Jornalismo e Memória

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    Intercom Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da ComunicaoXXXIV Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao Recife, PE 2 a 6 de setembro de 2011

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    Jornalismo e Memria

    Jerusa de Oliveira Michel1Margareth de Oliveira Michel2

    Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RSUniversidade Catlica de Pelotas, Pelotas, RS

    Resumo:Em um cenrio onde os veculos de comunicao passam a operar na produo de memriassociais este artigo tem como objetivo apresentar uma discusso sobre a relao entre jornalismo ememria. Para entendermos melhor esta associao dividiremos este artigo em trs partes. A primeiraaborda a concepo de memria de acordo com diferentes autores, a segunda parte abordar o fazerjornalstico e a terceira parte tecer uma relao entre ambos, usando como estudo de caso o jornalcomunitrio O Pescador elaborado pelos alunos da Escola de Comunicao Social da UniversidadeCatlica de Pelotas em parceria com a comunidade de pescadores Z3.

    Palavras Chave: Memria; Esquecimento; Jornalismo; Comunicao; Cidadania

    Introduo

    Este artigo tem como objetivo analisar a relao entre Jornalismo e Memria. A

    atividade jornalstica tem como tarefa o registro do cotidiano que, muitas vezes, acaba por

    tornar-se a documentao dos fatos ocorridos em uma comunidade, e ainda que no seja seu

    objetivo, o jornalismo acaba por escrever a histria do lugar. As notcias e os exemplares dos

    jornais, arquivados, constituem-se no vis condutor da memria local. Para entender este

    fenmeno complexo, o trabalho inicialmente abranger uma reviso bibliogrfica sobre as

    diferentes concepes de memria propostas por autores que reconhecidamente trabalham

    com o tema. Izquierdo3(1989), por exemplo, traz para cena o fato de que a memria que nos

    proporciona um senso histrico e o senso de identidade pessoal e que tambm nos permite

    aprender, numa cadeia em que sem memria o aprendizado no existe e ele no ocorre sem

    experincias. J Rosrio4(2002) coloca o fato de que a memria o lugar da imortalidade,

    ligando o presente ao passado, dando significao s coisas e s experincias que vivemos.

    Ricoeur5(2007) destaca que ns fazemos a escolha daquilo que ficar em nossa memria, a

    escolha entre a memria e o esquecimento. Aborda tambm a questo das memrias

    1Mestranda em Memria Social e Patrimnio Cultural pela Universidade Federal de Pelotas, especialista em Gesto deEventos - nfase Organizacional e Institucional pela Faculdade de Tecnologia SENAC Pelotas. Graduada em Comunicao

    Social Relaes Pblicas e Jornalismo pela Universidade Catlica de Pelotas, e-mail: [email protected] Mestre em Desenvolvimento Social e Mestre em Lingstica Aplicada UCPEL, docente do Centro de Educao eComunicao da UCPEL/RS, email: [email protected] Antonio Izquierdo, NASCEU EM Buenos Aires em 1937) um mdico e cientista argentino naturalizado brasileiro,que construiu sua carreira no Brasil e foi pioneiro no estudo da neurobiologia da memria e do aprendizado, destacando-seentre os cientistas brasileiros mais citados em todas as reas do conhecimento.4 Cludia Cerqueira do Rosario Bacharel em Filosofia (1984), Licenciada em (1988) e mestre em Filosofia pelaUniversidade Federal do Rio de Janeiro (1990). Professora Adjunta da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.Tem experincia na rea de Filosofia, com nfase em Filosofia da Cultura, atuando principalmente nos seguintes temas:mito, cinema, religio, filosofia e cultura.5Paul Ricoeur, filsofo francs, nascido a 27 de fevereiro de 1913, em Valence, e falecido a 20 de maio de 2005, em Chatenay-Malabry, Paris, foi aluno de Gabriel Marcel e professor nas Universidades de Sorbonne e Chicago. Foi um dos grandesfilsofos e pensadores franceses do perodo que se seguiu Segunda Guerra Mundial.

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    individual e coletiva, onde Halbwachs6(2004) afirma que as memrias so sempre coletivas,

    oriundas de uma 'comunidade afetiva', que se configura como 'cimento social' pois mantm as

    partes unidas, como tambm refora a identidade dos indivduos.

    Na seqncia, a reviso bibliogrfica se ocupa do jornalismo, isto porque o

    jornalismo o registro das informaes relacionadas aos grupos sociais e a sociedade umproduto da comunicao que propicia a interao social, existindo o senso comum de que o

    jornal escrito relatando os fatos atuais e buscando constantemente novos fatos, sem a

    preocupao explcita de registr-los para as novas geraes. O jornalismo em sua produo

    realiza escolhas, e as realiza em busca do novo. No entanto, os elementos constitutivos da

    comunicao jornalstica mediam as relaes dos sujeitos, produzem sentidos e interferem na

    construo dos processos histricos e das transformaes sociais, e ao fazerem isto, registram

    os aspectos da realidade que so memorveis no futuro. Desta forma, o fazer jornalstico se

    relaciona com o senso de identidade pessoal e com o senso histrico e, portanto, com amemria, porque ao pautar as notcias de um jornal escolhido o que ser lembrado ou

    esquecido. De forma especial, emerge o jornalismo comunitrio como instrumento de

    aquisio, conservao e evocao das memrias de uma comunidade, tendo em vista a

    coeso do grupo e o sentimento de pertinncia entre seus membros, cujo discurso revela a

    escolha dos fatos que se tornaro memorveis na construo dos processos histricos. Por fim,

    tecida a relao entre memria e jornalismo, usando como estudo de caso o jornal

    comunitrio O Pescador elaborado pelos alunos da Escola de Comunicao Social da

    Universidade Catlica de Pelotas em parceria com a comunidade de pescadores Z3.

