsuzaki.
Revista Cognitio Juris – João Pessoa/ Artigo
O menor aprendiz
frente ao estatuto da
microempresa e
empresa de pequeno
porte
2011 esclarece a não obrigatoriedade da contratação de aprendiz para microempresas e empresas de pequeno porte e enuncia esta peculiaridade no estatuto regulamentador destas instituições como uma defasagem na legislação.
Laura Machado de Oliveira.
Fonte: Portal de Periódicos da CAPES/MEC
Lançando mão do banco de Teses da CAPES, optamos como filtro o descritor
“jovem” e “aprendiz”, na língua portuguesa e no recorte de 2000 até 2015. Com isso,
55
foram encontrados 18 trabalhos, sendo que destes, 13 fazem referência aos jovens
usuários da Lei da Aprendizagem. Vale ressaltar que alguns textos encontrados
nesta base são os mesmos da base CAPES/MEC Periódicos.
Quadro 2 – Pesquisa com os descritores “jovem” e “aprendiz” no Banco de Teses da CAPES
Banco de teses da CAPES
Local/ tipo de trabalho
Título Ano Resumo Autores
Programa de Mestrado Profissional em Gestão de Políticas Públicas da Univali (Universidade do Vale de Itajaí) / Dissertação
O programa jovem aprendiz e suas repercussões no emprego dos jovens: um estudo de caso.
2011 Apresenta as concepções e práticas dos atores sociais envolvidos em Programa de Aprendizagem na cidade de Itajaí- Santa Catarina. Foram realizadas entrevistas com os jovens aprendizes, empresas e atores do governo, como Conselho da criança e do adolescente e Ministério do trabalho e emprego.
Carlota de Oliveira Medeiros.
Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) / Dissertação
Correndo atrás de seu projeto de vida: um estudo com participantes do programa jovem aprendiz.
2011 Investiga quais são os projetos de vida de participantes de um Programa Jovem Aprendiz na cidade de Florianópolis - Santa Catarina
Sofia Teresa Mandelli.
Pós Graduação em Educação da UFSC / Dissertação
A educação e a reprodução da classe trabalhadora: da pomicultura de Fraiburgo- SC e o programa de aprendizagem ‘cultivo da macieira-jovem aprendiz cotista’.
2011 Teve o intuito conhecer de que forma acontece à reprodução social da classe trabalhadora da pomicultura do município de Fraiburgo - Santa Catarina e como o complexo educativo, em especial o Programa de Aprendizagem “Cultivo da Macieira – Jovem Aprendiz Cotista” participa, influi e determina junto de outros complexos tal reprodução.
Juliana Aparecida Cruz Martins.
Universidade católica de Pelotas pós-graduação em política social/ Dissertação
A política nacional de juventude e o desafio de promover a participação: um estudo sobre o programa jovem aprendiz do SENAC pelotas.
2011 Discute a Política Nacional de Juventude, os sentidos atribuídos à juventude no cenário das últimas décadas e a participação juvenil na política. teve como sujeitos de pesquisa jovens aprendizes participantes de um programa de aprendizagem do SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) na cidade de Pelotas-RS.
Roselani Sofia Sodré da Silva.
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul/ Dissertação
Os ensinamentos do capitalismo: o que o jovem aprendiz aprende sob os auspícios do estado para se tornar um trabalhador.
2012 Tem o objetivo analisar a eficácia do Programa jovem aprendiz, compreendendo o que faz com que os jovens sejam ou não contratados como efetivos pelas empresas após concluírem o programa de aprendizagem.
Angelita de Oliveira Almeida.
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Fonte: Banco de Teses da CAPES
Na mesma base de dados (Banco de Teses CAPES) contendo os descritores
“juventude” e “trabalho” e utilizando-se do termo “trabalho” como filtro, sendo
“trabalho” uma palavra-chave, encontramos, ao total, o número de 39 estudos.
Destes, 27 se aproximam da temática de interesse da presente pesquisa. Todavia,
apenas 11 tratam especificadamente de jovens contratados via lei da Aprendizagem
e 16 a respeito do jovem/juventude e mundo do trabalho. Dos 11 trabalhos que se
referem ao estudo a respeito de jovens aprendizes, quatro foram “inéditos” para esta
pesquisa, ou seja, não foram encontrados nas bases de pesquisas listadas
anteriormente. Já as outras seis já haviam sido encontradas nos filtros anteriores.
Universidade de São Paulo/ Dissertação
“Formação para o trabalho: programas jovem aprendiz e educação para o trabalho”
2012 Faz a análise documental de dois programas de Aprendizagem.
Patricia Paiva Gonçalves Bispo
Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa/ Tese
Significado da formação e inserção profissional para gestores e aprendizes egressos do programa jovem aprendiz.
2012 Busca investigar a percepção dos egressos do programa de aprendizagem. Analisa o significado da formação e inserção no mercado de trabalho para aprendizes egressos e gerentes de empresas que participam do Programa da Aprendizagem
Thaís Augusta Cunha de Oliveira Máximo.
Administração da Universidade Estadual do Ceará/ Dissertação
Programa de aprendizagem e desenvolvimento de pessoas: fatores que determinam a contratação de jovens aprendizes
2011 Buscou identificar quais os fatores que levam uma empresa a fazer a contratação de jovens na modalidade de aprendiz.
Jorge dos Santos Gurgel.
Pós-graduação em Ciências Sociais da PUC-MINAS/Tese
Juventude e mercado de trabalho: o programa do jovem aprendiz na fundação CDL de Belo Horizonte.
2012 Discute a relação entre trabalho e qualificação de jovens aprendizes entre 16 e 20 anos, a partir da investigação sobre a percepção que esses jovens possuem sobre os programas de aprendizagem que frequentam. Este trabalho pertence ao curso de pós-graduação em Ciências Sociais da PUC-MINAS.
Roseane de Aguiar Lisboa Narciso.
Universidade Federal de São Carlos – SP / Dissertação
Representações sociais de jovens sobre trabalho: uma análise construída a partir da formação profissionalizante e da experiência de primeiro emprego.
2012 Objetivou compreender as representações sociais do trabalho entre jovens de 14 a 18 anos, inseridos como aprendizes em uma empresa de convênio médico, localizada no interior paulista.
Sofiana de Freitas Bebetto.
57
Quadro 3 – Pesquisa com os descritores “juventude” e “trabalho” no Banco de
Teses da CAPES
Fonte: Base de Teses CAPES
Dentre os 16 trabalhos que fazem menção aos termos “juventude” e
“trabalho”, destaca-se o intitulado “Juventude, educação e trabalho: um olhar para as
histórias de vida de jovens participantes do PROEJA FIC (Programa Nacional de
Integração da Educação Profissional com Educação Básica na Modalidade de
Educação de Jovens e Adultos, na Formação Inicial e Continuada com Ensino
Fundamental)”. Tal pesquisa foi realizada em 2012 pelo Programa de Pós-
Graduação em Psicologia Institucional da Universidade Federal do Espírito Santo
com autoria de Débora Camargo Ramos. Mostra-se pertinente justamente por fazer
Banco de Teses CAPES
Local/ tipo de trabalho
Título Ano Resumo Autores
Universidade Federal de Minas Gerais/ Dissertação
Juventude pobre e trabalho: as experiências dos jovens que participam de programas de aprendizagem profissional em belo horizonte e região metropolitana.
2011 Buscou entender como os jovens de origem popular que participam de programas de aprendizagem profissional na Região Metropolitana de Belo Horizonte - MG se posicionam em relação a esses programas, ao refletirem sobre suas experiências e avaliarem as contribuições presentes e futuras desses programas em suas vidas.
Paulo Roberto da Silva Junior.
Programa de Pós-Graduação da UFSC –SC /
Quem cedo madruga, deus ajuda? um estudo sobre a Lei da Aprendizagem em duas empresas públicas em Santa Catarina.
2011 Discute as implicações da Aprendizagem sobre a formação profissional de jovens aprendizes, por meio de uma análise do trabalho do aprendiz participante dos programas de aprendizagem.
Débora dos Santos.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul/ Dissertação
Construção da identidade de jovens aprendizes: uma nova condição operária
2011 Buscou compreender a relação dos jovens aprendizes com o seu trabalho. Objetivou ainda, analisar o processo de constituição da identidade profissional de jovens que participavam ou eram recém-egressos de um curso de qualificação profissional.
Juceli da Silva
Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)/ Tese
Também temos crachá: sobre um programa para aprendizes.
2012 Teve o intuito de refletir sobre as questões que emergem no encontro dos jovens com o universo organizacional e assim como compreender os significados concedidos por eles ao trabalho no que se refere às suas expectativas de futuro e aos seus projetos de vida.
Ana Augusta Ravasco Moreira Maia.
58
o entrelaçamento entre histórias de vidas de jovens e sua relação com a educação e
o trabalho.
Ainda na base de teses da CAPES, as pesquisas foram filtradas com os
descritores contendo os termos “Adolescente” e “Aprendiz”, sendo “aprendiz” filtrado
como constando no resumo dos trabalhos. A partir deste filtro nos deparamos com
cinco trabalhos. Três já foram descobertos nas pesquisas anteriores, um não vai ao
encontro das necessidades por nós requeridas e, o outro, denominado “A
mercantilização do trabalho infanto-juvenil pela via dos contratos de aprendizagem”,
autoria de Cecília Paranhos Santos Marcelino, apresentado em 2011, é relevante
para este trabalho. Este estudo investiga se os adolescentes empregados sob a
condição especial de trabalhador aprendiz têm seus direitos assegurados pelas
empresas, além averiguar se existe a possibilidade destes jovens conciliar as
atividades laborais com a escola. Tal pesquisa ocorreu com vínculo com o Programa
de Pós Graduação em Administração da Universidade Federal da Bahia.
Outra busca realizada considerou as pesquisas encontradas na base BDTD,
no item teses e dissertações. Com o descritor “jovem aprendiz” como componente
do resumo e recorte temporal de 2000 até 2015, foi encontrado 13 trabalhos. Do
resultado obtido, cinco tratam especificadamente do tema jovem aprendiz, dois
tratam sobre juventude e trabalho e, os demais, não fazem referências às temáticas
de interesse desta pesquisa. Dos cinco trabalhos que trazem jovem aprendiz em seu
conteúdo, encontraram-se os títulos:
Quadro 4 – Pesquisa com os descritores “jovem aprendiz” na Base BDTD
Base BDTD Local/ tipo de trabalho
Título Ano Resumo Autores
Universidade do Estado do Rio de Janeiro / Dissertação
Educação não formal e o Programa Jovem Aprendiz: uma análise sobre os seus resultados pelo olhar dos jovens e educadores.
2013 Analisa os efeitos do programa de aprendizagem nos jovens egressos e nos educadores do programa.
Suzana Silveira de Almeida.
Escola Superior de Teologia - RS / Dissertação
Educar e transformar o mundo: práticas sociais da Faculdade EST.
2013 O propósito é apresentar, através de pesquisa de campo e de revisão bibliográfica, o impacto de dois projetos sociais executados pela Faculdades EST (São Leopoldo – RS), sendo eles, o Programa Jovem Aprendiz e o Programa Nacional de Segurança Pública
Melaine de Paula.
59
Fonte: Base BDTD
Utilizando ainda a mesma base de dados, bem como o descritor jovem
aprendiz no assunto e com o recorte temporal de 2000 até 2015, deparamo-nos com
cinco trabalhos, sendo um inédito e o restante já elencados aqui. O trabalho do ano
de 2010 do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia (PUC-
GOIÁS), intitulado “Suporte Organizacional, Coping e Dimensões Afetivas do Bem
estar Subjetivo: Um Estudo com Jovens Aprendizes”, cuja autoria é de Adriana
Perim Maciel, analisa as relações existentes entre a percepção de suporte
organizacional, as estratégias de coping, dimensões afetivas do bem-estar subjetivo
e fatores sócio-demográficos tendo como objeto os jovens aprendizes.
Na busca realizada junto à base de dados Domínio Público, levando em
consideração a palavra-chave “jovem aprendiz”, focando entre 2000 até 2015,
localizamos a dissertação de Luciani Marconi Caetano Martins Sgarvi, com o título
de “O trabalho do jovem aprendiz: uma promessa institucional truncada?”. Com o
descritor “adolescente aprendiz” encontrou-se o trabalho: “O sentido da formação
para o trabalho e as expectativas em relação ao futuro por parte dos adolescentes
aprendizes”.
Quadro 5 – Pesquisa com os descritores “jovem aprendiz” e “adolescente aprendiz”
na Base Domínio Público
com Cidadania (PRONASCI).
Universidade Federal da Paraíba – Programa de Pós-graduação em Psicologia / Dissertação
História de vida de Jovens e Vivências de Formação Profissional.
2012 a pesquisadora buscou analisar as vivências e as perspectivas de futuros de jovens egressos de um programa de aprendizagem, a partir de suas histórias de vida.
Manuella Castelo Branco Pessoa.
Base Domínio Público
Local/ tipo de trabalho
Título Ano Resumo Autores
Centro universitário de Araraquara - SP – Uniara Mestrado Em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente /
O trabalho do jovem aprendiz: uma promessa institucional. truncada?
2010 Discorre a respeito da problematização da lei da aprendizagem e as dificuldades reias de sua implementação.
Luciani Marconi Caetano Martins Sgarvi.
60
Fonte: Base Domínio Público
Abaixo seguem Gráficos que demonstram a tabulação de trabalhos
encontrados nas buscas explanadas anteriormente, conforme organização de data e
região brasileira:
Gráfico 1 – Quantidade de Trabalhos X Ano de publicação
Fonte: A autora (2015)
Podemos perceber que o ano de 2011 foi o período com maior produção de
trabalhos a respeito de juventude e jovem aprendiz. O ano de 2012 também
demonstra um elevado número de produção. Os demais anos apresentam uma
média estável, sendo de 1 até dois trabalhos pelo período. É importante ressaltar
que em 2011 houve a Segunda Conferência Nacional de Juventude, bem como, foi o
ano de lançamento do documento “Reflexões sobre a Política Nacional de
Juventude”, o qual aborda uma análise da gestão realizada entre 2003 até 2010,
além do monitoramento de programas e políticas destinados ao público jovem.
O segundo gráfico trata da organização dos trabalhos por Regiões do país.
Dissertação
Universidade Federal da Paraíba do Programa de Pós Graduação em Psicologia / Dissertação
O sentido da formação para o trabalho e as expectativas em relação ao futuro por parte dos adolescentes aprendizes.
2006 Aborda sobre o sentido da formação para o trabalho e as expectativas em relação ao futuro por parte dos adolescentes aprendizes que fazem ou fizeram a formação no SENAC (Serviço Nacional da Aprendizagem Comercial).
Orlando Junior Viana Macêdo.
61
Gráfico 2 – Quantidade de Trabalhos X Regiões
Fonte: A autora (2015)
É possível observar que a Região Sudeste possui maior número de trabalhos
publicados a respeito da juventude e jovem aprendiz, seguido do Sul, Nordeste e
Centro-Oeste.
Compilamos os dados por período e região e, resumidamente, constatamos
que estamos tratando de uma temática recente e que parece chamar atenção de
regiões mais industrializadas – sul e sudeste. Não obstante, o interesse tenha
aparecido também na região nordeste e centro-oeste.
Mais do que localizar as universidades e os grupos de pesquisa e seus
interesses nos anos destacados – 2011 e 2012, tem-se a intenção de que este
estado da arte sirva como fonte de consulta para pesquisadores da área
interessados no tema.
62
2. HISTÓRIA ORAL: JOGOS DE TEMPO, SUBJETIVIDADE, CURRÍCULO E
PATRIMÔNIO
Nunca a vida foi tão atual como hoje: por um triz é o futuro. Tempo para mim significa a desagregação da matéria [...] O tempo não existe. O que chamamos de tempo é o
movimento de evolução das coisas, mas o tempo em si não existe. Ou existe imutável e nele nos transladamos. O tempo passa depressa demais e
a vida é tão curta. Então — para que eu não seja engolido pela voracidade das horas e pelas novidades que fazem o tempo passar depressa — eu
cultivo um certo tédio. Degusto assim cada detestável minuto. De agora em diante o tempo vai ser sempre atual. Hoje é
hoje. Espanto-me ao mesmo tempo desconfiado por tanto me ser dado. E amanhã eu vou ter de novo um hoje.
Clarice Lispector (1978, p.5)
Neste segundo momento apresentamos nossa caixa de ferramentas recheada
de nossas escolhas teóricas, os métodos e instrumentos de análise escolhidos para
dar conta das questões de pesquisa. Construímos um diálogo interdisciplinar entre
os campos da Psicologia Social, Patrimônio Cultural e Currículo. Apresentamos a
história oral como escolha para “colheita” das histórias de vida as ferramentas de
análise (auto) biográficas. Na sequência esclarecemos a noção de sujeito a partir da
Psicologia Social e realizamos a reflexão sobre trabalho como “herança” joinvilense.
Para iniciarmos o debate a respeito dos jogos de tempo, iremos levantar
primeiramente e, de forma breve, algumas reflexões a respeito do tempo e de temas
como memória, temporalidade e patrimônio, levando em consideração as
contribuições de alguns autores. David Lowenthal (1998) cooperou para esta
pesquisa principalmente no sentido de pensar os caminhos para conexão com o
passado. Os estudiosos François Hartog (2006) e Andreas Huyssen (2000) nos
abrem a possibilidade de indagarmos a respeito da relação entre memória, tempo e
patrimônio. Posteriormente, abordaremos a contribuição que é fulcral para este
trabalho: a proposta de Reinhart Koselleck.
É importante ressaltar que o tempo parece instigar a percepção de estudiosos
dos mais diversos campos, como a história e a filosofia, por exemplo. Há uma
tentativa de elucidação do conceito de tempo e vários autores já despenderam
grande parte de seus estudos para este importante “fenômeno”. Deste modo,
tratamos como um desafio trabalhar esta grandeza que, por um lado, entendemos
como mensurável e passível de datação, como em um calendário, por exemplo.
Porém, por outro lado, nos parece escapar das mãos, ou melhor, ser intangível.
63
2.1 JOGOS DE TEMPO: PASSADO, PRESENTE E FUTURO
O tempo pode ser entendido como uma grandeza exterior ao homem, aquela
que a partir dos astros se quantifica os dias, as horas, os minutos. Ao tempo que
pode ser observado através das estrelas denominamos a partir de Barros (2011)
como “tempo físico”. O tempo físico foi estudado por diversos pensadores, entre
eles Aristóteles e Platão. Entretanto, são de suma importância para o estudo da
temporalidade, os escritos de Santo Agostinho que abordou o tempo em uma
dimensão diferenciada para a época. Ele enuncia que o tempo está relacionado não
necessariamente a fatores exteriores ao considerá-lo uma experiência humana,
“uma espécie de movimento da alma” (BARROS, 2011).
Nesta busca por uma definição, Santo Agostinho demonstra as
temporalidades “Passado, Presente e Futuro” como sendo relacionadas à memória,
visão e expectativa, respectivamente, conforme exposto em Barros (2011). Podemos
dizer que se inicialmente o tempo era expressão exterior ao homem através dos
astros, com a percepção de sua ligação intrínseca com o homem, “o tempo passa do
movimento dos astros ao movimento da Alma” (BARROS, 2001, p.9).
O tempo pode ser estudado por meio do entendimento de suas
temporalidades, sendo estas produzidas pelo homem e, assim, possuem uma
relação interna. Estabelecer que houve um passado, um presente e um futuro é
demonstrar a temporalidade do tempo e entender que esses conceitos perpassam
as subjetividades humanas, a partir das experiências vividas por cada sujeito.
Em relação à duração do tempo, esta é uma grandeza que está intimamente
atrelada às nossas reflexões, ou seja, a maneira como percebo o tempo pode ter
durações variadas para cada sociedade e até mesmo para cada indivíduo. Neste
âmbito, Barros (2011) compreende que “Temporalizar (estabelecer temporalidades)
é de certa maneira territorializar o tempo, tomar posse do devir aparentemente
indiferenciado, percebê-lo simbolicamente – operacionalizá-lo enfim.” (BARROS,
2011, p.3).
Quando Barros fala em territorializar o tempo, está fazendo uma menção ao
trabalho do historiador que pode tanto tratar em unidades de compreensão a
história, como por exemplo falar em Idade Antiga, Moderna, Contemporânea, ou
estabelecer demarcações ou unidades de compressão espaciais, como, por
exemplo, América Latina, África e espacialidades culturais ou naturais. O que se
64
pretende aqui é mostrar como a temporalidade possui relação com unidades
espaciais e esta relação foi percebida por Koselleck ao propor uma teoria que
trabalha a temporalidade de maneira bastante singular, centrada no sujeito.
Feitas estas reflexões iniciais iremos mostrar parte da contribuição dos
autores elencados no início deste capítulo.
O geógrafo David Lowenthal (1998) enuncia que a consciência do passado é
essencial para o bem estar dos homens, e indaga: como então é possível conhecer
o passado? O autor esclarece que a resposta a este questionamento é
extremamente simples: “lembramo-nos das coisas, lemos ou ouvimos histórias e
crônicas, e vivemos entre relíquias de épocas anteriores” (LOWENTHAL, 1998,
p.64). Para o autor (1998), o passado se refere tanto ao âmbito histórico quanto ao
campo da memória. Temos consciência do passado como um campo que coexiste
com o presente e ao mesmo tempo se diferencia dele. Assim, passado e presente,
sua distinção ou junção, estão sempre em um campo de tensão, pois, “o passado
precisa ser sentido tanto como parte do presente como separado dele”
(LOWENTHAL, 1998, p.65).
É importante reassaltar que a consciência e a conexão do passado e presente
variam de cultura para cultura. O fato de que o passado não está mais presente,
permite a abertura para o questionamento de sua existência. Desta forma, o
passado é dúbio porque de fato ele já não existe mais. Por ser inacessível, apesar
de conhecido, o caráter do passado depende de como e de quanto é
conscientemente aprendido (LOWENTHAL, 1998).
Para o autor há três fontes de conhecimento do passado. São elas: a
memória, a história e os fragmentos. A respeito da memória, Lowenthal (1998)
afirma que é através dela que podemos recuperar a consciência de acontecimentos
anteriores. Além do mais, ela também possibilita a distinção entre ontem e hoje e
confirma que já foi vivido um passado.
É relevante, para o geógrafo, o estudo do passado através da memória, pois
ela impregna a vida, afinal, o ser humano dedica considerável tempo no presente
para entrar em contato com as lembranças do passado. Ainda para o autor, o
passado, enquanto memória deve ser entendido tanto na sua dimensão pessoal
quanto coletiva. Assim sendo, elucida que o sentido de identidade está totalmente
vinculado ao passado, pois, “saber o que fomos confirma o que somos”
(LOWENTHAL, 1998, p. 65).
65
Conforme Lowenthal a função da memória está muito mais relacionada à
adaptação e enriquecimento do presente do que a preservação do passado. As
lembranças não são meramente reflexos do passado, mas construções com
características diferenciadas e que são fundadas em ações, percepções e,
posteriormente, em códigos que são modificados. Nestas, o sujeito delineia,
simboliza e classifica o mundo que está em seu entorno.
A respeito das articulações com o presente, Lowenthal enuncia que “a própria
certeza do presente torna tênue o passado”, acrescentando reflexões de Carne-
Ross segundo as quais “o principal motivo de o passado ser tão fraco é a
extraordinária força do presente” (1998, p. 74) e ao presentismo trabalhado por
Hartog, o qual passo a apresentar a seguir.
Deste modo, a despeito das noções de tempo, Hartog (2006) constata a
naturalização e a instrumentalização do tempo por parte dos historiadores,
enunciando que o tempo “é impensado, não porque seria impensável, mas porque
não o pensamos ou, mais simplesmente, não se pensa nele” (HARTOG, p.262).
Atento ao seu tempo, Hartog observou o crescimento rápido da “categoria do
presente”, que se colocou em evidência de tal forma ao se tornar um presente
onipresente, denominado “presentismo”.
Hartog (2006) questiona as maneiras e o alcance de se abordar o fenômeno
do “presentismo”. Na tentativa de compreender como se entrelaçam passado e
futuro no presente sob a luz do presentismo, apresenta a importância da reflexão
sobre a existência do “regime de historicidade”. Entende-se o regime de
historicidade como uma expressão da experiência temporal, mais ativo do que
apenas uma forma linear, remetendo à concepção de que o tempo não é igualmente
definido entre as sociedades, tendo diferentes conceituações e configurações
conforme o momento em que é estudado.
O autor menciona que o “regime de historicidade” pode ser compreendido de
duas maneiras: em um sentido restrito como uma sociedade trata seu passado e em
um sentido amplo em que serviria para designar “a modalidade de consciência de si
de uma comunidade humana”. A noção poderia instrumentalizar a comparação de
tipos de histórias diferentes, para iluminar modos de relação com o tempo: “formas
de experiência do tempo, aqui e lá, hoje e ontem. Maneiras de ser no tempo”
(HARTOG, 2006, p.263).
66
Neste sentido, Hartog (2006) dialoga com Koselleck a respeito da elaboração
de uma semântica dos tempos históricos, esclarecendo que Koselleck, ao interrogar
as experiências temporais da história, investigava a relação entre as dimensões
passado e futuro com o presente.
Porém, antes de apresentarmos seus conceitos adentraremos por alguns
instantes na vida de Reinhart Koselleck, uma vez que julgamos importante em um
trabalho que toma para si o entendimento de que as histórias de vidas são
patrimônios. Entendemos que retomar recortes de sua vida dará novos sentidos às
escolhas teóricas.
Reconhecido como um dos mais importantes historiadores da Alemanha
pós-guerra, Koselleck participou da Segunda Guerra Mundial como soldado alemão
e, tendo sido capturado por forças invasoras soviéticas e mantido como prisioneiro
de guerra por 15 meses no Cazaquistão, traz a força de suas experiências às suas
narrativas sobre crise e conflito.
