JULGADOS DO TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL DE SÃO … · 2016-05-02 · Do matrimônio destes...

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JULGADOS DO TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL DE SÃO PAULO DIREÇAO Juiz CUNHA CAMARGO Juiz SILVIO LEMMI Juiz WEISS DE ANDRADE VOLUME 53 l' BIMESTRE JANEIRO E FEVEREIRO 1 979

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JULGADOS

DO TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL

DE SÃO PAULO

DIREÇAO

Juiz CUNHA CAMARGO Juiz SILVIO LEMMI Juiz WEISS DE ANDRADE

VOLUME 53

l' BIMESTRE

JANEIRO E FEVEREIRO

1 979

LEX COLETANEA DE LEGISLAÇAO E JURISPRUDENCIA

Diretor Responsável :

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o MINISTRO JOSt GERALDO RODRIGUES DE ALCKMIN (*)

(HOMENA(lEM)

,-) DI.curso proferido pelo Juiz Olnlo de Sentis Garcia. Presidente do Tribunal de Alçada Criminal, na sassfto solene realizada pelo Instituto dos Advogados de Sêo Paulo, em 8 de fevereiro de 1979, para home· nagear a mem6rla do 'eu ,ócio colaborador, o Ministro JOSe GERALDO ROORIGUES DE ALCKMIN.

o Instituto dos Advogados de São Paulo homenageia, n'a sessão desta noite, um dos seus membros mais ilustres, o Ministro JOS~ GERALDO RODRIGUES DE ALCKMIN.

Quis o preclaro Presidente Vives Miranda Guimarães que falasse pela Casa o sócio que, à posição de Magistrado, acrescenta a de velho companheiro e amigo do homenageado.

Outros títulos. na verdade. não possuo. E ainda que me orgulhe deles, devo reco­nhecer que não são credenciais suficientes para traçar adequadamente o quadro opu­lento da vida e pensamento de RODRIGUES DE ALCKMIN.

Espero que me recomendem à benevolência do auditório a boa vontade com que obedeci à alta direção deste sodalício e a afeição com que me debrucei sobre a exis­tência de quem a graça de Deus me deu. por largos anos. como amigo e mestre.

RODRIGUES DE ALCKMIN descendia de velha família paulista que, segundo reza a tradição, tinha origem em Antonio Rodrigues, companheiro de João Ramalho, casado com uma irmã de Bartira e).

Em 1828 formava-se na Faculdade de Direito de São Paulo o bisavô de RODRIGUES DE ALCKMIN, o Dr. João Capistrano de Macedo Alckmin, Juiz de Campanha, filho de João Rodrigues de Macedo, antigo dono da "Casa dos Contos- de Ouro Preto, com­prometido no movimento da Inconfidência.

A mesma Turma de 1828 pertenceu João José Rodrigues, autor de uma -Misce­lânea Jurídica". que RODRIGUES DE ALCKMIN invocaria em sentença de 1949, a pro­pósito da natureza do contrato celebrado entre advogado e cliente (').

Filho de João José Rodrigues e tio-avô de RODRIGUES DE ALCKMIN foi Antônio Cândido Rodrigues, combatente da Guerra do Paraguai, engenheiro militar que em 1883 deixou o Exército para participar ativamente na política. Diversas vezes deputado pro­vincial em São Paulo, participou da primeira Assembléia Constituinte do Estado, de onde passou para o Senado Estadual. Foi Secretário da Agricultura nos governos de Rodrigues Alves e Albuquerque Lins. cabendo-lhe, outrossim, instalar o Ministério da Agricultura sob a presidência de Nilo peçanha. Deixando a esfera federal. foi eleito Vice-Presidente do Estado de São Paulo para o período 1916/1920.

Avô de RODRIGUES DE ALCKMIN, e filho do Juiz de Campanha, foi o Dr. João Capistrano Ribeiro de Alckmin. Formado na Turma de 1864 da Faculdade de Direito de São Paulo, por algum tempo advogou no Vale do Paraíba, do qual saiu para ser Juiz em Minas Gerais, 'onde serviu em Cambuí e em Santa Rita do Sapucaí.

Três filhos seus estudaram na "Caetano de Campos_o Um deles, André Rodrigues de Alckmin (1878/19321. formou-se em 1898 e permaneceu em São Paulo, radicando-se em Guaratinguetá onde foi Professor de Português e Diretor da Escola Normal ali sediada.

O bisavô materno de RODRIGUES DE ALCKMIN, Wilhelm Karl Adalbert Dietrich Ravache. em virtude da repressão instaurada na Alemanha contra os participantes da Revolução de 1848, refugiu-se no Brasil juntamente com um irmão.

Depois de ter concorrido para a fundação de Joinville transferiu-se para São Paulo acompanhado de seu filho Hans Alvin Alexander Ravache. engenheiro topógrafo nas­cido em Lübeck por volta de 1840 e que, dentre muitas atividades, trabalhou na de­marcação das ferrovias São Paulo - Santos e Noroeste', esta última localizada no então perigoso sertão do Avanhandava.

(1) cf. M. E. DE AZEVEDO MARQUES, «Apontamentos», SP, 1953, pág. 80. [2) «RT», vol. 162/725.

TRIB. DE ALÇADA CRIMINAL - 12 -

Em Itu, uma das cidades em que residiu o engenheiro Ravache. conheceram-se sua filha Ida e André Rodrigues de Alckmin.

Do matrimônio destes nasceram os filhos João, André. Janira e Geraldo. Os três primeiros foram professores, cabendo a João e a .André servir na mesma escola em que o pai exercera o magistério. Nela o povo de Guaratinguetá foi buscar André, para fazê-lo Prefeito da cidade. Quanto a Geraldo, depois de vida profissional profícua (em que não pode ser esquecido o papel ativo que teve na introdução das tilápias em nossas águas), ainda hoje presta serviços relevantes à administração municipal de Pindamonhangaba.

Aos 4 de abril de 1915, num Domingo da Ressurreição, nasceu JOS~ GERALDO RODRIGUES DE ALCKMIN.

As tradições da família. marcadas pela firmeza de caráter. reverência ao direito e amor ao bem comum, encontravam excelente representante em André Rodrigues de Alckmin.

De sua fibra diz a forma viril com que reagiu à atitude menos digna de um Secretário da Educação que insistia em manter na Escola Normal de Guaratinguetá professora que, embora inepta, desfrutava da proteção dos chefes políticoS locais. O desassombro do velho André foi punido com descabida remoção para as funções de Diretor de Grupo Escolar situado em São Paulo.

À fortaleza André acrescentava a caridade. Ainda hoje há quem se lembre. em Guaratinguetá, de que o pai de RODRIGUES DE ALCKMIN reunia à mesa, uma vez por semana, os pobres da cidade. honrando-os com o tratamento ordinariamente só tributado às pessoas de prol.

Sob a severa disciplina paterna RODRIGUES DE ALCKMIN fez seus estudos na Escola Normal e no Ginásio Nogueira da Gama. Na primeira pontificavam. além do pai André, o padrinho Eugênio Zerbini e o austero Rogério lacaz - personagens sempre lembrados nas freqüentes incursões que RODRIGUES DE ALCKMIN fazia pelos tempos vividos em Guaratinguetá.

Seus contemporâneos atestam que foi excelente aluno. Ainda que o não fizessem. o fato estaria evidenciado pela memória fiel que conservava das disciplinas então estu­dadas, a repontar em extensas citações de textos de Camões. de Vieira e dos bons poetas brasileiros. para não falar em excertos do -Oiscurso do Método- de Descartes f! do famoso tratado de psicologia dirigido por George Dumas.

Seguindo os passos dos anC"estrais matriculou-se na Faculdade de Direito de São Paulo. concluindo o curso em 1937.

O qüinqüênio comprimido entre a Guerra Constitucionalista de 1932 e o Estado Novo. com efêmera passagem pelo regime constitucional de 1934. foi todo marcado por lutas que não poderiam deixar de repercutir nas velhas Arcadas.

Entre as graves transições do período. lembra um ilustre membro da Turma de 1937, iam os estudantes forjando a têmpera do caráter. E acrescenta:

«Entre os colegas de turma. alguns já se destacavam e faziam prever o êxito futuro, na Magistratura, na Cátedra Universitária ou nas Academias de Letras. JOS~ GERALDO RODRIGUES DE ALCKMIN, proveniente de Guaratinguetá, pacata cidade do Vale do Paraíba, cuja meninice desabrochara no belo cenário do rio e das serranias que o emolduravam de lado a lado, não pertencia ao círculo dos boêmios, mas ao grupo dos estudiosos: respeitado pelos colegas, era notado pelos traços caracterís­ticos de sua enorme e atraente personalidade - a inteligência vivacíssima, que se revelava nas conversas e debates, pelo raciocínio extraordinário, rápido, sutil e cinti­lante. auxiliado por memória invejável e pela graça de constante ironia, de tonalidade alegre, em que o próprio sarcasmo é filtrado e se dilui numa solução de zombaria paradoxalmente amistosa, jamais agressiva ou insultante. e pelo contrário recebida em geral com simpatia! Rldentem dicere verum, quid vetat? n.

Durante o curso RODRIGUES DE ALCKMIN trabalhara nos escritórios do tio, Dr. Arthur Ravache, e do primo, Dr. Mário Calazans Machado, assim acumulando expe­riência que lhe permitiu instalar, sem delongas, sua banca na remota comarca de Vai paraíso, então sob a dirf!!ção do ilustre Magistrado Dr. João Alfredo Cataldi.

(3) Des. YOUNG DA COSTA MANSO, Discurso publicado no «Diário da Justiça» do Estado, de 10.11.1972, pég. 1.

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o Desembargador Tácito Morbach de Góes Nobre. ao tempo titular da vizinha comarca de Andradina, por ocasião da homenagem que o Tribunal de Justiça. em outubro de 1972, tributou ao recém·nomeado Ministro RODRIGUES DE ALCKMIN ('I , disse do alto conceito em que era tido o jovem advogado. Que. de resto. alcançou significativa vitória na primeira sessão do Tribunal do Júri de Andradina, realizado em 20 de fevereiro de 1940.

Contemporâneos da passagem de RODRIGUES DE ALCKMIN por Valparaiso não olvidaram. ainda, significativo incidente revelador de seu caráter firme. Um dos clien­tes, grande fazendeiro e um dos homens mais ricos do Estado, pediu a colaboração do moço causfdico para manobra que, em última análise. _ configurava fraude fiscal. Indignado, RODRIGUES DE ALCKMIN não só recusou seu concurso à artimanha pro· Jetada como, para logo, rompeu as relações que o prendiam ao malicioso cliente -arrostando, como é fácil Imaginar, prejufzos certos e consideráveis.

Porém. como às veles a virtude é recompensada neste mundo. nao terminou o dia sem que o mal-avisado cliente, tocado pela inteireza . moral de RODRIGUES DE ALCKMIN. voltasse a procurá~lo para. com as desculpas devidas. solicitar-lhe que con­tinuasse a patrocinar suas causas.

" Movido por autêntica vocação, como tantas vezes afirmou, RODRIGUES DE

ALCKMIN ingressou na Magistratura em dezembro de 1940.

