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KALLIL LANDIOSI DIB JORNALISMO LITERÁRIO: A POESIA NOS TEXTOS JORNALÍSTICOS Assis 2012

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KALLIL LANDIOSI DIB

JORNALISMO LITERÁRIO: A POESIA NOS TEXTOS

JORNALÍSTICOS

Assis

2012

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KALLIL LANDIOSI DIB

JORNALISMO LITERÁRIO: A POESIA NOS TEXTOS

JORNALÍSTICOS

Trabalho de Conclusão do Curso de Comunicação

Social, com Habilitação em Jornalismo, do Instituto

Municipal de Ensino Superior de Assis – IMESA,

como requisito parcial à obtenção da Graduação.

Orientando: Kallil Landiosi Dib

Orientadora: Drª. Márcia Valéria S. Carbone

Assis

2012

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FICHA CATALOGRÁFICA

Dib, Kallil Jornalismo Literário: a poesia nos textos jornalísticos / Kallil Landiosi Dib. Fundação Educacional do Município de Assis – FEMA - Assis, 2012. 46p. Orientadora: Márcia Valéria S. Carbone. Trabalho de Conclusão de Curso – Instituto Municipal de Ensino Superior de Assis – IMESA.

1. Jornalismo. 2. Literatura

CDD:070 Biblioteca da FEMA

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JORNALISMO LITERÁRIO: A POESIA NOS TEXTOS JORNALÍSTICOS

KALLIL LANDIOSI DIB

Trabalho de Conclusão de Curso

Apresentado ao Instituto Municipal

de Ensino Superior de Assis, como

requisito do Curso de Graduação,

analisado pela seguinte comissão

examinadora:

Orientadora: Márcia Valéria Seródio Carbone

Analisadora (1): Eliane Aparecida Galvão

ASSIS

2012

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à minha família, que a cada sorriso e palavra de

incentivo, me fez acreditar que os meus sonhos fossem se realizar. E aos

companheiros jornalistas, que estiveram comigo em todos os momentos de

indecisões e expectativas durante a graduação.

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AGRADECIMENTOS

À professora Márcia Valéria Seródio Carbone, pela orientação e pelo

constante estímulo transmitido durante o trabalho.

Agradeço à minha banca examinadora e professora, Eliane Aparecida

Galvão, pelo conhecimento passado durante o curso e dicas valiosas para a

conclusão da monografia.

Aos amigos jornalistas: Patrícia Dias, Marcos Smania, Renato Piovan,

Nestário Luiz, Diego Faustino, Bruce Monteiro e Ítalo Luiz, pelo acolhimento

durante o período de estudos e competência compartilhada, e a todos que

colaboraram direta ou indiretamente na execução deste trabalho.

Aos familiares: pais, irmã, tios, primos e avós, por sempre me estimularem a

nunca desistir, e a cada sincero sorriso fazer eu me orgulhar por ter escolhido

a profissão da minha vida.

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A persistência é o menor caminho do êxito.

Charles Chaplin

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RESUMO

Este trabalho de conclusão de curso tem por objetivo apresentar o jornalismo literário, como ele é empregado nos dias atuais, assim como em anos e séculos passados. O que é o jornalismo literário, quais são suas vertentes e perspectivas? Como a poesia está presente no jornalismo, assim como ela pode ser criada em textos jornalísticos. Apresentamos, então, a realidade do jornalismo literário, desde sua pré-existência, no século XIX, até a sua reconstrução na década de 1960. Como a literatura foi importante nos jornais e revistas da época. Quais foram os principais autores e obras publicadas. Demonstramos também como o jornalismo literário rompe as correntes do lead e se transforma numa importante saída do comodismo e matérias sem conteúdo. Entramos nos méritos do autor Felipe Pena, que, em sete imprescindíveis tópicos, descreve o jornalismo literário. As crônicas também fazem parte desse universo literário. Começando com renomados autores e poetas brasileiros, que em suas épocas, disseminavam a cultura literária, com textos críticos, descritivos e poéticos aos leitores. Observamos e analisamos três crônicas de Moacyr Scliar, publicadas no Jornal Folha de São Paulo, e detectamos características literárias modernas. São textos poéticos, com uma dose de sarcasmo e crítica, mas com literariedade. Vamos analisar a crônica em geral, como ela é empregada e trabalhada atualmente, para isso, vamos analisar uma das obras primas da crônica moderna, do autor Rubem Braga, o texto “O meu ideal seria escrever...”. Palavras-chave: literatura, poesia, jornalismo literário, crônica.

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ABSTRACT This course conclusion work aims to present the literary journalism, as it is used today, as well as years and centuries past. What is literary journalism, what are its dimensions and perspectives? As poetry is present in journalism, as it can be created in journalistic texts. We present, then, the reality of literary journalism, from its pre-existence in the nineteenth century, until its reconstruction in the 1960s. As the literature was important in newspapers and magazines. What were the main authors and published works. We demonstrate also how the literary journalism breaks the chains of lead and becomes an important output of indulgence and materials without content. We enter upon the merits of the author Felipe Pena, who in seven essential topics describes the literary journalism. The chronicles also part of this literary universe. Starting with renowned authors and poets Brazilians, in their times, disseminated literary culture, with critical texts, readers descriptives and poetical. We observe and we analyze three chronics Moacyr Scliar, published in the newspaper Folha de São Paulo, we detected features of modern literature. The texts are poetics, with a dosage of sarcasm and criticism, but with literariness. Let's analyze at the chronicle in general, as she is currently maid and crafted today, for that, let's analyze at one of the masterpieces of modern chronicle, the author Rubem Braga, the text "My ideal would be to write...”. Keywords: literature, poetry, literary journalism, chronic.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................... 11

1. JORNALISMO, LITERATURA E POESIA ............................................ 12

1.1 JORNALISMO: A ORIGEM E A POESIA ............................................ 14

1.2 JORNALISMO LITERÁRIO: A POESIA NOS TEXTOS

JORNALÍSTICOS ...................................................................................... 17

1.3 O JORNALISMO LITERÁRIO, A ESTRELA DE SETE PONTAS ........ 18

2. CRÔNICAS LITERÁRIAS ..................................................................... 21

2.1 CRÔNICAS DE MACHADO DE ASSIS E JOSÉ DE ALENCAR ......... 22

2.2 CRÔNICAS DE JOSÉ DE ALENCAR ................................................ 23

2.3 MOACYR SCLIAR .............................................................................. 24

2.4 CRÔNICAS LITERÁRIAS DE MOACYR SCLIAR .............................. 25

3. A DEFINIÇÃO DA CRÔNICA .............................................................. 31

3.1 MEU IDEAL SERIA ESCREVER ........................................................ 33

CONCLUSÃO .......................................................................................... 37

REFERÊNCIAS ........................................................................................ 39

ANEXO ..................................................................................................... 40

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INTRODUÇÃO

O objetivo central deste trabalho é mostrar que o jornalismo literário é uma

vertente que deve ser explorada pelos profissionais da comunicação e

espectadores. Além da informação, esse gênero permite um entendimento sobre os

gestos, cenas e características físicas do personagem, fazendo com que o receptor

vivencie e humanize a reportagem em questão.

Atualmente, há uma concentração ideológica no mercado comunicacional, de

que a notícia tem que ser breve em um menor espaço possível, assim, o jornalismo

literário, que tem caráter de produzir conteúdos mais aprofundados e poéticos, perde

o seu espaço na mídia convencional.

