Justiça Restaurativa

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POSSIBILIDADES DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NO BRASIL Márcia Aurea Dewes 1 Resumo: Neste artigo aborda-se, de forma genérica, aspectos da justiça restaurativa analisando a possibilidade de utilização desta no sistema criminal brasileiro, e explanando conceitos relevantes para melhor conhecimento acerca do tema de modo a construir um entendimento da amplitude àquilo a que se propõe tal procedimento alternativo a justiça impositiva. Adentra-se também, no tocante a sua aplicação pelos operadores do direito, as dificuldades e mudanças que por óbvio deverão ser implantadas, numa necessidade concreta de adequação destes frente a este novo paradigma. Palavras-chave: criminalidade, conflitos, justiça alternativa. INTRODUÇÃO “Insanidade é fazer sempre as mesmas coisas e esperar resultados diferentes.” Albert Einsten A justiça restaurativa tornou-se alvo de debates pelo mundo, e em muitos países houve crescente interesse pelo assunto a partir do ano de 2000, sendo alavancado pela Declaração de Viena sobre Criminalidade e Justiça, que trata do desenvolvimento da justiça restaurativa como forma de promoção dos direitos, interesses e necessidades de vítimas, 1 Acadêmica do Curso de Direito Unijuí. [email protected]

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Artigo sobre Justiça Restaurativa no Brasil, possibilidade de implantação e a necessidade de adequação dos operadores do direito.

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POSSIBILIDADES DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NO BRASIL

Márcia Aurea Dewes1

Resumo:

Neste artigo aborda-se, de forma genérica, aspectos da justiça restaurativa analisando a possibilidade de utilização desta no sistema criminal brasileiro, e explanando conceitos relevantes para melhor conhecimento acerca do tema de modo a construir um entendimento da amplitude àquilo a que se propõe tal procedimento alternativo a justiça impositiva. Adentra-se também, no tocante a sua aplicação pelos operadores do direito, as dificuldades e mudanças que por óbvio deverão ser implantadas, numa necessidade concreta de adequação destes frente a este novo paradigma.

Palavras-chave: criminalidade, conflitos, justiça alternativa.

INTRODUÇÃO

“Insanidade é fazer sempre as mesmas coisas e esperar resultados diferentes.”

Albert Einsten

A justiça restaurativa tornou-se alvo de debates pelo mundo, e em muitos países houve

crescente interesse pelo assunto a partir do ano de 2000, sendo alavancado pela Declaração de

Viena sobre Criminalidade e Justiça, que trata do desenvolvimento da justiça restaurativa

como forma de promoção dos direitos, interesses e necessidades de vítimas, ofensores,

comunidade, e demais envolvidos no conflito. A partir de então, vários outros movimentos

foram realizados no sentido de introduzir e efetivar a Justiça Restaurativa em vários países do

mundo.

Podemos citar alguns dos movimentos que buscam desenvolver a justiça restaurativa,

como a Declaração de Bangkok(2005), na Europa o Fórum Europeu de Mediação Penal e

Justiça Restaurativa, já na América Latina a Carta da Costa Rica é o marco claro desse

desenvolvimento. Mais especificamente temos o marco referencial positivado pela ONU a

Resolução 2002/12, de 24 de julho de 2002, que trata mais detalhadamente da justiça

restaurativa que deverá ser instituída e observada pelos Estados-membros.

A fundação do Instituto Brasileiro de Justiça Restaurativa, no auditório da Escola de

Direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, agosto de 2007, é a referência maior no

1 Acadêmica do Curso de Direito Unijuí. [email protected]

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desenvolvimento e exploração das bases teóricas e práticas do paradigma em nosso país e,

anteriormente a esta data, o relatório Paz Restaurativa (2013, p. 16) nos remete ao ano de

2005 como marco de introdução da Justiça Restaurativa no Brasil:

“A introdução oficial da Justiça Restaurativa no Brasil aconteceu a partir de 2005,

através do projeto “Promovendo Práticas Restaurativas no Sistema de Justiça

Brasileiro”, iniciativa da Secretaria da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça

em colaboração com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento –

PNUD. Foram criados três projetos-piloto em Porto Alegre (RS), Brasília (DF) e em

São Caetano do Sul (SP). Em Porto Alegre tomou forma o Projeto Justiça para o

Século 21, um articulado de ações interinstitucionais liderados pela Associação dos

Juízes do Rio Grande do Sul (AJURIS) com o objetivo de difundir a Justiça

Restaurativa na pacificação de conflitos e violências envolvendo crianças,

adolescentes e seu entorno familiar e comunitário.”