    A Memria

    Para Ivan Izquierdo (1989) existem basicamente duas maneiras de conceber o fluxo

    de tempo, uma olhando do passado em direo ao futuro e a outra olhando do futuro em

    direo ao passado, entretanto, segundo o autor em qualquer um dos casos, o fluxo nos

    atravessa em num ponto, que denominamos presente (1989, p. 89). Em seu artigo Memrias,

    Izquierdo nos diz que:

    Esse ponto evanescente, porm, nossa nica posse do real: o futuro no existeainda (...) e o passado no mais existe, salvo sob a forma de memrias. No htempo sem um conceito de memria; no h presente sem um conceito detempo; no h realidade sem memria e sem uma noo de presente, passado efuturo. (IZQUIERDO, 1989, p. 89)

    6Maurice Halbwachs nasceu em Reims em 11 de maro de 1877 e faleceu em Buchenwald em 16 de maio de 1945 e foi umsociolgo francs da escola durkheimiana. Escreveu uma tese sobre o nvel de vida dos operrios, e sua obra mais clebre oestudo do conceito de memria coletiva, que ele criou

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    Para o autor podemos classificar as memrias de diferentes formas como, por

    exemplo, quanto durao, existem trs tipos: a memria imediata (que dura segundos), a de

    curta durao (de uma a seis horas) e a de longa durao (horas, dias, anos). Tambm

    chamada de memria remota a que se estende por dcadas.

    Quanto funo, temos a memria operacional (ou memria de trabalho), que nodeixa arquivos permanentes, as memrias declarativas e as procedurais (hbitos). Memrias

    declarativas guardam a lembrana do rosto de algum, de um lugar, de um poema. As

    procedurais, ou hbitos, provm da aquisio de habilidades sensoriais e/ou motoras, como

    dirigir ou digitar.

    Segundo o dicionrio Aurlio Online7, memria a faculdade de reter idias,

    sensaes, impresses, adquiridas anteriormente. Efeito da faculdade de lembrar; a prpria

    lembrana. Recordao que a posteridade guarda.

    a memria ento que nos proporciona um senso histrico e o senso de identidadepessoal. atravs das memrias que construmos o aprendizado, pois sem memrias o

    aprendizado no existe, assim como no h aprendizado sem experincias. Sendo assim, as

    memrias so fruto daquilo que alguma vez percebemos ou sentimos. Ela pode ser

    considerada a aquisio, conservao e evocao de informaes.

    Segundo Izquierdo (1989, p.91) no possvel encaixar a enorme variedade de

    memrias possveis dentro de um nmero limitado de esquemas ou modelos, nem reduzir seu

    alto grau de complexibilidade a mecanismos bioqumicos ou processos psicolgicos nicos e

    simples.

    Claudia Cerqueira do Rosrio (2002)8nos oferece uma reflexo acerca da memria

    vista a partir da mitologia. Ela nos apresenta Mnemsine, do grego M, derivado do

    verbo mimnskein, "fazer-se lembrar", "fazer pensar", "lembrar-se. A titnida filha de Gaia

    (a terra) e de Urano (o cu) e me das nove musas inspiradoras.

    Para a autora a memria no tem o simples papel de reconhecimento de contedos

    passados, o de fazer aparecer novamente as coisas depois que desaparecem. O lugar da

    memria o lugar da imortalidade e o esquecimento a impermanncia, a mortalidade. Na

    mitologia grega o esquecimento representado por Lethe, do grego Lth,

    "esquecimento" ou "ocultao", um rio localizado no Hades onde quem bebesse, esqueceria-

    se das vidas passadas. Para Rosrio:

    7http://www.dicionariodoaurelio.com/Memoria- Consultado em 25.06.2011.8No foram apresentados os nmeros de pgina referentes a citaes de Cludia Cerqueira do Rosario, pois o artigo OLugar Mtico da Memria, disponvel em http://www.unirio.br/morpheusonline/Numero01-2000/ claudiarosario.htm, nopossui numerao de pginas.

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    (...) a memria no est apenas no passado trazido a tona pela recordao, masest presente em nossos corpos, em nosso idioma, no que valorizamos, no quetememos e no que esperamos. A memria nos identifica como indivduos ecomo coletividade. A memria permite mesmo que estas linhas sejam escritasem sequncia coerente. (ROSRIO, 2002)

    A memria liga o presente ao passado. Segundo a autora, lembramos aquilo que

    possui significado, o que importante vivemos entre a memria e o esquecimento, talvez

    porque vivamos entre o ser e o no ser mais. a memria que nos faz lembrar quem somos e

    que nos faz querer ir a algum lugar.

    Dentro deste contexto Greg Miller9 (2007) em seu artigo Neurobiology: a

    surprising connection between memory and imagination, nos apresenta uma pesquisa que

    revela que pessoas com amnsia causada por danos ao hipocampo, apresentam dificuldades

    em criar expectativas em relao ao futuro, o que leva a crer, baseado no resultado de

    diferentes pesquisas, que o mesmo sistema que usamos para lembrar de algo que aconteceu no

    passado tambm usamos para construir futuros possveis.

    Paul Ricoeur (2007), em seu livro a A memria, a histria, o esquecimento assim

    como Rosrio (2002), nos traz em seu texto referncia a Mnemsine, me das musas

    inspiradoras atravs do o dilogo de Teeteto, no qual Scrates nos apresenta a metfora do

    pedao de cera e nos diz que nossa a escolha daquilo que ficar na memria. Ns fazemos a

    escolha entre memria e o esquecimento.

