JULHO 2010

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E D I T O R I A L ÓRGÃO DA FUNDAÇÃO CHRISTIANO ROSA DISTRIBUIÇÃO GRATUITA PIQUETE, JULHO/2010 - ANO XIII - N o 162 O ESTAFETA 2010 - Ano Internacional da Biodiversidade Fotos arquivo Pró-Memória O Desenvolvimento Sustentável tornou-se pauta das discussões dos candidatos a cargos eletivos nas últimas e recentes campanhas eleitorais. Visam, com esse discurso, a sensibilizar o eleitorado para o candidato que se mostra preocupado com a importância da melhoria da qualidade de vida da população. Observamos, no entanto, que há uma discrepância entre o discurso eleitoreiro e a prática desses candidatos quando chegam ao poder. A maioria deles sequer sabe do que está falando. A falta de um programa de governo e de projetos que priorizem a questão ambiental faz com que os discursos fiquem apenas no papel. Enquanto isso, a maioria das cidades brasileiras vem crescendo de maneira desordenada, sem um projeto urbanístico. Dessa maneira, quando chegam as chuvas de verão, estas ganham as manchetes dos telejornais devido às enchentes e aos desmoro- namentos que, além do prejuízo material de grande monta, enlutam dezenas de famílias. Vivemos um tempo em que é preciso repensar as cidades quanto à susten- tabilidade. Em sua quase totalidade, as cidades brasileiras localizam-se em área de Domínio de Mata Atlântica. Esta floresta foi, ao longo dos séculos, destruída e ocupada pela expansão urbana, restando muito pouco dela. A Mata Atlântica é considerada, interna- cionalmente, um ambiente de vasta biodiversidade, porém com intensa pressão antrópica. Atualmente, restam apenas cerca de 7% da área original desse bioma. Diante de tamanha supres- são, surgiram iniciativas de recuperação dessa área. Observamos em algumas cidades ações com envolvimento da sociedade visando a esse objetivo. A conservação da Mata Atlântica se faz iminente, pois tem papel fundamental na mitigação das mudanças do clima e na regulação dos sistemas de chuva. A Mata Atlântica deve ser preservada e recuperada não apenas por sua biodi- versidade, mas também por sua relevân- cia para a promoção do desenvolvimento sustentável. Quando falamos que queremos salvar o planeta, usamos o termo “biodiversidade” para designar um conceito que, sem dúvida, é enorme. Ele faz referência à vida, ao mundo e à variação da vida no planeta inteiro. A biodiversidade é uma das proprie- dades fundamentais da natureza, respon- sável pelo equilíbrio e estabilidade dos ecossistemas e fonte de imenso potencial de uso econômico. É a base das atividades agrícolas, pecuárias, pesqueiras e florestais, também a base para a estratégica indústria da biotecnologia. As funções ecológicas desempenhadas pela biodiversidade são, ainda, pouco compreendidas, muito embora se considere que seja a responsável pelos processos naturais e produtos fornecidos pelos ecossistemas e espécies que sus- tentam outras formas de vida e modificam a biosfera tornando-a apropriada e segura para a vida. A diversidade biológica possui, além de seu valor intrínseco, valor ecológico, genético, social, econômico, científico, educacional, cultural, recreativo e estético. Com tamanha importância, é preciso evitar a perda da biodiversidade. Daí a Organização das Nações Unidas (ONU) ter declarado 2010 como o Ano Internacional da Biodiver- sidade. Objetiva aumentar a consciência sobre a importância da preservação da biodiversidade em todo o mundo. Esta celebração oferece excelente oportunidade para evidenciar a importância da biodi- versidade para nossa qualidade de vida. Serve, também, para refletir sobre os esforços já empreendidos para salvaguardar a biodiversidade até o momento, reconhe- cendo as organizações atuantes que trabalham com esse objetivo. A proteção da biodiversidade requer esforços de todos. Por meio de atividades em todo o mundo, a comunidade global deverá trabalhar em conjunto para garantir um futuro sustentável. Em Piquete, a Fundação Christiano Rosa, desde sua instituição, em 1997, vem traba- lhando com projetos voltados para assegu- rar que práticas sustentáveis sejam implan- tadas para preservar a biodiversidade, mitigar as mudanças climáticas e promover melhores oportunidades para o desen- volvimento econômico. Ao longo desses anos, desenvolveu, também, junto à comu- nidade, projetos visando a encontrar maneiras de melhorar suas condições de vida e incrementar sua renda, ao mesmo tempo em que protege o meio ambiente. Todos esses trabalhos constaram de Educa- ção Ambiental, cursos coletas de sementes e de viveiristas, além de plantio de grandes áreas. Já foram plantadas mais de 54mil mudas de espécies nativas de Mata Atlân- tica. Exemplos como o da Fundação devem ser seguidos no município visando à recu- peração e à preservação da biodiversidade. A proteção da biodiversidade requer esforços de todos. Por meio de atividades em todo o mundo, a comunidade global deverá trabalhar em conjunto para garantir um futuro sustentável.

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ANO XIII - No.162

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E D I T O R I A L

ÓRGÃO DA FUNDAÇÃO CHRISTIANO ROSA

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA PIQUETE, JULHO/2010 - ANO XIII - No 162

O ESTAFETA

2010 - Ano Internacional da Biodiversidade

Fotos arquivo Pró-Memória

O Desenvolvimento Sustentáveltornou-se pauta das discussões doscandidatos a cargos eletivos nas últimase recentes campanhas eleitorais. Visam,com esse discurso, a sensibilizar oeleitorado para o candidato que semostra preocupado com a importânciada melhoria da qualidade de vida dapopulação.

Observamos, no entanto, que há umadiscrepância entre o discurso eleitoreiroe a prática desses candidatos quandochegam ao poder. A maioria deles sequersabe do que está falando. A falta de umprograma de governo e de projetos quepriorizem a questão ambiental faz comque os discursos fiquem apenas nopapel. Enquanto isso, a maioria dascidades brasileiras vem crescendo demaneira desordenada, sem um projetourbanístico. Dessa maneira, quandochegam as chuvas de verão, estasganham as manchetes dos telejornaisdevido às enchentes e aos desmoro-namentos que, além do prejuízo materialde grande monta, enlutam dezenas defamílias.