Abarcados na pesquisa do tipo exploratória, utilizando a coleta de dados em fontes

bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores, e utilizando o método

de abordagem hipotético-dedutivo propõe-se a exposição dos resultados obtidos por

intermédio do presente artigo. O fundamento deste trabalho é elencar conceitos básicos ao

entendimento do que é a Justiça Restaurativa, traçando as possíveis trajetórias para a

aplicação deste procedimento alternativo no sistema criminal do Brasil verificando, de forma

conjunta, algumas repercussões deste ato no âmbito social e dos operadores do direito.

A JUSTIÇA RESTAURATIVA EM LINHAS GERAIS

O conceito de Justiça Restaurativa que tem maior aceitação entre os estudiosos do

assunto possivelmente seja o de Tony Marshall, que a define como “um processo através do

qual todas as partes envolvidas em uma ofensa particular se reúnem para resolver

coletivamente como lidar com a consequência da ofensa e as suas implicações para o futuro.”

(Paz Restaurativa, p. 10).

Para que possamos entender o que é justiça restaurativa é necessário ver as condutas

antijurídicas de outro modo, ou seja pelo anglo inverso, perceber que antes de ocorrer o fato

descrito na norma ocorre uma violação nas relações usuais na vida da vítima e do infrator e

dentro de uma comunidade. Sob este prisma, é relevante uma análise das obrigações,

necessidades e do trauma que advém deste ato antijurídico, com o objetivo de restaurar a paz

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entre os envolvidos, oportunizando e encorajando estas pessoas a entabular um acordo através

do diálogo.

Nesse sentido cabe ressaltar as afirmações que são encontradas no relatório Paz

Restaurativa, que é um relato da implementação da Justiça Restaurativa em Caxias do Sul

(2013, p 08):

“O professor Howard Zehr, com sua obra “Trocando as Lentes – Um novo foco sobre

o crime e a justiça”, é considerado um dos principais mentores da teoria restaurativa

no mundo. Para ele, a grande diferença entre a Justiça Restaurativa e a tradicional está

na abordagem. [...]A JR propõe que os ofensores devem entender as consequências de

seu comportamento. Além disso, devem assumir a responsabilidade de corrigir a

situação na medida do possível, tanto concreta como simbolicamente. Zehr afirma que

a verdadeira responsabilidade consiste em olhar de frente para os atos praticados,

significa estimular o ofensor a compreender o impacto de seu comportamento, os

danos que causou – e instá-lo a adotar medidas para corrigir tudo o que for possível.”

As partes em conflito são os sujeitos principais deste processo social e a eles cabe,

com o auxílio da justiça, a assunção das responsabilidades pelo delito, ter as ofensas

provindas do fato dirimidas, e finalmente, atingir um resultado que as beneficie de forma

terapêutica numa espécie de cura de uma ferida aberta. É perceptível dentro deste processo a

necessidade de restaurar os relacionamentos para um futuro melhor, deixando de lado a velha

ideia de concentrar-se na culpa, nos fatos passados. É o que elucida Ted Wachtel na obra

Justiça Verdadeira (1997, p.14):

“A justiça preocupa-se apenas em determinar culpados e aplicar penas. Não há

preocupação com o restabelecimento ou reparação dos danos. Portanto, precisa

acontecer algo mais, além do processo na justiça, para que as vítimas, suas famílias e a

comunidade obtenham justiça verdadeira.”

