Jrihur ao onsecã e^y BERIBÉRI - Repositório … * * Apesar do muito que a respeito desta doença...

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Jrihur ao onsecã e^y BERIBÉRI (BREVE ESTUDO) DISSERTAÇÃO INAUGURAL APRESENTADA A Escola Medico-Cirurgica do Porto 'faó PORTO- IMPRENSA NACIONAL Rua da Picaria, 35 1906 J 3 O J <) -Brf £

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BERIBÉRI (BREVE ESTUDO)

DISSERTAÇÃO INAUGURAL

APRESENTADA A

Escola Med ico-C i ru rg ica do Porto

'faó

PORTO- IMPRENSA NACIONAL Rua da Picaria, 35

1906

J 3 O J <) -Brf £

ESCOLA MEDICO-GIRUR&ICA DO PORTO DIRECTOR

ANTONIO JOAQUIM DE MORAES CAUDAS SECRETARIO- INTERINO

José Alfredo Mendes de Magalhães

CORPO DOCENTE

Lentes Cathedraticos

i." Cadeira —Anatomia desciipiiva S e r a ' Luiz de Freitas Viegas.

s." Cadeira - Physiologia . . . Antonio Piacido da Costa. 3." Cadeira —Historia natural dos

medicamentos e materia me-d lCi l Illydio Ayres Pereira do Valle.

4." Cadeira— Patliologia externa e therapeutica externa . . . Antonio Joaquim de Moraes Caldas.

5.» Cadeira —Medicina opetatoria . Clemente J. dos Santos Pinto. 6.» Cadeira— Partos, doenças das

mulheres de parto e dos re-cem-nascidos Cândido Augusto Corrêa de Pinlio.

7.» Cadeira—Patliologia interna e therapeutica interna . . . José Dias d'Almeida Junior.

8.» Cadeira —Clinica medica . . Antonio d'Azevedo Maia. 9-a Cadei ra-Cl in ica cirúrgica . . Roberto B. do Rosário Frias.

to." C a d e i r a - Anatomia pathoto-S l c a Augusto H. d'Almeida Brandão.

n . * C a d e i r a - Medicina legal . . Maximiano A. d'Oliveira Lemos. 12.* Cadeira —Patliologia geral, se-

meiologia e historia medica . Alberto Pereira Pinto d'Aguiar. 13.* Cade i ra -Hygiene . . . . João Lopes da S. Martins Junior. 14. Cadeira - Histologia normal . José Alfredo Mendes de Magalhães. 15.* Cadeira — Anatomia topogra-

P h i c a • • ' Carlos Alberto de Lima. Lentes jubilados

Secção medica J o s é d . A n d r a d e G r a m a x o .

Secção cirúrgica | P<dr<> Augusto Dias. ( Dr. Agostinho Antonio do Souto.

Lentes substitutos Secção medica j Thiago Augusto d'Almeida.

' i Joaquim'Alberto Pires de Lima. Secção cirúrgica j ̂ aga.

I Antonio Joaquim de Souza Junior. Lente demonstrador

Secção cirúrgica Vaga.

A Esciila não responde pelas doutrinas expendidas na dissertação e enunciadas nas proposições.

(Regulamento da Escola, de 23 de abril de 1840, art. l55.°)

A minha Mãe

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AO MEU DIGNÍSSIMO PRESIDENTE DE THESE

O III."•" e Ex.'"o Sm:

P H O F E S S O R

^t)t. Csaitxaa d'cyCâneicL

ESBOÇO HISTÓRICO

Quando as epidemias do beribéri, nos meiados do século passado, attrahiram a attenção dos medi­cos sobre a sua origem, julgou-se encontrar os pri­meiros vestígios do seu estudo nos trabalhos de Bontius (1642).

Hoje a historia do béribéri está melhor conheci­da, ainda que seja quasi impossível fixar a época do seu apparecimento.

Segundo Maggowan, o béribéri encontra-se des-cripto com o nome de Kioh-Ki (perna malarica) no livro chinez Neiching, attribuido a Hwangti, cerca de 2:600 annos antes de Jesus Christo.

Scheube, professor em Tokio, attribue a origem do béribéri a uma época mais recente, ao anno 330 antes de Jesus Christo. Para outros auctores japone-zes, como o barão Saneyoshi, o béribéri teria uma

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origem ainda mais recente, 200 annos antes de Je­sus Christo.

Esta doença fez durante séculos estragos consi­deráveis nas províncias marítimas da China, onde é igualmente, conhecido pelo nome de Bing-thang (perna inchada) e de Mac-thang (inchação). Hoje parece tender a desapparecer n'este paiz, tendo a sua gravidade diminuído muito.

No Japão, segundo a these de Hassimoto, o bé­ribéri ou Kakke, nome pelo qual é conhecido n'este paiz, só appareceu no IX século. Contrariamente ao que se passa na China, a doença n'aquelle paiz grassa com grande intensidade.

Do que levamos dito vê-se que a China e em seguida o Japão constituíram os focos iniciaes do béribéri.

Só muito mais tarde, em 1642, época em que o béribéri se desenvolveu nas índias, é que na com-municaçâo de Bontius, dirigida á Companhia Neer-landeza, nos apparece a primeira descripção regular da doença com a sua significação actual.

Bontius não teve suecessores immediatos, pois só a partir do começo do século passado é que os me­dicos inglezes retomaram o estudo d'esta doença. Rogers, dirigindo a sua attenção para a dyspneia e edema, publicou o trabalho De Hydrope asthmatica; Carter (1847), julgando util uma nova denominação, estudou o béribéri sob o nome de Marina asthma; Mason Good, Scott e Malcolman igualmente se oc-cuparam d'esta doença sob nomes différentes.

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Em i860, com as terríveis epidemias succedidas a bordo dos navios de emigração indica, apparece grande numero de trabalhos sobre o beribéri, como os de Golfier, Guy, Fossagrives, Rochard, François, Verginaud, Feris, Corre, Laboulbéne, etc.

O mesmo se deu no Brazil com as epidemias da Bahia (1866) e Rio de Janeiro (1869), apparecendo successivamente os trabalhos de Rodrigues Moura, Silva Lima, Pacifico Pereira, Domingos Freire, La­cerda e outros.

Em 1883 publica-se em Utrecht o tratado das doenças infecciosas de Van der Heyden, onde o be­ribéri é muito bem estudado.

Em 1888 os professores hollandezes Pekelharing e Winckler tornaram conhecidos os resultados das suas investigações sobre a etiologia e pathogenia do béribéri.