Em abril de 1942 era promovido para São Luiz do Paraitinga (primeira entrância). comarca que. ao longo de sua vida. permaneceu objeto de suave afeição que despon­tava na espirituosa narrativa de casos forenses curiosissimos, como o que desfechara em sutis distinções entre espécimes porcinos. ou o que partira de um teimoso exer­cicio de advlnhação sobre O sexo de ·cria nascitura. Não faltava a lembrança do zeloso estudante de tuba. que rltmava com seus exercícios as vigílias do jovem Magistrado, nem eram olvidados os diálogos. incríveis que conduziam astuto serventuário a revelar envolvimento em pitorescas lutas paroquiais.

Não há muito o JuIz Fernando de .Albuquerque Prado, em comovida oração ('), lem­brava seus primeiros passos como Promotor Público interino de São Luiz do Paraltlnga, amparados por Juiz que, em breve tempo, ganhara prestígio e fama graças não só às suas extraordinárias virtudes e a um grande poder de atração pessoal, como à notável cultura jurídica que acumulara. Com Fernando Prado teve início a série, não pequena, I de jovens recém·lormados que receberam de RODRIGUES DE ALCKMIN o incentivo. o apolo e a formação que lhes permitiram vencer, com galhardia. os con­cursos de ingresso à Magistratura e ao Ministério Público.

Desde logo RODRIGUES DE ALCKMIN atraiu a atenção de Mário Guimarães, o grande chefe da Magistratura Paulista que, na Presidência do Tribunal de Justiça, ctim­brava em dar melhores oportunidades de trabalho aos novos Juízes merecedores de apoio. promovendo·os intelectualmente no meio forense, antes mesmo da efetiva pro­moção material e burocrática da carreir,a. (-).

Por isso, foi de pronto convocado para substituir. em Taubaté, o ilustre Juiz Edgard de Moura Bittencourt, a quem por singular coincidência haveria de suceder. duas décadas mais tarde. no Tribunal de Justiça.

Em maio de 1947 era nomeado Juiz de Direito Auxiliar da Vara da Fazenda Muni­cipal de São Paulo (segunda entrânCia). Vieram em novembro de 1951 a promoção para a 1." Vara da comarca .de São José do Rio Preto (terceira entrância) e em junho de 1952 a nomeação para a 3." Vara Criminal de Campinas (quarta entrância). Em agosto seguinte era removido para a 10." Vara Cível da Capital e em junho de 1954 para a ' Vara da Fazenda Nacional. Em dezembro do mesmo ano passava a Juiz de Direito Substituto de segunda instência.

(4J li. «Diário da Justiça» do Estado, de 10.11.1972, pág. 1. (5) li . «Diário da Justiça» do Estado . de 19.12.1978. pég. 22 : .. Julgados do TACAIM». ed. lEX , \101.

52/450-'52. 161 VOUNG DA COSTA MANSO, 00 . e loc . clts .

TRIB. DE ALÇADA CRIMINAL - 14 _

A atividade judicante destes 14 anos merece estudo minucioso que, obviamente, aqui não poderá ser feito . Umas poucas referências, entretanto, serão suficientes para dar uma idéia da riqueza do acervo acumulado.

No vaI. 157 da .Rr-, publicado em setembro de 1945, surge a primeira sentença. de RODRIGUES DE ALCKMIN a ser divulgada por aquele tradicional repositório de jurisprudência. Nessa decisão, disse o Desembargador .Young da Costa Manso. oejá se vislumbrava o corte e se antevía o porte do futuro Ministro do Supremo Tribunal. compreensivo mas rigoroso. que interpretava a lei e resolvia o problema jurídico indo buscar sua razão nos princípios que fundamentaram a edição da norma interpretada ...

Era um caso de sedução em que a vítima, baldadas as esperanças de ver O mal sofrido reparado pelo casamento, pusera termo à vida.

-O suicídio". dizia o jovem MagIstrado, .. repele qualquer dúvida sobre a morali· dade e virgindade da vitima e demonstra que ela se entregou unicamente levada pelo afeto ao futuro esposo. sem quaisquer interesses materiais e sem impulso de luxúria proveniente de corrupção de costumes .. C).

Defendia·se o réu. entretanto, sustentando que a vitima, com o suicídio, tornara impossível a reparação da ofensa pelo casamento, sem culpa do agente. Dai pretender fosse considerada extinta a punibilidade. A isto respondia o julgador :

• Tal extinção, porém, é inadmissível. Compreende·se que o casamento do ofensof com a ofendida acarrete a extinção da punibilidade neste crime. porque é a solução que melhor consulta os .... interesses da SOCiedade e os da própria ofendida.

Mas somente o casamento - e não a intenção de casar· se - é que extingue a punibilidade . A sedução não perde o caráter de delito pela fato de o réu' ter intenção de reparar o mal. ~ a reparação - o casamento - que extingue. tão·somente. a pu· nlbilidade . Essa reparação não houve, no caso presente. Pouco importa que se tenha ela impossibilitado sem culpa do réu, como pretende a defesa, como também nada Importaria ao caso que se não realizasse o casamento por oposição da própria ofendi· da. O intuito da lei. ao criar este caso de extinção de punibilidade, não foi favorecer O criminoso, ma~ a vítima. Corre, pois, o réu, o risco de não poder casar·se por mo­tivo superveniente e de ser, em conseqüência, punido .. (") .

Meses depois (') era estampada decisão que repelia ação proposta para anular venda de imóvel em que se verificara a diminuição do preço para burlar o Fisco, bem como a declaração de recebimento de valores não entregues efetivamente a vendedor - tema que voltaria a ser examinado por RODRIGUES DE ALCKMIN, anos mais tar­de ('G). À segurança da argumentação e à evidente intimidade com matéria tão com­plexa como é a dos defeitos dos atos jurídicos. o julgado adiciona surpreendente conhecimento de textos pouco divulgados de Ferrara e de Candian, atinentes à simu­lação para fraudar o Fisco.

Uma série de importantes sentenças relativas a questões de direito privado tem Infcio com a proferida em Rio Claro (11) sobre complexa demanda que levou RODRI­GUES DE ALCKMIN a traçar , com lucidez e competência. os limites nem sempre claros que separam a locação de serviços da empreitada, do mandato, da mediação e da sociedade.

A natureza do contrato celebrado entre o advogado e o cliente sugere estudo que, embora sintético , figura como um dos melhores jâ escritos sobre o assunto (' ~).

A cobrança, antes do vencimento e por ação ordinária, de cambial emitida como garantia de obrigação assumida, com eficácia preponderantemente probatória. conduz RODRIGUES DE ALCKMIN ao exame da .. convenção executiva», tópico raramente ver· sado em nosso direito (U).

171 «RI» . vol. 157/88. 18) «RI»: vol. 157/88. (9) ~RT». vol. 162/630. (10) «AT». vol. 225/181. (11) «AT». vol. 165/752. (12) c Ah . vol. 182/721. (131 «AT». vol. 183/ 192.

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A famosa peça de Joracy Camargo. -Deus lhe pague-, constitui o m!)terial de esplêndida decisão ("). O ilustre teatrólogo autorizara empresa argentina a fazer a adaptação cinematográfica da peça. Desse trabalho fora extrafdo um resumo. em espa­nhol que editora brasileira, expressamente autorizada pelos produtores dQ filme. re­duziu a história em quadrinhos divulgada em uma de suas revistas. Entendendo que tal comportamento otendia seus direitos de autor, Joracy Camargo demandou perdas. e danos. Defendeu-se a editora asseverando que o resumo da película -Dias se lo pague- havia de ·ser considerad~ obra original da- empresa portenha, o que afastava a hipótese de lesão da propriedade literária do demandante .

Os problemas atinentes à obra cinematográfica, ainda hoje escassos em nossos pret6rlos. encontraram adequada solução na sentença que julgou procedente a ação. No concernente aos direitos da produtora argentina. acentuou RODRIGUES DE ALCKMIN que -obra original, como tal protegida, é o filme cinematográfico no seu caráter par­tícular de obra complexa. composta de elementos artísticos diversos. O direito do autor (ou autores) de tal obra originai não se estende. porém, aos elementos indivi­duais utilizados para criá-Ia, que possam constituir obras artísticas independentes_ (lO).

Problemas de direito tributário Ir iam ocupar. por largo tempo . a atenção de RO­DRIGUES DE ALCKMIN. Num momento em que as obras fundamentais de Aliornar Baleeiro, de Rubens Gomes de Souza. de Ruy Barbosa Nogueira e de outros notáveis especialistas ainda não haviam sido dadas à lume. o estudo da matéria fi scal conduzia . . inevitavelmente. à análise da doutrina estrangeira. trabalho que o jovem Magistrado levou a termo com lucidez e prudência.

Já em Taubaté a pretendida cobrança de imposto de vendas e consIgnações , a agricultor que não possuía depósitos, agências, filiais ou estabelecimentos comerciais. induzia RODRIGUES DE ALCKMIN a. depois de caracterizar com precisão o ato de comércio, demarcar. à luz do nosso sistema tributário. os limites dos Decretos·leis federais ns . 915, de 1938. e 1.061. de 1939 - trabalho particularmente ingrato quando realizado sob a égide da Carta de 1937 ('~) .

A adequàda distinção entre o fato gerador do imposto e a formação do débito fiscal leva RODRIGUES DE ALCKMIN a admitir a legitimidade de lançamentos feitos retrospectivamente. em exercícios posteriores. e a extremar a prescrição do poder de fazer nascer o crédito fiscal. da prescrição do crédito fiscal nascido (H).

A questão. que depois se tornaria clássica. gerada pela pretendida Imunidade do Banco do Brasil relativamente ao pagamento de Impostos e taxas não relacionados diretamente com serviços públiCOS federais delegados, é examinada em face de textos de Marshall, Kent. Walker. Black e Holmes, a evidenciar insuspeitados conhecimentos do , direito americano, comparável aos dos constitucionalistas contemporâneos da Pri­meira República r~· ) .

Os objetivos extrafiscais dos tributos são devidamente estimados num caso em que a Municipalidade de São Paulo impusera carga mais onerosa a prédiOS obsoletos e inadequados. situados em zonas centrais altamente valorizadas e').

A possibilidade de a Fazenda retificar lançamentos. em razão de erro incidente sobre os próprios elementos de fato que constituem pressuposto do tributo, é afirma· da em julgado de inexcedível clareza f").

Duas ações de consignação movidas pela Fundação Nossa Senhora Auxiliadora do Ipiranga {cujo conselho diretor RODRIGUES DE ALCKMIN· passaria a Integrar anos mais tarde} conduzem·no à descoberta de Importante principio jurídico (:1) .

Por volta de 1947 começara a MuniCipalidade de São Paulo a expedir, por sistema mecanográfico, notificações globais para o pagamento do imposto predial e das taxas sanitária e de viação. Julgando-se isenta, por força de preceito constitucional, do paga· menta dos Impostos predial e territorial. pretendeu a Fundação recolher desde logo

(14) «RT». \1of. 225/303 . 115} dlT» . vol. 225/306. (161 cRb, vai. 162/579 . (17) «RT». vol. 184/288.

(191 «RT». vol. 185/890. (19) «RI» . vol. 188/260. (rol «RT». vol. 191 /733. (21) «Rl». vol. 1741237·753.