Destacamos, sobretudo, sua contribuição ao tratar do tempo, da memória, da
temporalidade da história e da história da língua. O sistema conceitual proposto por
ele é inovador em relação ao estudo do tempo. Além disso, é reconhecido como um
dos fundadores da “Historia dos Conceitos” ou “História Conceitual”, que se dedica a
estudar os significados dos conceitos nas sociedades. Para Koselleck é relevante a
semântica e análise linguística dos conceitos para a compreensão da história. Para
compreendermos de forma sucinta do que se trata a “História dos Conceitos”,
Kirschner (2007) esclarece:
Koselleck denomina História dos Conceitos o procedimento que permite apreender o complexo processo de ressignificações de alguns conceitos ao longo do tempo. Mais do que um método a ser aplicado ou uma disciplina autônoma, a História dos Conceitos seria um instrumento complementar e necessário para a interpretação histórica (KIRSCHNER, 2007, p. 50).
O historiador ainda realiza uma importante contribuição à teoria da história,
pois, esclarece que trabalhar a História Conceitual não é apenas pensar na relação
e como se estabelecem os conceitos ao longo da própria história, contido nas fontes,
por exemplo, mas também como esta ciência é constituída, ou seja, como é feita a
escrita da História. Dito de outro modo parece haver um movimento duplo, ou seja,
estudar a significação de conceitos auxilia tanto na compreensão da história como
da própria ciência histórica.
67
A respeito da aqui entendida como “dupla funcionalidade” da história dos
conceitos, Barros complementa que
Perceber os conceitos e suas metamorfoses como fenômenos que retratam e se tencionam contra a sociedade, e que, se de um lado, elevam-se do fundo da história e da vida, por outro lado terminam por contribuir para redefini-la e por redirecioná-la, é um primeiro campo de análises (BARROS, 2011b, p.3).
Sobre a finalidade do estudo dos conceitos, Julio Bentivoglio assevera:
Fica evidente que para o historiador alemão História Conceitual e Teoria da História caminham juntas, fazem parte do esforço hermenêutico dos sujeitos históricos de darem sentido à sua própria existência. Para se apoderarem da realidade, os homens necessitam dos conceitos e, por meio das experiências vividas e transformações sofridas, empreendem ações que se projetam no tempo e no espaço determinantes para sua autocompreensão (BENTIVOGLIO, 2010, p. 118 ).
Ao se debruçar na história dos conceitos, Koselleck irá compreender as de
conceitos como, por exemplo, as múltiplas interpretações sobre o tempo e as
temporalidades. O autor percebe e postula que as diferentes sociedades possuem
maneiras distintas de perceber a relação presente, passado e futuro.
Para o historiador, a noção de tempo e as leituras que podem ser feitas das
diversas temporalidades é um fenômeno humano tanto coletivo quanto individual.
Em “Futuro Passado”, obra de 1979, aborda, entre outros assuntos, os ensaios
produzidos a respeito das relações entre as temporalidades. Para a compreensão do
tempo histórico, o autor lança mão de dois conceitos que são as ferramentas
mestras para o seu estudo: experiência e expectativa. Experiência e
expectativa são categorias históricas que possuem uma propriedade de formalidade,
ou seja, elas por si só não conseguem transmitir uma realidade histórica. Entretanto,
a denominação como “acordo de Potsdam”, por exemplo, é claramente entendida
como um acontecimento ou uma situação histórica. Neste sentido, o autor se
preocupa em elucidar que se trata de categorias do conhecimento que poderão
fundamentar a possibilidade de uma historia, não necessariamente a história em si.
O tempo histórico é constituído pela tensão entre experiência e expectativa e
“todas as histórias foram constituídas pelas experiências vividas e pelas
expectativas das pessoas que atuam ou que sofrem (KOSELLECK, 2006, p.306).
Aqui percebemos o elo que este trabalho se propõe: as histórias de vida passam
tanto pela experiência quanto pela expectativa, a tensão entre estas categorias se
68
dá tanto em um plano macro, pensando na constituição da história em si quanto em
um plano micro, levando em conta a história individual dos sujeitos.
Koselleck aponta a noção individual de sua teoria e esclarece que
[...] a experiência de cada um, transmitida por gerações e instituições, sempre está contida e é conservada uma experiência alheia. Nesse sentido, também a história é desde sempre concebida como conhecimento de experiências alheias (KOSELLECK, 2006, p.309-310).
Além da experiência, podemos afirmar que a expectativa também é ligada a
pessoa ou ao interpessoal. A expectativa se realiza no hoje ou como o autor
denomina no “futuro presente”, assim, esperança, medo, desejo e vontade,
inquietude, análise racional, curiosidade compõem a expectativa.
No início do seu ensaio em que clarifica “espaço de experiência” e “horizonte
de expectativa” como duas categorias históricas, o autor enuncia que o historiador,
em seu ofício, pode mover-se em dois planos. Uma de suas práticas pode ser a
análise dos fatos, ou seja, já expressos nas fontes históricas. Outra opção é
proceder uma análise sobre estes fatos baseado em uma categoria cientifica, por
meio de seu estudo e própria produção criando conhecimento historiográfico.
Koselleck esclarece que a enunciação sobre experiência e expectativa encontra-se
no segundo plano do exercício do historiador, afinal, com a ajuda de hipóteses e
métodos está reconstruindo os fatos os quais ainda não foram articulados.
Experiência e expectativa não se tratam de denominações ligadas à história das
fontes, mas sim, conceitos que estão sendo articulados como produtor de
conhecimento histórico.
Feito este primeiro esclarecimento, o autor orienta que diferentemente de
outros conceitos, experiência e expectativa não são antagônicos, ao contrário: “não
se pode ter um sem o outro: não há expectativa sem experiência, não há experiência
sem expectativa (KOSELLECK, 2006 p.307). Para entendermos melhor este
entrelaçamento precisamos adentrar o raciocínio que o historiador propõe: há uma
conexão particular nas relações das temporalidades, ou seja, passado, presente e
futuro não são noções separadas, são, na verdade, conjuntos entrelaçados de
tempo que são experimentados simultaneamente. A partir desta premissa o autor
chega a sua tese: “experiência e expectativa são duas categorias adequadas para
nos ocuparmos com o tempo histórico, pois elas entrelaçam passado e futuro”
69
(KOSELLECK, 2006 p. 308). Vale ressaltar que isto não quer dizer que futuro e
passado se encontrem, ambas estão relacionados uma a outra pelo entrelaçamento
com o presente.
A partir desta premissa, o autor traz exemplos da história em que
acontecimentos passados possibilitaram, no presente, reflexões do que poderia
ocorrer no futuro. Para o historiador
O tempo histórico não apenas é uma palavra sem conteúdo, mas uma grandeza que se modifica com a história, e cuja modificação pode ser deduzida da coordenação variável entre experiência e expectativa (KOSELLECK, 2006, p.309).
Nesse sentido, orienta que experiência e expectativa não se tratam de
conceitos que apenas se encontram na execução concreta da história. Como
categorias, “fornecem as determinações formais que permitem que o nosso
conhecimento histórico decifre esta execução. Assim, as duas categoriais remetem à
‘temporalidade do homem e com isto à temporalidade da história” (KOSELLECK,
2006, p.309).
O historiador alemão afirma ainda que há uma relação singular entre presente
e passado e entre presente e futuro e por este intermédio o passado possui uma
relação com o futuro e vise-versa. As temporalidades possuem relação intrínseca e
é desta maneira que o tempo histórico e as sensações com o tempo se constituem
na história coletiva e individual.
Para explicar estas duas categorias o autor expõe que a experiência está
para um espaço assim como a expectativa está para um horizonte. Há todo um
espaço onde se encontram acontecimentos passados, memórias, vestígios, fatos e
fontes históricas. Todos estes constituem experiências vivenciadas em uma “área”,
ou em um espaço de acontecimentos. Estas experiências podem ser tanto
conscientes, lembradas e vivas nas memórias como estarem em um plano que foge
deste espaço, isto é, de forma inconsciente.
Ao dissertar sobre a expectativa, o autor relaciona com o horizonte, entendido
como a linha em que é possível avistá-la, mas não é possível encontra-la por
completo. Avistamos, porém, não conseguimos chegar ao seu encontro futuro. Sua
teoria demonstra que a relação é sempre com o presente. É no presente que
vislumbramos o horizonte, assim havendo então um presente futuro.
70
A experiência já experimentada, ocorrida no passado, pode ser observada,
analisada. É possível olhar para ela e ver que ocorreu em determinado ponto.
Entendemos aqui como um espaço, um lugar, momento ou situação. Já a
experiência a ser feita, e neste sentido compreendemos como expectativa por ser
ainda incerta, almejada, pode ocorrer no instante seguinte, em minutos, horas ou
séculos, em um horizonte de expectativas que é possível desejar, mas que não
ocorreu ainda, está para ainda não, o não experimentado.
Para esclarecer “espaço de experiência” e “horizonte de expectativa”, o autor
assevera que
Tem sentido se dizer que a experiência proveniente do passado é espacial, porque ela se aglomera para formar um todo em que muitos estratos de tempos anteriores estão simultaneamente presentes [...] Não existe uma experiência cronologicamente mensurável - embora possa ser datada conforme aquilo que lhe deu origem –, porque a cada momento ela é composta de tudo o que se pode recordar da própria vida ou da vida dos outros. [...] E vice-versa, é mais exato nos servimos da metáfora do horizonte de expectativa, em vez de espaço de expectativa (KOSELLCK, 2006, p. 311).
Para auxiliar o estudo acerca das denominações “espaço de experiência” e
“horizonte de expectativa” lançamos mãos da explicação imagética de Barros
(2010). Abaixo segue a imagem produzida pelo autor.
Figura 1 – Representação de horizonte de expectativa e espaço de experiência
Fonte: Barros (2010)
Segundo Barros (2010), a imagem constitui-se de uma linha horizontal, que
representa o horizonte de expectativas, e de um semicírculo acoplado a esta, que
71
faz menção ao espaço de experiências. A experiência ou o “Passado Presente”
pode ser representado como um espaço, visto que, reúne um conjunto de coisas já
conhecidas. Mas fora deste espaço há uma região imensurável de passado que não
é conhecida, entendendo como um “passado incognoscível, do qual jamais
saberemos nada a respeito, como estando fora do semi-círculo” (KOSELLECK,
2006, p.70), ou seja,
Aquilo que não deixou memória, ou cujas memórias já pereceram; aquilo que não deixou vestígios, nem fontes para os historiadores; aquilo que não está materializado no presente a partir das permanências, das continuidades, da língua, dos rituais ainda praticados, dos hábitos adquiridos, tudo isto faz parte de uma experiência perdida, que se situa fora do semicírculo (KOSELLECK, 2006, p.70).
Já o que se encontra na parte interna do semicírculo representa o espaço de
experiência, ou melhor, “Tudo o que ficou do que um dia foi vivido, e se projeta hoje
no presente de alguma maneira, está concentrado neste espaço que é fundamental
para a vida” (BARROS, 2010, p.70). Ainda é possível considerar que elementos do
espaço da experiência possam atingir o espaço infinito, por meio de memórias
“perdidas”, ou rituais que deixam de ser cultivados, por exemplo (BARROS, 2010).
O espaço de experiência possui relação com o presente, assim o Passado
Presente corresponde a um vivido, mas que já foi em algum momento o presente. O
presente logo se torna um passado. O futuro se tornará presente e posteriormente
um passado, assim, a cada novo presente, o espaço de experiência se transforma.
A relação Passado Presente e Passado e Futuro é entrelaçada a todo o momento
(BARROS, 2010).
No contexto da imagem, o Futuro Presente – “este Futuro que ainda não
ocorreu, mas cuja proximidade ou distância repercute no Presente sob a forma das
mais diversas expectativas” (BARROS, 2010, p.72) - é representado através de uma
linha, que faz referência a um horizonte, onde na verdade, temos uma expectativa
em relação ao futuro. Todavia, à medida que tentamos chegar próximo ao horizonte,
ele ao mesmo tempo se afasta, tornando-se o presente e um dia uma experiência
passada. Para Koselleck (2006, p. 311) “Horizonte quer dizer aquela linha por trás
da qual se abre no futuro um novo espaço de experiência, mas um espaço que não
pode ser contemplado”.
Para Barros (2010) o presente poderia ser representado na figura como um
espaço concentrado entre o passado e a linha do futuro. Assim sendo, nos ajuda a
72
entender o conceito e a relação passado/presente/futuro proposta por Koselleck e a
complexidade do vínculo destes conceitos. Como exposto por Koselleck (2006) não
se trata de pura e simplesmente uma noção de opostos. Experiência e expectativa
não são conceitos antagônicos.
Por isso não se pode conceber uma relação estática entre espaço de experiência e horizonte de expectativa. Eles constituem uma diferença temporal no hoje, na medida em que entrelaçam passado e futuro de maneira desigual. Consciente ou não, a conexão que criam, modificando-se, possui uma estrutura de prognóstico (KOSELLECK, 2006, p. 314).
Tomamos então a noção de tempo proposta por Koselleck (2006) entendendo
a complexidade da relação passado, presente e futuro e tendo em vista que
expectativa e experiência são categorias que não se constituem por um aspecto
unicamente cronológico, mas que tanto experiência quanto as expectativas apesar
de não coexistirem ao mesmo tempo se encontram na intersecção com o presente.
A experiência pode ser revista e é possível esperar que no hoje ela se repita e seja
confirmada no futuro (KOSELLECK, 2006). Entretanto, uma expectativa não é
passível de ser experimentada de forma igual, “quer seja portadora de esperança ou
de angústia, quer preveja ou planejem pode refletir-se na consciência. Neste sentido
a expectativa também pode ser objeto de experiência” (KOSELLECK, 2006, p.312).
Como dito anteriormente, a relação com o tempo é uma construção humana
tanto coletiva, quanto individual. Assim, as sensações que permeiam as
temporalidades passado, presente e futuro, além de estarem remetidas ao coletivo,
também são sentidas individualmente. Isto posto, queremos dizer, no sentido
proposto por Koselleck que, passado, presente e futuro podem ser sentidos de
maneiras diferentes não só por distintas sociedades, como também por pessoas que
convivem no mesmo espaço. Desta forma, a pesquisa pretendeu flagrar as
sensações de tempo de jovens aprendizes, na tentativa de perceber como estes
sujeitos se relacionam com as temporalidades e de que maneira o presente está
entrelaçados em suas experiências passadas e expectativas futuras, ou nas
palavras de Koselleck, em seus presentes passados e presentes futuros.
As expectativas podem ser revistas, as experiências são colhidas. Das
experiências se pode esperar hoje que elas se repitam e sejam confirmadas no
futuro. A nossa expectativa do futuro, quer seja portadora de esperança ou de
angústia, quer preveja ou planeje, pode refletir-se na consciência deste tempo
73
agregador de sentido ao espaço vivido. Processos que caracterizam a história e
suas teorias, mas que aqui serão pensados, especificamente, nas construções das
histórias dos indivíduos analisados.
Considerando as percepções diante dos jogos do tempo (presente/futuro e
presente/passado), como os jovens do Programa “Aprendiz Legal” são subjetivados
em suas experiências no mundo do trabalho? Como os jovens, em suas juventudes,
narram suas experiências passadas? Que espaço é este que – coletivamente
orientado por diretrizes de educação profissionalizante, dá sentido à experiência e
diz sobre suas expectativas de vida? Que relações são estas que, no tempo
presente, ligam o passado ao futuro e nos colocam no campo do Patrimônio
Cultural?
Clarice Lispector quando escreve “Um sopro de vida - pulsações” momento
em que está finalizando a sua passagem por este mundo como diz Olga Boreli, sua
amiga e responsável por ordenar os manuscritos, ao registrar que o livro foi escrito
às vésperas de sua morte. A intensidade e a sensibilidade da escrita de Clarice
opera conexão com os escritos de Koselleck. Não afirmamos aqui que a autora fez
leituras de textos do historiador alemão, mas constatamos que Clarice escreve em
sintonia na mesma época em que Koselleck publica seu livro “Futuro Passado –
Contribuição à semântica dos tempos históricos”.
No início de um capítulo Clarice flagra a relação Passado, Presente e Futuro
dizendo que nunca a vida foi (sugestão do passado) tão atual como hoje (indicação
de um presente) por um triz é o futuro (relação com o futuro). Na sequência, aposta
que o tempo não existe. Reafirmando a teoria de Koselleck de que o tempo não
existe, é, na verdade, uma construção humana.
Quando a autora fala que o tempo é o movimento da evolução das coisas,
remete à questão de progresso proposto por Koselleck e mostra como o futuro, ou
melhor, que o horizonte de expectativas está presente.
Ao declamar que o tempo passa depressa demais, lembramo-nos da
sensação temporal também referenciada pelo historiador em seu livro ao citar o
poeta Ernst Moritz Arndt “O que antes marchava passo a passo, agora vai a galope”
(KOSELLECK, 2006, p. 289). Já Clarice quando diz que cultiva um certo tédio,
mostra que a temporalidade é vivida não apenas em uma coletividade, porém a nível
individual, ela pode experimentar na sua individualidade curtir o seu tédio. Questão
74
recuperada por Koselleck quando trata da infância, do adulto e da velhice. Cada um
vivencia a temporalidade, ou a experiência e expectativa de uma forma.
Clarice diz “agora em dia o tempo vai ser sempre atual” aproxima-se do
conceito de Koselleck sobre a relação temporal que segundo ele é sempre
perpassada por um presente, seja um presente passado ou um presente futuro. Ao
finalizar: “amanhã vou ter de novo um hoje”, Clarice afirma que o futuro não existe
senão no e com o presente.
2.2 (AUTO) BIOGRAFIA E HISTÓRIAS DE VIDA
Como compreender a relação que os jovens aprendizes estabelecem entre
passado, presente e futuro com o mundo do trabalho e com a cidade (e seu
Patrimônio Cultural) através da escuta de suas Histórias de Vida? Faremos operar
as teorias sobre tempo em ferramentas metodológicas, em teorias e conceitos que
nos permitam ouvir e registrar, e analisar as falas como evidencias da relação dos
jovens com a cidade de Joinville.
A (auto) biografia é utilizada como um instrumento para detectar a percepção
do jovem aprendiz acerca de como se sente em relação ao tempo presente/futuro e
presente/passado e, como essa percepção orienta sua produção subjetiva para o
trabalho operando diálogos com diversas áreas do conhecimento. Esclarecemos que
nosso diálogo parte da noção, proposta por Thompson (2006), de que histórias de
vida são patrimônios da humanidade. Neste sentido, Thompson esclarece que
A história oral é considerada atualmente parte essencial de nosso patrimônio cultural. Essa é uma situação muito nova e, olhando para o futuro, acho que há possibilidades imensas, por exemplo, para criar novas conexões entre as pessoas em mundos sociais e geográficos diferentes; através do oral, criando novas solidariedades e novos entendimentos (THOMPSON, 2006, p.19).
Apropriamo-nos também da pergunta que Arfuch faz ao problematizar as
metodologias de análises nas pesquisas (auto) biográficas, “O que fazer com a voz
do outro” (ARFUCH, 2010, p. 253). Tornar a voz do outro audível representa um
importante passo, em primeiro momento em um sentido acadêmico, de proporcionar
maior legitimidade da metodologia biográfica, bem como, trazer à tona a consciência
dos limites do método.
Os métodos qualitativos, como o biográfico, já possuem “seu lugar” na
academia, não é necessário provar sua cientificidade e qualidade, batalhas que
75
foram travadas anteriormente de que estas metodologias eram frágeis e vulneráveis
foram superadas. A respeito dos limites metodológicos, precisamos nos despir da
ingenuidade de esperar dos relatos de vida “a qualidade espontânea do dizer e da
enunciação” (ARFUCH, 2010, p. 254). É preciso trazer a consciência que não se
trata de uma fonte de essencial verdade, mas que essa “ilusão biográfica”, conforme
enunciado por Arfuch (2010) é constituinte da vida e da afirmação do eu, sendo,
portanto, importante para o pesquisador reconhecer e tomar para si que “é
impossível a narração de si mesmo” (ROBIN 1996, apud ARFUCH, 2010, p.255) e
deste modo trabalhamos com o que é enunciado, com a ilusão biográfica.
A narrativa (auto) biográfica é pautada pela experiência entre “eu” e o “outro”.
Aplicamos aqui o auto entre parênteses na consciência de que o encontro que
ocorre entre biógrafo e biografado é um encontro único e ao mesmo tempo um
“duplo” auto, representado aqui pelos parênteses. Ao escutar a narrativa do sujeito,
o pesquisador carrega consigo um anseio de saber sobre este outro, ao mesmo
tempo em que o biografado fala, o biógrafo o escuta a partir de suas vivências, e
encaminha junto com o sujeito que fala a entrevista, a partir de seus interesses. Um
encontro (auto) biográfico se faz, segundo Arfuch em um espaço biográfico,
entendendo espaço biográfico aqui como
[...] confluência de múltiplas formas, gêneros e horizontes de expectativa – supõe um interessante campo de indagação. Permite a consideração das especificidades respectivas sem perder de vista sua dimensão relacional, sua interatividade temática e pragmática, seus usos nas diferentes esferas da comunicação e da ação (ARFUCH, 2010, p. 58-59).
Assim, em sua análise a respeito do espaço biográfico, Arfuch apresenta o
outro da interlocução, entendido como o entrevistador, mas também participante da
“trama discursiva” e da “produção da identidade”. O espaço biográfico é plural e
atravessado por memórias múltiplas assim como a própria história narrada, é
construída por vários sentidos e significados. E neste sentido, Goettert (2009)
expressa claramente que é ingênua a tentativa de se conceber sentidos rígidos
sobre uma biografia:
Nesse sentido, não há “resgate” possível, porque toda construção biográfica é a “fragmentação” do sujeito em “pedaços” articulados sobre “uma” identidade em construção, produção e invenção. Toda biografia é sempre “ilusão biográfica” [...] o que temos é sempre o embate entre experiências e entre identidades, articuladas pela comunicação e linguagem – elas mesmas produzidas em “heteroglosia” e “polifonia” – em “escuta plural”, na
76
interlocução “num universo de vozes confrontadas, para a inteligibilidade do social” (GOETTERT, 2009, p.160).
Dessa maneira, partindo da noção de Arfuch (2010) a qual propõe um olhar
para além do gênero discursivo, observando a constituição de uma experiência
biográfica na contemporaneidade, a presente pesquisa irá se valer de uma
fundamentação teórica que possa sustentar as relações interdisciplinares já
evocadas anteriormente e os conceitos aqui propostos a serem trabalhados.
Para Silva et al (2007) a metodologia qualitativa é interessante, pois, trabalha
na relação entre o sujeito pesquisador e sujeito pesquisado, “que embora
perpassada por relações de poder, constitui momento de construção, diálogo de um
universo de experiências humanas” (SILVA et al, 2007, p.27). É nessa relação de
construção de um novo universo e experiências humanas que se cruzam, que o
sujeito pesquisado é entendido como possuidor de conhecimento.
Sendo o sujeito o possuidor do conhecimento para a coleta dos dados é
utilizada a metodologia da história oral e, especificadamente para as análises, a
pesquisa acolhe as reflexões das pesquisas (auto) biográficas e da
interdisciplinaridade entre Psicologia Social na abordagem sócio-histórica e Estudos
Culturais. Nesses termos os campos do Patrimônio Cultural e do Currículo são
aproximados.
Para Meihy e Holanda (2007), a história de vida é categorizada como uma
das formas de história oral. Os autores esclarecem que há três gêneros em história
oral, sendo eles: história oral de vida, história oral temática e tradição oral.
Na história oral de vida, a questão subjetivada é valorizada. O conteúdo
significativo da pesquisa são as versões individuais dos fatos da vida, “o que
distingue é exatamente a independência de suportes probatórios” (MEIHY e
HOLANDA, 2007, p.34). Os relatos, as incertezas, a “verdade honesta”, são as
narrativas da história oral de vida entendidas como a verdade que compõem o
material significativo e ao mesmo tempo bastante diverso se comparado aos
documentos convencionalmente utilizados nas pesquisas em história. Inspira-se em
fatos e admitem-se fantasias. Por serem construídas a partir das memórias, as
narrativas podem estar repletas de sonhos, delírios, desejos e contradições,
havendo uma visão subjetiva destas experiências.
77
Para Paulilo (1999) é justamente estas subjetividades experienciadas que
proporcionam o elemento mais precioso de uma pesquisa qualitativa, sendo a
história oral um importante instrumento. Para a autora, a história oral é uma
pesquisa acerca de significados, aderência ao fato que cede passagem à
imaginação, ao simbolismo (PAULILO, 1999, p.137).
A abordagem da história de vida irá fazer uso das trajetórias pessoais,
buscando informações a partir da vida pessoal dos entrevistados. Nesta metodologia
é dada ao entrevistado a liberdade de narrar livremente sobre a sua experiência a
respeito dos aspectos questionados pelo entrevistador (SANTOS; SANTOS, 2008).
Portelli (1997) enuncia que a palavra entrevista pode transmitir erroneamente a ideia
de unilateralidade, entretanto, é justamente de outra forma que se dá este encontro,
é na verdade um entre, havendo uma relação entre dois interlocutores.
Ao esclarecer o termo “história oral” Portelli (2001, p. 10) postula que “história
evoca uma narrativa do passado; oral indica um meio de expressão”. Ainda
complementa que ao trabalhar com história oral o pesquisador precisa estar ciente
que se trata de um discurso dialógico, criado pelo discurso dos entrevistados e pelo
que os pesquisadores fazem com a presença no campo e na apresentação do
material (PORTELLI, 2001).
Gaulejac (2005 apud Silva et al, 2007, p. 31) esclarece que o intuito de
pesquisas com história de vida é ter acesso a “realidade que ultrapassa o narrador;”,
ou seja, o pesquisador tentará compreender o universo ao qual o entrevistado está
inserido. Neste sentido, Silva et al (2007) enunciam que
[...] a experiência de relatar sua história de vida, oferece àquele que a conta uma oportunidade de (re)- experimentá-la, re-significando sua vida – o que implica numa dimensão ética do estudo, trazendo uma contribuição que consideramos essencial – como acabamos de ressaltar mais acima (SILVA et al, 2007, p. 31).