A justiça restaurativa é procedimento consensual, do qual fazem parte a vítima e o

infrator como sujeitos centrais e, por vezes, outros membros da comunidade afetados pelo

delito. Tais sujeitos participam coletiva e ativamente na construção de soluções para a

restauração dos traumas e perdas causados pelo crime. É um processo, até certo ponto,

informal e voluntário que sofre a intervenção de mediadores ou facilitadores, operado sob três

formas básicas que são: mediação entre a vítima e o infrator, reuniões em que participam

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familiares e pessoas da comunidade, e os círculos restaurativos. A Resolução 2002/12 da

ONU em seus primeiros artigos esclarece vários pontos como bem lembra Neemias Prudente:

“A Resolução 2002/12 da Organização das Nações Unidades define a justiça restaurativa como

qualquer programa que use processos restaurativos e objetive atingir resultados restaurativos.

Processo restaurativo significa qualquer processo no qual vítima e o ofensor, e, quando

apropriado, quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime,

participam ativamente na resolução das questões oriundas do crime, geralmente com a ajuda de

um facilitador. Os processos restaurativos podem incluir a mediação, a conciliação, a reunião

familiar ou comunitária (conferencing) ou círculos decisórios (sentencing circles). Resultado

restaurativo significa um acordo construído no processo restaurativo, que incluem respostas e

programas tais como reparação, restituição e serviço comunitário, objetivando atender as

necessidades individuais e coletivas e responsabilidades das partes, bem como assim promover

a integração da vítima e do ofensor.”

A mediação consiste em proporcionar às partes a possibilidade de diálogo sobre as

origens e consequências do conflito, almejando a construção de um acordo e um planejamento

de cunho restaurativo, tudo isso em um ambiente adequado e com a participação de um

mediador. Nas reuniões coletivas e círculos restaurativos, o procedimento é basicamente o

mesmo porém, o alcance é mais amplo atingindo a coletividade em torno do conflito e de

forma integrada à comunidade. Há neste tipo de procedimento restaurativo a abertura de

oportunidade para que os indivíduos envolvidos no conflito encontrem uma maneira de

reintegrarem-se a sociedade restaurando a paz social de forma objetiva, responsável e honesta

com um caráter mais humano a todos os envolvidos. Neste sentido podemos citar

Wachtel (1997, p.74):

“Nós punimos, multamos, fazemos reprimendas, encarceramos, detemos,

suspendemos e expulsamos, mas prestamos pouca ou nenhuma atenção à reparação

dos danos causados à vítima e à comunidade. Por outro lado, as estratégias de justiça

restaurativa, como as reuniões restaurativas, permitem que os infratores compensem

seus erros, reparem os danos causados, peçam desculpas, obtenham aceitação e sejam

reintegrados à comunidade.”

É necessário, em um procedimento de cunho voluntário como este, a disponibilidade

psicológica e emocional dos envolvidos, pois serão reconduzidos ao momento do ilícito,

trazendo à tona os mesmo sentimentos e experiências então vividas, no que difere de forma

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explícita do procedimento processual normal do judiciário. Segundo Wachtel (1997, p.66),

“em uma reunião restaurativa, ocorre uma progressão natural de emoções negativas para

emoções positivas, favorecidas pela livre expressão”, nesse sentido, o procedimento utilizado

na justiça restaurativa é justamente voltado à fala, à expressão do que foi vivido e sentido,

para que ambos possam entender o fato delituoso, seus porquês e suas soluções, de modo a

restaurar a vida em sociedade possibilitando que os danos sejam revertidos ao mínimo.

Percebe-se nos juristas, de um modo geral, a tendência de inserir a

justiça restaurativa em algum ponto do procedimento judiciário existente, mas é evidente que

o cunho de tal atividade extrajudicial não pode ser considerado dentro do âmbito judiciário,

tal como o sistema em vigor. A justiça restaurativa é essencialmente voluntária, e consensual,

e a justiça tradicional é em grande parte impositiva e contenciosa, sendo contrapontos de um

mesmo processo humano. Porém é interessante o novo ângulo de observação do conflito que é

proposto pela justiça restaurativa, num enfoque mais subjetivo, com abordagem psicológica

dos indivíduos envolvidos, onde deixam de ser objetos para tornarem sujeitos dentro do

processo.