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as taxas, ao mesmo tempo em que requeria ao Prefeito Municipal o reconhecimento da isenção dos impostos. Insistindo o Município no recebimento conjunto dos impostos e taxas, a Fundação postulou a consignação das últimas. As ações foram julgadas pro­cedentes com os seguintes fundamentos:

.. Em se tratando de tributos distintos, tem o contribuinte a faculdade de pagá-los sem que se lhe possa exigir (salvo o caso de expressa determinação legal), para o pagamento de um, o pagamento concomitante dos demais.

Esta exigência, onerosa, por certo, para o contribuinte, crío'J-a a Municipalidade ré com a orientação imprimida aos serviços mecanizados de arrecadação. Mas não é admissível que a orientação de tais serviços possa exigir, do contribuinte, uma obri­gação que a lei não impõe: a de pagar todos os tributos, sob pena de se não receber nenhum. Ter-se-á a Municipalidade ré inspirado, por certo, em princípios de economia, mas criou uma restrição. sem autorização legal, aos direitos do contribuinte .. (~).

t: interessante notar que nesta altura, apenas, começava a chamar a atenção da doutrina alemã o problema dos encargos acrescentados pelo poder público a certos atos administrativos, sem autorização legal rU

).

Reflexos das leis do inquilinato e da lei de luvas no âmbito da administração pública suscitam interessantes decisões.

Uma delas diz respeito à incidência da legislação de emergência sobre a locação de bancas do Mercado Municipal de São Paulo. Após invocar a doutrina aplicável. conclui RODRIGUES DE ALCKMIN: .tal locação. não na pode pretender a ré de natu­reza publicfstica ou conceituá-Ia como regida pelo direito administrativo. Em nosso direito, somente à locação de próprios nacionais é inaplicável a lei civil, de acordo com o art. 87 do Decreto-lei n. 9.760, de 5 de setembro de 1946- (~I),

Em outra demanda firma o princípio segundo o qual, sob a invocação do uso pró­prio. pode a pessoa jurídica de direito público -retomar imóveis locados para dar cumprimento à finalidade de realizar obras de interesse coletivo, ou obras para aloja­mento de seus serviços. Incivil se me afigura, aliás, que devendo o direito de pro­priedade. por via das desapropriações, ceder lugar a tais realizações de interesse coletivo, pudessem estas ser obstadas pelos direitos de inquilinos, sem dúvida menos intensos que os de propriedade .. (211).

Todavia, reputava inviável a retomada para a revenda, ainda que destinada à re­composição urbanística, pois em tal caso não ocorria utilização do imóvel pela Muni­Cipalidade, quer para a Instalação de seus serviços, quer para a realização de obras públicas. Ao argumento de que o produto da revenda resultaria em benefício da cole­tividade, respondia RODRIGUES DE ALCKMIN que provava demais _porque, se assim fora, poderia a autora pretender alugar livremente os prédios por maiores rendas, com a alegação de que o excesso de aluguéis também reverteria em benefício do Interesse coletivo, superior, em hierarquia, aos Interesses dos demais inquilinos. ~ certo, porém, que sujeita à vigente legi.slação de direito privado referente a locações. não pode a autora pretender que a venda de seus Imóveis - ainda que recomponha em novos lotes, por motivos urbanísticos, os terrenos - constitui forma de utilização, pela própria Municipalidade, de tais imóveis. E não cabe ao Juiz, mas ao legislador, possibilitar a ampla satisfação dos interesses da Municipalidade, pela exclusão da locação dos próprios municipais ao regime do direito privado- (~).

Hipótese curiosa foi su.scitada pela Companhia de Anúncios em Bondes que pre­tendia fosse, em face da Companhia Municipal de Transportes Coletivos, reconhecido o seu direito de continuar a explorar, indefinidamente, a publiCidade em bondes, salvo se desapropriado o seu patrimônio pois, de outra forma. seria Injustamente privada de sua propriedade comercial. A demanda foi repelida porque _a proteção da proprie­dade comercial, pela garantia da locação. jamais poderia ir ao extremo de proibir, de maneira absoluta, ao proprietário da coisa locada, a rescisão da locação, ou a recusa

(22) «RT», vol. 174/239-755. (23) cf. E. FORSTHOFF, «lehrbuch des Verweltungsre.chts», vaI. 1/198 e segs., MunIque, 1958. (24) «RT», vaI. 180/247. (25) «RT», vol. 186/115. (26) «RT», vol. 198/443.

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de renová-Ia . Apenas poderia acarretar, no caso de resclsAo abusiva, a obrigação de Indenizar. Nem cabe argumentar com a proteção constitucional outorgada 11 proprie­dade. porque tal proteçáo também se estende à propriedade da CMTC. que solrerla ' restrlçAo Indefinida com o reconhecimento dos direitos cuIa. declaraçlio se pleiteia. A~slm. o que deseje a autora ... é Incebrvel, porque excessivo e porque violaria, 8

~ano da C,MTC. o equlUbrio entre os direitos desta e os da .autora- (1'1) .

, , , . Ó direito da edlllcar em imóvel declarado de utilidade pública. hoje admitido sem dl.éussões. 101 pela primeira vez alirmado em sentença de RODRIGUES DE ALCKMIN:

-Visa 8 lei proteger ·8 administração da possível malfcla dos expropriados. evitan­do que as Indenizações se ,elevem por fatos posteriores ao' ato expropriatório. Mas não seria de Inferlr.se, Implícita, no texto legal, a prolbiç~o absoluta de alterar-se o Imóvel expropriado, Como ato facultativo, a desapropriação pode, ou nAo, ser realiza­da, E essa proibição constituiria uma lesão ao direito 'de propriedade, garantido na lei máxima. ConseqOentemente, a restrição do art. 26, parágrafo único, da lei das de­sapropriações, deve sar Interpretada como simples norma . de Indenização, e não como expressa manifestação de proibição de se alterar o bem expropriando, Entendo, pois, que existente embora o ato exproprlatórlo, dele não decorreria. para o Impetrante, a absoluta proibição de construir, E, em conseqOêncla, a recusa de licença para novas construções não poderia Justlllcar·se pela simples c'onslderação de exlstAncla da lei ,exproprlatórla. (-). .

, Ação movida por munlclplo do ABC contre entlgo prelelto. pere haver deste per· das e danos resultantes de ato edmlnlstratlvo praticado pelo réu. conduziu RODRIGUES DE ALCKMIN 8 reconhecer, desde logo, que ao prefeito. como agente polftlco, não era apliCável o principio da responsabilidade civil atinente a funcionários públicos. E. em segUida, a aMentar que B responsabilidade da administração e a dos seus fun· clonárlos nAo eram co-extenslvas : enquanto a primeira deve responder pele feita an6-nlma do serviço, ainda que nenhuma responsablUdade pudesse ser atrlbulda aos seus agentes, os últimos só poderiam ser Incriminados por falta passoal Informada pelo dolo ou culpa grave (It) , . .

D.emenda Intentada 'por funcionário para anular pena administrativa que lhe fora Imposta deu en.eJo a que RODRIGUES DE ALCKMIN traçasse. com precisão, os limites que, no tema , circunscrevem a ação da Justiça: .

. .~ certo que o Poder Judiciário não examina o mérito do ato administrativo, em regra. Dal n.io se conclui, porém, que as punições Impostas a funcionários somente solram o 'exame Judlclel sob o aspecto da simples verlllcaçáo lormal de regularidade de sindicância ou de Inquérito administrativo. Em se tratando de atos administrativos fundâdos em motivos ou pressupostos de fato Indispensáveis. é licito ao 'Poder Judl· clárlo o exame da ocorrência destes fatos para decidir da regularidade do ato . ... Não' se examina, na espécie, a oportunidade ou Inoportunlaade do ato, ou a sua conve­niência. mas se o ato foi legal , ou seja, se existiu realmente o pressuposto de fato. a que e lei condicione e ~ua prática. (M).

Na .e.slo em que o Supremo Tribunal Federal· rendeu 8ua. homenegens a RODRI· GUES DE ALCKMIN. o Prolessor Galena lacerda fez referência e.peclal a esta .en­tença dizendo .er ela notável porque, à época em que 101 prolerlda. o Pretória Excel.o começava a afirmar a mesma poslçlo. através dos voto. d~ Orozlmbo Nonato e de Ca.tro Nunes. Era admirável como .na me.ma época, na m ... me altura, o ' humilde Juiz de Slo Paulo Já .e antecipava ne.ta te.e, entlo revolucionária. e que, na verd .. de, coloca o Poder Judlclàrlo na .ua Poslçlo augusta entre o. Poderes da RepObllca. Sem dúvida. e.s •• antenç. Já signlllcava pera RODRIGUES DE ALCKMIN um prenúncio da carralra notável na magistratura brasileira. (U) .

Na verdade nAo apenas esta, ma. todas as aentença. proferidas entre 1940 e 1954 revelavam o extra'ordlnárlo talento e a Irresistivel voceçAo de quem estava 'fadado a se tornar um dos maiores Juizes de nossa terra.

(:l7) cRT». Yol. 187/781. (28) «RT». vol. 200/389. (29) «RT», vol. 2051207. (30) «RT», vOI. 211/454. ,

. (31), GALENO OE LACERDA , Olscurso no «Olérlo di Ju.stlçl d. Unl~o», d~ 12,12,1878, p',i, 10,118.

TRIB. DE ALJCADA CRIMINAL - 18 -

111

Na década de 1940 estabeleceu-se em São Paulo o editor Max Umonad, figura humana das mais ricas e Interessantes que logo .se aproximou de RODRIGUES DE ALCKMIN, Iniciando com este sólidas relações de amlzade ·e colaboração.

Por sollcltaçAo de Max Limonad. elaborou RODRIGUES DE ALCKMIN uma coletâ· nea de jurisprudência sobre o Direito das Coisas (3:) , obra Que , mais que simples re­pertório de decisões. constitui excelente suplemento aos clássicos tratados de la· fayette. Lacerda de Almeida e Clóvis Beviláqu8. Muitos Juizes e advogados de minha geração buscaram nesse trabalho subs idios para solução das intrincadas questões que se armam no âmbito dos direitos reais.

Desempenhou papel importante dirigindo a edição brasileira do _ Tratado de Direito Civil .. do mestre lusi tano Cunha Gonçalves, inclusive escrevendo valiosas notas para os dois tomos do vaI. VIII e para o 2.° tomo, do vaI. XII (..a).

Ao se reeditar _A Destinação do Imóvel .. , tese de concurso de Philadelpho Aze­ved!) r"), também acresceram·se as anotações da lavra de RODRIGUES DE ALCKMIN .

. Além disto, colaborou veladamente em muitas outras obras publicadas por Max lim'onad, valendo a pena lembrar a _tradução. que fez de obra de grande Jurista bra­sileiro, conhecido por seu estilo algo intrincado.

Toda esta Intensa atividade, vale a pena lembrar, foi levada a termo sem prejufzo das funçOes judicantes, sempre exercidas com profundo empenho e absoluto respeito aos prazos .

