Juiz federal proíbe o governo de sancionar o Plano Estadual de Educação

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PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CAUTELAR. PEDIDO PARA QUE O ESTADO DE SERGIPE SE ABSTENHA DE SANCIONAR A LEI QUE APROVOU O PLANO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO - PEE. LEGITIMIDADE DA UNIÃO, DO ESTADO DE SERGIPE E DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA PARA ATUAREM NO POLO PASSIVO. LEGISLAÇÃO EM DESALINHO COM O PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. PLAUSIBILIDADE DO DIREITO INVOCADO. CONCESSÃO DE LIMINAR PARA DETERMINAR QUE O ESTADO DE SERGIPE SE ABSTENHA DE SANCIONAR A LEI QUESTIONADA, OU, CASO A TENHA SANCIONADO, SE ABSTENHA DE PUBLICÁ-LA ENQUANTO NÃO JULGADA A PRESENTE LIDE, RESGUARDANDO-SE OS RECURSOS PÚBLICOS NECESSÁRIOS ATÉ A SANÇÃO DO PEE. DECISÃO O Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado de Sergipe ajuizaram a presente AÇÃO CAUTELAR INOMINADA contra a União, o Estado de Sergipe e a Assembléia Legislativa do Estado de Sergipe, através da qual formulam, nesta data, novo pedido, diante de fato novo, consistente na aprovação do Projeto de Lei nº 36/2015, pugnando pela concessão de liminar, determinando que: a) o ESTADO DE SERGIPE se abstenha de sancionar a Lei que aprovou o Plano Estadual de Educação - PEE, ou, caso a tenha sancionado, se abstenha de publicá-la enquanto não resolvida, no mérito desta ação de natureza cautelar e/ou da ação principal, a controvérsia sobre a existência de irregularidades que viciam, de forma insanável, o processo legislativo relacionado ao ato legal em exame. Requer-se, também, que se faça constar no mandado de intimação que o eventual descumprimento da ordem judicial, além das penalidades cabíveis, implicará a não produção de qualquer efeito pela lei sancionada e/ou publicada. b) a UNIÃO resguarde os recursos financeiros do ente federado (Estado de Sergipe) decorrente de contratos e convênios com ele firmados e ainda vigentes, não o sancionando de nenhuma forma, inclusive com supressão de recursos financeiros, em razão da não publicação da Lei do Plano Estadual de Educação durante o lapso de eficácia da liminar ora requerida e em decorrência desta, mantendo-se eventuais recursos, todavia, bloqueados até que a aprovação e sanção do PEE seja ultimada com observância das formalidades legais, formalidades estas cujos vícios até aqui identificados serão objeto da ação principal ulterior.

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PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CAUTELAR. PEDIDO PARA QUE O ESTADO DE SERGIPE SE ABSTENHA DE SANCIONAR A LEI QUE APROVOU O PLANO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO - PEE. LEGITIMIDADE DA UNIÃO, DO ESTADO DE SERGIPE E DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA PARA ATUAREM NO POLO PASSIVO. LEGISLAÇÃO EM DESALINHO COM O PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. PLAUSIBILIDADE DO DIREITO INVOCADO. CONCESSÃO DE LIMINAR PARA DETERMINAR QUE O ESTADO DE SERGIPE SE ABSTENHA DE SANCIONAR A LEI QUESTIONADA, OU, CASO A TENHA SANCIONADO, SE ABSTENHA DE PUBLICÁ-LA ENQUANTO NÃO JULGADA A PRESENTE LIDE, RESGUARDANDO-SE OS RECURSOS PÚBLICOS NECESSÁRIOS ATÉ A SANÇÃO DO PEE.

DECISÃO

O Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado de Sergipe ajuizaram a presente AÇÃO CAUTELAR INOMINADA contra a União, o Estado de Sergipe e a Assembléia Legislativa do Estado de Sergipe, através da qual formulam, nesta data, novo pedido, diante de fato novo, consistente na aprovação do Projeto de Lei nº 36/2015, pugnando pela concessão de liminar, determinando que:

a) o ESTADO DE SERGIPE se abstenha de sancionar a Lei que aprovou o Plano Estadual de Educação - PEE, ou, caso a tenha sancionado, se abstenha de publicá-la enquanto não resolvida, no mérito desta ação de natureza cautelar e/ou da ação principal, a controvérsia sobre a existência de irregularidades que viciam, de forma insanável, o processo legislativo relacionado ao ato legal em exame. Requer-se, também, que se faça constar no mandado de intimação que o eventual descumprimento da ordem judicial, além das penalidades cabíveis, implicará a não produção de qualquer efeito pela lei sancionada e/ou publicada.