Vivemos um tempo em que é precisorepensar as cidades quanto à susten-tabilidade. Em sua quase totalidade, ascidades brasileiras localizam-se em áreade Domínio de Mata Atlântica. Estafloresta foi, ao longo dos séculos,destruída e ocupada pela expansãourbana, restando muito pouco dela. AMata Atlântica é considerada, interna-cionalmente, um ambiente de vastabiodiversidade, porém com intensapressão antrópica. Atualmente, restamapenas cerca de 7% da área originaldesse bioma. Diante de tamanha supres-são, surgiram iniciativas de recuperaçãodessa área. Observamos em algumascidades ações com envolvimento dasociedade visando a esse objetivo. Aconservação da Mata Atlântica se faziminente, pois tem papel fundamental namitigação das mudanças do clima e naregulação dos sistemas de chuva. AMata Atlântica deve ser preservada erecuperada não apenas por sua biodi-versidade, mas também por sua relevân-cia para a promoção do desenvolvimentosustentável.

Quando falamos que queremos salvaro planeta, usamos o termo “biodiversidade”para designar um conceito que, sem dúvida,é enorme. Ele faz referência à vida, aomundo e à variação da vida no planetainteiro.

A biodiversidade é uma das proprie-dades fundamentais da natureza, respon-sável pelo equilíbrio e estabilidade dosecossistemas e fonte de imenso potencialde uso econômico. É a base das atividadesagrícolas, pecuárias, pesqueiras e florestais,também a base para a estratégica indústriada biotecnologia. As funções ecológicasdesempenhadas pela biodiversidade são,ainda, pouco compreendidas, muito emborase considere que seja a responsável pelosprocessos naturais e produtos fornecidospelos ecossistemas e espécies que sus-tentam outras formas de vida e modificam abiosfera tornando-a apropriada e segura paraa vida. A diversidade biológica possui, alémde seu valor intrínseco, valor ecológico,genético, social, econômico, científico,educacional, cultural, recreativo e estético.Com tamanha importância, é preciso evitara perda da biodiversidade. Daí a Organizaçãodas Nações Unidas (ONU) ter declarado2010 como o Ano Internacional da Biodiver-sidade. Objetiva aumentar a consciênciasobre a importância da preservação dabiodiversidade em todo o mundo. Estacelebração oferece excelente oportunidade

para evidenciar a importância da biodi-versidade para nossa qualidade de vida.Serve, também, para refletir sobre osesforços já empreendidos para salvaguardara biodiversidade até o momento, reconhe-cendo as organizações atuantes quetrabalham com esse objetivo.

A proteção da biodiversidade requeresforços de todos. Por meio de atividadesem todo o mundo, a comunidade globaldeverá trabalhar em conjunto para garantirum futuro sustentável.

Em Piquete, a Fundação Christiano Rosa,desde sua instituição, em 1997, vem traba-lhando com projetos voltados para assegu-rar que práticas sustentáveis sejam implan-tadas para preservar a biodiversidade,mitigar as mudanças climáticas e promovermelhores oportunidades para o desen-volvimento econômico. Ao longo dessesanos, desenvolveu, também, junto à comu-nidade, projetos visando a encontrarmaneiras de melhorar suas condições devida e incrementar sua renda, ao mesmotempo em que protege o meio ambiente.Todos esses trabalhos constaram de Educa-ção Ambiental, cursos coletas de sementese de viveiristas, além de plantio de grandesáreas. Já foram plantadas mais de 54milmudas de espécies nativas de Mata Atlân-tica. Exemplos como o da Fundação devemser seguidos no município visando à recu-peração e à preservação da biodiversidade.

A proteção da biodiversidade requer esforços de todos. Por meio de atividades em todo o mundo, acomunidade global deverá trabalhar em conjunto para garantir um futuro sustentável.

O ESTAFETA

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Imagem - Memória

Página 2 Piquete, julho de 2010

A participação da Fábrica de Pólvoras de Piquete na Revolução de 1932No dia 9 de julho de 1932 um movimento

revolucionário sem precedentes na históriado Brasil fez com que milhares de paulistaspegassem em armas contra o GovernoProvisório de Getúlio Vargas, num esforçopor restituir o país à ordem constitucionalsuspensa desde a Revolução de 1930.Houve mobilização de todo o Estado de SãoPaulo. Enquanto o governo ditatorialorganizava a resistência, em São Pauloformavam-se batalhões que seguiram paraas frentes de batalha.

Durante a Revolução, o Vale do Paraíba,por sua importância estratégica, foi palcode grandes combates. Piquete foi logoocupado por tropas constitucionalistasdevido à sua localização geográfica e àpresença da Fábrica de Pólvora sem Fumaça.Desde a eclosão do conflito, pelo ramalférreo chegaram levas de soldados. Muitosvoluntários conscritos do Exército e Praçasda Força Pública, perfazendo um total deaproximadamente 8 mil homens, inclusive 2mil que se dirigiram para a Serra. Algunsedifícios da cidade foram requisitados emnome da causa paulista: o Hotel das Pal-meiras, o Cine Glória, o Grupo Escolar dePiquete, a Cadeia e algumas residências. Apopulação, assustada com o movimento,refugiou-se em sítios e fazendas. A direçãoda Fábrica de Pólvoras sem Fumaça, que eraexercida pelo Coronel José Pompeu deAlbuquerque Cavalcante, bem como suaoficialidade, ficaram numa situação embara-çosa uma vez que foram sitiadas por tropasconstitucionalistas.

No dia 12 de julho, após se reunirem como diretor da Fábrica, os oficiais lavraram umaata na qual deixaram registrado que conti-nuavam solidários com o Governo Federal e

que este ato fosse comunicado ao coman-dante das Forças Revolucionárias, emLorena, e às autoridades legais, no Rio deJaneiro. No 18 de julho todas as oficinas daFábrica foram paralisadas, continuandoapenas os serviços de conservação e delimpeza. A comunicação entre a Fábrica e oGoverno Federal foi interrompida por ordemdo comando constitucionalista, isolandoainda mais a oficialidade. Quanto aooperariado, a maioria era constituída porpaulistas sensíveis à Revolução, enquantooutros titubeavam em apoiar o movimentopor serem funcionários públicos federais.

No dia 11 de agosto, para fazer funcionara Fábrica, apresentou-se ao seu diretor oTenente Coronel de Artilharia FelisbertoAntônio Fernandes Leal exibindo um ofícioassinado pelo General Berthold Klinger,comandante das Forças Constitucionalistas,que o nomeava Diretor da Fábrica e deter-minava que o Coronel José Pompeu e seusoficiais ficassem presos sob palavra, em suasresidências, na Vila da Estrela.

