Jussara Dos

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915 RBSE – Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 11, n. 33, dez. 2012 - Dossiê Corpo e Emoções FREIRE, Jussara. “O apego com a cidade e o orgulho de ‘ser baixada’: emoções, engajamento político e ação coletiva em Nova Iguaçu”. RBSE – Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 11, n. 33, pp. 915-940, Dezembro de 2012. ISSN 1676-8965 DOSSIÊ http://www.cchla.ufpb.br/rbse/Index.html O apego com a cidade e o orgulho de “ser da Baixada” Emoções, engajamento político e ação coletiva em Nova Iguaçu Jussara Freire Resumo: Neste artigo, proponho descrever e interpretar a presença de emoções e de afetos expressos nos repertórios reivindicativos de atores políticos engajados em partidos, movimentos de base e culturais da cidade de Nova Iguaçu (RJ). Esta análise buscará demonstrar que as emoções estão interligadas com formas cognitivas de avaliação, contribuindo para a elaboração de problemas públicos nesta cidade. As emoções constituem, portanto, uma dimensão central da gramática política da cidade. A análise da construção dos problemas públicos fundamenta-se nas percepções de justiça destes atores, relacionando os seus sensos do justo com as manifestações afetivas e emocionais que ancoram o que consideram aceitável e inaceitável. Em outros termos, a formulação pública da injustiça de pessoas engajadas nos movimentos analisados requer um conjunto de competências emocionais que modelam as reivindicações políticas e viabilizam, no contexto em análise, o acesso ao espaço público. Palavras-chave: emoções e espaço público, engajamento político, operações críticas e morais * Introdução Este trabalho tem como objetivo descrever e interpretar a presença de emoções e de afetos expressos por representantes de movimentos sociais na cidade de Nova Iguaçu (na região metropolitana do Rio de janeiro) quando estes atores constroem suas reivindicações políticas. Mais especificamente, buscarei analisar a relação entre estas emoções com o trabalho cognitivo de definição de assuntos prioritários (por parte destes movimentos), a serem tratados no espaço público. A partir de da análise da presença de emoções nas situações políticas da cidade de Nova Iguaçu, buscarei demonstrar que as emoções constituem um repertório fundamental de gramáticas

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Arena pública e sentimento de injustiça.

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    FREIRE, Jussara. O apego com a cidade e o orgulho de ser baixada: emoes, engajamento poltico e ao coletiva em Nova Iguau. RBSE Revista Brasileira de Sociologia da Emoo, v. 11, n. 33, pp. 915-940, Dezembro de 2012. ISSN 1676-8965

    DOSSI

    http://www.cchla.ufpb.br/rbse/Index.html

    OO aappeeggoo ccoomm aa cciiddaaddee ee oo oorrgguullhhoo ddee sseerr ddaa BBaaiixxaaddaa EEmmooeess,, eennggaajjaammeennttoo ppoollttiiccoo ee aaoo ccoolleettiivvaa eemm NNoovvaa

    IIgguuaauu

    Jussara Freire

    Resumo: Neste artigo, proponho descrever e interpretar a presena de emoes e de afetos expressos nos repertrios reivindicativos de atores polticos engajados em partidos, movimentos de base e culturais da cidade de Nova Iguau (RJ). Esta anlise buscar demonstrar que as emoes esto interligadas com formas cognitivas de avaliao, contribuindo para a elaborao de problemas pblicos nesta cidade. As emoes constituem, portanto, uma dimenso central da gramtica poltica da cidade. A anlise da construo dos problemas pblicos fundamenta-se nas percepes de justia destes atores, relacionando os seus sensos do justo com as manifestaes afetivas e emocionais que ancoram o que consideram aceitvel e inaceitvel. Em outros termos, a formulao pblica da injustia de pessoas engajadas nos movimentos analisados requer um conjunto de competncias emocionais que modelam as reivindicaes polticas e viabilizam, no contexto em anlise, o acesso ao espao pblico. Palavras-chave: emoes e espao pblico, engajamento poltico, operaes crticas e morais

    *

    Introduo

    Este trabalho tem como objetivo descrever e interpretar a presena de emoes e de afetos expressos por representantes de movimentos sociais na cidade de Nova Iguau (na regio metropolitana do Rio de janeiro) quando estes atores constroem suas reivindicaes polticas. Mais especificamente, buscarei analisar a relao entre estas emoes com o trabalho cognitivo de definio de assuntos prioritrios (por parte destes movimentos), a serem tratados no espao pblico. A partir de da anlise da presena de emoes nas situaes polticas da cidade de Nova Iguau, buscarei demonstrar que as emoes constituem um repertrio fundamental de gramticas

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    polticas de ao coletiva e um recurso para que estas reivindicaes possam acessar o espao pblico. A emoo pode ser um recurso mobilizado para a publicizao de determinados assuntos considerados prioritrios. Veremos, assim, como a tristeza, a humilhao e o desamparo se colocam como vozes no lugar de formas discursivas e retricas Vozes que se deparam com um difcil horizonte de publicidade de certas reivindicaes.

    A definio de um assunto problemtico a ser inserido com prioridade numa agenda pblica partir das percepes de justia e de injustia destes atores. Dessa forma, estas percepes sero aqui tratadas a partir de sua relao com as manifestaes afetivas e emocionais que ancoram o que considerado aceitvel e do inaceitvel, dizvel ou indizvel. Em outros termos, a formulao da injustia de pessoas engajadas em muitas formas de aes coletivas, no espao pblico, requer um conjunto de competncias que sero analisadas para alm dos meios discursivos e de linguagens. Proponho, neste artigo, ampliar a compreenso da formulao de crticas destes atores sociais esfera das emoes, considerando-as como recursos cognitivos que do forma s reivindicaes polticas. Mais ainda, buscarei entender como a emoo inseparvel de formas cognitivas de avaliao (Thvenot, 1995). Mobilizar a emoo ajustada situao na qual se elabora uma crtica assim uma competncia fundamental dos protagonistas de aes coletivas.

    Enquanto os afetos presentes em formas de aes coletivas de alguns pases europeus, como a Frana, esto muitas vezes caracterizados pelo sentimento de indignao (como ressaltam Boltanski e Thvenot, 1991 e Boltanski, 1990) caracterstica de emoes republicanas francesas e relacionadas com esta linguagem dos direitos, - as emoes mobilizadas nos coletivos estudados em Nova Iguau apresentam caractersticas singulares, como o apelo para a compaixo dos governantes, a denncia de humilhaes individuais e coletivas, ou ainda, a tristeza. Neste sentido, parte de minha discusso retomar brevemente algumas citaes de entrevistas ou de cartas de lideranas encontradas em estudos sobre ao coletiva e territrios da pobreza para analisar estes tpicos luz da trajetria das crticas elaboradas pelos atores polticos desses locais. Buscarei restituir, de forma no exaustiva, como alguns afetos como o apego cidade, a tristeza e o apelo compaixo do representante da autoridade - marcam fortemente o esprito da crtica iguauana. O

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    acompanhamento da trajetria afetiva das crticas destes atores sociais ter assim como objetivo contribuir para a reflexo sobre o espao pblico brasileiro, a partir das emoes presentes nele, alm de esclarecer a interpretao sobre os afetos dos coletivos estudados neste trabalho.