Porém, autores ainda defendem a literatura e o jornalismo. Como Felipe

Pena, que consegue descrever o jornalismo literário em imprescindíveis itens, e

exalta maneiras para fugir do comodismo do mercado convencional.

A palavra é, talvez, a principal arma que o profissional da comunicação possui

para atingir o seu público. No jornalismo literário, essa arma se multiplica, pois as

citações e frases lançadas ao espectador têm o objetivo de colocá-lo dentro da cena

para ele ver o personagem e sentir o ambiente retratado, antes da informação.

Nesse sentido, o leitor/espectador do texto é considerado como um receptor que

pode, ao interpretar o que se expõe, atuar de maneira ativa para a construção do

sentido desse mesmo texto jornalístico-literário.

Neste trabalho de conclusão de curso, serão expostas publicações literárias,

além de nos aprofundarmos no universo das crônicas, analisando importantes

autores brasileiros, como José de Alencar, Machado de Assis e Moacyr Scliar.

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1. Jornalismo, literatura e poesia

“Não há poesia sem um complexo de imagens e

um sentimento que o anima.”

Benedetto Croce - Historiador e filósofo italiano

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1. JORNALISMO, LITERATURA E POESIA.

O texto jornalístico atual e rotineiro é uma concentração de informações e

ideias levadas ao consumidor com uma proposta de identificar personagens, fatos e

teorias relevantes ao consumo.

Portanto, o conceito de absolutismo empregado nos textos jornalísticos,

escritos e falados, se evidencia cada dia mais, de maneira camuflada ao espectador,

ou seja, os meios de comunicação não dão espaço para questionamentos e outras

ideias de seus espectadores, doutrinando a sociedade através da notícia. As frases

curtas e citações abreviadas são as principais características encontradas nas

matérias jornalísticas atuais, assim, não localizamos variedades de textos

jornalísticos, como era comum em outras épocas, e ficamos presos ao lead e ao

jornalismo factual, o jornalismo baseado em fatos, com conteúdos rápidos e

explicativos.

Para atingir o público, as empresas e profissionais da comunicação se

buscam adequação ao mercado e ao anseio da sociedade em receber a informação

rapidamente. Com isso, os diversos gêneros jornalísticos são esquecidos,

principalmente o jornalismo literário, que tem caráter de produzir reportagens mais

profundas e detalhistas, fazendo com que o receptor dedique mais tempo e atenção

ao conteúdo transmitido.

Na sociedade atual, a leitura não faz parte do cotidiano, com o avanço da

internet, por exemplo, a notícia que é transmitida rapidamente, assim como em

tabloides, ganha mais espaço, pois quanto menor o texto, mais leitores vão ter

acesso.

O universo da comunicação está no epicentro dos fenômenos sociais, econômicos e tecnológicos que sacodem a humanidade nessa transição de milênios. A mídia é o canal que veicula e transporta a ideologia da nova era, o neoliberalismo, mas também é alvo desse processo de transformações. O jornalismo, em particular, é a linguagem que codifica e universaliza a cultura hegemônica e legitima a lógica do mercado. Os jornais, telejornais, radiojornais, e net-jornais pulverizam os signos e ícones da nova era, desenvolvendo um novo estagio no processo de colonização cultural mundial, principalmente em relação as nações periféricas. O mercado tornou-se referencia e paradigma, liberalizando os dogmas que sustentavam os mitos e ritos. Na verdade, o

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neoliberalismo transformou o mercado em uma espécie de “totem social”, para onde convergem os anseios e as expectativas da sociedade. (MARSHALL, 2003: p. 23)

O Jornalismo literário rompe as correntes do lead, uma técnica criada no

século XX, com o intuito de dar mais objetividade à imprensa, assim, o primeiro

parágrafo de uma matéria jornalística deveria, necessariamente, conter as respostas

de seis fundamentais perguntas: Quem? O quê? Como? Onde? Quando? Por quê?

Se por um lado, com essa técnica, o jornalismo ficou mais ágil e

compreensível, por outro, perdeu a sua essência de produção, e a prática literária

perdeu o seu espaço. As matérias ficaram menos criativas, e mais objetivas, porém

perderam-se o gosto de se aprofundar em personagens e das técnicas romancistas

de se transmitir a notícia.

O jornalismo literário é uma alternativa para se sair do mundo de espetáculo e

futilidades que o mercado da comunicação vive. Revistas, tabloides, conteúdos

televisivos e outros meios de comunicação, expõem métodos para atrair a audiência

e conseguir patrocinadores rentáveis, e acabam massacrando a opinião publica,

doutrinam os espectadores, rebaixando o jornalismo responsável.

1.1 JORNALISMO: A ORIGEM E A POESIA

Há um grande contrassenso sobre a origem do jornalismo. Para muitos ele

tem suas primeiras características na pré-história, com a comunicação oral e de

sinais, porém para alguns pesquisadores o jornalismo tem o seu começo já com

características modernas, no século XVIII e XIX, quando começam os jornais

periódicos, com conteúdos atualizados, publicidade e escritores comprometidos em

transmitir a notícia.

O jornalismo consiste em uma das atividades mais antigas, ainda na pré-

história, quando os homens vigiavam seus hábitats, descobriam alguns utensílios

que poderiam ser úteis, ou reuniam o seu clã para se comunicarem sobre seus

inimigos e guerras que poderiam enfrentar. Ou seja, isso já poderia ser chamado de

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informação, orientação e entretenimento entre os tais habitantes, os componentes

básicos do jornalismo.

Para mim, a natureza do jornalismo está no medo. O medo do desconhecido, que leva o homem a querer exatamente o contrário, ou seja, conhecer. E assim, ele acredita que pode administrar sua vida de forma mais estável e coerente, sentindo-se um pouco mais seguro para enfrentar o cotidiano aterrorizante de seu meio ambiente. Mas, para isso, é preciso transpor limites, superar barreiras, ousar. Entretanto, não basta produzir cientistas e filósofos, ou incentivar navegadores, astronautas e outros viajantes a desbravar o desconhecido. Também é preciso que eles façam relatos e reportem suas informações a outros membros da comunidade que buscam a segurança e a estabilidade do “conhecimento”. A isso, sob certas circunstâncias éticas e estéticas, posso chamar jornalismo. (PENA, 2008: p. 25)

Como exemplifica Felipe Pena, no livro Jornalismo Literário, nada seria tão

real e possível se não fossem os emissores de notícias, ou seja, pessoas engajadas

em escrever e transmitir os fatos, relatando-os para a sociedade.

Assim, podemos definir o jornalismo como uma consequente batalha por

espectadores. Atualmente, a transmissão rápida da notícia e a tentativa de ser o

primeiro veículo a publicar tal matéria, acabam rotulando o jornalismo como um

processo comunicativo não confiável, devido à pouca apuração dos fatos. Com isso,

o jornalismo sério e responsável, aquele com maior produção e tempo para a

veiculação de notícias acaba se extinguindo.

O jornalismo, independente de qualquer definição acadêmica, é uma fascinante batalha pela conquista das mentes e corações de seus alvos – leitores, telespectadores ou ouvintes. Uma batalha geralmente sutil e que usa uma arma de aparência extremamente inofensiva – a palavra, acrescida, no caso da televisão, de imagens. (ROSSI, 1994: p.8)

E como exemplifica Clóvis Rossi, essa ‘batalha’ doutrina os espectadores,

que não têm informações sobre outras alternativas de comunicação, como o

jornalismo literário, por exemplo. Com o avanço das tecnologias isso se evidencia e

faz com que o mercado da informação caia em desrespeito. As notícias são rápidas

e muitas vezes mal elaboradas, tanto por fontes quanto por profissionais.