    Pois ento, digamos que se trata de um dom da me das Musas, Memria:exatamente como quando, guisa de assinatura, imprimimos a marca de nossos

    anis, quando pomos esse bloco de cera sob as sensaes e os pensamentos,imprimimos aquilo que queremos recordar, quer se trate de coisas que vimos,ouvimos ou recebemos no esprito. E aquilo que foi impresso, ns o recordamose o sabemos, enquanto a sua imagem (eidlon) est ali, ao passo que aquilo que apagado, ou aquilo que no foi capaz de ser impresso, ns esquecemos(epilelesthai), isto , no o sabemos (SCRATES apud RICOEUR, 2007, p.28)

    Juliana Silveira Matos (2011) nos diz que:

    A lembrana colocaria as coisas do passado e por isso, segundo Ricoeur, Olembrado apia-se ento no representado. Esse representado viria em formade imagens e assim daria suporte para um tipo de lembrana-imagem.(MATOS, 2011, p. 72)

    Ela coloca ainda que:Na mesma direo, Henri Brgson, props uma dupla concepo de lembranapura e lembrana-imagem. A primeira seria a memria que rev,espontnea, imediata e perfeita, enquanto a segunda, a memria que repete,que se atualiza e tende a viver numa imagem. (MATOS, 2011, p. 72)

    9 Dr. Greg Miller co-diretor do Psychobiological Determinants of Health Laboratory, Ph.D. em psicologia clnica naUniversidade da Califrnia, atualmente professor de psicologia na Universidade de British Columbia.

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    Henri Brgson10 (1990), em seu livro Matria e Memria, alm de apresentar os

    conceitos ja citados acima por Matos (2011) de lembrana pura e lembrama imagem,

    tambm nos apresenta o Cone SAB, conceito emprestado por Ecla Bosi (1979) em seu livro

    Memria e Sociedade Lembrana de Velhos.

    Bergson: o cone da memria11

    Fonte: Bosi, 1979, pp. 47-48.

    Comentando o pensamento apresentado por Brgson (1990), a autora nos diz que:

    Para tornar mais evidente a diferena entre o espao profundo e cumulativo da

    memria e o espao raso e pontual da percepo imediata, Bergson imaginourepresent-la pela figura de um cone invertido: na base estariam as lembranasque descem para o presente; no vrtice estariam os atos perceptuais que secumprem no plano do presente e deixam passar as lembranas: Esses dois atos,percepo e lembrana, se penetram sempre, trocam sempre alguma coisa desuas substncias por um fenmeno de endosmose. (BOSI, 1979, p. 10)

    Para Brgson (1990) o presente avana no tempo sem parar, tocando um plano mvel

    que traduz a representao atual que o indivduo tem do mundo. O vrtice do cone o

    presente e simula a relao entre o real e o psquico, concentrando a imagem a partir do corpo

    ao mesmo tempo em que faz parte do plano da representao, uma vez que o toca

    pontualmente. A memria avana, acrescentando imagens e aumentando o cone, formando

    novas representaes de um lado, e aes e reaes de outro.

    Maurice Halbwachs, outro grande estudioso do campo da memria, foi aluno de

    filosofia de Bergson, entretanto se afasta de seu mestre, abrindo espao para outras influncias

    como Leibniz12, Simiand13 e mile Durkheim14 e por fim contrapondo-se a Bergson.

    10Filsofo francs, Henri Bergson nasceu em Paris, a 18 de outubro de 1859 e morreu na mesma cidade a 4 de janeiro de1941, um marco na filosofia moderna: substituindo pela viso biolgica a viso materializante da cincia e da metafsica, ele

    representa o fim da era cartesiana. Exprime, em nvel filosfico, um novo paradigma baseado na conscincia, adquirido pelacultura de seu tempo, das conexes entre a vida orgnica e a vida social e psquica.11 Na base P temos a realidade presente, em AB temos a memria, em SAB temos o ponto de contato entre percepo,memria e a realidade presente. Com o tempo a distncia entre S e AB aumenta, mas o contato com a realidade nunca umperceber puro, desconectado de AB. Aspecto importante da teoria: a memria responde ao chamado do presente. o tipo decoisa que vinculo posio de Ludlow (na posio de Burge a memria responde ao chamado do passado, por assim dizer).Compreenso do Cone de Memria de Brgson a partir de Ecla Bosi, em sua obra Memria e Sociedade, 1979, pp. 47-48.12Gottfried Wilhelm von Leibniz nasceu em Leipzig em 1 de julho de 1646 e faleceu em Hanver em 14 de novembro de1716, foi um filsofo, cientista, matemtico, diplomata e bibliotecrio alemo.13Franois Simiand nasceu em Grires em 18 de abril de 1873 e faleceu em Saint-Raphael em 13 de abril de 1935, foi umsocilogo e economista, conhecido por sua participao no jornal de sociologia L'AnneSociologiquefundado em 1898 pormile Durkheim e onde publicava os resultados de suas pesquisas e as de seus alunos, tendo sido membro tambm da EscolaFrancesa de Histria da Economia.

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    Halbwachs (2004) nos diz que as memrias so sempre coletivas uma vez que as lembranas

    se constituem a partir das diversas memrias oferecidas por um determinado grupo, a que o

    autor denomina 'comunidade afetiva'. Essa memria coletiva atua como cimento social que

    mantm as partes unidas e tambm garante o sentimento de identidade de um indivduo.

    Sobre a memria individual o autor afirma que esta sempre existe a partir damemria coletiva, uma vez que as memrias so compostas no interior de um grupo,

    afirmando que: Haveria ento, na base de toda lembrana, o chamado a um estado de conscincia

    puramente individual que para distingui-lo das percepes onde entram elementos do pensamento

    social admitiremos que se chame intuio sensvel (HALBWACHS, 2004: p.41).

    Para Halbwachs as memrias individuais alimentam-se da memria coletiva e

    histrica e incluem elementos mais amplos do que a memria construda pelo indivduo e seu

    grupo. Segundo o autor a memria se transforma e se rearticula conforme posio ocupada e

    as relaes estabelecidas nos diferentes grupos de atuao. Tambm est submetida a questesinconscientes, como o afeto, a censura, entre outros.

    A memria um processo vivido, conduzido por grupos vivos, portanto, em evoluo

    permanente e suscetvel a todas as manipulaes. tambm, um elemento essencial da

    identidade e da percepo de si e dos outros e um dos elementos fundamentais de uma cultura.