    Cabe ainda destacar que o material emprico deste trabalho se baseia na etnografia, entrevistas em profundidade e relatos de vida que realizei no quadro de minha tese de doutorado, de 2002 a 2005, sobre as percepes de justia entre os participantes da Federao de Moradores de Nova Iguau. Os coletivos polticos estudados, no municpio de Nova Iguau, so movimentos de base e movimentos culturais. Buscarei restituir e analisar os momentos de surgimento e de manifestao de emoes (principalmente a indignao, a humilhao, a tristeza, a compaixo, o desamparo) com a inteno de compreender como os afetos so constitutivos de princpios de justia dos protagonistas observados ao longo deste trabalho e, por extenso, de coletivos polticos desta cidade.

    Os referenciais analticos do trabalho:

    A chamada Sociologia Pragmatista Francesa e, particularmente, os pesquisadores do Grupo de Sociologia Poltica e Moral/EHESS (Luc Boltanski, Laurent Thvenot, ou ainda Marc Breviglieri), vm dando cada vez mais importncia reflexo sobre o tema das emoes para apreender os princpios de justia que norteiam as aes de pessoas em um horizonte de publicidade. Em 1984, Luc Boltanski publicou um primeiro artigo sobre denncia (Boltanski et, al, 1984.), onde se dedicou a analisar a pluralidade de formas de indignao em cartas de leitores do Jornal Le Monde. Marc Breviglieri (2001) analisou o sentimento de apego de jovens franceses, descendentes de migrantes magrebinos, em relao ao pas de origem de seus pais1, analisando como a vivncia dessa emoo constitui uma chave de leitura para compreender o mecanismo de nostalgia, que fundamenta formas de comunitarismo e de vivncia da Frana como pas no hospitaleiro.

    Alm destes autores, a perspectiva terica deste trabalho fundamenta-se nesta sociologia e na Sociologia norte-americana dos problemas pblicos, particularmente na abordagem de Gusfield (1981).

    1 Estes jovens no chegaram a morar nos pases de origem de seus pais.

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    Ambas consistem em focalizar o processo de publicidade do ponto de vista dos atores sociais nele envolvidos e no seu movimento espacial-temporal, sempre em curso de elaborao. Complementarmente, baseio-me na chamada Sociologia Pragmatista francesa (em particular, nos trabalhos de Luc Boltanski e de Laurent Thvenot), que oferecem preciosas ferramentas conceituais para observar operaes crticas, provas e disputas, bem como analisar as emoes dos atores sociais nas situaes que compem o espao pblico.

    Esta abordagem fornece conceitos de sensibilizao (Blumer, 1986), que permitem focalizar os processos de constituio e de formao de espaos pblicos a partir das crticas elaboradas pelos atores sociais em situao. Assim, trata-se de analisar os movimentos sociais a partir das percepes dos prprios atores, do que eles consideram justo e injusto, de situao em situao, e entender como estes sensos do justo constituem a trama da construo da ordem pblica.

    Adotar este ponto de vista implica em compreender a relao com os protagonistas observados de um modo que no se baseia numa relao de desconfiana, ou suspeita, quanto ao entendimento contido nos discursos ouvidos, cujo sentido profundo (inacessvel aos prprios atores) seria desvelado pelo pesquisador, mas, sim, numa postura descritiva e interpretativa do ponto de vista do agente competente2. De certa forma, pode-se observar que estes dois referenciais propem a passagem de uma sociologia crtica para uma sociologia da crtica, considerando que as operaes crticas e os sensos de justia so os princpios interpretativos para analisar as aes pessoais, as quais precisam ser contextualizadas nos seus universos sociais, espaciais e temporais. Considerar uma ao em situao o fundamento da compreenso do processo de publicizao. Logo, trata-se de se aproximar do princpio sociolgico de neutralidade axiolgica para que possa ser lida a construo do espao publico (e a respectiva participao dos movimentos sociais neste) pelos atores.

    2 Esta postura foi amplamente discutida na obra de Boltanski (1990), que prope um quadro analtico voltado para a descrio das competncias que as pessoas desenvolvem nas suas aes cotidianas, e no para uma anlise que revelaria suas iluses, a partir de uma atividade cientfica marcada pela externalidade em relao realidade observada. (cf. pp. 40-41).

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    O pressuposto bsico desta perspectiva que os atores sociais so agentes competentes. Entendo por esta expresso que as pessoas cujas atividades esto descritas abaixo possuem e desenvolvem competncias prprias quando problematizam determinados assuntos. Assim, uma descrio densa (Geertz, 1989) de casos particulares do possvel elucida no somente o entendimento da pluralidade de arenas pblicas brasileiros, mas tambm, por extenso, da ordem pblica a partir de um esforo de reconstituio possvel deste mosaico.

    Na continuidade destes estudos, este texto procura, a partir das operaes crticas e da indignao de pessoas envolvidas, descrever algumas destas competncias e analisar estas mobilizaes coletivas luz da pluralidade de situaes que constituem sua ao coletiva. Em suma, proponho descrever e interpretar as competncias dos militante de Nova Iguau quando estes se encontram em situao de justificar suas aes e de publicizar suas experincias de injustia e de denncias.

    Apego, Humilhao e Orgulho: Da Baixada Fluminense Nova

    Iguau.

    Em um artigo anterior (Freire, 2007), partindo de um recorte de minha etnografia em Nova Iguau, eu analisei os diferentes momentos e lugares de preparao de um ato pblico pela Federao de Associao de Moradores de Nova Iguau, que preservou o nome anterior sua institucionalizao enquanto federao, MAB (Movimento Amigo de Bairro). Eu busquei mostrar como a gramtica poltica dos atores engajados no MAB mobilizava os sentimentos de tristeza, de humilhao, ou, ainda, de desrespeito para com a reivindicao da necessidade de soluo, em diversos nveis, dos problemas sociais (Gusfield, 1981) da cidade. Surpreendentemente, a primeira forma de expressar uma indignao no se referia diretamente ao campo da denncia, da ofensa aos direitos cvicos ou a um tpico universalista, mas mobilizava repertrios gramaticais emocionais a partir dos quais listado o descaso dos governantes em relao aos assuntos problematizados por estas arenas. No seu lugar, as emoes mobilizadas estavam relacionadas com o sentimento de descuido, de humilhao e de desrespeito. Analisando o panfleto distribudo no Ato, e as seqncias anteriores, de preparao do documento, eu mostrei como estes sentimentos eram mobilizados no sentido de comover e, portanto, de engajar os transeuntes neste evento, observadores do Ato Pblico. Os sentimentos estavam se referindo s vivncias afetivas

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    compartilhadas por uma grande maioria de moradores de Nova Iguau. Analisei, neste sentido, a emoo como um recurso para o outro, transeunte (fsico ou metafrico), poder se reconhecer nestas reivindicaes.