b) a UNIÃO resguarde os recursos financeiros do ente federado (Estado de Sergipe)

decorrente de contratos e convênios com ele firmados e ainda vigentes, não o sancionando

de nenhuma forma, inclusive com supressão de recursos financeiros, em razão da não

publicação da Lei do Plano Estadual de Educação durante o lapso de eficácia da liminar ora requerida e em decorrência desta, mantendo-se eventuais recursos, todavia,

bloqueados até que a aprovação e sanção do PEE seja ultimada com observância das

formalidades legais, formalidades estas cujos vícios até aqui identificados serão objeto da

ação principal ulterior.

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Requer-se, em caso de deferimento, sejam intimados, além dos representantes das demandadas, o Excelentíssimo Senhor Governador do Estado, a Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral do Estado e o Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe.

Ao teor do narrado pelos Ministérios Públicos, o Projeto de Lei nº. 36/2015, que "dispõe sobre o Plano Estadual de Educação - PEE, e dá outras providências (...)", foi, como anunciado, levado à votação e aprovado pela Assembleia Legislativa, na data de ontem, segunda-feira, dia 31 de agosto de 2015.

Defendem os autores que há um desalinhamento entre o Plano Nacional de Educação - PNE e o Plano Estadual de Educação - PEE, de Sergipe, o que impõe a necessidade de intervenção judicial em relação aos entes constantes no polo passivo da presente demanda.

Relatam que o Governo do Estado de Sergipe encaminhou à Assembleia Legislativa o projeto de Lei nº 36/2015, datado de 28/07/2015, o qual dispõe sobre o Plano Estadual de Educação - PEE.

Esclarecem que o Plano Estadual de Educação - PEE, a exemplo do Plano Nacional de Educação, e para manter o necessário alinhamento, deve ser formulado com ampla participação dos diversos segmentos da sociedade, o que, de início, ocorreu em Sergipe. Todavia, após, deu-se início a uma sucessão de acontecimentos contrários ao ordenamento jurídico.

Diante disso, argumentam que o texto-base (amplamente debatido) foi desnaturado, de modo significativo, pelo Conselho Estadual de Educação – CEE (instância menor, menos plural e com formação baseada em legislação do tempo do regime militar). Nesse diapasão, ao compactuar com o desnaturamento efetuado no texto-base, o Poder Executivo suprimiu do Poder Legislativo a discussão da retirada de cerca de MEIO BILHÃO DE REAIS de recursos que seriam (e não serão com a Lei aprovada!) destinados à educação sergipana nos próximos 10 (dez) anos. Isso sem falar na RETIRADA DE REGRAS DE TRANSPARÊNCIA sobre os recursos públicos.

Narram que as alterações promovidas no texto-base do Plano Estadual de Educação (PEE) aprovado pelo Fórum Estadual de Educação (FEE) foram de tamanha envergadura que se chegou ao ponto de suprimir estratégias que ampliavam o financiamento da educação mediante a aplicação de parte dos recursos originários dos royalties estaduais de petróleo. De igual modo, retirou-se a previsão de ampliação da transparência pública relativa à publicação em portal da transparência dos memoriais descritivos das despesas custeadas com recursos provenientes dos royalties de petróleo da União e, a partir da aprovação do Plano Estadual de Educação, também do Estado de Sergipe. As estratégias suprimidas, dentre outras, foram:

"(...) 20.2- ampliar os investimentos na educação estadual para no mínimo 28% até 2018 e chegar no mínimo de 30%, no final de vigência deste PEE, de todos os tributos estaduais e royalties de petróleo.

20.5- destinar à manutenção e desenvolvimento do ensino, em acréscimo aos recursos vinculados nos termos do art. 212 da Constituição Federal, na forma da lei

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específica, a parcela da participação no resultado ou da compensação financeira pela exploração de petróleo e gás natural e outros recursos, com a finalidade de cumprimento da meta prevista no inciso VI do caput do art. 214 da Constituição Federal, disponibilizando, por meio do Portal Eletrônico de Transparência, a arrecadação e memorial descritivo da despesa, a partir da aprovação deste plano; (...)".