    O Jornalismo

    A sociedade produto da comunicao e comunicar muito mais do que transmitir

    informaes. De acordo com Francisco Rdiger

    15

    (1998), a comunicao que fornece acondio para a interao social. A sociedade representa muito mais do que uma simples

    interao entre indivduos, constituda a partir de uma comunidade de ao e comunicao.

    A sua existncia necessria para o desenvolvimento da vida e principalmente para o

    desenvolvimento de uma vida social com sentido. Rdiger (1998) nos diz que:

    A sociedade se confunde em sua estrutura com a cultura, na medida em querepresenta um fenmeno gerado simbolicamente pela comunicao. Acomunicao o mecanismo de coordenao da interao social, torna possvelo consenso entre as pessoas. Em funo disso, no pode ser reduzida pura esimples transmisso de experincias, consiste no processo pelo qual os sujeitos

    tm uma experincia comum da realidade, constroem seu mundo comocoletividade. (RDIGER, 1998, p. 37).

    14 mile Durkheim nasceu em pinal em 15 de abril de 1858 e faleceu em Paris em 15 de novembro de 1917, sendoconsiderado um dos pais da sociologia moderna, foi o fundador da Escola Francesa de Sociologia, posterior a Marx, quecombinava a pesquisa emprica com a teoria sociolgica, reconhecido como um dos melhores tericos do conceito da coesosocial.15Franciso Rdiger, nasceu em Porto Alegre-RS, formado em Jornalismo pela UFRGS, mestre em Filosofia pela UFRGS,doutor em Cincias Sociais pela USP, e professor da Famecos desde 1986. Autor de diversas publicaes, entre as quais estoCibercultura e ps-humanismo (2008) e Martin Heidegger e a questo tcnica (2006).

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    Dentro deste contexto comunicacional surge o jornalismo. Segundo Michael

    Kunczik16 (1997) foram os bardos viajantes, os predecessores dos jornalistas da atualidade

    uma vez que estes discorriam sobre os acontecimentos cotidianos em mercados e tambm nas

    cortes aristocrticas.

    A Associao Nacional de Jornais17

    nos diz que o primeiro jornal conhecido oActa Diurna, que surgiu em Roma por volta de 59 A.C. e teria sido uma iniciativa de Julio

    Csar. O intuito do jornal era informar o pblico sobre os acontecimentos polticos e sociais

    mais importantes do imprio, sendo assim, Julio Csar ordenou que os eventos programados

    fossem divulgados nas principais cidades. As notcias eram escritas em grandes placas

    brancas e expostas em lugares pblicos de grande circulao, mantendo os cidados

    informados sobre o governo, campanhas militares, julgamentos e execues. Foi a inveno

    da prensa e dos tipos mveis por Gutenberg em 1447, que inaugurou uma nova era, a era do

    jornal moderno e possibilitou a disseminao do conhecimento e o intercambio de idias naEuropa Ocidental.

    Os jornais comearam a surgir como publicaes peridicas freqentes na primeira

    metade do sculo XVII e foram produtos de paises como a Alemanha com o Avisa Relation

    oder Zeitung fundado em 1609, a Frana com o Gazette em fundado em 1631, a Blgica com o

    Nieuwe Tijdingen fundado em 1616 e a Inglaterra com o London Gazette , fundado em 1665, que

    ainda hoje publicado como dirio oficial do Judicirio. As notcias veiculadas eram em sua

    maioria sobre a Europa e incluam, ocasionalmente, informaes sobre a Amrica e a sia.

    O jornalismo sofreria outra grande transformao em 1844 com a inveno do

    telgrafo. Este permitiu que as informaes fossem transmitidas em questes de minutos,

    possibilitando a incluso de relatos mais atuais e relevantes no cotidiano dos jornais. Foi neste

    perodo que os jornais se tornaram o principal veculo de divulgao e recepo de

    informaes.

    Muitos outros desafios apareceriam ao longo da histria da imprensa escrita como o

    rdio nos anos 20, a televiso entre 1949 e 1990 e a internet que revolucionou o fazer

    jornalstico. Nunca se teve tanto acesso a informao de forma to rpida quanto na era da

    internet, entretanto, segundo a Associao Mundial Jornais WAN, calcula-se que um bilho

    de pessoas em todo o mundo lem um jornal todos os dias, o que comprova que os jornais em

    16Michael Kunczik nasceu em Colditz / Saxnia, em 1945, e estudou Economia e Cincias Sociais em Colnia, diplomando-se como economista poltico em 1971.Fez doutorado em 1974 em Colnia e em1987 foi nomeado como professoruniversitrio no Instituto de Jornalismo da Universidade Johannes Gutenberg de Mainz.17http://www.anj.org.br/a-industria-jornalistica/historianomundo/historiadojornal.pdf

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    papel continuam sendo um veculo popular e poderoso no relato e anlise dos eventos que

    afetam nossas vidas.

    O jornalismo como o conhecemos hoje fruto de uma troca de comunicaes que se

    basearia na chamada imparcialidade jornalstica e existiria para guiar a sociedade num

    caminho de justia e igualdade. Luiz Beltro18

    e Newton de Oliveira Quirino19

    (1986) nosdizem que a sociedade e a comunicao esto intimamente ligadas e que pode-se determinar o

    nvel de civilizao de uma sociedade ou agrupamento social pelas formas, instrumentos e

    eficcia de seu sistema comunicacional.

    A sociedade se confunde em sua estrutura com a cultura, na medida em querepresenta um fenmeno gerado simbolicamente pela comunicao. Acomunicao o mecanismo de coordenao da interao social, torna possvelo consenso entre as pessoas. Em funo disso, no pode ser reduzida pura esimples transmisso de experincias, consiste no processo pelo qual os sujeitostm uma experincia comum da realidade, constroem seu mundo comocoletividade (RDIGER, 1998, p. 37).

