Jurisprudência da Segunda Turma€¦ · JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 163 Assim, afastei na...
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Jurisprudência da Segunda Turma
Relator:
Agravante:
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 249.860 - RS
(Registro n. 99.0058365-5)
Ministro Paulo Gallotti
Salute Importadora e Exportadora Ltda
Advogados: Zulmar Neves e outros
Agravado: Estado do Rio Grande do Sul
Advogados: Homero So Jobim Neto e outros
159
EMENTA: Agravo regimental contra decisão que conheceu de
agravo de instrumento e deu provimento a recurso especial -
Merluza - Importação - ICMS - Isenção - Impossibilidade - Con
vênio n. 60/1991.
1. Não havendo mais dúvida a respeito da existência da merluza nacional, conforme afirmado pelo Ibama e, também, pela Enciclopédia Mirador, voI. 16, p. 8.772, edição de 1990, injustificável a concessão da isenção.
2. Os Estados, por força da cláusula 1 i! do Convênio n. 60/1991,
isentam o pescado em geral da incidência do ICMS, com exceção
dos crustáceos, moluscos, hadoque, merluza, pirarucu, salmão e rã.
3. Destarte, se existe o pescado merluza no território brasileiro e se ele não está isento do pagamento do ICMS, não há nenhum motivo para se conceder tratamento mais favorável ao produto es
trangeiro do que ao conferido pela legislação interna ao nacional,
não incidindo no caso as Súmulas n. 20 e 71-STJ.
4. Agravo regimental improvido.
S. Precedentes.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento
ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Partici
param do julgamento os Srs. Ministros Franciulli Netto, Francisco Peçanha Martins e Eliana Calmon.
RSTJ, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
160 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Brasília-DF,5 de dezembro de 2000 (data do julgamento).
Ministro Francisco Peçanha Martins, Presidente.
Ministro Paulo Gallotti, Relator.
Publicado no DJ de 28.5.2001.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Paulo Gallotti: Salute Importadora e Exportadora Ltda
interpõe agravo regimental contra decisão que, após conhecer do agravo de
instrumento do Estado do Rio Grande do Sul, deu provimento ao recurso
especial que interpusera, a teor do disposto no art. 544, § 3l.l., do CPC,
quando se anotou:
"Tenho como prequestionada a questão federal relativa ao art. 111
do CTN, pelo que merece ser examinada.
O art. 111 do CTN estabelece que as regras que dispõem sobre
suspensão, exclusão, isenção e dispensa do crédito tributário devem ser
interpretadas literalmente, sendo vedada a extensão do benefício fiscal.
O Tribunal de origem contrariou o referido dispositivo ao asse
verar que a isenção do pagamento do ICMS concedida ao bacalhau
(Súmula n. 71-STJ) identifica-se com a espécie dos autos, entenden
do que esse imposto não incide na importação de merluza de país sig
natário do GATT, em face da existência de pescado similar no terri
tório nacional, a abrótea, que é explorada comercialmente e isenta por
força do disposto no art. 6l.l., inc. XCVI, RICMS, aplicando-se a
Súmula n. 20-STJ.
A hipótese dos autos, contudo, não é idêntica à isenção dada ao
bacalhau, porquanto esse peixe não existe em águas brasileiras, situação
diversa da merluza, que aqui é encontrada." (fls. 180/184).
Alega a Agravante que o recurso especial não merece prosperar, uma
vez que a Recorrente, ora agravada, não logrou êxito em comprovar a vio
lação aos dispositivos de lei e nem mesmo o dissídio jurisprudencial apon
tado. Aduz, também, enfim, que se deveria aplicar ao caso a Súmula n. 7-
ST}.
É o relatório.
RSTJ, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 161
VOTO
O Sr. Ministro Paulo Gallotti (Relator): O decisum. impugnado consignou que, se existe o pescado merluza no território brasileiro, conforme
afirmado pelo Ibama e, também, pela Enciclopédia Mirador, voI. 16, p.
8.772, edição de 1990, e se ele não está isento do pagamento do ICMS, não há nenhum motivo para se conceder tratamento mais favorável ao produto estrangeiro do que ao conferido pela legislação interna ao nacional.
Certo que há precedentes nesta Corte admitindo não existir no Bra
silo pescado merluza, mas esse posicionamento já se encontra superado des
de o julgamento do REsp n. 85.289-SP, DJU de 29.10.1996, Relator o Ministro José Delgado.
Sobre o tema, veja-se os seguintes julgados das Turmas que compõem a Primeira Seção do STJ:
A - "Discute-se a isenção de ICMS na importação de merluza filetada de país signatário do Aladi. Na hipótese, o v. acórdão negou ao Recorrente tal benefício.
No Superior Tribunal de Justiça, melhor revendo o posicionamento sobre a matéria, passei a entender que a merluza é pescado diferente do bacalhau. Conclui, assim, que a merluza não encontra similar nacional.
Não há, então, como se aplicar o enunciado da Súmula n. 20 desta Corte, à espécie.
Com efeito, incide o ICMS nas operações de importação de
merluza de país signatário de acordo internacional. Neste sentido, a Segunda Turma desta Corte registrou, verbis:
'Havendo a possibilidade de ser colhida a merluza em águas marítimas brasileiras, o importador do referido pescado não tem direito à isenção do ICMS, como concedido ao importador do bacalhau.' (REsp n. 89.626/Peçanha Martins)". (EDcl no REsp n.
226.251-AP, DJU de 21.8.2000, Relator o Ministro Humberto Gomes de Barros).
B - "Processual Civil. Agravo regimental contra decisão que co
nheceu de agravo de instrumento e deu provimento a recurso especial. ICMS. Isenção. Importação de merluza.
RSTJ, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
162 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1. Agravo regimental interposto contra decisão que, com base no art. 544, § 3.l.l, primeira parte, do CPC, conheceu do agravo de instrumento e deu provimento ao recurso especial intentado contra v. acórdão que julgou procedente mandado de segurança impetrado pela Recorrida visando a obter o reconhecimento do direito à isenção do ICMS na importação de merluza, com base em benefício conferido pelo Tratado do GATT.
2. O contribuinte, ao importar o pescado merluza, não tem direito à isenção do ICMS, por, segundo afirmado pelo Ibama e pela Enciclopédia Mirador, haver a possibilidade da mesma ser colhida em nossas águas marítimas, especialmente nas costas do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, tendo sua ocorrência entre os paralelos 23° 4' S e 60° S.
3. Indemonstrado, em sede de mandado de segurança, que o referido pescado não habita as águas brasileiras, não se pode emprestar-lhe a mesma interpretação dada à importação do bacalhau.
4. Em regra, a interpretação da legislação tributária sobre isenção é restritiva, salvo quando, por construção sistêmica, tal critério não atenda aos princípios postos no ordenamento jurídico fiscal." (AgRg no Ag n. 253.725-SP, DJU de 28.2.2000, Relator o Ministro José Delgado).
C - "Tributário e Processual Civil. ICMS. Importação de merluza. Isenção. Impossibilidade. Convênio ICMS n. 60/1991. Divergência juriSprudencial não comprovada. Lei n. 8.038/1990 e RISTJ, art. 255 e parágrafos. Precedentes.
Estando a merluza pescada em águas brasileiras sujeita à tributação, inexiste o direito ao benefício isencional relativo ao ICMS incidente na importação de merluza de país signatário do GATT." (REsp n. 156.300-RJ, DJU de 29.5.2000, Relator o Ministro Peçanha Martins).
Entretanto, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou em desacordo com a jurisprudência deste Tribunal, conforme se observa pelo acórdão da apelação, de cuja ementa se extrai:
"Merluza. Isenção. Concedida a similar nacional (abrótea). GATT. Súmulas n. 20 e 71 do STl Apelação da parte provida. Prejudicada a do Ministério Público." (fi. 104).
RSTI, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 163
Assim, afastei na decisão agravada a incidência das Súmulas n. 20 e
71-STJ, uma vez que não se aplicam à espécie, porquanto os Estados, por
força da cláusula p. do Convênio n. 60/1991, isentam o pescado em geral
da incidência do ICMS, com exceção dos crustáceos, moluscos, hadoque,
merluza, pirarucu, salmão e rã.
Ademais, in casu, não se aplica a Súmula n. 7-STJ, uma vez que o
acórdão da apelação asseverou que não há merluza em águas brasileiras, sem
se reportar a qualquer prova dos autos. Por discordar de tal assertiva, dei
provimento ao apelo, para fazer incidir o ICMS na importação do referi
do pescado, reconhecendo a ofensa ao art. 111 do CTN, bem como o
dissídio pretoriano.
Portanto, mantenho a decisão agravada, por se encontrar em harmonia
com a jurisprudência desta Corte.
É o voto.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 282.389 - SP
(Registro n. 2000.0001993-3)
Relator: Ministro Paulo Gallotti
Embargante: Panificadora Gran Via Ltda
Advogados: Francisco de Assis Pereira e outros
Embargado: Eletropaulo Metropolitana Eletricidade de São Paulo S/A
Advogada: Regiane de Aguiar Marturano
EMENTA: Processual Civil - Em.bargos de declaração - Tarifas
de energia elétrica - Efeito cascata.
1. Pacífica a jurisprudência da Corte sobre a legalidade da Por
taria n. 153/1986, do DNAEE, que fixou novas tarifas de energia elé
trica com. base no custo operacional. Precedentes.