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O público não tem acesso a reportagens de caráter mais aprofundado, que

transmite a notícia com mais tempo e produção, como acontece no jornalismo

literário.

Na crônica, publicada nos jornais Jornal de Assis e Jornal Voz da Terra, no

dia 25 de maio, de autoria deste pesquisador, exemplifica-se a falta que faz a poesia

no cotidiano das pessoas: o porquê de acabarem os romances e se esquecerem dos

poetas:

Faltam poesias e amor, o resto é delírio

Está faltando poesia. Morreram os romancistas, e nem sequer deixaram descendentes.

Os loucos silenciaram como Bandeira. E o mundo se desfez, com Pasárgada. Quintana não

mais amou. Mário de Andrade se calou. E Clarice, ah Clarice.

A prosa linda se foi junto com Vinícius, as frases de carinho, típicas de Cecília, se perderam.

E de Meireles, que saudades.

Está faltando paixão. Aquela que Oswald delineava. A paixão que se aclamava, na semana

de 22.

Falta a magia, a fala poética, a nudez atrevida. O olhar de veraneio, a casa vazia, a chuva

caída.

Que saudades de Drummond, e suas rimas de amor: “Amor é primo da morte, e da morte

vencedor, por mais que o matem (e matam), a cada instante de amor”.

Acabou-se. Morreram os bardos, e com eles o mundo. E de Neruda, o mundo não tem mais

nada.

Fernando Pessoa: “Porque quem ama nunca sabe o que ama. Nem sabe por que ama, nem

o que é amar” Se foi o amor, e também a sua prosa.

Os amantes e cantores se perderam nas lembranças. Chico, Caetano, Caymmi...

Está faltando poesia. Morreram os romancistas, e nem sequer deixaram descendentes, se

foram os sãos e ficaram os delirantes.

E de pensar que Fernando era o romântico, que se palpava, e aclamava o amor. E pensar

que ele se foi e deixou no tempo as dicas de uma vida, palavras, coração, e amor:

“Se perder um amor... não se perca!

Se o achar... segure-o!

Circunda-te de rosas, ama, bebe e cala.

O mais... é nada.”

Está faltando poesia, e mais nada.

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1.2. JORNALISMO LITERÁRIO: A POESIA NOS TEXTOS JORNALÍSTICOS

O jornalismo literário é uma das maneiras mais viáveis para o profissional da

comunicação fugir do comodismo, ou seja, sair do mercado de plena publicidade e

informações rápidas, curtas e sem conteúdos confiáveis. Ele faz com que as

reportagens sejam produzidas mais calmamente, originando técnicas romancistas,

como exemplificar olhares, gestos e momentos de um entrevistado, fazendo o leitor

vivenciar o fato.

Para o jornalista literário, o texto deve ser amplo e com conteúdo, aquele que

prende o leitor, não apenas em um livro reportagem, mas rompendo as barreiras do

lead em uma matéria jornalística.

O jornalista literário não ignora o que aprendeu no jornalismo diário. Nem joga suas técnicas narrativas no lixo. O que ele faz é desenvolvê-las de tal maneira que acaba constituindo novas estratégias profissionais. Mas os velhos e bons princípios da redação continuam extremamente importantes, como, por exemplo, a apuração rigorosa, a observação atenta, a abordagem ética e a capacidade de se expressar claramente, entre outras coisas. (PENA, 2008: p. 25)

A poesia nos textos jornalísticos é uma maneira de entreter o público, seja em

matérias produzidas ou com um conteúdo sintético e analítico, deixa o texto

romântico e de fácil compreensão. Poetas e grandes escritores como Carlos

Drummond de Andrade, Gabriel Garcia Marques, Mario Quintana e Machado de

Assis, têm em suas mais importantes obras a poesia.

Como disse Mario Quintana, em um dia qualquer, "Se alguém te perguntar o

que quiseste dizer com um poema, pergunta-lhe o que Deus quis dizer com este

mundo." Tanto na literatura como no jornalismo a poesia se refaz, se distingue de

outras técnicas e transforma o texto em um ambiente para o leitor, mais do que

qualquer outra matéria de um jornal.

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1.3 O JORNALISMO LITERÁRIO, A ESTRELA DE SETE PONTAS

O jornalismo literário se evidenciou no Brasil na década de 60, com alguns

autores e publicações que tinham como caráter produzir reportagens mais

elaboradas, com técnicas que faziam o leitor entrar na história relatada. Os olhares e

gestos do entrevistado eram narrados de maneira simples com uma linguagem

diferenciada, prendendo a atenção do público. Os conteúdos eram produzidos como

ensaios, reflexões e com um estilo jamais visto no país.

O jornalismo literário aperfeiçoou-se. Adquiriu, digamos, maior autoconsciência. Não podia ser diferente. Mais que uma técnica narrativa, o JL é também um processo criativo e uma atitude nos quais não cabem fórmulas, esquemas ou grupismos. São esses fatores que o projetam, hoje, como alternativa para arejar os conteúdos de jornais e revistas, principalmente, mas também de documentários audiovisuais, radiofônicos e até sites. (VILLAS BOAS, 2001: p. 42)

Não podemos classificar o jornalismo literário apenas como uma maneira de

fugir das técnicas jornalísticas, produzirem livros reportagem ou entreter o público

com uma linguagem diferenciada.

O jornalista literário consegue ultrapassar limites, transpor barreiras,

proporcionar amplas visões sobre assuntos do cotidiano, garantindo a profundidade

da notícia, fazendo com que o jornal sirva para algo a mais na vida do leitor.

O jornalista rompe com duas características básicas do jornalismo contemporâneo: a periodicidade e a atualidade. Ele não está mais enjaulado pelo deadline, a famosa hora de fechamento do jornal ou da revista, quando inevitavelmente deve entregar a sua reportagem. E nem se preocupa com a novidade, ou seja, com o desejo do leitor em consumir os fatos que aconteceram no espaço de tempo mais imediato possível. Seu dever é ultrapassar estes limites e proporcionar uma visão ampla da realidade (PENA, 2008)

Porém, não se deve entender como ampla visão um vasto conhecimento do

mundo, ou seja, qualquer abordagem de qualquer assunto vai ser uma interpretação

e nunca passará de um recorte. O jornalismo literário, portanto, interpreta e

contextualiza a informação da maneira mais abrangente, o que é impossível no curto

espaço de um jornal.

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Felipe Pena, fala em jornalismo literário como uma estrela de sete pontas,

algo que deve ser exercido pelos profissionais especialistas nesse conceito, sete

imprescindíveis itens para exercer o jornalismo literário.

A primeira ponta da estrela consiste em potencializar os recursos do

jornalismo, ou seja, usar o que se aprende na formação como uma base para

exercer o jornalismo literário. A segunda ponta da estrela, segundo Pena, é não se

prender às periodicidades e atualidades, ou seja, não se prender pelo deadline da

empresa e produzir conteúdos mais elaborados.

A terceira sugestão do autor é ultrapassar os limites do acontecimento do

cotidiano, portanto, produzir algo a mais do que simplesmente noticiar um fato,

proporcionando uma ampla visão de realidade.

Não necessariamente nessa ordem, a quarta característica apontada por

Pena, é exercitar a cidadania, portanto pensar no público antes de produzir o

conteúdo, para que vai servir o texto, senão “embrulhar o peixe na feira”.

