Juventude e trabalho

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Reportagem 12 WWW.CARTACAPITAL.COM.BR/CARTA-NA-ESCOLA I smael de Souza trabalha desde os 16 anos. Hoje, aos 22, é analista de gerenciamento de contratos da América Latina para uma grande empresa na área de Telecomunica- ções. Estudante de Administração em São Caetano do Sul, Souza in- gressou como aprendiz. “No meu primei- ro ano na faculdade, virei estagiário, no segundo, fui contratado como assistente- -administrativo e, do terceiro para o quar- to, já virei analista de compras”, enumera. Ismael é um dos 14 milhões de jovens en- tre 18 e 24 anos que estão trabalhando e ajudam a compor o quadro de desempre- go em queda no Brasil. Uma notícia apa- rentemente boa, mas que merece ser olha- da com atenção, especialmente para en- tender o que os números dizem em rela- ção às condições de trabalho oferecidas, à remuneração e à qualificação do jovem. De acordo com a última Pesquisa Na- cional por Amostra de Domicílios (Pnad), apesar de ainda corresponder a 33,9% da massa total de desempregados, o número de jovens sem ocupação recuou com rela- ção ao último levantamento feito em 2009: de 16,6% para 13,8%, em 2011. Houve tam- bém queda de 11% na taxa de ocupação entre os jovens com idade adequada para cursar o Ensino Médio (15-17 anos), o que mostra que o jovem está na escola, segun- do a gerente da Pnad, Maria Lúcia Vieira: “É o que se espera do aumento da escola- ridade”. Pesquisador na área de educação profissional e professor da Feevale, Gabriel Grabowski lembra que, há poucos anos, o jovem brasileiro abandonava a escola para trabalhar. “Hoje, pode priorizar a forma- ção e atrasar a entrada no mercado.” Segundo Grabowski, estudos sobre ju- ventude e trabalho ilustram que não exis- te uma juventude única, o que dificulta traçar um perfil dos 50 milhões de jovens brasileiros. O mesmo se refere ao empre- go, que tem arranjos regionais: “O que po- de ser uma necessidade do setor de energia e petróleo corresponde a regiões como o Rio de Janeiro, mas os jovens não estão só nesses lugares”. Alguns fatores, no entan- to, são de base nacional: os jovens hoje têm remuneração mais baixa se comparados a gerações anteriores e o setor de serviços é o que mais os contrata. “Isso tem impacta- do a motivação e a atratividade, e o jovem só vai trabalhar por necessidade”, explica. De acordo com o pesquisador, os es- tudos indicam que pessoas com mais ex- periência e idade mais elevada (40-50 anos), ao assumirem novas funções, cos- tumam ter uma remuneração melhor do que o jovem em início de carreira. Dados da Pnad 2011 também mostram que a ocupação cresceu, de forma geral, entre os grupos com Ensino Fundamental, Médio e Superior completos. Para o IBGE, isso se deve ao fato de os empregadores exigirem formação mínima. No estado de São Paulo, cruzamento de dados do Minis- tério do Trabalho de abril de 2012 revela que aqueles com Ensino Médio completo conseguiram 49,7% dos novos postos. Por outro lado, as pessoas menos qualificadas ainda correspondem à metade (53,6%) dos desempregados do País. Há, porém, quem veja os números de forma pouco otimista. “Existem jovens com baixa qualificação sendo absorvidos para funções elementares e submetidos a condições precárias de trabalho”, afirma José Souza, professor de Economia Polí- tica da Educação na Universidade Fede- ral Rural do Rio de Janeiro. Aparecida Tiradentes Santos, pesquisadora na área de Trabalho e Educação na Faculdade Oswaldo Cruz, complementa: “O proble- ma é a qualidade do trabalho, muitas ve- zes informal, temporário, não protegido Com empregabilidade em alta, jovens têm de enfrentar salários mais baixos em relação ao passado, precariedade e baixa oferta na área de formação Escolaridade. Brasileiros com Ensino Médio conquistaram quase metade dos novos postos Juventude e trabalho DESEMPREGO | Número de jovens sem ocupação no Brasil cai e chama a atenção para questões como remuneração e condições precárias POR ISABELA MORAIS E TORY OLIVEIRA •CEReportagem1_71.indd 12 16/10/12 18:51