2. Em.bargos de declaração rejeitados.
RSTJ, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
164 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da
Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo
tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, rejeitar os embar
gos declaratórios, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Participaram
do julgamento os Srs. Ministros Franciulli Netto, Francisco Peçanha
Martins e Eliana Calmon.
Brasília-DF, 3 de outubro de 2000 (data do julgamento).
Ministro Francisco Peçanha Martins, Presidente.
Ministro Paulo Gallotti, Relator.
Publicado no DJ de 6.11.2000.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Paulo Gallotti: Panificadora Gran Via Ltda oferece
embargos de declaração a acórdão cuja ementa é do seguinte teor:
"Processual Civil. Agravo regimental. Energia elétrica. Reajuste
de tarifas após o descongelamento. Legalidade.
É assente nesta Corte o entendimento segundo o qual a declara
ção de ilegalidade do reajuste das tarifas de energia elétrica não con
tamina os aumentos futuros.
Agravo regimental improvido." (fi. 203).
Sustenta a Embargante que "não pode prevalecer o acórdão que se omi
te de demonstrar onde está a prova do fim do congelamento e onde está a pro
va de apuração de custos para demonstrar que os preços majorados ilicita
mente através das Portarias DNAEE n. 38 e 45, de 1986, foram absorvidos
pelos custos." (fi. 219).
Afirma, ainda, a obscuridade do julgado constante na afirmativa de que
a matéria está pacificada no âmbito do STJ, citando o REsp n. 125.393-RS,
que reconheceu o chamado "efeito cascata".
Alega, por fim, que o acórdão ora embargado violou o princípio da
RSTJ, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 165
não-retroatividade da lei federal, "entendendo válido o sistema de preço de
custo quando naquela oportunidade estava em vigor o sistema de remunera
ção garantida" (fl. 222).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Paulo Gallotti (Relator): O acórdão embargado pro
clamou que liberados os preços não havia mais qualquer impedimento ao
reajuste das tarifas de energia elétrica, ficando devidamente esclarecido que
a ilegalidade não contaminou os aumentos futuros.
Verifica-se, assim, que a controvérsia foi dirimida em total consonância
com a pacificada jurisprudência desta Corte, segundo a qual, com a edição
da Portaria n. 153, do DNAEE, cessou a ilegalidade quando foram fixadas
novas tarifas com base no custo operacional e não mais subsistia a proibi
ção de congelamento.
Não houve qualquer omissão no julgado, que examinou toda a maté
ria, aplicando o reiterado entendimento do STJ, embora em sentido contrá
rio à pretensão da Embargante, sendo desnecessário ampliar a sua funda
mentação.
Importante a transcrição de trecho do REsp n. 90.352-SC, relatado
pelo Ministro Pádua Ribeiro:
"A declaração de ilegalidade do reajuste das tarifas não contamina
os aumentos futuros que incidam sobre aquele. Com efeito, liberados
os preços, nenhum impedimento havia a que as tarifas fossem reajus
tadas na conformidade com os custos dos insumos, podendo, inclusi
ve, daí por diante, incorporar os custos anteriores e, portanto, tornar
eficaz o aumento decorrente das citadas portarias. Na verdade, a Por
taria n. 153/1986, do DNAEE, não reajustou os valores preexistentes,
mas sim fixou tarifas com base no custo operacional, quando não mais
vigiam os Decretos-Leis n. 2.283/1986 e 2.284/1986, que estabelece
ram o congelamento da economia."
É importante salientar a compreensão constante do aresto indicado
pela ora embargante (REsp n. 125.393-RS) já não mais prevalece na Cor
te, como se vê dos precedentes:
RSTJ, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
166 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A - "Energia elétrica. Majoração das tarifas. Congelamento de preços. Portarias n. 38/1986, 45/1986 e 153/1986.
A ilegalidade do aumento das tarifas de energia elétrica, instituído pelos Decretos n. 2.283 e 2.284, de 1986, só perdurou até a edição da Portaria n. 153/1986, quando então foram fixadas novas tarifas com base no custo operacional e não mais subsistia a proibição de congelamento.
Embargos rejeitados." (EREsp n. 178.335-RS, Relator o Ministro Garcia Vieira, DJU de 18.10.1999).
B - "Embargos de divergência. Tarifa de energia elétrica. Legalidade do reajuste após o período de congelamento. Portaria n. 153/ 1986 do DNAEE. Súmula n. 168 do STJ.
'Não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado.' (Súmula
n. 168 do STJ).
A jurisprudência desta Corte já se pacificou no sentido de reconhecer a legalidade da Portaria n. 153/1986, do DNAEE, visto que não reajustou valores preexistentes, apenas fixou novas tarifas com base no
custo operacional.
Embargos rejeitados. Decisão unânime." (EREsp n. 130.452-RS, Relator o Ministro Franciulli Netto, DJU de 12.6.2000).
Ademais, no voto-condutor do EREsp n. 178.335-RS foi esclarecido que o Ministro Demócrito Reinaldo, Relator do recurso especial citado pela Embargante, "reformulou o seu ponto de vista e passou a acompanhar o posicionamento vencedor".
Assim, sem qualquer amparo a tese defendida pela Recorrente.
Do exposto, rejeito os embargos.
Relator:
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 10.984 - SP
(Registro n. 99.0058386-8)
Ministro Francisco Peçanha Martins
RSTJ, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 167
Recorrentes: Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais - Arpen e outros
Advogados: Francisco João Andrade e outro
Tribunal de origem: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Impetrado:
Recorrido:
Desembargador-Corregedor-Geral de Justiça do Tri
bunal de Justiça do Estado de São Paulo
Estado de São Paulo
EMENTA: Recurso ordinário - Mandado de segurança - Comunicado n. 185/1998 do Corregedor-Geral de Justiça - Registro de pessoas naturais - Gratuidade - Lei n. 9.534/1997 - Legitimidade -
Inexistência de direito líquido e certo.
1. O Comunicado n. 185/1998 do Corregedor-Geral da Justiça de São Paulo, contendo simples recomendação para observância da Lei
n. 9.534/1997, não se constitui ato abusivo ou ilegal capaz de ofender direito líquido e certo dos impetrantes.
2. Inadmissível a utilização do mandado de segurança para,
através da impugnação do referido ato, obter-se, por via oblíqua e imprópria, a declaração de inconstitucionalidade da lei.
3. Recurso ordinário improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo
tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Eliana
Calmon, Paulo Gallotti e Castro Filho. Impedido o Sr. Ministro Franciulli Netto.
Brasília-DF, 6 de fevereiro de 2001 (data do julgamento).
Ministro Francisco Peçanha Martins, Presidente e Relator.
Publicado no DI de 12.3.200 l.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins: Associação Nacional dos
RSTJ, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
168 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Registradores de Pessoas Naturais - Arpen e Iracema Boquetti Merola, Ofi
cial do 24-" Serviço de Registro Civil das Pessoas Naturais de Indianópolis,
impetraram mandado de segurança coletivo, com pedido de liminar, contra
ato do Desembargador-Corregedor-Geral de Justiça do Estado de São Paulo
consubstanciado no Comunicado n. 185/1998, pedindo a suspensão imediata
desse ato em razão da inconstitucionalidade da Lei n. 9.534/1997 em que
se amparou, bem como desobrigar os associados da primeira impetrante, que
exerçam a atividade em caráter privado, de emitir gratuitamente registro de
nascimento, assento de óbito e respectivas certidões, exceto para pessoas
comprovadamente pobres, até ulterior deliberação da Corregedoria Geral da
Justiça.
Acolhida a inclusão no pólo ativo da Associação dos Registradores de
Pessoas Naturais de São Paulo - Arpen-SP; indeferida liminar; prestadas
informações pelo Impetrado; com manifestação desfavorável do Ministério
Público Estadual o Tribunal de Justiça repeliu os pedidos de exclusão da
lide da segunda impetrante (Iracema Merola) e de reconsideração do
indeferimento da liminar formulados, respectivamente, pelo Ministério PÚ
blico e pelos Autores, denegando a segurança, pelos motivos expostos no
acórdão de fls. 378/388 resumidos na ementa abaixo transcrita, vencido o
Relator que julgou os Impetrantes carecedores de ação:
"Mandado de segurança. Objetivo. Cassação de comunicado da
Corregedoria Geral da Justiça. Inadmissibilidade. Ato que se limitou
a alertar quanto à necessidade de se assegurar a continuidade da pres
tação do serviço público delegado, em face dos termos da Lei Federal
n. 9.534/1997, não criando obrigação ou dever às impetrantes. Se
gurança denegada."
Inconformados, os Impetrantes manifestaram recurso ordinário aludin
do a diversos dispositivos legais, pleiteando a reforma do acórdão para que,
a final, seja concedida a segurança.
Sem contra-razões, o recurso foi regularmente processado e remetido
a esta Corte.
A douta Subprocuradoria Geral da República opinou pelo improvi
mento.
É o relatório.
RSTJ, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 169
VOTO
O Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins (Relator):
Recurso ordinário. Mandado de segurança. Comunicado n. 185/
1998 do Corregedor-Geral de Justiça. Registro de pessoas naturais. Gratuidade. Lei n. 9.534/1997. Legitimidade. Inexistência de direito líquido e certo.