No dia seguinte, o Ten.Cel. FernandesLeal assumiu a direção da Fábrica, e nessaocasião foi nomeado seu auxiliar o 1°Tenente Bibiano Sérgio Dale Coutinho.Como primeiro ato do novo diretor foramrequisitados todos os funcionários, operá-rios e empregados a prestarem seus serviçosna Fábrica. No dia 4 de setembro, o Cel. JoséPompeu e alguns oficiais foram enca-minhados ao comando do 2° RM.

Aos poucos, as tropas federais avan-çavam pelo Vale do Paraíba. A situação doconflito definia-se implacável. A realidadeera apenas uma: São Paulo estava só. Desdeo início, os constitucionalistas enfrentavamuma crise material. As armas e munições

eram insuficientes. Era preciso aumentar oestoque, especialmente de munições, tendoem vista o cerco federal ao Estado. A Fábricade Piquete era a esperança. Tinha como metaa produção de 20 toneladas de explosivospara armas automáticas, 10 para fuzil, 1,5 paracanhão e 4 para morteiros. A Fábrica, porém,só funcionou por pouco mais de trêssemanas, antes de ser forçosamente aban-donada face à pressão das tropas federais.Nesse período trabalhou-se apenas 12 horaspor dia, já que havia falta de energia elétrica.Piquete atendeu em menos de 50% ao pedidode pólvora para armas automáticas eproduziu 2 toneladas de pólvoras paramorteiros.

No dia 13de setembro, o Ten.Cel. Felis-berto Antônio Leal e seus oficiais deixarama direção da Fábrica, entregando-a ao MajorMaximiliano F. da Silva. No dia seguinte, coma aproximação das tropas federais, ossoldados constitucionalistas deixaramPiquete num comboio que seguiu comgrande número de operários e familiares.Após a travessia do comboio com os últimossoldados, a ponte de ferro sobre o Paraíba,em Lorena, foi dinamitada.

A Revolução chegava ao fim. No dia 2de outubro, em Cruzeiro, foi assinado oarmistício. Os operários que aderiram aomovimento foram sumariamente demitidos.No dia 22, um pelotão do 19º BC, comandadopelo Ten. Agostinho Bezerra Filho, veioguarnecer a Fábrica, permanecendo até 28de dezembro. No dia 30 reassumiu suasfunções na Fábrica o Coronel José PompeuCavalcante. Os operários foram anistiadospor Getúlio Vargas, e, aos poucos, a vida foivoltando ao normal.

***************

Soldados Constitucionalistas e moradores de Piquete em frente à antiga Matriz de São Miguel. Ao centro, o prefeito municipal, Antônio Pelúcio, e o padre EstanislawLeme. O Comando Constitucionalista permaneceu em Piquete do dia 10 de julho a 14 de setembro.

O ESTAFETA

GENTE DA CIDADEGENTE DA CIDADE

Página 3Piquete, julho de 2010

Ângela Arantes

A Redação não se responsabiliza pelos artigos assinados.

Diretor Geral:Antônio Carlos Monteiro ChavesJornalista Responsável:Rosi Masiero - Mtd-20.925-86Revisor: Francisco Máximo Ferreira NettoRedação:Rua Coronel Pederneiras, 204Tels.: (12) 3156-1192 / 3156-1207Correspondência:Caixa Postal no 10 - Piquete SP

Editoração: Marcos R. Rodrigues RamosLaurentino Gonçalves Dias Jr.

Tiragem: 1000 exemplares

O ESTAFETAFundado em fevereiro / 1997

Sentada em uma confortável poltrona,Dona Ângela Arantes manuseava um álbumantigo de fotografias quando recebeu “OESTAFETA”. Muitos acontecimentos epersonagens foram recordados naquelatarde de sábado. Suas histórias ganham vidae, como lembranças puxam lembranças,ficaríamos horas conversando. O cotidianode Piquete da década de 1940 emerge ricoem detalhes. Era o período da II GuerraMundial e havia um número maior deoperários na cidade trabalhando na Fábricade Pólvoras.

Ângela Giffoni Arantes nasceu em Poçosde Caldas, a 11 de dezembro de 1924. Seuspais, Abel e Amélia Fernandes Giffoni,tiveram sete filhos. Seu pai trabalhava naabertura de estradas e foi em função dessaatividade que a família veio para Piquete em1939, quando das obras da Rodovia Lorena- Itajubá. “Essa obra durou anos e meu pai,que havia trabalhado no trecho mineiro,próximo a Água Limpa, em Itajubá, veiocoordenar os trabalhos no trecho dePiquete. Moramos próximo à cadeia e foi láque fiz muitas amizades, mantidas até hoje:Menina do Salvador, Lourdes do Lourenço,Vivinha do Carmelo, Cida Brito, Carmem doIsmael Marques...”.

Dona Ângela conta que “Piquete eramuito animado... A Praça Duque era aondeas famílias iam para passear. Lá, as moças,de braços dados, davam voltas, enquantoos rapazes, parados, flertavam... As festasjuninas ali eram as mais bonitas que já vi...”.Conta, também, sobre as quermesses:“Atraíam muita gente...”. Dona Ângela contaque, aos quatorze anos, conheceu JoséCarlos Arantes e logo começaram a namorar.“No início, meu pai não aceitava... Masfomos persistentes... Com o término dasobras, minha família mudou-se para Itajubá;Zé Arantes subia a serra para namorar... Euadorava dizer para minhas amigas quenamorava o filho do prefeito de Piquete”. Onamoro durou quatro anos, até 1944,quando, a 15 de março, se casaram.

Após o casamento, D. Ângela veio morarem Piquete, à Rua São Miguel, onde resideaté hoje. “Esta rua é minha maior refe-rência...”. O marido era Mestre do 3º Grupo,

na Fábrica, e dona Ângela ajudava noorçamento costurando. Fala da família commuito carinho, especialmente a admiraçãopela sogra, Anica Arantes, a quem conside-rava sua segunda mãe. Suas lembranças sãopermeadas pelos bons vizinhos: as famíliasde Juca Luz, dona Laura Amorim, seu Bili edona Finoca, os irmãos Maria, Walfrida eGuilherme Jansen, Augusto Bastos e donaNena, João Roque, dona Olímpia e ChiquinhoRibeiro, os Teixeiras, os Montanos...

Pela rua São Miguel passava todo otrânsito da cidade: “tropas, procissões,enterros...”, diz. Dona Ângela recorda queno Salão da Banda, nos anos 40, funcionouo clube “Barba de Paca”, cujos freqüen-tadores agitavam ainda mais a rua. “Tinha,ainda, a sapataria do seu Bili, uma padaria, acoletoria e o cartório do meu sogro, LuizArantes Jr. Eu ficava à janela vendo achegada das moças, que vinham se casarcom o vestido de noiva...”.