    Comunicar ento, muito mais do que simplesmente transmitir informaes. O

    mundo tal qual o conhecemos hoje gira em torno dos acontecimentos e daquilo que

    noticiado pelos veculos de comunicao. Entretanto a comunicao como a conhecemos hoje

    e especialmente o jornalismo, passam a ser dominados pelo que chamamos de veculos de

    comunicao de massa e pelos grandes conglomerados da comunicao, limitando e

    reduzindo o espao para notcias referentes a pequenas comunidades.

    Dentro deste conceito surge o que conhecemos como jornalismo comunitrio que

    tem como objetivo se desvincular da lgica dos veculos de comunicao de massa e assumiro papel que todo o jornal deveria desempenhar que o papel social.

    O Jornalismo comunitrio se dirige a um grupo social unido em torno de interesses

    comuns e deve ser basear, assim como qualquer tipo de jornalismo, na verdade dos fatos, na

    pesquisa de dados, na explicao de fenmenos e na interpretao da realidade. isso que

    dar a proximidade do jornal com a comunidade a que se destina ou a partir do qual feito e

    que criar uma identidade para o mesmo ao contrrio do que acontece com os grandes

    veculos de comunicao que esto distantes da comunidade ou nem sequer a conhecem.

    Ao criar um veculo de comunicao comunitria preciso que haja interao com a

    comunidade na qual est inserido. O jornalista que desempenha esse tipo de atividade

    18Luiz Beltro de Andrade Lima, nasceu em1918 em Olinda, e foi um grande colaborador do avano do campo das cinciasda comunicao no Brasil e na Amrica Latina. Trabalhou no Dirio de Pernambuco, onde foi revisor e reprter. tambm foifuncionrio pblico e foi um estudioso de jornalismo na poca em que trabalhou no Dirio de Pernambuco e em 1967 tornou-se o primeiro doutor em comunicao no Brasil.19Newton de Oliveira Quirino, ex-aluno de Luiz Beltro, posteriormente colega de pesquisa e autor de livro em parceria como mestre.

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    geralmente conhece as pessoas pelo nome, aceita e respeita o modo de vida dessas pessoas e a

    maneira como se expressam ainda que de forma coloquial ou errada.

    O jornal comunitrio, enquanto comunicao horizontal, passa a ser a voz da

    comunidade, mediando o discurso destes sujeitos e dos demais discursos sociais, pois articula

    as muitas vozes que se tornam pblicas no espao miditico, organizando-as na referncia dosfatos no processo de construo textual e imagtico, que se tornar material simblico ao ser

    captado pela memria social.

    Este material constitui-se num discurso verbal (expressado pelas vozes dos textos) e

    visual (fotografias e imagens ilustrativas das matrias), que combinados aumentam o poder de

    penetrao na memria social pelo reforo de identidades e representaes sociais, por

    intermdio da seleo e da edio do material publicado, auxiliando na fixao de sentidos e

    na construo de modos de recordao.

    Jornalismo e Memria

    Pode parecer contraditria a preocupao de relacionar jornalismo e memria uma

    vez que, segundo o senso comum, o jornal de hoje serve para embrulhar o peixe de amanh.

    Segundo Fernandes20no jornalismo considerado em sua especificidade, ao realizar escolhas,

    haver sempre o predomnio da busca do novo. Os jornais so escritos para a divulgao de

    acontecimentos de seu tempo, sem a preocupao de anot-los para uma gerao futura.

    Neste caso pode parecer paradoxal a relao entre jornalismo e memria, mas para a autora:

    H, porm, laos estreitos entre estes elementos constitutivos dos meios decomunicao nas sociedades contemporneas. Eles mediam a relao dos sujeitose interferem nas transformaes do que acontece. Produzem sentidos para osprocessos histricos nos quais esses sujeitos esto inseridos. Ao faz-lo, destacamos fatos da atualidade, que se tornam memorveis no futuro. O que foiselecionado como mensagem jornalstica, ao registrar aspectos relevantes darealidade acaba envolto numa espcie de luz ou claridade, chamando a atenodos historiadores. (FERNANDES, 1997)

    Para Ivan Izquierdo, a memria o nosso senso histrico e tambm o nosso senso de

    identidade pessoal, como ento no associar a memria ao fazer jornalstico, uma vez que, a

    partir do que recordamos que podemos escolher o que importante ou no, no presente. Ao se

    elaborar a pauta de um jornal, escolhe-se o que ser lembrado e o que ser esquecido. Para

    Fernandes

    Na verdade, fatos novos no so criados a partir do nada. So articulados apartir de um passado que se fez linguagem e vai sendo reconstitudo nossujeitos que produzem narrativas jornalsticas do presente rastreando os

    20 Prof Dra. Terezinha Ftima Tag Dias Fernandes. Departamento de Jornalismo e Editorao Escola deComunicao e Artes Universidade de So Paulo So Paulo S.P / Brasil.

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    sentidos dos fatos no passado. Esta articulao permanente. (FERNANDES,1997)21

    A midias ento passam ento, segundo Henn22(2006, p. 179) a constituir um lugar

    privilegiado para os agenciamentos envolvendo a memria coletiva e, sobretudo, o

    enquadramento da memria. A partir deste agendamento, os indivduos passam a seidentificar com os acontecimentos pblicos relevantes para o seu grupo. Segundo

    Burke23 (2000, p.70) Lembram muito o que no viveram diretamente. Um artigo de

    noticirio, por exemplo, s vezes se torna parte da vida de uma pessoa. Da, pode-se descrever

    a memria como uma reconstruo do passado.

    A memria ento como uma forma de acesso ao passado, e fonte de identidade

    tanto pessoal quanto coletiva. Memria individual e coletiva alimentam e guardam

    informaes relevantes para os sujeitos e tm, por funo primordial garantir a coeso do

    grupo e o sentimento de pertinncia entre seus membros.A informao e a comunicao so mediadoras do processo de construo da

    memria e de identidade, que no so somente individuais, mas peas do contexto social que

    precede e continua alm do homem e dos grupos sociais.