Entre os trabalhos mais recentes citaremos as discussões feitas sobre a etiologia e a natureza in­fecciosa do béribéri no XIII Congresso Internacional de Medicina em Paris no anno de 1900, em que to­maram parte os snrs.: Fajardo, Cassagnon, Clarac, Nogué, Le Dantec, Kiket e Saneyoshi. As opiniões ficaram divididas entre- a theoria alimentar e a theo-ria microbiana. Um facto, porém, ficou assente: que o beribéri era uma polynévrite peripheric»: Depois apparecem numerosos trabalhos, sendo os principaes os de Le Dantec, Kermorgant, Hamilton Wright, Bolton, Preux, Le Guen, Patrick Manson, Vivian Dangerfield e Gerrard.

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* *

Apesar do muito que a respeito desta doença se tem escripto e investigado, ainda se não conhecem perfeitamente todos os capítulos da nossa historia.

D'ahi a difflculdade em concrétisai- n'uma fór­mula a definição precisa do mal. Passemos em re­vista as definições apresentadas pelos diversos au-ctores que ultimamente se teem dedicado ao estudo do béribéri.

Diz Roux: «Adoptaremos com algumas modifi­cações a definição proposta por Baelz. O béribéri é uma doença raramente aguda, geralmente sub-aguda ou chronica, caracterisada por grande fraqueza, ana­sarca, derrames serosos nas cavidades splanchnicas e por perturbações da motilidade, da sensibilidade, da circulação e das secreções.»

Segundo Brun, «o béribéri é uma doença prova­velmente infecciosa, endémica em certas regiões in-tertropicaes, de marcha rápida ou lenta, caracteri­sada por uma symptomatologia muito variável, cu­jos principaes elementos são a rigidez e o entorpeci­mento dos membros inferiores, dyspneia e muitas vezes também Um edema ás vezes irregular na sua marcha e nas suas localisações, edema susceptível de se généralisai- rapidamente.»

Para Brault «o béribéri, que é provavelmente uma doença infecciosa, está longe de ser ainda bem co-

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nhecido. É uma doença proteiforme, cujos sympto-mas principaes são: a rigidez e entorpecimento dos membros inferiores, as perturbações da sensibilidade e a dyspneia.»

Le Dantec opina que «o béribéri é uma doença d'origem alimentai-, caracterisada sob o ponto de vista anatómico pela existência de névrites periphe-ricas e sob o ponto de vista clinico por perturbações da sensibilidade, da motilidade e da trophicidade.»

O dr. Kermorgant entende que «o béribéri é uma doença de forma epidemica. Tem a mesma marcha d'uma névrite peripherics, attingindo ao mesmo tem­po os nervos mixtos, e particularmente o sympathico e o pneumogastrico. As perturbações da sensibilidade podem ligar-se a lesões medullares.»

O dr. Bolton julga que «o béribéri é uma doença contagiosa e infecciosa, cujo gérmen vegetal ou ani­mal pôde ficar no estado latente durante mezes, até ao apparecimento de condições favoráveis ao seu desenvolvimento. Os germens proliferam e dão nas­cença aos symptomas característicos—fraqueza e entorpecimento dos membros inferiores, edema e per­turbações cardíacas. »

A Patrick Mamou parece que «o beribéri é uma forma especifica de névrite peripherica múltipla, pro-duzindo-se endemicamente ou sob a forma de epide­mias na maior parte dos climas tropicaes, subtropi-caes e ainda, sob certas condições artificiaes, nos pai-zes temperados. Os seus principaes symptomas são: edema das pernas, perturbação da motilidade e da

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sensibilidade com perda em geral dos reflexos pro­fundos.»

O dr. Hamilton Wright refere que «o béribéri é uma doença aguda, especifica e infecciosa, prove­niente d'um gérmen que penetra pela bocca e se des­envolve no tubo digestivo (estômago e duodeno), se­gregando uma toxina. Esta, sendo absorvida, actua por atrophia sobre as terminações periphericas dos nervos afférentes ou efferentes.»

Vivian Dangerfleld diz no seu recente trabalho que «o béribéri é uma doença tropical infecciosa, contagiosa e epidemica, caracterisada ás vezes pela presença, no sangue, de germens pathologicos per­tencentes á família das coccaceas e ao género micro­coccus— o micrococcus beribericus.»

Consideradas, pois, todas estas definições, pare-ce-nos mais razoáveis aquellas que, como a de Roux, só se baseiam na symptomatologia da doença, sem se préoccupai' com factos ainda hoje insufficiente-mente averiguados, como sejam a sua etiologia e pa-thogenia.

Etiologia e Pathogenia

É este um dos capítulos mais difflceis do nosso trabalho. Pôde dizer-se que o beribéri tem sido at-tribuido a todas as espécies de causa. Apesar de se haverem feito sobre esta doença muitos estudos pro­ficientes, n'estes últimos an nos, ainda não foi possí­vel descobrir-se a sua etiologia e pathogenia, pois todas as hypotheses formuladas teem sido refutadas, por não se acharem suficientemente fundamentadas.

Citaremos em primeiro logar as causas, que n'esta doença parecem ter uma acção predisponente. Taes são:

0 clima. — A acção do clima tem grande impor­tância não só sobre o desenvolvimento do béribéri, mas também sobre os indivíduos já attingidos d'esta doença.

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Segundo Vivian Dangerfield, a área geographica do beriberi forma em volta do globo uma verdadeira zona comprehendida entre 35o latitude norte e 35o

latitude sul. D'entre os paizes comprehendidos n'ella que teem duas estações, fria e quente, é n'esta ulti­ma que geralmente a doença apparece sob a forma epidemica. Nos outros em que o calor é constante, o béribéri desenvolve-se mais intensamente nos pe­ríodos das chuvas.

Também são vulgares os casos de indivíduos ata­cados d'esta doença, nos primeiros períodos, melhora­rem consideravelmente mudando d'estes climas para outros mais temperados. A mudança de logar é um dos meios indicados no tratamento geral do beribéri.

A alimentação. — Como veremos mais adiante, no decorrer d'esté capitulo, parece que a alimentação tem grande importância na génese d'esta doença; importância tal, que ainda hoje vários pathplogistas julgam ser esta a causa productora do béribéri.

Idade, sexo, raça. — Segundo a maior parte das estatísticas, parece ser o sexo masculino o mais at-tingido por este mal; comtudo, os vários auctores ainda hoje não estão de accordo a este respeito, pois se para uns é este sexo o mais atacado, para outros é antes o feminino.