A quinta ponta da estrela se refere ao lead, o jornalista literário rompe essa

barreira, não seguindo essa estratégia de no primeiro parágrafo da matéria

responder as seis perguntas básicas: Quem? O quê? Como? Onde? Quando? Por

quê? E sim durante o conteúdo, calmamente, com clareza e poeticamente.

A sexta ponta da estrela evita os definidores primários, as fontes oficiais,

entrevistados que sempre estão na mídia, como políticos, médicos, advogados, etc.

Como no jornalismo diário o tempo é escasso, o repórter comum procura as fontes

legitimadas para dar mais agilidade. O jornalista literário segue em outro caminho,

entrevistando pessoas comuns, e fontes anônimas, abordando assuntos que nunca

foram colocados em pauta.

Finalmente chegamos à última ponta da estrela de Felipe Pena, que consiste

na perenidade, portanto, diferente do jornalismo de cotidiano, a reportagem deve

ficar no imaginário da pessoa, como um bom livro, que permanece por gerações,

influenciando a história do indivíduo.

Porém, o motivo principal para se escrever e abranger o Jornalismo Literário

varia de autor para autor. Cada um tem o seu motivo para escrever, e isso é o

principal motivo para o indivíduo exercer o seu papel de comunicador.

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Escrevo porque não sei fazer música. Se soubesse ler partituras e articular notas harmônicas, não me arriscaria nessas linhas tortas e analfabetas. A música é uma forma de comunicação muito mais eficaz e perene. Qualquer canção permanece por mais tempo no imaginário do que o melhor dos textos literários. Mas é preciso ter ouvido sensível e alma dançante. Como não fui capaz de desenvolver tais habilidades, fiz a faculdade de Jornalismo. Na verdade, queria ser escritor, mas logo descobri que seria emparedado pelas regras de objetividade da imprensa diária. Mas não se iluda, caro leitor. Dizem que o bom texto segue padrões musicais. Tem ritmo, harmonia e sonoridade. Se você possui essas três qualidades, largue logo este livro e corra para o piano. Não perca tempo com a Literatura. Muito menos com o Jornalismo.Preocupe-se apenas com a melodia. (PENA, 2008: p. 10)

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2. Crônicas literárias

A história é escrita pelo poder, a partir do poder, a serviço do poder. Romances servem para

questioná-la.

Tomás Eloy Martinez - Escritor argentino

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A crônica foge ao comodismo de uma matéria e da reportagem informativa;

não tem a obrigatoriedade de informar, mas sim de produzir um conteúdo analítico

do assunto, refletindo poeticamente sobre o acontecido.

O cronista apresenta um discurso que se distingue entre reportagem e

literatura, é um poeta do cotidiano, onde a subjetividade percorre todo o processo

textual.

Como exemplo de textos literários, a crônica não passa despercebida pelo

leitor, ela não cai em esquecimento tão rapidamente quanto uma notícia. É um típico

texto literário, vez que não tem a obrigação de informar e sim entreter e não ser

apenas um texto informativo.

Podemos citar alguns exemplos clássicos da crônica literária, como Machado

de Assis e José de Alencar, que foram grandes responsáveis pela criação do

jornalismo literário. Ambos fizeram de suas obras grandes inspirações por décadas,

influenciando autores e romances.

2.1.CRÔNICAS DE MACHADO DE ASSIS E JOSÉ DE ALENCAR

O nascimento da crônica “Há um meio certo de começar a crônica por uma trivialidade. É dizer: Que calor! Que desenfreado calor! Diz-se isto, agitando as pontas do lenço, bufando como um touro, ou simplesmente sacudindo a sobrecasaca. Resvala-se do calor aos fenômenos atmosféricos, fazem-se algumas conjeturas acerca do sol e da lua, outras sobre a febre amarela, manda-se um suspiro a Petrópolis, e la glace est rompue está começada a crônica. (...) (MACHADO DE ASSIS, 1994, p.13)

Joaquim Maria Machado de Assis foi um dos mais importantes romancistas

brasileiros, contribuindo diretamente para a disseminação do Jornalismo Literário.

Machado de Assis se consolidou como o mais importante autor literário do século

XIX. Suas obras foram tão importantes para a literatura brasileira que perduraram

por gerações e influenciaram diversos romancistas, além da criação de gêneros

literários.

Duas revistas e um jornal são, sem comparação, os mais importantes meios

utilizados por Machado de Assis para a publicação de seus contos: o Jornal das

Famílias, no qual Machado publicou 70 contos, entre 1864 e 1878; A Estação, na

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qual publicou 37 contos, entre 1879 e 1898; e a Gazeta de Notícias, onde publicou

56, entre 1881 e 1897.

“Meu amigo, — Abandonado no caminho da vida com o coração vazio das louras crenças que nos povoam a alma, quando o céu é para nós todo de um azul sem nuvens e o horizonte dessa cor de rosa de que vestimos todas as aspirações do espírito, apraz-me ás vezes em trazer à memória os dias do meu passado, desse passado que vi cair na imensidão do nada, como essas centelhas de luz que morrem na escuridão das trevas. “É triste este viver assim, quando ainda em meia vida, o espírito cansado se volve ao passado procurando embeber-se dele, porque o futuro está morto, ou pelo menos despido de todas as ilusões da juventude!” Em um desses momentos atirei sobre o papel estas linhas que te envio . . . Ei-las Amei na aurora da vida, E morro da vida em flor, É sempre assim a existência: Ao riso sucede a dor. Desfolhei rosas sem conta, Perfumes mil respirei; E nessa luta de afetos Nem um sincero encontrei Minha alma descreu de tudo, Dos sonhos de que viveu, Centelha de luz perdida, Suspiro que além morreu!

(MACHADO DE ASSIS, 5 de maio de1862)

2.2. CRÔNICAS DE JOSÉ DE ALENCAR

"Ali, por entre a folhagem, distinguiam-se as ondulações felinas de um dorso negro, brilhante, marchetado de pardo; às vezes viam-se brilhar na sombra dois raios vítreos e pálidos, que semelhavam os reflexos de alguma cristalização de rocha, ferida pela luz do sol. Era uma onça enorme; de garras apoiadas sobre um grosso ramo de árvore, e pós suspensos no galho superior, encolhia o corpo, preparando o salto gigantesco." (ALENCAR, O guarani, 1857)

José de Alencar se evidenciava por seu estilo descritivo e audacioso. Nesse

trecho de um dos seus principais romances, publicado em forma de folhetim, no

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Diário do Rio de Janeiro, em 1857, podemos exemplificar a literatura empregada em

seus textos.

O autor foi um dos maiores precursores da literatura brasileira, em seus textos

se via um enorme patriotismo, e regionalismo, ou seja, criava um gênero literário,

tendo em suas obras personagens tipicamente brasileiros, seja quando descreve a

sociedade burguesa do Rio de Janeiro, seja quando se volta para os temas ligados

ao índio ou ao sertanejo.