Expõem que a estratégia 20.5 sequer foi levada à apreciação do Poder

Legislativo; enquanto a estratégia 20.2 sofreu profunda alteração, isto é, foi inteiramente

suprimida a proposta que destinava 30% dos royalties de petróleo para a educação pública, e,

reduziu-se os percentuais de tributos propostos pelo FEE de 28% e 30% para 26% e 27%,

respectivamente.

Explicitam o montante de recursos provenientes dos royalties de petróleo

que deixarão de ser destinados à educação pública (devido às irregularidades perpetradas

pelo Poder Executivo em sua iniciativa, na origem do processo legislativo), mencionando

que no exercício de 2014 o Estado de Sergipe recebeu, a esse título, R$ 166,7 milhões

(conforme dados da tabela da Agência Nacional do Petróleo -ANP, anexa). Pela proposta

do FEE, R$ 50,01 milhões, por ano, seriam destinados à educação pública de base.

Multiplicando-se esse montante pelos dez anos de vigência do PEE, tendo-se que o

vício na origem do processo legislativo, provocado pelo Poder Executivo, retirará

da Educação Pública no Estado de Sergipe cerca de meio bilhão de reais.

Vieram-me os autos conclusos para proferir decisão.

DECIDO.

Versa a questão sobre a Lei nº 13.005/2014, que trata do Plano Nacional de Educação - PNE, e dispõe, em seu art. 8º, § 2º, in verbis:

"Art. 8º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão elaborar seus correspondentes planos de educação, ou adequar os planos já aprovados em lei, em consonância com as diretrizes, metas e estratégias previstas neste PNE, no prazo de 1 (um) ano contado da publicação desta Lei.

(...)

§ 2o Os processos de elaboração e adequação dos planos de educação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de que trata o caput deste artigo, serão realizados com ampla participação de representantes da comunidade educacional e da sociedade civil."

Verifica-se do dispositivo que os planos de educação estaduais devem estar em consonância com o que dispõe o PNE, bem como especifica a necessidade da ampla participação de representantes da comunidade educacional e da sociedade civil nos

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processos de elaboração e adequação dos planos de educação dos Estados, o que segundo os Ministérios Públicos Federal e Estadual não ocorreu no Estado de Sergipe.

Primeiramente, merece respaldo o argumento dos autores no sentido da necessidade de intervenção judicial em relação aos dois entes, federal e estadual: a União para que cumpra seu papel de garantir a necessária compatibilidade entre os planos de educação; e o Estado de Sergipe que, observando o sistema federativo de legislação concorrente, respeite as diretrizes fixadas pela União e realize todas as correções necessárias para que o Plano Estadual de Educação – PEE se alinhe ao Plano Nacional de Educação - PNE.

No mesmo sentido, a Assembleia Legislativa, igualmente, deve figurar como demandada, por se tratar de processo judicial relacionado a suas competências institucionais e normativas, vez que se pretende a suspensão de processo legislativo de interesse daquela Casa Legislativa e ainda não concluído.

Analisando os documentos apresentados pelos demandantes, vê-se que, em sua primeira fase, obedeceu-se ao que dispõe a Lei nº 13.005/2014, vez que o texto base do PEE de Sergipe foi construído no âmbito do Fórum Estadual de Educação - FEE, com ampla participação democrática, traduzida na submissão à seis Conferências Intermunicipais, subdivididas em sessenta Oficinas de Trabalho, garantindo-se a participação democrática de todos os setores da sociedade.

Posteriormente, verifica-se que foram produzidas relevantes alterações no âmbito do Conselho Estadual de Educação - CEE, a exemplo da retirada de mecanismos aptos a permitir maior controle dos gastos públicos, bem como a supressão e redução de fontes orçamentárias para a educação pública de base, o que acarreta significativos prejuízos para a área já tão combalida e com índices de ineficiência alarmante.

Assim, oficiou o MPF ao Ministério da Educação, o qual não adentrou no mérito das alterações promovidas pelo CEE, por entender que não é sua atribuição institucional avaliar a qualidade dos planos estaduais e municipais de educação, na medida em que afrontaria a autonomia dos entes federativos (4058500.416011).