Apesar de toda a preocupação e sensibilidade no contato com o entrevistado,
há grande crítica em relação a pesquisas que utilizam a metodologia qualitativa.
Segundo Paulilo (1999) este método pode ser considerado frágil, devido a uma
suposta falta de rigor científico ou validação. Nesse sentido, a autora ressalta que a
pesquisa qualitativa não tem a ambição de ser
78
[...] representativa no que diz respeito ao aspecto distributivo do fenômeno e se alguma possibilidade de generalização advier da análise realizada, ela somente poderá ser vista e entendida dentro das linhas de demarcação do vasto território das possibilidades (PAULILO, 1999, p.140).
A metodologia de história de vida para Paulilo (1999) se destaca justamente
por permitir captar o que ocorre na interlocução entre o individual e o social,
utilizando como recurso elementos do presente que possam se fundir com
elementos do passado. Neste raciocínio, entende-se que ao contemplar a vida de
forma retrospectiva, é necessário estar sensível um olhar do todo, do seu conjunto,
entendendo que é o tempo presente que possibilita a compreensão do passado.
Sendo assim, entendemos que a partir da escuta de jovens inseridos em um
programa de aprendizagem, podemos ter acesso por meio do singular a um contexto
social maior e que a partir deste buscar compreender como é o olhar deste sujeito
proporcionando audibilidade para a sua fala.
A memória do trabalho é a justificativa de uma biografia. Pois bem, temos
aqui também sujeitos jovens trabalhadores com conhecimentos e experiências de
quem cronologicamente iniciam na vida, contudo, ao mesmo tempo, apesar do
presente os solicitar cotidianamente, há uma história de vida que se inicia em um
passado, vivências de um presente e vistas a um futuro.
Vale ressaltar que é preciso atenção ao se trabalhar com aspectos de uma
cronologia individual, há fantasias e idealizações que fazem parte das narrativas que
rementem lembranças e memórias. A pesquisa com história de vida irá dar espaço
ao entrevistado a partir de seu lugar de fala, sendo este direcionado conforme o
tema da pesquisa. O entrevistado irá utilizar-se de sua memória como objeto de
pesquisa, memória esta que seleciona determinados assuntos e ideias em
detrimentos de outros (PAULILO, 1999).
A respeito da seletividade, Paulillo (1999) também argumenta que apesar do
entrevistador escolher o tema e construir um roteiro temático ou de indagações, é o
entrevistado que decide o que irá narrar. Citando Ecléa Bosi, Paulilo (1999) pontua
que quando trabalhamos com história de vida é importante estarmos atentos às
narrativas de vida de cada entrevistado, a maneira como o narrador a constrói e o
modo como ele pretende que sua vida seja contada. A preciosidade desta
metodologia de investigação está justamente no fato da relação entre o que é
narrado e o que é selecionado. Afinal, este é o cruzamento entre a vida individual e
79
a social. Assim, ao entender a história individual tem-se acesso ao contexto social
(QUEIROZ, 1988).
Os temas abordados nas entrevistas em história oral de vida são estudados a
partir do olhar de quem os vivencia, possibilitando compreender a cultura “do lado de
dentro” (PAULILO, 1999) sendo, portanto, um instrumento muito interessante de
pesquisa. Pode ser considerada uma metodologia privilegiada de análise justamente
por incorporar experiências subjetivas e fenômenos sociais. Com a história oral de
vida “o universal mostra-se invariavelmente presente no singular” (PAULILO, 1999,
p. 142), e deste modo, torna-se uma pesquisa “consistente para o entendimento do
componente histórico dos fenômenos individuais, assim como para a compreensão
do componente individual dos fenômenos históricos” (PAULILO, 1999, p.143).
2.3 CURRÍCULO, PATRIMÔNIO CULTURAL E SUBJETIVIDADE
Segundo Costa; Silveira; Sommer (2003), os Estudos Culturais (EC) surgem a
partir de uma movimentação intelectual do pós-guerra na Inglaterra gerando de
grandes mudanças na teoria cultural da época. Deste modo, os Estudos Culturais
nascem das movimentações de grupos sociais que buscam refletir as extensões do
termo cultura incluindo nesta conceituação as atividades e os significados das
pessoas comuns que foram em outro tempo excluídas destas reflexões (COSTA;
SILVEIRA; SOMMER, 2003).
Para os autores, os Estudos Culturais representam
[...] espaços alternativos de atuação para fazer frente às tradições elitistas que persistem exaltando uma distinção hierárquica entre alta cultura e cultura de massa, entre cultura burguesa e cultura operária, entre cultura erudita e cultura popular. Nessa disposição hierárquica, ao primeiro termo corresponderia sempre a cultura, entendida como a máxima expressão do espírito humano; [...] Ao segundo termo corresponderiam as [outras] culturas, adjetivadas e singulares, expressão de manifestações supostamente menores e sem relevância no cenário elitista dos séculos XVIII, XIX e XX (COSTA;SILVEIRA;SOMMER, 2003, p. 37).
Assim, os Estudos Culturais se contrapõem a concepção elitista de que a
cultura é “um certo estado cultivado de espírito” (COSTA; SILVEIRA; SOMMER,
2003, p. p.38), investindo em reflexões acerca da cultura e sua interpolações
políticas. Conforme Costa; Silveira; Sommer (2003), Stuart Hall importante
80
intelectual dos Estudos Culturais, enuncia que é no âmbito cultural que ocorre a luta
pela significação dos grupos subordinados frente à imposição de significados e
interesses sustentados pelos grupos mais poderosos.
Embora os Estudos culturais iniciarem na Inglaterra eles se destacam a partir
de autores como Hall, Home K. Bhabha que experimentaram as tensões identitárias
por serem de periferias, homens não brancos, imigrantes, não europeus.
Posteriormente os estudos ganharam muito destaque a partir dos estudos na
América Latina, lugar de tensão identitária por excelência a partir das experiências
coloniais. Os estudos conhecidos como pós-colonialistas são até hoje a marca dos
Estudos Culturais. Deste modo, sair da lógica “do centro” é a potência dos Estudos
Culturais e o motivo da nossa escolha para a presente pesquisa. Neste sentido
justifica-se a escolha dos Estudos Culturais, pois, ao trazer os jovens como
protagonistas deste trabalho, admitisse que a pesquisa está descentrada do que se
convencionou adotar como centro de discussão das políticas públicas.
Para Costa; Silveira; Sommer (2003), na perspectiva dos EC, a cultura não
pode ser entendida como acumulação de saberes ou processo estético, intelectual
ou espiritual, ela precisa ser estudada e compreendida a partir da ampliação do
olhar perante a tudo que está associado a este conceito. Os debates mais recentes
dos Estudos Culturais ultrapassam as abordagens iniciais centradas nas indagações
acerca de ideologia e hegemonia. Há novos focos e debates ampliando a outros
campos do conhecimento envolvidos, que tem feito dos EC um “território de debates
em que diferentes interesses políticos entram em jogo” (Costa; Silveira; Sommer,
2003, p.139).
Os Estudos Culturais não possuem a pretensão de serem categorizados
como disciplina acadêmica tradicional, pelo contrário, tem como interesse buscar
inspirações em diversas teorias, no campo interdisciplinar e de “romperem certas
lógicas cristalizadas e hibridizarem concepções consagradas” (COSTA; SILVEIRA,
SOMMER, 2003, p.40). Assim sendo, os EC estão embasados em diversas áreas do
conhecimento
[...] e têm se apropriado de teorias e metodologias da antropologia, psicologia, lingüística, teoria da arte, crítica literária, filosofia, ciência política, musicologia... Seus caminhos investigativos que são inventados para poder compor seus objetos de estudo e corresponder a seus propósitos. Eles percorrem disciplinas e metodologias para dar conta de
81
suas preocupações, motivações e interesse teóricos e políticos (COSTA;SILVEIRA, SOMMER, 2003, p.40).
Em conformidade com Silva (1999 apud ANDRADE, 2013), os Estudos
Culturais possuem grande contribuição nas mudanças que ocorrem nas teorias do
currículo. É a partir dos Estudos Culturais que a cultura, vista principalmente como
prática de significação, passa a ser entendida como papel constituidor/relacional e
não apenas determinado. Assim, o campo interdisciplinar dos EC e suas discussões
a respeito da cultura, auxiliam na construção de novas conceituações para
compreensão da dinâmica das relações sociais e problematizam seus efeitos na
redação dos currículos (ANDRADE, 2013).
As teorias pós-críticas do currículo embasam a discussão ao dar sentidos às
reflexões acerca das relações entre cultura e currículo. Sandra Mara Corazza (2010)
esclarece que o pós-currículo é uma estratégia política e ao mesmo tempo uma
forma de combate às práticas curriculares tradicionais. O currículo pós-crítico ou da
diferença é entendido como uma prática teórica investigativa, e ao mesmo tempo,
“uma prática ativa de transformação social, imersa em relações de poder-saber,
particularidades das distintas culturas, produções de subjetividades multiculturais e
multirraciais” (CORAZZA, 2010, p.108).
Nesta perspectiva, Silva (2005, p. 150) entende currículo como sendo um
[...] lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder. O currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida, curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O currículo é documento de identidade.
Andrade (2013) realizou a aproximação das Teorias do Currículo com o
Patrimônio Cultural por meio da problematização dos discursos de outra política de
juventudes, o ProJovem, pesquisa esta desenvolvida no mesmo Grupo de Estudos
em que esta pesquisa se desenvolve. A autora apresenta questionamentos os quais
temos a pretensão de resgatar e problematizar neste trabalho.
Conforme Andrade (2013) é possível partir da noção de que as práticas
curriculares são também patrimônios culturais. Ao contrário das teorias tradicionais
que entendem o currículo de forma estática e apenas escolar, neste trabalho ele é
pensado como uma prática da diferença, da significação, da relação de poder e
produção de identidades (SILVA, 1999).
82
O currículo-pós, também significado como currículo cultural ou currículo da
diferença, é exercido em qualquer espaço formal ou informal, “locais de trabalho e
lazer, campo, cais, ilhas, praças, pátios, associações, ginásios, ruas,
assentamentos, parques, viadutos, até em escolas” (CORAZZA, 2010. p. 109).
Neste sentido, patrimônio e currículo podem ser experimentados em todos os
territórios em que há subjetivação, “pelos fluxos de memórias, evocações de
identidades e representações sobre si e sobre os grupos culturais a sua volta”
(VENERA, 2013, apud ANDRADE, 2013, p.22)
E é pressupondo que processos de subjetivação são orientados por políticas
e entre estas, políticas de educação, e dotadas de intencionalidade, que
acreditamos necessário o estudo das narrativas dos jovens aprendizes
curricularizados pelo programa.
Assim, como proposto por Andrade (2013), parte-se de um sentido mais
ampliado de patrimônio cultural que não se limitam as discussões técnicas de
materialidade e legalidade, mas sim de um lugar de produção de identidades
culturais, de subjetividades, de expressões e histórias de vida. Nesta perspectiva, “o
currículo é patrimônio cultural na medida em que: é capaz de estruturar conjuntos de
significações semelhantes, infere sentido de juventude, invoca identidades e
estrutura-se na memória de juventude em um dado tempo (presente)” (ANDRADE,
2013, p.22).
Com Andrade (2013), acreditamos que os conjuntos simbólicos da qual fala a
autora a se referir aos lugares propostos pelas políticas aos sujeitos, podem ser
pensados enquanto Patrimônios Culturais, na medida em que são, ao mesmo
tempo, elementos de representação, memória e identidade. Em especial o currículo
escolar é culturalmente um bem desejado e defendido como direito.
As histórias de vida que desenlaçam no próximo capítulo em nossa escuta e
na fala dos jovens aprendizes, evocam uma relação intersubjetiva entre nós, sem a
qual acreditamos ser impossível captar os sentidos das histórias narradas. A
subjetividade é o lugar onde o espaço da experiência vivida se desenvolve. É o lugar
onde os sentidos das coisas, os gostos e afinidades ganham sentido único. Nossas
escolhas teóricas partiram do sujeito, subjetivamente orientado em suas escolhas e
ali analisado.
A Psicologia Social aparece neste trabalho como escolha teórica e pano de
fundo para compreensão da constituição subjetiva dos sujeitos. Primeiramente
83
optamos em explorar a constituição da Psicologia Social para depois adentrarmos
em uma de suas ramificações – a psicologia sócio-histórica – e finalmente trazermos
a noção de constituição de subjetividade.
A respeito da constituição da Psicologia Social é importante ressaltarmos que,
conforme Silva (2005), o termo social é ubíquo, pois, ao mesmo mostra-se evidente
e opaco. O fato de ele ser considerado, em muitos momentos “sinônimo da noção
de sociabilidade” (SILVA, 2005, p.14, grifo da autora), como se fosse natural da
condição humana, faz com que parece supérflua colocar em questão o próprio
termo. Mas, para a autora, justamente esta naturalidade do termo seria um
problema, pois não precisaríamos referenciar a psicologia social, pois, se é
intrínseco a todos os sujeitos a condição de sociabilidade, toda a psicologia seria
social. Confundir o social com a qualificação de uma característica das relações
humanas é negligenciar a dimensão histórica de construção deste termo, em favor
de uma coordenada espacial – o que “reduz a complexidade do social às simples
relações que ligam os indivíduos ou àquilo que eles partilham entre si e que constitui
seu espaço comum” (SILVA, 2005, p.14)
Silva aponta que a saída para pensarmos sobre a psicologia social é
inicialmente constituirmos o social como um “problema”, em suas palavras:
[...] deixar de tomá-lo como um fato natural intrínseco ao próprio modo de existência da vida humana e passar a constituí-lo como uma multiplicidade necessariamente construída a partir de uma relação de forças num campo historicamente dado (SILVA, 2005, p.14)
As condições de surgimento, da Psicologia Social não se restringem a um
relato cronológico das construções teóricas ou dos fatos que a compõem, há que se
considerarem as contingências históricas que marcam sua singularidade e as
tornam possíveis. Portanto, para circunscrever a psicologia social, é preciso,
primeiramente, abandonar a compreensão ingênua sobre o termo social (Silva,
2005). Esta compreensão está ancorada na crença de que há uma verdade em si, a
qual deve ser acessada e assim contribuirá para a formação de um campo de
conhecimento neutro, revelador desta verdade.
Ao esclarecer a importância de se tomar o social a partir da problematização
e não da naturalização, Silva afirma que
84
Podemos então dizer que se o social existe entre os indivíduos, não é apenas em função das múltiplas interações que se produzem entre os mesmos, mas que é, sobretudo, numa espécie de interstício, marcado por uma multiplicidade de acontecimentos e de práticas que atravessam uma formação histórica num dado momento, que o social irá ganhar uma consistência e se constituir como um problema (SILVA, 2005, p.16, grifo do autor).
Desta maneira, não existe uma única configuração de social, mas várias. A
autora vai se ocupar em compreender o momento em que o social é formulado como
um problema que requer um tipo de intervenção específica. Configurações aqui
entendidas, não situadas em uma ordem cronológica, mas em uma disposição entre
[...] um certo arranjo entre estratégias de poder e as técnicas de subjetivação que atravessam uma formação histórica em um determinado momento, atualizando sistemas de referência distintos quanto ao modo de organização do tecido social (SILVA, 2005, p.18).
Silva aponta como um dos momentos de problematização do social quando
os disfuncionamentos, que antes uma sociedade gerenciava informalmente, passam
a não ser mais regulados por ela, ou melhor, quando as relações sociais informais
não são mais suficientes para resolver tais “disfunções”. Como exemplo, pensamos
nas sociedades primitivas que reabsorviam o “velho” e o “órfão” no próprio tecido de
suas relações sociais informais. A não absorção das situações ou dos casos dentro
do tecido das próprias relações sociais demanda, para dar conta dos
disfuncionamentos, a criação de instituições e de profissionais especializados.
Assim, podemos dizer que “a invenção do social implica um modo de intervenção
que se distingue das relações informais entre os membros da sociedade em
questão” (SILVA, 2005, p.18).
É plausível delinear que uma primeira configuração do social está ligada a
problemática em torno do campo assistencial – assim é possível compreender a
criação dos asilos, hospícios e orfanatos, para assistir categorias da população que
não eram absorvidas no tecido informal das relações sociais. Este arranjo
caracteriza um modelo chamado por Castel (1995 apud Silva, 2005) de social-
assistencial, tendo como objetivo atendimento aos segmentos carentes da
população. Não sendo possível ofertar atendimento a todos os desfavorecidos,
delimitam-se critérios, ou seja: pertencer à comunidade e incapacidade de trabalhar.
Este modelo, desde o período medieval até metade do século XIX, é o principal e se
85
encarregam dele fundamentalmente instâncias religiosas e senhores da nobreza,
exercendo papel caritativo.
Conforme Silva (2005) a lógica assistencialista da estrutura social-assistencial
é pautada pela relação trabalho/pauperismo. No entanto, é a partir da segunda
metade do século XIX que se configura uma nova questão do social, apesar de
também pautado na relação trabalho/pauperismo, mas que extrapola o campo
assistencial. Este segundo momento está ligado à democracia, e à sobrevivência do
projeto republicano. A ameaça ao projeto republicano é incompatível com o princípio
que estimula a liberalização do mercado. Teoricamente, o liberalismo pretendia essa
democracia aplicada às leis do mercado, mas na prática esse conjunto formou uma
série de contradições na dinâmica social, especialmente sobre a noção de direito.
Um exemplo é com o fim do monopólio o Estado passa a garantir acesso livre ao
trabalho, mas não assegura trabalho a todos. Não se pode confundir, então, livre
acesso com direito ao trabalho.
Para Donzelot (1994), é nesse rompimento da noção de direito que a questão social emerge como um problema específico a fim de preencher o vazio resultante da fratura entre, de um lado, uma ordem política fundada sobre o reconhecimento dos direitos do cidadão e, de outro, uma ordem econômica que, obedecendo às leis do mercado, revela a trágica inferioridade da condição civil de alguns, exatamente daqueles que se encontravam mais afastados dos meios de produção (SILVA, 2005, p.22).
A questão social ultrapassa o que era da ordem social-assistencial para
inscrever-se no centro do “processo de produção de riquezas da sociedade
capitalista” (SILVA, 2005, p.22). A liberalização do mercado provocou uma
desregulação da organização do trabalho e pode-se inferir que a questão social
advém da reorganização do mundo do trabalho. É na fratura do político com o
econômico que o lugar do social é marcado pelo pauperismo.
Feita esta contextualização a respeito da Psicologia Social, abordaremos na
sequência a noção sócio-histórica de psicologia.
A perspectiva teórico-metodológica histórico-crítica é utilizada não apenas na
Psicologia Social, como também nas ciências sociais, na educação e no serviço
social. No campo da psicologia, esta perspectiva emerge como possibilidade de
colocar em questão os pressupostos da psicologia social positiva – seus constructos
de verdade, neutralidade e sua centralidade no indivíduo – apontando para a
existência de problemas que não dizem respeito somente ao sujeito, mas igualmente
86
ao social. Através desta abordagem é possível analisar os problemas que existem
na forma como se organizam os modos de viver e os modos de produzir na
sociedade.
É característico da perspectiva histórico-crítica não ficar passível diante das
questões em pauta, propor ativamente reflexões ou ações a serem realizadas diante
das problemáticas levantadas. O comprometimento histórico-crítico com a produção
de conhecimento vai ao encontro de contribuir para as diferentes realidades, das
quais compreende que é parte integrante.
A possibilidade de contribuir com mudanças está na capacidade de
compreender de forma mais aprofundada o contexto em que se dá a problemática
e apontar para outros pontos, ampliando as reflexões para além do senso comum
(MINAYO, 2012).
A perspectiva histórico-crítica analisa com maior profundidade a constituição
da estrutura estatal, dos modos de organização que surgem a partir dela e sua
relação com a constituição das políticas sociais e das políticas públicas.
Em relação à noção de constituição de subjetividade, para Silva (2005), este
processo não pode ser compreendido separado das forças que constituem e
atravessam determinado arranjo do tecido social. A autora retoma Foucault,
Deleuze e Guattari para descrever o processo de subjetivação “capitalístico”, termo
forjado por Guattari que designa,
[...] um modo de subjetivação que não se acha apenas ligado às sociedades ditas capitalistas, mas que caracteriza também as sociedades, até aquele momento [1970] ditas socialistas, bem como as dos países do Terceiro Mundo, já que todas elas vivem numa espécie de dependência e contradependência do modelo capitalista. Por isso, do ponto de vista de uma economia subjetiva, não há diferença entre essas sociedades, pois elas reproduzem um mesmo tipo de investimento do desejo no campo social (SILVA, 2005, p.29).
O processo de objetivação do indivíduo tem relação com o processo de
objetivação do social que se deu no século XIX e que organizou a área de
conhecimento das ciências humanas. Apesar da separação do indivíduo fruto da
racionalidade cartesiana a partir do século XVII, é a partir da necessidade gerada
pelo sistema capitalista – e para manutenção dele próprio – que se privatiza a
subjetividade e o sujeito passa a ser também objeto do conhecimento. Para a autora
(2005), a correspondência dos dois processos, de objetivação tanto do social quanto
87
do indivíduo, se dá porque ambos “são expressões distintas de um mesmo modo de
subjetivação”, ou seja, de subjetivação capitalística.
A autora cita:
De acordo com Guattari (1986), um modo de subjetivação está sempre ligado à busca de uma estabilização da subjetividade em torno de um certo tipo de relação consigo. Isso explica por que, ao longo da história, vamos encontrar diferentes configurações da subjetividade, pois toda produção subjetiva é coextensiva à produção de um determinado tipo de configuração do campo social (SILVA, 2005, p.32).
Assim, define como oriundo do processo capitalista “O conjunto dessas
transformações nos modos de valorização dos bens e das atividades humanas
marca a emergência do que Guattari (1986) chama um modo de subjetivação
capitalístico” (p.33). A subjetivação vai incidir no modo intensivo das pessoas, na
constituição de seus valores e de seus regimes de verdade. Os regimes de verdade
se caracterizam por aquilo que se destaca como verdadeiro ou falso, que pode
variar conforme os diferentes momentos, e que vinculam ao que são tomados por
verdadeiro, efeitos de poder (FOUCAULT apud SILVA, 2005).
Silva (2005) vai retomar a construção deleuziana sobre as dobras da
subjetivação capitalística, para explicitar a organização deste modelo. Para Deleuze
(1986 apud SILVA, 2005) a dobra é “um ponto de inflexão através do qual se
constitui um determinado tipo de relação consigo; o modo pelo qual se produz um
Dentro do Fora” (SILVA, 2005, p.28). Para este autor existem quatro tipos de dobra
em qualquer modo de subjetivação. A primeira relativa ao corpo, a segunda é a
“regra singular” que organiza a relação consigo, a terceira é como se dá a relação
entre saber e verdade e a quarta, por fim, se refere ao que o sujeito espera. No
modo de subjetivação capitalístico a primeira dobra, do corpo, é caracterizada pela
necessidade de controle, de disciplinarização dos corpos para que produzam, dentro
das fábricas, das escolas, etc. A disciplina dos corpos se dá pelo cerceamento do
espaço (lugares, fábrica, prisão, etc.) e do tempo, que impõe ritmo e velocidade à
atividade dos corpos. A segunda dobra, na subjetivação capitalística, se dá pela
escolha de uma racionalidade que segmenta e homogeneiza os universos de valor,
territorializando os sujeitos no lugar de indivíduos, para garantir que a disciplina,
citada antes, não torne o sujeito apagado diante de uma massificação coletiva. A
garantia da sua individualidade sustenta que ele se destaque, se diferencie
enquanto não sendo massa/massificado. A terceira dobra produz como verdade a
88
subjetividade privatizada “cujo protótipo é precisamente esse homo psychologicus
que emerge ao mesmo tempo como sujeito e objeto de investigação no quadro
desse novo corpo de conhecimentos chamado ‘ciências humanas’” (SILVA, 2005,
p.35). É o novo território do sujeito, que o torna objeto (do sistema capitalista) e
sujeito do conhecimento A quarta dobra na subjetivação capitalista se caracteriza
pela dupla captura que cria duas séries dicotômicas, indivíduo e sociedade e produz
um movimento paradoxal de ao mesmo tempo em que oporem-se a elas, as
aproximam entre si.
Silva (2005) aponta que a psicologia, assim como outras ciências humanas,
nasce neste momento histórico, a serviço da manutenção da lógica capitalista.
Prado Filho e Martins (2007) apontam que deve-se suspeitar da naturalização da
psicologia, mas que deve-se colocar em questão os jogos de verdade e as figuras
de discursos e práticas da psicologia, tanto no escopo dos conhecimentos
produzidos quanto das intervenções psicológicas.
Na cidade de Joinville, como dito anteriormente, os jovens sujeitos da análise
compartilham processos de subjetivação intencionalmente orientados. Assim,
políticas públicas desenvolvidas pelo governo e pelo terceiro setor intentam um
legado, uma herança nos modos de ser das juventudes.
No nosso caso a herança que se pretende cativar – e que será significada
pelo jovem aprendiz - faz jus à cidade do trabalho, da valorização da disciplina e da
profissionalização como forma de ingresso na vida adulta.
E o discurso da política, significada pelos jovens, só o é porque encontra o
espaço da experiência, da memória, e da identificação com a cidade e com o lugar
da juventude trabalhadora.
2.4 O TRABALHO COMO PATRIMÔNIO CULTURAL JOINVILENSE
O trabalho é constituído na realidade concreta, se faz no cotidiano e ocupa o
lugar que lhe é dado por uma sociedade, lugar este que é intencionalmente
determinado. Neste sentido, Oliveira e Piccinini (2011, p. 203) assinalam que “O
lugar que o trabalho ocupa em determinada sociedade está fortemente relacionado
ao grau de institucionalidade e com o sentido atribuído ao trabalho para as pessoas
e grupos sociais”. A história do trabalho é permeada por vários significados, estes,
produzidos nas relações, a partir de normas e valores compartilhados pelos grupos
89
sociais. De modo breve, iremos apontar historicamente os lugares ocupados pelo
trabalho ao longo dos séculos com o objetivo de contextualizar as suas modificações
de sentidos.