Se a mitologia dos povos antigos tivesse dado formas de mulher, de fada ou ninfa, às semanas, como fêz com as horas, não me veria às vêzes em tão sérios embaraços para escrever esta revista. Em lugar de estar a cogitar idéias, a parafusar novidades, e a lembrar-me de fatos e coisas passadas, pediria emprestado a algum dos tipos da grande galeria feminina as feições e os traços para desenhar o meu original. Assim, quando me viesse uma semana alegre e risonha, mas muito inconstante, com uns dias cheios de nuvens, e outros límpidos e brilhantes, iluminados pelos raios esplêndidos do sol, uma semana elegante de teatros e de bailes, imaginaria alguma fada de formas graciosas, de olhos grandes, com uma certa altivez misturada de uma dose sofrível de loureirismo (...) (ALENCAR, Jornal Correio Mercantil, em 19 de novembro de 1854.)

2.3. MOACYR SCLIAR

Gaúcho, nascido em Porto Alegre, Moacyr Scliar, foi um dos principais

cronistas do país. Com sua prosa um tanto inovadora, o autor escrevia

semanalmente para o Jornal Folha de São Paulo. Onde retratava, em sua coluna, o

cotidiano de uma maneira diferente, ou seja, Scliar começava sua crônica com uma

notícia verídica e com base nesse acontecido escrevia um texto bem humorado,

crítico, irônico e com uma linguagem típica literária.

Foi assim que se consolidou como um dos mais respeitáveis escritores do

país.

Moacyr Scliar teve alguns de seus textos adaptados para o cinema, teatro e

televisão, escreveu mais de setenta livros e recebeu grandes prêmios da literatura

brasileira, como o Jabuti (1988, 1993 e 2009), o Associação Paulista de Críticos de

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Arte (APCA) (1989) e o Casa de las Américas (1989). Moacyr Scliar morreu no dia

27 de fevereiro de 2011, aos 73 anos, e deixou um importante legado para a

literatura brasileira.

Neste capítulo vamos analisar e discorrer sobre três principais crônicas do

autor, publicadas no Jornal Folha de São Paulo: “De volta ao primeiro beijo” (25 de

maio de 2007); “Desistindo de Natal” (9 de dezembro de 2005) e, a sua última

crônica publicada, “A mulher sem medo” ( 17 de janeiro de 2011).

2.4. CRÔNICAS LITERÁRIAS DE MOACYR SCLIAR

De volta ao primeiro beijo

"O primeiro beijo é uma coisa muito falada. Sem dúvida é uma experiência muito marcante,

inesquecível. O primeiro beijo é uma maturação, uma descoberta. Ao mesmo tempo, para

alguns, ele pode ser um monstro assustador", diz o cineasta Esmir Filho, diretor de "Saliva".

O filme conta como Marina, uma garota de 12 anos, é pressionada a dar o seu primeiro beijo

no experiente Gustavo.

TINHA ACABADO de ler a matéria sobre o primeiro beijo, no pequeno apartamento em que

morava desde que ficara viúvo, anos antes, quando (coincidência impressionante, concluiria

depois) o telefone tocou. Era uma mulher, de voz fraca e rouca, que ele de início não

identificou: - Aqui fala a Marília -disse a voz. Deus, a Marília! A sua primeira namorada, a

garota que ele beijara (o primeiro beijo de sua vida) décadas antes! De imediato recordou a

garota simpática, sorridente, com quem passeava de mãos dadas. Nunca mais a vira, ainda

que freqüentemente a recordasse -e agora, ela lhe ligava. Como que adivinhando o

pensamento dele, ela explicou: - Estou no hospital, Sérgio. Com uma doença grave... E

queria ver você. Pode ser? - Claro -apressou-se ele a dizer- eu vou aí agora mesmo. Anotou

rapidamente o endereço, vestiu o casaco, saiu, tomou um táxi. No caminho foi evocando

aquele namoro, que infelizmente não durara muito tempo - o pai dela, militar, havia sido

transferido para o Norte, com o que perdido o contato - mas que o marcara profundamente.

Nunca a esquecera, ainda que depois tivesse beijado várias outras moças, uma das quais

se tornara a sua companheira de toda a vida, mãe de seus três filhos, avó de seus cinco

netos. E não a esquecera por causa daquele primeiro beijo, tão desajeitado quanto ardente.

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Chegando ao hospital foi direto ao quarto. Bateu; uma moça abriu-lhe a porta, e era igual à

Marília: sua filha. Ele entrou e ali estava ela, sua primeira namorada. Quase não a

reconheceu. Envelhecida, devastada pela doença, ela mal lembrava a garota sorridente que

ele conhecera. Consternado, aproximou-se, sentou-se junto ao leito. A filha disse que os

deixaria a sós: precisava falar com o médico.

Olharam-se, Sérgio e Marília, ele com lágrimas correndo pelo rosto. - Você sabe por que

chamei você aqui? -perguntou ela, com esforço. - Porque nunca esqueci você, Sérgio. E

nunca esqueci o nosso primeiro beijo, lembra? Na porta da minha casa, depois do cinema...

- Claro que lembro, Marília. Eu também nunca esqueci você... - Pois eu queria, Sérgio... Eu

queria muito... Que você me beijasse de novo. Você sabe, os médicos não me deram muito

tempo... E eu queria levar comigo esta recordação...

Ele levantou-se, aproximou-se dela, beijou os lábios fanados. E aí, como por milagre, o

tempo voltou atrás e de repente eles eram os jovenzinhos de décadas antes, beijando-se à

porta da casa dela. Mas a emoção era demais para ele: pediu desculpas, tinha de ir. A filha,

parada à porta do quarto, agradeceu-lhe: você fez um grande bem à minha mãe. E

acrescentou, esperançosa: - Acho que ela agora vai melhorar. Não melhorou. Na semana

seguinte, Sérgio viu no jornal o convite para o enterro. Mas, ao contrário do que poderia

esperar, apenas sorriu. Tinha descoberto que o primeiro beijo dura para sempre. Ou pelo

menos assim queria acreditar.

(Moacyr Scliar, Folha de São Paulo, 25 de maio de 2007)

Na crônica “De volta ao primeiro beijo”, o autor deixa explicita a sua arte

literária. Com tons descritivos e modestos, como uma poesia, ele exalta o amor, a

simplicidade e a veracidade de uma vida de memórias.

Scliar começa sua crônica com uma notícia publicada na folhateen,

divulgando um filme que tem como principal argumento o primeiro beijo. A notícia

vem com uma fala do cineasta da tal produção. Assim, Moacyr Scliar se baseia

nesse contexto e produz uma crônica literária. Deixa claro o processo criativo:

produzir a partir de fatos reais (notícias), mas recriá-los. Afinal, a literatura vai

buscar, na realidade, o seu ponto de partida, para então reinventá-la. Este é o

grande mistério da arte poética...

Os traços poéticos empregados são evidenciados logo nas primeiras linhas,

com tons descritivos de seus personagens e ambientes por onde se passa a história.

Ao longo do texto o leitor consegue viver dentro do ambiente retratado, assumindo

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uma postura de que aquele conto é baseado em fatos, e não uma crônica

imaginária.

O primeiro beijo é um assunto muito discutido, e como exemplifica o lead da

notícia, a experiência é marcante e inesquecível para alguns. Foi isso que Scliar

buscou retratar em sua crônica, essa descoberta eternizada do primeiro beijo. Como

a notícia é uma chamada para um filme nacional, dizendo que a garota protagonista,

tinha 12 anos de idade quando foi forçada a dar o seu primeiro beijo, Scliar retratou

esse momento de maneira literária, colocou sua poesia nas linhas versadas,

proseando sobre a eternidade de um beijo apaixonado. Um típico texto literário.

Transforma em tema sublime, o tabu.

Desistindo de Natal

Segundo pesquisa do instituto Ipsos, encomendada pela Associação Comercial de São

Paulo, 32% dos consumidores não pretendem fazer compras neste Natal.