    Na presente discusso, proponho analisar formas emotivas aqum deste tipo de gramtica poltica para entender a continuidade da experincia poltica. Mais precisamente, com a descrio dos significados atribudos ao fato de ser da Baixada, proponho compreender como este regime do familiar desliza a um regime poltico a partir da mobilizao de certas emoes.

    Eu sou da Baixada

    Dentre as pessoas que problematizavam cotidianamente o fato de ser da Baixada Fluminense, as falas de duas pessoas chamaram mais minha ateno: Angenor e Sebastio3. Sebastio militante do Partido dos Trabalhadores de Nova Iguau, tendo ocupado vrias funes neste. Ele morava em um dos municpios que se emancipou recentemente de Nova Iguau. Angenor do movimento cultural deste mesmo municpio, residente em Nova Iguau, mas com a particularidade de ter morado durante quase 10 anos em diversos bairros do Rio de Janeiro (no centro da cidade). A interpretao reunindo estas palavras de duas pessoas diferentes explica-se pela semelhana dos dois repertrios sobre Baixada Fluminense, pelo menos em alguns pontos.

    Sebastio: Tem coisas que so muito difceis falar com palavra... Observa uma pessoa da Baixada Fluminense, observa seu rosto. Parece algo de preconceituoso... Mas tem um trao! Reparo os dentes, no seu dente. o dente de Angenor, de Bernardo... de... A gente tem um jeito diferente (itlicos para insistir na exclamao). O povo da Baixada Fluminense um povo fodido, sem dentes, sem roupa, sem xampu, alguns sem pasta de dentes, sem dentistas, esta msica [Cariocas de Adriana Calcanhoto] no me representa, no tem nada a ver comigo... (tom exclamativo). Sebastio, situao de entrevista, 2003.

    3 Para preservar o anonimato e os termos do que foi decidido com os protagonistas do meu trabalho de campo, alterei nomes, datas e determinados lugares. Em alguns momentos, tambm alterei sensivelmente certos fatos que me pareceram envolver situaes, que tambm ofenderiam este acordo. No creio que estes cuidados, derivados de exigncias ticas, tenham afetado a fidedignidade da descrio apresentada.

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    A primeira observao reveste um carter evidente: ser da Baixada Fluminense descrito como uma inscrio corporal. Inclusive, como Goffman (1975) lembra no incio do seu livro, o primeiro sentido do estigma precisamente uma marca corporal. Mas, no caso da problemtica do presente trabalho, o interesse est mais voltado para a forma como o estigma se insere numa gramtica pblica e apresentado com forte teor emotivo. As palavras de Sebastio chamaram minha ateno porque elas apresentam o ser da Baixada como algo indizvel, precisamente pelo fato de este jeito ser definido a partir de uma inscrio corporal. Mais ainda, ele me convidou a analisar junto com ele o jeito de ser da Baixada Fluminense remetendo, em primeiro lugar, a meus dentes, pedindo para compar-los com os dentes de Angenor e de Bernardo. Nesta seqncia de entrevista, Sebastio me colocou como terceira pessoa para quem descrita uma regio, uma posio que reala o trabalho reflexivo de problematizao.

    Este movimento prvio de comparao dental sugere tambm uma passagem de um [voc] (meus dentes) para um [eles] (os dentes das pessoas da Zona Sul) que vai permitir apreender a diferenciao de um [ns] (os dentes dos residentes da Baixada Fluminense). E este [ns] modela, em seguida, uma crtica que possui um horizonte de indignao pblica. Ora, na segunda seleo desta entrevista, um [ns], o povo da Baixada, convocado por Sebastio, que se coloca, de certa forma, como porta-voz de si mesmo, evidentemente, mas tambm dos [ns] que passaram pelas mesmas experimentaes, experimentaes de situaes que evidenciam um lao comum entre estas pessoas todas. Para significar este mundo comum, o meio realar minha diferena no caso de meus dentes alinhados demais, que indicam que no passei por experincias de falta e que, por extenso, assinalam tambm que visivelmente meu mundo outro. Esta diferenciao, uma vez generalizada, e tendo-me extrado deste mundo, em vista de estabelecer o distanciamento, pensada a partir de experincias diretas ou indiretas de falta. As faltas aqui mencionadas so singulares e remetem a objetos familiares4. Em momento algum, nesta seqncia,

    4 Ou, retomando uma noo de Thvenot (1994), estes objetos se inscrevem num regime de familiaridade: regime que pressupe tratar do contato com as coisas pelo canal de diversos sentidos que permitem moldar um ambiente sem precisar passar pelo formato do objeto o toque num envolvimento corporal e que implicam um ajustamento ou no por referncia a certos objetos a fortiori objetos qualificados mas por referncia referncias infra-objetais.

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    a moradia ou o saneamento so convocados para ilustrar a reflexo de Sebastio. Eles so apreendidos a partir de elementos que remetem a uma relao familiar que a pessoa tem consigo, mais exatamente ao sentimento de cuidado consigo: dentes, xampu e sabonete que se tem em casa. Esta breve citao permite entender como certos engajamentos polticos partem de um sentimento de apego regio emoo porque este apego no taken for granted e expressa um certo tipo de indignao.

    Poder-se-ia acrescentar que esta crtica formulada no pode apenas ser pensada segundo a situao de entrevista. Ela tambm formulada em outras ocasies, durante encontros corriqueiros com conhecidos. Um ano depois desta entrevista, numa segunda-feira, num bar, um argumento muito semelhante foi discutido com seis pessoas sentadas mesa, eu includa (embora Sebastio se endereasse principalmente a Angenor, e no a mim):

    Sebastio: Como aquela msica de Adriana Calcanhoto? Cariocas so bonitos, cariocas so bacanas, cariocas so espertos, cariocas no gostam de sinal fechado. Eu no me reconheo nem um pouco nisso. E voc (falando com Angenor), voc se reconhece nisso? (Angenor balana sua cabea para expressar a negativa) O pessoal da Baixada Fluminense no tem nada a ver com isso. Aqui no tem gente bonita, bronzeados e modernos! (risos) Aqui todo o contrrio disso! (franca risada coletiva na mesa).

    Eu: Essa msica, ela fala do pessoal da Zona Sul?...