Segundo Oliveira e Piccinini (2011) e de forma muito breve, nas sociedades
antigas (grega e romana) o trabalho é relacionado com a satisfação das
necessidades básicas e entendido como uma função degradável. Na sociedade
feudal o trabalho torna-se uma das formas de distinção entre o homem e o animal.
Com a reforma protestante o trabalho é visto como positivo, e a vida ativa é
especialmente valorada. Na revolução industrial, por sua vez, o trabalho é entendido
como símbolo de liberdade. Há o nascimento do trabalhador “livre”. O discurso do
trabalho é aliado ao progresso e à ciência no século XIX. Este discurso foi
“lentamente incorporado às praticas cotidianas, às normas sociais e aos
comportamentos compondo as mentalidades e o imaginário social do século XIX
(CUNHA, 2008, p. 25)”.
O recorte temporal do século XIX é interessante devido ao processo
migratório ocorrido, a nível mundial e, especialmente, tratando-se de Joinville, um
processo marcado pela vinda de imigrantes à Colônia Dona Francisca como a
cidade era conhecida. Há um mosaico de nacionalidades na metade do século XIX
em Joinville. Por aqui aportaram alemães, austríacos, suíços, dinamarqueses,
suecos, noruegueses, franceses, belgas, holandeses (CUNHA, 2008).
O trabalho parecia ser a única forma de driblar a crise que se passava na
Europa, no entanto, não havia trabalho suficiente para todos. Logo a migração se
constituía uma estratégia para combater as dificuldades sociais e econômicas, como
a fome, por exemplo. É importante lembrarmos que a industrialização provocou
mudanças sócio econômicas, entre elas, a ruína de trabalhadores como os artesões,
citando mais um exemplo. Em seu livro “A história do trabalho em Joinville” (2005),
Dilney Cunha contextualiza a “sociedade do trabalho” e o processo migratório para
explicar a origem de Joinville.
A crise na Europa provocou a busca de novos territórios. Concomitantemente,
o Brasil passava pelo “processo civilizatório” e um dos projetos para o
estabelecimento do “progresso” era abolir a escravatura. Entretanto, ao abolir a
escravatura faltaria mão de obra para o trabalho. Para driblar a falta de mão de obra,
o fluxo migratório é entendido como uma possibilidade de trazer trabalhadores para
o Brasil e, ao mesmo tempo, realizar o “branqueamento” da sociedade brasileira. As
90
crises nas colônias alemãs fora detalhadamente descritas por Dilney Cunha. O que
nos interessa saber é quem foram estes imigrantes que “construíram” a cidade e que
trouxeram, seu patrimônio através do seu saber fazer. Saber fazer está referenciado
nos discursos (oficiais e não oficiais) representado através do trabalho.
Conforme Cunha (2008), a mentalidade de idolatria ao trabalho visto como
gerador de valor e formador do caráter viria “junto” com imigrantes europeus. O
imigrante era reconhecido como provocador do progresso e da civilização, além
disso, identificado como portador de qualidade e virtudes que eram inerentes a sua
raça, entre elas, a aptidão e amor ao trabalho (CUNHA, 2008).
A comemoração do aniversário da cidade passou a ser, também, um
importante discurso legitimador do imigrante como aquele que construiu a cidade e
que trouxe a bravura e o trabalho. Na comemoração dos 50 anos de Joinville, por
exemplo, foi organizada uma grande festa, conforme Cunha (2008), com desfiles,
exposição de animais, apresentações teatrais e musicais. Entre as atrações festivas,
uma das exposições que nos chamam a atenção é a mostra industrial com produtos
e equipamentos feitos pelas fábricas que serviam como “a prova inequívoca do
grande desenvolvimento e progresso alçando pela cidade, da dedicação e
capacidade de trabalho de seus habitantes (CUNHA, 2008, p.53)”.
Para a imprensa da época e especificadamente o jornalista Hermann Leyfer a
festa era a oportunidade de mostrar que a
[...] alegria de viver alemã pulsa em seu interior, mas também a força de trabalho e inteligência alemãs atuam no desenvolvimento e o senso de ordem alemão que garantem a tranquilidade, paz e a segurança da comunidade. Que seja sempre assim! (CUNHA, 2008, p.54)
Cunha esclarece que o jornalista reproduziu um discurso vastamente
difundido e aceito pela sociedade, o discurso de germanidade:
Valendo-se de todo um arsenal de imagens, símbolos, e representações, ele fundamentou em fins do século XIX, uma ideologia, uma identidade de cunho acentuadamente étnico definidas pelo conceito de Deutschtum (germanidade ou germanismo), utilizado por aquela elite para expressar todas as qualidade e características físicas, morais e espirituais que presumivelmente seriam inerentes, ou seja, herdadas através do sangue (CUNHA, 2008, p.2008).
Assim, o discurso de Hermenn Leyfer reforça o sentido de germanidade
entendido como uma ideologia étnica a qual organiza critérios raciais e culturais,
diferenciando aqueles que estão à margem destas características. Esta
“organização” é estabelecida, por exemplo, na preservação da cultura, da língua, e
91
dos costumes. A “germanidade” é atrelada ao discurso de um povo ordeiro,
trabalhador e construtor da cidade, aqueles que trouxeram o senso de ordem para
Joinville. Ao falar “que seja sempre assim”, Leyfer transmite o desejo de que estes
modos sejam perpetuados pelas gerações, sejam heranças.
O trabalho aparece como um símbolo que constitui a identidade do povo
alemão, e assim, a identidade da cidade que, na ótica do germanismo, foi construída
por alemães. O colono pioneiro trouxe, através do trabalho, a civilização para uma
sociedade que era constituída por brasileiros, vistos como um povo preguiçoso,
indolentes e que não trabalha. Como pode ser observado em mais um trecho de
Leyfer
Da selva a diligencia alemã formou aqui extensos e prósperos campos, cujos frutos fornecem inúmeros alimentos e bem-estar. [...] não foi fácil a luta que o homem teve de travar aqui com a natureza através do trabalho árduo, o qual tantos matou [...] e se Joinville tornou-se hoje uma próspera comunidade, deve-se agradecer isso em primeiro lugar à capacidade do homem, o qual, imigrado de terras distantes, fundou para si aqui uma nova pátria. Eram filhos da Germânia os que aqui executaram o fatigante trabalho (CUNHA, 2008, p.54-55).
Este colono que desbravou a “selva” é um símbolo “perpétuo” da
representação do momento da fundação da cidade, ou seja, há um “mito fundador”
representado pelo migrante. O mito fundador da Colônia Dona Francisca é
registrado por meio da narrativa. Novamente fazemos uso da palavra herança, pois
a perpetuação deste mito traz na narrativa, nos festejos da cidade, nos monumentos
(como colocado em relação cinquentenário) o reforço do passado, que através da
herança permanece vivo. Os pioneiros que desbravam a colônia perpassam o tempo
ao serem lembrados como fundadores de uma terra onde não havia ordem. A
repetição parece trazer uma memória histórica deste grupo social que repassa às
gerações vindouras novamente este passado marcado por transformações
decorrentes do trabalho.
Assim, através do germanismo, da representação de um imigrante pioneiro
desbravador e fundador da colônia, está representado também o trabalho como um
dos valores essenciais e como constituição deste imigrante, constituição esta que
determinada quem pertence a esta cidade, ou seja, quem compartilha estes valores
e quem está à margem. Conforme Cunha (2008), o louvor, as lutas e as glórias que
marcaram a fundação da então colônia Dona Francisca era na verdade a exaltação
92
ao trabalho feito pelos imigrantes na construção da “nova pátria”. Contudo, esta
herança não era sem intenção rememorada ou posta a rememorar. A elite da colônia
tinha interesse que este passado fosse vivo na memória e no presente, garantindo
assim o mito de um povo trabalhador como o exemplo para as próximas gerações e
perpetuação dos costumes germânicos. Manter vivo no presente por meio de
reforços variados, como festas, exposição agro-industrial, por exemplo, é uma
tentativa de manter na consciência aqueles em que a elite considera os
responsáveis pela construção da cidade: o imigrante e o trabalho.
Em relação à função e representação das comemorações do aniversário da
cidade, Diego Finder Machado (2009), ao estudar Joinville, mostra as festividades a
partir de um olhar crítico. Atento aos sentidos em torno da palavra “comemoração”
disserta a respeito das intencionalidades presentes nos diferentes usos da
celebração das memórias comuns e, hipoteticamente, compartilhadas por todos
aqueles que participam das festividades. A este respeito, Machado (2009, p.99-100)
esclarece que “os rituais comemorativos são nutridos pela ambiciosa expectativa de
agregar consensualmente experiências separadas por nítidos contrastes sociais e
culturais” e que “comemorar é sempre um trabalho coletivo de construção e
celebração de memórias”.
A celebração da memória por meio do festejo do aniversário da cidade coloca
em jogo narrativas do passado que são selecionadas arbitrariamente em meio a
uma variedade de histórias e memórias (MACHADO, 2009). Neste aspecto, faz
sentido as palavras de Silva aoelucidar que comemorar é “reviver de forma coletiva
a memória de um acontecimento considerado como ato fundador, a sacralização dos
grandes valores e ideais de uma comunidade” (SILVA, 2002 apud MACHADO, 2009,
p. 101).
Diante do exposto, Diego Finder Machado em sua pesquisa realiza um
percurso de busca e análise das principais obras historiográficas da cidade de
Joinville que tematizam o passado e coloca à luz o quanto a questão étnica foi
transformada como um “tema basilar”. Neste sentido, menciona a aparição do
protagonismo do imigrante, nos textos historiográficos analisados, para a construção
da cidade. A este respeito, o autor analisa que
Ora abordando um protagonismo imigrante que teria alçado a pujança econômica da cidade ou a presença de outros grupos étnicos invisibilizados por tal discurso; ora discutindo os traumas dos tempos da nacionalização
93
varguista cujo aparato do Estado havia manifestado suas claras intenções em abrasileirar os que ainda se comunicavam em língua alemã; ou, ainda, problematizando as estratégias criativas na busca pela reafirmação de uma germanidade local em anos posteriores ao fim da Segunda Guerra Mundial200, as discussões em torno das etnicidades urbanas recorrentemente foram problematizadas pelos historiadores que se propuseram a escrever sobre Joinville. Parece, inclusive, que, ao historicizar as trajetórias desta cidade, seria muito difícil escapar de uma aproximação com os processos de conformação identitária sob os limites das fronteiras étnicas (MACHADO, 2009, p. 103).
Através do exposto, perguntamo-nos: depois de dois séculos esta memória
está viva no presente? Será que os novos trabalhadores da agora metrópole, estes
aprendizes do trabalho, possuem representação desta memória que não quer
apagar? Onde circulam os discursos do mito fundador, do germanismo e da idolatria
ao trabalho? Para isso precisamos relembrar como a história da fundação de
Joinville é narrada até os dias de hoje.
A história que propagada pela escola é mais ou menos assim: “Foi em 9 de
março de 1851 que a Barca Colon atravessou as margens do Rio Cachoeira e
trouxe um grupo de imigrantes alemães que, em meio a mata, construíram a Colônia
Dona Francisca - atual cidade de Joinville”.
É a partir desta representação que alguns monumentos da cidade foram
construídos para lembrar a todos o grande dia da fundação de Joinville. Sem
considerar os que aqui viviam anteriormente à chegada dos imigrantes, discurso que
ainda circula na cidade. Mas circulam onde? Circulam nas narrativas dos
transeuntes, dos passageiros de ônibus, dos trabalhadores, do cotidiano. Construído
no passado, é no presente que a figura de um monumento se perpetua, trazendo
seu significando, e também sendo passível de novas significações. O monumento
tem o “poder” de trazer simbolismos e acreditamos que ele é um dos representantes
dessas narrativas, está no cotidiano a todo o momento simbolizando e significando
discursos.
Assim, ao circular no centro da cidade, nos deparamos com o Monumento ao
Imigrante (1951) de Fritz Alt e nos defrontamos com A Barca (2001) de Cesar
Dobner, que são, por exemplo, símbolos de que os imigrantes estão no dia a dia dos
transeuntes e devem ser lembrados.
A respeito dos patrimônios, Moser (2011, p.57) elucida que
Os signos que referendam os patrimônios edificados, monumentais ou artísticos; sejam materiais ou imateriais, indicam como esta sociedade funciona. A ideia da cultura nacional, comumente homogeneizada é um
94
discurso adotado, como uma maneira de construção de identidades,
articuladas por grupos que propõem formas de identificação.
Ao celebrar os 100 anos da cidade, o Monumento ao Imigrante é construído
no centro da cidade de Joinville, ao lado do atual terminal público de transporte
coletivo. Na época foi considerado “um grande feito” para a Joinville possuir no
“coração da cidade” um monumento que, erguido em 1951 com autoria do artista
Fritz Alt, retratava a “nação” de imigrantes, ou seja, representava o grupo de
imigrantes que perpetuaram seus valores, costumes, modos de fazer, entre tantos,
modos de fazer a vida.
Concordamos com Gruner, quando expressa que já existe em Joinville
[...] uma memória oficial construída, "enquadrada", que atribui ao passado um significado que é mais ou menos comum a todos - e a própria festa de 9 de março parece demonstrar isso. O que ocorre a partir da década de 1950, e que tem nas comemorações do centenário seu "nascimento", se visto sob uma perspectiva simbólica, é um processo de ressignificação daquela memória já enquadrada e tornada oficial (GRUNER, 2002, p. 30).
Ao analisar também o Monumento ao Fundidor (1979) de Paulo da Siqueira,
Eliana Moser (2011) traz em seu estudo a problematização do contexto histórico que
é pano de fundo da construção deste monumento:
Qual a ideia que se quer fecundar na cidade de Joinville em 1979? Senão a de ver Joinville, neste período, como uma metrópole urbana de efervescência industrial, legitimadora da proposta mundial, neoliberal e globalizada, primando pela dimensão expansionista e inserção no mercado exportador. Portanto, o Monumento ao Fundidor (1979), foi projetado como um mecanismo catalizador ideológico ao materializar o imaginário da cidade moderna, com a representação do trabalhador espelhada na figura de um deus mitológico que é vencedor (MOSER, 2011. p. 67).
O que admitimos aqui é que estes monumentos não são construídos se não
envoltos em discursos, interesses e tensões diversas. Temos a ciência da
historicidade que engendra as comemorações e a construção dos próprios
monumentos, e a compreensão que selecionamos recortes dos fatos e analisamos a
partir de nossa perspectiva.
Escolher o ano de 1951 para erguer no centro da cidade um monumento aos
fundadores determinou, segundo Gruner (2003)
O silêncio sobre os joinvilenses nascidos no hiato entre a fundação e as comemorações do centenário não chega a ser incomodo. Ele apenas corrobora o que vimos defendendo: não há ruptura de uma identidade cuja principal característica é estar fixa no tempo. Mas há os naturais de outras
95
―terras‖. E entre esses os nativos é preciso criar um mecanismo de integração e identificação. E, antes, da família, do lar ou dos amigos, é o trabalho, herança do colonizador, que o torna joinvilense (GRUNER, 2003, p.28).
Parecem-nos como sistemas de significação, os monumentos estão a todo o
momento sendo “lidos” por quem o contempla ou até mesmo por aquele que apenas
passa ao seu redor. Moser (2011) expõe que a prática da “leitura da cidade” e de
seus objetos configura um desafio para análise cultural principalmente por
entendermos que há intenções ao se produzir “estes textos” que estão
corporificados nos monumentos. Ao criar uma cultura de identidade, ou uma
identidade para a cultura, baseamos no pensamento de um grupo que elege o que
deve ser lembrado, e seleciona como e quais valores serão características desta
identidade. Incluímos aqueles que se adéquam a este modelo e excluímos o
diferente. Assim, ao levarmos em conta apenas a história dos imigrantes, estamos
excluindo tantas outras histórias que poderiam ser “lidas” e contadas.
O texto a ser lido, presente nos monumentos, não só o do imigrante, mas outros monumentos, explicam como é o imaginário da cidade e como ela deve pulsar, é um discurso regular, não repetido, mas passível de ser aceito, está presente na imprensa local e na cabeça dos políticos de expressividade na cidade, os quais, disseminam como a cidade funciona, atribuindo espaços e enquadramentos, nos quais os cidadãos, são ou não aceitos; criam-se barreiras sociais e econômicas de convivência entre os joinvilenses, classificando-os de acordo com os bens materiais e culturais (MOSER, 2011,p.91).
A significação e as leituras dos monumentos configuram discursos, modos de
pensar e existir das sociedades, interpelando memórias. Gruner (2002) sinaliza que
a memória oficial e enquadrada da cidade de Joinville está na herança de sua
fundação. Em sintonia, compreendemos a herança como mecanismo discursivo
presente em monumentos, narrativas, entre tantos outros “textos” da cidade capazes
de “honrar” o legado dos antepassados que “trouxeram o progresso” e “construíram”
a cidade através do trabalho.
A seguir pretendemos analisar a existência desta herança nas narrativas dos
jovens - entendida aqui como conciliadora das relações passado-presente e
presente-futuro – e como é pelos jovens aprendizes significada.
96
3 – SUPER – 8: MONTAGEM E SONORIZAÇÃO DE NARRATIVAS (AUTO)
BIOGRÁFICAS
Um segundo eterno
Quem disse que o tempo não para? Peço desculpas ao meu grande ídolo
Cazuza, sou obrigada a discordar de você! Sabe aquela hora que passa devagar quase parando?
Aquela hora que parece mais um dia inteiro? É deste tempo que falo! É do tempo que não passa!
Mas não se preocupe, tenho provas, mostro-te como o tempo pode parar: o tempo para, o coração
para, quando você do outro lado da rua encontra o grande amor da sua vida.
O tempo para quando você dá um abraço apertado naquela vó bem velhinha, desgastada do tempo,
mas com o coração cheio de vida; depois de uma terrível tempestade o arco-íris com toda a sua
calma e encanto clareando o dia e fazendo aqueles míseros segundos que parecem uma gostosa
eternidade; o esperar de uma gestação que são apenas nove meses, mas que para os pais é uma
vida inteira a espera da chegada de outra vida.
O tempo não para?
O soar das campainhas das fabricas que rudes e grossas anunciam a entrada dos operários, tocando
apenas por um segundo, mas que para eles parece uma eternidade de agonia.
O tempo da chuva em uma tempestade que parece infinita, o tempo de ouvir uma boa canção, o
tempo de esperar nascer aquela florzinha que você plantou com tanto amor e carinho, demora,
parece que não passa!
Talvez, caso você tenha gostado destas palavras e de tão fundo mergulhou em suas próprias
lembranças, conseguiu sentir a sensação que o mundo parou neste instante.
A autora (2004)
Ao propor o desafio de construir um texto (auto) biográfico me coloco aqui na
condição também de me perceber através do tempo. A Juliana que escreveu o texto
acima era uma jovem de 16 anos com muitas saudades da infância, com uma
energia enorme de viver a juventude e com uma ansiedade ainda maior pelo o que
estava por vir. Nesta “cena” da minha vida tinha a sensação de que o tempo poderia
parar, sentia que havia segundos eternos, momentos prazerosos e minutos de
angústia. Foi esta jovem que escreveu a partir de suas vivências, experiências e
expectativas e é esta mesma jovem que depois de alguns bons anos continua aqui
refletindo sobre as sensações da temporalidade e elucubrando o quanto estas
significações também mostram a relação com o mundo externo e com o mundo
interno. Com as metamorfoses fui construindo minha percepção e relação com o
mundo, e com isto me constituindo enquanto pessoa. Constituo-me hoje também
através da minha relação com as juventudes. Ao trabalhar com jovens aprendizes
vou aprendendo outras tantas formas de se viver a vida, e outros tantos mundo até
97
então não “navegados”. Em uma eterna construção e relação com o tempo, vou
costurando a vida repleta de expectativas.
Entendemos que a constituição da subjetividade se dá, também, através da
maneira como o sujeito narra sua própria vida. Memórias expressas por meio de
depoimentos (auto) biográficos são fontes interessantes para a compreensão da
constituição do sujeito.
Traçamos aqui uma analogia, os relatos (auto) biográficos nos remetem a um
filme “Super-8”. Esta relação não é descolada de minha experiência pessoal. Assisti
a diversos filmes na minha infância através deste aparelho na companhia de meu
pai. Ter um “Super- 8” em casa me dava a sensação de ter um cinema “só para
mim”. A possibilidade de eu escolher o filme que queria ver e colocar o roteiro que
me interessava para ser reproduzido.
Segundo Salles (2000), em termos cinematográficos, a montagem e
sonorização de um filme é considerado o processo de finalização da filmagem. O
Super-8 é um filme reversível, e que não é passível de cópias, assim, qualquer erro
ou corte indevido significa que se pode perder todo o material original. Um filme
Super-8 nos parece, assim como a vida, histórias de vida únicas. Conforme Salles é
possível montá-lo e desmontá-lo à vontade. Por meio de um durex especial, corta-se
o rolo da filmagem e adiciona-se as partes desejadas ao filme. Recorte, colagem,
montagem e sonorização fazem parte do processo. Como nos esclarece Salles
(2000) “O processo é artesanal: corta-se fisicamente o filme e emenda-se uma ponta
na outra com o durex. Com isso, obtém-se um filme passível de ser projetado”.
Agora me permito aqui colocar as histórias de vidas destes jovens em um
aparelho Super-8, assim, escolho aquilo que me parece mais surpreendente,
apertando “play” naquele trecho da história que mais chama a minha atenção. Desta
forma, organizamos como nos faz mais sentido. Assistir a vida através do cinema é
também pensar a importância de se contar histórias de vida. Talvez seja um modo
de eternizar uma história de vida e trazer a possibilidade que outras pessoas
possam também contemplá-las.
Ao refletirem sobre a importância do relato biográfico asseveram Oliveira,
Rego e Aquino que
[...] as análises de narrativas autobiográficas são potencialmente férteis para uma compreensão geral das várias fontes de constituição dos sujeitos ao longo de suas vidas, bem como dos múltiplos modos de significação
98
construídos na cultura da chamada contemporaneidade (OLIVEIRA; REGO; AQUINO, 2006, p.120).
Trata-se aqui, de experimentar de que forma as narrativas dos jovens
aprendizes podem contribuir para compreender a constituição da subjetividade de
jovens trabalhadores de uma cidade no norte de Santa Catarina. Cidade esta que
não por acaso, como já pontuamos, possui discursos que estruturam e dizem que
um dos seus patrimônios, seu saber fazer, é representado através do trabalho. Os
pioneiros que desbravam tal terra trouxeram como crença a “genética” de um povo
que trabalhou para construir esta cidade.
Bruner (1997) reforça a reflexão de que o estudo da autobiografia é um
importante instrumento metodológico para investigação no campo psicológico e
especialmente para a constituição de subjetividade. Uma narrativa (auto) biográfica
pode ser uma porta de acesso ao conjunto de significados construídos culturalmente
pelo sujeito, significados estes que são permeados por traços históricos e culturais
de um determinado momento histórico.
Traços aqui também dizem respeitos à herança deixada, na tentativa de
passar para as gerações vindouras, este saber fazer pelo trabalho e, com um
discurso que é transmitido das mais variados formas, entre elas, por meio dos
discursos circulantes na cidade, discursos os quais se materializam em monumentos
e na maneira como a própria cidade curriculariza seu entorno.
Assim sendo, neste capítulo apresentamos, por meio da analogia com o filme
“Super-8”, a seleção e montagem das histórias de vida dos jovens aprendizes e
posteriormente analisamos o “curta-metragem” construído através do percurso da
pesquisa.
A seguir estão expressas as narrativas de vida dos oito jovens participantes
desta pesquisa. Na sequência iremos compartilhar nossas reflexões a partir das
falas dos jovens aprendizes.
3.1 NARRATIVAS DE VIDAS JOVENS14
14
Conforme TCLE assinado pelos responsáveis dos jovens aprendizes, os nomes foram mantidos em
sigilo. Na ciência de que seria mais consoante à metodologia da história oral manter os nomes dos
sujeitos, a alternativa foi após a entrevista, entrar em contato com os entrevistados para que
escolhessem quais nomes gostariam de serem referenciados na pesquisa. Deste modo, os nomes
aqui colocados foram escolhidos pelos próprios jovens aprendizes.
99
3.1.1 Sofia
Sofia nasceu em dois de julho de 2000 e no dia da nossa conversa tinha 14
anos. É natural de Braço do Norte – SC e já de início, sem hesitar, explica que sua
família não é de sua cidade natal, mas de Joinville, pois ela é filha adotiva. Foi
adotada quando era bebê e a partir de então sempre morou em Joinville. Mora com
os pais e uma irmã de 18 anos. Conta que gosta de morar em Joinville por ser uma
cidade “grande”, “diferente” de Braço do Norte. Joinville é uma cidade de
“oportunidades”. Esta visão (de Joinville como uma cidade de oportunidades) é
compartilhada pela sua família que já chegou a indagar a respeito de se mudarem
para o Paraná, onde possuem vários parentes, mas que não o fizeram por entender
que as oportunidades de trabalho em Joinville são melhores que em outros locais.
Seus avós não são de Joinville. A avó materna e a família da mãe são do
Paraná e a avó paterna é de Gão Pará – SC. Conta que os avós ficaram em suas
cidades e os filhos, tanto sua mãe quanto o seu pai, vieram para a “cidade”
buscando a oportunidade para uma nova vida. Seus pais começaram a namorar em
Joinville apesar de já terem se conhecido antes de morarem na cidade.