    Um aspecto interessante apresentado por Jiani Adriana Bonin24 (2009) o de

    pensarmos na ao das mdias como lugares de memria, sobre isso ela nos diz que:

    A noo de lugares de memria, recuperada por Candau (2002) do trabalho deNora, tambm se afigura como produtiva para essa discusso, medida que

    permite pensar a constituio de marcos da memria social como produto dotrabalho dos grupos sociais. Remete a uma unidade significativa, de ordemmaterial ou simblica, a que a vontade de homens (grupos) e/ou o trabalho dotempo converteram num elemento simblico de uma determinadacomunidade/grupo. A ideia de fabricao subjaz nessa definio e permitepensar que os lugares de memria so mveis, produto da articulao dememrias plurais, mais ou menos antigas, com frequncia conflitivas e queinteratuam entre si, passveis de reinterpretaes diversas e, inclusive, de setornarem lugares de esquecimento. Tal noo abre a possibilidade depensarmos na ao das mdias tambm como agentes de constituio de lugaresde memria social. (BONIN, 2009, p. 87)

    Voltando-nos ao jornalismo e em especial ao jornalismo comunitrio como forma de

    suporte e construo da memria local usaremos o jornal comunitrio O Pescador como

    21 A citao no possui nmero de pgina, pois o artigo disponvel em http://www.entretextos.jor.br/page_txt.asp?smn=2&txt=39&sbmn=5 no possui numerao de pginas.

    22 Ronaldo Henn, Doutor em Comunicao e Semitica pela PUC de So Paulo e professor no PPG em Cincias daComunicao da Unisinos.23Peter Burke nasceu em Stanmore em 1937 e um historiador ingls com doutorado em Oxford (de 1957 a 1962), foiprofessor de Histria das Idias na School of European Studies da Universidade de Essex, professor na Universidade deSussex e professor da Universidade de Princeton, atualmente professor emrito da Universidade de Cambridge.24 Jiani Adriana Bonin doutora em Cincias da Comunicao pela Universidade de So Paulo, professora de curso deespecializao em Comunicao Popular e Alternativa da UEL e professora do Cesumar.

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    exemplo. O projeto do jornal O Pescador surgiu na Escola de Comunicao Social da

    Universidade Catlica de Pelotas no curso de Jornalismo, por uma reivindicao dos

    prprios alunos, com o objetivo de discutir e desenvolver o jornalismo comunitrio, ou seja,

    de novas formas de ao jornalstica, a partir de um processo comunicativo horizontal,

    alternativo, participativo e inclusivo. Trata-se da produo de um jornal comunitrioimpresso, de periodicidade mensal, direcionado comunidade da Colnia de Pescadores Z3,

    bairro perifrico da cidade de Pelotas.

    A escolha da Z3 como primeira comunidade a receber o projeto, se deu com base em

    alguns critrios pr-determinados. Primeiro, por ser uma comunidade afastada do centro

    urbano. Segundo, por ter vida prpria, sua cultura, seu jeito de ser. Ento, a Z3 se encaixou

    perfeitamente nesses requisitos. O projeto que se desenvolve desde o ano 2000, nasceu tendo

    como ideal o desenvolvimento de novas formas de comunicao, baseado nas teorias do

    jornalismo comunitrio, ou seja, propor um veculo alternativo e popular, voltado para osinteresses da comunidade.

    O jornal comunitrio deve e busca ser o espelho da comunidade a que se destina,

    para assim construir uma estreita relao entre os sujeitos interagentes. Com o projeto novas

    possibilidades foram abertas, as quais inegavelmente alteram diversos padres no processo de

    comunicao entre emissores e receptores. Portanto, vale destacar o carter coletivo do

    jornalismo comunitrio. Segundo Chaui25 (2003, p. 140), a filosofia, a grosso modo,

    conceitua memria como uma atualizao do passado ou a presentificao do passado e

    tambm registro do presente para que permanea como lembrana.

    Campos26defende que o jornalismo comunitrio uma prtica voltada (...) para os

    interesses de um grupo de pessoas que vivem em comunidade porque tm algo em comum: o

    mesmo bairro, o mesmo trabalho, a mesma religio, a mesma escola, o mesmo sindicato etc.

    Segundo Campos, o jornalista observa a comunidade profundamente, ele participa dela e

    consegue ento retrat-la e mostrar a vida desta comunidade como algum que vive nela. Na

    comunidade, o jornalista permanentemente convidado a integrar rgos colegiados,

    associaes, grupos de debate, jurado de eventos culturais etc. Isto ocorre porque a

    comunidade reconhece nele a capacidade de liderar e de influenciar. Dotado de princpios

    25Marilena de Souza Chaui nasceu em Pindorama So Paulo, em 4 de setembro de 194,1 uma filsofa e historiadora defilosofia brasileira. Professora de Filosofia Plotica e Histria da Filosofia Moderna da faculdade De Filosofia, Letras eCincias Humanas da Universidades de So Paulo. (FFLCH-USP). mestre (1967, Merleau-Ponty e a crtica dohumanismo),doutora (1971, Introduo leitura de Espinosa) e livre docente de Filosofia (197, A nervura do real: Espinosa e a questo daliberdade) pela USP.26Pedro Celso Campos professor do Departamento de Comunicao Social da Unesp - Bauru, e trabalha com ComunicaoComunitria. Graduadoem Jornalismo pela Universidade de Braslia (1976), mestre em Comunicao e Poticas Visuaispela Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (1997) e doutor em Cincias da Comunicao. Concentrao:Jornalismo pela Universidade de So Paulo/SP-Escola de Comunicao e Artes/ECA (2006).

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    ticos, o comunicador comunitrio deve aproveitar esse contato direto para estar sempre

    aprendendo com a comunidade de modo a poder servi-la cada vez melhor, sem jamais impor

    os seus processos, mas sempre discutindo, democraticamente, o melhor caminho em cada

    situao (CAMPOS, 2006).