- 1. O Comunicado n. 185/1998 do Corregedor-Geral da Justiça de São Paulo, contendo simples recomendação para observância da Lei n. 9.534/1997, não se constitui ato abusivo ou ilegal capaz de ofender direito líquido e certo dos impetrantes.
- 2. Inadmissível a utilização do mandado de segurança para, através da impugnação do referido ato, obter-se, por via oblíqua e imprópria, a declaração de inconstitucionalidade da lei.
- 3. Recurso ordinário improvido.
O ato impugnado através de mandado de segurança, Comunicado n. 185/1998 do Ex. mo Corregedor-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, tem o seguinte teor: "O Corregedor-Geral da Justiça, tendo em vista a entrada em vigor da Lei Federal n. 9.534/1997, que dispõe sobre a gratuidade para a lavratura dos assentos de nascimento e óbito, solicita aos MM. Juízes-Corregedores Permanentes dos Registros Civis das Pessoas Naturais do Estado de São Paulo, especial atenção para que não haja solução de continuidade nesses serviços públicos delegados. Pede, ainda, sejam imediatamente comunicados à Corregedoria Geral da Justiça quaisquer irregularidades verificadas, para que sejam adotadas as medidas necessárias à garantia da continuidade do serviço público de registro de nascimento e óbito." (fi. 93).
Como bem assinalou o acórdão recorrido: "( ... ), a verdade é que o eminente Impetrado nenhum ato ilegal praticou, pois se limitou a alertar quanto 'à necessidade de que fosse assegurada a continuidade da prestação do serviço público delegado', como salientou nas informações (fi. 275)", prosseguindo:
"A propósito, a eminente Procuradora de Justiça oficiante, Dra. Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade Nery, bem anotou que 'O ato da Corregedoria não cria obrigação ou deveres para os Impetrantes. Limita-se a observar que não se deve permitir que o serviço deixe de ser prestado' (fi. 282, item 9).
RSTJ, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
170 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
De tudo isso ressalta que, além de o meio escolhido não se re
velar idôneo para obterem, com a declaração de inconstitucionalidade daquela lei federal, a cassação do comunicado guerreado, o certo é
que, por outro ângulo, o ato do ilustre Impetrado não se mostra ilegal, seja por não criar qualquer obrigação ou dever às Impetrantes, seja por não lhes invadir a esfera de seus alegados direitos e interesses."
(fl. 383).
Em sua declaração de voto-vencido, inclinando-se pela declaração da carência de ação, o ilustre Relator, Des. Márcio Bonilha, asseverou:
"( ... ). A invocação da ação mandamental, para opor-se a comunicado de cunho administrativo, despido de caráter decisório, mera recomendação de alerta a Corregedores Permanentes, com a finalidade de assegurar a continuidade da prestação dos serviços delegados, sob a fiscalização que compete, induvidosamente, à Corregedoria Geral da Justiça, nessa conjuntura, é absolutamente inviável.
A autoridade competente que, no desempenho de suas funções, determina a observância de texto legislativo em vigor, cuja inconstitucionalidade não chegou a ser proclamada, não estabelece obrigação, nem impõe dever àquele que, por força de suas atribuições, está encarregado da prestação de serviços delegados. Logo, não comete, sequer em tese, qualquer ilegalidade, tampouco incorre em abuso de poder. Nem pratica ato que possa ser acoimado de injuridicídade.
Aliás, 'não é o mandado de segurança o meio idôneo para obter a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual' (RSTJ 62/147). Nem seria admissível o acolhimento do esdrúxulo pedido de submissão da autoridade-impetrada à obrigação de emissão de ordem geral para desobrigar os registradores civis do cumprimento da lei, o que atentaria contra elementares princípios de
direito, com frontal violação da ordem jurídica." (fls. 387/388).
Coonestando esses entendimentos, o douto Subprocurador-Geral, Dr. Wagner de Castro Mathias Netto, ressaltando que o ato impugnado não trouxe qualquer inovação no mundo jurídico, não se revelando capaz de produzir efeitos concretos que já não tivessem amparo na referida lei e, por isso
mesmo:
" ... , atacando-se o ato, busca-se, em verdade, a declaração de
RSTJ, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 171
inconstitucionalidade da Lei n. 9.534/1998, ainda em plena vigência,
eis que a ADIn proposta não recebeu provimento liminar a fim de sus
pender sua validade.
Ora, além de o IllandaIllus não ser substitutivo da competente
ação de inconstitucionalidade, o ataque direto à norma esbarra no óbi
ce da Súmula n. 266 do STF, impondo-se a extinção do processo sem
julgamento do mérito." (parecer de fls. 432/434).
Acrescentar algo a esses judiciosos argumentos seria incorrer em re
matada tautologia, razão pela qual os adoto como razão de decidir negan
do provimento ao recurso.
RECURSO ESPECIAL N. 137.732 - PR (Registro n. 97.0043679-9)
Relatora: Ministra Eliana Calmon
Recorrente: Companhia Providência Indústria e Comércio S/A
Advogados: Júlio Assis Gehlen e outros
Recorrida: Fazenda Nacional
Procuradores: Dolizete Fátima Michelin e outros
EMENTA: Tributário - IIllportação - Liberação provisória, Ille
diante terIllO de responsabilidade.
1. Não se configura deseIllbaraço aduaneiro cOIllpleto a libera
ção provisória de Illercadoria pendente de exaIlle laboratorial.
2. Ausência de decadência ou prescrição.
3. Recurso não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da
Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo
tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do
RSTJ, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
172 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
recurso especial. Votaram com a Relatora os Srs. Ministros Paulo Gallotti,
Franciulli Netto e Francisco Peçanha Martins.
Brasília-DF,7 de novembro de 2000 (data do julgamento).
Ministro Francisco Peçanha Martins, Presidente.
Ministra Eliana Calmon, Relatora.
Publicado no DJ de 12.3.2001.
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Eliana Calmon: Impetrou a Companhia Providência
Indústria e Comércio S/A mandado de segurança contra ato do Inspetor da
Receita Federal em Paranaguá e do Delegado da Receita Federal em
Curitiba, objetivando a suspensão da exigibilidade do crédito tributário de
corrente de reclassificação de mercadoria que foi objeto de tributação pelo
Imposto de Importação.
Reconhecida a ilegitimidade passiva do Delegado da Receita Federal
em Curitiba, foi denegada a segurança pelo juiz de 1!l. grau.
Apelou a Empresa ao TRF da 4"" Região, sem sucesso.
Consagrou o Tribunal de Apelação a tese de que inexistia a ocorrên
cia de caducidade ou prescrição no caso apresentado e, tendo em vista tra
tar-se de revisão do lançamento tributário por análise laboratorial, inapli
cável o dispositivo legal do art. 146 do CTN.
Inconformada, com base na alínea a do permissivo constitucional, ale
ga a Recorrente que houve negativa de vigência ao art. 149, parágrafo único,
do CTN, art. 50 do Decreto-Lei n. 37/1966 e ao art. 447 do Decreto n.
91.030/1985.
Apresentadas as contra-razões, opinou o Ministério Público Federal
pelo improvimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Eliana Calmon (Relatora): Foram prequestionados,
inclusive por embargos de declaração, os arts. 149, parágrafo único, do
CTN, 50 do Decreto-Lei n. 37/1966, e 447 do Decreto n. 91.030/1985.
RSTJ, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 173
Como bem explicita a Empresa, a tese desenvolvida é a de que o Fisco
procedeu a destempo a reclassificação da mercadoria, pois só poderia fazê-
10 até cinco dias depois da conferência aduaneira.
O artigo 145 do CTN determina que o lançamento, quando regular
mente notificado ao sujeito passivo, só pode ser alterado em virtude da
impugnação de sua parte, ou, de ofício, pela autoridade administrativa, nos
casos permitidos em lei (caput do art. 149 do CTN).
Contudo, a faculdade de revisão pelo Fisco não é eterna e sofre a ação
do tempo, eis que só pode ocorrer antes da extinção do direito da Fazen
da Pública.
Temos que o art. 173 do CTN estabelece que o direito de a Fazenda
Pública constituir o crédito tributário extingue-se após cinco anos, conta
do da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito (parágrafo
único do artigo 173 do CTN).
Aliás, este foi o entendimento do Tribunal de Apelação, contido no
acórdão recorrido, ou seja, até cinco anos da ocorrência do fato gerador
pode haver lançamento e, após o mesmo, temos mais cinco anos para
extinção do direito da Fazenda.
Na hipótese, ocorreu revisão de declaração de importação e, para tal
providência, há prazo certo e determinado no art. 50 do Decreto-Lei n. 37/
1966, art. 50, assim redigido:
"A impugnação do valor aduaneiro ou a classificação tributária
da mercadoria deverá ser feita dentro de cinco anos depois de ultimada
a conferência aduaneira na forma do regulamento."
Por seu turno, o art. 447 do Decreto n. 91.030, de 5.3.1985, estabelece:
"Eventual exigência de critério tributário relativo a valor adua
neiro, classificação ou outros elementos do despacho deverá ser for
malizado em cinco dias úteis do término da conferência."
Entretanto, o que se deu, em verdade, foi o desembaraço aduaneiro sob
condição, porque colhida amostra do material liberado para efeito de teste
laboratorial, exame este que deu outra classificação à mercadoria.
Ora, segundo o art. 456 do Decreto n. 91.030/1985 a revisão poderá
RSTJ, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
174 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
realizar-se enquanto não decair a Fazenda Nacional do direito de consti
tuir o crédito tributário.