José Carlos e Ângela Arantes tiveramdois filhos, Marileide e João Carlos, quelhes deram seis netos e duas bisnetas.Viúva desde 1985, sua paixão pelo marido

fica clara quando cita ascartas e bilhetes recebidosdele, que são guardadoscomo um tesouro.

“O Piquete de déca-das atrás era muito me-lhor... As famílias se visi-tavam... Havia excelenteassistência à saúde, comum corpo clínico de pri-meira no hospi ta l daFábrica, que contava,ainda, com a adminis-tração das Irmãs Sale-sianas... O Carnaval, asfestas do Natal... Tudomantido pela Fábrica”.Reforça, saudosa, queera o “Piquete de ou-tros e melhores tem-pos...”

Notas da Cidade

Carreata de São CristóvãoAconteceu, no dia 25 de julho, uma

carreata pelas ruas de Piquete, em come-moração ao Dia de São Cristóvão.

CONSEGO Conselho Comunitário de Segurança

(CONSEG) de Piquete promoveu, no últimodia 8, na Praça 9 de Julho, solenidade cívicaem que foi inaugurado um monumento àRevolução Constitucionalista de 1932.

Romaria Ciclística Padre JucaAcontecerá, no dia 7 de agosto, a 52ª

Romaria Ciclística Padre Juca, com saída daMatriz de São Miguel às 3h da manhã.Tradicionalmente, os romeiros piquetensesvão, de bicicleta, até o Santuário Marianode Aparecida. O retorno a Piquete estáprevisto para as 17h.

Torneio Interestadual de FutebolAconteceu, em Piquete/SP, entre os dias

25 e 31 de julho, o 10º Torneio Interestadualde Futebol. Promovido pela Escolinha deFutebol Pirralhos dirigida por José Valério,o “Sabará”, o Torneio contou com 14equipes, numa participação total de cercade 1000 atletas dos estados de São Paulo,Minas Gerais e Rio de Janeiro, das categoriasPré-Mirim a Juvenil. Os jogos aconteceramno campo do Estrela e no Estádio Municipalda Vila Esperança, com encerramento noCampo do Estrela, às 16h.

Trekking Cidade PaisagemAcontecerá no dia 01 de agosto, em

Piquete, o 4º Trekking Cidade Paisagem.O evento contará com workshop, no dia

31 de julho, às 20h, no Terrana, em Piquete,na Praça Duque de Caxias. A largada será às9h, no dia 1º de agosto, também na PraçaDuque. Serão aceitas equipes de 2 a 6integrantes. As inscrições podem ser feitasna Secretaria de Turismo de Piquete,localizada no portal de entrada do município,à Av. Major Pedro, das 9h às 17h.

O ESTAFETA Piquete, julho de 2010Página 4

Questão importante para os países é adimensionalidade do território definido porfronteiras e soberanamente administradopelo Estado. Através desses condicionanteso poder é instituído e politicamenteconstituído.

O campo da geopolítica define-seestrategicamente e as Forças Armadasgarantem a vigilância, a manutenção daordem e o estabelecimento das linhasde limites reproduzidas nos mapas apartir de acordos diplomáticos, posse ereconhecimento do arbítrio entre go-vernos para garantir a paz ou definir asbases das guerras quando se impõempelas necessidades dos desentendi-mentos. Evitar a guerra é a preocupaçãodos acordos. Hoje não mais se admite ainvasão justificada pelo poder do maisforte. Houve época em que as contendasse faziam por essa justificativa.

Chegar aos acordos é jogo políticode demorada discussão, habilidade dosnegociadores e muito tato político. Osobjetos de cobiça são complicadores. Sejaa riqueza vegetal, animal ou mineral,extrativismos tornados matérias-primas etrunfos disputados na força das guerras.Entre as riquezas minerais, a água é oelemento chave por excelência, princi-palmente nas áreas sujeitas a aridez. Masnão só. A riqueza hidrológica sempre foielemento primordial de disputa. Afinal,alimento, irrigação e comunicação estãopresentes nesse jogo de interesses infla-mando os espíritos e exigindo táticasconvincentes.

O eminente escritor João GuimarãesRosa, diplomata de carreira, exerceu, emfunções dessa atividade, o cargo de chefedo serviço de fronteiras, no qual teveimportantes participações no trato doslimites ao norte do país, na sempre cobiçadaAmazônia.

Nos tempos coloniais, até à chegada deD. João VI ao Rio de Janeiro, em 1808, a

América Portuguesa, assim chamado oficial-mente nosso território, compreendia a áreacentro-leste definida pelo Tratado de Madri(1750) e não incluía a Amazônia, extrato

territorial à parte com a denominação deGrão-Pará, mas com administração por-tuguesa. Era o tempo dos vice-reinados. Ogrande complicador eram os limites com aAmérica ibérica e os territórios das Guianasfrancesa, inglesa e holandesa.

A D. João VI, interessado em sediar noRio de Janeiro um poderoso império,representava foco importante definir oslimites norte-oeste-sul expandindo aextensão territorial o máximo possível. Daíguerras no Prata e incursões armadas naGuiana Francesa, de domínio almejado porquestões dinásticas.

A região platina Montevidéu chegou aser conquistada e colocada sob domínio dacorte portuguesa, na definição do territóriodado pelo Reino Unido de Portugal, Brasil eAlgarves.

O território amazônico e do oeste exigiamdefinição exata após o Tratado de Madri,cujas novas linhas de fronteiras nãoestavam ainda bem definidas. Afinal,estabelecer com precisão longitude e

latitude entre os dois impérios, o portuguêse o ibérico, implicava numa demarcaçãotrabalhosa pela extensão e as dificuldadesdo acesso e do meio físico.