Na mulher gravida esta doença traz-lhe graves consequências, não só pelas extensas lesões nervosas e cardíacas produzidas, mas também pela difflculda-

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de que os edemas, por vezes consideráveis, dos or-. gãos genitaes externos, provocam no mecanismo do parto.

A idade em que os indivíduos são atacados de preferencia, é a de 15 a 45 annos; comtudo, ha ca­sos, e muitos, de creanças e velhos contrahirem o béribéri, sendo aquellas as que melhor resistem.

Algumas creanças amamentadas por mães béri-béricas podem contrahir esta doença; porém muitas vezes basta desmamal-as para os symptomas desap-parecerem por completo.

O béribéri observa-se em todas as raças. E certo que as estatísticas accusam maior numero de casos nos indivíduos de raças amarella e preta. Esse ex­cesso, porém, deve ser attribuido não só ao facto da permanência d'elles na zona privativa da doença, mas ainda á inferioridade das suas condições de vida, como seja a má alimentação, habitação, vestuário, etc.

Hereditariedade. — Ainda hoje não está averiguado se o béribéri é uma doença hereditaria. Em geral os filhos de pães béribéricos são fracos e enfesados. Os abortos nas mães béribéricas são frequentes. O leite é muito pobre em saes e matérias gordas.

A falia de hygiene, as agglomerações de indivíduos, as depressões moraes, os vicios, os traumatismos, as feridas, a pobreza, a miséria, etc. — Todas estas causas, que produzem uma decadência orgânica, predispõem o individuo a contrahir o béribéri.

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Passaremos em seguida a expor as theorias apre­sentadas acerca da etiologia e pathogenia do béri­béri.

Theoria alimentar. — Varias substancias alimenta­res, como o peixe avariado, o peixe salgado e prin­cipalmente o arroz, este pelo facto de ser a alimen­tação exclusiva ou predominante dos povos de certos paizes orientaes, como a China, o Japão e a índia, onde o béribéri grassa com grande intensidade, teem sido incriminadas por vários auetores como produ-ctoras d'esta doença.

O modo como a alimentação era capaz de pro­duzir o béribéri, é-nos explicado differentemente se­gundo os vários auetores que sustentam esta theoria.

Assim, Takaki diz-nos que o béribéri é devido a uma alimentação carente de azote. Para Le Dantec seria a alimentação exclusiva de arroz; para Brad-don, a ingestão d'um organismo especifico que sé desenvolve no arroz; para Eykmmn, o grão de arroz, uma vez introduzido no organismo, seria atacado pelos micróbios intestinaes, que originariam uma to­xina produetora da doença. Mas também nos diz este auetor que na casca do arroz ha uma substancia an-ti-toxica annulladora d'esta toxina, o que torna este cereal inoffensivo quando ingerido com a casca.

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Para outros seria antes uma feita de gordura na alimentação.

Diversos factos nos apresentam estes auctores, para justificarem a sua theoria, como os de epide­mias de béribéri desenvolvidas a bordo de navios de emigração indica, em que só esta foi attingida, fi­cando a tripulação incólume. Verificada qual a ali­mentação d'uns e d'outros, notou-se que a dos pri­meiros era exclusiva de arroz e peixe salgado, ao passo que a dos segundos era mais variada. E como estes muitos outros factos análogos.

Analysados d'uma maneira mais attenta todos estes exemplos, dados como demonstrativos da ori­gem alimentar, viu-se que nem todos os indios que tinham a mesma alimentação foram attingidos pelo béribéri. Notou-se mais que contrahiram a doença aquelles que viviam em peores condições hygieni-cas, como em grande agglomeração em porões pe­quenos, sujos, com mau cheiro, sem luz nem venti­lação.

De resto são muito frequentes os casos de indi­víduos, que teem uma boa e variada alimentação, contrahirem o béribéri.

Nos últimos trabalhos de Hamilton Wright vê-se nas suas estatísticas o seguinte: indivíduos em cuja alimentação a proporção de azote era de i para 12 de carbone ; indivíduos em que o arroz entrava no regimen alimentar, mas cozido a vapor sob pressão; indivíduos em que nem o arroz nem o peixe salgado ou avariado entravam no seu regimen alimentar.

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Estes indivíduos também foram attingidos pelo béribéri, ainda que em menor numero.

Todos estes factos parecem justificar que a ali­mentação tem um papel importante na etiologia d'esta doença, não como causa productora, mas sim como causa predisponente.

Theoria microbiana. — Esta é hoje a mais seguida pelo maior numero de pathologistas e bacteriolo-gistas.

Os medicos hollandezes, Pekelharing e Winckler, dizem ter encontrado uma bacteria no sangue dos béribéricos, cuja cultura injectada repetidas vezes em diversos animaes, produzia-lhes symptomas análo­gos aos do beribéri.

Estas experiências porém foram refutadas por outros auctores com o fundamento de nunca terem encontrado no sangue dos béribéricos a referida ba­cteria.

O mesmo succedeu com os trabalhos dos illus­tres medicos brazileiros Pacifico Pereira e Baptista de Lacerda. O primeiro refere ter encontrado no san­gue dos béribéricos um micróbio espheroidal.

Para o segundo, o agente d'esta doença seria o bacillus beribericus, que se encontra em forma de fi­lamentos, no sangue e no tecido medullar dos ho­mens e dos animaes attingidos.

O dr. Hamilton Wright sustenta que o béribéri é devido a um organismo especifico, que penetra na economia pela bocca e se desenvolve no tubo diges-

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tivo (estômago e duodeno), segregando uma toxina e eliminando em seguida pelas fezes. Esta toxina absorvida actua por atrophia sobre as terminações periphericas dos nervos afférentes ou efferentes.

Este gérmen, depois de expulso com as fezes, conserva ahi uma vida latente até de novo ser inge­rido.

Um dos trabalhos mais recentes, a que recorre­mos, é o de Vivian Dangerfield, que representa o producto de sete annos d'estudos sobre esta doença na ilha da Reunião.

Este auctor assevera que o agente productor da doença é uma bacteria pertencente á familia das coccaceas e ao género micrococcus, a que dá o nome de micrococcus beribericus.

Esta bacteria apresenta-se sob a forma de cellu-las redondas, cujas dimensões variam de 0,2 a 1,5 micras (forma ordinária), reunidas duas a duas por um ponto de sua circumferencia, pela sua face plana, em zoogleias quando os elementos estão mortos, ou apresentando um aspecto alveolar ou lacunar por um artificio de preparação.