Precedente desta Turma, em tudo semelhante ao presente, foi decidi
do no REsp n. 27.564-RJ.
O voto-condutor do julgado, de autoria do Ministro Ari Pargendler
destacou:
"Apurado através de exame laboratorial que a mercadoria importada tinha outra natureza, seguiu-se a revisão do lançamento fiscal, com
a decorrente desclassificação tributária (fl. 42).
Nessa hipótese não tem aplicação o artigo 50 do Decreto-Lei n. 37, de 1966, que supõe conferência física da mercadoria, aquela que
pode ser feita a pritno oculi; quando a conferência exige exame químico, ou o importador aguarda o resultado deste ou desembaraça a mercadoria desde logo, firmando termo de responsabilidade por even
tual declaração inexata.
Aqui foi o que ocorreu: o desembaraço foi antecipado no interesse
do importador, mediante a assinatura de termos de responsabilidade; comprovada a declaração inexata, o contribuinte deve honrar o compromisso que assumiu, pagando o tributo e demais encargos."
A ementa do acórdão é bem esclarecedora:
"Tributário. Desembaraço aduaneiro. Revisão. O desembaraço aduaneiro não pode ser revisto quando se dá por via de simples conferência física da mercadoria importada. Quando a conferência depende de exame complementar, ou o importador aguarda o resultado deste ou
desembaraça a mercadoria desde logo, firmando termo de responsabi
lidade por eventual declaração inexata; nesse último caso, comprovada a declaração inexata, o contribuinte deve honrar o compromisso que
assumiu, pagando as diferenças decorrentes da nova classificação tributária. Recurso especial não conhecido."
Conseqüentemente, não se teve, na hipótese dos autos, assim como no
precedente, desembaraço completo, e sim provisório.
Assim sendo, à míngua de infringência aos dispositivos legais impug
nados, não conheço do recurso especial.
É o voto.
RST], Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
RECURSO ESPECIAL N. 213.176 - SP (Registro n. 99.0040166-2)
Relator: Ministro Francisco Peçanha Martins
Recorrentes: Luiz Lopes Veludo e outro
Advogados: Afonso de Oliveira Freitas e outro
Recorrida: Fazenda do Estado de São Paulo
Advogados: Alena Assed Marino Saran e outros
175
EMENTA: Recurso especial - Mandado de segurança - Veículo
automotor - Aumento da potência - Autorização da autoridade com
petente.
1. A teor do art. 39 do Código Nacional de Trânsito, o proprie
tário de veículo não pode modificar suas características sem prévia
permissão da autoridade competente.
2. No caso em espécie, seguiu a orientação da 15l!. Ciretran de
Ribeirão Preto apresentando, inclusive, laudo pericial atestando que
a segurança do veículo permaneceu inalterada a despeito do aumen
to da potência do motor.
3. Desse modo, não lhe poderia ser negado o registro nos do
cumentos da viatura (CRN e CRVN) da modificação realizada.
4. Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da
Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo
tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso
e dar-lhe provimento. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Eliana
Calmon e Franciulli Netto. Ausente, justificadamente, o Sr. Srs. Ministro
Paulo Gallotti.
Brasília-DF, 19 de setembro de 2000 (data do julgamento).
Ministro Francisco Peçanha Martins, Presidente e Relator.
Publicado no Dl de 5.3.2001.
RSTJ, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
176 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RELATÓRIO
o Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins: Luiz Lopes Veludo
impetrou mandado de segurança, com pedido de liminar, contra o Delegado de Polícia de Trânsito da lS.a Ciretran de Ribeirão Preto-SP para que este
proceda às anotações necessárias, no documento de veículo de sua proprie
dade (motocicleta), decorrentes da alteração de potência nele introduzida.
Indeferida a liminar, a sentença concedeu a segurança e foi reforma
da no Tribunal de Justiça Estadual, pelos motivos expostos no acórdão de fls. 66/68 assim resumidos na ementa:
"Mandado de segurança. Veículo. A substituição de motor de mo
tocicleta de 2S0cc para 4S0cc altera as características do veículo, o que não é admitido pelo Código Nacional de Trânsito. A substituição somente é possível quando for da mesma potência. Artigo 39 do CNT.
Recursos providos para denegar a segurança."
Inconfo:rmado, o Impetrante manifestou recurso especial pelo fundamento da letra a, alegando contrariedade aos arts. 39 do CNT e 109 do seu
Regulamento (Decreto n. 62.127/1968), bem como à Resolução n. 727/1989
do Contran.
Sem o oferecimento de contra-razões e com pronunciamento do Mi
nistério Público Estadual, o recurso foi admitido na origem e remetido a
esta Corte.
Dispensada a ouvida da Subprocuradoria Geral da República, nos termos regimentais.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins (Relator): O Recorrente impetrou mandado de segurança contra o Delegado de Polícia de Trânsito de Ribeirão Preto-SP que se negou a proceder, nos documentos de veículo
de sua propriedade (CRN e CRVN), à anotação referente à modificação da
potência do motor (de 2S0cc para 4S0cc), a despeito de ter cumprido to
das as exigências que lhe foram feitas, inclusive apresentação de laudo téc
nico atestando a segurança do mencionado veículo.
A sentença concedeu a ordem e o Ministério Público foi favorável ao
RST], Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 177
deferimento do pedido em todas as oportunidades em que se manifestou.
Contudo, o Tribunal de Justiça entendeu não haver respaldo legal para a
pretensão do Impetrante, pois a substituição do motor da motocicleta por
outro de maior potência implicou em alteração das características do veí
culo, inexistindo direito líquido e certo a ser protegido.
A questão, me parece, não reside em saber se a modificação da potência
implica em alteração das características do veículo pois, pelo que consta dos
autos, esta já foi realizada. O requerido pelo Impetrante foi que, tendo pro
cedido à alteração de acordo com orientação da 15" Ciretran de Ribeirão
Preto, apresentando, inclusive, laudo pericial confirmando que a seguran
ça do veículo permaneceu inalterada, as anotações nos documentos da via
tura não poderiam ser negadas, daí o pedido de segurança.
Observe-se que, segundo o art. 39 do CNT, citado no acórdão, "Ne
nhum proprietário poderá, sem prévia permissão da autoridade competen
te, fazer ou ordenar sejam feitas no veículo modificações de suas caracte
rísticas". A própria autoridade-impetrada, em suas informações, admite que
o art. 80 do Regulamento do CNT permite a substituição do motor devi
do ao desgaste, defeito irrecuperável ou, até, troca de combustível (gasoli
na para álcool e vice-versa). Ora, não se pode afirmar, de sã consciência,
que a modificação do motor para suportar outro tipo de combustível não
constitua alteração nas características do veículo.
No REsp n. 8.681-0-PR, de minha relatoria, endossei o parecer da
douta Subprocuradoria Geral da República, valendo transcrever os seguin
tes trechos:
"O art. 39 do Código contém regra reiterada pelo já citado art.
80 do Regulamento, que veda alteração das características de veículos
sem a prévia autorização do órgão de trânsito, e cujo § 1 Q., em meu
entender, serviu equivocadamente de fundamento para a concessão da segurança.
A regra é a proibição de modificações não autorizadas das carac
terísticas de veículos (art. 39 da lei e art. 80, caput, do regulamento). Permite-se a mudança de motor, independentemente de autoriza
ção prévia (art. 80, § 1 Q.)j mas tal exceção não tem o alcance que lhe
deu o acórdão, pois limita-se aos casos em que o novo motor tenha as
mesmas características originais do veículo."
Ressalto que, naquele caso, as modificações introduzidas no veículo
RSTJ, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
178 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(sem prévia autorização) foram: mudança do motor de gasolina para óleo diesel e substituição da cabine de simples para dupla, alterando substancialmente as características da viatura. Todavia, da transcrição acima inferese que a substituição do motor por outro com as mesmas características do original pode ser feita independente de autorização, sendo esta necessária quando a mudança for por motor de outra potência.
No caso dos autos, segundo afirmou o Impetrante sem qualquer contradita do Impetrado, realizou a alteração obedecendo exigência do Delegado de Trânsito, providenciando a indispensável "perícia técnica para comprovação da segurança veicular", por isso que as anotações nos respectivos documentos do veículo não poderiam ser negadas.
Por tais motivos, reportando-me aos pronunciamentos do Ministério Público Estadual de fls. 32v., 53, 58/60 e 87/90 (parte final), conheço do recurso e dou-lhe provimento, para reformar o acórdão restabelecendo a decisão de 1 Jl grau.
Relator:
Recorrente:
Advogados:
Recorridos:
Advogados:
RECURSO ESPECIAL N. 218.738 - RS (Registro n. 99.0051331-2)
Ministro Franciulli Netto
Município de Porto Alegre
Luís Renato Ferreira da Silva e outros
Engebral - Engenharia Brasileira e outro
Fernando Chagas Carvalho Neto e outro
Sustentação oral: Luiz Maximiliano Leal Telesca Mota (pelo recorrente) e Luiz Felipe Chagas de Carvalho (pelo recorrido)
EMENTA: Recurso especial - Decisão ultra petita - Inexistência - Ação cautelar incidental e ação principal - Julgamentos simultâneos - Ausência de prequestionamento - Pedido certo e sentença ilíquida - Possibilidade.