Ainda há testemunhas da estréia de RODRIGUES DE ALCKMIN nas sessões pie· nárlas do Tribunal de Justiça, como Juiz de Vara convocado. Cabia-lhe proferir voto em questAo análoga à lembrada pelo Professor Galena de Lacerda . Deslncumblu-se da ·mlssão com a SimpliCidade habituai. fazendo percuciente exame da prova colhida na instância administrativa . Seguiu-se o voto de conspfcuo Desembargador que arrazou a manifestação do principiante com o peso do dogma segundo o qual o mérito do ato administrativo não. podia ser reexaminado pelo JudicIário. Volta à carga RODRIGUES DE ALCKMIN defendendo seu ponto de vista com lógica Implacável e arrastando para a sua posição quase todos os Juízes presentes.

Criada pela Lei Estadual n. 4.884, de 6 de setembro de 1958, a Terceira Câmara Criminal do antigo Tribunal de Alçada, para uma de suas cadeiras foram indicados, pelo crItério do merecimento, os Juízes Substitutos de segunda Instância JOSt GE­RALDO RODRIGUES DE ALOKMIN. Dimas Rodrigues de Almeida e José Carlos Fer­reira de Oliveira.

Nomeado RODRIGUES DE ALCKMIN, teve a saudá·lo. am sua posse, o emlnanta Magistrado Adriano Marrey, Presidente da Corte, que dirigiu ao reclpiendério palavras do mais alto apreço:

, .~, por outro lado . o Dr. JOS~ GERALDO RODRIGUES DE ALCKMIN o prastlgio, sl.slmo Juiz substituto d. segunda Instllncla. que o Tribunal de Alçada conquista d .. flnltlvamente. para seu galardão. Tanho-o visto sempre . como Magistrado acatado e Instantamente desejado em todas as substituições de que encarregado, não apenas pela sua grande capacidade de trabalho. como também pela segurança que empresta ao julgamento colegiado. de que participe. Deu sempre mo.tra S. Exa. de profunda acuidade na percepçAo das teses e questões debatidas, revelando conhecimento e ver­dadeira assimilação da ciência jurldlca , traduzida em equilibrada cultura e numa Incon­fundlvel prudência no dacldlr. Figurou finalmente S. Exa. numa lista da promoções que é uma verdadeira constelação de primeira grandeza. (li) .

Em maio de 1960 RODRIGUES DE ALCKMIN era eleito Vlce·Presidente 'do Tribunal de Alçada para o biênIo 1960/1961. Em mala deste último ano elegeram-no seus pares Presidente da mesma Corte e em dezembro seguinte reelegeram-no para o biênio 1962/1963. .

(32) «Direito das Col,,&», 2 vols., SP, 1951. . (33) CUNHA GONÇALVES. «Tretldo de Direito Clvll», SP, 1956. (34) PHlLADELPHO AZEVEDO, «A Deatlnaçlio do Imóvel», SP, t957 . (35) cRT», vol. 277/893.

- 19 - TRIB. DE ALÇADA CRIMINAL

A oração com que José Carlos Ferreira de Oliveira, em nome de seus colegas, cumprlmentou o novo dIrIgente do Tribunal, revela sem rebuços a admiração e a autoridade que RODRIGUES DE ALCKMIN granjeara na carreira -onde tem dado mago níflcos exemplos de sua lucidez intelectual, a par de profundo senso de Justiça e de compreensão de seus deveres funcIonais .. e').

Com a habitual modéstia respondeu o eleito que, não vendo em si qualidades que se não medissem pela comum craveira da mediania, nem virtudes outras que a dedi­cação ao trabalho, porfiaria por não destoar de seus antecessores. mantendo no mesmo nlvel de eficácia e cordialidade os trabalhos da Casa.

Na verdade, foi um dos grandes Presidentes do velho Tribunal de Alçada, cum­prindo à risca o desiderato que a si mesmo propusera, de exercer as funções .. com espírito de absoluta justiça, inspirado unicamente no interesse público, a cuja satis­fação se devem ordenar todos os poderes do Estado e todos que detenham parcela, mínima que seja, de autoridade ou poder» (3'l),

Coube-lhe a implantação da lei Estadual n, 7.509, de 27 de novembro de 1962, que transformou em cargos de -oficial Judiciário» os de .. escriturário- até então existentes, bem como a regulamentação das promoções nos cargos da nova carreira.

Tocou-lhe, porém, Instalar as duas câmaras civis e a câmara criminal criadas pela Lei Estadual n. 7.959, de 26 de agosto de 1963, com o que passou o Tribunal de Alçada, ' Integrado por 38 Juizes, a ser o mais numeroso colégio judiciário do Pais.

Em discurso proferido na Instalação das novas câmaras, RODRIGUES DE ALCKMIN, o grande artiflce da lei que as Instituíra, depois de alinhar os números que patentea­vam o extraordinário volume de feitos, até então distribuídos a escasso número de Juizes, advertia:

-Os julgamentos hão de ser fruto de amadurecido e paciente exame dos processos. A Imensa, a extraordinária mole de autos atrlbuida ao Juiz, ou lhe sacrifica a saúde: Impondo-lhe sobrecarga desumana, ou necessariamente reduz a garantia e o acerto das decisões.

Pondere-se, ainda, que nem sempre a rapidez e o elevado número de julgamentos são conseqüência Inafastável. ou indice de minucioso e profundo estudo dos autos, decorrente de extraordinária capaCidade de trabalho. I: possível que a rotina e a exaus­tão levem o julgador a perder de vista a própria finalidade de sua função, que é a boa e pontual distribuição da Justiça. acaso sacrificada pela maior preocupação de liberar-se de tarefa estafante, sem atender ao superior sentido que deve Inspirá-Ia (15),

I E mais adiante, desenvolvendo temas que volveria a ferir 'anos mais tarde, ao cuidar da Reforma Judiciária:

.. Faz-se mister, porém, que na órbita federal se adotem medidas para que tal problema, nas Justiças locais, não fique adstrito à solução única do sucessivo au· menta de número de julgadores.

e preciso que, fora da leglslaçilio do Estado, presa a Simples soluções de emer· gêncla, o legislador federal procure as formas de tornar a Justiça acessfvel. rápida e segura, criando moldes pr'ocedlmentals que se não achem, desde já, superados» (nl,

E depois de aludir ao volume, sempre crescente, de processos cfvels e crimi­nais, observava:

-Esses dois fenOmenos - a litigiosidade e a delinqüência - como episódios ou sintomas de moléstias sociais, exigem que se lhes procurem as causas e que se lhes dê pronto remédio, para que a Justiça não se torne um expediente destinado a protelar a repre,ssão dos delitos ou a retardar a satisfação do direito ofendido.

Não será, o excessivo aumento da litigiosidade, a conseqüência de Inadequadas formas e sanções processuaIs, que fazem vantajosa a resistência à satisfação do direito alhelo?- ("l.

(36) «RT», vaI. 308/856. (37) «RT», vaI. 308/858. (38) «RT», vaI. 337/532. (39) «RT», vaI. 337/533. (40) «RT», vaI. 337/533.

TRIB. DE ALÇADA CRIMINAL - 20 -

Em agosto de 1964 RODRIGUES DE ALCKMIN era promovido a Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Coube ao Desembargador Fernando Euler Bueno manifestar a satisfação de Corte por receber quem encarnava csuntuarlamente 88 virtudes de que se deve entretecer a figura do Magistrado paulista de hoje- (~) .

Depois de realçar as qualidades que lhe haviam assegurado posIção de van· guarda e admlraçAo geral, e o tornavam _preparado para qualquer dos altos postos a que o Judiciário haja de destinar um grande Julz-, arrematava:

-Vestem-no sem folgas os versos de Klpllng, quando ImagIna um Homem que é capaz de não se corromper entre a plebe. de não perder a naturalidade entre os reis. de se defender dos amigos. Quer bons quer maus, de ser sempre de alguma utilidade, e de dar, a cada segundo do seu tempo, todo o valor e todo o brilho- (").

O agradecimento de RODRIGUES DE ALCKMIN constitui página ontológica, das mais belas de quantas foram ouvidas no plenáriO do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Ne1a se cont6m análise da chamada -crl.se da Justiça .. em que , vencida a super­fIcialidade domInante, são alcanQadas as rafzes do problema, moral em sua essência. Nada melhor ·que relembrá-Ia no m"omento em que se reacendem os debates em torno da RefQrma JudiCiária: , .

• Terr·se afirmado - e sem dúvldã com rado - que motivos de ordem econO· mica são os que. em primeiro lugar, afastariam os candidatos dos quadros do Poder JudiciárIo. Permltam-me\aflrmar, também, a existência de outros motivos.

Um deles é, sem dúvida, que e crise da justiça é também o reflexo de uma crlse geral " de ·proporç6es maiores. Vivemos em época em que, pela carrada moral que a Inflação traz. consigo, Já nlo se pensa em termos outros que nAo os de um feroz egofsmo e da exclusiva satlsfaçAo pessoal. As desordens econOmlcas e finan­ceiras estimulam e aguçam a avidez de ganhos e afastam a fIdelidade e a honestl·

. dade na vida econOmlca e social. bem como e consciência da responsabilidade pe­rante o bem comum .

Dal se segue que a Justiça se vê a braços com tarefa de Ingentes proporç6es.

No campo da litigiosidade. encontra-se. no processo, uma proteção Insuficiente. e lenta, que em muitos casos antes desserve que serve à justiça. Como conseqüên­cia de leis Inadequadas ou mal aplicadas, pululam as lides , nAo porque os litigantes se 'pretendam sempre com direito, mas porque até a resistência à. satisfação do di­reito alheio, ainda quando flnalmante corrigida pelos julgados, já traz consigo os benefIcios decorrentes da protelaçl!.o. Avolumam-se. então. em longa e enervante espera, os Julgamentos. o que faz pressupor multas vezes. em quem demanda, 8 exis­Ulncle de virtudes heróicas.

. Essa crlsj3 , que os desajustamentos da sltuaçAo econômica e seus reflexos -nAo combatidos com o necessário vigor - na ordem moral acarretam, fal. que os JUfZ!!8 nlio sintam, sempre, como outrora, quando chamados a Julgar, a presença de litigantes sinceros, ainda que apaixonados, buscando se lhes dê a Justiça que recla· mam, Hoje, em grande número da casos, encontram·se litigantes que, da Justiça, epenes querem Ih.s conceda tempo • fim de , retardando o cumprlmanto de obrlge­Ç088, mala atenderem 808 própriOS Interasses.

Perdem os JuIzes, assim, squele superior sentido da excelência das funçOes que deviam exercer, tornando-se. menos que homens que amam B Justiça e a querem realizada, simples árbitros das regras de um jogo Judiciário, destltuldo daquele Indls· pensável embasamento moral que repousa n~ cumprimento de lals Justas.

Como hão de amar, antAo, a tarefa que exercem e comunicar a outros o entu­. aleamo pela Ma918trat~ra?

Sem verdadeiro am·or à Justiça nao há Juiz. NAo é bastante o conhecimento dae regra.s do direito positivo, que estas alio, na Imagem carnelutlana, simples moedas cunhadas com o ouro da Justiça, tanto mais valiosas quanto mais puro O metal. Se o

(41) «RT» , vol. 349/605 . (42) «Rr», vol. 349/606.