Estas différentes modificações de aspecto depen­dem de condições de idade, de meio e de technica, mas em nada influem nas qualidades proprias e dif-ferenciaes da espécie.

Esta bacteria é essencialmente aerobia. A expo­sição de tubos semeados com a cultura d'ella á tem­peratura de o° durante algumas horas, basta para os micrococcus perderem a sua vitalidade. Esta tam-

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bem começa a ser attingida a + S o ° ; e a + 6 o ° a exposição durante um minuto d'uma cultura recente, faz-lhe perder toda a faculdade de se reproduzir. A temperatura mais favorável é a de + 3 7 ° ; comtudo ella pôde variar entre + 2 2 ° e + 4 5 ° .

Diz-nos também este auctor que o meio mais favorável para a cultura d'esta bacteria é o de Jen­sen modificado; composto de gelatina gelosada ad-dicionada com a agua de arroz. Esta obtem-se co­zendo o arroz em agua e sal ; esmagando este em seguida em agua distillada estéril, e por fim filtrando o composto. Este meio dá bellas culturas brancas, opacas, côr faiança, cremosa.

Nem todos os animaes são atacados da mesma sorte por esta bacteria. Alguns animaes, como o gato e o coelho, parecem possuir uma certa immu-nidade; pelo contrario, a gallinha e os pombos são muito sensíveis á invasão da bacteria.

Esta segrega uma toxina solúvel, cuja acção so­bre o homem é comparável á d'um envenenamento chronico como o do alcool.

As culturas do micrococcus beribericus são alca­linas; teem quando velhas um cheiro especial, que lembra o dos doentes attingidos por esta doença. Es­tas culturas tomam muito difficilmente o Gramm, des-córam-se só muito lentamente pelo alcool e pela ace­tona; só tomam a reacção do Indol quando novas e em caldo.

O micrococcus beribericus encontra-se no homem e animaes quer vivos ou mortos.

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No homem vivo encontra-se no sangue, no tubo digestivo e no liquido cephalo rachidiano; também é frequente achar-se nos vómitos, escarros, matérias fecaes e mucosidades vaginaes.

Nos cadáveres apparece sempre associado com outros micróbios, devido á rapidez com que elles chegam á putrefacção nos paizes tropicaes.

Também nos diz Vivian Dangerfleld que este micrococcus parece ter uma acção directa e indirecta nas lesões anatomo-pathologicas d'esta doença. As­sim, as lesões endotheliaes das artérias, as embolias cerebraes e pulmonares, os infartos medullares, as tromboses e suas consequências, seriam devidas á sua acção directa. Pelo contrario, a acção pathoge-nica parece sei- indirectamente a consequência d'uma toxihemia nos casos de degenerescência dos tecidos do systema neuro-muscular, nas lesões dos diversos plexos e na proliferação polynevritica da bainha de Schwan.

Patrick Manson não tendo nunca encontrado, nas suas investigações, micro-organismo algum que po­dasse considerar como agente d'esta doença, diz-nos no seu tratado de Maladies des Pays chauds, que o béribéri é produzido por um gérmen, que não vive no organismo, mas no solo ou nas habitações dos paizes onde grassa esta doença.

Segrega uma toxina que, ingerida pelo homem, produz-lhe uma névrite análoga á produzida pelo alcool.

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A muitas outras causas tem sido attribuido o bé­ribéri, como: á malaria, ao escorbuto, ao parasita intestinal ankilostoma duodenal, a intoxicação arse-niacal, ao rheumatismo, á anemia, etc. ; causas que hoje estão por completo banidas do quadro etioló­gico da doença.

Symptomatologia

Distinguiremos na symptomatologia do béribéri três períodos: i.° o de incubação; 2.° o de invasão ou de estado; 3.0 o de separação ou de morte.

Período de incubação. — Tanto a duração como os primeiros symptomas d'esté período, são variáveis segundo os vários auctores, que consultamos para escrever o nosso trabalho.

O professor Gerrard considera a duração do pe­ríodo de cinco a quinze dias, e como primeiros sym­ptomas as perturbações digestivas e a febre de typo irregular.

Para Baelz este seria mais longo, estendendo-se de duas semanas a mezes.

Como acima dissemos, Gerrard considera a febre

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como um dos primeiros symptomas, encontrando-a em /6 % dos casos observados por elle.

Hoje, parece estar demonstrado pela maior parte dos auctores que o beribéri é uma doença apyretica. Se alguma vez apparece febre quer no começo quer na evolução d'esta doença, a sua causa deve ser pro­curada em outra qualquer doença que se desenvolva conjunctamente com o béribéri. Muitas vezes ella é devida ao impaludismo, tão frequente na zona onde existe o béribéri.

Na maior parte dos casos este período passa des­percebido, por as manifestações symptomaticas ap-parecerem bruscamente.

Vivian Dangerfield diz que os únicos podromas n'esta doença são um começo de insensibilidade e fraqueza nos membros inferiores e as perturbações digestivas.

Período de invasão ou de estado. — É n'este que a grande variedade de symptomas característicos da doença nos apparecem d'uma maneira mais ou me­nos intensa.

Começaremos pela descripção das perturbações digestivas, consideradas, conforme vimos, como um dos primeiros symptomas da doença. Estas são ca-racterisadas por anorexia, appetite caprichoso, dor epigastrica, augmentando por pressão na região py-lorica. O estômago geralmente apresenta-se dilatado; as digestões são difficeis e demoradas. Os vómitos são frequentes. Muitas vezes a ingestão de alimentos

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é seguida por sensações de calor, frio ou de dores surdas. D'ordinario existe diarrhea só ou alternada com períodos de constipação.

Um dos symptomas muito importante é a perda dos movimentos. Esta começa pelos membros infe­riores, podendo attingir todo o corpo. A doença pôde começar por um simples ataque de paresia, mas esta paresia pôde terminar muitas vezes n'uma paraple­gia total.

Os doentes começam por sentir nos membros in­feriores uma sensação de fraqueza e cançaço aná­loga á provocada por uma longa caminhada ; que se vae accentuando cada vez mais, assim como as do­res musculares, que, de leves a principio, se tornam violentas, augmentando por pressão, o que nos in­dica perturbações de sensibilidade muscular.