Nada mais fez o magistrado de lQ grau, a não ser cumular os processos da ação principal e da cautelar, adotando o procedimento ordinário, para prestar a tutela jurisdicional, simultaneamente, de acordo com os pedidos de cada uma.
RSTJ, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 179
A deterlllinação do parágrafo único do artigo 459 do Código de Processo Civil, deve ser interpretada elll consonância COlll o princípio do livre convencilllento do juiz, de forllla que, se não estiver convencido da extensão do pedido forlllulado na inicial, pode o lllagistrado reconhecer seu direito, lllas rellleterá, todavia, as partes ao processo de liquidação.
Alélll disso, tal regra se destina ao autor, quando tiver direito à sentença líquida. SOlllente ele telll legitilllidade para pedir sua anulação.
Recurso especial não conhecido. Decisão unânillle.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados os autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Acompanharam o Sr. Ministro-Relator os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins, Eliana Calmon e Paulo Gallotti. Custas, como de lei.
Brasília-DF, 21 de setembro de 2000 (data do julgamento).
Ministro Francisco Peçanha Martins, Presidente.
Ministro Franciulli Netto, Relator.
Publicado no DI de 19.3.2001.
RELATÓRIO
o Sr. Ministro Franciulli Netto: Engebral - Engenharia Brasileira Ltda intentou ação ordinária de rescisão contratual cumulada com cobrança de serviços extras, diferenças de correção e perdas e danos, contra o Município de Porto Alegre, com o objetivo de declarar a culpa do Réu pela rescisão do Contrato de Empreitada n. 77/1995 e condená-lo ao pagamento das perdas e danos.
Propôs, outrossim, a Autora, ação cautelar incidental, com pedido de
liminar, contra o Réu, para que fosse suspenso o procedimento administrativo por este instaurado contra aquela, relativo ao inadimplemento contra
tual. O MM. Juiz houve por bem conceder parcialmente a liminar "para
RSTJ, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
180 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
impedir a cobrança da multa aplicada e suspender a pena de impedimento
temporário de participar de licitações no âmbito municipal pelo prazo de
dois anos ( ... )".
Ao final da instrução processual, proferiu o ilustre Magistrado senten
ça, cujo dispositivo é o seguinte:
"Diante de todo o exposto, julgo parcialmente procedente a ação de
rescisão contratual, com pedido cumulado de cobrança e diferenças de
atualização monetária e perdas e danos, rito ordinário e procedente a
ação cautelar inominada, que Engebral - Engenharia Brasileira Ltda,
pessoa jurídica de direito privado com sede na avo Benjamin Constant,
n. 904, cjto. 902, em Porto Alegre, ajuizou contra o Município de Porto
Alegre, pessoa jurídica de direito público interno, decretando a defi
nitiva rescisão do contrato administrativo registrado no Livro 035-D,
fl. 88, registro n. 1.342, correspondente ao Edital n. 77/1993, decla
rando que a culpa por sua inexecução foi do Réu, isentando a Autora
de qualquer responsabilidade pela paralisação da obra. Condeno o Réu
a pagar os valores das faturas apresentadas pela Autora e efetivamen
te correspondentes aos serviços medidos, atualizados pelo índices do
Ceso e pela TRD para os períodos superiores a trinta dias entre o pro
tocolo e o pagamento, mais a remuneração dos serviços extras reali
zados, além dos lucros cessantes, correspondentes a 9% sobre o valor
que faltou para a conclusão da obra, importâncias que serão apuradas
em liquidação de sentença, realizada na forma de arbitramento. Torno
definitiva a liminar concedida na ação cautelar apensada, anulando as
penalidades administrativas aplicadas pelo Réu contra a Autora, isen
tando-a do pagamento da multa e declarando a ineficácia da suspen
são do direito de participar de licitações do âmbito do MPOA.
Absolvo o Réu dos outros pedidos, consoante a fundamentação."
(fl. 309).
Inconformada, apelou a Municipalidade de Porto Alegre. O egrégio
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, todavia, negou provimento ao
apelo, proferindo acórdão assim ementado:
"Direito Processual.
Sentença ultra petita. Correta é a sentença que julga medida
RSTJ, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 181
cautelar simultaneamente com processo de conhecimento. Decidindo cada pedido dentro do princípio da adstrição. Aplicação dos arts. 128
e 460 do CPC.
Procedência dos pedidos desconstitutivo e condenatório. Negado
provimento ao apelo. Sentença confirmada em reexame necessário." (fls.
365/371).
Inconformado com esse resultado, interpôs o Município de Porto Ale
gre recurso especial, fundado no artigo 105, inciso IIl, alínea a, da Constituição Federal, pois entendeu violados pelo v. acórdão guerreado os arti
gos 128, 459, parágrafo único; e 460, todos do Código de Processo Civil.
O Ministério Público Federal opinou pelo não-conhecimento do re
curso especial e, no mérito, pelo seu improvimento (fls. 425/436).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Franciulli Netto (Relator): Trata-se de recurso especial interposto pelo Município de Porto Alegre, fundado no artigo 105, inciso IIl, alínea a, da Constituição Federal, porque entendeu violados os
artigos 128, 459, parágrafo único; e 460, todos do Código de Processo Ci
vil.
Alega que o v. acórdão guerreado decidiu ultra petita, pois "para que se pudesse convalidar, como o fizeram, a sentença e o acórdão, a decisão
cautelar, era imprescindível que nela houvesse pedido cominatório, impondo à Administração a obrigação de não promover procedimentos administrativos tendentes à punição da Empresa-recorrida. Isto não havia no feito (fl. 380). Afirma, ainda, que 'a segunda violação, agora atingindo o parágrafo único do art. 459 do diploma processual de regência em terem aceito (sentença e acórdão) que se mandasse para a liquidação de sentença feito em que o pedido era líquido'''.
Pelo exame dos autos, todavia, verifica-se que não assiste razão ao Re
corrente.
Dispõem os artigos 128 e 460, caput, do CPC, que:
"Art. 128. O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte."
RSTJ, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
182 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
"Art. 460. É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de
natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade
superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado."
Em nota a esses dois artigos, ensinam Nelson Nery Júnior· e Rosa
Maria Andrade Nery que "o autor fixa os limites da lide e da causa de
pedir na petição inicial (CPC, 128), cabendo ao juiz decidir de acordo com
esse limite. É vedado ao magistrado proferir sentença acima (ultra), fora
(extra) ou abaixo (citra ou infra) do pedido. Caso o faça, a sentença es
tará eivada de vício, corrigível por meio de recurso. A sentença citra ou
infra petita pode ser corrigida por embargos de declaração, cabendo ao juiz
suprir a omissão; a sentença ultra ou extra petita não pode ser corrigida
por embargos de declaração, mas só por apelação. Cumpre ao tribunal, ao
julgar o recurso, reduzi-la aos limites do pedido." (in Código de Processo
Civil Comentado, p.p. 436 e 669).
No caso em tela, porém, ao encerramento da petição da ação cautelar,
requereu a Autora fosse tornada definitiva "a cautela postulada, diante do
resultado de procedência da ação principal, sustando e suspendendo defini
tivamente o processo administrativo instaurado contra a Autora" (fi. 10,
apenso II).
Além disso, consoante bem salientou o nobre representante do Minis
tério Público Federal:
"( ... ) Dispõe o art. 292 do CPC ser permitida a cumulação de
pedidos no mesmo processo contra o mesmo réu ainda que entre eles
não haja conexão.
Como requisito da cumulação é necessário que haja também com
patibilidade entre os pedidos entre si, bem como a competência do
mesmo juiz para conhecê-los.
Indispensável, também, que para os pedidos cumulados sejam ade
quados ao mesmo tipo de procedimento.
Quando para cada pedido corresponder tipo diverso de procedi
mento, admitir-se-á a cumulação, se o autor empregar o procedimen
to ordinário (§ 2.!2 do art. 606 do CPC - sic). (fi. 434).
Nada mais fez, então, o Magistrado de 1.!2 grau, a não ser cumular os pro
cessos da ação principal e da cautelar, adotando o procedimento ordinário,
RSTI, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 183
para prestar a tutela jurisdicional, simultaneamente, de acordo com os pe
didos de cada uma.
De qualquer sorte, é de ver que, in casu, o douto Colegiado a quo examinou as alegações do Recorrente sob prisma diverso, qual seja, a possibilidade de decidir a ação cautelar juntamente com a ação principal. Dessarte, entendeu que "sistematicamente. foram oem aplicados os artigos 128 e 460 do CPC ao caso concreto, porquanto a sentença se apresenta correta ao realizar a prestação jurisdicional conjunta da pretensão cautelar com os pedidos condenatórios e constitutivos negativos, todos rigorosamente dentro dos pedidos." (fi. 368).
Ausente, assim, o requisito do prequestionamento (Súmulas n. 282 e 356 do STF), uma vez que, no que tange à correlação entre o pedido liminar da ação cautelar e a tutela definitiva dada pela r. sentença, relativos à multa e suspensão aplicadas no procedimento administrativo (pedido condenatório de obrigação de não fazer), o egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul não expôs seu posicionamento e o Recorrente, tampouco, opôs embargos declaratórios.
Insurge-se ° Município de Porto Alegre, também, em relação à aplicação do artigo 459, parágrafo único, do CPC, que dispõe:
"Quando o autor tiver formulado pedido certo, é vedado ao juiz proferir sentença ilíquida."