- 21 -- TRIB. DE ALÇADA CRIMINAL

Juiz nlio tem amor pela função que exerce; se não sente que, ao decidir as causas, está realizando, fragmentariamente e em modestíssimas proporções embora, um ato daquela grande Justiça que deve estabelecer o equilíbrio social, poderá ser um correto funcionário, um técnico, um cientista. Falta-lhe, porém. alguma coisa para ser Juiz. Falta-lhe a vocação do justo.

Porque. sem essa vocação. não há Magistrado.

E é por ela que o Juiz não pode esquecer que a ele se confia a liberdade do cidadão, contra os abusos e arbitrlos do poder: que a ele se confia a proteção do mínimo ético exigível. através da punição dos que o desatendem; que a ele se con­fiam a tranqüilidade e a paz social.

E merece lembrado que, ainda que se multipliquem, ao infinito, os expedientes processuais de controle e verificação do acerto das decisões, sempre hâ de restar um substractum irredutível a qualquer controle: a consciência do Juiz.

t: nela, e tão-somente nela, que há de repousar a segurança da ordem juridica e em que se hão de basear as garantias dos cidadãos, porque nada há que possa eliminar, do julgamento, aquela terrível liberdade decisória, que constitui a respon­sabilidade e a essência da função judicante.

Não há, nem haverá jamais sucedâneos para a reta consciência do Juiz.

E é por isso que a vocação do Magistrado, a formação do Magistrado há' de ser estimulada desde os primeiros passos. Não somente com os acenos de vantagens econômicas, de si ponderáveis, é certo, mas que jamais bastariam, isotadamente, para assegurar a existência de bons Juízes. Importa manter, nos Juízes, esse alto conceito da função que exercem, para que amem e sirvam à Justiça. Sim. A crise da Justiça deve ser vencida, também, pelo entusiasmo com que, diante do elevado sentido das atividades judicantes, a elas se dediquem os Magistrados. Somente assim suprirão falhas e dificuldades, esmerando-se em dedicação à tarefa comum- (4.3),

Encerram o discurso palavras admiráveis, verdadeira síntese dos princípios éticos qúe devem reger a vida do Magistrado.

«Que nunca, os Juízes que se iniciam na carreira e olham para os que lhe atin­gimos o término, possam ver em mim a distorcida imagem do Magistrado que já não tem entusiasmo com que sirva à Justiça e que desejaria, das funções, os cômodos, sem suportar-lhes os percalços. .

Que nunca, ao ingressar nesta Casa, possa dar exemplos outros que não os de indeper1dência perante os homens, sem soberba e sem aspereza, mas sem omissões e sem cobardias. Que nunca, ao julgar, eu me afaste dessa Justiça verdadeira, que é a medida exata de todas as coisas e que se não prende à artlficialidade de doutri­nas, mas nem se transforma num cego rigor vingativo, nem se dessora numa pre­tensa bondade, que desconhece o bem, porque também desconhece o mal, deixando de repell·lo.

Que nunca, ainda em questões alheias a julgamentos, deixe eu de servir à ver­dade para atender a interesses e conveniências, ainda que a verdade me conduza a ásperos caminhos. Que, independente perante os homens, submisso perante a lei, possa eu ser fiel à vocação que me trouxe, através desta longa e extensa caminhada, ao mais alto Tribunal de minha terra; e que não veja, na função que desempenho, ·somente o trabalho que me dá pão e alegria, mas também a contribuição, humílima embora. para que haja, dentro da relatividade das coisas humanas, mais perfeita Justiça- (~). . .

Quantos tiveram o privilégio de acompanhar a vida profissional de RODRIGUES DE ALOKMIN sabem que estas breves linhas constituem o fiel retrato de seu com­portamento como Juiz.

Os mesmos princípios, aliás, transportava-os para o âmbito, sumamente com­plexo e delicado, do julgamento ,dos Juízes. Disse-o, com seu estilo franco e direto, no discurso de recepção a José Carlos Ferreira de Oliveira no Tribunal de Justiça:

(43) ,«RT», vol. 349/608 e sego (44) «RT». vaI. 349/610.

TRIB. DE AlJÇADA CRIMINAL - 22 -

.0 acesso, na Magistratura, é um reconhecimento de valores,

Não é, nem pode ser manifestação -de simpatia pela consonância de tendências ou de idéias; oportunidade em que se retribuam a amizade ,ou se desabafem minús­culas desafeições pessoais; convocação para grupo que vise aos mesmos Interesses particulares ou coletivos. Indicar à promoção é julgar do valor do Juiz. Como todo julgamento. reclama imparcialidade. e exige o afastamento de critérios outrOs que não a apuração da excelência do Magistrado. pela independência, pela honestidade da vida, pela dedicação ao trabalho, pela ciência do ofício. Estes são os elementos que influem e devem influir nas Indicações. Outros, seriam sempre elementos espú­rios e falsos, destoantes de uma escolha que é um julgamento e que·, como todos os Julgamentos. há de ser feita de ânimo límpido e de intenção reta_ (~6).

Cinco anos mais tarde, num público reconhecimento de seus altos mtirltos. o Tribunal de Justiça elegeu RODRIGUES DE ALCKMIN Corregedor Geral da Justiça para o biênio 1970/ 1971.

O mesmo desvelo. a mesma eficiência que haviam marcado sua vida exemplar de Magistrado. assinalara sua passagem pela Corregedoria Geral da Justiça. Mas um episódio merece referência especial.

Ainda não se apagou a memória funesta do processo patológiCO Instalado em São Paulo. no início da década de 70, que redundou' na morte de mais de 200 pessoas. A Inércia daqueles a quem cabia a Iniciativa de reprimir tais crimes levou o bravo Presidente Cantldlano Garcia de Almeida a formular veemente protesto, Iniciador da reação que a eles poria cobro.

Todos sabem do papel que, neste movimento restaurador da ordem jurfdica, de­sempenharam o Dr. Hélio Pereira Bicudo. Procurador da Justiça, e o Dr. Nélson Fon­seca. ao tempo Juiz da Vara das Execuções .

O que pouco se divulgou foi a atividade Intensa desenvolvida por RODRIGUES DE ALCKMIN arregimentando forças. orientando os trabalhos. vencendo obstáculos. sofrendo demasias, quebrando a dura cerviz dos que se empenhavam na vitória da Impunidade. Sequer faltaram embaixadas de altos escalões. prenhes de descabidás alusões à segurança nacional .

A tudo resistiu RODRIGUES DE AlCKMIN. _sem omissões e sem cobardlas- , como prometera em seu discurso de posse no Tribuna.! de Justiça. levando a cabo eficazmente. nos limites de sua competência . a árdua tarefa que lhe tocara.

A saúde, que sempre inspirara cuidados (não a ele, mas à família e aos amigos) saiu seriamente comprometida da Intensa luta que travou. Isto pouco lhe importava: para RODRIGUES DE ALCKMIN o que contava era a definitiva extinção do bárbaro fenômeno que, durante largo tempo, ferira a sens ibilidade e os brios da gente pau­lista.

Também não se pode olvidar o apoio que deu aos projetos que nasciam na área da Informática Jurídica. A ele está ligada a criação. através da Resolução n. 1, do Tribunal de Justiça de São Paulo, de um Cartório de DistribuIção e Informação, en­carregado de manter registro eletrônico das informações nele arquivadas . E a RO­DRIGUES DE ALCKMIN se deve a introdução do computador nos serviços judiciários do Estado. com a portaria que per.mitiu a distribuição de executivos fiscais relativos à cobrança do leM. mediante processamento eletrônico (" ).

Em fins da década de 50 começara a ser disputado pelas escolas de Direito de São Paulo. A duas delas. à Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. então devotadamente dirigida pelo Professor Paulo Teixeira de Camargo, e à congênere da Universidade Mackenzie. prestou colaboração por longos anos, lecionando Di­reito Civil e Direito Processual Civil.

Podia-se dizer dele que era um professor nato, tal a habilidade com que reduzia a elementos simples os mais complexos problemas juridicos. Expressão clara mas não banal, precisão de conceitos, riqueza de doutrina, visão prática do Direito, eram qualidades permanentemente presentes em seus cursos.

(45) «Rl». vel. 358/ 489. (46) cf. DINIO DE SANTIS GARCIA , « Introdução li Infermétlca Jurldica» . SP , t976. ~gs. 127 e ' segs .

- 23- TRIB. DE ALÇADA CRIMINAL

Na verdade, o mestre apenas mudava de cenário, pois os seus votos, proferidos com grande simplicidade, já eram verdadeiras lições. como tal havidas mesmo pelos Que dele divergiam.

Nunca subia à cátedra sem antes ter preparado cuidadosamente o tema a ser exposto. E para não ser tentado a reaproveitar, nos anos subseqüentes, as notas escritas, inutilizava-as depois das aulas.

Estimadíssimo pelos alunos, era ele a fonte a que sempre recorriam para a so­lução dos problemas do curso, ou das questões práticas que começavam a abordar em seus pequenos escritórios.

Nesta mesma casa, no .. Curso de Preparação à Magistratura e ao Ministério pú· blico», fundado e dirigido pelo benemérito e incansável lutador que é o Desembar­gador João Baptista de Arruda Sampaio, RODRIGUES DE ALCKMIN proferiu preciosas lições sobre Deontolog~a Jurídica e Poder Judiciário, assim compartilhando da obra pioneira que, com apoio e recursos escassos, produziu frutos excelentes.

Juíz exímio. escritor e professor de raro brilho, administrador enérgico e efi­ciente, RODRIGUES DE ALCKMIN possuía os títulos que o habilitavam a, não por mercê dos altos conselhos de nossa peculiar República, mas por direito próprio, ascender ao mais elevado tribunal da Nação.

IV

Em outubro de 1972 RODRIGUES DE ALCKMIN assumia o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal em ato que levou à remota Brasília as figuras mais repre­sentativas da cultura jurídica de São Paulo.

Sua cadeira desde 1927 pertencera a paulistas, numa série que, inaugurada por Cardoso Ribeiro, prosseguira com Laudo de Camargo, Mário Guimarães, Cândido Mata Filho e Moacir Amaral Santos, para ser inexplicavelmente rompida na sucessão do próprio RODRIGUES DE ALCKMIN.

Este, respondendo às saudações que na ocasião lhe foram dirigidas, retomou suas reflexões sobre os aspectos profundos da atividade judicante:

«Acabei por compreender, como o velho Ransson, que é o quotidiano que forma, pouco a pouco, a alma do Juiz. É no contato das realidades profissionais que o Ma­gistrado aprende a vencer as tendências do temperamento, para que as decisões

• não pequem pela falta de serenidade; que o ânimo se enrijece, salvaguardando-lhe a independência, para que haja imparCialidade nos julgamentos; que o Magistrado apreende e examina os vários matizes da realidade social. que não cabe, totalmente estruturada, nas leis.

Procurei, sempre, viver essas lições do quotidiano, e amar o trabalho porque, na frase de Soler, o trabalho que se faz sem amor tem todos os caracteres de uma vil escravidão.

E: esse respeito, é esse amor pelas funções do Poder Judiciário que renovam o ânimo com que, já na altura da vida em que os marcos do caminho projetam sombras do poente, inicio a derradeira caminhada,. (").