Ao mesmo tempo que estas perturbações de sen­sibilidade muscular, surge uma hyperesthesia cuta­nea, que se traduz por sensações de formigueiros e de queimaduras.

Os músculos vão-se atrophiando, começando esta amyotrophia pelos membros inferiores e n'estes pelos músculos da perna (solear, gémeos, peroneos late-raes e extensores). A desigualdade d'esta amyotro­phia, juntamente com a fraqueza que o doente sente nos membros inferiores, faz com que na marcha tome posições viciosas.

Assim, é vulgar desviar-se para dentro a ponta do grande artelho e para fora a face dorsal do pé. O doente para andar é obrigado a arrastar os pés

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como se marchasse dentro d'agua até aos joelhos. Muitas vezes precisa d'urh ponto de apoio.

Conforme a gravidade dos casos, estas perturba­ções estendem-se a todo o corpo, invadindo succes-sivamente o tronco, os membros superiores e a ca­beça. Quando as mãos são attingidas, também se deformam, tomando o aspecto de garras. O mesmo se dá na face, tomando os doentes uma physionomia característica, determinada pela paralysia do masse-ter e do levantador da aza do nariz e do lábio su­perior.

Estes phenomenos, como já dissemos, podem ir desde a diminuição dos movimentos até á sua perda completa. São devidos ás lesões de degenerescência dos nervos motores.

Mais symptomas existem devidos a perturbações nervosas, como a diminuição ou abolição dos refle­xos tendinosos; sensações extravagantes sentidas pe­los doentes nas mucosas, como as de calor, frio e formigueiros. Muitas vezes teem a illusão de terem a lingua cheia de cabellos. Na pelle nota-se por ex­ploração mecânica, calórica ou eléctrica, zonas de anesthesia e analgesia.

As perturbações cerebraes existem, ainda que ra­ramente; as faculdades psichicas são attenuadas.

Os doentes queixam-se de falta de memoria. A palavra torna-se difficil e pesada; comtudo, a

aphasia nunca foi notada. A emissão dos sons ás vezes é enfraquecida. As dores de cabeça são vulgares, tornando-se

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por vezes muito violentas. Nas formas agudas pôde haver delido.

A visão também pôde ser attingida, sendo fre­quente os casos de ambyolopia, estrabismo, dyplopia.

Outro symptoma importante, é o edema que ca­ractérisa a forma edematosa.

Localisado a principio nos malleolos e face dor­sal do pé, estende-se em seguida aos membros infe­riores, órgãos genitaes externos, onde pôde tomar proporções enormes, abdomen, thorax, membros su­periores e cabeça. Á medida que este edema se es­tende em superficie, vae infiltrando as camadas pro­fundas, o tecido cellular subcutâneo, os interstícios musculares e as bainhas dos feixes vasculo-nervo-sos; pôde chegar a attingir o myolema, o nevrilema e muitas vezes o periosseo.

O edema dos órgãos traduz-se por ascite, derra­mes pleuraes e pericardicos.

A serosidade d'esté é de côr branca ou levemen­te citrina, de reacção alcalina, contendo chloreto de sódio; é desprovida de albumina, fibrina, acido úrico e urêa.

Mecanicamente produz grandes obstáculos não só aos movimentos mas ainda á respiração ; e, como já dissemos, na mulher gravida ao mecanismo do parto.

Vivian Dangerfield diz que este edema parece ser devido á alteração dos nervos trophicos vascu­lares, que, compromettendo ou abolindo a tonicidade das paredes vasculares, deixam transsudar o soro sanguíneo.

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As palpitações cardíacas em regra são um sym-ptoma constante no béribéri.

O exame do coração revela-nos um augmento da zona de som basso, produzido pela sua hyper-trophia ou pelo derrame pericardico.

A ponta do coração encontra-se abaixada. Os ruidos cardíacos são irregulares e tumultuosos. É vulgar ouvirem-se sopros cardíacos, assim como o triplo ruído Silva Lima, caracterisado por um so­pro systolico, seguido ao desdobramento do segundo ruído.

O pulso é frequente, pequeno e fraco. A sua fre­quência não está em relação com a ausência dos phenomenos pyreticos, nem a sua fraqueza e peque­nez com as palpitações violentas que os doentes ex­perimentam.

As perturbações respiratórias também são muito frequentes. Pôde observar-se bronchite, tosse, .dys-pneia, orthopneia, signaes de edema pulmonar e pleu-resia.

Também se observam perturbações de innerva-Ção pulmonar. A cintura beriberica, phenomeno ca­racterisado por uma dyspneia intensa, dôr epigastri-ca, peso sobre o peito e construcção perithoraxica. Este phenomeno é assim denominado por produzir aos doentes uma sensação análoga á que teriam se tivessem o thorax apertado n'um colleté de ferro.

Também se observam pleurodynias, nevralgias intercostaes, espasmos da glotte e diaphragma.

Como perturbações urinarias nota-se geralmente

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uma diminuição no volume das urinas que pôde che­gar á anuria. Também se pôde notar polyuria nas formas edematosas, quando o edema está em via de desapparecimento.

As urinas são geralmente acidas; conteem indi­cai) e são desprovidas de albumina, glicose, acido úrico em excesso ou matos.

As sensações do gosto muitas vezes são perver­tidas.

As funcções genitaes são profundamente pertur­badas, a potencia genital é abolida.

A laryngite é também um symptoma frequente: é devida á paralysia das cordas vocaes e ao edema da glotte.

Período de separação ou de morte. — Nos casos de tendência para a cura, os symptomas vão-se atte-nuando gradualmente, mas a recuperação das func­ções perdidas ou simplesmente compromettidas é de ordinário lenta.

O doente pôde curar-se por completo, recupe­rando todas as suas funcções abolidas ou gravemen­te compromettidas; porém, casos ha em que algumas lesões ficam, como por exemplo, a dilatação do co­ração, ou a atrophia dos membros, com as deformi­dades correspondentes.

Comtudo, nunca se devem considerar completa­mente curados os indivíduos que contrahiram esta doença, por serem vulgares as recidivas.

Também é frequente apparecerem doenças inter-BÉRIBÉRI 3

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correntes durante a evolução do béribéri, que retar­dam geralmente a cura.

Nos casos fataes, a morte pôde sobrevir brusca­mente ou lentamente.

No primeiro caso é consequência d'uma syncope ou d'uma embolia.

Quando a doença termina lentamente, é por as­phyxia que geralmente se morre.

A dilatação cardíaca também é uma causa habi­tual da morte, assim como a laryngite.