A ONU, na Resolução 2002/12, determina ser essencial que o programa seja

disponibilizado num âmbito de voluntariedade de escolha, sem nenhuma coerção, para

intentar uma resolução profunda do conflito, com responsabilidade mútua, onde devem ser

identificadas as reais necessidades dos envolvidos e da comunidade, que deve se envolver

para contribuir na correção da ruptura social de forma a restabelecer a paz, mas com

dignidade. Esta Resolução explicita o disposto em seu artigo 7:

“7. Processos restaurativos devem ser utilizados somente quando houver prova

suficiente de autoria para denunciar o ofensor e com o consentimento livre e

voluntário da vítima e do ofensor. A vítima e o ofensor devem poder revogar esse

consentimento a qualquer momento, durante o processo. Os acordos só poderão ser

pactuados voluntariamente e devem conter somente obrigações razoáveis e

proporcionais.”

A JUSTIÇA RESTAURATIVA “PARA” E “COM” OS OPERADORES DO DIREITO

No que concerne aos operadores do direito, por óbvio que se faz necessária a adoção

de uma atitude mais sensível dos mesmos e a capacitação direcionada para atuarem nas

práticas restaurativas, pois ainda estão ligados à uma formação jurídica de cunho

normativista, extremamente baseados em seus estatutos funcionais. Deverá haver uma

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mudança de hábitos e perspectivas, caminhando rumo à uma justiça plural, onde são

compartilhadas as decisões com as partes e a comunidade envolvidas no conflito, que em

verdade, são os verdadeiros donos do conflito. É necessária uma mudança de opinião, de

atitudes, de conceitos, e ao mesmo tempo em que não podem descuidar dos conhecimentos

técnicos como garantia à subsistência jurídica do procedimento e dos atos desse

procedimento.

Temos esta ideia de mudança postural e cultural reforçada na concepção de Carlos

Eduardo de Vasconcelos (2008, p. 17):

“A OAB e outros Conselhos Profissionais tem papel importante a desempenhar no

desenvolvimento de uma nova cultura entre os operadores de direito. Devem ser

estimuladas a formação de profissionais e a organização de instituições que aliem o

conhecimento jurídico à capacidade de identificação das reais necessidades das

pessoas em conflito.”

O procedimento restaurativo, para subsistir juridicamente, não poderá contrariar os

princípios e as regras constitucionais e infraconstitucionais, constituindo, em sentido amplo,

uma violação ao princípio da legalidade. Devem ser satisfeitas condições para o

reconhecimento de sua existência, validade, vigência e eficácia jurídica, para que seus atos

não resultem inexistentes, nulos ou ineficazes, portanto inaptos a produzir efeitos no mundo

jurídico. É o que também dispõe expressamente a cláusula de ressalva da Resolução 2002/12

da ONU:

“V. Cláusula de Ressalva

23. Nada que conste desses princípios básicos deverá afetar quaisquer direitos de um

ofensor ou uma vítima que tenham sido estabelecidos no Direito Nacional e

Internacional.”

Quando tratamos de justiça restaurativa, a referência é pertinente à um procedimento

que combina técnicas de mediação, conciliação e transação previstas na legislação, porém

com metodologia restaurativa, onde há participação de forma consensual da vítima e do

infrator no processo decisório. O acordo restaurativo, aprovado ou não, deve ser executado de

forma fundamentada para que não produza um ato juridicamente inviável ou insustentável.

Cabe aqui considerar alguns pontos relevantes que os operadores do direito e outras

autoridades afins, devem observar quando da execução da justiça restaurativa. O primeiro dos

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referidos pontos é o fato de que este tipo de procedimento não tem previsão legal expressa a

exemplo do devido processo legal, reforçando a ideia de um procedimento de livre aceitação,

descaracterizando o processo restaurativo se o mesmo for imposto. Ademais as partes deverão

ser cientificadas claramente acerca desta ser uma ferramenta alternativa, de aceitação

voluntariada da qual cabe revogação a qualquer tempo.