No Supremo, conta-nos o Ministro Moreira Alves, desde logo se impôs à admi­ração dos colegas:

«Inteligência lÚCida e lógica, aliada a sólidos conhecimentos dos diferentes ramos do direito e a ampla cultura humanística, possuia RODRIGUES DE ALCKMIN os dois atributos que distinguem o verdadeiro jurista: a capacidade de discernir, ainda nas questões mais intrincadas, o acidental e o essencial, e a de, adstringindo-se a este, encontrar no ordenamento jurídico a norma adequada à justa composição da lide- e'l.

Erudito, se necessário, prossegue o Ministro Moreira Alves, somente se utilizava de seu largo saber quando absolutamente indispensá'l7el:

{47} apud MOREIRA ALVES. Discurso no «Diário da Justiça da União». de 12.12.1976. pãgs. 10.116 e segs. {48} MOREIRA ALVES, ob. e loc. cits.

TRffi. DE ALÇAl>A CRIMINAL - 24 '-

_Repugnavam-lhe 8S citações vazias de finalidade, recurso fácil para aparentar ciência própria com a ciência alheia. As mais das vezes, com Impressionante rigor dialético. em tom que traía o professor que trazia recôndito no fundo do ser. limita­va-se a equacionar Singelamente o problema. solucionando-o em face da leI. Atraía-o a beleza da Simplicidade- (~ .• ).

Os que amam classificações discutem se RODRIGUES DE ALCKMIN deve ser arrolado entre os -Juízes técnicos- ou entre os -liberals-,

Deixando de lado o que pacte haver de equívoco nas Simplificações ínsitas nos rótulos, particularmente inadequadas quando 'se estuda uma personalidade tão rica como a de RODRIGUES DE ALCKMIN. cabe registrar que havia nele uma natural vocação para a liberdade e uma decidIda aversão pelos privilégios,

Num caso famoso. em que o Tribunal de Justiça de São Paulo declarou Inconsti· tucional o art. 7.° da Lei Federal n. 4.116, de 1962, que limitava às pessoas registradas nos Conselhos Regionais dos Corretores de imóveis o direito de perceber remune· ração pela mediação em negócIos atinentes a imóveis. o então ' Desembargador RO· DRIGUES DE ALCKMIN fazia seus os conceitos de Carl Friedrich sobre a democracia

. como forma política e como forma de vida. não restrita às Idéias da escolha dos go-vernantes pelos governados, da temporariedade dos mandatos. dos limites e respon-' sabilldade no exercício do poder. Enriquecera-se o conceito com elementos mais amplos, como a noção de justiça. de igualdade, de respeito àos direitos fundamen· tais. E arrematava RODRIGUES DE ALCKMIN :

-Ora. a proteção aos principias referentes à igualdade jurfdlca e à liberdade, conSignados nos textos constitucionais, exclui a legitimidade de privilégios , a bene­fício de indivíduos ou de grupos, ainda que esses privilégios procurem a justificativa de defesa do interesse coletivo, para ocultarem a sua ilegitimidade- (~').

Não poderia. é certo. ser confundido com certos liberais Ingênuos. (alguns nem tanto), amantes da liberdade sem responsabilidade, prisioneiros de uma lógica sui· clda que consagra a liberdade de extinguir a liberdade.

Estes e seus opositores já haviam ~Ido objeto de formal condenação:

_Alguns. seduzidos pela unilateral visão dos problemas econômicos, advogam sistemas ou regimes em que a Igualdade material leva à própria destrUição da li­berdade, vazios de todo conteúdo espiritual que dá ao homem sua verdadeira di­mensão,

Outros, ávidos de ambição e de poder, desconhecem que a liberdade tem como necessário pressuposto a disciplina e que. sem o respeito à autoridade, há somente de· sordenados aglomerados humanos. submetidos aos azares das paixões e da força- (ali ) .

Esta visão da liberdade dentro .da ordem, ou o que dá no mesmo, dentro da lei, explica 11 posição aparentemente drástica de RODRIGUES DE ALOKMIN, em face da­inelegibilidade prevista no art. 1.0, n. I. letra n, da Lei Complementar n. 5. de 1970.

Referido preceito enumerava. entre as causas de inelegibilidade. o responder a processo judicial por denúncia do Ministério Público, recebida pela autoridade judi­ciária competente. atinente a crimes contra a segurança nacione! e a ordem política e social, a economia popular. a fé públic&-. a administração pública e o patrimônio. Por entender que a regra conflltava com o art. 151 , n. IV, da Constituição Federal. e ~com O princípio que consagra a presunção de Inbcência dos acusados, o Superior Tribunal Eleitoral dera pela inconstitucionalidade daquela.

O voto de RODRIGUES DE ALCKMIN. breve e Simples, demonstra que à decisão faltavam melhores fundamentos . Registra. Inicialmente, que a presunção de Inocência só encontrava aplicação no âmbito do processo criminal. E demonstra. a seguir. que o nosso sistema normativo não vedava restrições que antecedessem o juízo definitivo de culpabilidade. A custódia preventiva, a decisão de ·pronúncla. a sentença conde·

(48,8) MOREIRA ALVES, ob. e loc . clt.!!. (49) «Revl9ta de Jurl9prudêncla do Tribunal de Justiça do Estado de SAo' Paulo». ed. LEX . vol. 2/157

e seg., 1967. (SO) fl RT», vol . 363/554 .

- ~5 - TRIB. DE ALÇADA CRIMINAL

notória de 1," g~8U. Impunham sério gravame aos réus, privando-os da liberdade sem condenação trânslta em Julgado. Todavia. jamais fora colocada em dúvida a legitimi· dada de tais medidas, em face da lei maior.

A estas cautelas Juntara, a Lei Complementar n. 5, a do art. L", n. I. letra n, que. longe de conflitar com o art. 151, n. IV, da Constituição Federal, ajustava-se à norma nela contida, excludente de candidatos cuja vida pregressa colocasse em risco a mo­ralidade no exercício do mandato. Nem haveria porque recear denúncias abusivas, feitas para gerar inelegibilidades, posto que sempre estariam sujeitas ao controle jurisdicional, inclusive da Corte Suprema ($1).

Em síntese: a norma poderia ser rigorosa. mas não dissentia da lei Fundamental, Inexistindo, assim • .razão para Invalidá-Ia.

Acima de qualquer classificação. o voto revela exata percepção das dimensões da função jurisdicional, que jamais pode ser definida em termos de usurpação da atividade legislativa.

Sobrava a RODRIGUES DE AlGKMIN sensibilidade para apreender os graves problemas sociais do nosso tempo. Já em 1966 dizia:

-O desajustamento entre o rápido progresso técnico e o mais lento progresso social acarretou ... conflitos que somente podem encontrar solução na obediência a prlncfplos morais. remetendo-se o homem da era mecânica à disciplina dos valores eternos e Imutáveis.

E é por força desses princfpios que a solidariedade social. repelindo as formas opressivas e igualitárias de transformá-los em meras unidades no organismo do Es­tado. procura a elevação dos menos favorecidos a um nível de vida compatlvel com a dignidade da criatura humana. já não somente sob o aspecto da participação nos bens materlai.s, mas também pelo acesso aos valores do espírito_o

E depois de apontar as ingentes dificuldades da tarefa, que não devia ser enca­~ada sob o ângulo negativo de uma ameaça. mas antes como um desafio, elucidava:

-~ o repto a uma geração para que, Inspirada nos valores da civilização cristã, aperfeiçoe as Instituições que asseguram o bem·estar e a liberdade do homem.

E ess~ desafio é. em sua essência, um problema de Justlça-.

Mas fi~1 ao sólido realismo que jamais o abandonou, advertia:

_Impõe-se, entretanto, concretizar as idéias gerais. Inútil seria apreciá-Ias ou repr~duzi-Ias se delas nada se extraísse como orlenta.cão prática. Os principias, como as verdades, ou .são vividos ou se' deterioram_ (11). .

A preocupação com os problemas sociais, todavia. não o induzia a soluções de sabor demag6gico. . .

Exemplo disto está na posição por ele assumida relativamente à norma admi­nistrativa que, no concernente aos critérios de admissão de alunos nas escolas ofj­ciais de São Paulo, mesclara a ordem de classificação em prova de conhecimentos com -pesos- relativos ao Imposto de renda pago pelos candidatos. seus pais ou res­ponsáveis.

Reconhecendo que a orientação se mostrava simpática. por ser favorável aos menos dotados de meios financeiros. não vacilou , todavia. em fulminá-Ia por Incons­titucional, violadora que era do princípio de isonomIa.

t! Que , distinguindo entre pessoas na proporção da fortuna de cada um. em ma­téria estranha à tributação da riqueza. a norma estadual feria o art. 153, § 1,0, da lei Fundamental, pois as referências do texto constitucional à acepção de sexo, raça, traba·lho. credo religiOSO e convicção ·politica. não excluíam a ilegitimidade de dis­tinções incompatíveis com o princípio da igualdade. ainda que decorrentes de outros critérios.

E arrematava, com mal disfarçada ironia:

(511 «RTJ». vaI. 19/708 e s9gS . (52) «RT» , vol. 363/554 .

,

TRIB. DE ALÇADA CRIMINAL - 26 -

.A admitir constitucional o critério de beneficiar os candidatos mediante notas atribuídas à situação econômica dos pais, tê-lo-íamos de considerar legítimo ainda que se estipulasse. na Resolução. o beneficio a favor dos mais ricos .. (a1).

Entre o legalismo estreito de alguns adeptos do positivismo jur{dico e os arrou­bos anárquicos de certos defensores do direito livre, RODRIGUES DE ALCKMIN guar­dava a posição equilibrada do Juiz que, onde e quando necessário. cria o direito sem exceder os marcos da lei.

Esplêndido exemplo de seu método de trabalho pode ser colhido no problema crucial da atualização das indenizações por ato ilícito. Como princípio de justiça. nin­guém duvidava, ela se impunha. Negava·a a maioria dos Juizes da Corte Suprema, no entanto, por inexistir lei que autorizasse a correção monetária de tais débitos .

RODRIGUES DE ALCKMIN, todavia, dá nova formulação ao problema. partindo do art. 159 do Código Civil, que impõe ao responsável a obrigação de reparar o dano, vale dizer, de recompor, sem demasias mas sem insuficiência, o patrimônio do pre· judicado. E indaga: .

• Como se há de medir essa reparação. Que constitui dívida de valor? Como se há de medir o dano? Pela quantidade de moeda suficiente para repará-lo no momento em que causado? No momento em que o próprio prejudicado o faça reparar?. Pela Quantia fixada no momento da decisão definitiva? Ou pelo valor do dano quando da satisfação do julgado?- {M}. .

Com este giro copernicano a questão se deslocava do plano da correção mone­tária para o do ressarcimento do prejuízo. E se este, na entender da mais pura dou­trina, havia de ser completo, em termos de integral recomposição da desfalque pa­trimonial padecido pelo ofendido, Impunha-se a conclusão de que o valor do dano devia ser estimado no momento da satisfação.