Consideram-se como symptomas graves: a an-ciedade precordial intensa; a irregularidade, a fra­queza excessiva e a frequência do pulso; os ruidos tumultuosos do coração, a tachicardia, a hypother­mia, a persistência dos phenomenos asphyxicos, a anuria funccional e as perturbações nervosas bul-bares.

* *

Para não abrir novo capitulo, additarei aqui a classificação mais seguida da doença. Baseia-se no différente aspecto clinico que o béribéri toma, con­forme a predominância d'um symptoma ou d'um grupo de symptomas.

Assim, pôde o béribéri apresentar as seguintes formas clinicas: a edematosa ou hydropica, caracte-risada por predominarem os edemas d'uma maneira mais intensa; a. forma paralytica, atrophica ou secca

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em que sobresáem as alterações dos phenomenos sensitivos e motores ; a forma mixta, em que exis­tem simultaneamente os dois grupos de symptomas d'uma maneira intensa.

Comtudo, é vulgar o facto, d'uma forma se trans­formar n'outra.

Anatomia pathologica

Exame macroscópico. — O habito externo varia se­gundo a forma clinica da doença. Ou ha um emma-grecimento muito pronunciado, como na forma para­lytica; ou, pelo contrario, na forma hydropica todo o corpo se encontra edematisado, escoando-se ao corte uma quantidade enorme de liquido citrino.

Na cavidade craneana nota-se derrame intraven­tricular; as meninges espessas, hypermiadas, infiltra­das e inflammadas, principalmente a arachnoidea e a pia-mater. Esta adhere em alguns pontos á cama­da cortical do cérebro, que ás vezes é molle e friável.

A medulla espinal é igualmente congestionada e semeada de manchas echimoticas; ha hydrorachis.

O coração apresenta-se de côr de folha morta; sempre hypertrophiado ou dilatado, principalmente

S8

nas cavidades direitas, que conteem por vezes coa­lhos molles. É frequente encontrar-se placas de athe­roma na origem da aorta e derrame na cavidade pe-ricardica.

Os pulmões são infiltrados e engorgitados de san­gue negro.

A cavidade abdominal é séde d'uma ascite consi­derável se o beribéri toma a forma hydropica.

As mucosas estomacal, principalmente nas visi-nhanças do pyloro, e duodenal apresentam-se hyper-meadas, tumefactas, recobertas de mucosidades vis-ceraes e muitas vezes escoriadas, com focos hemor-rhagicos e zonas de descamação. O seu epithelio des-taca-se facilmente.

O fígado e baço podem hypertrophiar-se, mas ge­ralmente conservam-se normaes.

Os rins apresentam-se hypermiados e algumas vezes hypertrophiados.

A bexiga é normal. Os músculos encontram-se atrophiados e anemia-

dos. Certos nervos, como o sciatico e o pneumogas-

trico, apresentam-se augmentados de volume e aver­melhados por partes do seu trajecto.

Exame microscópico. — Os músculos encontram-se quasi que reduzidos ao sarcolemma; as fibras são reduzidas em numero, atrophiadas ; a estriação trans­versal desapparece, tomando o aspecto granuloso.

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As fibras cardíacas são atacadas de degeneres­cência gordurosa.

E no tecido nervoso que as lesões produzidas por o béribéri são mais intensas. Estas lesões encontram-se em todo o tecido nervoso.

As cêllulas nervosas da medulla são invadidas pela proliferação da nevroglia, soffrendo a degene­rescência granulo-gordurosa. A par das cêllulas assim modificadas encontram-se corpúsculos pseudo-amy-laceos; a transformação dos elementos essenciaes e accessorios em tecido de degenerescência e corpús­culos pseudo-amylaceos encontra-se generalisada a toda a medulla; cordões anteriores, lateraes e pos­teriores; cornos anteriores e posteriores. Notam-se também tanto na substancia cinzenta como na branca.

As lesões dos nervos pertencem á categoria de lesões de nutrição e lesões d'inflammaçao. As pri­meiras são caracterisadas pela fragmentação da bai­nha de myelina e sua infiltração de elementos amy-loides, pela destruição do cylindro eixo e hyperplasia da bainha de Schwan. As lesões inflammatorias são caracterisadas por uma hypertrophia notável de cer­tos nervos, pela hyperhemia e pela congestão do ne-vrilema.

Exame do sangue. — O sangue apresenta-se escu­ro, mais fluido e menos coagulavel. Os glóbulos ver­melhos encontram-se modificados, alterados e dimi­nuídos em numero; estes tomam a forma globulo-sa, espherica e ovóide.

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Algumas vezes apresentam-se dentados, canela­dos, etc., e muito mais pequenos que no estado nor­mal.

Os glóbulos brancos são augmentados em nume­ro; encontram-se leucocytos mono e polynucleares, eosinophils e neutrophilos. A sua actividade ami­lóide é sensivelmente augmentada. O sangue contém menos fibrina que normalmente.

Diagnostico

De ordinário o diagnostico do béribéri não é dif-flcil. Em geral a doença apresenta-se com um ou mais dos seus symptomas característicos. Casos ha em que se torna mais difficultoso, como nas formas frustes, nas esporádicas ou ainda n'aquellas em que os symptomas d'uma doença intercurrente venha mascarar os do béribéri.

Com muitas doenças foi confundido o béribéri : o lathyrismo, o ergotismo, a pellagra, a trichinose, o mixoedema, o rheumatismo, o impaludismo, etc. ; po­rém estas teem uma symptomatologia e uma etiolo­gia tão différente, que não é fácil haver confusão no seu diagnostico.

Passaremos em revista algumas das doenças com que o béribéri se pôde confundir.

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Tabes dorsalis. — A marcha do tabetico diffère notavelmente da do béribérico. O primeiro, quando caminha, lança a perna ao acaso, d'uma maneira brusca, deixando-a em seguida cahir fortemente no chão sobre o calcanhar. O segundo tem um andar arrastado : parece que não pôde com as pernas. No tabes, os músculos dos membros inferiores não são atrophiados; existem perturbações de bexiga; a abo­lição dos reflexos tendinosos é mais vulgar; a evo­lução d'esta doença é mais lenta.

Myélites. — A integridade dos esphingteres, as dores ao longo dos membros inferiores e não no ra-chis, a apyrexia e a desigual repartição das pertur­bações motoras predominando sobre os músculos ex-tensores, são phenomenos que afastam um diagnos­tico de myélite.