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Ismael de Souza trabalha desde os 16 anos. Hoje, aos 22, é analista de gerenciamento de contratos da América Latina para uma grande empresa na área de Telecomunica-ções. Estudante de Administração em São Caetano do Sul, Souza in-

gressou como aprendiz. “No meu primei-ro ano na faculdade, virei estagiário, no segundo, fui contratado como assistente--administrativo e, do terceiro para o quar-to, já virei analista de compras”, enumera. Ismael é um dos 14 milhões de jovens en-tre 18 e 24 anos que estão trabalhando e ajudam a compor o quadro de desempre-go em queda no Brasil. Uma notícia apa-rentemente boa, mas que merece ser olha-da com atenção, especialmente para en-tender o que os números dizem em rela-ção às condições de trabalho oferecidas, à remuneração e à qualificação do jovem.

De acordo com a última Pesquisa Na-cional por Amostra de Domicílios (Pnad), apesar de ainda corresponder a 33,9% da massa total de desempregados, o número de jovens sem ocupação recuou com rela-ção ao último levantamento feito em 2009: de 16,6% para 13,8%, em 2011. Houve tam-bém queda de 11% na taxa de ocupação entre os jovens com idade adequada para cursar o Ensino Médio (15-17 anos), o que mostra que o jovem está na escola, segun-do a gerente da Pnad, Maria Lúcia Vieira: “É o que se espera do aumento da escola-ridade”. Pesquisador na área de educação profissional e professor da Feevale, Gabriel Grabowski lembra que, há poucos anos, o jovem brasileiro abandonava a escola para trabalhar. “Hoje, pode priorizar a forma-ção e atrasar a entrada no mercado.”

Segundo Grabowski, estudos sobre ju-ventude e trabalho ilustram que não exis-te uma juventude única, o que dificulta traçar um perfil dos 50 milhões de jovens

brasileiros. O mesmo se refere ao empre-go, que tem arranjos regionais: “O que po-de ser uma necessidade do setor de energia e petróleo corresponde a regiões como o Rio de Janeiro, mas os jovens não estão só nesses lugares”. Alguns fatores, no entan-to, são de base nacional: os jovens hoje têm remuneração mais baixa se comparados a gerações anteriores e o setor de serviços é o que mais os contrata. “Isso tem impacta-do a motivação e a atratividade, e o jovem só vai trabalhar por necessidade”, explica.

De acordo com o pesquisador, os es-tudos indicam que pessoas com mais ex-periência e idade mais elevada (40-50 anos), ao assumirem novas funções, cos-tumam ter uma remuneração melhor do que o jovem em início de carreira.

Dados da Pnad 2011 também mostram que a ocupação cresceu, de forma geral, entre os grupos com Ensino Fundamental, Médio e Superior completos. Para o IBGE, isso se deve ao fato de os empregadores exigirem formação mínima. No estado de São Paulo, cruzamento de dados do Minis-tério do Trabalho de abril de 2012 revela que aqueles com Ensino Médio completo conseguiram 49,7% dos novos postos. Por outro lado, as pessoas menos qualificadas ainda correspondem à metade (53,6%) dos desempregados do País.