"Prezado Papai Noel: há uma semana eu lhe mandei uma carta com a lista dos meus

pedidos para o Natal. Agora estou mandando esta outra carta para dizer que mudei de ideia.

Não vou querer nada. Ontem o papai nos avisou que não tem dinheiro para as compras do

fim de ano. Papai está desempregado há mais de um ano. A gente mora numa cidade

pequena do interior, muito pobre. No Natal passado, o prefeito anunciou que tinha um

presente para a população: uma grande fábrica viria se instalar aqui, dando emprego para

muitas pessoas. Meu pai ficou animado. Ele é um homem trabalhador, sabe fazer muitas

coisas e achou que com isso o nosso problema estaria resolvido. Agora, porém, o prefeito

teve de dizer que a fábrica não vem mais. Não entendo dessas coisas, mas parece que a

situação está difícil.

Portanto, Papai Noel, peço-lhe desculpas se o senhor já encomendou as coisas, mas

infelizmente vou ter de desistir. Para começar, não quero aquela bonita árvore de Natal de

que lhe falei - até mandei um desenho, lembra? Nada de pinheirinho, nada de luzinhas,

nada de bolinhas coloridas. A verdade, Papai Noel, é que essas coisas só gastam espaço e,

como disse a mamãe, gastam muita luz.

E nada de ceia de Natal, Papai Noel. Nada de peru. Como eu lhe disse, nunca comi peru na

minha vida, mas acho que não vai me fazer falta. Se tivesse peru, eu comeria tanto que

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decerto passaria mal. Portanto, nada de peru. Aliás, se a gente tiver comida na mesa, já

será uma grande coisa.

Nada de presentes, Papai Noel. Não quero mais aquela bicicleta com a qual sonho há tanto

tempo. Bicicletas custam caro. E além disso é uma coisa perigosa. O cara pode cair, pode

ser atropelado por um carro... Nada de bicicleta.

Nada de DVD, Papai Noel. Afinal, a gente já tem uma TV (verdade que de momento ela está

estragada e não temos dinheiro para mandar consertar), mas DVD não é coisa tão urgente

assim.

Também quero desistir da roupa nova que lhe pedi e dos sapatos. A minha roupa velha

ainda está muito boa, e a mamãe vai fazer os remendos nos rasgões. E sapato sempre

pode dar problema: às vezes ficam apertados, às vezes caem do pé... Prefiro continuar com

meus tênis e o meu chinelo de dedo.

Ou seja: nada de Natal, Papai Noel. Para mim, nada de Natal. Agora, se o senhor for

mesmo bonzinho e quiser nos dar algum presente, arranje um emprego para o meu pai. Ele

ficará muito grato e nós também. Desejo ao senhor um Feliz Natal e um próspero Ano

Novo."

(Moacyr Scliar, Folha de São Paulo, 19 de dezembro de 2005).

Nessa crônica o traço poético e literário vem empregado com uma dose de

sarcasmo e rebeldia. A notícia foi publicada na página Folha Dinheiro, dizendo, por

base, a situação crítica que o país vivia em época tradicionalmente de compras.

Assim, Moacyr Scliar começa a sua crônica. Como uma carta de uma

inocente criança, que por entre as linhas de um texto, descreve a situação crítica de

sua família, escrevendo ao imaginário Papai Noel.

Na notícia original, 32% da população não irão às compras no natal de 2005.

Por diversos motivos, que não são exemplificados na matéria. Então, o autor da

crônica se alimenta de especulações, citando vários pontos críticos de uma família

mal estruturada.

Ele faz uma crítica severa ao governo, e a situação do país, com promessas e

falácias, em vão, de governantes, e da falta de emprego no país em que vive.

Moacyr Scliar se baseia em fatos para escrever a crônica.

É um texto típico literário, pois retrata desafios, e acontecimentos do cotidiano

de uma família. Ele exemplifica momentos, características de personagens e critica o

governo, assim como a situação em que o país passava naquele momento.

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De maneira literária, poética, com um texto inocente, descritivo e que prende

o leitor nas linhas escritas. Consegue ser literário e crítico ao mesmo tempo.

A mulher sem medo

Cientistas americanos estudam o caso de uma mulher portadora de uma rara condição, em

resultado da qual ela não tem medo de nada.

Ele não sabia o que o esperava quando, levado mais pela curiosidade do que pela paixão,

começou a namorar a mulher sem medo. Na verdade havia aí também um elemento

interesseiro; tinha um projeto secreto, que era o de escrever um livro chamado “A Vida com

a Mulher sem Medo”, uma obra que, imaginava, poderia fazer enorme sucesso, trazendo-lhe

fama e fortuna. Mas ele não tinha a menor ideia do que viria a acontecer.

Dominador, o homem queria ser o rei da casa. Suas ordens deveriam ser rigorosamente

obedecidas pela mulher. Mas como impor sua vontade? Como muitos ele recorria a

ameaças: quero o café servido às nove horas da manhã, senão… E aí vinham as

advertências: senão eu grito com você, senão eu bato em você, senão eu deixo você sem

comida.

Acontece que a mulher simplesmente não tomava conhecimento disso; ao contrário, ria às

gargalhadas. Não temia gritos, não temia tapas, não temia qualquer tipo de castigo. E até

dizia, gentil: “Bem que eu queria ficar assustada com suas ameaças, como prova de

consideração e de afeto, mas você vê, não consigo.”

Aquilo, além de humilhá-lo profundamente, deixava-o completamente perturbado. Meter

medo na mulher transformou-se para ele em questão de honra. Tinha de vê-la pálida,

trêmula, gritando por socorro.

Como fazê-lo? Pensou muito a respeito e chegou a uma conclusão: para amedrontá-la só

barata ou rato. Resolveu optar pela barata, por uma questão de facilidade: perto de onde

moravam havia um velho depósito abandonado, cheio de baratas. Foi até lá e conseguiu

quatro exemplares, que guardou num vidro de boca larga.

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Voltou para casa e ficou esperando que a mulher chegasse, quando então soltaria as

baratas. Já antegozava a cena: ela sem dúvida subiria numa cadeira, gritando

histericamente. E ele enfim se sentiria o vencedor.

Foi neste momento que o rato apareceu. Coisa surpreendente, porque ali não havia ratos,

sobretudo um roedor como aquele, enorme, ameaçador, o Rei dos Ratos. Quando a mulher

finalmente retornou encontrou-o de pé sobre uma cadeira, agarrado ao vidro com as

baratas, gritando histericamente.

Fazendo jus à fama ela não demonstrou o menor temor; ao contrário, ria às gargalhadas.

Foi buscar uma vassoura, caçou o rato pela sala, conseguiu encurralá-lo e liquidou-o sem

maiores problemas. Feito que ajudou o homem, ainda trêmulo, a descer da cadeira. E aí viu

que ele segurava o vidro com as quatro baratas. O que deixou-a assombrada: o que

pretendia ele fazer com os pobres insetos? Ou aquilo era um novo tipo de perversão?

Àquela altura ele já nem sabia o que dizer. Confessar que se tratava do derradeiro truque

para assustá-la seria um vexame, mesmo porque, como ele agora o constatava, ela não

tinha medo de baratas, assim como não tivera medo do rato. O jeito era aceitar a situação. E

admitir que viver com uma mulher sem medo era uma coisa no mínimo amedrontadora.