Esta sol ução, acrescentava RODRIGUES DE ALCKMIN, não ofendia o principio nominalista, só Violado quando divida pecuniária é reajustada em razão do desgaste da moeda, E atendia, de outra parte, à regra de que a necessidade de recorrer à Jus­tiça não deve resultar em dano para quem. tem razão. Na verdade, nt-lgar a atualização do ressarcimento implicava em favorecer O autor do ato ilícito que se recusou a in­denizar, beneficio que seria tanto maior quanto mais prolongada a resistência em satisfazer ao direito prejudicado,

Deste modo o processo inflacionário, ignorado pelo legislador de 1917, conduzia a uma nova leitura do art. 159 do Código Civil, sem a menor afronta ao espírito e à letra da norma.

Sem embargo de sua atitude severa diante do crime, não era infenso a inter­pretações que, dentro da lei, reduzissem as reprimendas à exata medida, como se vê dos votos proferidos a respeito do pequeno prejufzo no estelionato (M) e sobre a con­tinuidade em crimes de roubo (~~l .

Desaprovava com veemência, porém, as soluções manifestamente contra legem, como a da chamada prescrição retroativa, por ele submetida a uma critica arrasa­dora (17) .

Apaixonado cultor da ciência do processo, não se deixava envolver pelo sortilégio da forma, que tanto mal tem feito à Justiça. especialmente no campo criminal (5'}.

O raclocinlo claro e exato, que dava tran:3parência à sua argumentação, não o impedia de compreender que o direito tem lógica própria, nem sempre coincidente com a lógica comum ("" ).

(53) «ATJ» , vol. 78/296 . [54) «RTJ» . vol. 79/520. (55) «ATJ», vol . 81/721 . (56) «ATJ», vol. 84/903 . (57) c RTJ» . vol. 81/35. [58) «RTJ». vol. 82/92. {59) «ATJ» , vol. 65/147 .

- 27 - TRIB. DE AllÇADA CRIMINAL

o mesmo Juiz que tirava a selva de suas decisões mais importantes da análise perspícua da sociedade contemporânea, era capaz de, com perfeita naturalidade, ex· trair do passado remoto material para fundaMentá·las - como fez no interessante voto em que definiu preceitos das Ordenações Filipinas como direito federal vi· gente (1)3) .

Na verdade, a RODRIGUES DE ALCKMIN não quadrava a figura do seco aplicador da lei. Suas decisões excediam as linhas de um Simples esquema 16glco e alcançavam o nível criador em que se exprimiam , por inteiro. a personalidade e a experiência do Juiz exímio que era e, através dela. o que de melhor existia na cultura jurídica con· temporânea.

Em razão de tão altas virtudes RODRIGUES DE ALCKMIN. como bem disse o Ministro Moreira Alves, sequer precisou esperar o futuro para ser cultuado como Juiz dos maiores que teve a Corte Suprema: esta justiça Já se lhe fazia em vida (81).

v

Por antiga convicção parecia a RODRIGUES DE ALCKMIN que os Magistrados, mesmo além do âmbito das iniciativas que lhes são ordinariamente reservadas, de­veriam colocar a experiência haurida no ofício a serviço do bem comum, em todos os problemas relacionados com a Justiça (m). Por isso jamais recusou a colaboração que lhe foi solicitada. na esfera estadual como na federal, para a feitura de leis que Interessavam à atividade jurisdicional.

Assim é que. em 1969. por Iniciativa do Desembargador Márcio Martins Ferreira. participou da Primeira Encontro dos Presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil . reunido para examinar a posição das justiças locais em face do art . 144, § 5.°, da Emenda Constitucional n. 1. Os resultadas do Encontro (em que RODRIGUES DE ALCKMIN desempenhou papel relevante) ('") forneceram as bases para a edição da Lei Federal n. 5.621 , de 4 de novembro de 1970.

Coma Corregp.dor Geral da Justiça de São Paulo deu valiosa contribuição à reda­ção da Lei dos Registros Públicos. Com paciência beneditina reformulou varias vezes o respectiva projeto, que periodicamente retornava às suas mãos modificado por emendas. nem sempre felizes, de parceiros ignotos.

Na mesma época, em companhia do eminente Professor e Desembargador Bruno Afonso de André e do ilustre advogado Theotônio Negrão. elaborou projeto de lei que objetivava dar maior eficiência ao processo civil. Deste trabalho, que se perdeu nos meandros burocráticos de Brasília, constavam, dentre muitas sugestões Interes­s~:;ntes, a da correção monetária dos débitos a partir. da constituição em mora. e a da simplificação das decisões de segunda instância.

Acrescente·se a Isto a longa e profícua colaboração que RODRIGUES DE ALCK­MIN deu à reforma do processo civil. nas reu niões de Campos do Jordão, de São Jr')sé do Rio Preto. de Cambuqulra e de Piracicaba.

Estes antecedentes e o extraordinário prestígio que conquistara no Supremo Tri­bunal Federal findaram por colocar em seus ombros a pesada cruz da Reforma Ju­diciária.

A regulamentação das atividades ligadas à Justiça sempre foi. e será, tema me~ lindroso, objeto de contestação e de polêmi ca agressivas.

Tenho para mim que isto resulta, sobretudo. da inevitável ambivalência que acom­panha o fenômeno processual.

Assim é que ao vencedor da demanda a pOSSibilidade de o vencido obstar, com o apelo a outras instâncias, a imediata execução da sentença. soa como insuportável empecilho à realização da Justiça . Mas , por óbvias razões, ao derrotado parecem poucos os recursos, ordinários e extraordinários, de que dispôe, e se lhe permitirem chegará à rescisória da rescisória .

(60) «R1J». vol. 78/498 . (61) ob . e loc. cits . (62) « AT». vol. 363/555 . (63) MOAEIRA ALVES. ob. e loc. cUs .

, TRIB. DE ALÇADA CRIMINAL - 28 -

A quem 8ssenta sua pretensão em sólidas provas preconstitu(das parecerá bem que se limite rigidamente o poder de Investigar os fatos, concedido às partes. Já nao será do mesmo sentimento quem', tendo por único arrimo fatos evanescentes que não deixaram traço, é constrangido a assumir as vestes de feroz caçador de Indícios, obstinadamente rastreados mesmo em campos defesos.

A celeridade das decisões e o prudente amadurecimento das sentenças já não serão, em si mesmos, objetivos contraditórios?

O antagonismo. em que é fértil o processo. no âmbito da organização judiciária é agravado pelas situações Que s,e constituem em seu bojo.

Além disto, fácil era prever que, qualquer que fosse a proposta de reforma ju­diciária formulada pelo Governo. esbarraria no justo ressentimento por este criado. em razão do trato menos feliz dispensado a temas jurfdicos de vJ~al Importância.

Entr~tanto. nem os rlscos, nem as dificuldades da tarefa amedrontaram RODRI­GUES DE ALCKMIN .

Coube-lhe. na primeira etapa , redigir o relatório gerai sobre a situação do Poder Judiciário, posteriormente denominado . Diagnóstlco- (H) .

Nele os objetivos da reforma vinham expressos em períodos lapidares:

_Cuer_se Que o Poder Judiciário se torne apto a acompanhar as exigências do desenvolvimento do Pais e Que seja instrumento eficiente de garantia da ordem Jurr­dica. cuer-se Que se eliminem delongas no exercfclo da atividade judiciária. Cuer-se Que as decisões do Poder Judiciário encerrem critér ios exatos de justiça. Quer-se que a atividade punitiva se exerça com observância das garantias da defesa. com o res­peito à pessoa do acusado e com a aplicação das sanções adequadas. cuer-se que à Independência dos Magistrados corresponda o exato cumprimento dos deveres do cargo. Quer-se que os jurisdicionados encontrem. no Poder Judiciário, a segura e rá· plda proteção e restauração de seus direitos , seja qual for a pessoa ou autoridade Que os ameace ou ofenda- (115) .

Tais propósitos , sem prejufzo do sistema peculiar à nossa formação histórica, deveriam ser alcançados através de - medidas sobre recrutamento de Juízes e sua preparação profissional, a estrutura e a competência dos órgãos judiciários. o pro­cesso civil e penal (e suscitará, mesmo, modificação de regras de direito material). problemas de administração , meios materiais e pessoai.s de execução dos serviços auxiliares e administrativos , com aproveitamento de recursos da tecnologia. Avul­tarão, na reforma, ainda, problemas pessoais dos Juízes. seus direitos, garantias. vantagens, deveres e responsabll1dades . E visará a a,ssegurar o devido prestígio à Ins­tituição judiciária, que . no regime da Constituição, se reconhece como um dos três Poderes. independentes' a, harmônicos- (-).

Depois da enumeração das causas externas perturbadoras do eficiente exercício das funções judiciárIas, vinha o énunciado de algumas Idéias que poderiam orientar a reforma. Dentre elas a supressão dos Tribunais de Alçada; a criação de cortes administrati vas. fiscais e previdenciárias; a fi xação de melhores ganhos e vantagens para os Juizes; a instauração de cursos ou Institutos de preparação para a Magis­tratura; o estabelecimento de um Conselho Nacional da Magi.stratura; a edição de uma Lei Orgânica da Magistratura que explicitasse prerrogativas. direItos e garan­tias dos Ju ízes (l1l'I) ,

Em vár ias destas propostas emergiam antigas posições de RODRIGUES DE ALCK­MIN. A referente aos Tribunais de Alçada fora por ele defendida, sem resultados po­sitivos, perante os Juristas encarregados da elaboração da Constituição promulgada em 24 de janeiro de 1967. Na mesma oportunidade. como se dirá mais adiante. evi ­tara a in.serção de regra que imporia séria limitação .aos vencimentos dos Magistra­dos, A participação no curso fundado pelo Desembargador João Baptista de Arruda

(64) « Reforma do Poder Judic iário - Re latório elaborado pelo Supremo Tribunal Federal », uAF1>. 1101. 251/7 e segs. . .

(65) «RF». '101. 25i/8. (66) «AF:o , 1101. 251 / 8. (67) «RF» , 1101. 251/9 e segs .

- 29 - TRIB. DE ALÇADA CRIMINAL

Sampaio convencera-o da utilidade dos institutos de preparação li Magistratura. Sem­pre lhe parecera descabido que, em matéria disciplinar, li Corte Suprema fossem negados poderes concedidos 80S Tribunais de Justiça. convicção' fortalecida pela ex­periência adquirida em Br88 1118,

O -Diagnóstico- suscitou crftlcas que encontraram pronta resposta em confe­rência proferida na Federação do Comércio do Estado de São Paulo:

ti As reações, favoráveis ou desfavoráveis à Idéia de uma ampla reforma ou a especificas problemas suscitados eram aguardadas. A alguns parece que o Poder Ju­dlclárlo. no Brasil. não reclama reforma profunda . Funciona bem, normalmente. Não há. pois. alterar-lhe o regime em que se acha. Antes , as leis é que. pela sua multi­plicidade e deficiente redação, embaraçam o regular desempenho da . função juris­dicional- (M).