    Sebastio: , uma msica para o pessoal do Rio, aqui o pessoal no tem nada a ver com isso; no se reconhece com isso! Eu ainda acho que o pessoal daqui tem um fsico e um jeito especficos.

    Eu: Sim, mas mesmo no Rio, varia, no? O pessoal da Zona Norte se reconheceria nisso?

    Angenor: Claro! Madureira, por exemplo, tem nada a ver com isso tambm. Isso um retrato da Zona Sul.

    Assim, o ambiente, e por extenso o meio ambiente, estudado por Laurent Thvenot, pensando-o como o que est ao redor, enquanto meio de proximidade com o qual temos um apego, que freqentamos segundo certo uso e forma de habitar. Dessa forma, o meio ambiente caracteriza-se pela relao familiar que temos com ele, uma relao que provoca uma tenso com o desapego e a distncia crtica prprios coisa pblica (Thvenot, 2000b).

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    Sebastio me diz, durante a entrevista, que no gosta do lado libertrio do Rio de Janeiro. Ora, este esprito libertrio , segundo ele, o que caracteriza a msica Cariocas, evocada com insistncia nas falas e nas reflexes de Sebastio sobre a Baixada Fluminense, em contraste com aquelas do Rio de Janeiro.

    A irritao quanto ao esprito libertrio de definir o que o Rio de Janeiro pode ser entendido como uma redefinio de enquadramento, que sustenta, como veremos na prxima seqncia da mesma entrevista, a crtica de incompatibilidade de mundos geogrficos e cognitivos. Ser libertrio ser leviano, e esta conduta conduz necessariamente a um fechamento sobre si mesmo, o que impossibilita a abertura para conhecer um outro prximo, percebido de antemo como quem no faz parte deste mundo comum (o que explcito na distino que Sebastio estabelece entre os atributos do carioca nesta msica e os do residente da Baixada Fluminense). Logo, a resposta subjacente de Sebastio situa-se numa crtica segundo a qual a Baixada Fluminense no percebida como pertencendo a uma humanidade comum, e assenta sua crtica no emprego de um dispositivo musical que economiza o detalhamento da crtica formulada na entrevista, que se apia na sua experincia singular. A oposio entre a msica e a autenticidade da experincia da Baixada Fluminense permite condensar o detalhamento das experincias singulares de quem da Baixada Fluminense, principalmente naquela mesa de bar onde todo mundo menos eu dali.

    Mas a indignao de Sebastio no compreensvel se extraio desta entrevista outros elementos indispensveis e anteriores a esta seqncia para analisar a relao que ele estabelece com esta regio, e, mais precisamente, a forma como se constitui em ruptura com elementos da Zona Sul, mas uma ruptura que parte de experincias de encontro to excludentes que elas podem ser colocadas como o que pode interromper um projeto universitrio, e por extenso, um projeto profissional. Depois de um grave acidente, Sebastio teve de parar a atividade que exercia, e decidiu iniciar uma formao em Cincias Sociais, na UFRJ:

    Sebastio E a fiquei em 86 e 87 na UFRJ. Em 87, j no suportava mais a universidade. Estudava no IFCS, aquilo me deprimia. Fiquei muito deprimido com aquilo. Muitos... No sei... Acho que eles eram anarquistas... Eles eram muito chatos! No sei... No gostava deles! Eles eram um saco, no gostava deles... Muito chatos! Eu lembro que

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    tinha uma anarquista l no IFCS, [Michele], ela... ela... nessa poca eu j era do PT, a eu tinha sempre uma crtica a ela... Mas era sempre na brincadeira, porque ela era a tpica pequena burguesia carioca... Anarquista por contedo, mas na vida era a classe mdia mais babaca da Zona Sul do Rio de Janeiro. Ela falava que tinha... a... A quando eu queria sacanear ela com o seu esprito libertrio... fcil ter um esprito libertrio para quem mora em Copacabana, quero ver com esse esprito libertrio morando na Baixada Fluminense. A ela falava que eu tinha sndrome de prole, que... que eu tinha a sndrome de proletariado. Me sacaneava com esta histria, esta menina, inclusive ela no sabe disso, porque eu no vi essa menina depois da universidade... O nome dela era [Michele], certamente ela no lembra mais de mim, eu no esqueo dela nunca. Teve um dia que eu tava muito deprimido com aquilo l, chateado, as pessoas que estudavam l no tinham a minha cara, no tinham o meu jeito, no gostavam da mesma coisa que eu gostava, eu estava muito angustiado l, no gostava daquilo que eu gostava. Tava muito angustiado l. A um dia tou indo embora para casa. A ela:

    - [Sebastio] quer carona?

    - Quero. Voc vai para onde?

    - Voc sabe aonde eu vou!

    - Pra onde voc vai?

    - Eu vou pra Copa!

    - Mas eu no vou pra Copa, eu vou para Nova.... Pra Nova Iguau! [rimos]

    Depois deste dia, nunca mais botei um p no IFCS! Eu at hoje no gosto da cidade do Rio de Janeiro, no gosto... (...) No... No era essa menina no... O que me incomodava, no IFCS, ramos... Da Baixada... Tinha... tinha eu, que era de Nova Iguau, um rapaz de Nilpolis, e um rapaz... no lembro... era de Cascadura.. . o resto era todo da Zona Sul... E isso ainda deve ser o perfil de l... De Zona Sul!.. No tinha o meu jeito l... A gente tem um jeito de falar, no sou carioca, eu no vou para l... Aquela msica da Adriana Calcanhoto... Eu no tenho nada a ver com aquela msica... No me encontro naquela msica... Eu sou da Baixada Fluminense, outro papo, outra histria! (Os colchetes indicam as trocas de nomes ou risos)

    As diversas hesitaes expressam um mal-estar nestas situaes de convvio que confirmam todos os sentimentos expressos nesta seqncia: angstia, depresso, raiva, sensao de mal-estar.