Dois astrônomos a serviço do reiportuguês D. José I, ainda no séculoXVIII, incumbiram-se da missão dedelinear precisamente os limites doimpério português. Foram os padresIgnác Szentmártonyi e Giovanni AngeloBrunelli, jesuítas, os encarregadosdessa missão. O primeiro deles, peladificuldade do nome, chamado “San-martoni”, foi, entretanto, expulso daregião pelo rei D. José I e seu ministro oMarquês de Pombal, sob cuja jurisdiçãotodos os jesuítas foram expulsos daColônia. Mas, o primeiro esboço dessemapa foi delineado e tornou-se fontepara os estudos de fronteiras. Alémdisso, percorreram os rios Amazonas eNegro e deixaram preciosas informações

sobre as medidas das temperaturas re-gionais utilizando pela primeira vez otermômetro de Farenheit, a partir das quaisé possível analisar as mudanças climáticas.Enfim, um trabalho científico de ponta paraa época, contribuição para as posteriorespesquisas que hoje chegam ao uso dosmétodos de posicionamento por satélite epermite dar como resultado o mapeamentoda topografia do solo, revela o relevo e aaltura da vegetação. O GPS – sistema dageoestratégia obtida por uso de aviões esensores especializados, leva a confec-cionar mapas com resolução de escala1:50.000 – ou seja, cada centímetro do mapaequivalendo a 500 metros, uma precisãomaior do que a fórmula antiga de 1:100.000.Conhecer em detalhes a hidrografia podeevitar projetos equivocados e desper-dícios. Além disso, conhecer a natureza dosnúmeros é estrategicamente fundamental.

Dóli de Castro Ferreira

Mapas – Por que são importantes?

O Protocolo de Quioto estabeleu metasde limitação e redução de Gases de EfeitoEstufa (GEE) nacionais lançados na atmos-fera para os países signatários. Por meiodesse ato comprometeram-se a reduzir 5%das emissões totais de GEE feitas em 1990.Cada país signatário do Protocolo tevesuas emissões inventariadas e metas deredução estabelecidas. Cabe a cada umdesenvolver técnicas para a redução desuas emissões. O primeiro período para queas taxas sejam efetivamente reduzidas é de2008 a 2012.

O Brasil não foi incluído no Protocolode Quioto, pois suas emissões de GEE sãopequenas diante a das nações desen-volvidas. Mas, se as queimadas antrópicasem florestas tropicais tivessem sido consi-deradas, o país estaria em 5° lugar noranking dos maiores causadores do aque-cimento global.

Por outro lado, dentro do territóriobrasileiro existem várias tecnologias pararedução de emissão de GEE; são conside-radas como exemplos: o biodiesel, o etanol,a produção de energia elétrica a partir dometano capturado em aterros sanitários epor pequenas centrais hidrelétricas.

Outro potencial processo de redução deGEE, e pouco estimulado no país, é osequestro de carbono por sumidourosnaturais. Os sumidouros naturais sãoconstituídos por vegetação nativa emcrescimento em áreas que não possuíamflorestas nos últimos 50 anos ou em áreasde florestas que foram convertidas empastagens ou submetidas à agricultura.

A vida vegetal é simplesmente o meca-nismo mais eficiente e disponível para osequestro de dióxido de carbono da atmos-fera. Durante o crescimento das florestas,cada árvore, arbusto, cipó ou vegetação

rasteira capturam carbono da atmosfera. Nodecorrer desse crescimento, a vegetaçãosequestra taxas de carbono maiores do queelas lançam na atmosfera com o processode respiração. O sequestro de carbono dá-se por meio da fotossíntese. A fotossínteseenvolve processos que ocorrem na pre-sença de luz (fotoquímicos), processos quenão necessitam de luz (enzimáticos) eprocessos de difusão, que provocam trocade dióxido de carbono e oxigênio entre oscloroplastos e o ar exterior.

Diante esse cenário, é preciso mapearas florestas, sua regeneração e desma-tamento. A cobertura vegetal nativa dePiquete já está sendo mapeada. As áreasde desmatamento e de regeneração serãoidentificadas. Os resultados estarãodisponí-veis aos leitores no próximomês.

Thiago Santos

Sumidouros naturais de Carbono***************

O ESTAFETA Página 5Piquete, julho de 2010

O Ano Internacional da Biodiversidadedeve chamar a atenção do mundo para asespécies e os processos naturais que nosmantêm vivos, os quais, geralmente, nãorecebem a atenção devida. A conservaçãoda biodiversidade é essencial para asobrevivência humana e esses processosnaturais decorrentes dessa diversidade sãocentrais para a economia de todas asnações. No entanto, isso é frequentementeesquecido por políticos, que focam suasações em agendas de curto prazo. Ostrabalhos de conservação dos ecos-sistemas demandam tempo e requerem deações continuadas.

Consciente da importância dessestrabalhos, a Fundação Christiano Rosa(FCR) mantém atividades relacionadas como meio ambiente desde sua instituição, em1997. Já em 2003, desenvolveu, no Bairrodos Marins, o projeto “Percepção damicrobacia do ribeirão Passa-Quatro”; emseguida veio o projeto de recuperação demata ciliar dos ribeirões Benfica e Tabuleta,que reflorestou um hectare de área de-gradada com cerca de 2,5 mil mudas. Eatualmente vem desenvolvendo, em váriasetapas, desde 2007, o projeto Revegetaçãode Mata Ciliar da Microbacia do Ribeirãoda Limeira. Com o objetivo de recuperar amata ciliar ao longo desse curso d’água,de maneira a construir um corredor eco-lógico, esse projeto vem sendo executadoem etapas, com financiamento do FEHIDROe do CEIVAP.

Na primeira fase desse trabalho foramcercados 30 hectares da área de recargapróximos às nascentes do Limeira, junto àmata da FPV/IMBEL, e plantadas mais denoventa espécies de árvores de espéciesnativas da região em 12 hectares.

Parte dessas mudas foi formada numviveiro mantido pela própria FCR. Ao longodesses 3 anos, todo o trecho do Limeira quecorta as Fazendas Cachoeirinha e Amarelajá foi plantado, bem como a área junto à suafoz no Paraíba do Sul, no Campus da EEL-USP, Lorena, totalizando 54 mil mudas emaproximadamente 27 hectares. A Fundaçãofaz, periodicamente, a manutenção dasespécies plantadas e do cercamento, ecombate às formigas.

Aplicado nas áreas de preservaçãopermanente das margens do Ribeirão da

Fundação Christiano Rosa plantando biodiversidade

Limeira, o projeto também vem recuperandoas nascentes ao longo das proximidades desua calha. Nos próximos meses a Fundaçãodará início a uma nova etapa desse projeto:o cercamento, o coveamento e o combatede formigas em outra área de 8 hectares,também pertencente à FPV. Serão plantadasmais 16 mil mudas nativas.

As mudanças ambientais proporcio-nadas com a execução desse trabalho sãosignificativas e incluem proteção do solocontra as perdas causadas por processosde erosão, atração da fauna por proporcionarabrigo e fontes de alimentação, melhoriapaisagística dos espaços etc.