(Moacyr Scliar, Folha de São Paulo, 17/01/2011).

‘A mulher sem medo’ foi a última crônica escrita por Moacyr Scliar. Como em

todas as outras, o tom literário, as frases e palavras poéticas se distinguem ao

cotidiano e à notícia original.

A crônica se baseia no caso descoberto por cientistas americanos, que dizem

ter encontrado numa mulher uma condição em que ela não tinha medo de nada. E

assim se baseou Scliar para, poeticamente, escrever seu texto.

Como em qualquer texto literário, o tom descritivo de personagens e

ambientes, esta empregado. O texto é cômico, porém, insultante, Moacyr Scliar

consegue fazer o leitor entrar no personagem e viver a sua emoção e expectativa

até o fim.

Consegue mostrar o lead da notícia, logo no primeiro parágrafo, e retratar a

história. Com frases e citações literárias, num ambiente cômico, criando

personagens e situações inusitadas ao leitor.

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3. A definição de crônica

Acontece com os livros o mesmo que com os homens: um pequeno grupo

desempenha um grande papel.

Voltaire - Filósofo e romancista francês

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Segundo Massaud Moisés, em A Crônica, a palavra crônica tem origem no

latim chronica, que, por sua vez, deriva do grego chronikós, relativo a tempo

(chrónos).

Uma crônica pode ser um artigo jornalístico (uma rubrica) ou ainda um

programa radiofônico ou televisivo sobre assuntos e temas atuais.

Enquanto obra literária, a crônica narra os fatos de acordo com a ordem

temporal em que eles acontecem, geralmente com base em testemunhos

presenciais ou contemporâneos, contados como narrador na primeira pessoa

(homodiegético) ou na terceira pessoa (heterodiegético).

As crônicas costumam empregar uma linguagem simples, direta e pessoal,

com recurso reiterativo de adjetivos para salientar e evidenciar as descrições.

O texto de um cronista é especialmente literário. Uma narrativa em forma de

poemas e frases romancistas, com caráter descritivo e buscando a perenidade da

obra explicita.

Quando não se identifica ao conto ou à reportagem, quando não se torna artigo doutrinário ou simples nota , a crônica apresenta características específicas. A primeira delas diz respeito à brevidade: no geral, a crônica é um texto curto, de meia coluna de jornal ou de página de revista. Somente por exceção, o texto se distende por várias laudas. Imposta pela circunstância de a crônica publicar-se em jornal ou revista, a brevidade reflete, e a um só tempo determina as outras marcas da crônica. (MOISÉS, 1967: p. 116)

Enquanto poesia, a crônica explora a temática do ‘eu’, fazendo com que o ‘eu’

seja o assunto e o narrador ao mesmo tempo, precisamente como todo ato poético.

Trata-se de um “eu” que se assume como observador do cotidiano das pessoas e

dali retira a matéria-prima para sua obra. A crônica voltada para o conto se

transforma no acontecimento que provocou a atenção do escritor, ou seja, tem como

ênfase o ‘não-eu’.

Porém, não se pode identificar toda crônica como um conto, ou seja, não é

sempre que uma narrativa curta é sinônimo de conto.

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Ocorre, porém, que até as reportagens – quando escritas por um jornalista de fôlego – exploram a função poética da linguagem, bem como o silêncio em que se escondem as verdadeiras significações daquilo que foi verbalizado. Na crônica, embora não haja a densidade do conto, existe a liberdade cronista. Ele pode transmitir a aparência de superficialidade para desenvolver o seu tema, o que também acontece como se fosse “por acaso”. No entanto o escritor sabe que esse “acaso” não funciona na construção de um texto literário, pois o artista que deseje cumprir sua função primordial de antena do seu povo, captando tudo aquilo que nós outros não estamos aparelhados para depreender. (SÁ, 2008: p. 10).

3.1 MEU IDEAL SERIA ESCREVER...

Rubem Braga é um autor essencialmente cronista, seus textos mostram

elementos com características que esboçam as teorias de uma crônica.

O autor remete a uma construção literária contemporânea, com frases

abreviadas e poéticas, levando o leitor a um universo literário, de ficção, com

personagens, espaços e tempos retratados.

Com esse poder de nos projetar para além do que está impresso, Rubem Braga reafirma sua condição de artista recriando a vida em seus mínimos detalhes, especialmente aqueles que podem estar camuflados em outros gêneros. Afinal, ele é o espião que nos passa o segredo da existência numa mensagem codificada, que é, sem dúvida alguma, literatura. (SÁ, 2008: p. 20).

Nesse capítulo vamos analisar uma das obras primas de Rubem Braga, e

identificar no texto imprescindíveis itens que prendem o leitor à ficção da crônica.

Vamos destacar os personagens, o enredo, o espaço e o tempo em que o texto é

escrito. A crônica foi extraída do livro "A traição das elegantes", Editora Sabiá - Rio

de Janeiro, 1967, pág. 91. Cumpre salientar que a crônica de Rubem Braga faz

parte da coletânea As cem melhores crônicas brasileiras, 2007, p.22.

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Meu Ideal Seria Escrever...

Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que está doente

naquela casa cinzenta quando lesse minha história no jornal risse, risse tanto que chegasse

a chorar e dissesse -- "ai meu Deus, que história mais engraçada!". E então a contasse para

a cozinheira e telefonasse para duas ou três amigas para contar a história; e todos a quem

ela contasse rissem muito e ficassem alegremente espantados de vê-la tão alegre. Ah, que

minha história fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente, vivo, em sua vida

de moça reclusa, enlutada, doente. Que ela mesma ficasse admirada ouvindo o próprio riso,

e depois repetisse para si própria -- "mas essa história é mesmo muito engraçada!".

Que um casal que estivesse em casa mal-humorado, o marido bastante aborrecido com a

mulher, a mulher bastante irritada com o marido, que esse casal também fosse atingido pela

minha história. O marido a leria e começaria a rir, o que aumentaria a irritação da mulher.

Mas depois que esta, apesar de sua má vontade, tomasse conhecimento da história, ela

também risse muito, e ficassem os dois rindo sem poder olhar um para o outro sem rir mais;

e que um, ouvindo aquele riso do outro, se lembrasse do alegre tempo de namoro, e

reencontrassem os dois a alegria perdida de estarem juntos.

Que nas cadeias, nos hospitais, em todas as salas de espera a minha história chegasse -- e

tão fascinante de graça, tão irresistível, tão colorida e tão pura que todos limpassem seu

coração com lágrimas de alegria; que o comissário do distrito, depois de ler minha história,

mandasse soltar aqueles bêbados e também aquelas pobres mulheres colhidas na calçada

e lhes dissesse --, “por favor, se comportem, que diabo! Eu não gosto de prender ninguém!”.

E que assim todos tratassem melhor seus empregados, seus dependentes e seus

semelhantes em alegre e espontânea homenagem à minha história.

E que ela aos poucos se espalhasse pelo mundo e fosse contada de mil maneiras, e fosse

atribuída a um persa, na Nigéria, a um australiano, em Dublin, a um japonês, em Chicago --

mas que em todas as línguas ela guardasse a sua frescura, a sua pureza, o seu encanto

surpreendente; e que no fundo de uma aldeia da China, um chinês muito pobre, muito sábio

e muito velho dissesse: "Nunca ouvi uma história assim tão engraçada e tão boa em toda a

minha vida; valeu a pena ter vivido até hoje para ouvi-la; essa história não pode ter sido

inventada por nenhum homem, foi com certeza algum anjo tagarela que a contou aos

ouvidos de um santo que dormia, e que ele pensou que já estivesse morto; sim, deve ser

uma história do céu que se filtrou por acaso até nosso conhecimento; é divina".