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    Pode-se perceber um insistente sentimento de irritao em relao s pessoas da Zona Sul (chatos, duas vezes, eu no gosto ou no gostava deles, saco e babaca palavras pronunciadas de forma muito incisiva e exclamativa). Nesse sentido, a Zona Sul estritamente associada a um universo pequeno-burgus carioca, de um tipo especfico de classe mdia, uma caracterstica que sugere um encontro insuportvel. Pode-se assinalar que Angenor, por exemplo, ainda mais explcito alis, esta uma de suas caractersticas - na cidade de Nova Iguau e, por vrias vezes, em bares, em situao de discusso referente Zona Sul, qualifica seus residentes de classe mdia mais idiota, classe mdia filha da puta, ou ainda os otrios da Zona Sul, ou, ainda, apela para o conceito de etnocentrismo. Ora, estes sentimentos de indignao, no caso de Sebastio, e de revolta, no caso de Angenor se do de modo fortemente afetivo e so causados por estas experincias de convvio nas quais a troca era sempre desviada em relao forma como eles eram enquadrados, e, logo, definidos pelos outros que no so da Baixada Fluminense. Assim, quando [Michele] falou para [Sebastio] que ele tem sndrome de prole, ela quase o est chamando de doente (se tomamos literalmente o sentido da palavra sndrome), se no de retardado. Ora, mesmo que Michele s pudesse enquadrar a fala de Sebastio como uma provocao, o que Sebastio expressava era seu pertencimento Baixada Fluminense atravs da crtica de uma forma de envolvimento poltico. O dilogo, que Sebastio reconstitui de memria, aponta para enquadramentos que preestabeleciam uma desigualdade de posio na situao, a partir dos quais o recurso ironia impossibilitava qualquer horizonte de xito de interao. Mas percebe-se que a administrao da forte tenso, pelo menos durante a situao, caracterizou-se por uma resposta to irnica quanto de Michele. Mas mesmo que no fosse somente por causa dessa interao, a reao de exit se manifestaria logo em seguida: Sebastio nunca mais voltou para a universidade. Assim, nesta situao corriqueira, pode-se tambm apreender a vulnerabilidade no da pessoa, mas sim da experincia de contato misto e de suas repercusses para a pessoa que se apresenta como sendo da Baixada Fluminense.

    Quando Sebastio repete que no gosta daquelas pessoas, ele insiste numa forma diferente de enquadrar os mundos da vida cotidiana, o que provoca uma tenso inadministrvel, sugerida pela sada deste mundo. Assim, Sebastio descreve, na seqncia inteira,

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    seu sentimento de estranhamento, de sensao de ser um estrangeiro num mundo que no tem contato com o seu, embora a recproca no seja idntica. E esta irritao que se manifesta com repetio devida a uma experimentao do mundo do outro que incompreensvel, por no ter as mesmas experimentaes do seu prprio mundo. Estas situaes repetidas provocam, inexoravelmente, o sentimento de que o mundo do outro um saco, chato e babaca. Mais ainda, elas sugerem a existncia de humanidades diferenciadas, que no podem, para certas pessoas da Baixada Fluminense, ser pensadas em um horizonte de um viver junto.

    Mas que experimentaes so estas, que acabam gerando algo de inefvel, tenses inadministrveis que s podem ser expressas pela via da emoo sem palavras, uma sada desses mundos outros durante as interaes que provocam tal indignao?

    Muitas das mes das pessoas envolvidas em movimentos sociais, polticos e culturais foram empregadas domsticas. Logo, a aproximao entre mulheres de Zona Sul, muitas vezes qualificadas de patricinhas, e mulheres da Baixada Fluminense podem se dar num horizonte do emprego sujo. Com efeito, as mulheres da Baixada Fluminense que vo trabalhar nestas casas so uma modalidade possvel, e s vezes mencionada nos momentos de indignao contra esta Zona Sul. Ora, em alguns casos, a escolha da profisso de empregada domstica significa o nico recurso, quando a barra est muito pesada (Angenor). Odvam mencionou que sua me tornou-se empregada domstica quando seu pai ficou desempregado: a a situao ficou difcil. (...) Minha me sempre foi dona-de-casa, depois passou a ser empregada domstica, meu pai no queria que algum ficasse de olho nela, cimes.

    Em muitas entrevistas e conversas quotidianas que tive, quase todas as pessoas mencionaram uma experincia: a subnutrio, o limiar da fome. Creio que estas experincias so indispensveis no somente para entender a ruptura de quadros entre esta Zona Sul, mas tambm uma falta elementar, que pode dar um toque singular anlise sobre elaborao de crtico, senso do justo e envolvimento poltico. Quase todas as pessoas que entrevistei, ou com quem conversei, mencionaram a experincia no limiar da fome: no experimentaram necessariamente o sentimento de fome, mas tiveram restries de comida, quando crianas, que incorporaram naturalmente

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    s suas respectivas histrias de vida. Relatos incorporados espontaneamente nas entrevistas, que tinham como objetivo o apresentar suas trajetrias polticas:

    Sebastio: Te contei a histria do ovo. A minha me... ela, ela no tinha dinheiro nenhum.. A... Pegava alguma moedinha que a gente arrumava, inclusive vendendo bola de gude, ou vendendo pipa, e comprava um ovo. A gente morava a p, a 20 minutos de Nova Iguau, eu cansei de ver minha me, 10-11 horas estar desesperada atrs de um dinheiro... Dinheiro! Dinheiro! Dinheiro!. A arrumava algum dinheiro s 11 horas da manh. A vinha correndo para o centro de Nova Iguau, num supermercado que era o Rainha.. O Rainha acabou... Entre a Casa da Banha e o Disco, eram dois supermercados que tinham em Nova Iguau. Era Rainha? Acho que era o Rainha! A tinha uma tendinha pequenininha, vendia um macarro quebradinho, era todo quebradinho, a comprava para levar pra casa, pra gente almoar. A pegava e comprava um ovo! A quebrava este ovo, batia no prato, botava um pouco de farinha, esquentava o leo na frigideira e balanava igual... At que o ovo casse todinho na frigideira. A ela cortava, botava feijo, arroz e feijo e um pedao de carne... (...) A gente chamava de carne o ovo (...). A a gente perguntava: Me, a senhora no quer carne, no gosto de carne, vou comer sem carne, no gosto de carne no. No gosta, porra nenhuma! ramos 4 filhos, dividir um ovo em 5 era muito difcil. Quem vive assim, tem que ser objetivo, no d para no ter objetivo... (...) Voc pode tratar das coisas com simplicidade, acho que isso que nos difere das coisas da Zona Sul.

    Odvam: No passvamos fome porque tinha alguma coisa para comer, a gente comia angu, de manh era angu frito ou cevado, no tinha dinheiro para tomar caf porque o preo do p de caf estava muito alto, a no almoo era angu, minha me chegava a botar alguma coisa no angu para variar. (...). Tem uma foto onde eu tou magrelo (...). Minha me chegou a comprar complementos, chegou a comprar vidrinho de ferro para no ficar fraco (...). Nessa poca meu pai trabalhava, mas minha me no. E no dava para segurar. Pagvamos aluguel (...) e ainda a gente tinha que pagar mensalidade de escola, era difcil, mas a gente no chegou a ter nada para comer, o mnimo. (...) Isso realidade da Baixada Fluminense, tem muita gente que passa fome.