Nesse ponto, sua irresignação "reside em terem aceito (sentença e acórdão) que se mandasse para liquidação de sentença feito em que o pedido era líquido".
Sem razão o Recorrente, pois, de acordo com o entendimento desta Corte, verbis:
"Embora o autor tenha formulado o pedido de condenação em quantia certa, não se convencendo o juiz, pode ele reconhecer-lhe o direito e remeter para fase de liquidação a apuração dos danos" (REsp n. 158.201-RJ, ReI. Min. Garcia Vieira, DJU de 15.6.1998).
A determinação do parágrafo único do artigo 459 do CPC, deve ser interpretada em consonância com o princípio do livre convencimento do
juiz, de forma que, se não estiver convencido da extensão do pedido formulado na inicial, pode o magistrado reconhecer seu direito, mas remeterá, todavia, as partes ao processo de liquidação.
RSTJ, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
184 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Além disso, tal regra se destina ao autor, quando tiver direito à sentença líquida. Somente ele tem legitimidade para pedir sua anulação (REsp n. 100.851-SP, ReI. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJU de 15.5.1998; REsp n. 12.792-PR, ReI. Min. Dias Trindade, DJU de 30.9.1991).
Dessarte, não há falar em violação ou contrariedade a nenhum dos dispositivos do Código de Processo Civil, visto que a respeitável sentença decidiu com estrita observância aos pedidos formulados, tanto na ação principal como na ação cautelar e remeteu os autos à liquidação, em obediência ao princípio do livre convencimento.
Ante o exposto, não conheço do recurso especial.
É como voto.
VOTO-PRELIMINAR
A Sra. Ministra Eliana Calmon: Sr. Presidente, há poucos dias, votei em um processo muito semelhante, no qual fiz apenas uma observação no sentido de que o juiz poderia, na fase de liquidação, determinar o quantitativo, o qual ficaria restrito ao quantuIll determinado na petição inicial em relação ao principal. Assim, entendo que estaria sendo obedecido exatamente o princípio do dispositivo.
Acompanho o Sr. Ministro-Relator.
RECURSO ESPECIAL N. 226.978 - PR (Registro n. 99.0073605-2)
Relatora: Ministra Eliana Calmon
Recorrentes: Plaenge Planejamento Engenharia e Construções S/A e outros
Advogados:
Recorrida:
Advogados:
N eilar Terezinha Lourencon Martins e outros
Fazenda Nacional
Ricardo Py Gomes da Silveira e outros
EMENTA: Tributário - Depósito judicial - Natureza jurídica -
Lei n. 8.541/1992.
RSTI, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 185
1. Aquele que efetua depósito judicial para suspender a exi
gibilidade do crédito tributário dá aos valores entregues para dis
posição judicial destinação jurídica (art. 43 do CTN).
2. Legalidade da Lei n. 8.541/1992, que proibiu expressalllente
a dedução dos depósitos do lucro real, selll violação ao art. 43 do
CTN.
3. Recurso especial illlprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo
tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento
ao recurso especial. Votaram com a Relatora os Srs. Ministros Franciulli
Netto e Francisco Peçanha Martins. Ausente, justificadamente, o Sr. Minis
tro Paulo Gallotti.
Brasília-DF, 21 de novembro de 2000 (data do julgamento).
Ministro Francisco Peçanha Martins, Presidente.
Ministra Eliana Calmon, Relatora.
Publicado no DI de 5.2.2001.
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Eliana Calmon: Trata-se de recurso especial interposto contra acórdão que reconheceu a legalidade dos arts. 7Q. e 8Q. da Lei
n. 8.541/1992, em face do art. 43 do CTN, relativamente ao Imposto de
Renda.
Dispôs o art. 7Q. da referida lei que somente eram dedutíveis, para fins
de apuração do lucro real, as obrigações referentes a tributos ou contribuições pagas, e o art. 8Q. afastou a possibilidade de dedução dos valores refe
rentes às exações, cuja exigibilidade estivesse suspensa nos termos do art.
151 do CTN, ainda que houvesse depósito judicial em garantia.
Inconformada, com base nas alíneas a e c do permissivo constitucio
nal, alega a Empresa-recorrente que houve violação aos arts. 43 do CTN, 6Q., § 1 Q.; e 67 do Decreto-Lei n. 1.598/1978, bem como art. 187, § 1 Q.; a e
b, da Lei n. 6.404/1976.
RSTJ, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
186 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Sustenta a Recorrente que a utilização do regime de caixa para a de
terminação do lucro (dedução dos tributos efetivamente pagos), consoante os arts. 752. e 852. da Lei n. 8.541/1992, juntamente com o regime de compe
tência para o cômputo da receita (período em que ocorre a constituição da receita, considerando-se os fatos constitutivos e não a sua realização em
moeda ou recebimento), não permite seja calculado corretamente o montante real da renda, lucro tributável.
Apresentadas as contra-razões, subiram os autos.
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Eliana Calmon (Relatora): Tenho como prequestio
nado, apenas, o art. 43 do CTN e demonstrado o dissídio jurisprudencial, incidindo o óbice da Súmula n. 282-STF em relação aos demais disposi
tivos legais.
Passo ao exame do especial, mesmo questionado em razão do confronto
de uma lei ordinária com uma lei complementar.
Assim entendo de acordo com a posição desta Turma, quando do jul
gamento dos Embargos de Declaração no REsp n. 226.062-SC, cuja ementa transcrevo:
"Processo Civil e Tributário. Embargos de declaração. Confronto entre lei ordinária e lei complementar. Matéria infra constitucional.
A questão constitucional só admite recurso extraordinário quando enfrentada claramente pela decisão recorrida.
Princípios constitucionais que chegam aos julgados por via refle
xa, princípios estes contidos na Lei de Introdução ao Código Civil, podem ser examinados pelo STJ, em exame infraconstitucional.
O confronto da lei ordinária com o CTN é constitucional ape
nas por via reflexa, o que enseja recurso especial.
Embargos de declaração acolhidos, sem efeitos modificativos."
Preliminarmente, temos que o § 152. do art. 41 da Lei n. 8.981/1995
assim previu:
"O disposto neste artigo não se aplica aos tributos e contribuições
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JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 187
cuja exigibilidade esteja suspensa, nos termos dos incisos II a IV do art. 151 da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966, haja ou não de
pósito judicial."
o parágrafo veio a propósito do caput do art. 41, que dispôs:
"Os tributos e contribuições são dedutíveis, na determinação do lucro real, segundo o regime de competência."
Ora, o art. 7"- da Lei n. 8.541/1992 está assim regido:
"As obrigações referentes a tributos ou contribuições somente serão dedutíveis, para fins de apuração do lucro real quando pagas.
§ 1"-. Os valores das provisões, constituídas com base nas obrigações de que trata o caput deste artigo, registrados como despesas
dedutíveis, serão adicionados ao lucro líquido para efeito de apuração do lucro real e excluídos do período-base em que a obrigação provisionada for efetivamente paga."
O artigo transcrito, ao estabelecer provisões para as obrigações tribu
tárias e declará-las dedutíveis quando pagas, acabou por adotar o chamado "regime de caixa", em contraposição ao regime de competência.
O certo é que o citado dispositivo previu dois critérios distintos: um
para a apuração do lucro real e outro para a tributação, o que veio a ser definitivamente solucionado quanto ao art. 41 da Lei n. 8.981/1995, que adotou expressamente o regime de competência.
Entretanto, entendo que não há prejuízo algum, porque impugnada especificamente a incidência dos arts. 7"- e 8"- da Lei n. 8.541/1992, da data
de sua vigência até o advento da lei que a revogou implicitamente.
No mérito, temos questão que pode ser assim resumida, quanto aos fatos que lhe dão suporte:
1) a empresa, por não aceitar a cobrança de exações diversas, aJUIZOU ação ordinária para discutir a ilegalidade das cobranças, depositando em juízo o equivalente aos valores exigidos pela Fazenda;
2) pretendeu deduzir os valores desses depósitos na apuração do lucro
real, para efeito de cálculo do Imposto de Renda e Contribuição Social, mas viu-se impedida diante do óbice da Lei n. 8.541/1992, que não permite tal
expurgo; e
RSTJ, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
188 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
3) defende a tese de que a proibição da Lei n. 8.541/1992 fere dispo
sitivos da CF/1988 e do CTN.
Entendo que não tem razão a Recorrente, porque os depósitos judiciais
são valores pertencentes aos depositantes, com um fim determinado, não sendo, portanto, tributo pago.
O fato de não mais dispor das quantias oferecidas e depositadas não
significa perda da qualidade do bem, que continua tal e qual, com a só transferência da disponibilidade para o Poder Judiciário. Daí a restrição contida no art. 8i!. da Lei n. 8.541/1992.
A característica de ganho efetivo, ligada à disponibilidade econômica
ou jurídica, dá a exata medida do que se pode afirmar como certo, ou seja,
de que o depositante tem sobre os valores depositados a disponibilidade jurídica, quando dá ao mesmo a função de suspender a exigibilidade de um tributo, exatamente como prevê o art. 43, caput, do CTN.
E isto sem que se possa dizer que infringe o art. 110 do CTN a afir
mação de que aos depósitos judiciais é dado destino jurídico, haja vista que não geram lucro algum, porque não rendem juros, sofrendo apenas corre
ção monetária. E como correção monetária é apenas expressão atualizada
da moeda, não há acréscimo.