Certo, prossegue RODRIGUES DE ALCKMIN , que fatores exógenos perturbem o funcionamento da Justiça. Mas é também verdade que esta é dispendiosa e demo­rada. ainda que nem sempre corram à conta dos Magistrados as delongas do pro­cesso; que o primário expediente do aumento de número de Juízes esbarrava na dificuldade de recrutar. em quantidades necessárias . profissionais de alto n[vel Inte­lectual e moral; que meios Inadequados de trabalho e invocações desnecessárias à função jurisdicional reduziam os rendimentos dos 6rgãos encarregados da aplicação da Justiça (-). .

Só em novembro de 1976, ou seja. ano e melo após a elaboração do _Olagnóstlco_. foi encaminhada ao Congresso Nacional mensagem propondo alteraçaes no texto da Constituição Federal. como primeiro passo para e reforma do Poder Judiciário.

Na oportunidade o Ministro da Justiça esclarecia que, com apolo no -0Iagn6stl·. co. , o Professor Henrique Fonseca de Araújo, Procurador Geral da República, elabo­rara anteprojeto que, submetido à prévia avaliaçllo do Presidente da República fora, por recomendação deste. levado ao exame de RODRIGUES DE ALCKMIN. fixando-se, a partir dai, as bases do· projeto enviado ao Legislativo.

Pelas razOes Já apontadas, e certamente por outras que o futuro se encarregará de elucidar. estabeleceu-se acesa polêmica em torno da proposta governamental.

Não for.am ·multas 8S vozes que se ergueram em seu favor. A critica, porém, nAo se apresentou como peça monolítica , e sim como união de contrários, a lembrar, em muitos pontos, o movimento da dialética hegeliana.

Assim é que a alguns a reforma parecia de uma audácia vIzInha da temeridade, trazerydo em seu ventre medidas capazes, até, de ferir mortalmente o regime fede· ratlvo. Mas também -havia quem a Julgasse timlde, por não abranger uma completa reformulação dos órgãos de primeira Instêncla .

A extlnçllo dos Trlbunels de Alçeda foi combetlda ardentemente. compelindo seus defensores no elogio à eficiência dessas Cortes e 80 valor dos seus Integran­tes. Entretanto, vozes se levantavam postulando o rabalxamento dessea Tribunais. que desejavam fossem privados da autonomia de que sempre desfrutaram, no con­cernente à organlzaçAo das secretaries e provimento dos respectivos quadros. NAo faltou até quem propusesse que a deslgnaçAo .dos sous presldentea coubesse aos Tribunais de Justiça. .-

Os exemplo .• , que podo riam ser multiplicados s.m esforço, da. poslç6es contra· dltórlas assumida. pelos cr itico. da reforma. nao sao aqui trazidos a titulo de cen· 8urs, pois é perfeitamente razoável que. em tema tio complexo, S8 desentendam os melhor •• esplrltos.

Na matéria. deveriarrios ter sempre presentes os conselhos de Vieira , autor tio querido da RODRIGUES DE ALCKMIN. A propósito de um texto do 3.' Livro dos Reis (XXII, 20), em que se fala de um conselho de anjos, reunido por Deus para deliberar a respeito do castigo que havia de ser dado ao rei Acab, o genial Inaelano tece os seguintes comentários: '

(88] «Obllerveç!lell eobre I Reforme do Poder Judlclêrl0» , _AF». '0101. 25417. (69) cAF» , vol. 25417.·

/

TRIB. DE AuçADA CRIMINAL - 30 -

.. Ouvida a proposta de Deus. foram respondendo os anjos como lhes cabia, e diz o Texto que" Uns diziam de um modo, e outros de outro: unus verba hUjusmodl, et alius aUter: porque até entre os anjos pode haver variedade de opiniões. sem menos­cabo de sua sabedoria. nem de sua santidade; e para que acabe de entender o mundo. que ainda que algumas opiniões sejam angélicas, nem por isso .são menos angélicas as contrárias- Co).

Se alguma vez os debates se desviaram deste rumo, não foi por obra de RODRI­GUES DE ALCKMIN, discípulo do homem admirável que proclamou não haver dog- , mas nas questões temporais (11).

A promulgação da Emenda Constitucional n. 7. em 13 de abril de 1977; nas cir­cunstâncias que estão na memória de todos , revelou indisfarçável dissídio entre as diretrizes alvitradas por RODRIGUES DE ALCKMIN e os desígnios de certos círculos governamentais:

Mesmo assim, com a elevação de propósitos que o caracterizava, entendeu que era seu dever prestar colaboração ao anteprojeto da Lei Orgânica da Magistratura Nacional.

Nova Ef' mais grave decepção o aguardava. O trabalho original foi encaminhado a jurIstas até hoje não Identificados e a órgãos burocráticos que. através de supres­sões e acréscimos despropositados , deformarçm-no por completo.

Bastam umas poucas referências para que se patenteie a total discrepância entre as poslçOas de RODRIGUES DE ALCKMIN e certas ~oluções do projeto remetido ao Congresso Nacional.

A melhoria dos vencimentos e vantagens dos Juizes merecera ênfase especial no _Diagnóstico_ r~}. Aliás, consoante foi lembrado há pouco pelo Desembargador Manuel Mendes de Almeida França, quando se cuidava da redação da Constituição promulgada em 24 de janeiro da 1967, RODRIGUES DE ALCKMIN lograra do Ministro Luiz Gal lotti , ao tempo preSidente do Supremo TrIbunal Federal, que se cancelasse preceito que implicaria em séria redução nos vencimentos dos Juízes paulistas (1']. Desta orientação divergia francamente o projeto governamental. .

Ainda em São Paulo pugnara pela tese segundo a qual o quinto constitucional do Tribunal de Justiça devia ser prOVido por Juízes do quinto do Tribunal de Alçada. Nesse sentido votara na Corte Suprema, julgando casos oriundos de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul [i'). O projeto não só discrepava desta posição como vulne­rava a Lei Fundamental, transformando os classistas em Juízes de carreIra e dila­tando para frações superiores a 1/ 5 o número de cadeiras aos primeiros destInadas. nos TrIbunais de Justiça.

A paridade numérica entre votos de Relator e R,evlsor (arts. 11"7 e 118 do pro­Jeto) Jamais seria sugerida por quem tivesse noção superficial dos trabalhos de se­gunda InstAncla, e mui.to menos por RODRIGUES DE ALCKMIN. que os conhecia pro· tundamente.

O aproveitamento dos Juizes substitutos de segunda InsUincla em Varas das Co­marcas das Capitais, com manIfesta ofensa ao principio da Inamovibilidade, é outro deslize qua jamais seria cometido por um Jurista do porte de RODRIGUES DE ALCKMIN.

Quem. figurando entre os Jufzes mais modernos, fora conduzido a cargos de dI­reção das Cortes paulistas, nAo poderia ter proposto a extravagante -eleiçao- com­pulsória dos mais antigos. prevista no art. 99 do projeto.

Mas nem estas evidências, nem as declarações pessoaIs de RODRIGUES DE ALCKMIN. que multas vezes lamentou as alterações Introduzidas, à sua revelia, no projeto, nAo bastaram para convencer os espíritos apaixonados que ansiavam por condená-lo , fosse por suas Idéias, fosse pelas Que jamais tivera.

(70) .SermOes», valo 11// 200 , Porto. 1907. (71] cf . S. BERNAL, «Mona. Jo.semarla Escrlvé de Balaguer)), trad . de Emérico da Gama, SP, 1977,

péga. 350 ti segs. (721 «RF», vol. 251/11. (731 DlscuTao publicado no cOldrlo da Justiça do Estado». de 8.11.1978. pág. 2. (74) o:RTJ», vala. 66/631. 67/~9.

31 - TRIB. DE ALÇADA CRIMINAL

VI

A per.sanalldade de RODRIGUES DE ALCKMIN, ainda tão viva em nossa memória, é das que o tempo não pode apag,ar.

Ninguém se avizinhava dele sem sentir o apelo de irresistfvel simpatia. fruto da sincera afeição com que envolvia novos e velhos amigos.

Homem simples e de vida frugal. eré' absolutamente indiferente aos bens mate· riais. Procurava sempre passar inadvertido. objetivo que seus altos méritos freqüen-temente frustravam . .

Sereno e discreto, buscava incansavelmente a perfeição através do estudo e do trabalho. Era com amor Que se dedicava às tarefas do dia·a:'dia. convencido de que o homem se faz grande pelas pequenas coisas do quotidiano.

Dele não se ouviam queixas : as dores e atribulações. prezava-as como instrumen­tos de edificação' moral.

Caráter firme. superava com vontade e energia os o!;>stáculos que se antepu­nham aos seus objetivos. sempre fixados com critério incensurável.

Não temia a morte: aceitava-a cri,stãmente como o principio de uma nova exis­tência.

Sincera e profundamente religioso. fazia do apostolado uma de suas razOes de vrver. Com entusiasmo deu apolo decisivo para o estabelecimento, em SAo Paulo, do formoso movimento espiritual há meio ' século iniciado por Monsenhor Josemarla Escrlvá de Balaguer.

Sua dedicação aos amigos era proverbial. Nos momentos difIceis sua presença era certa e. com ela. a sobrenatural alegria que abrandava os sofrimentos e dissl­psw as preocupações.

Praticava a caridade como bom cristão. às ocultas. Em determinado período. quando convalescia de grave moléstia, teve de distribuí·la com a ajuda de um amigo. Um dos pobres visitados tinha o seu casebre ao pé de um barranco, o que cons­trangia RODRIGUES DE ALCKMIN a percorrer escaça íngreme. vencida a duras penas, degrau a degrau. Insistia o companheiro em poupar-lhe o esforço. prontifi­cando-se a substituí-lo na entrega do óbolo. A recusa vinha. com o habituai bom humor: é que. mais importante que a ajuda material , era o conforto pessoal levado ao necessitado. E assim. semana após semana, repetia-se a difícil escalada. maravilhoso símbolo de uma vida que foi permanente ascensão.

Nunca se poupou no desempenho as missões recebidas: a todas se dedicou de corpo e alma. sem medir sacrlffcios: Assim, não obstante a saúde frágil, não recusou o pesado encargo representado pela Presidência do Superior Tribunal Eleitoral, para a qual foi eleito em 1977. Sem desfalecimentos, com a galhardia de sempre, exerceu suas funções na Corte Suprema e na Justiça Eleitoral pontualmente, até o derradeiro momento,

E ainda encontrou tempo e Animo para o estafante ,trabalho da reforma Judlclá· ria: nesta empenhou o . entusiasmo e a profunda atenção que dedicava à Magistratura do seu país. num tremendo esforço que lhe rendeu . amargos dividendos.

Já se dissipam o ruído e o pó que as escaramuças travadas em torno da reor· ganlzação da Justiça provocaram. RODRIGUES DE ALCKMIN, pc·têm, permanecerá como Insuperével modelo de Homem e de Magistrado.

Cabem·lhe as palavras endereçadas a São Francisco de Seles pelo suave Albino Luclanl , que em breve pontificado uniu o mundo ·num sorriso de paz:

.VI siete chlnato verso tutti per . dare a tuttl qualcosa - C·'). Oe RODRIGUES DE ALCKMIN também se pode dizer que se debruçou sobre todos

nós, para dar a cada um, com generosidade régia, o calor de sua Imensa afeição e a luz pura de uma exemplar vide cristã.

(75) «lflustrlnlml», Pédus, 1978, pég . 143.