    O Jornal O Pescador e os resultados encontrados junto comunidade

    Desde 2006, pesquisas vem sendo realizadas para avaliar os resultados do Jornal O

    Pescador junto aos moradores da Colnia Z 3. Estas pesquisas tanto tem sido de origem

    quantitativa como qualitativa, tendo tambm sido realizados documentrios em udio e vdeo.

    Quanto s pesquisas quantitativas27, verifica-se que a maioria dos entrevistados tem acesso ao

    jornal de alguma forma e que a maioria conhece O Pescador, constata-se que a maioria l

    todo o Jornal, e que mesmo os que no lem o jornal, recebem algum tipo de informao,

    produzida na comunidade, e transmitida por seu intermdio. O contedo do jornal, perante acomunidade, est entre Muito Bom e Bom, uma vez que foram os dois conceitos que mais

    apareceram nas pesquisas, pois a maioria dos entrevistados acredita que o jornal em algum

    momento, mesmo que no seja sempre, e que nem toda a comunidade participe da elaborao

    do Jornal consegue retratar a realidade da comunidade. A maioria dos entrevistados acredita

    que o Jornal importante para a comunidade, e ressalta a sua importncia devido a ele tratar

    de assuntos relativos a vida da comunidade. As razes pelas quais os entrevistados afirmam

    que O Pescador importante para a comunidade8 so: Fala sobre assuntos e problemas da

    comunidade" (19,7%), "Apresenta informao, notcias, conhecimento" (13,1%), "Se temacesso ao que est acontecendo" (8,2%), "Divulga a pesca e produtos da localidade" (3,3%), e

    por fim com igual representatividade esto as seguintes opes "A gente se v nele" (1,6%),

    "Aborda assuntos atuais" (1,6%), "Com ele muita coisa melhorou" (1,6%), e "Divulga a parte

    social da colnia" (1,6%").

    Um dado extremamente relevante que a maior parte dos entrevistados possui um

    interesse maior pelas entrevistas apresentadas no jornal O Pescador, e pelo contedo relativo

    pesca. Estes ndices mostram que, de certa maneira, o que mais chama ateno no jornal, o

    contedo relativo vida da comunidade e sua principal atividade econmica, uma vez que, asentrevistas em vrias ocasies, apresentam assuntos relativos a esta temtica.

    Com relao s pesquisas qualitativas, realizadas com afinalidade de se conhecer um

    pouco mais sobre os conceitos centrais propostos pelo trabalho de construo de identidade,

    forma de expresso comunitria e popular, buscou-se saber como esses so percebidos pela

    27Michel e Oliveira, 2006; Ribeiro, Renhardt e outros (2007); Baini e Saab (2010), entre outras.

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    comunidade local. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas cujas questes foram feitas

    diretamente aos indivduos escolhidos na populao. Essas entrevistas foram gravadas e em

    seguida transcritas para uma melhor compreenso. As anlises foram realizadas atravs do

    contedo puro e simples da fala dos entrevistados, em funo do objeto de estudo, e foram

    confrontadas com os conceitos tericos para verificar a pertinncia entre elas, buscandocompreender a relao jornal O Pescador e comunidade de Pescadores da colnia Z3.

    Assim, a pesquisa qualitativa, que teve por objetivo aprofundar questes levantadas

    na pesquisa quantitativa, revelou dados importantes que demonstram como a comunidade

    percebe o Jornal O Pescador. Os entrevistados, j na pesquisa de 200628, mostraram que o

    Jornal um referencial para a comunidade, que anteriormente precisava buscar informaes

    atravs de outros meios de comunicao que nem sempre representavam a realidade da

    comunidade em questo. Outro ponto importante que deve ser lembrado que a comunidade

    quer se enxergar no jornal, e quer que os problemas de sua comunidade sejam apresentadosatravs deste veculo.

    Oliveira (2006, p. 36) coloca que segundo Mota (2006) O Jornal informa sobre a

    cooperativa, antes sobre o sindicato, ele at contribui para a sade (...). Conceio (2006) ao

    falar do surgimento do Jornal O Pescador na Colnia Z3, afirma que o Sindicato dos

    Pescadores de Pelotas tem participado ativamente dele. o que afirma Jaudete (2006) ao

    dizer que o jornal O Pescador tudo. A gente tem as notcias, bonito um, ah, te liga, eu te

    vi no jornal. Tu falou no jornal. Alerta o pessoal, e se tem alguma coisa que ta mal, as pessoas

    vai, n, o povo vai ver. O Posto de sade, o posto policial, tudo n. um espetculo! Cabe

    ainda ressaltar que o Jornal O Pescador foi motivo de transformao na vida dos moradores da

    Colnia Z3. o que afirma Laura de Oliveira Mateus (2006) ao falar de sua relao com o

    Jornal:

    Inclusive, eu cheguei longe por causa do Jornal O Pescador, porque ai vieramaqueles rapazes que fizeram O Pescador, e tambm o livro aquele, Histria dePescador, e eles pegaram dois trabalhos meus, trabalhinhos simples, pegaram ebotaram no livro. Isso ai valorizou muito meu trabalho. Depois, por fim, arevista Caros Amigos, editou dois trabalhos meus, e at hoje eu to registrada lcom eles (...)

    28Everaldo Peres Mota morador da Colnia Z3 h 48 anos, e presidente da Cooperativa dos Pescadores Profissionais eArtesanais Lagoa Viva Ltda. Nilmar Conceio morador da Colnia Z3 h 40 anos. Pescador e, atualmente, presidentedo Sindicato dos Pescadores de Pelotas. Jaudete possui comercio na Colnia Z3, onde tambm moradora h 50 anos. Elaconcedeu entrevista aos pesquisadores em 04 de novembro de 2006. Laura de Oliveira Mateus moradora da Colnia Z3 h15 anos. Durante trs anos, manteve uma coluna no jornal O Pescador. Todos concederam entrevistas aos pesquisadores em04 de novembro de 2006 e autorizaram a publicao de seus nomes.