Polynévrite alcoólica. — Pela historia do doente, pela ausência de edema e de perturbações respirató­rias, estabelece-se o diagnostico differencial entre esta doença e o béribéri.

Amyotrophia Aran-Duchene. — Diffère do béribéri em esta amyotrophia começar pelos músculos da mão, invadindo em seguida os do ante-braço, braço, espádua, lingua, lábios e músculos da pharyngé. No béribéri estas perturbações trophicas começam pelos membros inferiores.

Amyotrophia Vidpian. — Começa pelos músculos da raiz dos membros. No béribéri são os músculos das extremidades dos membros inferiores os primei­ros attingidos.

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Amyotrophia de Zimmerlin. — Diffère do béribéri por se localisai- exclusivamente na parte superior do corpo.

Amyotropliia Charcot-Marie. — Differencia-se do béribéri por saltar dos membros inferiores aos supe­riores.

A forma hydropica do béribéri não se confun­dirá com as hydropisias albuminuricas, nem com a hydropisia epidemica dos paizes quentes. Nos albumi-nuricos basta a presença da albumina nas urinas para fazer o seu diagnostico. Na segunda, o edema tem uma evolução différente da do béribéri : o baço é au-gmentado de volume ; a face toma o aspecto erythe-matoso, o tronco e os membros o aspecto rubeolico, devido a um exanthema que se desenvolve passa­dos poucos dias depois do apparecimento do edema.

Prognostico, duração e marcha

0 prognostico do béribéri deve ser sempre reser­vado, mesmo nos casos mais benignos. E uma doen­ça frequente em surprezas; as recidivas e as recahi-das são vulgares.

D'uma maneira geral, o prognostico d'esta doença está em relação com a intensidade e a rapidez, com que os seus principaes symptomas se manifestam.

Assim, a irregularidade, a fraqueza excessiva e a frequência do pulso, a anciedade precordial intensa, os ruidos tumultuosos do coração, a tachicardia, o abaixamento continuo de temperatura, a persistência dos phenomenos asphyxicos, a marcha rápida de ede­mas, urinas raras e avermelhadas e as perturbações nervosas do bolbo, são d'um mau prognostico.

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Certas doenças anteriores mal tratadas, como a syphilis, etc., concorrem para uma terminação fatal.

A mortalidade média d'esta doença, segundo Ger-rard, é de 26,7 °/n.

O béribéri pôde apresentar uma marcha aguda ou chronica. A duração dos casos agudos seria, se­gundo as estatísticas de Vivian Dangerfield, de 29 dias na forma edematosa, de 135 dias na forma mixta e de 39 dias na forma paralytica.

Muitos auctores consideram ainda casos de béri­béri galopante, tendo uma marcha superaguda; a duração n'estes casos seria de horas a poucos dias.

Nas formas chronicas a duração pôde estender-se de mezes a annos ; durante este período os seus sym-ptomas teem alternativas de remissão e exacerbação.

Tratamento

Dividiremos o tratamento do béribéri em geral e symptomatica

O tratamento geral consiste em collocar os doen­tes nas melhores condições hygienicas, dando-lhes uma habitação bem ventilada, saneada, collocada em logar secco, e uma alimentação variada, rica em azote e gordura. Como as perturbações digestivas são phenomenos vulgares na evolução d'esta doença, deve escolher-se uma alimentação que, em pequena massa, contenha uma grande proporção de azote e gordura; como os ovos, carne, leite, etc.

Outra indicação a seguir é mudar o doente de logar. São conhecidos os casos de cura ou de me­lhora, obtidos por indivíduos que contrahiram esta doença nos paizes tropicaes, mudando-se para outros mais temperados.

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Segundo o dr. Silva Lima, basta transferil-os para um logar secco, com uma certa altitude e nas visi-nhanças do mar.

Diz Patrick Manson, baseado na sua theoria, que deixar um béribérico no logar onde contrahiu a doença, é expôl-o a continuar a absorver a toxina geradora da doença; é o mesmo que deixai- beber alcool a um doente atacado de névrite alcoólica.

Quando esta doença apparece em qualquer esta­belecimento, em que haja agglomeração de indiví­duos, como escolas, prisões, navios, etc., deve-se proceder a uma desinfecção rigorosa d'estes, antes de novamente serem occupados; á melhoria da ali­mentação dos indivíduos que ahi residem; ao isola­mento dos béribéricos e á desinfecção de todos os seus utensílios.

Hoje, ainda que não esteja provada a sua origem microbiana, está demonstrado que o beribéri é uma doença endémica, contagiosa e que em certas condi­ções de meio se pôde tornar epidemica. Que a ali­mentação de má qualidade ou insufficiente, a hu­midade atmospherica, as habitações mal ventiladas, etc., são factores accessorios que actuam por enfra­quecimento, tornando os indivíduos mais aptos a contrahir esta doença.

Muitos medicamentos teem sido indicados no tra­tamento do beribéri, como em geral acontece com todas as doenças para as quaes ainda não foi des­coberto o remédio especifico.

Os tónicos e estimulantes (a quina, o ferro, a es-

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trychnina, o arsénio, a kola, o phosphoro, o mercú­rio, etc.), teem sido os mais indicados.

Ainda hoje alguns d'estes são usados, como o cacodylato de soda em injecções hypodermicas, só ou associado com estrychnina e citrato de ferro.

O dr. Dodds diz ter tirado resultados satisfactorios com as injecções intra-musculares de permanganato de potássio.

O nitrato de prata também tem dado alguns re­sultados, tomado internamente.

Segundo Gerrard e Braddon, o emprego do mer­cúrio e estrychnina, como tratamento geral, são pre-judiciaes.

O emprego do ferro é inoffensivo, tornando-se benéfico nos casos de anemia.

O tratamento deve ser puramente symptomatico. Assim, se as perturbações digestivas predomi­

nam, estão indicados os desinfectantes intestinaes (sa-lol, naphtoes, salycilatos, etc.), o bicarbonato de soda, a pepsina, os carminativos, etc. Se ha diarrhea, dão-se os compostos de bismutho, etc. Nos casos de constipação estão indicados os laxantes. Quando são os edemas que predominam, recorre-se aos diuréti­cos, como o sulfato, azotato ou tartarato de potas­sa, a theobromina, a digitalis, a scilla, etc. ; aos pur­gantes salinos, a jalapa, a escamonea, etc.; e aos diaphoreticos, como a pilocarpina.

Os banhos de vapor e eléctricos, assim como a massagem, teem dado bons resultados.