    Milton: A razo de eu ter vindo com minha famlia para Belford Roxo, que na poca era o municpio de Nova Iguau, foi quando ns passamos, no interior... n... na... na... na... no interior, comeou a ter aquela histria do xodo rural, que j tinha comeado desde da dcada de 50, se aprofundou na dcada de 60 e 70, a no teve jeito... n... a construo da ponte Rio/Niteri... Ela atraiu muitos... Muitas pessoas

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    do interior... N... No tinha emprego no Nordeste, no prprio interior de Minas Gerais, do estado do Rio de Janeiro, fez com que muita gente flusse para a regio metropolitana do Rio de Janeiro. Ento, nos idos de 1970, passando uma srie de privaes, meu pai desempregado, meu pai desempregado, eu sou filho de uma famlia que tem... Somos 12 irmos... Hoje somos 11, tem um falecido... mas naquela poca passamos privaes.. lembro de uma poca da nossa vida l... Ns plantvamos no quintal, abboras, e a gente tinha estimao... So fatos que lembro bem da minha poca de criana, que lembro bem, j tinha 5-6 anos... nos tnhamos... a gente tinha... a gente conservava uma abbora que era muito grande, que eu lembro, era uma abbora que pesava cerca de uns 20 a 25 kg, e a gente todo dia... a gente tinha muita estima pelas aquelas duas abboras, eram o maior xod, todo mundo ia l de manh, visit-las.. Mas at que a situao ficou to ruim, to ruim, desemprego... N... Privao... Foi o ano que a gente teve que comer a abbora, o que a gente estimava muito, a gente teve que comer a abbora, n, e a a gente no tinha mais no dia seguinte, levantamos, no dia seguinte, no quintal a gente jogava a gua na abbora... no tinha... Ento... foi uma coisa que me marcou muito nessa vida difcil no interior.

    De fato, Sebastio relacionava o fato de ser da Baixada Fluminense do ponto de vista das faltas ntimas que as pessoas encaram diariamente. Ora, estas pessoas, envolvidas em diversas arenas polticas de Nova Iguau, inseriram suas experincias quase que espontaneamente. Elas inseriram estas experincias nas suas trajetrias polticas, como algo que desencadeia uma percepo de justia singular: a ampliao destas pessoas que tm esta experincia em comum , assim, vista como uma marca que consistir em ampliar um lugar e uma lembrana em uma regio, a Baixada Fluminense. Este movimento visvel tambm nas palavras de Odvam: aps narrar o episdio de limiar de fome, ele acrescenta um comentrio que finaliza a discusso sobre este tema, para uma experincia comum: a Baixada Fluminense. No sentido inverso, Milton inicia sua fala com um comentrio geral, sobre fluxos migratrios, para poder explicitar sua experincia singular. como se o recurso de dessingularizao destas experincias possibilitasse a narrao deste tipo de situaes e apontasse para um enquadramento de situaes mistas, de forma totalmente singular, em relao Zona Sul.

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    Ascenso em generalidade e elaborao de crticas pblicas partindo do recorte Baixada Fluminense: de um [eu] prximo

    a um [ns] pblico.

    Como o recorte Baixada Fluminense mobilizado, pelos residentes de Nova Iguau, para denunciar, indignar-se ou reivindicar, num horizonte de publicidade? Para responder a esta pergunta, uma anlise sobre o movimento cognitivo do singular para o geral se revela fecunda. Ela permite, tambm, entender como se apresenta a continuidade de experincias singulares que ascendem a um nvel de generalidade a partir de uma problematizao pblica do que Baixada Fluminense. Vimos, anteriormente, que um primeiro recurso consistiu em ampliar experincias particulares do ponto de vista do que elas tm em comum. Isto a condio para criar um sentimento comum e compartilhado em torno do significado de ser da Baixada. Esta ampliao de lugar e de pessoas essencial porque ela caracteriza um mecanismo cognitivo (a emoo um recurso destas operaes cognitivas) que permite analisar um processo de publicizao.

    Aps ter me apresentado a Baixada Fluminense neste movimento Zona Sul/Baixada, mas sem abandon-la, Sebastio formula uma definio pblica (de ser) da Baixada Fluminense que se desloca de forma contnua, na entrevista, de sua experincia singular e de outros particulares. Uma vez que Sebastio descreveu sua experincia, bem como aquelas de outros singulares, ele define a Baixada Fluminense no que ela tem de universal. Neste momento, no so mais pessoas que aparecem, e sim indicadores estatsticos e da rea de educao, a realidade scio-econmica que conhece muito bem, por ter atuado num rgo estadual:

    Ns somos trezes municpios (...) no passado ramos menos... fomos nos desmembrando... somos menos... a realidade social da Baixada Fluminense a realidade scio-econmica muito parecida na Baixada Fluminense inteira, pegue os indicadores da rea de educao, da Baixada Fluminense inteira... e no tem que Nova Iguau melhor de que Paracambi.. A gente unido pela merda... O coc de l igualzinho ao coc de c, porque tem a mesma destinao... Somos iguais... Porm tem algo que subjetivo... Esta histria do jeito de ser da Baixada Fluminense, ou voc percebe com a sensibilidade ou voc no percebe... Mag e Guapimirim e Seropdica e Itagua e Paracambi, eles no tm o mesmo ar de Baixada Fluminense, embora os indicadores econmicos e sociais so parecidos, mas o povo de Mag, eles parecem mais com o interior de Minas. De Caxias para c, Caxias,

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    Belford Roxo, Queimados, Japeri e So Joo de Meriti ... Isso para mim o centro nervoso da Baixada Fluminense. E alm da realidade social e econmica ser muito parecida... (...). Caxias tem um jeito de gente mais truculento. Comea com o Homem da Capa Preta e quem mora aqui o Zito. So Joo tambm tem esta histria mais ligada ao crime, a bandidagem que comanda. Mas a gente tem um jeito, um jeito at de se vestir. Veja como a gente se veste e vai para o Rio Sul... Voc vai ver a diferena. Mas objetivamente o que nos d identidade dificuldade na rea social e econmica.

    Leblon, ali, tem uma qualidade de vida melhor do que aqui... A a teoria da ndia, muito clara no Brasil, e nos somos a ndia do Brasil.

    Ainda que esta seqncia apresente uma definio eminentemente pblica da Baixada Fluminense, percebe-se, ainda, a oscilao constante entre o subjetivo, um singular, e o objetivo, um comum acordo do que Baixada Fluminense que se fundamenta nos dispositivos cientficos (seus indicadores, sua realidade objetiva, as reas sociais e econmicas). Quando Sebastio define os municpios que so o crebro da regio, a prpria regio se torna um organismo vivo, um amplo coletivo. Percebe-se, tambm, que a enunciao de problemas sociais termina com o tema da violncia. Mas interessante perceber que este tema, na entrevista tanto de Sebastio, quanto de William, ou ainda em conversas informais, apenas est evocado em relaes de face-a-face e est raramente presente em situao de publicidade. Ora, a questo da violncia e do medo de publicizar este assunto pode, para certas arenas pblicas, reorientar o agir poltico a partir de certos assuntos que se apresentam como indizveis, mas sentidos.