É necessário que os direitos e garantias fundamentais dos envolvidos sejam

observados, dos quais podem ser citados o princípio da dignidade humana, o princípio da

razoabilidade, também o da proporcionalidade, da adequação e do interesse público, além de

princípios fundamentais do direito penal, dentre os quais cita-se o da legalidade, da

intervenção mínima, da lesividade, sem descuidar de outros princípios aqui não mencionados

e que garantem uma solução do conflito de forma pacífica com isonomia e pautada no

respeito.

A capacitação dos mediadores e facilitadores é ponto crucial para o sucesso do

procedimento, devendo, para tanto, receber adequada capacitação e treinamento. Não há

impedimentos de que pessoas da própria comunidade executem tal função, mesmo porque, é

possível imaginar que o uso da mesma linguagem entre os envolvidos no conflito e os

mediadores e facilitadores, além da aproximação promovida pelo meio, favorecerá o processo

restaurativo.

Para que o procedimento restaurativo transcorra da melhor maneira possível, o local

onde será executado deve ter estrutura compatível com os objetivos, e ao mesmo tempo, ser

informal, seguro e que transmita tranquilidade. Observadas estas premissas, recomenda-se que

o procedimento seja suspenso percebendo o mediador ou facilitador, animosidades no

processo que possam desencadear agressividade ou mesmo nova vitimização, tanto do

ofendido como do ofensor.

O desequilíbrio econômico, psicossocial e cultural dos envolvidos, em um país como o

Brasil, é outra questão sensível, devendo ser rigorosamente observado como forma de garantir

a isonomia entre as partes, evitando que sejam construídos acordos que constituam afronta

ética aos princípios da justiça restaurativa.

Acerca do disposto até aqui, traduz Vasconcelos estas ideias de forma sucinta (2008,

p. 130):

“Como diretriz institucional, um programa de Justiça Restaurativa deve ter como meta

institucional o aperfeiçoamento da ordem da justiça, a ser aferido pelo grau de

satisfação das partes e seu reconhecimento pelos operadores do direito, o que pode

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contribuir para a mudança na percepção da sociedade sobre a justiça. Como diretriz

político-criminal, um programa de Justiça Restaurativa deve ter como meta político-

criminal a redução do controle penal formal (política moderada).

[...] essa redução de controle penal formal deve estar associada a duas condições: que

a redução das garantias penais institucionais não implique a imposição de um gravame

maior aos interessados e que essa redução de garantias penais e processuais não

corresponda a uma política criminal que implique a perpetuação de desigualdades

sociais.”

Como a implementação da justiça restaurativa envolve gestão concernente à

administração da Justiça, nada além a esperar do que o respeito ao princípio constitucional da

eficiência disposto no artigo 37 da Carta Magna, proporcionando que os facilitadores sejam

realmente capacitados, responsáveis e sensíveis na condução de tal trabalho, respeitando os

princípios, valores e procedimentos do processo restaurativo.

Não há como executar um procedimento restaurativo comprometido com a inclusão

social, se não há integração com a rede social de assistência ou o apoio dos órgãos

governamentais, empresas e ONGs. Isto porque as vítimas devem ser encaminhadas para os

programas que o acordo restaurativo indica, e para efetuar essa atividade os núcleos de justiça

restaurativa devem estar conectados com aqueles órgãos mencionados, e a própria sociedade

deve participar desta rede. Dentro do aqui exposto, aduz-se trecho do relatório sobre Justiça

Restaurativa em Caxias do Sul (Paz Restaurativa, p.28):

“O objetivo do Núcleo é desenvolver uma política pública de pacificação social

através de um conjunto de ações desencadeadas pelos órgãos públicos na prevenção e

no controle da violência, notadamente os que atuam nas áreas da Justiça, Segurança,

Assistência, Educação e Saúde, em colaboração com organizações da sociedade civil.

Segundo justificado no projeto que lhe deu origem, a intenção é “oferecer reações

sociais curativas, sistemáticas e continuadas para enfrentar situações disruptivas

mediante o reatamento dos laços sociais rompidos, promover o coesionamento do

tecido social e (re)construção do senso de pertencimento e de comunidade, como

forma de interrupção das espirais conflitivas, objetivando prevenir e reverter as

cadeias de propagação da violência”.”