A preocupação com a conscientizaçãoda comunidade para a importância de sepreservar o meio ambiente levou a Funda-ção a ministrar ao longo desse projetocursos de educação ambiental, de for-mação de viveiristas e de coleta desementes. Pessoas da comunidade localcapacitadas nesses cursos tiveram aoportunidade de participar do plantio deuma área do projeto. Paralelamente, OEstafeta vem chamando a atenção dosleitores para questões ambientais. Aospoucos, as pessoas vão se familiarizandocom temas relacionados à preservação e àrecuperação dos recursos naturais reno-váveis. Cumpre, dessa forma, seu papelde informar e contribuir para a formaçãode uma consciência cidadã. O projeto derecuperação de mata ciliar ao longo doribeirão Limeira já vem dando bonsresultados: observam-se o aumento e apresença de número cada vez maior depássaros, que contribuem como disper-sores de sementes para o aumento da mata.

Fotos arquivo Pró-Memória

O ESTAFETA

Edival da Silva Castro

Página 6 Piquete, julho de 2010

Crônicas Pitorescas

Palmyro MasieroQuem é de ferro?

Cavalo mecânico

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informativo

“O ESTAFETA”“O ESTAFETA”“O ESTAFETA”“O ESTAFETA”“O ESTAFETA”

Um homem guiava seu carro por umaestrada rural, quando, de repente, o veículocomeçou a engasgar. Parou para ver o queestava acontecendo. Sob o painel puxou aalavanca para soltar o capô do motor. Aocolocar os pés no chão ouviu uma voz:

– É o cabo da vela.O home olhou ao seu redor e não viu

ninguém. No pasto, do outro lado da estrada,atrás duma cerca de arame farpado umcavalo pastava sossegadamente. Aí ohomem pensou:

– Não é possível! Ouvi com nitidez umavoz me dizendo “é o cabo da vela”. Ah, ébobagem minha, devo estar birutando. Deixapra lá.

Quando o mesmo abriu o capô e olhouatento para o motor, outra vez a voz: – É ocabo da vela.

Novamente olhou ao seu redor e nãohavia uma única alma viva, a não ser ocavalo do outro lado da cerca, que, agora,coçava o pescoço num mourão.

Já que o problema do carro supostamenteestava no cabo da vela, procurou averiguar.Foi feliz. De fato, havia um cabo solto e ooutro se soltando. Ficou mais apreensivoainda. Ajustou, então, os cabos, subiu nocarro, deu partida e se mandou. Adentrouum vilarejo e parou numa vendinha ondemuitos jovens bebericavam e jogavamconversa fora. Foi direto ao balcão e pediuágua.

Um dos jovens notara que o homemestava nervoso e pálido. Perguntou-lhe:

– Moço, tá tudo bem?– Tá sim, mas vou lhe contar... Estava

vindo por esta estrada de chão batido e cheiade costelas de vaca, talvez até por isso queos cabos da vela começaram a se soltar; ocarro começou a engasgar, parecia queestava faltando combustível. Aí parei e ouviduas vezes uma voz dizendo “é o cabo davela”. Não havia ninguém por perto a nãoser um cavalo pastando do outro lado dacerca. Pior,meu amigo, que a voz acertou emcheio o defeito.

– Moço, você lembra de que cor era ocavalo?

– Sei, sim. Era um cavalo branco, por sinalmuito bonito.

– É! Deu muita sorte. Porque, se fosse ocavalo pampa, você estava quebrado por láainda; ele não é bom mecânico.

Aí que o homem empalideceu de vez!

Sectarista convicto do determinismo,nega integralmente a tese da liberdade hu-mana e não admite, sob qualquer hipótese,esse papo de livre arbítrio. Tudo, segundoele, acontece por causas externas e internas.Morrer de fome? Destino, ora... Ficar rico?Predestinação, pois não... Doença? Fadário,sim... Por esses limites. Em resumo, jamaistrabalhou. Numa análise realista, sem essade filosofar, principalmente por parte dequem pega duro no batente, um vagabundocrônico, inveterado e convicto. Eis o heróidesse episódio, cujo apelido, que carregadesde a infância, explicado está atrás: JoãoCansado.

Era uma vez... (Esta história tem quecomeçar assim porque aconteceu em épocaem que prefeito, governador, presidente eos etecéteras dos primeiros, segundos,terceiros escalões - não sei se para por aí -,ao chegarem ao poder processavam umadevasse na folha de pagamento do pessoalcontrário à sua política, pondo todo mundono olho da rua. Às vezes até sem essa causa,mas por necessidade do cargo. Para supriressas vagas, colocava a família, parentesafins, amigos, cabos eleitorais, concha-vados, as próprias minas e as dos correligio-nários e seus respectivos familiares etc, etc,etc. Já frisamos que são coisas daquelaépoca, banidas no dias atuais, em que atônica é a dignidade pura...)

Bem... Era uma vez um prefeito que, aoassumir o cargo, fez tudo isso escrito entreos parênteses. Esse Executivo eleito foracolega de grupo escolar do nosso conhe-cido João Cansado que, na ocasião, era oseu defensor nas brigas entre a molecada.Cresceram juntos e, mais tarde, cada umtomou seu rumo e filosofia de vida.

João Cansado ficou sabendo da ascen-são do amigo, atualmente por cima dacanjarana e pensou fazer-lhe uma visita edescolar um emprego. Emprego, bem enten-dido, não serviço, coisa confessadamenteapunhalante em suas convicções. Resolveuir... Só por ir... Desse no que desse... Seconseguisse sinecurar, legal; caso contrário,que a bola continuasse a correr.

Recebido foi, embora deixasse o prefeitocom sério problema: todos os cargosestavam preenchidos e, para apimentar maisa questão, o conhecimento da crençainabalável do amigo de que o trabalho eracontar a ordem natural das coisas. Aautoridade ficou de estudar o assunto.Noites em claro do alcaide, gente fina, em

busca de uma luz para essa situaçãoincognoscível. Aconteceu numa estrela damanhã: encontrara o emprego ideal para oJoão. Dia seguinte mandou buscar oCansado. Em viatura oficial, ora bolas!

– João, você está empregado. Vai servigia do cemitério.

– E defunto precisa ser vigiado? Inda-gou exclamativamente João.

– Aí é que está. Você não tem que fazernada... Absolutamente nada a não ser otrabalho de vir uma vez por mês à prefeiturareceber o pagamento.