    A ampliao da regio e de seus problemas, que se d, no seu pice, com uma comparao ndia, encontra-se tambm em crticas e denncias de outras pessoas. No entanto, a formulao desta crtica no recorre a um repertrio poltico cvico. Assim, pode-se perceber a peculiaridade da forma como so expressas estas dificuldades, com semntica de defeco, se no de regio profanada (o coc, a unio pela merda), que fundamenta a crtica de Sebastio. Ora, esta semntica, que amplia os problemas sociais de um municpio para todos os municpios de uma regio, pode ser entendida como uma indignao com o horizonte de ser no somente compartilhado, mas tambm de mobilizar diante destes problemas. Veremos, inclusive, os diversos recursos para ascender crtica em um nvel de forte

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    publicidade. Para poder agir politicamente, a elaborao e a formulao de uma crtica que seja ajustada situao na qual expressa, uma condio essencial.

    A explicitao das crticas relacionadas Baixada Fluminense permite no somente entender percepes do que justo por alguns protagonistas de Nova Iguau, delineando paralelamente uma crtica social, mas tambm quase que consequentemente algumas formas de problematizao de certos assuntos. Sebastio, por exemplo, refere-se a um repertrio que mobilizou, particularmente nos fim dos anos 80, pessoas que atuavam no MAB. Ora, estas pessoas empregam o recorte da Baixada Fluminense em funo das suas prprias aes, seja pessoal ou impessoalmente. Francisca, que participou ativamente de diversas questes levantadas por Sebastio, por sua atuao no MAB e numa associao de moradores, emprega o recorte Baixada Fluminense a partir de mobilizaes coletivas concretas:

    Foi da em diante que comeou a se discutir... Em 88, o SOS Baixada... A questo da Sade... Era falta de tudo... de Sade... no tnhamos... tnhamos problema de moradia, de saneamento, era um SOS, um socorro para a Baixada... O povo ficou desabrigado por causa da chuva... Tambm, a dengue... No sabia se o mosquito era municipal, estadual ou federal! Era uma briga para saber de quem era o mosquito... E o pessoal morrendo... (...) Ns paramos a Dutra e a Washington Luiz... Em 88, eu participo disso, mas no tou de frente, direto, fao parte da associao de moradores, no fao parte ainda da diretoria do MAB... Eu fui militar no conselho municipal de sade (...) Como foi atingida toda a Baixada... a dengue, e a chuva, com vrias famlias desabrigadas com enchente... A j tinha um Comit de Saneamento [da Baixada Fluminense] em 84, n... J era uma luta do saneamento... O saneamento j... e j tinha outra da sade... A o pessoal fechou todo esse bloco, todas entidades federaes que j existiam... (...) Era uma calamidade pblica! Por isso... O SOS Baixada...

    Francisca participou de vrias mobilizaes, desde os anos 90, que reuniram no somente coletivos iguauanos, bem como de outros municpios vizinhos, particularmente So Joo de Meriti e Duque de Caxias, sendo que Belford Roxo, Queimados e Nilpolis eram ainda distritos de Nova Iguau. Alis, ela se refere Baixada Fluminense do ponto de vista de certas mobilizaes histricas para a Federao de Associaes de Moradores de Nova Iguau. Dentre elas, trs assuntos se destacam: o do Saneamento na Baixada Fluminense, o da Sade e o

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    da Moradia nos nveis estadual e federal (participando da FAMERJ e da CONAM). Trs assuntos que so as bandeiras de luta do MAB e, por conseguinte, assuntos problematizados com o horizonte de que se tornassem problemas pblicos. Por enquanto, apenas quero apontar as gramticas que orientam certas aes militantes. Pode-se acrescentar que Francisca tem uma filiao partidria com o PCdoB. Mas ao contrrio de Sebastio, ou de William (que teve tambm uma atuao no MAB e na FAMERJ), cujo recorte pode ser relacionado com ideologias partidrias, pode-se perceber que ela apenas emprega a categoria Baixada Fluminense para se referir a mobilizaes coletivas, no contexto da situao de entrevista.

    Alm destes assuntos, Francisca retomou este recorte durante a preparao e os encontros do Frum Reage Baixada Fluminense, que acompanha as apuraes da Chacina de Queimados e de Nova Iguau, que ocorreu em maro de 2005. Neste sentido, o recorte Baixada Fluminense sempre associado a uma ao coletiva que se coordena em torno da definio e do horizonte de resoluo de problemas comuns a outros municpios da Baixada Fluminense. claro que as palavras de Sebastio tambm iam neste sentido. No entanto, o que h de singular na explicitao de Francisca que a Baixada Fluminense no definida, ela um referencial de ao coletiva ampliada. A Baixada Fluminense no se refere precisamente a uma regio mental, com seu jeito e modo de ser. Aqui, a Baixada Fluminense est interligada a uma crtica pblica que se fundamenta num repertrio cvico (Boltanski, 1990), mas entrelaado com um forte repertrio emotivo - o que se percebe com os termos de calamidade, de descaso ou de abandono, pelos poderes pblicos, dos municpios da regio. Ora, esta crtica orienta a ao coletiva do MAB, do MUB (Federao de associaes de moradores de Caxias) e da AMB (Federao de Associaes de Moradores de So Joo de Meriti), como pude perceber em reunies do Comit da Baixada Fluminense, que ocorriam no MAB. Assim, a gramtica poltica de Francisca, do MAB, parecida com aquela de outras personagens que analisaram e tiveram uma atuao nestas mobilizaes polticas, como o caso de Jorge Florncio Oliveira, que foi Secretrio da Baixada Fluminense durante o mandato de Governadora de Benedita da Silva. Em colaborao com Hlio Ricardo Porto e Orlando Alves dos Santos Junior, os autores redigiram um artigo sobre o Programa de

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    Saneamento (Oliveira, J. F. (Org.) et al, 1995, p. 7) que abre da seguinte forma:

    Em fevereiro de 1988, a Baixada Fluminense era o retrato mais cruel do descaso do Poder Pblico com a cidadania. As chuvas que caram nesse perodo deixaram 277 mortos, 735 feridos e 22.590 desabrigados, em todo Grande Rio. (...). Mas neste ano as propores de calamidade chamaram a ateno de toda sociedade brasileira e tambm da comunidade internacional, atravs dos meios de comunicao. (grifos meus).