O conceito de renda, bem mais flexível, é sUjeIto a alterações legais,
razão pela qual está inserido em lei ordinária e não na Constituição.
A prática dedutiva para o Fisco foi desastrosa, porque servia de estímulo ao não-pagamento, recorrendo os contribuintes cada vez mais à Jus
tiça, muitas vezes por mais tentativa. Daí a mudança de orientação determinada pela lei em exame.
Este entendimento encontra apoio na jurisprudência desta Corte, representada por diversos acórdãos da Primeira Turma. Vejamos:
"Tributário. Imposto de renda de pessoa jurídica. Base imponível.
Recurso especial. Ausência de prequestionamento do tema recursal. Improvimento.
No âmbito do especial, não se decide questões essencialmente
constitucionais, nem se aprecia tema jurídico não prequestionado.
O conhecimento do especial exige que os preceitos legais
configuradores de sua causa de pedir tenham sido discutidos e julga
dos na instância a quo, exigindo-se que, no silêncio, a parte se utili
ze dos embargos declaratórios para forcejar a discussão da matéria.
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JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 189
Em face do disposto no art. 43 do CTN, em combinação com o
art. 7 Q e § I Q, da Lei n. 8.541/1992, a provisão referente a impostos e
contribuições não pode ser deduzida como despesas para o fim de apu
ração do lucro real senão quando cumpridas as obrigações. A indedutibilidade não traduz ofensa ao regime jurídico da determinação do
lucro, nem apresenta o pagamento de tributo sobre despesas.
Recurso improvido. Decisão unânime. (REsp n. 166.868-SC, ReI. Min. Demócrito Reinaldo, Primeira Turma, unânime, DJ de 31.8.1998).
Tributário. Art. 8Q da Lei n. 8.541, de 23.12.1992. Depósito judicial não é despesa dedutível para fins de Imposto de Renda. Ausência de qualquer obstáculo para ingresso em juízo.
1. O art. 8Q da Lei n. 8.541, de 23.12.1992, ao determinar que
os depósitos judiciais para suspender a exigibilidade de créditos tributários em juízo não podem ser levados à contabilidade como des
pesas dedutíveis para fins de Imposto de Renda não ofende a qualquer dispositivo constitucional.
2. Não há nas disposições do referido artigo qualquer mensagem
que acarreta obstáculo ao contribuinte para ingressar em juízo.
3. Não ofende o nosso ordenamento jurídico a vedação do artigo 8Q da Lei n. 8.541/1992, no sentido de que os depósitos judiciais, enquanto depósitos, não podem ser considerados como despesas
dedutíveis do lucro real apurado para fins de Imposto de Renda.
4. Os depósitos judiciais, não obstante a sua vinculação ao litígio e a disposição do juiz, continuam a integrar o patrimônio do con
tribuinte, bem como os acréscimos de correção monetária e outros acessórios que tenham direito, até a solução do litígio.
Com essa ocorrência o depósito voltará a ser livre no patrimônio do contribuinte ou será transformado em renda para o poder tributante.
Nesta hipótese, a partir daí, ele deverá ser considerado como des
pesa dedutível da apuração do lucro real.
5. Recurso improvido. (REsp n. 129.249-RS, ReI. Min. José Delgado, Primeira Turma, unânime, DJ de 22.9.1997).
Lucro real. Custos de despesas com contribuições. Depósito.
A importância depositada fica indisponível até julgamento final,
enquanto durar a ação e permanecer a suspensão da exigibilidade do
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190 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
crédito, o depósito é considerado redução indevida do lucro real, não
podendo ser considerado despesa.
Recurso provido. (REsp n. 140.707-RN, ReI. Min. Garcia Vieira,
Primeira Turma, unânime, DJ de 23.3.1998).
Tributário. Imposto de renda. Depósito judicial para suspender
exigibilidade de crédito tributário. Lei n. 8.541/1992.
- Os valores depositados, para os fins do art. 151, lI, do CTN,
permanecem no patrimônio do contribuinte, até o encerramento do
processo. Por isto, seus rendimentos constituem fato gerador de Impos
to de Renda. (REsp n. 194.989-PR, ReI. Min. Humberto Gomes de
Barros, Primeira Turma, unânime, DJ de 29.11.1999).
Tributário. Suspensão da exigibilidade do crédito. Depósito. Re
dução indevida.
Em curso a ação, e enquanto permanecer suspensa a exigibilidade
do crédito tributário, são consideradas redução indevida do lucro real
as importâncias depositadas para a suspensão de exigibilidade do cré
dito.
Recurso improvido." (REsp n. 202.040-PR, ReI. Min. Garcia
Vieira, Primeira Turma, unânime, DJ de 2l.6.1999).
N esta Turma há um único precedente do Ministro Peçanha Martins,
não conhecendo do especial na matéria aqui deduzida, ficando assim resu
mida a espécie:
"Tributário e Processual Civil. IRPJ. Lucro real. Apuração. Lei
n. 8.541/1992 (arts. 7"" e 8""). Constitucionalidade. Incompetência do
STJ. Ausência de prequestionamento. Violação à lei federal descarac
terizada.
1. Não se insere na competência do STJ apreciar eventual nega
tiva de vigência a dispositivos constitucionais por lei federal.
2. O recurso especial pelo permissivo da letra a exige o
prequestionamento dos artigos de leis federais invocados.
3. Recurso especial não conhecido." (REsp n. 179.760-SC, julga
do em 6.4.2000, DJU de 22.5.2000).
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JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 191
Quando do julgamento, acompanhei o Relator, assim como os Ministros Paulo Gallotti e Franciulli Netto, oportunidade em que argumentou o
Ministro Peçanha Martins:
"O que sobressai, de modo indelével, deste apelo é a tentativa de
demonstrar negativa de vigência a dispositivos constitucionais, ao que
a recorrente dedica capítulo específico citando opiniões doutrinárias,
matéria que refoge à competência de julgamento do ST].
O art. 105, lII, da CF, preceitua incumbir ao STJ julgar, em recurso especial, decisão que: a) contrariar tratado ou lei federal, ou ne
gar-lhe vigência; b) julgar válida lei ou ato de governo local contes
tado em face de lei federal e c) der a lei federal interpretação diver
gente da que lhe haja atribuído outro tribunal. Nesse rol, não se en
contra a hipótese de examinar possível confronto entre leis federais e
preceitos constitucionais resultado em negativa de vigência destes úl
timos, e também conflito com disposições de lei complementar, como
o é o CTN, cujo art. 151, indubitavelmente, não foi violado pela decisão atacada.
Vale repetir as palavras do ilustre Procurador Regional da Repú
blica, no parecer de fls. 103/104:
'Com efeito, é certo que o depósito integral do crédito tri
butário suspende a exigibilidade, nos termos do CTN. Entretan
to, o mesmo é faculdade do sujeito passivo, com finalidade de
evitar a execução, porém não se confundindo com o pagamento,
este sim, forma de extinção do crédito tributário.
Assim, ao Fisco descabe efetuar o lançamento de tal crédi
to tributário - posto que sua exigibilidade está suspensa, quer pelo
depósito, quer por medida liminar concedida em mandado de se
gurança - também falece ao contribuinte a possibilidade de
contabilizar tal valor como se tivesse ocorrido o efetivo paga
mento, com o subseqüente aumento indevido de suas despesas e
a diminuição real de seu lucro, o qual se constitui na base de cál
culo do imposto de renda e da contribuição social.'
Por tais motivos, não conheço do recurso."
Tenho proclamado, em diversas oportunidades, que a questão do
RSTJ, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
192 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
conhecimento está umbilicalmente ligada à fundamentação do acórdão
impugnado e não à tese jurídica constante do processo, porque pode uma tese jurídica arrimar-se em dispositivo constitucional apenas, em disposi
tivo infraconstitucional somente, ou em ambos.
O certo é que o especial só alcança as duas últimas hipóteses.
Na questão em julgamento, está clara a fundamentação infraconstitucional, ou seja, a alegação de que o art. 7Q da Lei n. 8.541/1992 viola o art.
43 do CTN, dispositivo que dá o conceito de renda.
Daí a possibilidade de conhecimento do especial, como examinado no
início deste voto.
A digressão se faz em respeito ao precedente e para deixar claro que não houve mudança de entendimento da minha parte, já que acompanhei o Ministro Peçanha Martins, quando do julgamento do único precedente da
Segunda Turma que encontrei ao pesquisar.
Com estas considerações, nego provimento ao recurso especial.
Relator:
Recorrente:
Advogados:
Recorrido:
RECURSO ESPECIAL N. 252.440 - RJ (Registro n. 2000.0027145-4)
Ministro Paulo Gallotti
Jamyr Vasconcellos S/A
Nestor Ahrends Neto e outros
Município de Três Rios
Procuradores: Ulisses G. Figueiredo Filho e outros
EMENTA: Drogarias e fannácias - Fixação de horário de funcio
naIllento - COIllpetência do Município - Alegação de direito de fun
cionar durante 24 horas - Matéria constitucional.
1. Inviável o conheciIllento do recurso especial, quando as ques
tões nele suscitadas têIll natureza constitucional.