Apesar dessa última e um tanto formalcondição, o Cansado aceitou e veio a fazerparte da folha de pagamento. No cemitério,em suas vontades, dava uma voltas, emespeculações filosóficas, entre os túmulosdaqueles que já pularam pro lado de lá...

No terceiro pagamento o João apareceuno gabinete do Prefeito:

– Vim pedir minha demissão.– Que houve, João? Quer que mande o

pagamento direto pra sua casa?– Isso aí eu aguento... Mas lá no

cemitério eu não fico nem mais um dia. Nãoacho justo que num lugar onde todosdescansam em paz fique só eu trabalhando!

Outro nó para o amigo importantedesatar. Noites de insônia até novasolução, trazida pela luz de um pirilampo.Numa estrada municipal havia uma curvaque diziam perigosa (jamais fora notíciapor qualquer risco grave) e lá ficaria oJoão, sentado numa cadeira e... e maisnada... Em caso de acidente (impossível,por falta de tráfego!), ele deveria comu-nicar às autoridades. O Cansado topou aparada e todo dia era transportado numcaminhão chapa branca, com sua cadeira,para a curva.

Duas semanas depois, novamente estavao João à frente do chefe do ExecutivoMunicipal.

– Mas o que acontecer agora, João? –impacientou-se sua excelência.

– Eu queria que você me arranjasse umaenxada.

O homem eleito pelo povo quasedesmaiou. Seu velho amigo João estavadoente! Seriamente enfermo... Antes deuma atitude mais solevante em favor doCansado, arriscou um palpite que jápressentia ser insultoso:

– Vai fazer algum conserto na estrada?– Tá louco, seu! A enxada é pra quando

eu sentar ter onde apoiar os braços...

“Nossas terras estão ermas. Nossas preciosas matas vão desaparecendo, vítimas do fogoe do machado, da ignorância e do egoísmo; nossos montes e encostas vão se escavandodiariamente e com o andar do tempo faltarão as chuvas fecundantes, que favorecem avegetação e alimentam nossas fontes e rios. Virá, então, esse dia, terrível e fatal, em que aultrajada natureza se ache vingada de tantos erros e crimes cometidos.”

José Bonifácio, Representação à Assembléia Constituinte do Império do Brasil, em 1823.

O ESTAFETAPiquete, julho de 2010 Página 7

O estado do Paraná abriga onze (11)etnias.

Recentemente assisti a um documentáriopreparado pelos paranaenses de origemucraniana.

Os jovem apresentaram os instru-mentos musicais e as danças ucranianas.Demonstraram conhecer a língua ucra-niana e revelaram surpresa quando foramvisitar Kiev, a capital da Ucrânia, eencontraram a juventude falando russo emvez da língua do país.

Os velhos elogiaram o Brasil pela suaacolhida democrática, principalmente noque diz respeito à religião. Os ucranianosprofessavam duas religiões diferentes.Puderam trazer seus sacerdotes, construíramsuas igrejas e louvaram seu Deus conformesuas convicções.

A beleza da vida está na variedade derecursos que a natureza oferece e na suautilização para a solução dos problemas queo homem depara na sua caminhada.

Quando duas etnias se encontram, logosurgem comparações – seja nos instru-mentos de trabalho, nos instrumentos dearte, nos tipos de alimento ou na explicaçãoda origem do homem e do universo.

O racismo científico ou darwinismosocial ativou certas tendências existentesdesde os primeiros encontros de gruposdiferentes, às vezes, dentro do mesmo povo.

Surgiram daí excrescências como: “osfalantes de línguas arianas (tronco indo-europeu) são superiores aos outrospovos”; ou “os povos de origem anglo-saxônica foram mais bem aquinhoados

intelectualmente e, por isso, estarãosempre na dianteira na ciência e natecnologia”.

O Brasil é um país multiétnico. Todogrupo que aqui vier abrigar-se será bem-vindo, desde que obedeça às leis do país. Opreconceito racial ou religioso não podevicejar em uma sociedade multiétnica. Damesma forma, religiões que prescrevemsacrifícios humanos e mutilações são contraas leis do país e não podem ser admitidas.

Se dermos uma espiada apenas porcuriosidade nos seres humanos que ha-bitam o nosso planeta, identificaremoscinco (5) grupos pelas suas característicasfísicas: 1. os ameríndios (indígenas ame-ricanos); 2. os caucásicos (brancos louros,de olhos azuis e brancos morenos, de olhose cabelos escuros); 3. os malásicos (gran-des arquipélagos asiáticos); 4. os mon-gólicos (Ásia Oriental) e 5. os nígricos(negros africanos, aborígenes australianose negroides asiáticos).

O caldeirão étnico brasileiro tem comobase os ameríndicos (donos da terra); oscaucásicos, tanto louros como morenos,porque Portugal desenvolveu sua culturajunto aos povos do Mediterrâneo, masrecebeu várias levas de povos do norte; e,por último, os nígricos, representados pelosnegros africanos.

A principal características desta base éa inexpressiva presença de mulheresbrancas. Os quinhentões brasileiros sãomestiços de branco e índia e dos quatro-centões em diante temos mestiços de brancocom índia ou negra.

Hipocrisia RacialQuem acompanhou a discussão da Lei

da Igualdade Racial no Congresso Nacionaldeve não ter acreditado no que viu e ouviu.Os ossos de Darcy Ribeiro devem ter dadomurros nas paredes do túmulo.

Tempos atrás os mestiços queriam serbrancos; agora, os mestiços querem sernegros.

Mestiço não é branco, negro ou índio –é mestiço. Que vantagem há em insistir numamestiçagem que começou há cinco (5)séculos?

Se transplantarmos um grupo inteiropara outro ambiente, sua cultura vaimodificar-se.

O negro brasileiro não é o negroafricano. A magnífica tradição oral africanatrouxe cultura de várias etnias da ÁfricaSubsaariana. Mas elas se modificaram noNovo Continente. O que interessa é o quepermaneceu, não o que era, o que foi.

Que é o Brasil hoje?É um país multiétnico. Aqui convivem

cidadãos amarelos, brancos, indígenas,pardos e pretos, pessoas cujos antepas-sados já estavam na terra ou vieram delugares distantes com conhecimentos ehábitos diferentes – e criaram um povodiferente.

Sempre abriguei em meu coração aesperança de ver com meus próprios olhosa concretização da receita de Darcy Ribeiropara o povo brasileiro.

Agora, estou temendo que ela vádesandar.

Abigayl Lea da Silva

Sentir-se um peixo fora d’água é comumquando se passa por um processo demudanças... Ambiente de trabalho novo,cidade nova, amigos novos, casa nova...O que fazer em situações assim?