Na criação e, posteriormente, na validação do acordo restaurativo deve prevalecer um

caráter crítico em contraposição ao normativismo e a Escola de Exegese, que até agora

influenciaram os procedimentos jurídicos. A Justiça restaurativa tem cunho voluntário, é

mediada e deve permitir que as partes se apoderem do conflito e construam de forma

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compartilhada uma solução. O papel do mediador, com as partes, através do diálogo proposto

por Habermas, constrói de forma argumentativa um esboço de acordo, baseado nas normas

em que se fundamenta a conciliação, num ambiente em que coabitam as falas de todos os

envolvidos, que devem ter assegurado o direito ao questionamento, participação, expressão e

defesa de suas opiniões. Não deverá existir qualquer espécie de constrangimento ou coação no

exercício desses direitos.

É nítida a intenção de desafogar o judiciário com a integração de práticas de mediação

ao processo judicial, entretanto, apesar de sua positivação, no que se refere à mediação

judicial sofrer algumas críticas, em virtude da essência do instituto da mediação, ela pode ser

vista por outro ângulo, ou seja, ter um reconhecimento quanto ao tema, uma vez que esse se

encontra em constante evolução, sendo inegável a possibilidade de disseminar uma nova

cultura a nível de judiciário.

Nos tempos atuais deve-se buscar a coexistência pacífica entre as partes, com o

estímulo do diálogo e participação das partes como protagonistas do conflito, preservando as

relações e humanizando o conflito. Dentro deste contexto a mediação tem inegável

contribuição para o processo, mas para sua efetiva aplicação dentro do mesmo, este deverá

sofrer uma releitura, para que sejam atingidos os seus objetivos, especialmente o fim de

pacificação social, enfim, uma mudança na cultura jurídica e mesmo extrajurídica, capaz de

dar conta desta releitura de conceitos e absorção de novas práticas.

CONCLUSÕES

Pode-se concluir que, embora seja o Brasil um estado democrático de direito, onde a

Carta Magna estampa os direitos humanos, o código penal é contraponto subsistindo em seu

caráter retributivo. Mesmo sendo possível elencar a Lei nº 9.099/1995, dos juizados cíveis e

criminais, como respaldo jurídico à prática da justiça restaurativa, ainda é desejável um marco

jurídico efetivo nesse sentido.

O tema é bastante embrionário entre nós, devendo provocar incredulidades e

resistências, e ainda, os debates e divergências acerca do assunto são pouco consistentes para

uma análise mais profunda do impacto da justiça restaurativa na comunidade jurídica e no

sistema de justiça brasileiros.

Como toda mudança e reestruturação de paradigmas, por óbvio que tal sistema deverá

ser implementado de forma controlada e cautelosa, sob monitoramento e avaliação constantes,

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o que é imprescindível para evitar situações de risco principalmente relacionados ao grande

desnível social em nosso país, onde a criminalidade é um retrato fiel de uma reação social.

A Justiça Restaurativa, em seu molde brasileiro, deverá emergir dentro do ideal

habermasiano que é basilar nas práticas restaurativas, o diálogo. Deverá ser resultado de

debates em fóruns específicos com a participação social para que se desenvolva um programa

passível de ser legitimado no Brasil, país com o sistema de justiça em falência especialmente

no que concerne à área criminal.

O crescimento geométrico da violência e da criminalidade, aliados à insuficiência

judiciária, forma na sociedade uma espécie de urgência quanto ao enfrentamento efetivo deste

complexo fenômeno. Há na justiça restaurativa, a oportunidade da transformação necessária, a

possibilidade da efetivação de uma justiça participativa que permita inovar no sentido de

promover direitos humanos, direitos de cidadania, promovendo dignamente a inclusão e a paz

social.

ABSTRACT:

This article discusses, in a generic way, aspects of restorative justice by examining the possibility of using this in the criminal justice system in Brazil, and scientific paper expounding concepts relevant to better understanding on the subject to build an understanding of the extent to what you propose such alternative procedure for tax justice. Enters also in respect of its application by the jurists, the difficulties and changes that obviously should be deployed, in need of fitness of this front of this new paradigm.

Keywords: crime, conflict, justice alternative.

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