A mãe de Sofia é operadora de máquina há mais de 20 anos em uma
empresa têxtil tradicional e conhecida na cidade. Seu pai é programador de máquina
em uma multinacional e sua irmã trabalha em uma livraria do shopping. Sofia
trabalha na mesma empresa que sua mãe.
Ao relembrar sua infância confidencia que “aprontava” bastante quando era
criança. Recorda que ia para creche desde pequena, reforça que aprontava, mas
não conta exatamente o que fazia. Sofia sempre gostou de ir para escola, mas
procura deixar claro que gostar de ir a escola não quer dizer gostar de estudar.
Tinha prazer em ir à escola no primário pois as aulas eram dinâmicas e ela
encontrava seus amigos. Quando fala da escola lembra que sua rua era sem saída e
brincava bastante com as crianças na rua. Lembra que sua família sempre ia
passear no Vigorelli15.
Quando pequena, as matérias que mais gostava na escola era Educação
Física e Matemática. Sofia ainda gosta de ir para escola principalmente porque
encontra seus amigos e diz se dedicar aos estudos, uma vez que vai precisar deste
15
Localizada na região Leste de Joinville, a Praia do Vigorelli é banhada pelas águas da Baía da
Babitonga.
100
conhecimento para o seu futuro. Pensando em seu futuro, Sofia quer fazer curso de
informática e um de inglês, acreditando que com o curso de inglês pode ter mais e
melhores oportunidades de emprego. A jovem diz de início que tem interesse em
cursar Engenharia Civil, pois, na viagem para a casa de sua avó contempla várias
pontes que considera bonitas, que a deixam muito curiosa, e isto traz a ela a
vontade de cursar esta faculdade. No entanto, a jovem também diz que gosta muito
de animais e já pensou em fazer medicina veterinária. Encontra-se no momento
dividida entre as duas profissões.
Aos finais de semana Sofia fica em casa, pois seus pais não a deixam sair.
Quando permitem, vai comer Açaí com sua vizinha e quando ainda tem dinheiro do
seu salário de Jovem Aprendiz vai ao shopping olhar roupas. Sofia gosta muito de
dormir e não gosta de arrumar a casa, lavar a louça, tendo preguiça de fazer
atividades domésticas.
Desde quando começou a ser jovem aprendiz, Sofia mudou bastante a sua
rotina. Agora ela dorme cedo, acorda às seis da manhã e se arruma para ir ao
trabalho. Ela inicia às oito horas e trabalha até ao meio dia. Ao meio dia almoça na
empresa e vai direto para escola. A jovem cursa o nono ano do Ensino
Fundamental. Depois da escola chega em casa às dezoito horas e fica mexendo no
celular, quando tem prova ela estuda. Sofia participa de um grupo de dança de Hip
Hop na escola, e quando tem ensaio ao invés de ir para casa ela fica ensaiando.
Nos dias de ensaio, chega bastante cansada em casa, come, toma banho e vai
dormir para o dia começar outra vez.
Foi a mãe de Sofia quem a motivou a participar do Programa Jovem Aprendiz,
pois foram abertas vagas na empresa que em que a mãe trabalha, participou do
processo seletivo e foi aprovada. Sua mãe que “colocou na sua cabeça” que Sofia
precisava trabalhar para adquirir responsabilidade, além disso, com o salário pode
comprar o que a sua mãe não tem condições de dar. Depois que começou a
trabalhar diz ter recuperado a confiança dos pais e é mais responsável.
A jovem trabalha no setor da qualidade da empresa, onde ela faz a contagem
de peças, embala e verifica se as peças possuem defeitos. Diz gostar de seu
trabalho principalmente porque em seu setor fica somente ela e a supervisora,
Karina. Karina é uma moça jovem de 22 anos e Sofia possui uma boa relação com
ela. Além disso, a jovem gosta de trabalhar na empresa porque é uma organização
“grande”.
101
Sofia está gostando da experiência de ser jovem aprendiz, gosta de ir ao
curso de aprendizagem, pois, a professora é jovem e entende a linguagem dos
jovens. Na escola todos sabem que Sofia trabalha e seus colegas possuem
curiosidade em saber o que é trabalhar.
Sobre as expectativas de futuro, a jovem diz que após terminar o Ensino
Médio gostaria de esperar um ano para conseguir escolher uma faculdade. Quer
cursar a faculdade, guardar dinheiro e ter sua casa própria, seu carro. Seu sonho é a
independência.
3.1.2 Isabela
Isabela nasceu em Joinville em 26 de agosto de 1999 e tem 15 anos. Seus
pais são separados desde os seus três anos de idade. Desde os sete vive com um
padrasto e já teve várias madrastas. Mora com a mãe, o padrasto e o irmão (filho da
mãe com o padrasto). Não tem uma boa relação com seu padrasto e já pensou em ir
morar com o pai, assim como fez a irmã, mas não quer “deixar” sua mãe. Isabela
não gosta de mostrar seus sentimentos. Quando briga com seu padrasto vai chorar
em seu quarto. Em contrapartida, opta por não deixar “nada guardado” e geralmente
responde aos gritos ao padrasto.
Sua família por parte de mãe, pai e padrasto são de Joinville. Sua mãe
trabalha como garçonete em uma casa noturna, seu pai é músico e possui emprego
público no município de Araquari (próximo a Joinville), seu padrasto trabalha com
carga e descarga de móveis e a sua madrasta “atual” é cantora. Sobre seus irmãos
explica que possui quatro, duas irmãs mais velhas e dois irmãos mais novos. Uma
irmã tem 19 anos e a outra 18 anos, um irmão de 14 anos e um de 5 anos. Seu
irmão de 14 anos é jovem aprendiz em uma indústria da cidade. Estes irmãos são
por parte de mãe, pai e seus respectivos “casamentos”.
Isabela trabalha na mesma empresa que Sofia, no entanto em outra unidade.
Gosta de trabalhar na empresa principalmente em função de seus colegas, se sente
bem no trabalho. Em relação a sua função na organização, diz não gostar muito e
não é algo que tem intenção de continuar trabalhando quando terminar seu contrato
de jovem aprendiz.
102
Isabela queria muito trabalhar, procurou emprego em vários locais. Fala com
orgulho que sempre procurou emprego sozinha, que não teve ajuda de ninguém.
Gosta de se “virar sozinha” comenta ela.
Profissionais de uma escola de cursos profissionalizantes tentaram
convencê-la fazer um curso para posteriormente conseguir uma entrevista de
emprego, porém, a jovem tinha em mente que não precisava de curso e sim de
emprego e não aceitou a proposta. Foi uma de suas andanças que descobriu a
GERAR e fez o cadastro pela internet. Menos de um mês foi chamada para
entrevista e aprovada, ficou tão empolgada que a entrevistadora chegou a dizer
“Calma, é só um emprego”.
A motivação para o trabalho veio por vários motivos. O primeiro motivo diz
respeito à necessidade de ter materiais básicos como roupas e calçados, pois, sua
mãe não tinha condições de proporcionar. A motivação de ser independente fez com
que ela não desistisse de procurar emprego, chegou a entregar vários currículos,
mas só foi chamada pela GERAR.
A experiência decorrente do trabalho foi um fator que pesou no momento de
procurar vagas, pensava que mesmo que a experiência não fosse em uma função
de seu interesse iria aceitar para poder plantar frutos para serem colhidos no futuro.
Outro ponto motivador para esta busca foi ganhar um curso durante a experiência de
jovem aprendiz. Entende que além da experiência, ter uma formação é algo
importante para se colocar no currículo profissional.
Pensando em sua carreira profissional Isabela quer cursar Direito e
Psicologia, está com esta ideia há mais de três anos. Seu pai a apoia, entretanto,
sua mãe acha muito difícil conseguir pagar a faculdade. A jovem sabe que é preciso
organização financeira, mas está bastante otimista, pois, irá tentar bolsa na
faculdade, trabalhar durante o dia, enfim, entende que apesar de difícil é possível
concretizar seu sonho. Quando comenta sobre estas aspirações, Isabela diz que
assistiu a um filme que havia uma mensagem muito interessante e que a motivava
para continuar seguindo o que quer: “A felicidade está na jornada e não no destino”.
Isabela se identifica com Filosofia e Português, além disso, tem facilidade em
comunicar-se tanto oralmente quanto escrevendo. Para exemplificar conta que
participou de um concurso de oratória onde escreveu um discurso sobre corrupção.
Chegou até a etapa final do concurso, mas não foi a vencedora, ficou muito nervosa.
Além disso, desde que aprendeu a ler e a escrever a jovem escreve textos sobre
103
variados assuntos, diz ter escrito um romance sobre uma historia de amor que viveu,
e escreve no diário como se sente no seu dia a dia. Isabela, assim como o pai, gosta
de cantar e participou de uma banda da igreja. No momento não está participando
pois os horários de ensaio coincidem com os do curso de aprendizagem.
Isabela participa do programa de aprendizagem e acredita que aprende
assuntos interessantes e importantes no curso, além de estudar alguns conceitos
sobre logística, que é a sua área de atuação na empresa. Assuntos como bullyng e
preconceito são considerados importantes pela jovem e fazem parte do seu dia a
dia. Acredita que participar do programa é importante para ser inserido no mundo do
trabalho e aprender a ser um bom funcionário. Percebe que o mercado de trabalho é
concorrido e quem faz o jovem aprendiz está a frente dos demais.
A rotina desta jovem de 15 anos é bastante agitada, vai de bicicleta para o
trabalha que inicia às 7h40min. Quatro horas depois encerra o expediente e volta
para casa para almoçar, se arruma e pega dois ônibus para chegar à escola. Sai da
escola e chega em casa perto das 18h30min, brinca com seu irmão, faz a tarefa de
casa e vai dormir. Aos sábados vai ao curso de aprendizagem. Aos finais de semana
fica com o namorado e descansa.
Isabela mudou seu jeito após entrar no programa, diz que entendeu o que é
trabalhar e que para permanecer no emprego é preciso acatar ordens. Além disso,
aprendeu a cumprir horários e responsabilidades. Percebe que está mais maleável
no sentido de ouvir opiniões divergentes das suas. Anteriormente, não sabia dialogar
com quem não pensasse igual a ela.
Para o futuro almeja estar em sua própria casa vivendo com um companheiro
e fazendo a faculdade de direito e depois a de psicologia.
Isabela gosta de trabalhar e sente bem por ter um emprego. Entende que este
emprego é um começo e não tem interesse em permanecer posteriormente na
empresa, pois, não tem haver com o seu jeito de ser, ela é “falante” e em seu
trabalho não pode conversar.
Pensa bastante no futuro, antes de dormir coloca a cabeça no travesseiro e
viaja imaginando como será sua vida, por vezes até sonha com o seu futuro e seus
planos se concretizando. No trabalho e na escola se percebe mais “focada”,
pensando no presente. Percebe Joinville como uma cidade de oportunidades para
os jovens, mas não para qualquer jovem, somente para aqueles inscritos em
programas de aprendizagem.
104
3.1.3 João Pedro
João Pedro nasceu em 23 de janeiro de 1998 e no dia de nossa conversa
tinha 17 anos. Seu pai é de Canoinhas e sua mãe de Florianópolis. Seu avô paterno
trabalhava “com plantação” em Canoinhas. Já o avô materno trabalhava em um
sindicado em Florianópolis. Tanto a família por parte de mãe quanto de pai decidiu
sair de suas cidades e morar em Joinville. Seu avô materno decidiu devido às
oportunidades de emprego na cidade, e sua avó por parte de pai, por ter ficado
viúva. Sobre sua avó por parte de mãe não tem recordações.
O pai de João Pedro sempre foi mecânico de máquinas da área têxtil, já
trabalhou em várias empresas da cidade e quando criança seu pai trabalhava com o
avô “plantando” como diz João Pedro. Sua mãe trabalhava em um supermercado,
mas quando ficou grávida acabou saindo do emprego para cuidar dele.
Quando criança os pais o levavam no zoobotânico e em museus. Lembra-se
desta época e diz que os pais não o prendiam em casa, “estavam sempre
passeando”. Quando criança gostava de jogar vídeo game, andar de bicicleta e
brincar com seu primo. Quando foi a primeira vez para a escola diz que apesar de
ser na frente de casa chorava muito, pois tinha muita saudade de sua mãe. Lembra
também que um dia foi trocado de sala e que mudou a professora, João Pedro
chorou e pediu para voltar para a sala anterior, seu pedido foi atendido e parou de
chorar. João Pedro sempre foi um bom aluno, diz ser tranquilo, ter boas notas,
gostava muito de ir à escola. Como era na frente da casa passava as tardes na
escola jogando ping pong com o professor de Educação Física. Diz que depois de
“grande” por vezes tinha vontade de faltar a escola, mas não fazia pois, sabia que
era importante para seu futuro. Conta que desde criança acompanha o trabalho do
pai. Quando era pequeno seu pai comprou um maquinário têxtil para fazer a
manutenção em casa, então ele começou a ensinar João Pedro a lidar com o
maquinário, realizar a manutenção, e ele gostou muito de aprender. Assim, não foi
por acaso que seu primeiro emprego como jovem aprendiz em outra instituição de
aprendizagem foi em uma empresa têxtil da cidade. Quando foi fazer a entrevista de
emprego, disse que tinha interesse pela área manutenção de máquinas têxteis e
acabou sendo aprovado para trabalhar em uma grande empresa deste ramo. João
Pedro gostava de trabalhar, diz que estava aprendendo outras coisas além da
105
manutenção, mas como houve alguns problemas familiares precisou sair do
emprego. Relata que esta foi uma experiência que nunca ira esquecer.
No trabalho de jovem aprendiz que está desenvolvendo atualmente sua
função não tem relação direta com máquinas e nem com a área têxtil, trabalha na
área de administração da logística em uma empresa que realiza o comércio e
distribuição de aço para indústrias.
Quando conversamos sobre o que mais gosta de fazer o jovem responde:
trabalhar. Na época de nossa conversa estava aguardando abrir um curso técnico
em mecânica automotiva pelo PRONATEC (Programa Nacional de Acesso ao
Ensino Técnico e Emprego). Depois de fazer técnico pensa em fazer faculdade de
Engenharia Mecânica, diz que o pai e a mãe o apoiam. João Pedro foi bastante
incentivado pelos pais para começar a trabalhar, diz gostar do trabalho. Ele sente
falta de estar mais com a família, mas devido sua rotina de trabalho e seus
compromissos escolares acaba ficando pouco tempo com eles. O Jovem percebe
que o curso de aprendizagem tem o ajudado no seu dia a dia na empresa e conta
que gosta de participar. João Pedro também relata que sabe que a empresa está
investindo nele ao pagar o curso, e precisa valorizar esta ação. Conta que está
namorando e sua namorada estuda no mesmo colégio. Narrou ainda que tem um
irmão mais novo com nove anos.
3.1.4 Arthur
Arthur nasceu em 29 de agosto de 1998 e no dia do nosso encontro tinha 16
anos. Arthur é descente de alemães, seu bisavô veio da Alemanha no período da
guerra, e ainda está vivo. Apesar disso, sabe muito pouco sobre a origem da família,
tanto paterna, mas principalmente materna. Seu pai trabalhava na roça e com 21
anos decidiu vir para a cidade, foi trabalhar como motorista na única companhia de
transporte coletivo de Joinville. Arthur nunca conversou com seu pai sobre a infância
e não sabe por qual motivo ele saiu do meio rural para o urbano. A hipótese do
jovem é que trabalhar na roça é muito pesado e foi por isso que seu pai decidiu se
mudar para a cidade. Já a família da mãe tem a cultura de trabalhar em
investimento de imóveis, seus avós possuem casas para alugar. Seguindo os
passos empreendedores da família de origem, sua mãe decidiu montar uma
empresa de desentupidora e logo depois seu pai resolveu trabalhar na empresa
106
familiar. Arthur tem um irmão mais novo com cinco anos de idade. Quando criança,
Arthur gostava de brincar de “pega a pega” com seus primos, para ele “primos são
os primeiros amigos”. Conta que sempre teve amigos na escola, e sempre gostou da
área de exatas desde pequeno. Matemática, química e física são suas matérias
preferidas até hoje. Arthur faz curso técnico de em eletrônica no IFSC (Instituto
Federal de Santa Catarina), trabalha pela manhã como jovem aprendiz, a tarde
cursa o último ano do Ensino Médio e a noite faz o Técnico.
Trabalha no almoxarifado de uma empresa de pavimentação, não gosta muito
do que faz, mas não sabe ainda exatamente o que quer seguir de profissão. Arthur
cita várias profissões que “anda pensando”. No início da conversa disse que está em
dúvida entre Engenharia Sanitária ou Elétrica, mas até o final do nosso encontro cita
outras tantas áreas de atuação como Economia, Engenharia Mecânica, Engenharia
Química e até Medicina. Antes de trabalhar como jovem aprendiz, Arthur estava
trabalhando na empresa da família. Esta experiência o fez pensar em fazer
faculdade de Engenharia Sanitária, pois, assim, poderia continuar com os negócios
da família e por já ter certa experiência seria um caminho interessante na visão dele.
Diz que prefere trabalhar com o pai do que na empresa que está, uma vez que na
empresa de pavimentação há bastante cobrança, horário a ser cumprido e com o pai
ele possui mais liberdade, trabalhava quando tinha serviço, fazia seu próprio horário.
Projeta para o futuro ingressar na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina)
por ser uma faculdade pública e entender que o ensino é melhor que a privada.
Outro fator que o leva a pensar em fazer UFSC é por ser em Florianópolis, Arthur
gosta muito de surfar e gostaria de morar na praia. Arthur iniciou no programa, pois
afirma ter uma experiência que não fosse na empresa da família, além disso,
gostaria de ter a carteira assinada, ganhar um salário fixo e independência
financeira.
Sobre o curso de aprendizagem, Arthur afirma ter interesse em algumas
atividades. Apesar de gostar da área de “exatas” e assim ter afinidade com
“números”, aprecia as atividades do curso que desenvolvam a sua comunicação,
como por exemplo, apresentar trabalhos ou expor ideias a respeito de um tema
específico. O que Arthur não gosta no curso é quando precisa fazer dramatizações
através de peças de teatro por exemplo. Arthur almeja encontrar uma profissão que
goste muito. Para ele o trabalho é uma atividade penosa e se decidir por uma
profissão que não gosta acredita que não irá conseguir aguentar trabalhar. Gostaria
107
de tocar seu próprio negocio no futuro, ao mesmo tempo em que percebe que há um
lado positivo de ser empregado. O jovem percebe Joinville como uma cidade com
grandes oportunidades de emprego. Diz pensar 70% do seu tempo no futuro e 0%
no passado.
3.1.5 Ana Júlia
Ana Júlia nasceu em 15 de abril de 1999 e tem 16 anos. Seu pai é natural de
Curitiba e sua mãe de São Paulo. Conheceram-se em Curitiba e decidiram virar
missionários através da igreja. Casaram-se e foram para o Recife viver a vida de
missionários, lá tiveram o irmão de Ana Júlia. Depois a família mudou-se para o Rio
Grande do Sul onde Ana Júlia nasceu. No período em que moraram no Rio de
Grande do Sul, seus pais tornaram-se pastores e Ana Júlia comenta que precisavam
fixar raízes em algum lugar que tivesse oportunidades, que tivesse emprego, e como
seu pai já havia morado em Joinville, resolveram fixar suas raízes nesta cidade.
Os pais de Ana Júlia são formados em Teologia e sua mãe está cursando
Psicologia. Seu pai iniciou a faculdade de Serviço Social, mas precisou trancar. No
momento a mãe é pastora na igreja e o pai trabalha como vendedor de uma
empresa de esquadrias. Para Ana Júlia sua família está construindo sua história em
Joinville, pois, a cidade tem oportunizado várias possibilidades, como seu irmão, por
exemplo, que está fazendo técnico em mecatrônica, chance esta que não teria no
Rio Grande do Sul. Quando Ana Júlia e sua família mudaram-se para Joinville
moraram por 02 anos de favor na casa de um grande amigo do seu pai. Conta que
foi um período prazeroso e que tem boas recordações. Quando a família estava
estabelecida financeiramente, passaram para a casa a qual residem até hoje.
Sobre os avós, a avó materna era dona de casa e teve sete filhos, sendo que
a mãe de Ana Júlia é a última filha do casal. Seu avô trabalhava como mecânico de
ônibus na Volkswagem. O avô paterno era mecânico de “borracharia” e a avó
materna sempre fez doces para vender nas fábricas. Até hoje ela faz doces. Ana
Júlia conta que seu pai gosta muito de ajudar as pessoas e se identifica com este
jeito, querendo também seguir uma profissão que ajude as pessoas. Ana Júlia é
muito ativa na igreja, participa do grupo de jovens e é vice coordenadora do “grupo
pequeno” além de coordenar o grupo de dança. Para ela não é um problema ter
108
várias atividades, diz que desde pequena sempre foi cheia de afazeres, sempre
envolvida com a igreja e de certo modo com o trabalho dos pais.
Ana Júlia programa seu dia a dia para conseguir organizar em suas
atividades. Trabalha pela manhã, estuda a tarde e a noite tem o ensaio do grupo de
dança. Aos finais de semana ela está envolvida com as atividades na igreja e
procura deixar um tempo no domingo para ficar com a família. Para Ana Júlia ficar
com a família é muito importante.
Desde que começou a ser jovem aprendiz, Ana Júlia tem enfrentado grande
preocupação com as notas na escola. Desde criança sempre estuda para tirar “dez”
nas provas, e quando iniciou no programa jovem aprendiz, devido às diversas
mudanças, suas notas decaíram. Sua mãe tenta acalentar dizendo que Ana Júlia
não precisa tirar notas máximas e ela está tentando aceitar que precisa de notas
para passar de ano. Ana Júlia ama ir à escola. Desde pequena o ambiente escolar
é um local em que se sente bem. Não é por acaso que Ana Júlia decidiu que quer
ser professora, assim está juntando duas coisas que ama: ajudar ao próximo e a
sala de aula. Ana Júlia conta que sempre foi envolvida com arte. Participava de uma
oficina de percussão de lata ministrada pelo seu pai, fazia teatro e dança na igreja
desde pequena. Como plano para o futuro quer terminar o magistério (irá cursar o
terceiro ano no ano que vem) e depois fazer um curso em Belo Horizonte que
engloba teologia e dança. Após finalizar este curso irá voltar para Joinville para fazer
sua faculdade. Diz que não sabe ainda qual faculdade fazer, está em dúvida entre
história, matemática, pedagogia. Sabe que quer ser professora e diz que depois irá
decidir qual área irá se especializar.
Ana Júlia a todo o momento se refere à família, à igreja, à dança,e às suas
atividades, mas não comenta sobre o trabalho. Quando pergunto sobre diz que
aprendeu a gostar de seu trabalho, que esperava poder lidar mais com as pessoas e
que percebeu que trabalhar com recursos humanos é, na verdade, lidar com
processos e planilhas e não com pessoas. Apesar disso, reconhece que aprendeu a
se comunicar na empresa e através do curso de aprendizagem, a integrar com
diferentes pessoas, características estas que tem gostado de desenvolver e acredita
que serão úteis na sua profissão. Neste sentido explica que como trabalha com a
reclamação dos funcionários, acredita que quando for professora já estará
preparada para ouvir a reclamação dos pais de seus alunos. Além disso, a
109
experiência como jovem aprendiz fez com que ela precisasse organizar-se
financeiramente. Tem orgulho de poder ajudar a família e guardar seu dinheiro.
3.1.6 Antônio Carlos
Antônio Carlos tem vinte e dois anos e nasceu em sete de janeiro de 1991.
Mora com seu pai, mãe e irmã mais nova. Antônio Carlos conta que toda sua família
é de Joinville, inclusive seus avós por parte de mãe e pai. Quando criança gostava
de brincar de Lego, montava casa, carro, ficava sozinho brincando e não
incomodava sua mãe. Antônio Carlos tem uma irmã quatro anos mais nova e
geralmente brincava sozinho quando pequeno. Só começou a brincar com ela
quando cresceram. Quando ele tinha 14 anos e ela 10 brincavam juntos de “pega a
pega” na rua. Diz que sempre foi um bom aluno, tirava notas boas, mas não
estudava, gostava de prestar a atenção na aula e já era suficiente para conseguir as
notas. Antônio Carlos sempre gostou da área de exatas como Física, Química e
Matemática sempre foram as matérias preferidas.
Sobre ser jovem aprendiz, Antônio Carlos acha que é “meio velho” para ser
aprendiz e justifica dizendo que sua mãe não queria que ele trabalhasse antes de
terminar o Ensino Médio, então se considera um jovem “atrasado”, que começou a
trabalhar tarde. Sua família possui uma gráfica e Antônio Carlos trabalhou um tempo
com o pai, mas não gostou do ramo e de trabalhar com o pai, por isso, resolveu
fazer seu próprio caminho e procurar aquilo que ele gostava.
Conta que quando estava no Ensino Médio todos os amigos faziam curso
técnico, então resolveu também fazer, mas Antônio Carlos queira ser diferente, não
queria fazer administração ou mecânica como todos, optou por eletrônica mesmo
sem saber exatamente o que era. Após concluir o técnico e por consequência o
Ensino Médio, tentou trabalhar na área de eletrônica, contudo, não gostou. No
entanto, reconhece que foi trabalhando com eletrônica que descobriu o que queria
fazer: mecânica. Atualmente está fazendo tecnólogo em fabricação mecânica.
Além de sua paixão recém descoberta pela mecânica, Antônio Carlos por
muito tempo foi dedicado à música, tempo suficiente para ele cogitar a ideia de
seguir a carreira profissional na área. Mas acabou analisando a vida do músico,
percebeu que uma vida sem rotina, ou sem salário fixo que não era algo que o
agradava, decidiu que queria uma vida com estabilidade.
110
Antônio Carlos já trabalhou como efetivo em mais de três empresas.
Trabalhou em outros locais na busca de experiência na área que fez o técnico mas,
como relatado, acabou descobrindo que não gostava desta área.