Há cerca de dois meses enfrento maisum desses processos de mudança. Sempreme senti muito bem quando enfrentandonovos desafios e desta vez não está sendodiferente. Mas, confesso, está mais difícil.Sinto mais falta da família, hábitos, amigos...Não deixo, porém, de aproveitar a opor-tunidade para criar novos laços. Esta temsido minha estratégia para enfrentar as

diversas mudanças que enfrentei. Desta vez,um pouco mais afastado de Piquete, recorriao sotaque local para lembrar de bonsmomentos da infância passados naquelaregião, com minha família.

O Brasil é rico em diversidades. E émuito interessante avaliá-las por onde sepassa. Ressaltar e assimilar as parti-cularidades é uma forma de adaptação. Meulema sempre foi tentar deixar de lado o quehouver de ruim e focar os pontos fortes deum local, trabalho e amigos, a fim de maisfacilmente me adequar a eles. E é isso quevenho fazendo. Se em Piquete tenho o azul

da Serra da Mantiqueira, procuro a belezado demorado e colorido pôr-do-sol nohorizonte, por exemplo. E tem sempre agostosa ansiedade pelos finais de semanaem que venho para a Cidade Paisagem...

Um peixe não vive fora d’água... Mas,com o tempo, ele consegue se adaptar aosaquários. E, sejam quais forem as águasnovas, o importante é manter viva a lem-brança das raízes e os valores herdados,sem desrespeitar as diferenças que tiverde encarar.

Laurentino Gonçalves Dias Jr.

“Como pode um peixe vivo viver fora da água fria?”

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O ESTAFETA Piquete, julho de 2010Página 8

O Programa das Nações Unidas para odesenvolvimento (PNUD), em seu primeirorelatório sobre desenvolvimento humanona América Latina e Caribe, constatou quenossa região continua sendo a maisdesigual em distribuição de renda nomundo. O Brasil é o terceiro país da AméricaLatina com maior diferença entre pobres ericos. Somente a Bolívia e o Haiti possuemsituações mais injustas.

O relatório revelou, ainda, que asmulheres trabalham mais tempo e recebemsalários inferiores aos dos homens pelomesmo tipo de trabalho. Elas são a maioriadas pessoas que estão no mercado informale não possuem securidade previdenciária.Mulheres negras e indígenas estão sujeitasàs maiores privações.

Nos últimos anos, sobretudo no períododo governo Lula, houve grande avançosocial devido às políticas de inclusãoadotadas, como o Bolsa Família, quepromove a distribuição de renda comojamais ocorreu no país, bem como muitasoutras boas iniciativas na área da promoção

Superar a desigualdade, um desafio popularsocial. Existem, porém, conquistas maioresa ser alcançadas para que se atenuem osprivilégios dos enriquecidos e os sofri-mentos dos empobrecidos, dando dignidadea todos os brasileiros. Acredito que muitasdestas conquistas ainda se darão por viasinstitucionais e democráticas – este seria ocaminho mais sensato. Outras, porém, talvezas mais importantes, como a democratizaçãoda terra e dos meios de produção de bensnecessários à vida, somente se efetivarãoatravés do confronto violento de classes epela imposição das massas popularesexcluídas que, na melhor das hipóteses,organizadas e conscientes do processoinjusto do qual participam, exigirão daslesantes elites do país, de maneira justa, masmuitas vezes violenta, que sejam respeitadosos seus direitos de cidadãos.

Este processo de evolução social, emque ricos e pobres, dominantes e domi-nados, vão se adaptando conflitivamente,por vias institucionais ou pelas forças dosmovimentos sociais, é inevitável. Emboracause, à primeira vista, muitos danos à

ordem estabelecida, o que de fato acon-tece é o parto de uma ordem mais justa eincludente.

Este movimento de reestruturação socialnunca é iniciado pelos que estão emsituação privilegiada e nada mais queremque a manutenção do sistema que osfavorece e violenta os mais vulneráveis.Daí a importância e o valor que possuemos diversos grupos que hoje se fortalecemem nosso país, como o Movimento deCombate à Corrupção, o MST, a ViaCampesina, os Sem Teto, e tantos outrosmovimentos populares que surgem comocontestadores corajosos e admiráveis,desafiando a desordem institucionalizadae os que querem perpetuar a dura realidadeda desigualdade social que há tantos anosreina no Brasil e vitima milhares de cidadãose, principalmente, cidadãs, privados deseus direitos fundamentais em favor doimoral acúmulo do poder financeiro nasmãos de poucos.

Pe. Fabrício Beckmann

TropeirosEm período bem anterior às estradas de

ferro e rodovias, no qual a possibilidadede rotas por rios ou outras águas era quasenula, o transporte e o comércio de merca-dorias eram feitos pelos tropeiros. Assimeram chamados os integrantes das tropase comitivas formadas por mulas, as grandesresponsáveis pelo trabalho mais pesadodessas viagens, que duravam meses.

A história do tropeirismo é rica e temraízes profundas no Vale do Paraíba. Piquetesurgiu de um posto de fiscalização quecontabilizava a entrada e saída de tropaspara a capitania de Minas, na segundametade do século 18. Nessa barreira, ostropeiros pagavam o chamado “direito de

entrada”. Essas tropas transportavamriquezas minerais e os mais diversosprodutos. Muitos ranchos e pousos foramlevantados ao longo dos caminhos paraabrigar esses intrépidos trabalhadores. Noséculo 19 foram os tropeiros os respon-sáveis pelo transporte do café valeparaibanopara os portos de Mambucaba e Paraty epara o Rio de Janeiro. Transpunham,também, produtos para a Corte e retornavamde lá com as novidades. Esse movimentofez florescer um comércio dinâmico naregião. Para grandes viagens, eram ostropeiros insubstituíveis, conforme assina-lam documentos e depoimentos dos séculospassados.

O tropeirismo foi um ciclo da maiorimportância para a economia e a fixação dohomem no interior do Brasil. O legadodeixado por esses trabalhadores pode serobservado na gastronomia, no vestuário,no trato com os animais e no jeito cordialde nosso homem rural. Piquete rememora ereverencia esse herói nacional há anos pormeio da Festa do Tropeiro, que em 2010teve sua 29ª edição. Realizada em julho, estafesta tem como objetivo manter viva essatradição tão rica na história de Piquete edo Brasil. AC

Abaixo, imagens do desfile de tropeirose carros-de-boi realizado no dia 11/07/10.Fotos: Andréia Marcondes