    No h por que se surpreender com a semelhana de repertrios de Francisca e dos trs autores deste artigo, j que todos foram importantes atores no movimento de saneamento da Baixada Fluminense. Logo, a construo da crtica relacionada aos problemas de saneamento foi evidentemente elaborada coletivamente. O interesse de realar estas gramticas visa a delinear alguns dos campos semnticos que definem regimes de aes coletivas, com trs principais nveis de indignao: o descaso (que tambm est implcito na seqncia selecionada da entrevista, quando ela se pergunta a quem pertencia o mosquito), o estado de calamidade e o risco de vida (pelos casos de mortes que ocorreram). Poder-se-ia assinalar que os prprios jornais (imprensa local particularmente o jornal Correio da Lavoura - e imprensa nacional JB/O Globo) passam a empregar categorias semelhantes para se referir aos problemas urbanos pelos quais passa Nova Iguau e outros municpios da Baixada Fluminense: inexistncia de saneamento bsico, falta de gua ou a inexistncia de canalizao, a deficincia de iluminao pblica, a falta de escola, a falta de transporte, a ausncia de asfaltamento ou, ainda, o problema dos buracos nas ruas e nas caladas. Em um artigo de O Globo, do dia 5 de novembro de 1978, h uma pgina inteira dedicada a Nova Iguau com o ttulo: a cidade problema. Outro jornal local, O Correio da Lavoura (5 de novembro de 1978), intitula uma matria: Situao dos bairros calamitosa.

    Contudo, o tpico da indignao no pode ser restrito crtica basista, que designa dois regimes da ao coletiva distintos, embora possam ser mobilizados juntos em determinadas situaes que renem associaes de moradores e partidos polticos. O que chamo de crtica basista assenta-se num projeto ideolgico e partidrio, que pode tambm mobilizar o tpico da indignao, mas com horizonte especfico, o de conscientizao.

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    Na elaborao da crtica basista, as diversas denncias e mobilizaes de associaes de moradores constituem um eixo importante deste regime. Neste, o tpico da indignao se assenta, at hoje, e o repertrio da escassez, da carncia de tudo ainda muito presente. Assim, quando ia para uma associao, no era incomum o presidente me convidar para me mostrar os lugares problemticos de seu bairro. O fato de me levar ao local era no somente um convite para conhecer os problemas dos bairros, mas tambm uma forma de me mobilizar em relao aos mesmos. Quando eu chegava no bairro com uma mquina fotogrfica, o prprio presidente sugeria o que eu precisava fotografar. Por duas vezes, presidentes diferentes tambm me pediram para tirar fotos de buracos ou de valas a cu aberto no intuito de resolver estes problemas diretamente com a imprensa, j que nunca tiveram resposta do poder municipal. A mdia, mais exatamente o jornal local, tornava-se o meio de pressionar o poder pblico para a resoluo dos problemas.

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    Pela experimentao quotidiana destes problemas, a formulao de uma denncia voltada para este tipo de assunto problemtico e prximo ascende a um primeiro nvel de generalidade no espao do MAB. Este um espao de recolhimento de denncias desta e de outras naturezas, que se encarrega de generalizar este problema para uma regio, para alm do bairro.

    Assim, uma das caractersticas da associao de moradores de problematizar um assunto num regime de proximidade, e, assim, de base, mas so requeridas, por parte do MAB, algumas

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    competncias destas lideranas para conseguir, em certas situaes, formular estes problemas com um horizonte de generalizao e com um forte teor emotivo. Estas emoes poderiam ser encobertas no repertrio da humilhao (descaso, descuido, etc.) e no exatamente em um repertrio de crtica cvica que partiria da negao do acesso a direitos universais, como seria o caso de alguns movimentos sociais europeus. interessante perceber que, no caso de Nova Iguau, a humilhao um recurso que permite generalizar a crtica destes lderes, mas em um movimento ajustado ao agir poltico do estado do Rio de Janeiro.

    Consideraes finais:

    Humilhao, descaso, sentimento de abandono e de desamparo... Estas so algumas das emoes que podem ser encontradas em algumas fendas do espao pblico quando certos assuntos so dificilmente dizveis ou reconhecidos como legtimos de serem reivindicados. Neste caso, a emoo permite atribuir palavras vivncia das injustias que marcam diversas situaes da vida cotidiana e ancoram gramticas particulares que ancoram repertrios reivindicativos dos atores polticos. Assim, a emoo permite, em um processo de ampliao discursiva e emocional, fundamentar e garantir a continuidade de um [eu] para um [ns], um coletivo poltico.

    Paralelamente, a anlise destas emoes evidencia a vulnerabilidade do sujeito poltico pelo fato de que certos assuntos so mais dificilmente passveis de serem publicizados e reconhecidos a partir da linguagem dos direitos. Por vulnerabilidade do sujeito poltico, caracterizo, portanto, este estado em que os militantes se ajustam a um enquadramento moral que singulariza a linguagem das cidadanias no contexto moral do estado do Rio de Janeiro: nem todos so percebidos ou definidos, nas interaes da vida cotidiana, com o mesmo grau de humanidade - os atores da periferias sendo percebidos, na regio metropolitana do Rio de Janeiro, como menos humanos do que os outros (Freire, 2010). Consequentemente, este enquadramento interfere sobre as formas da ao coletiva, principalmente quando estas esto situadas nas periferias. O recurso s emoes analisadas aponta para uma criatividade do agir poltico que decorre das tenses diversas que seus atores enfrentam decorrentes do fato de que nem todos so passveis de serem tratados simetricamente pela cidadania (e, portanto, pelas cidadanias). Diante deste quadro, multiplicam-se

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    estratgias polticas para viabilizar o acesso das vozes no espao pblico.

    De certa forma, pode-se afirmar que as competncias mobilizadas pelos lderes e militantes de Nova Iguau se centram na forma de recorrer emoo como parte principal do processo de definio de um assunto a ser inserido numa agenda pblica. A emoo torna-se um recurso para poder dar palavra e voz percepo de injustia. Neste sentido, a emoo parte constitutiva do processo de avaliao e de priorizao de determinados assuntos. A emoo d forma reivindicao, no sentido de que ela coloca em forma o indizvel, que pode em seguida ser palavreado. Em outros termos, ao mesmo tempo em que ela ancora uma voz, ela ao mesmo tempo uma forma alternativa de voz. Nestes casos, a emoo no um mero elemento constitutivo de uma gramtica poltica, ela torna-se a gramtica poltica.

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    Abstract: The aim of this article is to describe and interpret emotions and affections as expressed in the demand repertories of political actors active in political parties, grass-root, and cultural movements in the city of Nova Iguau (RJ). This analysis seeks to demonstrate that emotions are intertwined with cognitive forms of evaluation, contributing towards an elaboration of public problems in this city. Emotions thus constitute a crucial dimension of the city's political grammar. Analyzing how public problems get constructed has been based on these actors' perceptions of justice, relating their senses of justice with affectionate and emotional manifestations that serve as anchors to that which they consider as acceptable and unacceptable. In other terms, politically active subjects' publically formulating what they consider as injustice in the movements under analysis here requires a set of emotional competences that model political demands and make access to public space feasible, within the context of this analysis. Keywords: emotion and public space, political engagement, critical and moral operations

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