Há, porém, quem veja os números de forma pouco otimista. “Existem jovens com baixa qualificação sendo absorvidos para funções elementares e submetidos a condições precárias de trabalho”, afirma José Souza, professor de Economia Polí-tica da Educação na Universidade Fede-ral Rural do Rio de Janeiro. Aparecida Tiradentes Santos, pesquisadora na área de Trabalho e Educação na Faculdade Oswaldo Cruz, complementa: “O proble-ma é a qualidade do trabalho, muitas ve-zes informal, temporário, não protegido

Com empregabilidade em alta, jovens têm de enfrentar salários mais baixos em relação ao passado, precariedade e baixa oferta na área de formação

Escolaridade. Brasileiros com Ensino Médio conquistaram quase metade dos novos postos

Juventude e trabalho DESEMPREGO | Número de jovens sem ocupação no Brasil cai e chama a atenção para questões como remuneração e condições precárias Por Isabela MoraIs e Tory olIveIra

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por legislação”. A pesquisadora cita o fato de os jovens estarem empregados em po-sição inferior à qualificação, “ao contrário do discurso dominante que diz que o que falta é qualificação, porque emprego tem”.

Publicado em 2010, o artigo “Titula-ção escolar e mercados profissionais”, do professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Odaci Coradini, mos-tra as relações entre a titulação universi-tária e as ocupações profissionais. Utili-zando microdados do Censo 2000, o estu-do revela que a maioria dos graduados não exerce ocupação correspondente à sua área de formação. No caso de Administra-ção, apenas 22,8% trabalham na área em que se formaram e 64% acabam em pos-tos de trabalho com rendimento inferior. É o caso da ex-aluna da Etec Benedito Sto-rani Anna Carolina Lovatti, 27 anos. For-mada em Enfermagem, procura emprego na área há três anos. Hoje, trabalha como auxiliar-administrativa. “A cada esqui-na tem uma faculdade de Enfermagem e, para uma empresa, fica mais fácil subir de cargo os que estão lá do que gastar com a

contratação de um novo profissional. Nes-ses três anos, fiz umas seis entrevistas.”

Na Europa, o cenário é diferente. Do outro lado do Atlântico, os jovens foram os que mais sentiram os efeitos da crise vin-da desde 2008 e o desemprego entre a po-pulação com até 25 anos chegou a 52,9% em outubro deste ano. Segundo estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), nos países do G-20, o total de jovens sem emprego chega a 17,7 milhões. Consi-derada moderada no Brasil, em países co-mo Itália, Espanha e África do Sul, a ta-xa de desemprego juvenil fica entre 35% e 52%. Como a juventude trabalhadora é, de forma geral, menos qualificada e inexpe-riente, costuma ser a mais afetada quando o cinto da economia aperta. Assim, a me-lhor política de emprego continua sendo o crescimento econômico, explica o pro-fessor da Unicamp Waldir Quadros. “Ho-je, estamos indo bem porque a economia se aqueceu desde 2004, gerando novas oportunidades de trabalho, o que favore-ceu os trabalhadores de forma geral e os jovens, de forma particular.”•

Até 2015, a indústria nacional demandará 7,2 milhões de trabalhadores de nível

técnico, de acordo com o Mapa do Trabalho Industrial 2012 elabora do pelo Senai. Do total, 1,1 milhão serão oportunidades para jovens egressos das instituições profissionalizantes. Mas o ensino técnico do Brasil pode não dar conta. Para Ana Paula Corti, professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), as instituições de ensino profissionalizante não acompanham as necessidades do mercado ou da população. Na realidade, quanto menor o custo do curso, mais chances de vagas. “A boa educação profissional é muito cara.” Outro ponto é a qualidade. A falta de avaliação do ensino oferecido nas escolas privadas pode esconder um cenário de estudantes mal formados. O quadro é otimista para os alunos das instituições públicas, cujos diplomas “ainda têm muito valor no mercado, principalmente na indústria”. Como possível solução, Ana Paula aponta a expansão do Ensino Médio integrado, que fornece uma formação tradicional e o aprendizado de uma profissão. Isso qualifica o jovem para escolher entre começar sua carreira ou continuar no Ensino Superior. Mas a atual expansão do ensino técnico não segue esse rumo: “A maioria dos cursos é puramente técnica, mais rápida e barata”.

Demanda e alternativa de Ensino Técnico

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