2. Ainda que se pudesse afastar essa circunstância, a jurispru
dência do STJ teIll reconhecido a "coIllpetência do Município para
regular as atividades urbanas estritaIllente ligadas à vida da cidade
RSTJ, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 200l.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 193
e ao belll-estar de seus habitantes, inclusive fixar horário de funcio
nalllento e plantões de farmácias e drogarias." (REsp n. 127.889-SP, Relator o Ministro Garcia Vieira, DJU de 9.11.1998).
3. Precedentes.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Franciulli Netto, Francisco Peçanha Martins e Eliana Calmon.
Brasília-DF, 17 de outubro de 2000 (data do julgamento).
Ministro Francisco Peçanha Martins, Presidente.
Ministro Paulo Gallotti, Relator.
Publicado no DI de 28.5.2001.
RELATÓRIO
o Sr. Ministro Paulo Gallotti: Jamyr Vasconcellos S/A, empresa do ramo farmacêutico, impetrou mandado de segurança objetivando ver reconhecido o direito de funcionar durante 24 horas, todos os dias, independentemente de estar ou não em regime de plantão.
Deferida, na 111 instância, a segurança foi cassada, por maioria de vo
tos, na Corte Estadual. O acórdão está assim ementado:
"Apelação. Segurança concedida por sentença de 1.12 grau, para
garantir o funcionamento de farmácia, no horário ininterrupto de 24 horas. Artigo 169 e seu § 1.12, da Lei n. 1.490/1983, do Município de
Três Rios, que com a redação dada pela Lei n. 2.158/1997 veio proibir tal horário de funcionamento. Competência dos Municípios, à luz
do estatuído no artigo 30, I, da CF, para ditar regras de funcionamento de estabelecimentos comerciais, por se tratar de matéria de interesse
local. Constitucionalidade, das normas legais em discussão, reconhe
cida. Inexistência de direito líquido e certo que tivesse sido por ato
arbitrário ou abusivo malferido. Segurança denegada." (fi. 244).
RSTJ, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
194 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Contra essa decisão, insurge-se a vencida, pela via do recurso especial,
ancorado nas letras a e b do permissivo constitucional, sob a alegação de que a Lei Municipal n. 2.158, de 28 de novembro de 1997, não só ofendeu
literalmente à Lei Federal n. 5.991/1973, como contrariou o seu espírito e a sua finalidade de proporcionar e facilitar o maior e o mais amplo atendimento à comunidade pelas farmácias e drogarias.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Paulo Gallotti (Relator): O presente recurso não me
rece ser conhecido, haja vista estar assentado em matéria predominantemente constitucional.
O acórdão hostilizado tem a seguinte fundamentação:
"Inicialmente, rejeita a maioria a argüição de inconstitucionalidade do artigo 169 e seu § 1'\ da Lei n. 1.490/1983 (redação da Lei
n. 2.158/1997) acolhida pela sentença de 111 grau.
Segundo a norma da Lei Federal n. 5.991/1973, o funcionamento das farmácias, sob o regime de plantão, deve ser objeto de rodízio,
observadas as normas que forem baixadas pelos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios.
No Município de Três Rios, a Lei n. 1.490/1983, em seu artigo
165, estabeleceu que o regime de plantão devia ser objeto de escala, com relação às farmácias, tendo se estabelecido, no § 511 do artigo referido, quantas farmácias e em que horário deverão cumprir os plan
tões, tendo o artigo 169 da lei (redação dada pela Lei n. 2.158/1997) proibido às farmácias a prestação de serviços durante 24 horas inin
terruptas.
Ao assim dispor, em nenhum momento violou a norma citada no
texto constitucional, eis que a fixação de horário para o funcionamento
de estabelecimentos comerciais se insere na competência dos Municípios, por se tratar de matéria de interesse local (artigo 30, I, da CF).
Assim, quando se estabeleceu no artigo 169 da Lei n. 1.490/1983
(redação da Lei n. 2.158/1997) limitação de plantões ou rodízios, ou
mesmo proibição para o funcionamento de farmácias, durante vinte e
quatro horas, ininterruptamente, de forma alguma violou-se, como en
tendeu a sentença, as normas contidas nos incisos IV e V do artigo 170
RSTJ, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 195
da Constituição Federal, parecendo, muito ao contrário, que se res
guardou o princípio da livre concorrência, na própria defesa do con
sumidor.
Também descabido é falar-se em ofensa da norma legal em dis
cussão ao artigo 199 da Lei Maior, pois estabelecer horário para fun
cionamento de farmácia, em harmonia com as condições peculiares
locais do Município, evidentemente, não é negar cumprimento ao prin
cípio constitucional que garante a prestação de assistência à saúde, à
comunidade.
Quanto ao mérito, como se lê da inicial, a Impetrante se insur
ge contra ato da autoridade-impetrada, que a notificou para fazer ces
sar o funcionamento ininterrupto de seu estabelecimento comercial
(farmácia), no horário de 24 horas diárias.
Tal forma de funcionamento viola, expressamente, a norma do
artigo 169 e seu § 1'\ da Lei n. 1.490/1983 (redação da Lei n. 2.158/
1997), cuja constitucionalidade é pela maioria reconhecida.
É indiscutível que o Município tinha competência para fixar, em
lei, limitação de horário para o funcionamento dos estabelecimentos
comerciais, ante os encerros do artigo 30, I, da CF.
A jurisprudência do STF, pela autoridade-impetrada trazida à
colação à fl. 63 - consubstanciada em acórdão proferido quando do
julgamento do Recurso Extraordinário n. 182.976-SP - assentou en
tendimento nesse sentido." (fls. 245/247).
Como se vê, a decisão recorrida incursionou em seara constitucional
ao abordar a competência do Município para legislar sobre assuntos de in
teresse local (art. 30, I), os princípios da livre concorrência e defesa do con
sumidor (art. 170, IV e V), bem como a assistência à saúde (art. 199).
Esses temas serão enfrentados por ocasião do recurso extraordinário
interposto, como já se decidiu:
"Administrativo. Competência do Município para regulamentar
horário de funcionamento de estabelecimento comercial. Matéria cons
titucional. Recurso especial. Inadmissibilidade.
Dada a natureza exclusivamente constitucional da matéria
atinente à competência de Município para regulamentar horário de
RSTJ, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
196 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
funcionamento de estabelecimento comercial, a sua análise fica reservada ao Supremo Tribunal Federal, por meio do recurso extraordinário stricto sensu.
Ainda que se pudesse inferir a existência de norma infraconstitu
cional supostamente violada, in casu, esta não foi analisada pelo Tri
bunal ordinário, que deu enfoque nitidamente constitucional à ques
tão dita controvertida, o que, de per si, mantém a impossibilidade de conhecimento do recurso especial.
Agravo a que se nega provimento." (AgRg no REsp n. 252.871-SP, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, DJU de 1l.9.2000).
Ainda que se pudesse afastar essa circunstância, a jurisprudência do STJ
tem reconhecido a "competência do Município para regular as atividades urbanas estritamente ligadas à vida da cidade e ao bem-estar de seus habitantes, inclusive fixar horário de funcionamento e plantões de farmácias e drogarias"
(REsp n. 127.889-SP, Relator o Ministro Garcia Vieira, DJU de 9.1l.1998).
Veja-se o precedente:
"Drogarias e farmácias. Fixação de horário de funcionamento.
Competência do Município. Plantões. Lei n. 5.991/1973.
Compete ao Município legislar sobre assuntos de interesse local (CF, art. 30, I), como é o caso do horário de funcionamento de farmácias e drogarias.
Não fere a Lei n. 5.991/1973, lei municipal que determina a proibição às farmácias e drogarias não escaladas de abrirem seus estabelecimentos no horário fixado para o plantão.
Recurso especial a que se nega provimento." (REsp n. 254.543-
SP, Relator o Ministro José Delgado, DJU de l.8.2000).
Destaco, do voto-condutor do acórdão, na parte que interessa, o seguinte trecho:
"A Lei Municipal n. 8.794/1978 assim preceitua, em seu art. 4Jl:
'Art. 4Jl• Fora dos horários normais de funcionamento, não
será permitida a abertura das farmácias e drogarias que não es
tiverem escaladas para o cumprimento dos plantões obrigatórios.'
RSTJ, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 197
A Recorrente afirma que tal dispositivo legal infringe o dispos
to no art. 56 da Lei n. 5.991/1973, anteriormente citado, pois este último garante o atendimento ininterrupto das farmácias e drogarias à
população, não obstando a que os estabelecimentos não escalados para o plantão abram suas portas ao público.
Não tem razão a Recorrente. Com efeito, não foi violada a Lei
n. 5.991/1973, haja vista ter o Município estatuído a escala de plan
tão das farmácias e drogarias, assegurando o atendimento ininterrupto à coletividade. Portanto, foi respeitado o previsto na supracitada lei federal, que nada mencionou a respeito de ser indevida a proibição às
farmácias não escaladas de abrirem seus estabelecimentos no horário de plantão. Assim, o Município de São Paulo não cometeu ilegalidade, tendo agido dentro da competência constitucionalmente delegada para legislar sobre assuntos de interesse local (CF, art. 30, I). De se
ressaltar, outrossim, o disposto na Súmula n. 419 do colendo Supremo Tribunal Federal, segundo a qual 'os Municípios têm competência
para regular o horário do comércio local, desde que não infrinjam leis estaduais ou federais válidas'."
Ante o exposto, não conheço do presente recurso.
RSTJ, Brasília, a. 13, (143): 157-197, julho 2001.