Apesar de se achar “velho” olha o programa jovem aprendiz como uma
oportunidade em ser efetivado na empresa em que está trabalhando. Afirma que
procurou o programa porque viu a oportunidade de trabalhar na área que estava
fazendo faculdade e entende o aprendiz como um estágio. Sente-se bastante
valorizado e respeitado na empresa, relata que aprende a função como se fosse um
funcionário efetivo e que há grandes chances de ser efetivado. Ele aguarda esta
oportunidade e está se dedicando para que possa continuar na empresa.
3.1.7 Henrique
Henrique tinha 17 anos no momento do nosso encontro e nasceu no dia cinco
de outubro de 1997. Conta que sua família por parte de mãe veio da roça para
Joinville em busca de emprego. Sobre a origem de sua família, diz ter descendência
alemã e, que, inclusive, sua avó por parte de mãe só falava alemão até completar
dez anos. Por parte de pai lembra-se de ouvir histórias de que seu avô tinha
escravos e que inclusive foi uma escrava que cuidou de sua avó paterna quando ela
era criança e foi ela quem ensinou português para sua avó. Seus avós por parte de
mãe, depois que vieram para Joinville, trabalharam em uma grande fundição da
cidade. Seu pai trabalha na mesma fundição que seus avós trabalharam e sua mãe
em uma lotérica. Sua irmã mais velha de 21 anos também é jovem aprendiz pela
GERAR e trabalha como auxiliar administrativo em escritório de advocacia.
Henrique sempre gostou de brincar na rua com seus amigos e sua irmã,
achava chato brincar sozinho. Sempre gostou de esportes e começou a se dedicar
ao basquete até que virou jogador profissional e jogava no time da cidade. Jogou até
completar o Ensino Médio e resolveu seguir os estudos ao invés da carreira de
jogador. Conta que sua professora do colégio foi sua primeira paixão. Diz que
sempre foi agitado e falador, gostava da aula de educação física porque podia se
“mexer”, além disso, gostava de fazer cálculos de matemática. Diz que sempre foi
preguiçoso, não estudava para as provas, mas não tinha dificuldade, diz ser
111
preguiça mesmo. Acaba deixando para estudar no final do ano quando pegava
“exame”.
Atualmente está cursando o primeiro no de Engenharia Elétrica e diz que na
faculdade não pode ser preguiçoso, precisa estudar e até se cobra dizendo que
precisa se dedicar mais,
Jovem aprendiz é seu primeiro emprego, diz que gosta de trabalhar, mas
infelizmente é um “faz tudo” e acaba não aprendendo muito. Ele possui contato com
os outros engenheiros e percebe que é positivo entender a rotina da profissão que
irá seguir, mas, ao mesmo tempo, suas atividades na empresa são simples e não há
relação como a sua faculdade.
Sobre a escolha da faculdade Henrique comenta que sempre gostou de
eletricidade, achava interessante energia solar, por exemplo, ao mesmo tempo que
acredita que o ser humano sempre vai precisar de energia, motivo pelo qual ele
sempre terá área para trabalhar além de ser algo que “dá dinheiro”.
3.1.8 Alice
Alice tem 15 anos e nasceu no dia primeiro de fevereiro do ano 2000. Conta
já no início que mora com seu padrasto desde que tinha um ano e o considera “mais
pai” do que seu próprio pai. Alice tem três irmãos, dois por parte de pai e um por
parte de mãe, este úlitmo mora com ela e tem cinco meses. Antes de trabalhar era
responsável por cuidar de seu irmão, contudo, desde que iniciou como jovem
aprendiz não tem mais disponibilidade de cuidar dele e sente falta deste tempo.
Alice não tem muito contato com a família do pai e sabe mais sobre a história
de sua família do lado da mãe. Conta que seus avós nasceram em Florianópolis e
que trabalhavam na roça. Sua bisavó tem noventa anos e escuta dela o quanto
gostaria que seus filhos tivessem tido a oportunidade de estudar, no entanto, apenas
sua tia avó mais nova teve a oportunidade de finalizar os estudos. Sabe que devido
a necessidade de trabalhar, sua família não teve acesso a escola como sua “bisa”
gostaria. Já Alice começou a trabalhar com 15 anos por opção, fez seu cadastro em
sites de programas de aprendizagem, pois, tinha duas amigas que eram jovens
aprendizes. Demorou a ser chamada, até havia esquecido que havia realizado a
inscrição. Sua mãe não tinha interesse que Alice trabalhasse, dizia que ia ter que
112
trabalhar pelo resto da vida, deveria aproveitar esta fase sem trabalhar. Alice
conversou com sua mãe que seria bom ela trabalhar para comprar suas coisas.
Alice fez a entrevista e como levou um longo tempo para receber um retorno achou
que não havia passado. Em uma sexta-feira recebeu a ligação e ficou muito feliz. Ela
precisou mudar sua rotina, trocou o horário da escola e passou a trabalhar pela
manhã e estudar à tarde.
Sobre a escola Alice conta como foi a transição de troca de horário, sempre
estudou pela manhã, todas as suas amigas estavam neste período e foi uma grande
mudança ir para tarde. Diz que está se acostumando e que já fez amizade e vai indo
bem nas matérias. Conta que sempre gostou de ir à escola e sua matéria preferida
desde pequena é Educação Física.
Sobre sua infância o que mais lembra é que gostava de brincar na rua com os
vizinhos. Como planos para o futuro, está em duvida se faz Educação Física ou
Psicologia. Conta que quer fazer faculdade, pois, sua mãe não teve essa
oportunidade, teve ela com dezesseis anos e fala para Alice que ela vai ter essa
oportunidade. Conta que possui interesse em fazer intercâmbio e morar em Nova
York.
Comenta ainda que gosta de ir ao curso, que percebe que é uma
oportunidade de adquirir conhecimento e experiência. Trabalha na parte
administrativa de uma empresa de cordas que fica bem próximo a sua casa.
3.2 ANÁLISE E SELEÇÃO DAS CENAS DA VIDA
A vida se faz nas temporalidades. Narrar uma historia de vida é narrar no
presente as memórias passadas e as expectativas futuras. Quando falamos em um
discurso (auto) biográfico, por meio de uma narrativa de história de vida,
percebemos que há, quase que essencialmente, jogos de tempo. Temos
consciência que sempre haverá jogos de tempo. No presente, o sujeito lembra do
passado e é neste presente que também faz referências às suas expectativas de
futuro. É no passado que há experiência e no futuro que há expectativa, há um
vivido e um vir a ser que se tornam vivos por meio da consciência da narrativa.
Assim, as histórias de vida desses jovens são permeadas, a todo momento,
por temporalidades. Tentamos aqui, reconhecer a constituição subjetiva destes
sujeitos por meio de suas narrativas, o que narram sobre si diz sobre a sua maneira
113
de estar no mundo. E por assumirem um papel social de trabalhador, ou melhor, de
“jovem aprendiz”, a experiência de trabalho, como vivem hoje esta experiência e o
que esperam do futuro aparecem em suas falas.
Deparemos-nos na prática da pesquisa que tanto a história oral quanto a
(auto) biografia estiveram a serviço de maneira consistente e nos auxiliaram a tratar
a fonte e se tornaram ferramentas interessantes para flagrar a constituição subjetiva
dos jovens aprendizes. O sujeito, ao narrar sua vida no presente, expõe a
representação de si mesmo que é ancorada tanto na memória, quanto no mundo
objetivo a qual vivencia, ou seja, cultural e socialmente construído.
Uma das questões anteriormente já pontuadas diz respeito à “etapatização”
do desenvolvimento humano. Entendemos aqui a importância do desenvolvimento
biológico para constituição do desenvolvimento humano e também compreendemos
que a constituição subjetiva se dá inclusive por meio das experiências dos sujeitos
realizadas em seu contexto histórico e cultural. É relevante pontuar que há um
discurso científico que disponibiliza a caracterização dos ciclos de vida e que servem
de base para a própria constituição do sujeito. Ou seja, determinada cultura
organiza, entre outros, as “etapas da vida”. Conhecemos nesta cultura: infância,
juventude, a idade adulta e a velhice. Estas etapas são compreendidas como
universais e passagens obrigatórias. Nesta perspectiva, todos os jovens serão
conhecidos por suas características biológicas e chamados de “adolescentes”, bem
como por suas características de “personalidade” e muitas vezes reconhecido como
“aborrecentes”, aqueles que “aborrecem”.
Sofia mesmo sem consciência corrobora com a visão de “etapatização”
quando fala sobre a dúvida em escolher uma profissão. Diz ela: “acho que eu posso
mudar né porque adolescente muda toda hora assim”.
Quando falamos, por exemplo, que Isabela “apesar de seus 15 anos”
apresenta falas de uma vida madura e com caminhos decididos, usamos as aspas,
pois, nós autoras deste texto também somos parte desta cultura e compartilhamos
de uma vivência ancorada nos ciclos de vida. Por nossa constituição no mesmo
“mundo” temos internalizado que nesta etapa da vida uma menina de “apenas 15
anos” não demonstraria tanta maturidade, por exemplo. O que queremos esclarecer
aqui é que nós pesquisadoras vivemos no mundo dos jovens entrevistados, também
estamos em uma sociedade que organiza as etapas da vida e, então, 15 anos seria
uma idade com determinadas características. Como pesquisadoras, nos colocamos
114
no lugar de quem tem consciência desta “etapatização” e podemos olhá-lo por um
outro viés. Entendemos que apesar de algumas características se repetirem não há
um jeito estanque de ser no mundo.
De fato, ao narrar suas histórias de vida, os jovens aprendizes utilizam como
base o discurso construído em sua cultura, ou seja, denominam-se como
“adolescentes”. No entanto, neste discurso “normal” ou ordinário há também pontos
que entendemos aqui como “extraordinários”. O normal se torna extraordinário
quando escutamos as narrativas e percebemos que muitos destes adolescentes
possuem na verdade outras “características”. Podem apresentar comportamentos de
outra etapa da vida, pensamentos, reflexões e ações que não se esperam para este
“momento do ciclo”, evidenciando assim nossa crítica aos ciclos de vida.
É na prática da pesquisa e, assim, no contato com estes jovens que
percebemos a singularidade e complexidade em que há em um relato (auto)
biográfico. Vai além dos discursos que internalizamos no cotidiano, a narrativa da
vida pode ir além das normatizações e é nas entrelinhas, no extraordinário, que
emerge o sujeito.
3.2.1 Cena 1: O passado presente dos genitores: uma construção do ser hoje e
uma expectativa do amanhã
O trabalho dos genitores aparece na fala dos jovens e este discurso parece
fazer parte de suas próprias constituições no presente. O trabalho de músico do pai
de Isabela tem relação com sua participação na banda da igreja e sua sensibilidade
para a escrita. A escolha de Ana Júlia por uma profissão que possa, como seus pais,
ajudar as pessoas. Arthur, assim como os pais, quer trabalhar de forma autônoma,
ter seu próprio negócio. João Pedro, por sua vez, quer seguir os passos do pai
trabalhando como mecânico de máquinas, Alice apreciava desde pequena a mãe
indo à academia, gostava de acompanhá-la e diz ter interesse em fazer faculdade de
Educação Física. Sofia trabalha na mesma empresa que a mãe e tem orgulho por
estar em uma “empresa grande” na qual a mãe trabalha há mais de 20 anos.
Antônio Carlos, com a experiência de ter trabalhado com o pai, percebe que quer
justamente ser diferente; preferiu procurar o seu caminho já que a maneira como o
pai lida com os prazos da gráfica da família não está de acordo com o que Antônio
115
acredita ser certo. A maneira como se identifica com o pai é se diferenciando.
Henrique experimentou viver uma vida confortável até o pai perder o emprego e a
mãe ter de voltar a trabalhar. Com esta experiência e com os conselhos do pai,
resolveu fazer uma faculdade que não fosse “generalista” como a Administração,
curso em que seu pai é formado. Foi então fazer Engenharia Elétrica. A engenharia
pode oferecer status quanto uma maior remuneração, segunda a visão do jovem.
Henrique: Não, sempre falaram para eu fazer o que eu quero, mas fazer algo que
fosse bom que não seja ruim como administração, meu pai tem administração e até
hoje nunca conseguiu trabalhar na área, porque tem muita gente e são poucos que
ganham bem, já engenharia não, não sei dizer certinho quanto ganha, mas se pelo
menos atuar como engenheiro já é melhor, não vai ganhar como uma pessoa que
faz administração, são vários pontos.
A narrativa também pode ser entendida como uma forma de conservar a
experiência como apontam Oliveira, Rego e Aquino (2006)
[...] a disposição de narrar é inerente à condição humana e está ligada à necessidade de conservar a experiência, imprimir ordem, estabelecer continuidade, sentido e coerência à própria existência, conferindo-lhe a sensação de controle, principalmente sobre o futuro (OLIVEIRA; REGO; AQUINO, 2006, p.127).
Ao narrar sobre a importância do trabalho, o discurso permuta gerações
imprimindo ordem, segurança e controle, dando continuidade ao que é feito. Este
controle é para o futuro. Por isso nas narrativas percebemos que a partir das
experiências de trabalho há uma projeção para o futuro.
Além disso, os passados profissionais dos antepassados dos jovens
aparecem em suas falas e nos dão a pista de que estas experiências, de certo
modo, constituem estes sujeitos hoje. Os jovens falam do avô que foi mecânico,
trabalhou na roça, avó dona de casa, cozinheira, operador de máquina, autônomo
entre tantas outras profissões. A “roça” aparece como elemento constante nas falas.
O passado da família é referenciado com uma ligação com o meio rural, o avô que
veio da roça para a cidade. Este lugar de roça é dito como lugar de muito trabalho
“pesado”, a cidade aparece como elemento que melhora a vida, é na cidade que se
encontrou oportunidade de ter uma vida menos pesada.
116
Arthur: Por parte de pai acho que eles trabalhavam sempre de agricultura, plantação
de arroz essas coisas, agora são aposentados [...] Meu pai trabalhou lá até os 21
anos com o meu avô, depois ele saiu. [...] Mais ou menos, porque é complicado
trabalhar na roça, sol quente deve ser ruim, não é?
Henrique: Por parte de mãe acho que foi por emprego, porque lá era roça e eles
queriam trabalhar em empresas [...] É porque antes se trabalhava muito na roça,
agora não sei se é cafezal ou fumo, aí eles ficavam um bom tempo na roça.
Alice: É, minha avó chegou a concluir a escola, tem tias minhas que não chegaram a
concluir a quarta série, porque tramalhavam na roça.
Este passado constitui, vinculado ao trabalho, a vida desses jovens. Seus
antepassados abriram caminhos diversos, e hoje os adolescentes tem a opção de
escolher que caminhos querem trilhar. Alguns estão decididos como Isabela que
apesar de trabalhar em um emprego que não se identifica, tira o máximo de proveito
da experiência pensando que será útil no futuro para fazer o que realmente gosta.
Isabela: Assim, depende do lugar que tu trabalha o trabalho não é trabalho, se torna
uma diversão, você vai lá porque você gosta. Não que eu não goste do que eu faço,
eu gosto apesar de não ser o lugar certo pra eu trabalhar. Tem que produzir e eu
gosto de falar, então não tem muito a ver.
Isabela tem certeza de que fará primeiro uma faculdade de Direito e depois de
Psicologia. Não obstante, relata sua paixão pela música, pela escrita e pela
comunicação. São estes meios que utiliza para expressar sua vida, sua dificuldade
de relacionamento com o padrasto e seu zelo pela mãe e o irmão mais novo. Por
outro lado, Sofia já não sabe ao certo o que quer trilhar para o futuro. Diz ter
interesse em engenharia civil, mas ama os animais, está confusa, e seus pais dizem
que ela pode escolher o quer, mas precisa pensar bastante para não se arrepender.
Sobre escolher a profissão, todos jovens relatam que possuem esta liberdade.
Alguns querem escolher uma profissão que dê prazer, outros aquela que
proporciona prazer e ao mesmo tempo dinheiro, e outros parecem querer o status de
determinadas profissões. Para João Pedro e Arthur a profissão está relacionada com
os pais. João Pedro quer ser o que o pai foi e procura trabalhos na área para
adquirir experiência. Conta que quando era pequeno aprendeu com o pai a mexer
em máquinas, então, ao ir buscar vagas de jovem aprendiz, estava atento às
117
oportunidades que pudesse colocar em prática o que havia aprendido com o pai.
Teve a experiência em ser jovem aprendiz em uma empresa têxtil, diz ser uma
experiência que nunca irá esquecer. Sobre seguir a profissão do pai conta que ele
sempre o apoiou e que terá auxílio dele se seguir esta profissão. João Pedro
claramente está seguindo o caminho do pai, sente orgulho em dizer que fará desta
forma, para ele é muito importante agradar a família.
Arthur já pensa em ajudar a empresa de seus pais, fazer uma faculdade que
tenha relação com o negócio da família. Antônio Carlos é aprendiz mais velho, e
experimentou o mercado de trabalho para poder escolher o que quer. Henrique
baseou-se no pai para escolher sua profissão. O que percebemos é que a história
da família, o passado profissional dos pais e o presente influenciam em suas
escolhas para o futuro. Parecem hoje olhar para trás e partir desta experiência para
pensar em caminhos futuros.
No entanto a diferença de poder escolher a profissão nem sempre é vista
como algo desejável. Por vezes, a insegurança e ansiedade estão “potencializadas”
que preferiam não ter escolha, como é no caso do Arthur:
Arthur Não, meu pai fala mais assim: Faz aquilo que você gosta. Eu ainda não sei
bem do que eu gosto o que é complicado as vezes até parece que é legal você já ter
um caminho guiado assim sabe.
3.2.2 Cena 2: É só abrir os olhos: a herança na narrativa, Joinville como uma
cidade de trabalhadores e oportunidades
A cidade de Joinville, assim como as histórias de vida, também se constitui
nos jogos de tempo. E nesta investigação, no passado, presente e futuro é
referenciada como uma cidade de oportunidades.
Nos relatosregistrados, Joinville é dita como um lugar almejado pelos
antepassados dos jovens, a vinda da família para a cidade é permeada pelas
oportunidades de emprego. As famílias dos aprendizes vieram de outros estados ou
cidades para Joinville devido às possibilidades de inserção no mercado de trabalho.
Arthur conta de sua descendência alemã e que seus antepassados possuíram
escravos.
118
A família de Henrique veio de Guaramirim para Joinville devido a
oportunidade de emprego, a do João Pedro veio de Florianópolis pelo mesmo
motivo. Os pais de Sofia saíram de sua cidade natal em busca de uma nova vida
em Joinville, a família de Ana Júlia escolheu Joinville para fixar suas raízes, pois,
seu pai já tinha trabalhado na cidade e sabia que aqui haveria oportunidades. Ana
Júlia relata que saiu do Rio Grande do Sul para Joinville:
Ana Júlia: Dai a gente ficou lá, até eu fazer, eu tinha oito anos quando, não, eu tinha
sete anos quando a gente saiu de lá, ai foi mais por conta de emprego e essas
coisas assim, mais questão profissional mesmo, dai a gente veio para cá, que dai
meu pai já tinha conhecido isso aqui, moro aqui quando era jovem, tipo, uns 20
anos, bem jovem, dai a gente veio para cá, dai aqui a gente se instalou desde 2007.
Hoje a cidade é vista como um lugar que ainda oportuniza vagas de emprego.
Neste sentido, Sofia conta que gosta de morar em Joinville por ser uma cidade
grande, diferente de Braço do Norte (cidade natal) e que é uma cidade de
oportunidades. Diz que Braço do Norte é cidade só para morar e não para se
desenvolver. Sobre o que quer dizer com “cidade de oportunidade” afirma:
Sofia: “ah de emprego, faculdade, porque tem bastante aqui. Essas coisas. Escola
também. Tem escola particular boa também. Acho importante”.
Fala que seus pais também percebem Joinville como uma cidade de
oportunidades, e que já pensaram em morar em outro local, mas, mas que não
teriam a mesma vida que possuem.
Sofia: “Minha mãe e meu pai assim falaram já né. Porque eles queriam se mudar e
falou que era pra, se eles se mudassem, porque meu pai vai se aposentar. Ai eles
iam lá pra Grã Pará, que é onde minha vó mora. Que também tipo é uma área rural
sabe? Ela mora no sítio e tudo. Ai eles falou que é pra gente ficar aqui porque aqui
tem mais oportunidades, porque lá a gente não vai conseguir a mesma coisa que a
gente tem aqui”.
119
Ana Júlia também comenta como no presente a cidade dá oportunidades para
a sua família construir sua história:
Ana Júlia: É, foi profissional, é que lá é uma cidade muito pequena, sabe, tipo, é não
tem faculdade, pessoal que vai fazer faculdade vai para outras cidades e tudo assim,
e dai como, eu e meu irmão éramos pequenos , não achamos tão difícil de a gente
se mudar , por que a gente ia criar raízes aqui mesmo, aqui é uma cidade que tem
mais oportunidades para a gente, como estudo, como profissional, tudo assim
inclusive meu irmão, fez técnico em mecatrônica, é uma coisa que lá, não ia ter essa
oportunidade, e ai a gente esta aqui, construindo nossa história aqui, a partir de
quando a gente veio para cá mesmo, lá foi tipo a infância, que por sinal foi muito
bom tenho boa lembranças de lá, ai a gente veio para cá em busca de crescer
mesmo.
Este crescer é uma expectativa de futuro, e nesta expectativa não há lugar
nas falas para pensar sobre como será daqui a alguns anos. Será Joinville sempre
uma cidade de oportunidades? Percebemos que para os jovens já há um “lugar”
garantido, não precisam depositar energia pensando em mudar para outra cidade ou
refletindo se aqui será um local de oportunidade. Em nenhum momento falam que
não conseguirão emprego ou que será difícil a inserção no mercado de trabalho
quando forem adultos. Esta herança do trabalho é um conforto aos jovens, não
apresentam medo de não ter emprego, só há receio de não saber escolher o que
querem profissionalmente. Joinville parece ser um lugar de tantas oportunidades que
não há espaço para pensar diferente. Os jovens aprendizes não indagam se haverá
emprego, a resposta já está dada há mais de cem anos, aqui é o lugar do trabalho e
das oportunidades.
Sobre as oportunidades de emprego João Pedro comenta que sempre há
vagas, só não trabalha quem não quer:
João Pedro: Eu acho que sim, porque se você for ver quem tem interesse sempre
consegue uma vaga, eu vejo nos jornais nos RHs tem bastante vaga por ai então só
não trabalha mesmo quem não quer, porque oportunidade tem bastante.
120
A jovem Alice, ao navegar na internet, percebe que Joinville é a cidade de
Santa Catarina que mais divulga vagas e que, apesar da crise, acredita que não
faltam oportunidades:
Alice: Ah, quando eu decidi que queria trabalhar né? Eu até comecei a olhar em
alguns sites ai sempre aparecia as cidades para escolher e a que sempre tinha mais
trabalho era Joinville então eu acho que Joinville não tem muito o que reclamar
mesmo com a crise tem gente sendo contratado outros sendo despedidos também
né? Mas acho que oportunidade não falta comparada às outras cidades de Santa
Catarina, pelo o que eu sempre olhei oportunidades que tem é sempre aqui eu acho.
Já Arthur acredita que há oportunidades para todos, é preciso abrir os olhos e
procurar:
Arthur: Aqui em Joinville, pode acontecer só que eu acho que tem muita
oportunidade em Joinville, porque geralmente vem pra trabalhar na produção, eu
vejo bastante gente que não aceitaria trabalhar na produção, que quer escolher
emprego, até um amigo meu do técnico quer escolher, eu falo pra ele ficar com o
emprego se estabilizar e depois escolher um emprego melhor, não ficar escolhendo
assim. Sim, tem muitas chances. Até os haitianos eu estava vendo, até eles vem pra
cá sem dinheiro nenhum, quase passando fome, vem aqui trabalham e fazem
graduação. Então oportunidade tem, a pessoa só precisa abrir os olhos e procurar.
A fala de Arthur nos remete a duas situações: uma que diz respeito a não
possibilidade de escolha do jovem perante o mercado de trabalho e a outra em
relação à responsabilização da empregabilidade. Não há reflexão a respeito do
contexto social. Aqui a empregabilidade aparece como responsabilidade apenas do
sujeito.
Segundo o relatório da OIT (Organização internacional do Trabalho) “Trabalho
Decente e Juventude no Brasil”, produzido em 2009, o emprego formal é menos
acessível ao jovem, tendo este pouca ou até nenhuma escolha quanto ao tipo de
trabalho que irá realizar. Este panorama aumenta o número de jovens trabalhando
na informalidade. Os altos índices de desemprego juvenil é uma realidade
enfrentada a nível mundial conforme as informações da OIT. É o que percebemos
121
na fala do Arthur o qual diz que é preciso aceitar o que “aparece” para não ficar sem
emprego.
A fala de Henrique é elucidativa no que se refere às opções de emprego aos
jovens:
Henrique: Ah, acaba achando assim mesmo sendo emprego mais simples, como
garçom, um negócio assim para trabalhar só meio dia ou uma noite. Então, tem
emprego, com vinte quatro anos está fazendo faculdade normalmente ou está
trabalhando na produção, não tem muita opção.
A respeito da responsabilidade perante a empregabilidade, é importante
lembrarmos que a lógica do trabalho dissemina a ideia de que tanto o sucesso
quanto o fracasso do indivíduo é apenas de sua própria responsabilidade, somando-
se a real conjuntura das políticas sociais, encontra-se um cenário onde faltam
orientações que auxiliem os jovens nas suas escolhas e possibilitem um olhar amplo
acerca das possibilidades (MAIA; MANCEBO, 2010).
Nessa direção, cabe trazer a problematização que Bock (1999) propõe acerca
dos preceitos da ideologia positivista. Tal raciocínio coloca o empenho próprio do
homem como meio para desenvolver o potencial contido em sua natureza. Para isto,
o personagem histórico alemão Barão de Munchhausen ilustra esta reflexão, pois,
ao se perceber afundado, puxa seu cavalo e a ele mesmo por meio de seus próprios
cabelos para fora do brejo. Isto traz à tona a ideia de um homem capaz de resgatar
a si mesmo pelos próprios esforços, independente de qualquer condição, onde “os
determinantes exteriores, ou seja, a determinação social do pensamento, parecem
ficar eliminados pelo esforço e pela vontade” (BOCK, 1999, p. 12).