Se existem grandes derrames, que perturbem as BÉRIBÉRI 4

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funcções respiratórias ou cardíacas, deve-se proceder á sua evacuação.

Para as perturbações circulatórias, empregam-se os tónicos cardíacos, como a digitalis e o estrophan-tus; as inhalações de nitrito de amylo e d'oxygenio far-se-hão se ha dispnèa intensa.

Nos casos de phenomenos paralyticus emprega-se o arsénio, a estrychnina, assim como a massagem, as douches, as fricções seccas ou com líquidos estimu­lantes, o vinagre aromático, a terebenthina, etc.; as correntes eléctricas faradicas ou contínuas.

Na laryngite, symptoma também frequente, são indicados os collutorios de glycerina com tannino, borax, acido phenico, etc.

Como se vê, o tratamento racional etiológico do béribéri ainda hoje é desconhecido.

OBSERVAÇÃO

(Béribéri, forma mixta)

S. F . . ., 31 annos, solteiro, commerciante. Antecedentes hereditários. — Paes vivos e saudá­

veis ; tem três irmãos, todos saudáveis. Antecedentes pessoaes. — Em creança teve saram­

po; aos 19 annos contrahiu a syphilis; aos 22 annos teve uma anemia e impaludismo, no Alemtejo. Na Africa foi atacado outra vez pelo impaludismo e teve uma biliosa.

Historia da doença. — Conta o doente que, du­rante a sua estada n'Africa nos fins do anno de 1904, começou a sentir-se muito fraco, cançando bastante quando fazia qualquer esforço. Passados dias come-çaram-lhe a inchar os pés. Esta inchação, depois de estacionaria alguns dias, começou a invadir-lhe suc-cessivamente os membros inferiores, abdomen, tho­rax, membros superiores e cabeça. Perdeu o appetite, sentia grande peso no estômago; as digestões eram demoradas, tendo muitas vezes vómitos. Tinha gran­de difficuldade em respirar e sentia fortes palpitações

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cardíacas. Entrou n'este estado para o hospital de Loanda, continuando a peorar; ahi começou a ter difficuldade em fazer movimentos com os membros, chegando a ficar paralytico. Sentia grandes dores em todo o corpo, sendo preciso estarem sempre a mu-dal-o de posição. As dores de cabeça eram tão vio­lentas, que foi necessário administrar-lhe diversos re­médios para as acalmar. N'esta occasião esteve uns dias que não via, perdendo também a memoria. Con­ta o doente que, quando entrou para este hospital, espetaram-lhe agulhas nos membros para experimen­tarem a sensibilidade, não sentindo dôr alguma. Es­teve cincoenta e sete dias n'este hospital, embarcando em seguida para Lisboa por consulta do medico. Du­rante a viagem, que durou trinta dias, começou a melhorar, não só dos edemas, que diminuíram, mas também das dores, que se tornaram muito menores. Também começou a mexer os braços e a alimentar-se melhor, desapparecendo por completo os vómitos.

Chegado a Lisboa entrou para o Hospital Colo­nial, onde esteve quarenta e cinco dias. Continuou a melhorar ainda que muito lentamente. Os edemas desappareceram por completo, as palpitações cardia-cas e a difficuldade em respirar diminuíram muito. Os membros inferiores é que continuavam paralysa-dos, e a falta de memoria persistia.

Para nos explicar esta falta de memoria, conta o doente que muitas vezes se esquecia de ter comido ; também não se lembrava dos nomes dos objectos que queria.

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Exame do doente. — Quando examinamos este doente, já tinha decorrido mais d'um mez da sua sahida do Hospital Colonial. Este apresenta-se bas­tante magro, de côr pallida. Marcha com bastante difficuldade, arrastando os pés e apoiado a uma ben­gala. Já não apresenta edemas; os músculos das pernas estão um pouco atrophiados. Os reflexos ro-tulianos estão diminuídos. Não se queixa de dores. Sente ainda bastante fraqueza nos membros inferio­res. O estômago está dilatado. A ponta do coração bate no quinto espaço intercostal.

Por auscultação ouve-se um ligeiro sopro pre-systolico mais perceptível na ponta.

A temperatura é normal, e o pulso marca 87 pul­sações por minuto.

Hesita ao pronunciar o nome d'alguns objectos, não se lembrando algumas vezes dos nomes d'elles.

Diz não sentir já palpitações nem difficuldade res­piratória.

* * *

Por informações, soube que este doente tem me­lhorado consideravelmente, achando-se mais forte e marchando sem difficuldade.

BIBLIOGRAPHIA

— Pekelharing and Winkler. Beri-beri (Recher­ches concernings its nature and cause and the means of its arrests). Londres, 1893.

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— P. N. Gerrard. Beriberi (An essay). Londres, 1904.

— Vivian Dangerfîeld. Le Beriberi. Paris, 1905. — J. B. de Lacerda. Etiologia e genesis do beri­

beri. Rio de Janeiro, 1884.

PROPOSIÇÕES

Anatomia.— O principal meio de fixação do utero, é o musculo levantador do anus.

Physiologia.— A acção da saliva sobre os alimentos é mais physica que chimica.

Pathologia geral.—Considero o béribéri como uma doen­ça microbiana.

Materia medica.— O ópio é a substancia mais impor­tante em materia medica.

Anatomia pathologica. — A prova d'agua, como meio de apreciação de insuficiência valvular, não é segura.

Medicina operatória.— Na amputação do seio, prefiro o methodo de Halstad ao de Chalot.

Pathologia cirúrgica. — Nos traumatismos da parede abdominal, a integridade da pelle nada nos mostra sobre as lesões dos órgãos contidos na cavidade abdominal.

Pathologia medica. — O melhor tratamento da tubercu­lose pulmonar é o hygienico.

Partos. — Nas rupturas do pei ineo a pei ineorraphia deve ser immediata ao parto.

Hygiene. — Condemno o internato nos collegios.

Medicina legal. —A morte súbita é muitas vezes um pro­blema insolúvel em medicina legal.

Visto. Pode imprimir-se. o>Aiacjo d'â'lmeica, íDIcotao Qcitdas,

Presidente. Director.

ERRATAS

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H i3 splanchnicas esplanchnicas 23 2 eliminando eliminando-se 25 2 cephalo rachidiano cephalo-rachidiano ■ 23 chands chauds

27 3 separação reparação 33 i5 separação reparação 38 10 e duodenal e a duodenal » 12 visceraes viscosas