A resposta formulada pelo Ministério da Educação vai de encontro com o que dispõe a Lei nº 4.024/1961, que fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, explicitando que o Ministério da Educação exerce as atribuições do poder público federal em matéria de educação, cabendo-lhe formular e avaliar a política nacional de educação, zelar pela qualidade do ensino e velar pelo cumprimento das leis que o regem.1

Caberia pois, ao aludido Ministério manifestar-se sobre o tema, não sendo necessário adentrar no mérito das alterações promovidas pelo CEE, mas esclarecendo se o órgão detém a competência para promover as alterações, já que o mesmo as realizou de forma unilateral, sem promover a participação democrática, conforme estabelece o PNE.

A relevância da fundamentação é patente, pois o vício na elaboração do questionado projeto de lei atenta contra o processo legislativo constitucional, a partir da desobediência ao trâmite que deveria ser adotado, especialmente no que toca ao desrespeito às atribuições

1Art. 6º O Ministério da Educação e do Desporto exerce as atribuições do poder público federal em matéria de educação, cabendo-lhe formular e avaliar a política nacional de educação, zelar pela qualidade do ensino e velar pelo cumprimento das leis que o regem. (Redação dada pela Lei nº 9.131, de 1995)

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legais do Fórum Estadual da Educação - FEE, cujo trabalho, praticamente, resultou inútil, diante das alterações posteriormente introduzidas no PEE pelo Conselho Estadual de Educação – CEE e pelo Poder Executivo do Estado de Sergipe.

Ademais, trata-se de matéria de grande relevância, que foi objeto de longa e ampla discussão no âmbito do Ministério da Educação e do Congresso Nacional, resultando no PNE, cuja observância é dever dos Estados, quando da elaboração do PEE, eis que não é admissível o descompasso entre as diretrizes educacionais adotadas pela União e aquelas adotadas pelos Estados da Federação.

Além disso, a discussão do PEE durou, aproximadamente, um mês, na Assembleia Legislativa de Sergipe, tempo em que se aprovou um projeto de lei que orientará a Educação em um Estado durante dez anos, sem que houvesse um grande debate acerca de temas de elevada importância, como o financiamento do ensino.

Não pretende o Poder Judiciário interferir no mérito legislativo, mas restabelecer o procedimento adequado à edição da lei, com a observância de todo o ritual constitucional, sobretudo a indispensável participação do Fórum Estadual de Educação – FEE, que não poder ser desconsiderado pelos Poderes Executivo e Legislativo.

Quanto ao fumus boni iures, entendo-o presente, sendo urgente obstar a sanção da lei, diante das falhas apontadas pelos autores, evitando a eficácia de uma lei que contém vício de forma e afronta o ordenamento jurídico vigente, podendo ensejar prejuízos irremediáveis para a coletividade.

Nesse toar, concedo, liminarmente, a medida cautelar, determinando que:

a) o ESTADO DE SERGIPE se abstenha de sancionar a Lei que aprovou o Plano Estadual de Educação – PEE (Projeto de Lei nº 36/2015), ou, caso a tenha sancionado, se abstenha de publicá-la enquanto não resolvida, no mérito desta ação de natureza cautelar e/ou da ação principal, a controvérsia sobre a existência de irregularidades que viciam, de forma insanável, o processo legislativo relacionado ao ato legal em exame, devendo constar no mandado de intimação que o eventual descumprimento da ordem judicial, além das penalidades cabíveis, implicará a não produção de qualquer efeito pela lei sancionada e/ou publicada.

b) a UNIÃO resguarde os recursos financeiros do ente federado (Estado de Sergipe)

decorrente de contratos e convênios com ele firmados e ainda vigentes, não o sancionando

de nenhuma forma, inclusive com supressão de recursos financeiros, em razão da não

publicação da Lei do Plano Estadual de Educação, durante o lapso de eficácia da liminar ora requerida e em decorrência desta, mantendo-se eventuais recursos, todavia,

bloqueados até que a aprovação e sanção do PEE seja ultimada com observância das

formalidades legais, formalidades estas cujos vícios até aqui identificados serão objeto da

ação principal ulterior.

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Intimem-se, além dos representantes das demandadas, o Excelentíssimo Senhor Governador do Estado, a Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral do Estado e o Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe.

Citem-se.

Ciência ao MPF.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Juiz Edmilson da Silva Pimenta