O entendimento que é preciso “pegar o que aparece” e “se você quer
consegue” não está contido somente na fala dos aprendizes. O discurso do
Programa “Aprendiz Legal” é também recheado da visão de que são poucas as
oportunidades e que por isso não há direito de escolher, quem quer trabalhar aceita
“qualquer oportunidade” dentro no programa de aprendizagem e quem “realmente
quer trabalhar se esforça”. Estas aspas denotam o discurso ouvido pela experiência
de estar tanto como pesquisadora quanto agente participante do programa. Temos
ciência que as oportunidades em um programa de aprendizagem são oportunidades
de trabalho formal, fato que infelizmente não garante um trabalho descente
122
conforme preconiza a OIT. A fragilidade da Lei da Aprendizagem e a falta de
fiscalização acabam por não garantir a inserção em um trabalho que respeite a
situação de pessoa em desenvolvimento conforme previsto no ECA (Estatuto da
Criança e do Adolescente). Esta fragilidade é apontada também no trabalho de Rosa
(2015) ao entrevistar jovens egressos do programa de aprendizagem.
O jovem não possui a oportunidade em escolher uma área específica para
trabalhar, este fato ocorre devido ao número pequeno de vagas em relação ao
montante de jovens interessados. Assim, são convocados para as entrevistas e se
tiverem “sorte” serão selecionados.
A hipótese é que este “modo de funcionar” acaba por trazer jovens que de
início atraídos pelo consumo, entre outros desejos, “brilham os olhos” para o
emprego e que depois de experimentarem o dia a dia acabam frustrados por
trabalhar em áreas que nunca almejaram ou que percebem não ter relação com o
seu jeito de ser, como no caso da Isabela. Retomando a discussão anterior, ao se
cadastrar, o jovem não escolhe para qual vaga quer ser chamado, irá para aquela
que surgir e ainda deve sentir-se privilegiado por fazer parte do programa, afinal, há
poucas vagas e poucos jovens possuem a oportunidade.
Assim Isabela, Henrique, Arthur e Ana Júlia, por exemplo, não estão
satisfeitos em seus trabalhos. Alguns deles concebem a aprendizagem como um
trampolim de experiência, outros, já não fazem esta relação e não sabem explicar ao
certo porque continuam no programa. Isabela e Ana Júlia possuem uma clara
relação de que apesar de não gostarem do que fazem, o emprego trará experiências
importantes para seus horizontes de expectativas. Ao contrário de Arthur e Henrique
que não vislumbram de tal forma.
Ana Júlia comenta que achou a “luz” e conseguiu vincular um sentido do seu
trabalho atual para a sua profissão futura (professora):
Ana Júlia: [...] por mais que seja diferente tem alguma coisa que dá pra vincular, daí
eu achei a luz no fim do túnel e mais uma coisa que tem me motivado bastante
sabe, me dedico muito a resolver alguns problemas no trabalho, conversar com as
pessoas e tal pra já criar uma experiência. E eu penso assim que se eu entrasse de
cara numa creche ou numa escola assim, eu não saberia lidar com pai estressado,
com as crianças é fácil de lidar, mas pai estressado eu não ia saber lida. Agora eu já
tenho uma ideia já trabalho com adultos, já vou saber mais ou menos como lidar
pelo menos o principio eu já sei, já tenho uma ideia agora né?
123
Já Antônio Carlos possui outra visão, não percebendo Joinville como um
mercado de muitas oportunidades. A história de Antônio Carlos é de alguém que já
teve vivências fora do programa de aprendizagem, já esteve “perdido”
profissionalmente e já teve a experiência de ficar sem emprego:
Antônio Carlos: Eu acho que é bem difícil entrar no mercado de trabalho hoje, pra
quem não tem muita experiência e não sabe o que quer fazer. Que nem eu, entrar e
fica três meses na empresa e sair, suja carteira, suja currículo, mas pra produção
está cheio de vaga e tem muito jovem trabalhando em produção. [...] Que nem eu
digamos assim, de trabalhar ter minhas coisas e me projetar é bem complicado se
eu não soubesse hoje onde eu quero ir, se não tivesse estudando, seria bem difícil.
Hoje em dia eu já acho que foi e se eu não tivesse nessa empresa com essa
oportunidade, acho que seria bem complicado é difícil na verdade por causa da
necessidade, acho que as empresas tinham que pegar as pessoas para ensinar ser
estagiário e aprender e produção para fazer o serviço, porque elas precisam de
resultado elas precisam produzir, é bem difícil.
Antônio Carlos já percebe o mundo do trabalho de forma diferente. A inserção
neste mundo não é tão fácil e tem em sua história de vida a experiência de que a
escolaridade influencia na contratação. Relata de situações onde presenciou
pessoas sendo inferiorizadas devido a escolaridade ou não conseguindo emprego.
Além disso, viveu momentos em que foi discriminado por não ter experiência
comprovada através da Carteira de Trabalho e de observar colegas de trabalho
submetidos a situações vexatórias e que não respondiam a elas com medo de
perder o emprego. Ademais, o jovem percebe que quando não se sabe exatamente
o que seguir há maior dificuldade de conseguir um emprego. Para ele é preciso foco
em uma carreira, se não os jovens terão que seguir trabalhando somente na
produção, área, que segundo ele possui mais possibilidades de trabalho.
3.2.3 Cena 3: As etiquetas brilham aos olhos dos jovens: o trabalho como
acesso ao consumo
A escolha pela inserção em um programa de aprendizagem é referenciada
pelos jovens por sentidos variados, no entanto, além do conhecimento e da
experiência que almejam, o pano de fundo se faz no acesso ao mundo do
124
consumidor. O programa de aprendizagem parece ser uma ponte entre o mundo do
trabalho e o mundo do consumo. Assim, ser aprendiz é ser um jovem que tem
acesso àquilo que os pais não puderam proporcionar.
A mãe de Alice não queria que ela trabalhasse, disse que mais tarde ela teria
que trabalhar a vida inteira e deveria agora somente estudar e curtir “esta fase”. Mas
Alice tinha o desejo de consumir o que sua mãe não podia lhe dar, e a convenceu
dizendo que ela iria economizar nas contas da casa se ela trabalhasse. A relação
de Alice com o trabalho é claramente permeada pelo consumo, está trabalhando,
pois assim tem dinheiro, a empresa é perto de sua casa e não gasta seu dinheiro
com vale transporte, assim, há um excedente para guardar e poder realizar seu
sonho de viajar para fora do país.
Alice: Minha mãe não queria que eu trabalhasse, ela dizia “Aí, mas pra quê? Depois
vai ter que trabalhar a vida inteira.” Falei da economia que ela iria gastar menos
comigo, pensa só nós duas, é que minha mãe vai pro centro e compra pra nós duas.
Sofia, diferente de outros jovens como a própria Alice, por exemplo, não teve
a iniciativa de procurar trabalho. Foi sua mãe que falou que havia vagas de jovem
aprendiz na empresa onde trabalha e Sofia acabou participando do processo
seletivo. Apesar de não ter tido iniciativa, Sofia prontamente gostou da ideia, pois
trabalhando conseguiria conquistar independência, responsabilidade e poderia
comprar o que queria
Sofia: [...] é minha mãe assim. Ela sempre me motivou a trabalhar porque as vezes
tipo assim, ah eu olhava uma calça, olhava um tênis assim, ai eu falava pra minha
mãe “ah mãe, compra aquele tênis pra mim”, tipo, ai minha mãe falou “ah não posso,
agora não posso”. Ai eu resolvi tipo, que ficou colocando na minha cabeça né, que
eu tinha que começar a trabalhar, que se eu trabalhasse eu ia ganhar mais
responsabilidade, [...] e eu tinha certeza que eu ia ganhar mais confiança do meu pai
e da minha mãe né. Ai eu resolvi e comecei a trabalhar.
No entanto o maior triunfo de Sofia foi reconquistar a confiança dos pais e foi
o poder de compra que lhe conferiu esta possibilidade:
125
Sofia: Porque agora minha mãe, tipo antes ela não deixava eu sair pra nada
entendeu? Ficava na mesma. Ai agora, tipo se eu tô aqui no curso e eu falar pra
mãe “mãe vou ficar um pouquinho porque eu vou no Garten [Shopping da Cidade]
com o pessoal aqui pra comer alguma coisa, pra assistir um filme ela deixa. Ela fala
“ah, tá bom. Se tem dinheiro ai então vai”. Ai agora que eu tenho o meu dinheiro eu
posso pagar com o meu dinheiro. Porque a maioria das vezes ela não me deixava ir
por causa do dinheiro, entendeu? Ai agora é mais fácil.
Já Isabela planeja seu futuro com o salário que recebe, mas ao mesmo
tempo, este emprego não deixa de ser a possibilidade de acesso ao mundo do
consumo. Antônio Carlos entende que demorou em “acordar”. Como seus pais não o
obrigaram a trabalhar o jovem teve sua primeira experiência após formado no
Ensino Médio. Ao falar deste assunto contextualiza com sua situação, dizendo ser
de uma família humilde e que precisa batalhar pelo o que quer, mas um trabalho na
produção não irá alcançar o que almeja, precisa trabalhar em outra área para ter
acesso aos bens materiais. Para Antônio “acordar mais cedo para a vida” seria uma
forma de ter acesso antes ao mundo do consumo:
Antônio Carlos: Sim, mas dai eu já estava pensando assim “ Meu, produção não dá
dinheiro. Ninguém sobrevive de produção.” [...], eu estava dois anos namorando e
não tinha nada, não estava nem perto de ter alguma coisa, de ter a minha casa meu
carro que fosse, nem dinheiro pra casar, nem sabia o que queria fazer da vida,
chega uma hora que... [...] por isso que eu digo que eu precisava trabalhar mais
cedo, eu teria acordado mais cedo pra vida.
A respeito da relação da juventude com o consumo Gonçalves et al. (2008)
entendem que vivemos em uma sociedade onde há a cultura do consumo, e deste
modo, o investimento financeiro em determinados objetivos possuem valor
simbólico. Neste sentido, Costa (2004) observa que comprar é um ato econômico
com implicações sociais e que o poder de compra atende a necessidades
psicossociais.
Nunes complementa a respeito do “lugar” do consumo na vida dos jovens:
[...] o que consumimos é nossa marca visível e determina inclusive nosso lugar social. O gosto, que tende a se homogeneizar em faixas etárias, é adquirido pelos padrões culturais do meio familiar e do meio social mais amplo. Visto nessa perspectiva, e particularmente entre os jovens, o
126
acesso a bens socialmente valorizados tem peso na decisão de consumo (NUNES, 2007, p.664).
Ainda sobre a cultura de consumo, Silva (2008) aponta que este quadro
adquire contorno ainda mais dramático quando percebemos que estes jovens vivem
em uma sociedade onde socialmente são reconhecido pela capacidade de consumir.
A respeito das condições dadas aos jovens para assimilarem criticamente a cultura
do consumo, Silva (2008) refere:
Se podemos reconhecer como crescentes as pressões sofridas por eles para satisfazer necessidades e desejos forjados pela cultura do consumo, o mesmo não se pode dizer dos recursos (econômicos e simbólicos) que lhes são fornecidos para participarem efetivamente desta cultura ou para assimilá-la criticamente (SILVA, 2008, p. 11).
Outros jovens também referenciam o poder de compra como uma conquista
positiva após terem iniciado no trabalho. Rosa (2015), em pesquisa já referendada
anteriormente com egressos do Programa Jovem Aprendiz, percebe que os jovens
se inserem no mundo do trabalho para sanar o desejo de consumo, além disso,
destaca que roupas, tênis, etiquetas são emblemas que constituem a identidade do
jovem.
3.2.4 Cena 4: A escolha de ser “jovem aprendiz”: por experiência,
conhecimento e estratégia
Alguns jovens veem a aprendizagem como estratégia para alcançar um
objetivo a frente, como uma forma de atingir o horizonte de expectativa. Neste caso
o curso de aprendizagem é só um trampolim para alcançar o futuro. Antônio Carlos,
por exemplo, tem interesse em ser efetivado na empresa. Procurou a vaga de
aprendizagem como forma de ingressar em uma multinacional já que não conseguia
acesso através de uma contratação efetiva. Antônio Carlos inclusive na entrevista
chama de “estágio” a sua experiência. Confundindo-a com outra legislação, nos
mostra quão estratégica é sua escolha onde inserido na multinacional tem a chance
de mostrar seu potencial e ser efetivado. Já para Henrique o trampolim “jovem
aprendiz” é para driblar a dificuldade de conseguir emprego já que está em “idade de
batalhão”. Com 18 anos não consegue emprego, pois empresas não contratam
aqueles que “correm o risco” em servir o exército. Diante desta adversidade,
127
Henrique procura o Programa sabendo que esta cultura de não contratação não está
(ainda) imersa no mundo da aprendizagem. Isabela vê o Programa como uma forma
de adquirir experiência para seu currículo e guardar dinheiro para poder cursar a
faculdade, se posiciona de forma consciente e estratégica, sabe aonde quer chegar
e que caminho deve seguir. Ana Júlia entende que a experiência de jovem aprendiz
poderá ajudar a exercer sua futura profissão de professora. Sua estratégia é adquirir
experiência no “trato” com o adulto para depois colocar em prática em sua profissão,
relata na entrevista que esta será sua primeira e ultima experiência como jovem
aprendiz e como funcionário de uma indústria.
Abaixo segue a narrativa de Antônio Carlos a respeito de como “chegou” até o
programa e de qual era sua expectativa. Imagina que só teriam adolescentes e se
depara com outros jovens que também estavam cursando a faculdade. Já tinha
ouvido falar sobre o programa, mas entendia que era somente para adolescentes e
não para jovens como ele, percebeu outra realidade ao entrar na empresa:
Antônio Carlos: Não sei, na verdade estava precisando de emprego, eu vi o anúncio
da empresa e eu não conhecia a empresa, mandei o currículo sem muita esperança
também, ela ligou e eu pensei “Vou lá para ver como vai ser” [...] Quando eu conheci
a empresa, que eu vi que estava começando e ela disse que a chance de eu ser
efetivado era de noventa por cento. [...] quando eu cheguei na entrevista era para
ser quatro meninos um não foi, os outros todos estavam fazendo faculdade eu e
mais dois, pensei que quando eu chegasse lá teriam vários adolescentes.
Henrique comenta porque procurou o programa:
Henrique: Principal motivo é porque não conseguia emprego sem a licença do
exercito, eu tive que achar outro meio pra trabalhar, não estava conseguindo nada
então fui ser Menor aprendiz.
Arthur queria ter uma experiência “em carteira” e fora de casa já que só havia
trabalhado até então na empresa dos pais:
Arthur: Ah, ter o primeiro emprego registrado tudo certinho, acho que seria legal,
ganhar meu salário todo mês, ter uma independência financeira.
128
Além disso, estar no mundo do trabalho representa prestígio social,
rconhecimento pela família, amigos, colegas da escola como “trabalhadores”. As
falas denotam um desejo de passagem ao mundo adulto, desejo este que é
acessado pelo trabalho. Este anseio é intensificado ao entrarem no Programa de
Jovem Aprendiz, que reforça por intermédio do currículo a necessidade de serem
independentes, responsáveis, comprometidos e organizados, competências
necessárias para ali permanecer, para entrar e se estabelecer no mundo do trabalho
e típicas de um comportamento da idade adulta.
3.2.5 Cena 5: Aprendizagem teórica uma forma de “encher o currículo”
O curso aparece nas falas como um momento de trocar experiências e
aprenderem a se relacionar com as pessoas no mundo do trabalho. Os jovens
entrevistados acreditam que a experiência é válida, o que aprendem é possível
transpor para a prática no sentido de vivência, comportamento e relacionamento. A
questão de ter uma experiência teórica os remete à ascensão devido a escolaridade,
pois é através de cursos e dos estudos que terão acesso a uma vida melhor e a
obtenção de melhores empregos. A escola também é referenciada neste sentido,
entendem que estudando terão um futuro melhor, serão “alguém da vida”.
O currículo do curso é visto pelos jovens como um momento de debater as
relações sociais. Lembram que estudam sobre comunicação, postura, ética, o
relacionamento interpessoal estar e consideram importantes a assuntos, pois, ao
trabalhar estão lidando com adultos, e não com pessoas da mesma faixa etária
como é na escola.
Henrique: Sim, a parte do convívio. Porque na época do Ensino Médio e no Ensino
Fundamental todo mundo é meio parecido, tem pessoas da sua idade e a relação é
fácil, então agora muda porque querendo ou não tem pessoas mais velhas mais
experientes, porque é muito diferente, e você tem que saber lidar com aquilo não é a
mesma coisa que em casa, na rua você é de um jeito em casa você é de outro,
então na empresa é muito diferente, você aprende a lidar com as pessoas.
Isabela: [...] o modo de como temos que lidar com os chefes assim, você não pode chegar falando “ E aí chefe, tipo assim, pode crer?” não dá né? Então a gente aprende a como falar com o chefe com o tutor e com os funcionários dentro da
129
empresa, agora estamos no módulo básico então a gente aprende sobre o preconceito sobre o bullying, então a gente sabe lidar com várias coisas dentro da empresa.
Este discurso é o discurso do Programa de que “não adianta eu ser um bom
profissional técnico se eu não sei trabalhar com as pessoas”. E os jovens
reproduzem o discurso dizendo que é importante saber se relacionar, e que gostam
de trabalhar estas questões, acreditam que tem haver com a prática no dia a dia. O
curso é dito como espaço de ser crítico, de pensar e trocar experiência, fato que não
acontece no ambiente da empresa. Na aprendizagem prática os jovens não
possuem abertura para participar da reflexão dos processos, acabam por trabalhar
com funções operacionais, como nos contam Isabela que trabalha na produção de
uma empresa têxtil e Henrique que auxilia em tarefas básicas como alcançar
produtos aos engenheiros:
Henrique: É porque eu sempre tenho que fazer favor, [...] então ser menor aprendiz
acaba desvalorizando um pouco, não te levam tanto a sério.[...] : Chegou ao ponto
de pedirem pra mim comprar uma coxinha. A minha função acaba sendo esse
mesmo até por isso eu entendo o que eu faço, mas outras áreas você jovem
aprendiz fazendo porcaria nenhuma, quando vou no estoque sempre tem alguém
conversando.
Os jovens entram no programa para serem moldados ao mundo do trabalho,
este que preconiza por competências específicas. Há um discurso circulante na
aprendizagem teórica de que sua missão seria formar jovens críticos e que façam
novas visões de mundo. No entanto, a prática se dá apenas na sala de aula, não
ultrapassa as paredes, na empresa eles não tem a possibilidade de participar com
suas opiniões e de pensar sobre os processos, são meros executantes como
denotou a fala Henrique.
Todavia, para os jovens, estar em curso profissionalizante é estar no caminho
para alcançar melhores empregos, já que percebem a escolarização e a participação
em cursos como importantes para seu currículo profissional. Sofia acredita que irá
precisar do estudo para o futuro e Isabela lembra que irá colocar em seu currículo a
experiência e o curso da aprendizagem:
130
Sofia: estudo porque eu sei que vai ser para o meu futuro, que eu vou precisar muito
no futuro.
Isabela: [...] e também tem a questão do curso, um curso bom que é caro para fazer,
é uma coisa a mais para por no currículo, um curso a mais para por no currículo
então é uma coisa que vai me ajudar bastante, e também tenta guardar dinheiro
para fazer o que eu quero, está difícil.
Este discurso é uma narrativa curricular, a escola e o curso de aprendizagens
são hipoteticamente lugares de passagem e acesso a um mondo do trabalho não
precarizado. Infelizmente não é possível garantir que não haverá precarização do
trabalho haja vista que há uma tendência, apontada por Antunes (1999), de que haja
cada vez mais trabalhos em período parcial, por exemplo, ou contratos sem garantia
aos direitos trabalhistas. Dentro deste discurso se insere também o discurso da
aprendizagem, ele “pega carona” com o currículo da escola e em seu próprio
currículo, parece dizer “para se inserir no mundo do trabalho você também precisa
passar por aqui”. O programa de aprendizagem prega que ele é a porta de entrada
para o mundo do trabalho e que ao vivenciar teoria/prática jovem terá o essencial
para ser inserido no mundo do trabalho. E, além disso, com a conclusão do curso há
a promessa de que conseguirá um emprego melhor, este jovem está à frente dos
demais e terá maiores chances de inserção.
Entendemos que o mundo do trabalho é complexo, a flexibilização e a
precarização e a conjuntura atual acabam por não garantir o acesso ao trabalho
descente. O programa não pode garantir o que promete, a empregabilidade é um
fator que aprendizagem não consegue abarcar por completo, trata-se de uma
situação mais ampla e que necessita de outros aportes e iniciativas além da Lei da
Aprendizagem.
É um Programa que trabalha com expectativas, expectativa de ensinar ao
jovem como se comportar diante do mundo do trabalho que virá, projeta-se sempre
a um futuro provável e desejável. O currículo do programa diz ao jovem: “eu te
preparo agora para um futuro brilhante”, mas será que é assim mesmo? É só
participar da aprendizagem que o caminho está pronto? Sabemos que o caminho é
de pedras, o mundo do trabalho não quer mostrar sua “dureza”, então conquista o
jovem para ser aprendiz de algum ofício, mostra os benefícios de se trabalhar e
131
clama: “olha como é bom trabalhar, você compra suas coisas e ainda não precisa
depender dos seus pais”. É um discurso hipnotizante para uma juventude que se
identifica com o consumo e busca se diferenciar dos seus pais.
3.2.6 Cena 6: O Programa “Aprendiz Legal” como ponte para o futuro
O Programa de aprendizagem figura não somente um caminho para entrada
no mundo do trabalho, mas é visto como o único caminho possível. Sobre a
dificuldade em encontrar emprego, Isabela comenta que:
Isabela: Até porque você batendo de porta em porta por conta própria assim, eles
vão olhar e ficar meio assim, porque você não vai ter a preparação que um jovem
aprendiz que está em algum programa vai ter. A gente tem o curso e a empresa, o
aprendiz que procura por conta própria ele não vai ter o curso, então não vai estar
sendo preparado como os outros.
Percebemos aqui o fio que amarra a aprendizagem no mundo do trabalho, a
dificuldade de inserção é tanta, que aos olhos de Isabela esta seria a única saída
possível. Este discurso nos remete a um fator perverso ligado ao mundo do trabalho:
para entrar é preciso cumprir com algumas exigências, além de ter todas as
competências necessárias os jovens precisam passar por um curso de
aprendizagem, pois, sem este curso não estariam preparados. Ressaltamos que é
preciso esclarecer que os cursos de aprendizagem movimentam todo um mercado,
há organizações específicas e cadastradas pelo Ministério do Trabalho e Emprego
que ministraram esta formação.
Essa reflexão nos mostra o caminho alienador do discurso: para entrar no
jogo do mundo do trabalho, além de entrar na “partida” do mundo trabalho, o jovem
precisa jogar o jogo de um programa de aprendizagem. O Programa é que vai
preparar para o mundo do trabalho, o jovem não está pronto e nem apto, precisa do
programa para “ser alguém no mundo”. Assim o jovem parece estar alheio a si
mesmo, o que nos lembra o sentido de alienação trazido por Marx.
No sentido em que lhe é dado por Marx, [alienação é a] ação pela qual (ou estado no qual) um indivíduo, um grupo, uma instituição ou uma sociedade se tornam (ou permanecem) alheios, estranhos, enfim, alienados [1] aos resultados ou produtos de sua própria atividade (e à atividade ela mesma), e/ou [2] à natureza na qual vivem, e/ ou [3] a outros seres humanos, e – além de, através de, [1], [2] e [3] – também [4] a si mesmos (às suas
132
possibilidades humanas constituídas historicamente) (BOTTOMORE, 2012, p.6).
Isto posto, o jovem depende de um programa, sua relação é alienadora,
Isabela não percebe que pode conseguir emprego sozinha, para ela, conseguir
emprego em sua idade é só através do discurso de um programa de aprendizagem.
Ao tentar de forma solitária e não ser bem sucedida Isabela percebe que seus
esforços foram em vão, e ao conseguir emprego através do programa o discurso vira
realidade.
Há uma troca do mundo do trabalho com a aprendizagem. O mundo do
trabalho dá ao programa uma possibilidade de entrada um caminho de acesso, este
caminho é ofertado ao jovem por meio das mídias sociais - locais em que há grande
circulação de jovens - vendendo um discurso que diz “você pode trabalhar meio
período e ganhar (o que não irá atrapalhar na escola) um salário e, além disso, ter
um curso gratuito”. Bom, mas este caminho não é de graça, o mundo do trabalho
também fala: “eu ofereço o caminho, mas quem vai moldar o jovem até aqui é você
instituição de aprendizagem, baseado em meus princípios você moldará o jovem
perfeito, aquele que trabalha com eficiência e eficácia, que possui as competências
que desejo”. Além disso, proclama a partir da noção de herança do trabalho das
gerações anteriores que precisam ser herdadas e honradas: “você será tão
trabalhador como seu pai, seu avó, você dará sua vida para este mundo e em troca
você tem acesso ao mundo do consumo”. Com a promessa de que ser um bom
funcionário já garante a vitória no jogo, o jovem entra no mundo e poderá, caso a
visão não esteja “embaçada”, percebe que precisa dar mais, além de bom
funcionário, tem estudar, fazer hora extra e estar disponível para as necessidades
variadas deste mundo que tanto almejou,
Nesta fala de Isabela é possível perceber o quanto neste sentido está alheia,
não percebe que é produto do jogo:
Isabela: é assim o programa de jovem aprendiz ele é interessante porque desde
pequeno digamos assim adolescência, a pessoa vai sendo preparada para aquele
mercado de trabalho a empresa quer receber um bom funcionário futuramente ela
tem a oportunidade de fazer um bom funcionário e o adolescente jovem, tem a
oportunidade de ser um bom funcionário, então o programa ele proporciona isso
uma aprendizagem na função.