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    Estas informaes foram novamente aferidas por Michel e Oliveira (2007).

    Abordando ainda a questo da transformao na comunidade, segundo Ribeiro, Renhardt e

    outros (2007, p.4);

    Fazendo um balano desses sete anos, possvel observar uma fantstica

    evoluo, tanto em termos de trabalho quanto de resultados. O jornal hoje estconsolidado como um veculo comunitrio que inaugurou uma nova forma dedilogoentre a comunidade e o poder pblico. Muitas das melhorias estruturaisda Z-3 s foram possveis porque os moradores tinham esse instrumento paragritar, reivindicar. O poder pblico tem outros olhos e age com mais atenoem comunidades que tem o poder de se expressar.

    Posies similares dos moradores quanto ao jornal O Pescador foram mostradas no

    vdeo documentrio realizado em 2010 e classificado para a Expocom Sul 2011.

    Os jornais comunitrios e o fortalecimento da memria das comunidades

    Os jornais comunitrios e aqui citamos o exemplo do jornal O Pescador, deveriamatender a veiculao de informaes e o fortalecimento da memria da comunidade em

    questo. Esta proposio encontra apoio em Walter Benjamin, filsofo alemo, para quem o

    passar dos tempos e a chegada dos tempos modernos trouxe a desorientao das formas

    especificamente modernas de narrativa (romance moderno, short-story, jornal), porque foi

    deixando de existir a capacidade de contar histrias, e com isso instalou-se a incapacidade

    de trocar experincias. Benjamim29 (1983) afirmava que as melhores narrativas escritas

    eram aquelas que se aproximavam das histrias orais contatadas por inmeros narradores

    annimos, e consistiam num meio artesanal de comunicao, e na sua perspectiva existemincompatibilidades inconciliveis entre a narrativa e a informao. A narrativa oferece

    reflexo, espanto e nunca se exaure; a segunda surge de forma efmera e somente tem

    validade enquanto novidade. O autor aponta a definio de memria como uma capacidade

    pica30 e para ele, existe uma diferena de atuao da lembrana na narrativa e no romance,

    sendo ambos advindos da epopia que se divide em dois momentos: o da memria

    perenizante do romancista em oposio memria de entretenimento do narrador

    (BENJAMIN, 1983, p. 67). Assim ele define a informao jornalstica moderna como incapaz

    de ser apreendida pela memria, por conta de sua pecha de produto a ser consumidoinstantaneamente. (...) reduz-se ao instante em que era nova. Vive apenas nesse instante,

    29Walter Benedix Schnflies Benjamin nasceu em Berlim em 15 de julho de 1892 e faleceu em Portbou em 27 de setembrode 1940, foi um ensasta, crtico literrio, tradutor, filsofo ne socilogo judeu alemo, associado Escola de Frankfurt e teoria Crtica.30A Mnemosia, deusa da reminiscncia, era a musa do gnero pico entre os gregos.

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    precisa entregar-se inteiramente a ele, e, sem perda de tempo, comprometer-se com ele.

    (1983, p. 61-62).

    Para Benjamim o sujeito moderno, leitor vido de informaes apresenta uma nova

    forma de lidar com a memria, que se forma fugaz. Para a imprensa importa aquilo que

    novidade, assim rapidamente ela substitui informaes por outras mais novas, e este processose torna contnuo, por isso a imprensa estar condenada a no contribuir com a memorizao

    dos fatos e no deve ter muitas pretenses junto questo da memria. Porm Benjamim

    (1983) torna possvel outra concepo no que se refere ao jornalismo comunitrio que pode se

    tornar instrumento de aquisio, conservao e evocao da memria de uma determinada

    comunidade, isto porque apesar de predominar no jornalismo a busca pelo novo, ressalta-se

    que seus discursos produzem sentido para os processos histricos e destacam os fatos que se

    tornaro memorveis no futuro, principalmente quando so produzidos e relatados a partir da

    prpria comunidade.Segundo Enne e Tavares (2004) eternizar um dado momento atravs da escrita ,

    sob certo aspecto, domesticar e selecionar a memria. Partindo deste principio, os jornais,

    principalmente os impressos, podem ser um instrumento valioso para a construo da histria

    de um determinado lugar, pois so vestgios, traos do passado que podem ajudar na

    constituio e preservao da memria de uma comunidade.

    Consideraes

    A partir das diferentes teorias abordadas no decorrer do texto pode-se afirmar que ojornalismo, em especial o jornalismo comunitrio, so mediadores do processo de construo

    da memria e de identidade, que no so somente individuais, mas peas do contexto social

    que precede e continua alm do homem e dos grupos sociais.

    Com base no conceito de Ivan Izquierdo (1989), de que a memria o nosso senso

    histrico e tambm o nosso senso de identidade pessoal, como no podemos deixar de

    associ-lo ao fazer jornalstico, uma vez que, a partir do que recordamos que podemos

    escolher o que importante ou no, no presente. Temos ento a viso de Henn (2006) para

    quem as mdias se constituem em lugar privilegiado em que a memria coletiva agenciada e,sobretudo, enquadrada.

    Sendo assim, nos baseamos no fato de que o jornalismo comunitrio, e tomamos

    como exemplo o jornal comunitrio O Pescador, busca ser um espelho da comunidade a que

    se destina e tem como proposta principal a busca e seleo de fatos memorveis para os

    moradores da comunidade assim como de suas lutas sociais. Embora o jornalismo sofra a

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    forte influncia dos princpios da cultura de massa sobre o indivduo que emite e recebe a informao

    jornalstica, os jornais comunitrios podem e devem usar uma espcie de filtro diferente do

    existente nos veculos de comunicao massivos, para a partir da construir uma outra prtica

    em que a narrativa contribua para que aquilo que narrado esteja efetivamente ligado tanto

    identidade social como a representao que os moradores da comunidade fazem de si e istocontribua para a construo e preservao de sua memria como indivduos, como grupos e

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