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E quando todos me perguntassem -- "mas de onde é que você tirou essa história?" -- eu

responderia que ela não é minha, que eu a ouvi por acaso na rua, de um desconhecido que

a contava a outro desconhecido, e que por sinal começara a contar assim: "Ontem ouvi um

sujeito contar uma história...".

E eu esconderia completamente a humilde verdade: que eu inventei toda a minha história

em um só segundo, quando pensei na tristeza daquela moça que está doente, que sempre

está doente e sempre está de luto e sozinha naquela pequena casa cinzenta de meu bairro.

A crônica é narrada em primeira pessoa – narrador homodiegético -, ou seja,

é empregado em todo o texto o ‘eu’ poético. Logo no primeiro parágrafo é explicitado

o enredo: a crônica (como um projeto de escrita) passa a ideia do narrador em

escrever uma história engraçada, tão engraçada, que contemplasse e mudasse a

atitude de várias pessoas, assim, ele cria diversos personagens e espaços,

justamente para retratar o poder que seu texto teria sobre o interior dos indivíduos.

Nesse sentido, tem-se um texto que se pretende uma crônica e que dialoga,

intrinsecamente, com a própria questão do fazer literário: a humanização pela

literatura. Eis presente aqui a metalinguagem: o texto poético tematiza o próprio

fazer literário.

O tempo da narrativa é psicológico, o autor alimenta a ideia de que as

pessoas ouviriam sua história e mudariam o humor. Começando com uma moça

doente, numa casa cinzenta, que, lendo a história no jornal, repassasse para seus

conhecidos, e assim, a proporção seria admirável. Essa é a apresentação da

crônica.

Chegamos então à complicação do texto: o objetivo de mudança que teria um

texto escrito em um jornal, e passado de pessoa em pessoa, como uma maneira de

integração. Assim, ele cria personagens como um casal mal-humorado, que ao ler a

sua história mudaria o humor rapidamente.

E então, a crônica se desenvolve, de espaço em espaço e em vários

personagens: “Que nas cadeias, nos hospitais, em todas as salas de espera a minha

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história chegasse -- e tão fascinante de graça, tão irresistível, tão colorida e tão pura que

todos limpassem seu coração com lágrimas de alegria.”.

Esse é o clímax da crônica de Rubem Braga: o poder de uma história sobre

as pessoas, contada pelo mundo inteiro, desde um australiano em Dublin a um sábio

pobre e velho Chinês. A história é narrada de maneiras diferentes pelo mundo, não

perdendo o seu sentido, fazendo com que quem a ouvisse e lesse a considerasse

tão boa que chegava a comparar: “essa história não pode ter sido inventada por nenhum

homem, foi com certeza algum anjo tagarela que a contou aos ouvidos de um santo que

dormia, e que ele pensou que já estivesse morto; sim, deve ser uma história do céu que se

filtrou por acaso até nosso conhecimento; é divina”.

E então, tão literário quanto sabe ser, e tão brilhante quanto a sua história,

Rubem Braga finaliza a crônica de maneira inusitada, romântica e tão poética que

faz o leitor agradecer-lhe por ter lido tal texto.

O narrador volta ao primeiro parágrafo, lembrando a mulher doente, na casa

cinzenta, e diz que inventou tal história pensando na tristeza da donzela “que sempre

está doente e sempre está de luto e sozinha naquela pequena casa cinzenta de meu bairro”.

Com muita perspicácia, o autor não chega a narrar um fato, mas aquilo que poderia

ter sido e não foi. Por meio dessa atmosfera, estabelece-se um diálogo com o leitor,

que cria certa empatia com a temática e o desenrolar da crônica. Temos aqui a

literatura com grande função humanizadora.

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CONCLUSÃO

Podemos concluir então que o jornalismo literário ainda é perspicaz, utilizado por

alguns profissionais da comunicação, e por vezes admirado pelos leitores, que se

acostumaram à outra maneira de difusão da notícia.

Porém, há jornalistas que ainda exploram esse universo literário, em meio a

poemas, crônicas e matérias humanizadoras. Esses profissionais conseguem levar o

leitor a uma viagem de expectativas, romantismo e reflexões sobre a própria vida e a

existência.

O jornalista literário não se prende ao lead da notícia e desenvolve as respostas e

características dos personagens e fatos calmamente, com um tom literário, isso é o

que mais o caracteriza como um romancista moderno, um amante do jornalismo

literário.

Além disso, são considerados imprescindíveis alguns itens para que o jornalista se

destaque em meio à literatura, difundindo o jornalismo literário. Como um dos

principais temas, é a perenidade da obra. Ou seja, um típico texto literário fica na

memória das pessoas por gerações. E é isso o que a crônica nos oferece. Tem

como sua principal característica a literatura, o jeito único de se desenvolver. Com

temas relevantes e por vezes surreais, o autor desenvolve o seu texto de maneira

diferenciada, como um autor literário. Descreve personagens, ambientes e emoções,

fazendo com que o leitor vivencie a leitura.

Essas eram as principais características dos textos de Machado de Assis e José de

Alencar, que perduram por gerações, influenciando outros autores a seguirem por

esse gênero. E assim, fez-se a crônica moderna, com Moacyr Scliar, que nos

encantou com seus textos literários, sarcásticos e humanitários. Não nos

esqueçamos, porém, de Rubem Braga, um dos principais autores literários do país,

referência nesse gênero.

A literatura é mais do que uma vivência no mundo de especulações, matérias sem

conteúdos e generalidade da informação. A literatura é um ato humanitário, que

acrescenta nos indivíduos, amantes dessa arte (ou não), uma existência em um

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universo longínquo, vivenciando a melhor maneira de expressão, para a sociedade e

para o profissional da comunicação: a literatura, a poesia, a crônica, o texto poético,

o jornalismo feito com uma boa dose de romantismo.

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REFERÊNCIAS

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MARSHALL, Leandro. O jornalismo na era da Publicidade. São Paulo: Editora

Summus, 2003.

MOISÉS, Massaud. A criação literária. São Paulo: Editora Cultrix, 1967.

NECCHI, Vitor. A (im)pertinência da denominação “jornalismo literário”. In: Estudos

em Jornalismo e Mídia - Ano VI - n. 1 pp. 99 – 109, Porto Alegre, jan./jun. 2009.

PENA, Felipe. Jornalismo Literário Editora: Contexto, 2006

____________. O jornalismo literário como gênero e conceito. Disponível em <

http://www.felipepena.com/download/jorlit.pdf> Rio de Janeiro. Acesso em

16/02/2012.

ROSSI, Clóvis, O que é jornalismo? São Paulo: Editora Brasiliense, 1994.

SÁ, Jorge de. A Crônica. São Paulo: Editora Ática, 2008.

SANTOS, Joaquim Ferreira dos. As cem melhores crônicas brasileiras. São

Paulo: Editora Objetiva, 2007.

UOL Educação. Escritor brasileiro José de Alencar. Disponível

em<http://educacao.uol.com.br/biografias/jose-de-alencar.jhtm> Rio de Janeiro.

Acesso em 1/08/2012

VILAS BOAS, Sérgio. Biografias e Biógrafos: jornalismo sobre personagens São

Paulo: Editora Summus Editorial, 2002.

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ANEXO

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