133
E continua:
Isabela: Interessante porque a gente vai sendo moldado pelas empresas para ser um bom funcionário futuramente, a gente vai sendo preparado pela instituição, no meu caso na GERAR, pra ingressar no mercado de trabalho. É uma forma mais fácil também de ingressar nesse mundo, porque eu vejo que o mercado de trabalho está muito concorrido muitas poucas vagas para pouca gente. Já o jovem aprendiz tem o privilégio de ter o espaço obrigatório dentro da empresa, ele é obrigada a ceder aquele espaço para o jovem aprendiz, então é bem mais fácil para a gente e como eu estava dizendo, podemos ser efetivados não vamos precisar correr tanto atrás só precisamos ser um bom funcionário e isso a gente já aprendeu a ser.
De fato o discurso que vivenciam no programa está expresso nas palavras de
Isabela, possuem o “privilégio” de estarem ali. Henrique,
3.2.7 Cena 7: O Programa para além do discurso
Inseridos em um discurso que enaltece a Lei da Aprendizagem os jovens não
percebem outras facetas existentes no cotidiano da aplicação da própria lei. A
maioria não identifica as fragilidades do programa, o discurso de ascensão que não
pode ser garantido, e a realidade de precarização do trabalho. No entanto, apesar
de imersa no discurso alienador referido anteriormente, ao longo da conversa
Isabela se dá conta que a Lei da Aprendizagem pode ser favorável para ela,
conseguirá juntar dinheiro para fazer sua faculdade, mas para, além disso, observa
também que a empresa lucra com este tipo de contratação:
Isabela: Eu acho, por que assim, se a pessoa demite um funcionário efetivo que
ganha um salário de mil e oitocentos e contrata dois aprendizes que ganham
trezentos e alguma coisa, e trabalham por aquele funcionário efetivo, vale bem mais
a pena pra empresa. Além de menos custo eu acho que não, é porque a empresa
gasta menos mesmo. Porque normalmente eu, por exemplo, não almoço na
empresa então com isso a empresa não se preocupa e também não ganha do meu
dinheiro, não pego vale transporte que também é uma coisa que a empresa não
pega do meu dinheiro, mas eu produzo para a empresa então acho que esse é o
maior lucro que a empresa tem com o menor aprendiz, o aprendiz faz o trabalho de
um efetivo.
A jovem assume uma posição crítica e demonstra ser consciente do que
acontece no seu entorno. Isso não a faz sair do programa, ter esta consciência não
134
a faz sair do jogo. A tensão é tratada pela jovem como uma realidade que assiste no
cotidiano, todos os dias na empresa percebe a vantagem de “ser” jovem aprendiz e
da empresa “ter” um jovem aprendiz.
3.2.8 Cena 8: Antes e depois da experiência no Programa “Aprendiz Legal”
A experiência no programa tem efeito na maneira como os jovens se colocam
no mundo, seu jeito de estar se modificou. Os jovens narram algumas mudanças
que concernem a maneira como lidam com os compromissos diários, a
responsabilidade em cumprir horários e organizar seu salário, por exemplo. Alguns
se referem ainda que melhoraram as notas na escola, estão mais sociáveis,
conseguem se expressar de maneira mais clara e se relacionar de maneira mais
harmoniosa. Ademais, possuem mais liberdade e independência. Sobre como se
percebia antes de entrar no programa e após sua inserção, Isabela comenta que
Isabela: Tinha pouca responsabilidade, não era muito ligada em horários, essas
coisas assim, fazia o que eu queria não o que tinha que fazer e ai eu aprendi se tem
horário, você tem que cumprir aquele horário e é uma responsabilidade tua cumprir
e que dentro de uma empresa tu não pode escolher o que você vai fazer, você tem
que fazer o que eles mandam tu fazer ou faz ou perde o emprego né? E ai eu mudei
assim, comecei também a ouvir a opinião das outras pessoas que eu detestava, não
gosto na verdade mas a aprendi a aceitar né? Porque ah eu vou fazer do meu jeito
isso daqui só que o meu jeito de repente está errado, aí vem alguém e me mostra o
jeito certo e aprendo. Aprendi a acatar as opiniões das outras pessoas e que as
outras pessoas me ensinam que antes eu não gostava, era o que eu falava estava
certo, era assim.
A passagem pelo programa acaba somando a maneira como se veem e se
colocam no mundo hoje, Isabela aprendeu a falar sua opinião e ouvir demais, como
referenciado anteriormente, desenvolveram diversas competências, como
comunicação, relacionamento interpessoal. Competências estas vistas como
positivas pela sociedade, é a partir do trabalho que conquistam um lugar, lugar
socialmente reconhecido.
135
Ao perceber seu lugar na sociedade, não somente como jovem, mas jovem
que trabalha, Alice coloca-se na condição de alguém que produz e que possui uma
ocupação, fato que é exemplificado ao contar a respeito de uma situação que
ocorreu em sua escola. Narra que em um dia na escola as aulas foram suspensas. A
diretora não deixou os alunos irem embora, precisariam esperar até o final do dia
para serem liberados. Alice fica indignada e desabafou a respeito do ocorrido: “eles
pensam que a gente não faz nada?” Alice quer dizer que ela tem uma ocupação e
um compromisso, ela trabalha e tem como provar a sociedade que está produzindo.
O lugar de alguém que produz dá a ela a condição de sujeito reconhecido na
sociedade. Alice se reconhece como sujeito a partir do momento que se vê como
produtora da sociedade. É produto desta, mas também a produz a partir do
momento que é inserido no mundo do trabalho.
3.2.9 Cena 9: A percepção das temporalidades
A maneira como os aprendizes entrevistados sentem as temporalidades é
singular. Alguns sentem-se imersos no “presente futuro”, é no momento presente
que traçam suas expectativas de futuro. O passado não é muito acessado, lembram
da histórias de suas família, das vivências passadas de seus genitores, mas não
estão fixos neste tempo, o tempo é no presente, é no presente que criam elo com o
futuro.
Sobre a percepção das temporalidades, Henrique manifesta que:
Henrique: Acho que no futuro uns quarenta por cento, hoje em dia você acaba
vivendo e não acaba pensando. Então, dez por cento para não deixar zerado, o hoje
em dia você vive, pensando o que você fez no passado no ontem ou no hoje de
manhã que já é passado.
Ao ser questionado a respeito se o passado possui relação com o futuro,
responde:
Henrique: Tem, mas você pode mudar né? Você pode mudar o que você fez no
passado, você não precisa repetir, ou repete para ter o mesmo êxito o futuro é muito
distante é difícil falar no futuro, porque você não sabe o que vai acontecer, você vai
tentar construir, mas não depende só de você, vai ter ocasiões e fatores que vai
mudar totalmente e não tem como fazer nada.
136
Percebemos aqui o entrelaçamento flagrado por Koselleck, ou seja, o
presente enlaça passado e futuro. Olhamos o passado com os olhos do presente, e
esperamos o futuro com este mesmo olhar, o entrelace ocorre ao mesmo momento,
as temporalidades que constituem nossas histórias de vida e são constituintes da
maneira como sou colocado no momento e como nele me coloco. Este enlace é feito
no presente.
Conforme Koselleck (2006) vivemos em uma crise do tempo histórico. Há um
achatamento no momento vivido, não há mais distância entre o que foi e o que será.
O Programa “Aprendiz Legal” se propõe a incluir jovens no mundo do trabalho, este
que é cada vez mais acelerado, atravessado por varias transformações históricas de
vários níveis e ordens. Assim como apontado por Antunes e Alves (2004) o mundo
do trabalho acabo por se constituir em um paradoxo, ao mesmo tempo em que há o
discurso de reestruturação do emprego, exigindo novas competências ao
trabalhador , ele fecha portas. E tudo ocorre de maneira muita rápida, achatado em
um presente. E as portas são fechadas principalmente aos jovens, visto os números
de desemprego informados pelo OIT.
Segundo o relatório sobre “Trabalho decente e juventude no Brasil”
concretizado pelo OIT e publicado em 2009, a taxa de desemprego dos jovens no
Brasil era de 17,8%, sendo, portanto, aproximadamente 3,2 vezes superior à dos
adultos e 2,1 vezes superior à taxa geral de desemprego. No entanto, o relatório
aponta que não se trata apenas de uma realidade brasileira, assim como
denunciado em outro documento da OIT. Deste modo, o documento “Trabajo
Decente y Juventud en América Latina” divulgado em 2013 quantifica a taxa de
desemprego dos jovens entre 15 a 24 anos para um conjunto de 18 países da
América Latina. O relatório demonstra que a taxa de desemprego está entre 2 a 4,3
vezes superior a taxa dos adultos com 25 anos ou mais.
O Programa se insere na interseção do modelo produtivo fordista para o
toyotismo, há perfis desejáveis e competência desejáveis para atuar neste mundo. E
este modo de produção (toyotismo) busca-se sujeitos que estejam alheios a si,
assim poderão se entregar de “corpo e alma”. Nesta lógica o trabalhador interfere no
processo produtivo, mas o foco dessa intervenção não são as pessoas e sim o
próprio processo de produção.
A Lei da Aprendizagem e sua prática, por meio das instituições de
aprendizagem, parecem estar na tentativa de dar conta de quem o modelo não
137
consegue alcançar, a juventude. Inspiradas em um fazer social, acabam por
delimitar ações, comportamentos e fundar competências necessárias para o
assujeitamento no mundo. Alguns são “pegos” pelo discurso dentro do currículo,
estão ali para serem moldados, ou como diz Ana Júlia “para conhecerem o mundo lá
fora pode oferecer”. Mas na verdade, acabam por moldar os jovens e colocar o que
eles podem oferecer para este mundo.
3.2.10 Cena 10: Trabalhar é
Ao falarem sobre o sentido do trabalho, os aprendizes manifestam diversos
significados:
João Pedro: Hoje o que eu mais gosto de fazer é trabalhar, eu vou bem disposto, faço tudo o que preciso fazer, que eu sei que tem que fazer, e quando eu termino, já vou procurando outras coisas, o que eu mais gosto de fazer hoje é trabalhar.
João Pedro se vê no trabalho, se constitui enquanto sujeito enquanto
trabalha. Antônio Carlos se diferencia através do trabalho, se orgulha em dizer que
decidiu não trabalhar com o pai, foi procurar seu caminho. Ele se constitui na
diferença, é na alteridade que se projeta como sujeito.
Sofia acredita que trabalhar é vida e ser aprendiz é o começo. O trabalho é o
começo da vida, aqui entendemos como se trabalhar desse sentido ao sujeito e ao
status que, a partir desse ingresso, o mundo lhe confere. Eu sou alguém, eu
trabalho.
Deste modo, os sentidos do trabalho atravessam todos as outras cenas até
aqui apresentadas, trabalhar é encenar o passado presente dos genitores, é se dar
conta da herança da cidade, deixar brilhar os olhos para as etiquetas do consumo.
Ser jovem aprendiz é ter experiência, conhecimento e alcançar o futuro por meio de
uma estratégia, uma forma de encher o currículo, se dar conta do discurso da
aprendizagem, sentir diversas temporalidades, e transformar-se enquanto sujeito no
mundo.
As narrativas holistas que circulam pelas ruas e através das gerações nos
trazem a noção de uma cidade que se faz pelo labor. As memórias narradas e as
histórias de vidas são patrimônios que interpelam uma herança, uma necessidade
de ensinar e transferir para as gerações futuras o valor dado ao trabalho.
138
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Falamos em juventudes, pois entendemos que há diversas formas de se estar
no mundo. Juventude não é entendida apenas como uma categoria e sim são
sujeitos que constituem-se no cotidiano de diversas formas, entendemos que há,
assim, diferentes juventudes. Para uma análise teórica nos debruçamos na tentativa
de não perder de vista o desafio de compreendê-la para além de uma etapatização
da vida. Ao longo da dissertação traçamos pontos de aproximação da juventude
joinvilense (que trabalha) com a herança germânica do trabalho, entendo que o
contexto social e histórico são instrumentos de constituição de sujeito. Colocamos
como desafio preservar através dos jogos de tempo, memórias e expectativas de
trabalho as singularidades dos sujeitos aqui narrados.
A (auto) biografia nos mostrou que na verdade a universalização dos ciclos da
vida é uma forma de reduzir a traços característicos e que estes traços não o são
em sua totalidade verídicos, a vida ultrapassa qualquer forma de etapatização, pois
é “viva”.
Como em um processo de finalização de um filme em Super 8, realizamos a
montagem e a sonorização das histórias de vida. Assim, as histórias narradas foram
ouvidas e montadas como um recorte (auto)biográfico- narrativo. As escolhas,
olhares, seleções e montagens compõem uma perspectiva dialógica com as
narrativas dos sujeitos jovens aqui narrados.
O capítulo “Aprendiz Legal”: uma projeção no tempo” possibilita que
pesquisadores encontrem caminhos e possibilidades de composição de seus
próprios filmes. Permite também que se identifique elementos que compõe o
contexto em que, enquanto autoras, debruçamo-nos para a produção do roteiro
desta dissertação, seguindo a analogia proposta para esta conversa final.
No segundo capítulo “História Oral: Jogos de Tempo, Subjetividade, Currículo
e Patrimônio” localizamos as ferramentas de análise teórica e os cenários. As
escolhas teóricas que fundamentam um discurso sobre a herança cultural do
trabalho sua memória ativa na formação da subjetividade dos jovens aprendizes.
No último capítulo que nos custou um tempo grande a nominar, Sofia, Isabela,
João Pedro, Arthur, Ana Júlia, Antônio Carlos, Henrique e Alice significaram o
trabalho – o ser jovem aprendiz - no contexto da cidade de Joinville no tempo
presente.
139
Constituem-se nas histórias de passado e presente da cidade e de seus
familiares. Joinville é para estes jovens, oportunidade de trabalho e crescimento
profissional.
Recordamos as falas, as cenas e no nosso filme curta-metragem o trabalho é
a herança germânica que os identifica à cidade e compõe o patrimônio cultural que
permanece na constituição/produção das subjetividades de jovens trabalhadores em
suas memórias e expectativas de trabalho.
Os discursos sobre o trabalho narrados pelos jovens atravessam a herança
germânica da cidade, herança representada e vivida cotidianamente por meio de
monumentos na cidade e nas narrativas de memórias holistas. Se entendida como
patrimônio, essa herança contribui para o entendimento de laços afetivos com a
própria cidade, remetendo ao pertencimento, subjetivamente orientado, das pessoas
com o lugar.
Ser jovem aprendiz é acessar o mundo dos adultos, o mundo do consumo e
das possibilidades de escolha das “etiquetas” que compõe e comporão seus laços
de identificação com o mundo. O discurso sobre “ser um jovem trabalhador” legitima
um lugar aos jovens, pois, pertencem e são reconhecidos pela sociedade devido à
inclusão no Programa de Aprendizagem. Profissionalizar-se é incluir-se na relação
com a cidade. Profissionalizar-se é incluir-se na relação com a cidade. Para os
jovens que estão fora dessa relação – relação de trabalho e escola - as políticas
públicas tentam “dar conta” da demanda e os denominam de “púbico vulnerável”. É
pelo discurso da inclusão no trabalho e na escola que passam de “vítimas” à
participantes da sociedade. Há um conjunto simbólico e cultural que os jovens
precisam acessar para fazer parte da sociedade. Conjunto este que pode ser lido a
partir das histórias de vidas narradas pelos jovens e aqui interpretas e sentidas pelas
pesquisadoras.
Os jovens entrevistados em recordes cuidadosos e minuciosas colagens
manifestam o desejo de auto realização através do trabalho. Experiência, currículo,
carteira assinada são desejos comuns e expectativas de uma vida de adulto, de um
futuro melhor.
Expectativas que compõe em seus desejos de constituição futura do ser
adulto e que muito raramente são desmistificados pelos participantes do Programa,
como demonstra Isabela em sua brilhante lucidez.
140
O discurso presente do programa, da sociedade do consumo, os enlaça.
Difícil desmembrar-nos do tempo e criticá-lo como Isabela em seu bonito voo.
O Programa de Aprendizagem prepara uma força de trabalho qualificada para
um futuro ilusório. Não há emprego para todos e as perspectivas de futuro indicam
que dificilmente haverá.
O jogo de alienação presente no mundo do trabalho e no Programa de
Aprendizagem parece ser rebatido pela estratégia dos jovens de estarem ali.
Parecem dizer “ok, nos submetemos ao mundo do trabalho, assim conquistamos
nosso lugar enquanto sujeitos e é essa nossa estratégia, ter um lugar para
seguirmos nossas expectativas”. A tensão entre a alienação e a estratégia poderá se
tornar serena a partir do momento em que os jovens a expressam e possuem
consciência deste jogo. O não saudável é representado pela falta de consciência
dessas tensões, assim como narrado por João Pedro ao ser passivo, deixando que
o “ambiente” escolha o que considera melhor.
Por fim, nosso filme acaba trazendo as cenas de vida e do trabalho destes
jovens entrevistados. Constituídos pelos olhos de enquanto sujeitos na diferença e
na alteridade que a nós todos constitui, colando cenas do passado ao presente e
futuras compostas por discursos que nos constitui sujeitos territorializados, em
heranças culturais de difícil dissociação.
A experiência com jovens aprendizes e seu aprofundamento através desta
pesquisa nos possibilitou novos olhares e o contato, conforme as palavras de
Thompson (2006) com “vozes ocultas”.
Ao nos darmos conta o quanto uma história de vida “jovem” tem de
experiências a serem narradas nos remeteu a um acontecimento com o personagem
Miguilim do conto de Guimarães Rosa “Campo Geral” (1956). Miguilim era uma
criança curiosa, morador de uma cidade no interior de Minas Gerais. O personagem
em determinado momento recebe emprestado de um doutor um par de óculos, até
aquele episódio Miguilim não sabia que era míope. Assim, Miguilim enxergava a vida
de forma desfocada, ao olhar a vida com outros olhos pode estabelecer novos
sentidos e experimentar novas experiências. Compartilhamos com estas sensações,
através da pesquisa produzimos novos sentidos, e escutamos novas “vidas” e a
partir dela tivemos a oportunidade de experienciar diversos patrimônios.
As “vozes ocultas” que aparentemente não teriam histórias de vida a serem
contatas, afinal são apenas 14 anos vividos, nos surpreenderam. E é com esta
141
sensação de olhar o mundo através de outras lentes, que acolhemos as belíssimas
palavras de Thompson (2006) ao refletir a respeito do papel da história oral para a
própria História e na defesa de que histórias de vida são patrimônios culturais da
humanidade.
Esses jovens nos deram a oportunidade de, a partir de suas histórias,
refletirmos sobre as formas de se viver a vida, de ser e estar no mundo. Alteridade,
empatia e diferença foram sentidas e vivenciadas no momento de pesquisa e
durante todo o percurso. Além disso, nos possibilitaram adentrar em suas vidas e
flagrar suas relações com o tempo e com a história da cidade.
É no contato com os jovens aprendizes que apreendemos e vivenciamos o
sabor das histórias de vida narradas, patrimônios não edificados, mas sim narrados
e tradutores de diversas heranças e memórias. Percebemos aqui as histórias de
vida como bens culturais que desejam permanecer, são patrimônios orais que
deixam sua herança.
Esta experiência nos possibilitou ouvir a geração que recebe um patrimônio e
com ele heranças diversas que a partir destas experiências cotidianas preservam e
reproduzem o que entendem de como a vida “deve” e “pode” ser vivida, seja ela
pautada no trabalho, no lazer e a partir de narrativas holistas diversas.
Admitimos na pesquisa que a história oral está imersa em um campo
interdisciplinar. É aqui entendida como uma abordagem ampla, uma interpretação da
história e a sociedade através da escuta às pessoas e o registro de suas histórias de
vida (THOMPSON, 2006).
Ao aprendermos a escutar experimentamos ouvir novas vozes, a entendê-las
como patrimônios da humanidade e tentamos proporcionar audibilidade as histórias
de vidas de jovens aprendizes.
142
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150
APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Seu filho(a) está sendo convidado a participar da pesquisa “Juventudes e jogos de tempo: produção de subjetividades entre memórias e expectativas de trabalho” sob a responsabilidade da pesquisadora Juliana Kunz Silveira, que tem por objetivo do estudo analisar como os jovens do Programa “Aprendiz Legal” percebem os jogos do tempo (presente/futuro e presente/passado) como orientador de sua produção subjetiva. Para isso, seu filho(a) será submetido a uma entrevista em seu local de estudo por meio de perguntas semi-estruturadas. Afirma-se que a participação do seu filho(a) é voluntária, portanto, ele poderá se recusar a participar da pesquisa em qualquer momento sem nenhum tipo de ônus. Esta pesquisa, por se tratar de entrevista, respeitando a Res. CNS 466/12, preconiza que há riscos mínimos, contudo, havendo a necessidade, será encaminhado à assistência médica/psicológica sendo os custos arqueados pela pesquisadora. Todavia, esta pesquisa apresenta como benefício oportunizar aos alunos reflexão sobre a carreira profissional. Afirma-se que a identidade de seu/sua filho(a) será preservada, e as demais informações serão divulgadas em meios científico e acadêmicos. Qualquer dúvida que você e seu/sua filho(a) possa ter, a pesquisadora estará disponível para atendê-los(las) através dos contatos: telefone – 47 99357697 ; e-mail – [email protected] . Em caso de dúvida quanto aos vossos direitos, você pode também escrever para o Comitê de Ética em Pesquisa da UNIVILLE. Endereço – Paulo Malschitzki, 10 - Bairro Zona Industrial - Campus Universitário - CEP 89219-710 – Joinville / SC. Informa-se ainda que seu/sua filho(a) receberá um Termo de Assentimento, para que também informe se aceita participar da pesquisa, contudo, o termo de assentimento não dispensa o termo de consentimento assinado por você, documento obrigatório para a participação na pesquisa.
CONSENTIMENTO
Após ser esclarecido(a) sobre as informações do projeto, no caso de permitir que seu(sua) filho(a) faça parte do estudo, assine o consentimento de participação do sujeito, que está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é do pesquisador responsável.
____________________ ____________________ Data:
Nome do Participante da Pesquisa Assinatura do participante
ou Responsável ou Responsável
____________________ ____________________ Data:
Nome do Pesquisador Responsável Assinatura
151
APÊNDICE B – ROTEIRO ENTREVISTA
Identificação
Para a gente começar a conversar, preciso conhecer um pouco mais de você. Queria saber qual é a data e ano de nascimento, e em que cidade você nasceu?
Mora há quanto tempo em Joinville?
Você mora com quem em casa?
As pessoas que moram com você possuem quantos anos?
Família
O que você sabe sobre a origem da sua família?
Sua família é de Joinville? Veio de outra cidade/estado?
O que seus avós faziam (de profissão)
E seu pais?
E seus irmãos?
Infância
E quando você nasceu, onde sua família estava morando?
Você tem memórias da cidade em que nasceu/ quais são suas memórias sobre Joinville.
O que você brincava quando era criança? O que mais gostava? O que não gostava?
O que você queria ser quando crescer?
E seus pais falam algo sobre isso? Incentivavam?
Seus pais tinham a mesma profissão quando você era criança? Quais profissões eles já tiveram? Escola
Que lembranças você tem da escola?
Quais matérias mais gostava?
E hoje o que você pensa da escola?
Que matérias mais gosta?
Juventude – presente/passado/futuro
O que você mais gosta de fazer?
O que você não gosta de fazer?
Como é a sua rotina?
O que o motivou a participar de um programa de aprendizagem?
Este é seu primeiro emprego?Se não, que experiências profissionais você possui.
Qual foi o motivo que o levou a querer trabalhar?
Você trabalha em que área como jovem aprendiz?
O que você faz?
Você gosta do seu trabalho?
Você se identifica com o seu trabalho? E com o programa de aprendizagem?
Que profissão pretende seguir?
152
Pelo que?
O que te atrai? O que mais “pega” para você querer esta profissão?
Tem intenção de continuar estudando após terminar a escola?
Que tipo de estudo (faculdade/técnico...) qual curso? Pelo que?
Quem te ajudou a pensar nesta profissão e neste curso?
Já conversou com os seus pais sobre estas escolhas?
O que eles dizem sobre?
Você acredita que a profissão dos seus pais influencia na sua escolha?
Que sentimentos vem ao pensar em trabalho?
O que dizem sobre trabalhar? O que passam para você sobre trabalho?
O que seus pais falam sobre você ser jovem aprendiz?
O que tem de bom/ruim no curso e na empresa?
Quais a dificuldades já teve em relação ao trabalho?
Quais as conquistas?
Se você pudesse escolher um trabalho hoje (não para o futuro), o que escolheria?
Por que você acha que as pessoas trabalham?
Porque você trabalha?
Como você era antes de entrar no Programa de Aprendizagem e como você se percebe agora?
Como você se imagina daqui a cinco anos? Como você se imagina no futuro?
Que memórias você possui em relação à palavra trabalho?
Para você é importante ter expectativas e planos em relação à profissão e o trabalho?
E sobre as memórias do trabalho, você acredita que elas fazem parte da sua vida? Se sim, por quê?
Você acredita que a sua memória e a sua expectativa sobre trabalho constitui você como pessoa?O que você lembra e o que você espera do trabalho são pensamentos importantes para você?
Quanto tempo do seu dia (em porcentagem entre 0 a 100 por cento) você investe pensando no futuro? E no passado? E em relação ao campo profissional e ao trabalho?
Joinville é conhecida como “cidade da dança”, “da bicicleta” e algumas pessoas falam que é a cidade “do trabalho”. Você já ouviu alguém falar isso? O que você acha sobre?
Como foi para você contar seus pensamentos e um pouco sobre a sua história?
153
ANEXO – CARTA DE APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA
154